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“É para o homem, na fugacidade de sua vida, mas na grandeza de sua singularidade no

universo, que devem voltar-se as instituições da sociedade.”


(Ulysses Guimarães
Pág. 23, do Diário da Assembleia Nacional Constituinte, de 03/02/87)

As transformações no Direito derivam das remodelações sociais.

O avanço e a imersão da tecnologia no cotidiano social pululam a necessidade de adequação jurídica às


novas realidades.

Dentre as novas peculiaridades, questiona-se atualmente acerca da possibilidade jurídica de


transmissibilidade dos bens armazenados virtualmente, na hipótese de falecimento do titular.

Recente objeto de estudo do direito das sucessões, a chamada herança digital, pode ser compreendida como
o conjunto de dados digitais acumulados pelo individuo durante a vida, ou seja, estamos a tratar de legado
virtual.

Recorda-se que essa gama de conteúdo intangível pode ser composta exclusivamente por dados dotados de
valor unicamente afetivo, como interações, convicções, fotos e produções criativas sem valor financeiro, ou,
eventualmente, corresponder a itens economicamente apreciáveis, como aplicativos, blogs, milhas,
assinaturas e contas com valor financeiro potencial.

Em ambos os casos, não faltam questionamentos sobre o destino da herança digital. Poderiam, por exemplo,
os pais terem acesso às redes sociais dos filhos falecidos? Posso continuar a impulsionar o canal do Youtube
do meu marido, após sua morte? É possível os herdeiros assumirem as milhas ou os bitconis do de cujus?

Se por um lado há quem defenda a possibilidade de transmissibilidade dos bens virtuais, por outro, há quem
advogue por sua extinção com o falecimento, assegurando a prevalência dos direitos da personalidade e,
consequentemente, o respeito direito à privacidade do de cujus.

Assim, pode-se afirmar que a expansão dos bens a serem considerados para fins de herança perpassa
necessariamente na deliberação acerca do alcance da proteção do direito constitucional à privacidade.

Nesse viés, a solução viável da tentativa de equalização do anseio social, do direito à vida íntima do falecido
e da necessidade dos herdeiros, talvez esteja em perquirir acerca do desejo do falecido.

Nesse norte, é o que aponta a norma do artigo 1.857, §2º, ao admitir que o testamento (de uso ainda
subestimado) tenha um conteúdo extrapatrimonial.

Para aqueles que pretendem assegurar que a divulgação de seu legado digital não fique nas mãos de seus
herdeiros, além da possibilidade do testamento, recorda-se que algumas redes sociais, como o facebook, o
twitter e a Google, já criaram mecanismos que possibilitam o usuário, ainda em vida, apontar o caminho de
gerenciamento do seu acervo digital, após a morte.

Outra possível solução para a dicotomia herança virtual x direitos da personalidade talvez se encontre na
diferenciação entre os conteúdos que clamem a tutela da intimidade e da vida privada daqueles que não o
fazem, de modo que apenas aqueles que possuam valoração econômica passem a integrar o acervo
sucessório.

De toda sorte, até que o direito se aproxime do real e atual mundo virtual, a melhor maneira de acautelar a
intimidade e privacidade, bem como assegurar que seu patrimônio digital seja transmitido para o indivíduo
de sua preferência, é a expressa declaração de vontade em vida, por testamento ou outro instrumento público
ou particular (inclusive nos campos destinados para tais fins nos próprios ambientes eletrônicos) ou outra
exteriorização do desejo por meio de comportamento concludente ao fim esperado.

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