Você está na página 1de 203

SÉRIE O F T A L M O L O G I A BRASILEIRA

C O N S E L H O B R A S I L E I R O DE O F T A L M O L O G I A

3* Edição

Coordenador
MILTON RUIZ ALVES

BANCO DE OLHOS,
TRANSPLANTE DE CÓRNEA

HAMILTON MOREIRA
LUCIENE BARBOSA DE SOUSA
ELCIO HIDEO SATO
MARCO ANTÔNIO REY DE FARIA
CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA

SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA

3a Edição

BANCO DE OLHOS,
TRANSPLANTE DE CÓRNEA

2013-2014
SÉRIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO

BANCO DE OLHOS,
TRANSPLANTE DE CÓRNEA

EDITORES

Hamilton Moreira Elcio Hideo Sato


Diretor do Hospital de Olhos do Paraná Professor da Pós-Graduação do Departamento de
Doutor em Oftalmologia da Universidade Federal Oftalmologia da Escola Paulista de
de São Paulo, UNIFESP Medicina - UNIFESP
Diretor Médico Adjunto do Banco de Olhos do
Luciene Barbosa de Sousa Hospital São Paulo
Professora da Pós-Graduação do Departamento
de Oftalmologia da UNIFESP Marco Antônio Rey de Faria
Professor Adjunto de Oftalmologia do
Chefe do Setor de Córnea e Doenças Externas da
Departamento de Cirurgia do Centro de Ciências
UNIFESP
da Saúde da Universidade do Rio Grande do Norte
Presidente da Associação Pan-Americana de Banco
Presidente do Conselho Brasileiro de
de Olhos
Oftalmologia - Gestão 2011-2013
Coordenadora da Residência Médica - Fundação
Banco de Olhos de Goiás

COORDENADOR
Milton Ruiz Alves

m
GUANABARA C u ltu ra Médica®
KOOGAN
Rio de Janeiro - RJ - Brazil

V
CIP-BRASIL. CATALOGAÇAO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

B161
3. ed.

Banco de olhos, transplante de córnea/editores Hamilton Moreira, ... [et al.j; coordenador Milton
Ruiz Alves. - 3.ed. - Rio de Janeiro: Cultura Médica: Guanabara Koogan, 2013.
11. (Oftalmologia Brasileira / CBO)

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978-85-7006-620-6

1. Banco de olhos. 2. Transplante de córnea. 3. Córnea - Cirurgia. I. Moreira, Hamilton. II. Alves, Milton
Ruiz. III. Conselho Brasileiro de Oftalmologia. IV. Série.

13-06566 CDD: 617.719


CDU: 617.713

© Copyright 2013 Cultura Médica®

Esta obra está protegida pela Lei n° 9.610 dos Direitos Autorais, de 19 de fevereiro de 1998, sanciona­
da e publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998.
Em vigor a Lei n- 10.693, de I a de julho de 2003, que altera os Artigos 184 e 186 do Código Penal e
acrescenta Parágrafos ao Artigo 525 do Código de Processo Penal.
Caso ocorram reproduções de textos, figuras, tabelas, quadros, esquemas e fontes de pesquisa, são de
inteira responsabilidade do(s) autor(es) ou colaborador(es).

Qualquer informação, contatar a Cultura Médica®

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

Responsável pelo Lciyout/Formatação: Cultura Médica


Responsável pela Impressão: Guanabara Koogan

Cultura Médica®
Rua Gonzaga Bastos, 163
20541-000 - Rio de Janeiro - RJ
Tel.(55 21)2567-3888
Site: www.culturamedica.com.br
e-mai 1: cu 11tira@cu 1turamed ica.com.br

VI
Colaboradores

Adriana dos Santos Forseto Marcelo Carvalho da Cunha


Alexandre Seminoti Marcon Márcio Zapparoli
Ana Luisa Hofling-Lima Newton Kara-José
Bruno Castelo Branco Nilo Holzchuh
Bruno Machado Fontes Patricia Maria Fernandes Marback
Cássio Vendramin Paulo Elias Correa Dantas
Cinara Sakuma de Oliveira Paulo Schor
Claudia Maria Francesconi Peter J. McDonnell
Cristina Muccioli Procópio Miguel dos Santos
Daniel Wasilewski Rafael Allan Oechsler
Denise Fornazari de Oliveira Renato José Bett Correia
Fernando dos Reis Spada Ricardo de Carvalho Rocha
Flávio Eduardo Hirai Roberson Garcia de Carvalho
Flávio Jaime da Rocha Ronald E. Smith
Gleisson Rezende Pantaleão Rosane Silvestre de Castro
Guilherme José Nunes M. Rocha Sâmia Ali Wahab
Heloisa Helena A. R. Giacometti Samir Jacob Bechara
Homero Gusmão de Almeida Vinícius Coral Ghanem
r

José Alvaro Pereira Gomes Waldir Martins Portellinha


José Antonio de Almeida Milani Wallace Chamon
Luciane Moreira Walton Nosé
Lúcio Herculano Galvão Dantas

VII
Apresentação

Quando do lançamento da Série Oftalmologia Brasileira, o Professor Hamilton Moreira, então


presidente do CBO, inicia o seu prefácio da seguinte maneira: são acima de 6000 páginas, es­
critas por mais de 400 professores. É a maior obra da maior instituição oftalmológica brasilei­
ra: o Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
A concretização da Série Oftalmologia Brasileira representa a continuidade de um traba­
lho, um marco, a realização de um sonho.
Com o pensamento voltado na defesa desse sonho que, tenho certeza, é compartilhado
pela maioria dos oftalmologistas brasileiros, estamos dando início a uma revisão dos livros
que compõem a série. Além das atualizações e correções, resolvemos repaginá-los, dando-lhes
uma nova roupagem, melhorando sua edição, de maneira a tornar sua leitura a mais prazerosa
possível.
Defender, preservar e aperfeiçoar a cultura brasileira, aqui representada pelo que achamos
de essencial na formação dos nossos Oftalmologistas, é responsabilidade e dever maior do
Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
O conhecimento é a base de nossa soberania, e cultuar e difundir o que temos de melhor
é a nossa obrigação.
O Conselho Brasileiro de Oftalmologia se sente orgulhoso por poder oferecer aos nossos
residentes o que achamos essencial em sua formação.
Sabemos que ainda existirão erros e correções serão sempre necessárias, mas também
temos consciência de que todos os autores fizeram o melhor que puderam.
Uma boa leitura a todos.

Marco Antônio Rey de Faria


Presidente do CBO

IX
Agradecimentos

0 projeto de atualização e impressão desta terceira edição da “Série Oftalmologia Brasileira”


contou, novamente, com a parceria privilegiada estabelecida pelo Conselho Brasileiro de Oftal­
mologia com importantes empresas do segmento oftálmico estabelecidas no Brasil.
Aos autores e colaboradores, responsáveis pela excelente qualidade desta obra, nossos
mais profundos agradecimentos pela ampla revisão e atualização do conteúdo e, sobretudo,
pelo resultado conseguido que a mantém em lugar de destaque entre as mais importantes
publicações de Oftalmologia do mundo.
Aos presidentes, diretores e demais funcionários da Alcon, Genom, Johnson & Johnson e
Varilux nossos sinceros reconhecimentos pela forma preferencial com que investiram neste
projeto, contribuindo de modo efetivo não só para a divulgação do conhecimento, mas, tam­
bém, para a valorização da Oftalmologia e daqueles que a praticam.
Aos jovens oftalmologistas, oferecemos esta terceira edição da “Série Oftalmologia Bra­
sileira”, importante fonte de transmissão de conhecimentos, esperando que possa contribuir
tanto para a formação básica quanto para a educação continuada. Sintam orgulho desta obra,
boa leitura!

Milton Ruiz Alves


Coordenador da Série Oftalmologia Brasileira

A lca rí
a Novartis company G EN O M
OFTALMOLOGIA

u m a Lente © ssilor ©ssiLor

XI
Sumário

SEÇÃO I
Banco de Tecidos Oculares

1 Introdução.................................................................................................................................................................3
Luciene Barbosa de Sousa • Hamilton Moreira • Marco Antônio Rey de Faria

2 Distribuição de Córneas.................................................................................................................................13
Luciene Barbosa de Sousa

3 Critérios de Exclusão do Doador.................................................................................................................15


Vinícius Coral Ghanem • Hamilton Moreira

4 Riscos de Transmissão de Infecção........................................................................................................... 19


Cristina Muccioli • Daniel Wasilewski • Rafael Allan Oechsler • Sâmia Ali Wahab • Gleisson Rezende Pantaleão
Fernando dos Reis Spada • Guilherme José Nunes Marques Rocha • Hamilton Moreira

5 Sorologia Obrigatória - Interpretação dos Testes Sorológicos..................................................25


Luciene Barbosa de Sousa • Rafael Allan Oechsler • Renato José Bett Correia • Hamilton Moreira

6 Septicemia.............................................................................................................................................................. 27
Daniel Wasilewski • Guilherme José Nunes Marques Rocha • Peter J . McDonnell

7 Doenças do Sistema Nervoso Central..................................................................................................... 29


Daniel Wasilewski • Hamilton Moreira

XIII
8 Doadores com Câncer............................................................................................................... 31
Daniel Wasilewski • Hamilton Moreira

9
r

Qualidade de Tecido Doador e Causa do O b it o ......................................................... 33


Roberson Garcia de Carvalho • Hamilton Moreira

10 Relação entre Idade do Doador e do Receptor de Córneas para Transplante 35


Rosane Silvestre de Castro

11 Equipamentos Necessários para o Funcionamento de um Banco de


Tecidos Oculares.......................................................................................................................... 37
Procópio Miguel dos Santos

12 Técnica para Enucleação do Globo Ocular do Doador de Córnea...................... 41


Elcio Hideo Sato • Gleisson Rezende Pantaleão • Hamilton Moreira

13 Câmara de Fluxo Laminar para o Processamento das Córneas........................... 45


Alexandre Seminoti Marcon • Hamilton Moreira

14 Técnica de Preparação do Botão Corneoescleral em Olho.


Enucleação e Retirada in Situ.................................................................................................. 47
Gleisson Rezende Pantaleão • Márcio Zapparoli • Hamilton Moreira

15 Enucleação e Retirada in Situ.................................................................................................. 51


Daniel Wasilewski • Ronald E. Smith

16 Sangramento na Retirada da Córnea.................................................................................. 53


Indene Barbosa de Sousa • Hamilton Moreira

17 Recomposição Estética do D oador....................................................................... 55


Gleisson Rezende Pantaleão • Márcio Zapparoli • Sâmia Ali Wahab

18 Avaliação do Botão Corneoescleral em Lâmpada de Fenda . . . 57


Gleisson Rezende Pantaleão • Cássio Vendramin • Sâmia Ali Wahab • Hamilton Moreira

19 Conservação da Córnea para o Transplante........................................... 63


Bruno Machado Fontes • Flávio Jaime da Rocha

20 Conservação das Córneas para Transplantes Lamelar e Tectônico 65


Flávio Jaim e da Rocha

XIV
21 Mudanças nos Bancos de Olhos com as Novas Técnicas de Transplante de Córnea. . .67
Luciene Barbosa de Sousa

22 Processamento e Conservação do Tecido Escleral......................................................................... 69


Daniel Wasilewski • Waldir Martins Portellinha

23 Obtenção e Conservação da Membrana Amniótica para Uso em Oftalmologia..............71


Daniel Wasilewski • José Álvaro Pereira Gomes

SEÇÃO II
Transplante de Córnea

24 Histórico................................................................................................................................................................. 75
Wallace Chamon

25 Indicações de Transplante de Córnea......................................................................................................79


Paulo Elias Correa Dantas

26
r

índices de S u cesso ........................................................................................................................................... 85


Ricardo de Carvalho Rocha • Patricia Maria Fernandes Marback

27 Apresentação das Técnicas Cirúrgicas..................................................................................................... 89


Patricia Maria Fernandes Marback • Ricardo de Carvalho Rocha

28 Ceratoplastia Penetrante................................................................................................................................ 93
Mareia Higashi • Elcio Hideo Sato

29 Ceratoplastia Lamelar Anterior.................................................................................................................101


Walton Nosé • Adriana dos Santos Forseto

30 Ceratoplastia Lamelar Posterior..............................................................................................................103


Alexandre Seminoti Matron • Luciene Barbosa de Sousa

31 Perspectivas Futuras em Transplantes Lamelares...........................................................................105


Alexandre Seminoti Marcou • Luciene Barbosa de Sousa

32 Transplante Tectônico....................................................................................................................................107
Samir Jacob Bechara • Gleisson Rezende Pantaleão • Hamilton Moreira

XV
33 Epiceratoplastia 109
Alexandre Seminoti Marcon

34 Ceratoplastia Rotacional.............................................................................................................................. 111


Samir Jacob Bechara

35 Transplante de Córnea Autólogo..............................................................................................................113


Daniel Wasilewski • Hamilton Moreira

36 Ceratoprótese....................................................................................................................................................115
Lúcio Hercuiano Calvão Dantas

SEÇÃO III
Manejo Pós-Operatório e Complicações

37 Astigm atism o...................................................................................................................................................119


Fernando dos Reis Spada • Flávio Eduardo Hirai • Márcio Zapparoli Cássio Vendramin
Gleisson Rezende Pantaleão • Sâmia Ali Wahab • Hamilton Moreira • Elcio Hideo Sato

38 Rejeição e Falência........................................................................................................................................ 135


Paulo Elias Correa Dantas • Denise Fornazari de Oliveira • Rosane Silvestre de Castro • Newton Kara-José
Cinara Sakuma de Oliveira • Márcio Zapparoli • Cássio Vendramin

39 Glaucoma........................................................................................................................................ ................... 143


Homero Gusmão de Almeida

40 Síndrome Urretz-Zavalia....................................................................................................... ................... 147


Homero Gusmão de Almeida

41 Sinequias........................................................................................................................................ ................... 149


Homero Gusmão de Almeida

42 H ipotonia..................................................................................................................................... ................... 151


Homero Gusmão de Almeida

43 Epitelização.................................................................................................................................. ................... 153


Paulo Schor • Rafael Allan Oechsler

44 Neovascularização Corneana............................................................................................... ................... 155


Ricardo de Carvalho Rocha • Cinara Sakuma de Oliveira

XVI
45 Ceratopatia Cristalina Infecciosa................................... 157
Rafael Allan Oechsler

46 Hemorragia Expulsiva.................................................................................. 159


Cássio Vendramin • Hamilton Moreira

SEÇÃO IV
Transplante em Situações Especiais

47 Transplante na Infecção Corneana...................................................... 163


Paulo Elias Corrêa Dantas

48 Transplante no Herpes Simples............................................................... 167


Ana Luisa Hõfling-Lima • Sâmia Ali Wahab

49 Afmamentos Periféricos............................................................................ 169


Claudia Maria Francesconi • Walton Nosé

50 Dermoide Limbar 171


Waldir Martins Portellinha

51 Afmamento Escleral............................................................................................ 175


José Antonio de Almeida Milani

52 Transplante de Córnea na Síndrome de D o w n ................................... 177


Cinara Sakuma de Oliveira • Paulo Elias Corrêa Dantas

53 Cirurgia Combinada (Transplante + Catarata + LIO)...................... 179


Wallace Chamon

54 Transplante de Córnea nas Doenças de Superfície O cu lar........... 181


Daniel Wasilewski • José Álvaro Pereira Gomes

r
índice Alfabético.................................................................................................. 183

XVII
Banco de Tecidos Oculares
Introdução

LUCIENE BARBOSA DE SOUSA • HAMILTON MOREIRA


MARCO ANTÔNIO REY DE FARIA

No Brasil, a implantação de bancos de olhos teve início há mais de meio século. A partir da dé­
cada de 1990, as atividades começaram a ser profissionalizadas e melhores resultados foram
sendo obtidos em algumas regiões do País.
Em setembro de 2001, através da portaria 1.559/GM, foi criado o Sistema Nacional de
Transplantes (SNT). Em função da grande lista de espera para transplante de córnea, na mesma
época foi instituído o Programa Nacional de Implantação de Bancos de Olhos. Esse programa
teve por objetivo gerar as condições necessárias para a implantação de 30 bancos de olhos
a serem distribuídos estrategicamente em todo o País, como forma de viabilizar e estimular
a ampliação do número de captações de córneas para transplante, garantir adequadas condi­
ções técnicas e de segurança para essa captação e ampliar o número de transplantes de córnea
no Brasil.
Todo o planejamento foi feito visando reduzir o tempo de espera dos candidatos ao trans­
plante de córnea. Os bancos de olhos devem ter estreita articulação com as Centrais de No-
r

tificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) do Estado em que estejam instaladas,


ter como referência os serviços habilitados à realização da cirurgia e destinar, na totalidade,
as córneas captadas, processadas e consideradas viáveis para transplante, ao atendimento da
lista de espera gerenciada pela respectiva CNCDO. No site do Sistema Nacional de Transplante
vemos que, até outubro de 2002, foram implantadas 22 CNCDO estaduais e 10 Centrais Re­
gionais.
Desse modo, os bancos de olhos ficaram responsáveis pela abordagem e efetiva captação
das córneas e tecidos oculares. O processamento dos tecidos, a avaliação em lâmpada de fen­
da e o correto armazenamento das córneas também ficaram sob responsabilidade dos bancos
de olhos.
A partir daí, todas as informações desses tecidos são levadas ao conhecimento das CN­
CDO. Essas entidades governamentais, por sua vez, ficaram responsáveis pela distribuição dos

3
4 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

tecidos de acordo com a lista de espera. O gerenciamento dessa lista, a análise dos casos es­
peciais ou de emergência e a fiscalização da qualidade das cirurgias ficaram sob a responsabili­
dade do Estado. Todas essas etapas estão sujeitas à fiscalização do Ministério Público (Portaria
n- 1.559/GM de 6 de setembro de 2001).
Mesmo com as mudanças significativas evidenciadas, o número de doações de córneas no
Brasil e, consequentemente, de transplantes de córnea poderia ser bem maior se os bancos de
olhos contassem com os recursos mínimos necessários para o correto funcionamento.
Espalhadas pelo País, existem aproximadamente 68 equipes responsáveis pelo funciona­
mento dos bancos de olhos de suas regiões. Essas 68 unidades, em diferentes estágios de
organização e/ou funcionamento, têm enfrentado várias dificuldades para cumprir as tarefas
que lhes competem e prestar um serviço de qualidade para a sociedade. Entre os obstáculos,
a falta de recursos financeiros para estruturação e manutenção das atividades (adequação do
espaço físico); compra de equipamentos, de materiais de consumo e de meios de preservação;
contratação de recursos humanos e estabelecimento de sistema de transporte e comunicação
para atendimento 24 h.
Os recursos, previstos na legislação para reembolso dos procedimentos realizados pelos
bancos de olhos, são insuficientes para cobrir os custos e, na maioria dos casos, não são apli­
cados ao que se destinam, pois são pagos às instituições hospitalares onde os bancos de olhos
estão instalados. Ou seja, falta autonomia gerencial. O número de equipes e bancos de olhos
é apropriado em quantidade. Comparando com os Estados Unidos, onde existem cerca de 85
bancos de olhos, vemos que os problemas no Brasil são gerenciais. A capacidade de trabalho
instalada, com 68 equipes, seria adequada e suficiente para atender à população.
Outra dificuldade é a falta de orientação específica sobre o processo de doação de córne-
r

as. As Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), em algumas regi­


ões, direcionam os esforços para a obtenção de doadores de múltiplos órgãos, atuando com
as mortes encefálicas e deixando de se mobilizar para a obtenção de doadores de córnea nos
casos de parada cardiorrespiratória. Faltam campanhas de conscientização, incentivo e orien­
tação sobre a doação de córnea. Grande parte da população não sabe que as córneas podem
ser doadas horas após a parada cardiorrespiratória.
As Tabelas que se seguem (Tabelas I a VI) representam os números oficiais do Sistema
Nacional de Transplantes de 2001 a 2006. Nesse cenário, vemos maior crescimento na obten­
ção de córneas para transplante do que com outros órgãos. Comparando com o número de
transplantes de rins, observamos que o número de transplante de córneas cresceu significati-
vamente nesses 6 anos.

TABELA I Número de transplantes de órgãos por unidade da Federação entre janeiro e dezembro de
2001

Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


AL 3 8 0 0 0 22 33
BA 0 40 1 0 0 41 82
CE 8 113 0 0 0 77 198
DF 0 124 4 0 0 64 193
Introdução 5

Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


ES 0 57 0 0 0 91 148
GO 5 542 0 0 0 76 623
MA 0 6 0 0 0 7 13
MT 0 24 0 0 0 28 52
MS 4 74 0 0 0 53 131
MG 6 840 45 7 0 388 1.326
PA 11 98 0 0 0 36 145
PB 0 66 0 0 0 5 71
PR 15 448 71 0 0 187 729
PE 6 215 15 0 0 81 317
PI 1 25 0 0 0 36 62
RJ 2 114 31 0 0 261 411
RS 15 508 93 0 20 264 904
SC 3 210 0 6 0 83 302
SP 63 2.623 282 26 5 867 3.921
SE 1 58 0 0 0 5 64
Total 143 6.193 542 39 25 2.672 9.725
Fonte: Sistema Nacional de Transplantes.

TABELA II Número de transplantes de órgãos por unidade da Federação entre janeiro e dezembro de 2002

Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


AL 3 8 0 0 0 11 22
AM* 0 0 0 0 0 2 2
BA 0 41 4 0 0 41 86
CE 8 181 8 0 0 74 271
DF 0 105 0 0 0 34 139
ES 0 108 0 0 0 81 189
GO 1 584 0 0 0 69 654
MA 0 8 0 0 0 13 21
MT 1 43 0 0 0 30 74
MS 0 56 0 0 0 44 100
MG 9 541 36 17 0 324 983
PA 4 151 0 0 0 22 177
PB 0 186 0 0 0 5 191
PR 14 443 86 1 0 207 770
PE** 9 217 21 0 0 91 338
PI 2 46 0 0 0 52 100
RJ 2 205 61 0 1 294 568
RN 0 102 0 0 0 11 113
RS 21 604 112 6 29 287 1.080
SC 3 171 6 0 0 90 270
SP 72 2.714 320 33 6 929 4.139
SE 0 42 0 0 0 3 45
Total 149 6.556 654 57 36 2.714 10.332
* Apenas novembro e dezembro, quando a CNCDO-AM iniciou suas atividades.** Falta mês de agosto.
6 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

TABELA III Número de transplantes de órgãos por unidade da Federação entre janeiro e dezembro de 2003

Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


AL 1 10 0 0 0 34 45
AM 0 6 0 0 0 7 13
BA 0 43 4 0 0 43 90
CE 19 240 28 0 0 130 417
DF 0 158 0 0 0 32 190
ES 1 117 0 0 0 82 200
GO 2 585 0 0 0 97 684
MA 0 1 0 0 0 28 29
MT 0 30 0 0 0 25 55
MS 1 118 0 0 0 66 185
MG 17 948 58 26 3 334 1.466
PA 3 80 0 0 0 21 104
PB 0 132 0 0 0 5 137
PR 8 483 86 1 0 189 774
PE 12 311 38 0 0 106 468
PI 6 39 0 0 0 46 91
RJ 5 257 69 0 4 255 596
RN 0 97 0 0 0 26 123
RS 10 527 127 2 25 312 1.043
SC 1 207 10 0 0 102 320
SP 95 3.100 374 24 11 963 4.645
SE 0 67 0 0 0 8 75
Total 181 7.556 794 53 43 2.911 11.750
Fonte: Sistema Nacional de Transplantes.

TABELA IV Número de transplantes de órgãos por unidade da Federação entre janeiro e dezembro de 2004

Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


AL 2 10 0 0 0 28 40
AM 0 19 0 0 0 23 42
BA 0 57 16 2 0 85 160
CE 23 325 52 0 0 154 554
DF 0 185 0 0 0 13 198
ES 0 100 0 0 0 89 189
GO 5 757 0 0 0 95 857
MA 0 4 0 0 0 49 53
MT* 0 31 0 0 0 29 60
MS 0 165 0 0 0 40 207
MG 24 1.226 71 13 2 382 1.792
PA 2 69 0 0 0 50 121
PB 0 184 4 0 0 3 193
PR 20 606 87 7 0 205 940
PE 8 336 44 0 0 109 497
PI 5 44 0 0 0 45 94
RJ** 2 157 91 0 6 264 524
Introdução 7

Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


RN 1 138 0 0 0 36 175
RS*** 3 352 81 8 17 219 703
SC 1 210 15 0 0 110 336
SP 104 3.331 453 64 14 1.095 5.152
SE 0 88 0 0 0 3 91
Total 200 8.394 914 94 39 3.126 12.978
*Falta novembro.**Falta dezembro.***Faltam outubro e novembro. Fonte: Sistema Nacional de Transplantes.

TABELA V Número de transplantes de órgãos por unidade da Federação entre janeiro e dezembro de 2005

Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


AL 5 26 0 0 0 30 61
AM 0 35 0 0 0 17 52
BA 0 87 12 0 0 61 160
CE 17 310 55 0 0 151 533
DF 0 298 0 0 0 31 329
ES 1 120 8 0 0 95 226
GO 3 862 0 0 0 83 948
MA 0 11 0 0 0 36 47
MT 0 42 0 0 0 3 45
MS 1 13 0 0 0 42 56
MG 2 956 75 9 1 308 1.370
PA 3 82 0 0 0 40 125
PB 3 154 10 0 0 11 178
PR 29 461 68 1 0 239 805
PE 6 391 48 2 0 96 544
PI 2 61 0 0 0 45 108
RJ 1 141 99 0 4 213 460
RN 3 128 0 3 0 37 171
RS 11 632 120 12 21 322 1.145
SC 2 240 33 0 0 132 410
SP 92 4.888 411 85 16 908 6.455
SE 0 32 0 0 0 3 35
Total 181 9.970 939 112 42 2.903 14.263
Fonte: Sistema Nacional de Transplantes.

TABELA VI Número de transplantes de órgãos por unidade da Federação entre janeiro e dezembro de 2006

CNCDO Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


AC 0 0 0 0 0 2 2
AL 0 18 0 0 0 25 43
AM 0 68 0 0 0 23 91
BA 0 98 14 0 0 54 166
CE 12 210 46 0 0 109 377
DF 0 276 0 0 0 34 310
ES 0 91 10 0 0 55 160

0continuo)
8 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

TABELA VI Número de transplantes de órgãos por unidade da Federação entre janeiro e dezembro de 2006
(<continuação)

CNCDO Coração Córnea Fígado Pâncreas Pulmão Rim Total


GO 2 795 0 0 0 72 869
MA 0 58 0 0 0 30 88
MT 0 39 0 0 0 1 40
MS 0 90 0 0 0 49 139
MG 14 632 50 17 2 282 1.021
PA 1 79 0 0 0 42 122
PB 1 125 8 0 0 15 149
PR 26 615 54 1 0 226 931
PE 8 522 57 0 0 136 723
PI 0 39 0 0 0 36 75
RJ 2 77 97 0 4 220 400
RN 4 125 0 0 0 36 165
RS 13 805 99 2 21 274 1.236
SC 7 285 42 0 0 160 495
SP 56 4.756 453 65 26 1.004 6.433
SE 1 45 0 0 0 19 65
Total 147 9.848 930 85 53 2.904 14.100
Fonte: Sistema Nacional de Transplantes.
Novembro
Dezembro

Em 2001, o SNT registrou 6.193 transplantes de córneas, aumentando para 9.848 trans­
plantes em 2006. Quando comparamos os números de transplantes de rins, vemos um au­
mento de 2.672 em 2001 para 2.904 em 2006. Esses dados significam um aumento de 59%
nos transplantes de córneas, comparado com apenas 8,6% nos transplantes de rins em 6 anos.
Observa-se, entretanto, que as diferenças entre os diversos Estados da Federação são menores
em relação aos outros órgãos, quando comparados com os transplantes de córneas.
Quando comparamos o número de transplantes de córnea em 2001 nos três Estados da
Região Sul em conjunto (1.166), os Estados da Região Sudeste, exceto São Paulo (1.011), e o
Estado de São Paulo isolado (2.623), percebemos o aumento significativo de transplantes de
córnea e suas diferenças regionais. Em 2006, 5 anos de intervalo, tivemos um crescimento na
Região Sul de 46% (1.705), na Região Sudeste, exceto São Paulo, diminuição de 20,9% (800) e,
no Estado de São Paulo isoladamente, crescimento de 81,3% (4.756). Percebe-se também um
paralelo entre os transplantes de rins e os de córnea. No mesmo período, tivemos um cres­
cimento de 23,5% nos transplantes de rins na Região Sul, um decréscimo de 24,7% na Região
Sudeste, exceto São Paulo, e crescimento para o Estado de São Paulo isolado de 15,8%.
Por outro lado, vemos que, até 2008, havia maior crescimento no número de transplante
de córneas em relação aos outros transplantes; entretanto, ao observarmos o relatório anu-
r

al da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (RTB 2008, 2009, 2010), notamos uma
pequena e preocupante queda com tendência a estabilização no número de transplantes de
córnea entre 2008 e 2010 em todo o Brasil. Em 2008 = 13.341 transplantes, 2009 = 12.723
transplantes e 2010 = 12.788 transplantes.
Introdução 9

Com base nesse relatório mais recente da ABTO, observamos que, em número absoluto,
São Paulo continua disparado como o Estado que mais transplantes de córnea realizou (5.767
em 2010). Porém, quando estudados a relação entre o número de transplantes por milhão de
habitantes, constatamos que o Distrito Federal se encontra no mesmo patamar que São Paulo
(140/milhão de habitantes) (Gráficos 1 e 2) e que temos 9 Estados com mais de 60/milhão de
habitantes, sendo 3 da Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), 3 da Região
Centro-Oeste (Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso), 2 da Região Sudeste (São Paulo e Minas
Gerais) e 1 da Região Nordeste (Rio Grande do Norte).

SP MG PR RS PE SC CE GO DF RN BA PB MS ES PI PA RJ MA AM SE AL MT AC

■ Total de transplantes

Gráfico 1 RTB2010.

■ Total de transplantes

Gráfico 2 RTB2010.
10 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Esses dados deixam evidente que começa, timidamente, a haver uma melhor distribuição
no número de transplantes de córnea entre os Estados brasileiros, porém há números preocu­
pantes como os do Rio de Janeiro, segunda maior cidade do Brasil, ex-capital federal, apenas
17â colocada em números absolutos e última colocada na relação transplantes/milhão de ha­
bitantes. Além do mais, há 6 Estados com menos que 20 transplantes/milhão de habitantes.
Isto mostra que há desequilíbrios de eficiência das diversas equipes de captação e, pro­
vavelmente, um modus operandi diferenciado entre algumas delas, tornando-as umas mais ou
menos efetivas que as outras.
r

E necessário, portanto, uma uniformização de condutas tanto na abordagem da família


de um provável doador, assim como na eficiência na identificação do mesmo, na rapidez da
captação e na qualidade técnica da coleta.
Para isso se faz imperioso um diagnóstico correto da situação como um todo e suas parti-
r
cularidades em todo o território brasileiro. E necessário traçar uma estratégia de ação baseada
no que realmente ocorre em cada Estado. Moramos em um País continental em que as distân­
cias contribuem para uma grande diversificação de costumes e cultura que não desaparecem
facilmente. Porém, como explicar um comportamento tão diferente de São Paulo para o Rio
de Janeiro, cidades distantes entre si em poucos quilômetros, com voos entre elas de hora em
hora?
Finalmente, é necessário criar mecanismos de acompanhamento dos resultados desses
transplantes como há com os outros demais órgãos e tecidos. Qual é a sobrevivência média
de nossos transplantes de córnea? Há diferenças de resultados entre os bancos de olhos esta­
duais e regionais? As equipes transplantadoras apresentam resultados muito diferentes entre
elas?
Precisamos fazer voltar a crescer o número de transplantes de córnea no Brasil, assim
como procurar identificar e resolver as diferenças regionais.
A diferença entre os números por Estado é muito grande. Essa discrepância gera uma
injustiça social inaceitável. Enquanto os cidadãos abonados podem viajar à procura de seu
transplante mais rápido com uma fila menor, os pacientes sem condições financeiras devem
esperar indefinidamente por uma córnea para seu transplante.
Segundo dados da ABTO, cerca de 20% das abordagens para doação de órgãos resultam
em doações efetivas. A capacidade instalada de equipamentos, hospitais e mão de obra qua­
lificada no Brasil é equiparável à dos países adiantados. Ainda existe uma grande carência de
córneas no Brasil, especialmente fora do Estado de São Paulo. Comparando os números brasi­
leiros com os norte-americanos, vemos uma grande discrepância. De acordo com a Associação
Norte-Americana de Bancos de Olhos (Eye Bank Association of América), em sua publicação
estatística, foram realizados mais de 33.000 transplantes de córnea nos EUA em 2006. De
acordo com os números do SNT e da ABTO, os transplantes de córnea no Brasil no mesmo ano
não ultrapassam 10.000. Somente coma revisão desse cenário e com a adoção de medidas que
possam minimizar as dificuldades, permitindo que os bancos de olhos aperfeiçoem os seus in­
dicadores de desempenho, é que será possível acabar com as listas de espera para transplante
de córnea no Brasil.
Introdução 11

BIBLIOGRAFIA
Associação Pan-Americana de Bancos de Olhos, APABO. Disponível em: http://www.apabo. com.br.

Brasil. Extrato de Estatuto, n- 14.640, de 28/07/49, sobre a fundação do Banco de Olhos Sociedade Civil de Assistência So­
cial e Pesquisa Científica Oftalmológica [Rio de Janeiro], Diário Oficial [dos] Estados Unidos do Brasil, Seção I, 30/07/49,
Rio de Janeiro, Capital Federal.

Brasil. Portaria/GM n2 92, de 23/01/01. Portaria/GM n2 1.117, de 01/08/01. Portaria/GM n2 2.280, de 28/11/03. Disponíveis
em: http://dtr2001 .saude.gov.br/ transplantes/legislacao.htm.

Dados Estatísticos, Sistema Nacional de Transplantes, SNT, Ministério da Saúde. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.
b r/transplantes.

Dados Estatísticos, Associação Brasileira de Transplante de Órgãos - ABTO. Disponível em: http://www.abto.org.br.
PM

Distribuição de Córneas

LUCIENE BARBOSA DE SOUSA

A distribuição de córneas e outros tecidos oculares é feita pelas CNCDO (Central de Notifica-
r

ção, Captação e Distribuição de Órgãos) estaduais e/ou nacional, obedecendo ao tempo de­
corrido da inscrição na lista única, como determinado na Portaria GM n° 3.407 de 5 de agosto
de 1998.
Em relação à data de inscrição na lista única, sabemos que a lista é estadual e até mesmo
regional em alguns Estados do Brasil. Passa a ser respeitada a data de ingresso na lista, caso
ocorram transferência da inscrição para outra região ou uma distribuição de córnea pela Cen­
tral Nacional.
Essa mesma portaria determina ainda os critérios de urgência, ou seja, as situações em
que a distribuição do tecido é priorizada. São elas:
■ Falência primária de enxerto, ou seja, estado de opacidade com duração superior a 30 dias
a partir da realização do transplante (em alguns Estados, esse tempo é de 90 dias).
r

■ Ulcera de córnea sem resposta a tratamento.


■ Iminência de perfuração de córnea (descemetocele).
■ Perfuração do globo ocular.
■ Receptor com idade inferior a 7 anos que apresente opacidade corneana bilateral.

Ressalta-se que, em situações de priorização, o botão do receptor deve ser encaminhado


r

ao banco de olhos que forneceu o tecido. E responsabilidade do banco de olhos enviar o teci­
do para comprovação do diagnóstico com estudo anatomopatológico.
O fator idade do doador é motivo de confusão na distribuição das córneas. Mesmo com
evidências científicas demonstrando que a importância maior é a qualidade do tecido, a idade
passou a ser fator importante na distribuição das córneas. Muitos cirurgiões ainda colocam
a idade avançada do doador como um impedimento para aceitação de determinado tecido
para um paciente receptor jovem. Existem várias evidências comprovando que uma córnea

13
14 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

com idade mais avançada (70 anos, por exemplo) pode estar em melhores condições para o
transplante penetrante que outra de 15 anos. O que determina a retirada da córnea, o meio
de conservação e o tempo de armazenamento são tão importantes quanto à idade do doador,
além de outras variáveis que veremos mais adiante.

BIBLIOGRAFIA
Associação Pan-Americana de Bancos de Olhos, APABO. Disponível em: http://www. apabo.com.br.

Brasil. Extrato de Estatuto, n- 14.640, de 28/07/49, sobre a fundação do Banco de Olhos Sociedade Civil de Assistência So­
cial e Pesquisa Científica Oftalmológica [Rio de Janeiro], Diário Oficial [dos] Estados Unidos do Brasil, Seção I, 30/07/49,
Rio de Janeiro, Capital Federal.

Brasil. Portaria/GM n2 92, de 23/01/01. Portaria/GM n2 1.117, de 01/08/01. Portaria/GM n2 2.280, de 28/11/03. Disponíveis
em: http://dtr2001 .saude.gov.br/ transplantes/legislacao.htm.

Dados Estatísticos, Sistema Nacional de Transplantes, SNT, Ministério da Saúde. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.
br/trans plantes.
Critérios de
Exclusão do Doador

VINÍCIUS CORAL GHANEM • HAMILTON MOREIRA

E importante lembrar que o Brasil ainda não tem uma sociedade conscientizada suficiente­
mente para a doação de órgãos para transplante. Assim, devemos ter sensibilidade ao excluir­
mos um doador. 0 banco de olhos local, ao ser chamado para uma retirada de córnea, deve ter
muito cuidado para recusar um doador. Essa atitude somente pode ser tomada após constatar
que existe algum risco para o profissional captador, ou após comprovação de que determinada
doação não será utilizada nem mesmo para pesquisas.
A atenção aos chamados de doação é de fundamental importância para estimular a socie­
dade sobre a necessidade de doação. Na maioria dos casos, somente após a retirada e análise
do tecido e sorologia é que iremos determinar o seu correto destino. Em regiões onde existe
uma carência muito grande de córneas, um tecido sem condições para transplante penetrante
poderá ser utilizado para cirurgias lamelares ou tectônicas.
A triagem para a possível exclusão de um doador segue quatro passos bem definidos: 1)
história clínica do doador; 2) exame físico do doador; 3) testes sorológicos; e 4) avaliação do
tecido.
Os critérios de exclusão são em todo o mundo baseados nos padrões adotados pela EBAA
(Eye Bank Association of América - Medical Standards) e aprovados pela Academia Americana
de Oftalmologia. A Associação Pan-Americana de Bancos de Olhos segue os mesmos padrões.
Eles existem para garantir que o tecido doado seja de alta qualidade, e que o doador não apre­
sente doenças que possam ser transmitidas ao receptor.
Os critérios de exclusão da córnea doada são:
1) Morte de causa desconhecida.
2) Doença de Creutzfeldt-Jacob, ou qualquer variante.
3) Morte por doença neurológica com diagnóstico não estabelecido.
4) Demência, exceto aquelas provocadas por doença cerebrovascular, tumor cerebral ou trau­
ma craniano.

15
16 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

5) Pan-encefalite esclerosante subaguda.


6) Leucoencefalia progressiva multifocal.
7) Rubéola congênita.
8) Síndrome de Reyes.
9) Encefalite virai ativa, encefalite de origem desconhecida ou encefalopatia progressiva.
10) Septicemia ativa.
11) Endocardite ativa (bacteriana ou fúngica);
12) Hepatite virai ativa (incluindo hepatite C e antígeno de superfície positivo para hepatite
B).
13) Raiva.
14) HIV (vírus da imunodeficiência humana) e pacientes de alto risco (incluindo crianças nas­
cidas de mãe HIV-positiva).
15) HTLV-I ou HTLV-II (vírus T-linfotrópico humano).
16) Leucemia.
17) Linfoma disseminado.
18) Meningite.
19) Receptores de hormônio de crescimento derivado da hipófise humana (durante os anos de
1963 a 1985).
20) Doenças oculares:
a) Adenocarcinoma primário ou metastático.
b) Cirurgia intraocular prévia (cirurgia de catarata, implante de LIO ou glaucoma), exceto
se os resultados da microscopia especular forem adequados.
r

c) Cirurgia refrativa incisional ou fotoablativa. E um critério de exclusão relativo. Podem


ser utilizadas para transplante tectônico ou lamelar posterior.
d) Doenças corneanas que comprometam o resultado cirúrgico pretendido (ceratocone,
ceratoglobo, leucoma central ou paracentral etc.).
e) Processo inflamatório ocular ou intraocular ativo (conjuntivite, esclerite, irite, uveíte
etc.).
f) Retinoblastoma.
g) Tumores malignos do segmento anterior do olho.

TEMPO ENTRE MORTE (PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA) E


RETIRADA DA CÓRNEA

O Brasil é um dos poucos países que estabelece em portaria ministerial esse tempo como
máximo de 6 h, ou 24 h com córneas refrigeradas. Isto prova um desconhecimento científico
sobre o assunto, pois, em um país continental, as temperaturas variam imensamente. Nem
mesmo a EBAA (Eye Banking Association of América) estabelece um prazo fixo para a retirada,
e, apesar de sabermos que quanto mais breve esse tempo melhor será o tecido, não podemos
Critérios de Exclusão do Doador 17

desprezar o tecido somente porque ultrapassou em minutos o tempo estabelecido em porta­


ria. 0 que significa que ainda temos um longo caminho a percorrer.

BIBLIOGRAFIA
Chu W. The past twenty-five years in eye banking. Cornea, 2000; 19(5)754-65.

Glasser DB. Medical standards for eye banking. In: Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Cornea. Philadelphia: Elsevier/
Mosby, 2005; p. 411 -20.

Wilson SE, Bourne WM. Corneal preservation. Surv Ophthalmol, 1989; 33:237-59.
Riscos de Transmissão de
Infecção

CRISTINA MUCCIOLI • DANIEL WASILEWSKI • RAFAEL ALLAN OECHSLER


SÂMIA ALI WAHAB • GLEISSON REZENDE PANTALEÃO • FERNANDO DOS REIS SPADA
GUILHERME JOSÉ NUNES MARQUES ROCHA • HAMILTON MOREIRA

A transmissão de doenças virais é a principal preocupação no que se refere ao transplante de


córneas. A ceratoplastia foi o primeiro transplante no qual se pôde provar a transmissão virai
do doador para o receptor.

HEPATITES B E C

A prevalência de doadores soropositivos para o antígeno de superfície do vírus da hepatite B


(HBsAg) ou o anticorpo do vírus da hepatite C (anti-HCV) em países ocidentais é estimada em
0,5 a 1%. Até o momento, só houve dois casos publicados com suspeita de que a hepatite B
(HBV) foi transmitida através da ceratoplastia penetrante.
Em relação ao vírus da hepatite C (HCV), não há relatos, até o momento, da transmissão
através do transplante de córneas. Isto também é verdade para a época em que os testes
sorológicos para doenças infecciosas não eram obrigatórios para os doadores de córnea. No
“Lions Córnea Bank North Rhine Westfalia”, de 1995 a 1999, 4,7% das córneas positivas para HBV
e 3,2% das córneas positivas para o HCV foram descartadas devido ao resultado “não nega­
tivo” da sorologia. Em aproximadamente 50% desses casos, o teste de ELISA (Enzyme Linkecl
Immunossorbent Assay) demonstrou sinal não válido e, portanto, foi considerada questionável
r

a positividade dos exames. E importante lembrar que o teste de ELISA apresenta alto grau de
sensibilidade, porém é pouco específico; já a PCR (Polymerase Chain Reaction) apresenta alto
grau de sensibilidade e especificidade.
Um estudo realizado por Sengler et ai (2001) avaliou, por meio de ELISA e PCR, a detec­
ção do DNA do vírus da hepatite B (HBV-DNA) e o RNA do vírus da hepatite C (HCV-RNA) em
amostras de soro, meios de cultura tecidual e córneas de doadores com teste soropositivo
para HBsAg. Os resultados mostraram a detecção de ácido nucleico virai em 6 das 17 amostras
de soro de doadores positivos para HBsAg e em 6 das 14 amostras positivas para anti-HCV. Os

19
20 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

genomas virais não foram detectados nos meios de cultura tecidual, na região central das cór­
neas, e nem nos anéis corneoesclerais através da PCR. Em relação ao RNA do vírus da hepatite
C, 2 dos 27 meios foram positivos em baixíssimas concentrações de cópias virais, utilizando
um método mais sensível (amplificação mediada por transcrição - TMA). Ou seja, o risco de
transmissão do vírus da hepatite B ou da C através de ceratoplastia penetrante parece ser
muito baixo.
Apesar disso, um estudo realizado por Lee et al. (2001), utilizando a PCR para detecção do
HCV-RNA, demonstrou que, de 29 córneas de doadores soropositivos, 7 (24,1%) confirmaram a
presença do HCV-RNA. Esse foi o primeiro estudo que demonstrou uma correlação significati­
va entre a soropositividade do HCV e a presença do HCV nas córneas. Por isso, testes sorológi-
cos de rotina para HCV, para todos os potenciais doadores de córneas, e o descarte de tecidos
baseado na soropositividade do HCV são certamente justificáveis.
Em relação à pesquisa do anti-HBC, Mattern e Cavanagh (1997) mostraram que não há evi­
dência suficiente que justifique a introdução desse exame como rotina nos testes sorológicos
para doadores de córnea.
Contudo, existem trabalhos mostrando que, em casos duvidosos, é extremamente impor­
tante a utilização de testes confirmatórios para vírus de superfície da hepatite B (HBsAg) a fim
de reduzir a frequência de exames falso-positivos. Durante o ano de 1994, 11,4% dos tecidos
usados para ceratoplastia penetrante foram obtidos de doadores com exames falso-positivos
para hepatite B.

HIV

O HIV (vírus da imunodeficiência humana), patógeno que causa a síndrome de imunodefici­


ência adquirida (AIDS), já foi isolado no epitélio corneano de alguns pacientes HIV-positivos.
Essas observações geram preocupações sobre o risco da transmissão do HIV pelo transplante
de córnea. No entanto, até o momento, não há relato de soroconversão pelo HIV após a cera­
toplastia utilizando córneas de doadores contaminados, inclusive de receptores soronegativos
que receberam, inadvertidamente, córneas soropositivas para o HIV. Apesar disso, pelo fato de
o vírus já ter sido encontrado na lágrima, córnea e conjuntiva de seres humanos, há o risco real
de contaminação, devendo ser solicitada de rotina a sorologia para HIV tipos 1 e 2.
Deve-se, também, fazer uma análise criteriosa da história do doador em relação a fatores de
risco para a contaminação pelo HIV, pois este pode encontrar-se na janela imunológica ou apre­
sentar um resultado falso-negativo à sorologia. Simonds et al. (1992) descreveram um caso de
transmissão do HIV-1 por transplante de órgãos e tecidos realizado entre o momento em que o
doador infectou-se e o aparecimento de anticorpos. Esse doador faleceu por acidente com arma
de fogo. Sete dos 48 receptores apresentaram anticorpos positivos para o HIV-1. No entanto, os
dois pacientes que receberam as córneas apresentaram negatividade para o HIV-1.
Schwarz et al. (1987) relataram a transmissão do HIV através de transplante renal de dois
doadores infectados. O vírus foi transmitido a dois receptores de rim, que desenvolveram sin­
tomas de infecção por HIV 12 dias após o transplante. No entanto, os receptores das córneas
não desenvolveram infecção, nem apresentaram anticorpos contra o HIV, mesmo 3 anos após
o transplante.
Riscos de Transmissão de Infecção 21

No entanto, é importante lembrar que a entrevista médica social pós-morte, apesar de extre­
mamente importante, não pode presumir conhecimento completo dos riscos de doenças poten­
cialmente transmissíveis dos doadores. Um estudo realizado por Scardino et ai (2002) mostrou que
parentes de jovens doadores tatuados tendem a dar respostas inconsistentes sobre fatores de risco
relacionados às doenças infecciosas, principalmente nos casos de morte por traumatismo.
Um estudo publicado por Goode, Hertzmark e Steinert (1988) mostrou que o risco de um
paciente submetido a ceratoplastia penetrante receber uma córnea de um doador infectado
por HIV, apesar de resultados sorológicos negativos do soro do doador, é de 0,03%.

HERPES VÍRUS SIMPLES

O transplante de córnea já foi provado ser uma via potencial de transmissão de infecção por
herpes vírus simples (HSV), a qual deve ser levada em consideração pelos bancos de olhos. A
transmissão do HSV leva à falência primária do botão, podendo induzir à reativação do vírus
no receptor, geralmente na forma dendrítica ou em formas atípicas. No entanto, é difícil pro­
var que uma infecção herpética pós-operatória em um transplante de córnea é proveniente da
córnea doadora, já que a maioria dos receptores que desenvolvem a infecção tem sorologia
positiva para HSV.
Alguns casos suspeitos de soroconversão herpética pós-ceratoplastia já foram publicados
na literatura, mas são muito raros. Um estudo de Robert et a i (2006), analisando a presença
de anticorpos circulantes contra HSV, VZV, CMV e EBV antes e depois do transplante em 117
receptores, mostrou que a soroconversão não é significativa. Apesar disso, deve-se investigar
qualquer história que indique infecção herpética prévia no doador.
Robert et ai (2003) confirmaram observações prévias da presença do DNA do HSV no teci­
do corneano de pacientes soropositivos para HSV, a qual, aparentemente, não estava relacio­
nada a nenhuma manifestação clínica de infecção herpética. No entanto, como demonstrado
pela cultura, o HSV continua a ser transmitido e pode induzir infecção do doador para o re­
ceptor em transplante de córneas.

CMV E HTLV

A taxa de soroconversão por citomegalovírus pós-ceratoplastia é baixa, e sua infecção só apre­


senta maior importância em casos de pacientes submetidos a imunossupressão sistêmica gra­
ve, como acontece em transplantes de órgãos como rins, coração e fígado, mas muito rara­
mente nos casos de transplante de córnea. O vírus linfotrófico de células T humanas (HTLV)
também já foi isolado na lágrima, epitélios corneano e conjuntival de seres humanos, devendo
ser testado nos doadores, devido ao potencial risco de contaminação.

ESTUDO MICROBIOLÓGICO DO TECIDO DOADOR

Com o objetivo de prevenir uma infecção após o transplante, pode-se realizar cultura
microbiológica no momento da captação corneana através de irrigação da superfície corneana
22 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

e cultura, ou através do anel corneoescleral após o transplante. Com o resultado, realiza-se


tratamento profilático guiado pela cultura, porém geralmente são dispensáveis e o custo-
benefício desse procedimento é questionável. Além de ser baixa a incidência de complicações
infecciosas, nem sempre existe concordância entre o microrganismo da cultura prévia e o
agente da infecção clínica.
O estudo realizado por Robert et a/., na França, comprova a afirmação anterior. A pesquisa
foi feita com o propósito de estudar a contaminação da córnea retirada in situ e sua relevância
no sucesso final ou rejeição nos pacientes receptores. Como conclusão: a principal bactéria
isolada na superfície ocular foi Staphylococcus e, para sua eliminação, basta utilizar iodopovi-
dona antes do procedimento de captação. Em cultura realizada do humor aquoso do doador,
foram isoladas bactérias em pacientes com infecção sistêmica antes do óbito. No entanto, o
estudo evidenciou que infecção bacteriana no momento da morte não tem efeito na incidência
de endoftalmite nos receptores, e também não é necessário tratamento profilático da coloni­
zação da superfície corneana em tecidos transplantados.
Assim, evidencia-se que a cultura bacteriológica prévia à coleta do tecido corneano não
é uma atitude que deve ser obrigatória nem considerada como rotina em um banco de olhos.

SÍFILIS

A prática atual, na qual os bancos de olhos rastreiam córneas doadoras para sífilis, é baseada
principalmente na utilidade potencial da sorologia positiva para sífilis como um marcador para
a infecção pelo HIV-1 (vírus da imunodeficiência humana). Goldberg et ai (1995) analisaram
a correlação entre positividade para sífilis e HIV-1 entre a população de potenciais doadores,
concluindo que nenhum doador com sorologia positiva para sífilis foi também soropositivo
para HIV-1. Também foi observada uma alta incidência (38,7%) de exames sorológicos falso-
positivos para sífilis, já que 12 dos 31 doadores que apresentaram positividade no VDRL con-
firmaram-se negativos quando realizado o FTA-ABS. Ou seja, entre os potenciais doadores de
córnea, sorologia positiva para sífilis parece ser um pobre marcador para infecção pelo HIV-1.
Portanto, o papel da sorologia para sífilis precisa ser reavaliado.
No caso da sífilis, a Associação Pan-Americana de Bancos de Olhos (APABO) não pede teste
de rotina em todos os doadores [Normas Médicas da Asociacion Pan-Americana de Bancos de
Ojos (APABO) 1998]. A utilização da sorologia positiva para sífilis como marcador para infecção
pelo HIV, na tentativa de detectar os casos de infecção sem soroconversão, mostrou-se inefi­
caz. Não só não há relatos de transmissão da sífilis através de transplantes de córnea, como
há relatos de doação de órgãos sólidos de pacientes sabidamente sifilíticos, que, através da
profilaxia antibacteriana, não transmitiram sífilis aos receptores.

DOENÇA DE CHAGAS

A doença de Chagas, causada pelo parasito Trypanosoma criizi, é endêmica em algumas áreas
da América Latina, incluindo certas regiões do Brasil. Acredita-se que aproximadamente 18
milhões de pessoas apresentem a doença. O Trypanosoma cruzi é transmitido primariamente
24 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Cornea: Fundamentals of Cornea and External Disease. Volume I. St. Louis: Mosby,
1997; p 489.

Lee HM, Naor J, Alhindi R, ChinfookT, Krajden M, MazzulliT, Rootman DS. Cornea. 2001 Jan; 20(1):37-40. Detection of he­
patitis C virus in the corneas of seropositive donors.

Lenzi HL, Oliveira DN, Lima MT, Gattass CR. Trypanosoma cruzi: pan infectivity of CL strain during murine acute infection.
Exp Parasitol, 1996; 84(1 ):16-27.

Mattern RM, Cavanagh HD. Cornea. 1997 Mar; 16(2):138-45 Should antibody to hepatitis B core antigen be tested in routi­
ne screening of donor corneas for transplant?

Migden MR, Dennis WH, Clinch TE. Am J Ophthalmology, 1996 Sep; 122(3):439-42. Testing for hepatitis B surface antigen
in processing donor tissue for penetrating keratoplasty.

MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2006; 55(29): 798-800. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Chagas disease
after organ transplantation-Los Angeles, California, 2006.

Remeijer L, Maertzdorf J, Doornenbal P, Verjans GM, Osterhaus AD. Lancet, 2001 Feb 10; 357(9254):442 Herpes simplex
virus 1 transmission through corneal transplantation.

Robert PY, Adenis JP, Denis F, Drouet M, Ranger-Rogez S. J Fr Ophthalmol, 2006 Mar; 29(3):259-63. [Herpesviruses serologic
survey of corneal allograft recipients.]

Robert PY, Adenis JP, Denis F, Ranger-Rogez S. Clin Lab, 2005; 51 (7-8):419-23 Transmission of viruses through corneal trans­
plantation.

Robert PY, Adenis JP, Denis F, Ranger-Rogez S. Clin Lab, 2005; 51(7-8):419-23.Transmission of viruses through corneal trans­
plantation.

Robert PY, Adenis JP, Pleyer U. Klin Monatsbl Augenheilkd, 2005 Nov; 222(11):870-3. [How"safe"is corneal transplantation?
A contribution on the risk of HSV-transmission due to corneal transplantation].

Robert PY, Camezind P, Drouet M, Ploy MC, Adenis JP. Internal and external contamination of donor corneas before in situ
excision: bacterial risk factors in 93 donors. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmology, 2002 Apr; 240(4):265-70.

Robert, Adenis JP, Denis F, Alain S, Ranger-Rogez S. J Med Virol, 2003 Sep; 71(1):69-74 Herpes simplex virus DNA in corneal
transplants: prospective study of 38 recipients.

Robert, Adenis JP, Denis F, Ranger-Rogez S. Clin Lab, 2005; 51 (7-8):419-23. Transmission of viruses through corneal trans­
plantation.

Scardino MK, Hwang SJ, Hanna CL, Danneffel-Mandelkorn MB, Wilhelmus KR. Cornea, 2002 Nov; 21 (8):798-802.The post­
mortem sociomedical interview: uncertainty in confirming infectious disease risks of young tattooed donors.

Schearz A, Hoffman F, L'age-Stehr J, Tegzess AM, Offermann G. Transplantation, 1987 Jul; 44(1 ):21-4 Human immunodefi­
ciency virus transmission by organ donation. Outcome in cornea and kidney recipients.

Schwarz A, Hoffmann F, L'age-Stehr J, Tegzess AM, Offermann G. Human immunodeficiency virus transmission by organ
donation. Outcome in cornea and kidney recipients.Transplantation, 1987; 44(1 ):21 -4.

Sengler U, Reinhard T, Adams O, Gerlich W, Sundmacher R. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmology, 2001 Oct; 239(10): 783-
7. Testing of corneoscleral discs and their culture media of seropositive donors for hepatitis B and C virus genomes.

Simonds RJ, Holmberg SH, Hurwitz RL, Coleman TR, Bottenfield S, Conley LJ, Kohlenberg SH, Cairo KG, Dahan BA, Schable
CA e t o l. N. Engl J Med, 1992 Mar 12; 326(11):726-32 Transmission of human immunodeficiency virus type 1 from a se­
ronegative organ and tissue donor.
Sorologia Obrigatória -
Interpretação dos Testes
Sorológicos

LUCIENE BARBOSA DE SOUSA • RAFAEL ALLAN OECHSLER


RENATO JOSÉ BETT CORREIA • HAMILTON MOREIRA

Os exames sorológicos obrigatórios após a retirada do tecido ocular são: HBsAg (EIA - enzytne-
-linked immuno-absorbent cissay), Anti-HBc (Total EIA), Anti-HCV (EIA) e Anti-HIV 1 e 2 (EIA).
Entre todos os exames, os que podem trazer dúvidas nas suas interpretações são os exa­
mes para identificação de hepatite B.
A presença de HBsAg positivo significa infecção ativa do doador. Quanto ao Anti-HBc, exis­
te uma dosagem de IgG, IgM e de imunoglobulina total. A dosagem de IgM positiva acontece
no início da infecção e se torna negativa mesmo com a presença da doença crônica, enquanto
a IgG aparece tardiamente e permanece indefinidamente. Quando a dosagem é feita separada­
mente, a presença de IgG positiva indica o contato, mas não que a doença está ativa. Assim, na
sua presença específica, seria indicada a realização de Anti-HBs, que, quando positivo, indica
fase não infecciosa da doença (imunidade) (Tabela I).
Alterações normais que ocorrem no sangue de indivíduos após a morte, como hemólise e
reações cruzadas, podem apresentar resultados falso-positivos em testes para detecção de an-
tígenos e anticorpos para doenças virais em doadores potenciais. Isso pode levar ao descarte
de tecidos com boa possibilidade de serem usados em transplantes.

TABELA I Interpretação da sorologia para hepatite B

HBsAG Anti-HBc Anti-HBs Interpretação


+ +/- +/- Infeccioso

+ —
Possivelmente Infeccioso

+ + Não infeccioso (infecção prévia/imune)
— —
+ Não infeccioso (vacina)
HBsAg: antígeno de superfície de hepatite B. Anti-HBc: anticorpo para antígeno core HBV. Anti-HBs: anticorpo para antígeno de
superfície HBV.

25
26 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Devido à escassez de tecidos e órgãos doados no Brasil, uma possibilidade em casos duvi­
dosos seria testar o sangue em outro kit para detecção de antígenos/anticorpos virais. Como
demonstrado por Padley et ai (2005), resultados de testes com 104 amostras de 97 indivíduos
demonstraram que alguns kits resultam em um número maior de resultados positivos que ou­
tros, principalmente o HbsAg, com uma positividade de cerca de 40% entre os kits.
Outra possibilidade seria testar os casos duvidosos com PCR (Polymerase Chain Reaction),
pois esse tipo de teste é mais específico que as sorologias, pelo fato de basear-se em técnicas
de extração do DNA de partículas virais circulantes.
Miedouge et ai. (2002) também demonstraram, por meio da pesquisa por PCR, que amos­
tras de sangue coletadas até 48 h após a morte em doadores de córnea apresentam 14,4% de
resultados sorológicos indeterminados em comparação com 1,8% de resultados indetermina­
dos em amostras retiradas de doadores de órgãos com função cardíaca normal e apenas morte
encefálica. Nesse estudo houve 84% (16/19) de resultados indeterminados para HIV-1 e 100%
(4/4) para o HCV, que se mostravam negativos pelo PCR. Isto demonstra a influência da pior
qualidade das amostras de sangue retiradas após a parada cardíaca, devendo essa coleta ser
feita o quanto antes e com o maior cuidado possível. Também confirma a validade do uso da
PCR em doadores cujos testes sorológicos mostram-se indeterminados.
Assim, um dos principais fatores que limitam o tempo após a parada cardiorrespiratória
para a retirada de córneas é a qualidade dos exames sorológicos. Certamente teremos uma va­
riação da positividade dos testes sorológicos por doença e região estudada. Existem algumas
regiões endêmicas, no Brasil, com maior positividade para a hepatite B ou outras doenças. En­
tretanto, taxas de positividade sorológicas acima de 20% devem ser melhor examinadas, bem
como devem ser revistas a metodologia do laboratório e coleta do sangue. São necessários
investimentos nesse setor para minimizar a falta de córneas para transplante.

BIBLIOGRAFIA
Heim A, Wagner D, RothëmelT, Hartmann U, Flik J, Verhagen W. Evaluation of serological screening of cadaveric sera for
donor selection for cornea transplantation. J Med Virol, 1999; 58(3):291 -5.

Miedouge M, Chatelut M, Mansuy JM, Rostaing L, Malecaze F, Sanders-Saune K e t a t Screening of blood from potential
organ and cornea donors for viruses. J Med Virol, 2002; 66(4):571-5.

Padley D, Ferguson M, Warwick RM, Womack C, Lucas SB, Saldanha J. Challenges in the testing of non-heart-beating cada­
vers for viral markers: implications for the safety of tissue donors. Cell Tissure Bank, 2005; 6(3):l71-9.
VO

Septicemia

DANIEL WASILEWSKI • GUILHERME JOSÉ NUNES MARQUES ROCHA


PETER J. MCDONNELL

Uma das complicações mais sérias do transplante de córneas é a infecção ocular pós-operató­
ria, que pode resultar na perda do globo ocular. A contaminação do botão corneano doador,
antes do transplante, pode resultar nesse tipo de complicação.
Existe um conceito bem definido que córneas doadas de portadores de septicemia repre­
sentam um risco para os receptores pela possível transmissão da doença infecciosa. Apesar
disso, não é possível quantificar esse risco como em outras doenças transmissíveis. Assim,
septicemia representa uma contraindicação formal para o transplante de córnea em todo o
mundo, inclusive no Brasil, através da portaria ministerial que regulamenta o assunto. Portan­
to, os tecidos (córnea, esclera e conjuntiva) provenientes de doadores com septicemia devem
ser rejeitados para transplante.
Evidências científicas recentes sugerem o contrário. Spelsberg etal. (2002) transplantaram
182 córneas oriundas de doadores com sepse após conservação em meios de preservação usu­
ais. O índice de rejeição imune e de falência dos transplantes não diferiu daquele encontrado
em córneas oriundas de doadores sem infecção. Além disso, nenhum paciente desenvolveu
endoftalmite infecciosa após receber as córneas de doadores com septicemia. Os dados suge­
rem que não há razão para contraindicação de transplante de córneas oriundas de pacientes
com septicemia. Robert et ai (2002) estudaram a contaminação relativa de córneas retiradas
in situ e a relevância para o sucesso do transplante. Concluíram que a infecção bacteriana no
momento da morte não influencia o aparecimento de endoftalmite infecciosa e as córneas não
devem ser excluídas para o transplante.
Em um estudo onde se examinou a influência dos fatores de risco do doador que podem
contribuir para a contaminação do botão corneano doado, os tumores malignos e doença car­
díaca como causas de morte foram associados à contaminação do botão doado. Septicemia
não foi um fator de risco estatisticamente significativo. A idade e o sexo do doador, o tempo
entre a morte e a retirada das córneas e o tempo entre a retirada e o transplante não foram

27
28 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

fatores significativos para a contaminação. Nessa série estudada, somente 6 transplantes evo­
luíram com úlcera corneana (1,27%) e somente 1 dos 469 transplantes (0,22%) apresentou
endoftalmite, apesar de 79 botões (16,8%) terem sido positivos na cultura. Culturas positivas
do anel corneoescleral não foram indicadores de infecção após ceratoplastia. Nesse estudo,
não houve diferença estatisticamente significativa entre infecção corneana pós-operatória de
pacientes que receberam botões contaminados comparados com pacientes que receberam bo­
tões estéreis. Ou seja, infecção ocular pós-transplante de córnea é infrequente (1,49%), apesar
da alta prevalência de contaminação microbiana dos botões corneanos, sugerindo que outros
fatores de risco para a infecção ocular pós-operatória estejam envolvidos.
Assim, culturas do tecido doador têm valor prognóstico limitado, e a probabilidade de
transmissão de microrganismos infecciosos que resultem em infecção clínica é extremamente
baixa. O perigo da septicemia do doador não é demonstrável.
Redbrake et ai (1997) demonstraram que não há comprometimento do estado metabólico
do botão corneano mantido em meio de preservação tecidual entre doadores que morreram
por morte súbita, processos malignos, septicemia, insuficiência renal e diabetes. O meio de
preservação até permite uma recuperação do estado metabólico da córnea.
Em sociedades com potencial para litígio, entretanto, o risco de ações legais em resposta
a possível infecção pode guiar a decisão final.
Em países onde córneas para transplante são facilmente obtidas e a espera para um trans­
plante não representa um custo social relevante, não há razão para utilizar córneas oriundas
de doadores com septicemia. Porém, em países como o Brasil, onde existe carência de cór­
neas, o uso desse tipo de tecido pode representar um grande avanço no número de transplan­
tes, sem comprometer a qualidade final da cirurgia. Protocolos científicos rígidos e estudos
prospectivos são necessários para verificar se a septicemia deve continuar sendo uma con-
traindicação para transplante de córneas no Brasil.

BIBLIOGRAFIA
O'Day DM. Diseases potentially transmitted through corneal transplantation. Ophthalmology, 1989; 96(8):1133-7.

Redbrake C, Salla S, Vonderheken M, Seiben P, Reim M.Tissue condition of human corneas before and after organ culture.
Effect of donor cause of death. Ophthalmology, 1997 Aug; 94(8):573-7.

Rehany U, BalutG, Lefler E, Rumelt S.The prevalence and risk factors for donor corneal button contamination and its asso­
ciation with ocular infection after transplantation. Cornea, 2004; 23:649- 654.

Robert PY, Camezind P, Drouet M, Ploy MC, Adenis JP. Internal and external contamination of donor corneas before in situ
excision: bacterial risk factors in 93 donors. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol, 2002; 240(4):265-70.

Spelsberg H, Reinhard T, Sengler U, Daeubener W, Sundmacher R. Organ-cultured corneal grafts from septic donors: a
retrospective study. Eye, 2002; 16(5):622-7.
Doenças do Sistema
Nervoso Central

DANIEL WASILEWSKI • HAMILTON MOREIRA

Grandes preocupações existem sobre o risco potencial de transmissão de doenças do sistema


nervoso central (SNC) através do transplante de córnea. Dos vários tipos de demência, somen­
te a raiva, hepatite B e doença de Creutzfeldt-Jacob (CJD) foram transmitidas pelo transplante
de córnea. A transmissão da raiva e da hepatite B pode ser evitada por testes sorológicos;
já a prevenção da transmissão da doença de Creutzfeldt-Jacob somente pode ser feita pela
história clínica, sinais e sintomas. A prevalência da doença de Creutzfeldt-Jacob é de 1,5 caso
por milhão de pessoas, e menos de 5% dos casos ocorrem devido à transmissão iatrogênica.
O primeiro caso de transmissão iatrogênica foi publicado em 1974, tendo ocorrido em uma
mulher de 55 anos que desenvolveu os sintomas 18 meses após o transplante de córnea de
um doador que se descobriu ter morrido da doença. Outros casos similares foram descritos,
e o potencial de transmissão das encefalopatias espongiformes, incluindo CJD via transplante
de tecido corneano, tem sido demonstrado em animais. Atualmente, o risco de transmissão da
CJD após transplante de córnea é muito baixo. A pesquisa por sinais e sintomas tem mínimo
impacto na segurança, já que a maior parte do risco estimado (91%) é decorrente de doença
pré-clínica (assintomática), e ainda reduz o número de doadores.
Alguns casos de transmissão de raiva através do transplante de córnea também já foram
descritos. Em todos os casos, o diagnóstico de raiva do doador só foi feito após o desenvol­
vimento de raiva fatal no receptor. Deve-se, portanto, ficar atento à história clínica do doador
e descartar as córneas no caso de suspeita de doenças neurológicas centrais de causa virai ou
sem etiologia definida. Qualquer paciente submetido a necropsia para avaliação de possível
doença do SNC deve ser excluído da doação de córneas.
Vários autores aconselham enfaticamente a exclusão de qualquer paciente com doença
neurológica de provável etiologia virai como fonte de material de córnea doadora.

29
30 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

BIBLIOGRAFIA
Bredehorn T, Wilhelm F, Wilhelm F, Wierderhold C, Duncker Gl. Incidence of potential transmitters of Creutzfeldt-Jakob
disease. A study of a collective of potential cornea donor. Ophthalmology, 2001 Mar; 98(3):269-72.

BronnertJ, Wilde H,Tepsumethanon V, Lumlertdacha B, HemachudhaT. Organ transplantations and rabies transmission. J
Travel Med, 2007 May-Jun; 14(3):177-80.

Bruce Allan, Senior registrar, A Stephen Tuft, Consultant ophthalmologist. Transmission of Creutzfeldt-Jakob disease in
corneal grafts. BMJ, 1997; 315:1553-4.

Hogan RN, Brown P, Heck E, Cavanaugh HD. CRisk of prion disease transmission from ocular donor tissue transplantation,
ornea, 1999 Jan; 18(1 ):2-11.

Hogan RN, Cavanagh HD. Transplantation of corneal tissue from donors with diseases of the central nervous system. Cor­
nea, 1995 Nov; 14(6):547-53.

Javadi MA, Fayaz A, Mirdehghan AS, Ainollahi B. Cornea, 1996 Jul; 15(4):431 -3. Transmission of rabies by corneal graft.

Kennedy RH, Hogan RN, Brown P, Holland E, Johnson RT, Stark W, Sugar J. Eye banking and screening for Creutzfeldt-Jakob
disease. Arch Ophthalmology, 2001 May; 119(5):721 -6.

Wagoner MD, Dohman CH, Albert DM, Lavin P, Murphy A, O'Neill-Dryja M. Corneal donor material selection. Ophthalmol­
ogy, 1981 Feb; 88(2):139-45.
00

Doadores com Câncer

DANIEL WASILEWSKI • HAMILTON MOREIRA

Os critérios de aceitação de doação de córnea em alguns bancos de olhos incluem cadáveres


com câncer ativo, tanto sólido quanto hematológico. Tal aceitação é baseada no fato de que
a córnea é um tecido avascular e a disseminação metastática é extremamente improvável. Um
estudo publicado por López-Navidad et a i (2007) mostrou que a incidência de metástase ocu­
lar em 204 doadores com câncer foi de 1%, sendo 0,6% de órgãos sólidos e 0,37% de doenças
hematológicas malignas. Ou seja, a incidência de metástase ocular é muito baixa e a transmis­
são tumoral através do transplante de córnea é improvável quando os olhos do doador estão
livres de câncer.
De acordo com o EBAA (Eye Bank Association o f América - Medicai Standars July 2003) são
consideradas contraindicações para o transplante de córnea somente as leucemias e, no capí­
tulo das doenças intrínsecas do globo ocular, são citados especificamente o retinoblastoma
e o adenocarcinoma que comprometam o segmento anterior do olho. Não existe nenhuma
contraindicação relacionada com tumores malignos de outra origem.
Nas leucemias, qualquer estrutura ocular pode ser acometida, como deposição de imuno-
proteínas na córnea, retinopatia por infiltração leucêmica ou secundária à anemia ou hipervis-
cosidade, neuropatia óptica devido à infiltração do nervo óptico via SNC, espessamento da íris
e irite, hemorragia subconjuntival e hifema. Há ainda a possibilidade da translocação genética,
que induz a manifestação da patologia também em tecidos oculares. Estas são razões aceitas
universalmente para o descarte dessas córneas. Não se encontrou na literatura evidência que
embase o descarte de outros tipos de câncer.
Harrison, Hodge e Bourne (1995) demonstraram que não há evidência de transmissão tu­
moral por transplante de córnea de doadores com melanoma primário de coroide. Essas cór­
neas têm evolução clínica similar às córneas de olhos de doadores sem melanoma.
Outro estudo realizado por Salame et ai (2001), em análise retrospectiva de 143 pacientes
submetidos a transplante de córnea, comparou receptores de córneas provenientes de doado-

31
32 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

res com malignidades e receptores de córneas provenientes de doadores sem malignidades,


mostrando que não há evidência clínica ou estatística que sugira a transmissão de câncer de
doadores com malignidades via transplante de córneas.

BIBLIOGRAFIA
Harrison DA, Hodge DO, Bourner WM. Outcome of corneal grafting with donor tissue from eyes with primary choroidal
melanomas. A retrospective cohort comparison. Arch Ophthalmology, 1995 Jun; 113 (6)753-6.

Lôpez-Navidad A, Soler N, Caballero F, Lerma E, Gris 0 . Corneal transplantations from donors with cancer.Transplantation,
2007 May 27; 83(10):1345-50.

Salame N MD, Viel Jean Francois MD, PhD, Arveux P MD PhD, Delbosc B MD, PhD. Cancer Transmission Through Corneal
Transplantation Cornea, 2001; Oct; 20(7):680-682.
ON

Qualidade de Tecido Doador e


Causa do Óbito

ROBERSON GARCIA DE CARVALHO • HAMILTON MOREIRA

A diferença na qualidade do tecido doador dependente da causa do óbito é descrita na lite­


ratura.
Há relatos de uma diminuição da densidade endotelial em pacientes que morreram de
câncer. Provavelmente devido à caquexia e catabolismo próprio da doença em relação àqueles
que tiveram morte rápida.
Outro estudo, que avaliou a densidade celular endotelial comparando diversas variáveis,
tais como morte súbita, carcinoma, insuficiência renal, diabetes melito e septicemia, não en­
controu diferença estatística entre os grupos, inclusive nos pacientes que necessitaram de
quimioterapia e/ou radioterapia para o câncer.
A densidade endotelial e a ocorrência de necrose endotelial em córneas conservadas em
meios de cultura foram observadas e correlacionadas com mortes traumáticas e não traumá­
ticas dos doadores. Concluiu-se que há maior chance de perda parcial ou total (necrose) de
células endoteliais em córneas conservadas de pacientes que sofreram morte traumática do
que naqueles que tiveram morte não traumática.
A manutenção das funções vitais através de respiradores artificiais em UTI por tempo
prolongado pode comprometer a qualidade do botão. Alterações epiteliais no terço inferior
da córnea são comuns, especialmente quando os cuidados da enfermagem, no período final,
permitem a exposição da córnea por tempo prolongado sem a devida proteção. O risco de
infecção nessas córneas é maior e podemos encontrar secreção nos fundos de saco e, até mes­
mo, infiltrado estromal e edema significativo no momento da retirada da córnea. Em alguns
casos, quando o infiltrado tem significativa importância clínica, é importante ter em mente o
possível descarte do tecido.
Assim, os cuidados de proteção, lubrificação e resfriamento da córnea ainda na UTI, em
pacientes terminais, são fundamentais para um bom tecido doador e consequente sucesso do
transplante. Provavelmente, preponderam sobre a causa da morte per se.

33
34 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

BIBLIOGRAFIA
Krohn J, Hovding G.The influence of donor age and cause of death on corneal endothelial cell density. Acta Ophthamol
Scand, 2005 Dec; 83(6)746-50.

Redbrake C e t al. Effect of donor illness on endothelial cell number of human corneas. Klin Monatsbl Augenheilkd, 1995
Jan; 2006(1 ):46-8.

Sobottka Ventura AC e t a l. Endothelial cell death in organ-cultured donor corneae, the influence of traumatic versus no
traumatic cause of death. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol, 1997 Apr; 235(4): 230-3.
Relação entre Idade do
Doador e do Receptor de
Córneas para Transplante

ROSANE SILVESTRE DE CASTRO

A atitude de aceitar ou recusar córneas para transplante baseado na idade do doador é comum
entre os cirurgiões. Córneas obtidas de crianças com menos de 18 meses devem ser evitadas
com a finalidade óptica pelo alto risco de ectasia e alta miopia que podem induzir no receptor.
Essas córneas provindas de recém-nascidos têm alta elasticidade e são de difícil manipulação
cirúrgica. Sugestões do passado, como utilizar córneas de recém-nascidos em pacientes alto
hipermetropes ou afácicos, não têm comprovação científica.
Se o tecido doador tem contagem endotelial satisfatória e foi armazenado corretamente
de modo a manter endotélio viável para suportar o trauma cirúrgico e a futura perda celular,
não importa a idade do doador.
Um grupo de estudos está investigando se a idade do doador está relacionada à sobrevida
do transplante em longo prazo. Características do doador têm sido avaliadas, tais como idade,
r

densidade de células endoteliais e intervalo entre o óbito e a preservação da córnea. E um es­


tudo prospectivo de caso-controle duplo mascarado, multicêntrico de 1.101 córneas doadoras
avaliadas sem conhecimento da idade. As características do tecido doador na lâmpada de fen­
da mostraram pouca variação segundo a idade, exceto pela presença de halo senil. Com rela­
ção ao tempo entre óbito e preservação, poucas variações foram observadas quanto ao edema
e formação de dobras de Descemet. Houve pequena variação na média da contagem de células
endoteliais de pacientes com menos de 60 anos. Resultados preliminares mostraram que as
complicações intraoperatórias ocorreram em 3% dos casos. O defeito epitelial persistente foi a
complicação mais comum no pós-operatório imediato em 8% dos casos. Não houve associação
aparente entre idade do doador e receptor nas complicações intra e pós-operatórias imedia­
tas. Em 2008 foram publicados outros resultados do mesmo grupo de estudo. As conclusões
foram que, em relação à sobrevida de 5 anos, não houve diferença entre os transplantes reali­
zados com doadores com mais de 66 anos de idade com os mais jovens. Os resultados suge­
rem que córneas até 75 anos de idade são satisfatórias para transplante penetrante. Em outro

35
36 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

estudo do mesmo grupo os autores observaram um decréscimo de células endoteliais nos 5


anos que seguem ao transplante com pequena associação com a idade do doador.
Não existe um consenso sobre a idade do doador e do receptor. A utilização de córneas
de doadores idosos, com mais de 70 anos de idade, em jovens receptores portadores de cera-
tocone, uma doença que não afeta a população endotelial, é viável e não encontra evidências
para a contraindicação. Questiona-se o comportamento dessas córneas em longo prazo. Rela­
tos isolados suportam a ideia de que córneas de doadores idosos podem resistir com perfeita
transparência por longos anos, se as técnicas de preservação do tecido e transplante forem
adequadas e se não ocorreram complicações pós-operatórias. Admite-se que, a partir dos 2
anos de idade, todas as córneas são passíveis de transplante, e podem ser coletadas, especial­
mente se considerarmos os atuais avanços nas técnicas de transplante lamelar. Atualmente,
cabe ao diretor médico de cada banco de olhos determinar os limites de idade que serão ado­
tados, de acordo com a necessidade local.
Alguns bancos de tecidos oculares, nos EUA, têm protocolos de distribuição de tecidos
que levam em conta a idade, por exemplo, distribuindo a um paciente que esteja em uma faixa
etária entre 10 anos em relação ao doador. E também levam em conta outros fatores, como,
por exemplo, distribuir uma córnea com um bom epitélio a um paciente que tenha uma doen­
ça de superfície ocular.

BIBLIOGRAFIA
Beck RW, Gal RL, Mannis MJ é t a l. Is donor age an important determinant of graft survival? Cornea, 1999; 18:503-510.

Gal RL e t al. Cornea Donor Study Investigator Group. The effect of Donor age on Corneal Transplantation Outcome.
Ophthalmology, 2008; 115(4):620-6.

Lass JH e t al. Cornea Donor Study Group. Donor age and Corneal Endothelial Cell loss 5 years after Successful Corneal
Transplantation. Ophthalmology, 2008; 115(4):627-32.

Mannis MJ e t a l. cornea donor study group. Clinical profile and early surgical complications in the Cornea Donor Study.
Cornea, 2006; 25(2):164-70.

Mush DC, Meyer RF, Sugar A. Effects of the donor's age and endothelial cell density on graft survival and endothelial cell
loss after corneal transplantation. Cornea, 1995; 14:116.

Reinhart WJ. Medical Standards for Eye Banking. In: Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Cornea: Fundamentals of Cornea
and External Disease. Volume I. St. Louis: Mosby, 1997; p489.

Sugar A e t a l. cornea donor study group. Baseline donor characteristics in the Cornea Donor Study Group. Cornea, 2005;
24(4):389-96.
Equipamentos Necessários
para o Funcionamento de um
Banco de Tecidos Oculares

PROCÓPIO MIGUEL DOS SANTOS

Um banco de olhos deve atender às exigências legais para a sua instalação e autorização.
A legislação a respeito do funcionamento está contida na Resolução de Diretoria Colegiada
(RDC) 347 (02/12/03) e na portaria 2.692 (23/12/04). Segundo essa portaria, o banco de teci­
dos oculares deve estar situado dentro de um hospital, e estabelece a área física mínima para
funcionamento. A planta arquitetônica final deve seguir as normas ministeriais e ser aprovada
pela vigilância sanitária local. O ponto mais importante atualmente é a aprovação das Secre­
tarias Municipal e Estadual de Saúde. Após atender a todos os requisitos da portaria, o gestor
de saúde pública local precisa justificar a necessidade da criação de um novo banco de tecidos
oculares na região, para posteriormente conseguir a aprovação do Sistema Nacional de Trans­
plantes (SNT).
Para o funcionamento de um banco de tecidos oculares garantindo a segurança e o contro­
le de qualidade do material processado, são necessários os seguintes equipamentos:
1) Dois refrigeradores (geladeiras): todo o processo de armazenamento de tecidos requer a
conservação de temperatura entre 2°C e 8°C para manter a viabilidade destes. Para isso
utilizam-se dois refrigeradores no banco de olhos, sendo um para armazenamento dos te­
cidos que ainda não se encontram aptos para transplantes (bulbos oculares, córneas já pro­
cessadas que aguardam resultados de sorologias e/ou avaliação como também os tecidos
que serão encaminhados para exame anatomopatológico). O outro refrigerador destina-se
aos tecidos aptos para cirurgia (córneas já processadas, com resultados das avaliações
tectônica e óptica e sorologias negativas, meios de preservação, além de escleras que já
tenham cumprido o prazo de descontaminação). A temperatura desses refrigeradores deve
ser controlada por termômetro digital com leitura externa. Deve existir um livro próprio
para as anotações da temperatura e um gerador de energia suficiente que as mantenha em
funcionamento por um período de 24 h caso exista queda da energia elétrica no hospital
que sedie o banco.

37
38 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

A separação física do material liberado para transplante em refrigerador é uma exigência


da Vigilância Sanitária, mas não encontra defesa científica e apenas aumenta os custos em
relação à implantação de um novo banco. O frasco de conservação da córnea é um elemento
pequeno, facilmente separado em uma prateleira bem identificada. Um segundo refrigerador
apenas aumenta a possibilidade de problemas com a temperatura e, além disso, aumenta os
custos dos bancos de olhos.
deve-se ter no mínimo 2 caixas com controle de temperatura equipadas
2) C a ix a s té r m ica s:
com termômetro digital de leitura externa. Essas caixas térmicas devem ser de material
resistente e lavável e não podem ser de isopor.
3) M a te r ia is cirú rg ico s:
a) Caixa de enucleação:
- 1 blefarostato (adulto e infantil).
- 2 pinças com dentes (0,3 mm).
- 1 tesoura para tenotomia (Westcott).
- 1 gancho para músculo (gancho de estrabismo adulto e infantil).
- 1 tesoura para músculo (tesoura de estrabismo).
- 1 pinça mosquito.
- 1 tesoura para enucleação (adulto e infantil).
- 1 porta-agulha.
b) Caixa de excisão in situ:
- 1 blefarostato (adulto e infantil).
- 2 pinças com dentes (0,3 mm).
- 2 pinças retas (0,12 mm).
- 1 tesoura para tenotomia (Westcott).
- 2 tesouras para córnea (tipo universal).
- 4 bisturis (lâminas n - 11 e 15).
- 1 porta-agulha.
c) Caixa de instrumentos para preservação/processamento da córnea:
- 2 pinças retas (0,12 mm).
- 2 tesouras para córnea (tipo universal).
- 4 bisturis (lâminas n - 11 e 15).
- 2 bisturis (lâmina n- 15).
- 2 tesouras de córnea.
4) de acordo com a portaria minis­
L â m p a d a s d e fe n d a c o m m a g n ific a ç ã o m ín im a d e 40 X :
terial e com as normas da Vigilância Sanitária, essa lâmpada de fenda deve ser de uso ex­
clusivo do banco de tecidos oculares. A importância da magnificação alta está relacionada
com o exame do endotélio da córnea.
5) II tip o A (C âm ara d e F lu xo Lam inar): esse equipa­
C â m a r a d e se g u r a n ç a b io ló g ic a cla sse
mento serve para o processamento dos tecidos, sendo indispensável segundo a portaria
Equipamentos Necessários para o Funcionamento de um Banco de Tecidos Oculares 39

ministerial. Tem como objetivo a segurança em relação à possível contaminação do tecido,


bem como segurança profissional.
6) para uma correta avaliação do tecido doado, após sua
S u p o r te s p ara a v a lia ç ã o d e có rn e a :
preservação, é necessário acoplar um suporte à lâmpada de fenda, mantendo imóvel o fras­
co contendo a córnea e permitindo a avaliação do tecido em todas as posições e aumentos
necessários.
7) a responsabilidade do armazenamento dos dados é in­
M ic r o c o m p u ta d o r c o m im p re sso ra :
teira do banco de tecidos oculares. Assim, todos os dados referentes aos tecidos avaliados
e/ou distribuídos para transplante devem ser meticulosamente arquivados.
esse equipamento serve para avaliar e documentar fo­
8) M ic r o s c ó p io e sp e c u la r (o p cio n al):
tograficamente o endotélio da córnea. Trata-se de um equipamento de alto custo que for­
nece o número de células endoteliais, forma e tamanho. Esses dados podem ajudar indire­
tamente na classificação do tecido ocular. Quando comparado com a avaliação à lâmpada
de fenda não traz vantagens, pois avalia apenas um setor da camada endotelial. Sua inter­
pretação deve ser sempre associada à avaliação à lâmpada de fenda. Entretanto, em casos
especiais, pode servir como documentação comprobatória, e alguns cirurgiões sentem-se
mais seguros de posse dessa documentação.

Além dos equipamentos mencionados, o banco de tecidos oculares deve ainda dispor de
depósito de material de limpeza, acesso a uma autoclave, expurgo e preparo de material, que
geralmente é feito no centro cirúrgico do hospital. Os diversos procedimentos operacionais-
padrão (POP) exigidos para o funcionamento do banco devem descrever os diversos fluxos,
como descarte dos tecidos não utilizados, fluxo dos materiais utilizados nas retiradas ou no
preparo das córneas e, até mesmo, a manutenção preventiva dos equipamentos, que é obri­
gatória. É muito importante descrever o fluxo dos tecidos utilizados e rejeitados para trans­
plante, assim como manter organizados todos os comprovantes para possível consulta futura.

BIBLIOGRAFIA
Chu W. The past twenty-five years in eye banking. Cornea, 2000;19(5):754-65.

Farge EJ, Cox WGM, Khan MM. An eye banking program for selecting donor corneas for surgical distribution. Cornea, 1995;
14(6):578-82.

Moffatt SL, Cartwright VA, Stumpf TH. Centenial review of corneal transplantation. Clin Experiment Ophthalmology, 2005;
33(6):642-57.

Wilson SE, Bourne WM. Corneal preservation. Surv Ophthalmology, 1989; 33(4):237-59.
Técnica para Enucleação
do Globo Ocular do
Doador de Córnea

ELCIO HIDEO SATO • GLEISSON REZENDE PANTALEÃO • HAMILTON MOREIRA

Enucleação é o procedimento cirúrgico de remoção do globo ocular. Pequenas variações na


técnica de enucleação (no caso dos doadores de córnea para transplante) podem ocorrer, pe­
las particularidades das normas e padrões internos de qualidade estabelecidos pelos bancos
de olhos. O importante é que sejam respeitados os critérios internacionais para a realização
desse tipo de procedimento e tomados os cuidados essenciais para garantir a execução cor­
reta da técnica.
É importante lembrar que, antes do procedimento de enucleação ou retirada de córneas
in situ, precisamos obter sangue do doador para sorologia; para isso podemos fazer a pun­
ção de vasos sanguíneos periféricos ou profundos (subclávia, jugular ou femoral) ou, ainda, a
punção intracardíaca (Figs. 1 a 3) Sem o sangue, o tecido não tem validade e será descartado;
portanto, na impossibilidade de coletar amostra sanguínea, o processo de captação do órgão
deve ser abortado.

Fig. 1 Punção jugular. (Ilustração de Conceyção Rodriguez.)

41
42 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Fig. 2 Punção subclávia. (Ilustração de Conceyção Rodriguez.)

Fig. 3 Punção femoral. (Ilustração de Conceyção Rodriguez.)

Instrumentais necessários: blefarostato, pinça com dentes (0,3 mm), tesoura de conjun­
tiva, gancho de estrabismo, tesoura de estrabismo, pinça mosquito, tesoura de enucleação e
porta-agulha.
A técnica propriamente dita começa com a colocação do blefarostato (de forma cuidadosa,
para não lesar a córnea) (Figs. 4A-F). Com a pinça com dentes delicados e tesoura de conjunti­
va são feitas a peritomia (em 360°, a 2,0 mm do limbo) e a tenotomia (inserindo a tesoura de
conjuntiva em cada um dos quatro quadrantes, para liberar todas as aderências à esclera). Com
gancho e tesoura de estrabismo, os músculos retos superior, inferior e medial são isolados e
seccionados (próximos à inserção no globo ocular). O reto lateral é isolado e fixado (próximo
à inserção no globo) com uma pinça mosquito, para facilitar o manuseio e a remoção do globo
Técnica para Enucleação do Globo Ocular do Doador de Córnea 43

da cavidade orbitária. Em seguida, esse músculo é seccionado (a 5 mm do globo, permitindo


que a pinça mosquito permaneça fixa). O olho é levemente movimentado (usando-se a pinça
mosquito como instrumento de manuseio e apoio) e os músculos oblíquos, superior e inferior
(que não oferecem resistência), são seccionados. A tesoura de enucleação é introduzida (fe­
chada), pelo lado medial, e o olho é suficientemente levantado (leve tração feita com a pinça
mosquito) para localização do nervo óptico. Só então, a uma distância de aproximadamente
6,0 mm da inserção do nervo óptico no globo, a tesoura é aberta e a secção realizada, bem
como a liberação dos tecidos orbitários residuais. O globo ocular é retirado, envolto em pro­
teção feita com gaze estéril e acondicionado em câmara úmida (frasco estéril, forrado com
gaze estéril umedecida com soro fisiológico). O blefarostato é retirado e a cavidade orbitária
recomposta (com gaze ou prótese biodegradável preparada especificamente para esse fim). As
pálpebras podem ser suturadas ou pode-se utilizar cola adesiva instantânea.

Fig. 4A Após a antissepsia com iodo- Fig. 4B Após a preparação cuidadosa,


povidona, iniciamos o processo de enu­ inicia-se o procedimento com peritomia
cleação com colocação de blefarostato, 360° afastando toda a conjuntiva e
seguido de lavagem dos fundos de saco tenon, expondo a inserção dos músculos
e instilação de colírio antibiótico. (Ilustra­ extraoculares para podermos isolá-los e
ção de Conceyção Rodriguez.) seccioná-los. (Ilustração de Conceyção
Rodriguez.)

Fig.4C Isolamento e secção do múscu­ Fig. 4D Secção de demais músculos


lo reto lateral, deixando um segmento extraoculares na inserção escleral. (Ilus­
maior de inserção escleral, para fixação tração de Conceyção Rodriguez.)
com pinça hemostática e auxílio na reti­
rado do globo ocular da cavidade. (Ilus­
tração de Conceyção Rodriguez.)
44 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Fig. 4E Com auxílio de uma pinça he- Fig. 4F Após enucleação, o globo ocu­
mostática, faz-se tração no músculo reto lar é armazenado em câmara úmida,
lateral, e, com uma tesoura curva com envolto por gazes umedecidas com soro
extremidade romba, própria para enu- fisiológico e antibiótico até ser transpor­
cleação, seccionamos o nervo óptico. tado ao banco de olhos, onde será feita
(Ilustração de Conceyção Rodriguez.) a preparação dos tecidos (córnea e es-
clera). É importante que o frasco seja
bem lacrado, e que a córnea fique úmida,
porém deve-se tomar cuidado para que
a gaze não cubra a córnea, podendo
danificá-la. (Ilustração de Conceyção
Rodriguez.)

Uma técnica adequada de enucleação permite a correta recomposição da aparência do


doador e a obtenção de um globo ocular em condições seguras para posterior avaliação e pre­
servação dos tecidos oculares doados.

BIBLIOGRAFIA
Eye Bank Association of America. Medical Standards, 2006. Disponível em: http://www. restoresight.org/Pan-American
Association of Eye Banks. Medical Standards, 2002. Disponível em: http://www.apabo.com.br.
Câmara de Fluxo Laminar para
o Processamento das Córneas

ALEXANDRE SEMINOTI MARCON • HAMILTON MOREIRA

A câmara ou cabine de fluxo laminar (Fig. 1), também denominada cabine de segurança bio­
lógica, é um equipamento de proteção coletiva utilizado para evitar o contágio de aerossóis
infecciosos, limitar a exposição do analista e do ambiente e ainda proteger o material manuse­
ado de contaminantes provenientes do ar. Trata-se de um sistema eletromecânico em que uma
massa de ar ultrafiltrada por filtros HEPA (High Efficiency Particulate Air) move-se em sentido
unidirecional, a baixa velocidade, criando um ambiente estéril e removendo a contaminação
gerada no ambiente. Dentro da área de trabalho, é gerada uma pressão evitando que partícu­
las externas tenham acesso. Atrás dos filtros há um sistema de luzes ultravioleta de alta inten­
sidade que inativa partículas viáveis que possam ter passado pelo sistema de filtros.

Fig. 1 Câmara de fluxo laminar.

45
46 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

A excisão da córnea em uma câmara de fluxo laminar consiste no preparo do globo ocular
para a remoção do botão corneoescleral utilizando técnicas cirúrgicas estéreis. O processa­
mento consiste em:
1) Limpeza da câmara com álcool iodado e imediatamente após com o acionamento dos fil­
tros de ar e da lâmpada germicida. Essa última deve permanecer ligada por 30 min antes
do início do trabalho.
2) Separação de todo o material a ser utilizado em uma bandeja, paramentado com luvas de
procedimento, gorro e máscara. Abre-se um campo cirúrgico encostando apenas nas bor­
das para forrar o centro da área de trabalho da capela; abrem-se as gazes, o envelope com
o material cirúrgico e as lâminas colocando-os no campo, sem contaminar com as luvas.
Posicionam-se os frascos com líquido de preservação à direita e fora do campo estéril com
as tampas livres, apoiando-as apenas sobre o tubo. Os frascos com os globos oculares são
posicionados à esquerda do campo cirúrgico, sem contaminá-los, com as tampas livres e
apenas apoiadas sobre os recipientes.
3) Escovação das mãos e a colocação do avental cirúrgico e das luvas estéreis.
4) Posicionamento sentado em frente à cabine e início do trabalho. Jamais retirar as mãos de
dentro da cabine, para evitar a contaminação.
5) Preservação dos globos a partir da confecção de um “cachecol” com gazes para envolver
os globos e permitir sua mobilização com as mãos. Utilizando uma gaze estéril, retira-se a
tampa da câmara úmida para acessar os globos, que deverão ser retirados com uma pinça,
deixando para trás as gazes contaminadas que estão ao seu redor. A partir desse momento,
inicia-se a técnica cirúrgica de excisão do botão corneoescleral. O botão já liberado do glo­
bo é colocado dentro do meio de conservação, que terá sua tampa elevada com o auxílio
de gaze estéril. A partir desse momento, todo o restante do globo ocular é inspecionado
para anormalidades. A esclera pode ser preservada caso necessário.

BIBLIOGRAFIA
Almeida-Muradian LB. In: Hirata MH e Mancini Filho J (eds.). Manual de Biossegurança. Barueri: Manole, 2002; 57-86.

Manual da Associação Pan-Americana de Bancos de Olhos, APABO, 2006.


Técnica de Preparação do
Botão Corneoescleral em Olho.
Enucleação e Retirada in S itu

GLEISSON REZENDE PANTALEÃO • MÁRCIO ZAPPAROLI • HAMILTON MOREIRA

Após enucleação do globo ocular e acondicionamento em frasco apropriado no sistema de


câmara úmida com gaze e soro fisiológico, o tecido é levado para o banco de tecidos oculares,
onde será realizada a preparação e conservação do botão corneoescleral, bem como o preparo
e conservação da esclera. Esse processo deve ser feito o mais rapidamente possível, evitando
que a degradação lese o endotélio corneano.
O processo deve ser feito em câmara de fluxo laminar e com material estéril. O cirurgião
deve usar luvas cirúrgicas, não apenas para evitar a contaminação do tecido, mas também para
se proteger de possíveis doenças transmissíveis.
Inicia-se a técnica enrolando uma gaze em torno do globo, para melhor suporte e manu­
seio seguro do globo. Em seguida, instila-se colírio de antibiótico tópico e lava-se a superfície
do globo com solução salina balanceada. Procede-se com um sulco escleral, objetivando a
maior profundidade possível sem penetração. Esse sulco escleral deve ser realizado em toda
r

a circunferência (360°) do globo com lâmina de bisturi 11 ou 15, a 4 mm do limbo. E muito


importante que a distância entre o limbo e o sulco seja realmente de 3 ou 4 mm para facilitar
o processo da trepanação no momento do transplante. Ainda com a lâmina, aprofunda-se uma
parte do sulco até atingir o espaço subcoróideo, em uma pequena área que permita a entra­
da da lâmina de uma tesoura de extremidade romba. Com essa tesoura delicada, procede-se
ao corte final da esclera sem traumatizar a úvea subjacente. Com auxílio de uma pinça ou
cotonete úmido, faz-se a separação entre a úvea e a esclera, deixando apenas a córnea e um
anel escleral. Nesse passo cirúrgico, deve-se ter cuidado maior ao se aproximar da raiz da íris.
Nesse ponto, existe uma aderência maior entre os tecidos, demandando maior força de tração
e cuidado para não se romper o tecido uveal. Jamais retire o botão corneoescleral com a íris
aderida. Isto irá danificar o endotélio corneano, muitas vezes inviabilizando um transplante
penetrante. Por fim, coloca-se o tecido em meio de preservação próprio (Figs. 1A-H).

47
48 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Fig. IA Após enucleação, o globo ocular Fig. 1B Com auxílio de um compasso


deve ser preparado em câmara de fluxo milimetrado, marca-se a 4 mm do limbo e
laminar. Incialmente, envolve-se em gaze confecciona-se um sulco escleral 360°.
para melhor fixação e instila-se colírio Essa distância é importante para que o
antibiótico. (Ilustração de Conceyção botão possa ser adequado para trepana­
Rodriguez.) ção em câmaras artificiais, que são utiliza­
das nas modernas técnicas de trepanação.
(Ilustração de Conceyção Rodriguez.)

Fig. 1C Aprofunda-se o sulco escleral Fig. 1D Com uma tesoura delicada, de


até atingir a úvea. (Ilustração de Con­ extremidade romba, e com cuidado para
ceyção Rodriguez.) não penetrar a úvea, completa-se a secção
escleral. (Ilustração de Conceyção Rodri­
guez.)

Fig. 1E Com a secção escleral completa Fig. 1F Com auxílio de pinças delicadas
em 360°, realiza-se a retirada do botão ou cotonetes umedecidos, faz-se a sepa­
corneoescleral. (Ilustração de Conceyção ração cuidadosa do anel escleral com o
Rodriguez.) corpo ciliar por leve tração. Cuidado espe­
cial na região da raiz da íris, como mos­
trado na ilustração. (Ilustração de Concey­
ção Rodriguez.)
Técnica de Preparação do Botão Corneoescleral em Olho. Enucleação e Retirada in Situ 49

Fig. 1G Os cuidados na separação do Fig. 1H Após o procedimento, o botão


botão corneoescleral da raiz da íris devem corneoescleral é acondicionado em meio
seguir em toda a circunferência até o livra­ de preservação apropriado para poste­
mento completo entre os tecidos. (Ilustra­ rior avaliação e distribuição. (Ilustração
ção de Conceyção Rodriguez.) de Conceyção Rodriguez.)

Para a conservação da esclera, faz-se o esvaziamento de toda a cavidade vítrea, bem como
a escovação da esclera em sua faces externa e interna, para retirar todas as aderências da
coroide e conjuntiva, e preservação em meio apropriado (glicerina estéril ou álcool). É impor­
tante que o epitélio pigmentado e todo o pigmento sejam removidos por completo. Esse pig­
mento está relacionado com grande reação inflamatória em cirurgias oculoplásticas.
A técnica de retirada da córnea in situ é similar à descrita para preparação após enucle­
ação, com a diferença de que é feita no próprio doador, sem a retirada completa do globo
ocular. A única particularidade seria a peritomia e tenotomia 360°, realizadas antes do sulco
escleral, tal como na técnica de enucleação.

BIBLIOGRAFIA
Rosenwasser GOD, Nicholson WJ. Introduction to Eye Banking: A Handbook and Atlas. Proforma, 2003.
Enucleação e Retirada in S itu

DANIEL WASILEWSKI • RONALD E. SMITH

O tecido corneano sobrevive por muito mais tempo, em meio de cultura tecidual, quando
r
preservado como anel corneoescleral em vez da preservação do globo ocular inteiro. E sabido
que as preparações corneoesclerais são viáveis por vários dias a semanas, enquanto as prepa­
rações de globo ocular inteiro são viáveis somente por alguns dias. Portanto, independente­
mente da técnica utilizada para a obtenção do tecido, é importante que o anel corneoescleral
seja mantido sob refrigeração, em algum meio de preservação. Assim, não somente mantém
maior integridade celular, como também garante que os exames sorológicos necessários para
a liberação do tecido com segurança sejam realizados.
A captação da córnea pode ser feita através de enucleação ou de excisão in situ. Ambas as
técnicas apresentam vantagens e desvantagens, sendo aceitas por todos os bancos de olhos.
A decisão da técnica adotada em cada banco cabe ao diretor médico, levando em considera­
ção custos, qualidade da equipe de captação, aceitação da sociedade, entre outros fatores. A
técnica para chegarmos à configuração final desejada da córnea doadora, isto é, o botão cor­
neoescleral, pode variar dependendo do costume local, termo de consentimento e habilidade
técnica da equipe do banco de olhos em obter o tecido. Por exemplo, a proteção do endotélio
contra o trauma durante a retirada corneoescleral in situ é essencial para manter a qualidade
da córnea doadora. Portanto, a perícia na retirada é muito importante no momento da retira­
da e preparação. A enucleação é menos traumática para o endotélio. O globo ocular é então
transportado ao banco de olhos para remoção do componente corneoescleral. O processo
depende da perícia do técnico de retirada no local da doação (hospital, funerária etc.).
A principal justificativa para adotar a preservação in situ é que, após a morte, no globo
ocular, o endotélio corneano é banhado em produtos tóxicos de degradação devido à deterio­
ração dos tecidos intraoculares, em vez da solução de cultivo tecidual do meio de preservação
do banco de olhos. Por outro lado, o endotélio das preparações in situ é banhado em solução
de cultivo tecidual desde o momento em que ele é excisado do globo ocular e colocado no

51
52 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

recipiente de preservação do banco de olhos. As desvantagens levantadas nessa técnica são a


necessidade de equipe altamente treinada para a realização da retirada do tecido e a impossi­
bilidade de realizar a avaliação do globo antes de sua preservação, o que pode acarretar maior
custo com a perda de meios de preservação, uma vez que o procedimento é realizado fora de
uma capela de fluxo laminar.
Em relação à enucleação, é um procedimento mais simples, não sendo necessário um
treinamento extenso da equipe captadora permite uma avaliação do globo para a decisão de
preservação ou não do tecido e, como a preservação é realizada em ambiente estéril, o risco
de contaminação é menor.
No entanto, sempre deve ser exaltado que, quanto mais cedo o botão corneoescleral for
colocado no meio de conservação, melhor o resultado. No entanto, é ainda mais importante
obter o tecido doador de uma forma tecnicamente satisfatória, sendo mediante a retirada in
sitii ou a enucleação do globo ocular.
Outro fator importante é o consentimento informado dos familiares do doador em relação
a uma técnica ou outra. Muitas famílias preferem a retirada do botão corneoescleral in situ em
vez da enucleação como forma de doação.
O ponto mais importante é conservar a córnea doadora como botão corneoescleral o mais
rápido possível.

BIBLIOGRAFIA
Bigar F, Kaufman HE, McCarey BE e t o l. Improved corneal storage for penetrating keratoplasties in man. Am J Ophthalmol,
1975; 79: 115- 20.
Sangramento na
Retirada da Córnea

LUCIENE BARBOSA DE SOUSA • HAMILTON MOREIRA

Entre as atividades atribuídas ao banco de olhos está a captação do tecido ocular, que pode ser
realizada por meio da retirada da córnea (excisão in situ), ou com a retirada de todo o globo
ocular (enucleação).
Durante a retirada de tecido ocular, devemos nos preocupar em não danificar a córnea e
reconstituir, da melhor maneira, a aparência do doador. Uma das complicações de mais difícil
controle durante uma retirada de córnea é a hemorragia, que pode ocorrer na excisão in situ
ou na enucleação. Inicialmente, a família do doador deve ser sempre alertada quanto ao risco
de hemorragia ou formação de hematomas perioculares durante os procedimentos de retirada
de tecido, principalmente se o doador fazia uso de anticoagulantes. Em doadores obesos cujo
peso da gordura abdominal pode preocupar e naqueles cuja terapêutica anticoagulante foi
intensa antes do óbito, os cuidados devem ser maiores, pois o risco de sangramento aumenta.
Com o objetivo de minimizar o risco de sangramento, antes da retirada devem-se manter
compressas geladas sobre as pálpebras e a cabeça do doador elevada.
Todo o procedimento deve ser realizado com cuidado, manuseando os tecidos delicada­
mente para evitar maior sangramento.
Caso seja feita uma excisão in situ e o sangramento ocorra, a espera é a melhor conduta.
Na maioria das vezes, o sangramento cessa por si sem a necessidade de intervenção especí­
fica. Mas pode-se lançar mão de uma sutura em bloco, abrangendo esclera e conjuntiva. Na
falha da sutura, deve ser realizada a evisceração ou enucleação do globo ocular.
O sangramento durante a enucleação pode ocorrer no final do procedimento, e a melhor
conduta é a expectante, ou seja, deixar que o sangramento pare espontaneamente. As medi­
das utilizadas para conter a hemorragia, como sutura em bloco, pinçamento do nervo óptico,
uso de substâncias hemostáticas locais, como formol ou gel focim, podem levar à formação de
hematomas perioculares. Caso o sangramento seja abundante e não seja possível aguardar o

53
54 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

tempo necessário, o mais recomendado é a aspiração de toda a secreção sanguínea, ou mesmo


o tratamento especializado do corpo para sepultamento.
Sempre que existe sangramento no momento da retirada, seja pela excisão in situ ou enu-
cleação, deve-se ter em mente que o sangramento pode voltar com a movimentação do corpo.
Desse modo, é importante que as pálpebras sejam fechadas perfeita e totalmente, diminuindo
as intercorrências indesejáveis no processo de sepultamento.
O sangramento indesejado durante o velório é um dos eventos mais temidos pelas equi­
pes de banco de olhos. É um fato que pode levar à diminuição do número de possíveis doado­
res. Por isso, faz-se necessária a atuação de uma equipe de banco de olhos treinada para lidar
com as intercorrências durante o procedimento e, principalmente, disponível para solucionar
problemas que possam surgir.
Recomposição
Estética do Doador

GLEISSON REZENDE PANTALEÃO • MÁRCIO ZAPPAROLI • SÂMIA ALI WAHAB

A recomposição estética do doador é de extrema importância e deve ser feita com cuidado
para que fique com a melhor aparência possível. A boa aparência vai fazer com que a família do
doador e outros não percebam que dali foi retirado um tecido, principalmente porque o rosto
geralmente fica descoberto, enquanto o tórax e o abdome ficam cobertos e não necessitam
de maiores cuidados. Tudo isso contribui para estimular a doação de órgãos, pois aqueles que
observam o corpo do doador e não percebem a retirada da córnea não sentem receio de um
dia serem doadores ou autorizarem a doação de órgãos de um parente.
A restauração difere de acordo com a enucleação ou retirada da córnea in situ. No processo
de restauração após enucleação, deve-se colocar um chumaço de gaze ou bola de algodão para
preencher a órbita antes do fechamento palpebral. Em seguida, devem-se fechar as pálpebras,
podendo-se utilizar cola de secamento rápido ou sutura, evitando que o conteúdo orbitário
fique eventualmente exposto. Por último, faz-se a limpeza da pele removendo a iodopovidona
ou outra solução utilizada no processo de captação. Algumas equipes de captação, ou mesmo
nas funerárias, fazem, ainda, maquiagem em torno dos olhos para ocultar qualquer edema ou
hematoma que o processo de captação possa ter deixado. O processo de restauração após re­
tirada da córnea in situ é mais fácil. Como o globo ocular não é retirado, pode-se seguir para o
fechamento das pálpebras logo após a obtenção do tecido. Em alguns casos, quando disponí­
vel, utiliza-se uma fina lente de plástico, de uso comum em agências funerárias nos EUA (mor-
gan eye ccips), que promove um contorno ainda mais perfeito da superfície sob as pálpebras.

BIBLIOGRAFIA
Reinhart WJ. Medical Standards for Eye Banking. In: Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Cornea: Fundamentals of Cornea
and External Disease. Volume I. St. Louis: Mosby, 1997; p 489.

Rosenwasser GOD, Nicholson WJ. Introduction to Eye Banking: A Handbook and Atlas. Proforma, 2003.

55
Avaliação do Botão
Corneoescleral em
Lâmpada de Fenda

GLEISSON REZENDE PANTALEÃO • CÁSSIO VENDRAMIN


SÂMIA ALI WAHAB • HAMILTON MOREIRA

Cada banco de tecidos oculares tem seu protocolo específico de avaliação da córnea, que deve
ser realizada sistematicamente em todos os tecidos doados. A falta de uma padronização na
avaliação dos tecidos doados gera confusão. Como córneas de uma região podem ser distri­
buídas a cirurgiões não familiarizados com a rotina daquele banco de olhos, a falta de padro­
nização dificulta o bom andamento do fluxo para a cirurgia.
Inicia-se o protocolo pelos dados do doador, como identificação, idade, causa do óbito,
história clínica pregressa resumida (patologias, histórico de tratamentos ou cirurgias oculares
e outros pertinentes).
Após toda a identificação e liberação sorológica, o frasco com o tecido é colocado em
um suporte adaptado em lâmpada de fenda, onde, através de um espelho, podemos realizar
o exame adequado (Figs. 1 e 2). O exame deve seguir uma ordem, avaliando-se as estruturas
oculares e anotado-se no protocolo.

Fig. 1 Lâmpada de fenda adaptada com suporte para avaliação de córneas. O suporte é preso na cabeceira
com um parafuso de pressão, e fixa o frasco em uma posição única. Desse modo, facilita a avaliação, pois o
médico pode utilizar ambas as mãos ao mesmo tempo, possibilitando o uso da lâmpada de fenda com todos
os seus atributos.

57
58 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Fig. 2 Suporte para avaliação de córneas. Nota-se a presença


do espelho posicionado em ângulo de 45°. Desse modo, o ava­
liador da córnea pode utilizar grandes aumentos, assegurando
a imobilidade do tecido dentro do frasco.

presente apenas em pequena quantidade em torno do limbo. Ocasionalmen­


C o n ju n tiv a :
te, pode-se encontrar pinguécula, pterígio ou mesmo alguma outra elevação patológica como
tumores (nevo e outros).
E sclera e lim b o : devem ser avaliadas hemorragias, icterícias e outras anormalidades, tam­
bém possíveis incisões cirúrgicas ou traumáticas. No limbo observamos o aspecto das células
limbares, que podem ser úteis em transplante de células límbicas ou mesmo de córnea em
grandes diâmetros.
E p ité lio : deve ser avaliado e graduado quanto à claridade, edema, exposição, descolamen­
to, trauma, pterígio, infiltrado e presença de corpos estranhos (Figs. 3-5). Importante também
identificarmos a área afetada, pois um defeito periférico é menos preocupante do que cen­
tral. Algumas alterações, como infiltrado ou edema grave do epitélio, podem comprometer a
correta avaliação das estruturas subsequentes como estroma e endotélio. O avaliador deve se
ater a sinais de infecção.

Fig. 3 Córnea avaliada em lâmpada de fenda. Observam-se


especialmente as dobras de Descemet, além de edema epitelial
com defeitos epiteliais e corpo estranho epitelial.
Avaliação do Botão Corneoescleral em Lâmpada de Fenda 59

Fig. 4 Esquema evidenciando lesão epitelial por exposição. É


fácil evidenciar uma região mais cinzenta em forma de faixa.
Compromete o terço inferior da córnea. É comum em doadores
que ficaram internados na UTI, em coma por tempo prolongado.
(Ilustração de Conceyção Rodriguez.)

Fig. 5 Descolamento epitelial. O tempo prolongado de arma­


zenamento em meios líquidos pode promover o descolamento
epitelial e edema epitelial. Essa é uma característica que dificulta
a avaliação do tecido corneano. (Ilustração de Conceyção
Rodriguez.)

Estroma: tal como o epitélio, deve ser avaliado e graduado quanto à claridade, edema,
infiltrado e presença de corpos estranhos. Também se avalia quanto à presença de estrias e
dobras estromais, que são causadas pelo edema estromal (Figs. 6A-C). Outras alterações possí­
veis são: cicatrizes de procedimentos anteriores, como cirurgias refrativas (LASIK, PRK, cerato-
tomia radial e outras incisões cirúrgicas), depósitos de ferro (anel de Fleisher no ceratocone,
anel de Hudson-Stahli depois de retirada de corpo estranho), depósito de cobre (doença de
Wilson), halo senil, ou ainda patologias como distrofias e degenerações corneanas. Infiltrados
estromais subjacentes à ruptura epitelial devem sempre ser reportados. Mesmo quando peri­
férico, o possível comprometimento infeccioso pode descartar o tecido para transplante, com
qualquer técnica.
60 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Fig. 6A Dobras de Descemet leves. (Ilus­ Fig.6B Dobras de Descemet moderadas.


tração de Conceyção Rodriguez.) (Ilustração de Conceyção Rodriguez.)

Fig. 6C Dobras de Descemet graves.


(Ilustração de Conceyção Rodriguez.)

as dobras da membrana de Descemet refletem edema estromal.


M e m b r a n a d e D e s c e m e t:
Comumente são proporcionais e indicam má qualidade do tecido. Geralmente este é o princi­
pal dado para aceitação de uma córnea para transplante penetrante. A quantidade de dobras
na Descemet deve ser graduada. Descolamento da membrana de Descemet também é uma al­
teração de grande influência na aceitação de uma córnea. Ambos são de fácil reconhecimento
em lâmpada de fenda.
E n d o té lio : a última camada na avaliação é a mais importante em transplantes penetrantes,
pois é responsável por manter a transparência da córnea necessária após cirurgia. Em geral,
sua avaliação é um reflexo dos dados anteriores. Uma córnea com grande edema estromal e
dobras de Descemet dificilmente terá um endotélio normal. Reside nesse ponto uma possível
confusão, pois nem sempre uma contagem celular adequada assegura a saúde endotelial da
córnea doadora.
Avaliação do Botão Corneoescleral em Lâmpada de Fenda 61

É mais fácil avaliar o endotélio na lâmpada de fenda com o globo ocular inteiro, antes do
processamento. Entretanto, é necessária uma segunda avaliação dentro do frasco para assegu­
rar que não houve trauma endotelial exagerado no preparo do tecido. Dentro do frasco com
conservante, a córnea é posicionada de maneira a expor o endotélio para baixo, em direção
ao espelho do suporte de avaliação de córneas. Inicialmente, observam-se sangue ou cílios
depositados nessa área. É importante também procurar áreas com trauma pelos instrumentos
do processamento. Já com a córnea voltada com o epitélio para baixo, a microscopia especular
endotelial com lâmpada de fenda pode ser realizada (Fig. 7). Nem sempre é possível identificar
o padrão mosaico pelas condições de transparência. A limpeza do frasco por fora, com álco­
ol ou outra substância, como limpa-vidros, ajuda na observação dos detalhes. Muitas vezes,
nesse tempo, o cirurgião retira o frasco do suporte, segurando-o em posição inclinada para
conseguir observar o reflexo especular endotelial.

Fig. 7 Esquema ilustrativo da técnica de microscopia por reflexo especular com utilização de lâmpada de
fenda. (Ilustração de Conceyção Rodriguez.)

O exame à lâmpada de fenda pode ser complementado com microscópio especular que
faz uma contagem mais fidedigna das células; e podemos ter um documento impresso mos­
trando a contagem celular, graduação de polimegatismo e pleomorfismo bem como outros
achados. A avaliação do endotélio em lâmpada de fenda, apesar de ser um exame fácil e muito
fidedigno in vivo, quando aplicado a córneas processadas, fica aquém do exame aparelhado.
Após toda a avaliação, o médico avaliador irá graduar a qualidade do tecido e determinar
sua utilidade para transplante penetrante, lamelar ou tectônico.

BIBLIOGRAFIA
Davis RM. Tissue Evaluation. In: Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Cornea: Fundamentals of Cornea and External Disease.
Volume I. St. Louis: Mosby, 1997; p. 501-7.

Rosenwasser GOD, Nicholson WJ. Introduction to Eye Banking: A Handbook and Atlas. Proforma, 2003.
ON

Conservação da Córnea
para o Transplante

BRUNO MACHADO FONTES • FLÁVIO JAIME DA ROCHA

Antes do advento da conservação do tecido corneano para transplante, as cirurgias eram rea­
lizadas com córneas de olhos enucleados de doadores vivos. Durante longo período, diversos
métodos para conservação foram descritos, tais como fixação em formalina, congelamento,
desidratação e armazenamento em parafina líquida, todos com resultados insatisfatórios. Com
o surgimento do meio M-K, em 1974, houve uma verdadeira revolução, uma vez que este
possibilitava a conservação do tecido doador a 4°C durante 3 a 4 dias. Desde então, diversos
meios e técnicas de conservação do tecido corneano têm sido descritos e utilizados com su­
cesso na prática oftalmológica.
O meio Optisol GS (Bausch & Lomb, Irvine, Califórnia, EUA) é o mais popular e utilizado
r

no mundo, inclusive no Brasil. E de fácil manipulação e não requer trabalho e treinamento


intensos como os necessários para culturas de órgãos. Técnicas de cultura de órgãos são uti­
lizadas mais frequentemente na Europa, para conservação do tecido corneano por períodos
prolongados (até 48 dias) em temperaturas entre 31°C e 37°C. Estas requerem mão de obra
especializada e treinamento especial, além de equipamentos e instrumental próprios.
O meio Optisol GS possui em sua composição meio de cultura tecidual 199, solução sali­
na balanceada de Earle, sulfato de condroitina (possui propriedades estabilizadora das mem­
branas celular, osmótica e antioxidante), dextrano (promove desidratação do tecido durante
armazenamento), ferro, colesterol, vitaminas e antibióticos (gentamicina e estreptomicina),
r

entre outras substâncias. E considerado um meio de conservação de curto a médio período,


mantendo o tecido viável durante aproximadamente 2 semanas quando mantido a uma tempe­
ratura controlada de 4°C. Excelente sobrevivência endotelial e resultados clínicos (viabilidade
r

de córneas transplantadas) em longo prazo são relatados em inúmeros estudos. E importante


ressaltar que é necessário que o frasco com o botão corneoescleral seja mantido em tempera­
tura ambiente durante pelo menos 1 h antes do procedimento cirúrgico, para que os antibió­
ticos possam atuar com agentes antimicrobianos.

63
64 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

A criopreservação da córnea em temperaturas extremamente baixas, em congeladores


de C 0 2 ou nitrogênio, não alcançou a popularidade necessária, sendo reservada para alguns
centros de pesquisa. A conservação da córnea para transplante nessas temperaturas (-20°C ou
-70°C) é por tempo indeterminado.
Complicações associadas à conservação do tecido corneano com os meios e técnicas atu­
ais são frequentemente vistas e descritas, incluindo defeitos epiteliais persistentes (podendo
resultar em cicatrizes e opacidades corneanas), falência primária do transplante e transmissão
de infecções, entre outras. Ao compararmos a recuperação epitelial de um botão conservado
em câmara úmida por no máximo 24 h com um botão conservado em meios líquidos, notamos
maior rapidez com o botão oriundo da câmara úmida. Porém, essa técnica de conservação
tornou-se inviável com a necessidade dos testes sorológicos atuais. A maioria dos cirurgiões
brasileiros prefere a utilização de córneas conservadas com Optisol GS, pelo período máximo
de 14 dias, para minimizar o risco de falência primária e, especialmente, os defeitos epiteliais
persistentes. Embora a preservação da integridade endotelial e da epitelial diminua quanto
maior o tempo de conservação, observa-se migração completa das células dendríticas do do­
ador para o meio de conservação após 7 dias, o que traz efeito benéfico (diminuição do risco
de rejeição) em casos de transplantes de alto risco.
Não se dispõe, ainda, de um meio de conservação ideal que mantenha a viabilidade das
células endoteliais, epiteliais e também das células-tronco limbares por períodos prolongados,
ao mesmo tempo mantendo o microambiente estéril para eliminação do risco de transmissão
de infecções. Novos meios e técnicas de conservação encontram-se em estudo, tais como o
Chen (Chen Laboratories, Phoenix, Maryland, EUA), Eurosol (Bausch & Lomb Surgical Inc., Ir-
vine, Califórnia, EUA) e Endothelial SFM (Life Technologies/Invirtrogen, Karlsruhe, Alemanha).
A córnea ainda pode ser preservada, com finalidade terapêutica, em glicerina, podendo
ser mantida à temperatura ambiente por tempo indeterminado.
Conservação das Córneas
para Transplantes
Lamelar e Tectônico

FLÁVIO JAIME DA ROCHA

A remoção da córnea com uma margem escleral de 3 mm no mínimo é sempre aconselhada


para permitir a manipulação adequada do botão. Para os transplantes lamelares, a remoção do
tecido deve ser feita com uma rima escleral maior (4 mm) para que possa ser usado na câmara
artificial para a realização das lamelas, e a conservação das córneas deve ser feita em meios
apropriados, sendo o mais utilizado no Brasil o Optisol GS à temperatura de 4°C ou em cultura
de tecidos. Deve-se ter o cuidado de manter o endotélio íntegro para os casos de transplantes
lamelares posteriores. Nessa técnica, a população endotelial e a saúde do endotélio são fun­
damentais. Nos casos de transplantes lamelares anteriores, o endotélio não tem importância,
pois ele não será utilizado no transplante, portanto pode-se utilizar as córneas até 30 dias
após a preservação do tecido mantidas à temperatura de 4°C. Nos casos dos transplantes la­
melares posteriores, o tempo de preservação vai variar de acordo com o meio de preservação
utilizado, mas não deve ultrapassar 14 dias.
Os transplantes tectônicos são realizados em regime de emergência, e seu objetivo é a
reconstituição da integridade do globo ocular. Algumas vezes, esse tipo de transplante além
de reconstituir o globo pode trazer benefícios ópticos. Assim, caso seja realizada a técnica pe­
netrante, é necessário um botão com endotélio viável. Para os transplantes tectônicos, onde
o endotélio não tem importância, as córneas podem ser preservadas em meio de conservação
convencional (K-sol, Dexsol ou Optsiol GS), mantidas à temperatura de 4°C com duração de 14
dias ou em glicerina estéril a 4°C com duração indeterminada. Existem várias indicações para o
uso de córneas conservadas em glicerina, podendo inclusive ser usadas como reforço escleral.

65
66 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

BIBLIOGRAFIA
Brunette I, Nelson LR; Bourne WM. Tolerance of human corneal endothelium to glycerol. Cryobiology, 1989 Dec; 26(6):
513-23.

Jeng BH. Preserving the cornea: corneal storage media. Curr Opin Ophthalmol, 2006 Aug; 17(4):332-7.

Simon M, Fellner P, El-Shabrawi Y, Ardjoman N. Influence of donor storage time on corneal allograft survival. Ophthalmo­
logy, 2004 Aug; 111(8):1534-8.
Mudanças nos Bancos de
Olhos com as Novas Técnicas
de Transplante de Córnea

LUCIENE BARBOSA DE SOUSA

Atualmente, as diferentes técnicas de transplante de córnea, utilização de câmaras artificiais


para preparação de tecido doador para transplante lamelar ou para cirurgia com laser de
femtossegundo fazem com que o banco de olhos sofra uma adaptação na sua rotina.
Para a utilização do tecido em câmara artificial, faz-se necessário que a rima escleral seja
maior que o antigamente preconizado. Os bancos de olhos necessitam retirar o botão corneo-
escleral com uma rima de 4 mm para que possa ser utilizado em câmara artificial.
Em relação à avaliação do tecido e sua disponibilização, também se fez necessária uma
mudança de padrão. Para a realização de transplante anterior, o tecido não pode trazer ne­
nhum tipo de cicatrização epitelial e/ou estromal, porém o endotélio não necessita ser viável,
visto que o endotélio do receptor será o responsável pela manutenção da transparência da
córnea. Do mesmo modo, para essa finalidade, o tecido deve estar preservado em meio líqui­
do ou liofilizado, não devendo ser utilizado tecido preservado em glicerina, o que é reservado
para situações de urgência.
Quanto aos transplantes lamelares posteriores, ou endoteliais, a camada endotelial ne­
cessita estar saudável, não importando a transparência do estroma e epitélio. Assim, córneas
com cicatrizes ou previamente submetidas à cirurgia refrativa, desde que com endotélio sadio,
podem ser distribuídas para transplantes posteriores.
Outra situação nova na rotina dos bancos de olhos é a possibilidade de preparação do te­
cido para o cirurgião. Quando solicitado, se o banco de olhos possui o microcerátomo ou mes­
mo o laser de femtossegundo, ele pode fornecer para o cirurgião somente a lamela anterior, a
lamela posterior ou mesmo a córnea em sua espessura total, com a modelagem determinada
pelo cirurgião (cogumelo, chapéu, Z etc.).

67
rsi
rM

Processamento e Conservação
do Tecido Escleral

DANIEL WASILEWSKI • WALDIR MARTINS PORTELLINHA

Após a preservação do botão corneoescleral, o conteúdo ocular deve ser retirado e examina­
do. A esclera deve então ser invertida e cuidadosamente limpa, até a retirada total de todos
os fragmentos de tecido uveal. Ao final, coloca-se o tecido novamente em sua forma original,
faz-se uma irrigação com antibiótico de amplo espectro e leva-se ao meio de preservação es­
colhido. O tecido escleral pode ser preservado em álcool etílico, glicerina ou liofilização.
A preservação com álcool etílico em uma concentração superior ou igual a 70% pode ser
mantida por um período de até 1 ano. O tecido deve ser conservado de forma asséptica, inte­
gralmente, em um frasco ou dividido em quartos, mantido em temperatura ambiente. O álcool
etílico possui atividade antibacteriana maior que a glicerina, porém, como quando preservado
em glicerina, o tecido somente deve ser liberado para utilização após 5 dias de preservação.
A glicerina conserva por tempo indeterminado, pode ser mantida à temperatura ambiente
e não desidrata tanto o tecido, mantendo suas propriedades físicas mais próximas do normal.
Devido à preocupação de alguns cirurgiões relacionada à possível toxicidade do tecido
escleral preservado em álcool, Enzenauer fez um estudo demonstrando que, em escleras pre­
servadas em etanol a 95%, por um período de 31 dias em média, o enxágue do tecido em BSS
(solução salina balanceada), durante 20 min ou mais, é capaz de retirar aproximadamente 98%
do etanol proveniente da esclera preservada. O mesmo procedimento é recomendado para a
esclera preservada em glicerina.

BIBLIOGRAFIA
Dailey JR, Rosenwasser GO. Viability of bacteria in glycerin and ethanol preserved sclera. J Refract Corneal Surg, 1994; 10(1): 38-40.

Enzenauer RW, Sieck EA, Vavra DE, Jacobs ER Residual ethanol content of donor sclera after storage in 95% ethanol and
saline rinse of various durations. Am J Ophthalmology, 1999; 128(4):522-4.

Medical Standards. The Eye Bank Association of America Medical Standards-June 2006.

69
Obtenção e Conservação
da Membrana Amniótica para
Uso em Oftalmologia

DANIEL WASILEWSKI • JOSÉ ÁLVARO PEREIRA GOMES

A membrana amniótica deve ser obtida a partir de placentas provenientes de cesáreas ele­
tivas, após consentimento assinado pela gestante. Todas essas pacientes devem ter exames
sorológicos negativos para HIV-1, hepatite B, hepatite C e sífilis, que são reconfirmados pela
realização de sorologia do sangue do cordão umbilical após o parto. Pelo risco da “janela imu-
nológica”, em alguns países preconiza-se que o tecido permaneça congelado em “quarentena”
durante pelo menos 6 meses, quando deverá ser repetido o teste para HIV-1 na gestante.
Após a obtenção da placenta no centro cirúrgico obstétrico, procede-se à sua lavagem
com soro fisiológico a 0,9% em ambiente estéril. Utilizando-se tesoura e pinça estéril, separa-
se o âmnio do córion (através do espaço que existe entre essas duas estruturas), estendendo o
âmnio sobre um filtro de nitrocelulose estéril (Millipore, Bedfort, MA, EUA) com a face epitelial
para cima. A membrana amniótica e o filtro são lavados com solução tampão fosfato contendo
1.000 U/ml de penicilina, 20 mcg/ml de estreptomicina e 2,5 mcg/ml de anfotericina B, corta­
dos em fragmentos entre 2x2 e 4x4 cm, colocados em um recipiente estéril contendo meio de
preservação de membrana amniótica (formada por glicerina e meio de preservação de córnea
na proporção de 1:1 Ophthalmos, São Paulo/SP, Brasil) e congelados entre -70°C e -80°C.
Amostras de cada membrana obtida devem ser enviadas para estudo anatomopatológico
e microbiológico (bacterioscopia e cultura) para controle de qualidade. O tempo máximo para
utilização ds membranas é de 4 meses após o congelamento. A membrana deve ser desconge­
lada à temperatura ambiente, imediatamente antes do uso, e enxaguada em soro fisiológico a
0,9% ou lactato de Ringer estéril.

BIBLIOGRAFIA
Azuara-Blanco A, Pillai CT; Dua HS. Amniotic membrane transplantation for ocular surface reconstruction. Br J Opththal-
mol, 1999; 83:399-402.

Gomes JAP, Komagome CM, Santos N, Chaves AR Cunha MC, Freitas D. Membrana amniótica nas cirurgias reconstrutivas
da superfície ocular nas ceratoconjuntivites cicatriciais. Arq Bras Oftlamolo, 1999; 62(5):562-76.

71
Transplante de Córnea
Histórico

WALLACE CHAMON

Desde as primeiras tentativas até o seu atual sucesso, os transplantes de córnea apresentaram
grande evolução técnica e científica. A história da cirurgia corneana pode ser dividida em “Era
da Heteroplastia”, de 1800 a 1900, e “Era da Homoplastia”, a partir de 1900. A idealização do
tratamento das opacidades corneanas por meio de transplante lamelar ou penetrante de cór­
nea data do século XIX. Entre os idealizadores do transplante de córnea, destacam-se Pellier
de Quengsy, que, em 1771, imaginou o uso de implante de vidro em córneas opacas, e Himly,
que, em 1813, preconizou o transplante penetrante de córnea. Vários autores realizaram es­
tudos em animais, e começaram a definir a realidade de uma cirurgia que se tornaria rotineira
após 1 século (Tabela I).

TABELA I Autores que contribuíram para o início do desenvolvimento da cirurgia corneana com estudos
em animais

Autor Ano Contribuição


Kõnigshofer 1839 Transplantes lamelares quadrados
Mühlbauer 1840 Transplantes lamelares triangulares
Lõhlein 1910 Transplantes lamelares em ponte
Reisinger 1824 Transplantes penetrantes em coelhos
Steiner 1843 Primeiro a utilizar trépanos
Forster 1923 Transplante penetrante rotacional triangular
Thomas 1930 Suturas de contenção cruzadas
Castroviejo 1931 Contenção por recobrimento conjuntival

A segunda metade do século XIX foi fortemente influenciada pelos fundamentos da


cirurgia oftalmológica de von Graeffe. A anestesia foi descoberta, e iniciou-se o uso de éter,
clorofórmio e cocaína a partir da quinta década. Apesar de o conceito de ceratoplastia já

75
76 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

existir há cerca de 1 século, a era da ceratoplastia moderna começou no final do século XIX,
com a realização da primeira ceratoplastia lamelar pelo cirurgião alemão Arthur von Hippel
(1841-1917). Este foi o mais importante personagem da história da cirurgia corneana e, entre
outras coisas, foi o idealizador do trépano de von Hippel. A técnica-padrão do final do século
foi definida por ele e incluía o transplante lamelar heterólogo, com trepanação mecânica. Em
1888, von Hippel relatou o caso de uma paciente com evolução de visão de vultos para 20/200,
após o transplante lamelar de córnea; o doador foi a córnea de coelho. Ernst Fuchs (1851-
1930) relatou, em 1894, 30 casos de transplantes homólogos, com a técnica de von Hippel.
Obteve 11 “bons resultados” , dos quais 2 apresentaram melhora de acuidade visual (Tabela II).

TABELA II Autores que contribuíram para o início do desenvolvimento da cirurgia corneana com estudos
em humanos
Autor Ano Contribuição
Kissam 1844 Transplante penetrante com córneas de porco
Sellerbeck 1878 Córneas fetais sem sucesso
Wolfe 1880 Transplante penetrante em ponte com sucesso temporário
von Hippel 1888 Transplante lamelar heterólogo com sucesso em uma paciente
Fuchs 1894 Transplante lamelar homólogo em 30 pacientes
Zirm 1906 Transplante penetrante com sucesso permanente
Magitot 1911 Preservação corneana durante 8 dias
Elschnig 1930 Suturas de contenção
Filatov 1935 Primeiro banco de olhos (Ucrânia)
Paton 1945 Primeiro banco de olhos (Nova Iorque)

A primeira ceratoplastia penetrante considerada bem-sucedida foi realizada por Zirm no


início do século XX. Não só os estudos de von Hippel e os bons resultados de Zirm, como
também o desenvolvimento da anestesia e da cirurgia durante a Segunda Guerra Mundial
(1930 a 1945) fortaleceram a Era da Homoplastia. Nessa época, a escola de Praga, lidera­
da por Elshnig, foi defensora da ceratoplastia penetrante com a utilização de suturas de
contenção. Em 1930, Castroviejo iniciou os transplantes quadrados. Até a década de 1940,
ainda não era conhecida a importância e a função do endotélio corneano, e, apesar de os
resultados terem melhorado muito, o sucesso de um transplante penetrante na primeira
metade do século XX era de 10%.
Com o desenvolvimento de fios e agulhas mais delicados, e o uso do microscópio cirúrgi­
co, além do conhecimento da função endotelial, os resultados obtidos na segunda metade do
século foram mais animadores. A descoberta da função endotelial e da preservação corneana
levou à formação dos bancos de olhos norte-americanos a partir da segunda metade do século
XX, e esses propiciaram a realização em massa da ceratoplastia penetrante.
Considerando-se que há menos de 50 anos eram raros os casos de transplante de córnea,
e que atualmente a incidência é de aproximadamente 30.000 casos por ano nos EUA, é fácil
observar o grande progresso dessa cirurgia.
O transplante penetrante de córnea é, atualmente, o mais utilizado, embora o transplante
lamelar tenha sido o primeiro a ser realizado.
Histórico 77

Em 1976, em uma revisão de todos os tecidos corneanos submetidos ao laboratório de


patologia do Wilmer Ophthalmological Institute Johns Hopkins University, Arentsen et ai de­
monstraram uma incidência de 28,9%, em 1950, de transplantes lamelares em relação ao nú­
mero total de transplantes realizados, que foram reduzidos para 3,2% em 1970.
Os resultados visuais dos transplantes penetrantes de córnea são melhores que os dos
transplantes lamelares. De modo geral, os primeiros apresentam acuidade visual e uma linha
de Snellen melhores, quando comparados aos segundos. Tais resultados fizeram do transplan­
te penetrante a técnica de escolha para o tratamento das doenças corneanas.

BIBLIOGRAFIA
Arentsen JJ, Morgan B, Green WR. Changing indications for keratoplasty. Am J Ophthalmol, 1976; 81 (3):313-8.

Benson WH, Goosey GB, Prager TC, Goosey JD. Visual improvement as a function of time after lamellar keratoplasty for
keratoconus. Am J Ophthalmol, 1993; 116(2):207-11.

Castroviejo R. Historical review. In: Gastroviejo R. Atlas of keratectomy and keratoplasty. 1st ed. Philadelphia: Saunders, 1966;
p. 19-42.

Magitot A. Recherches expérimentales sur la survie possiblie de la cornée conservée en dehours de l'organisme et sur la
kératoplastie différée. Ann d'Ocul, 1911; 146:1-34.

Malbran E. Lamellar keratoplasty in keratoconus. Int Ophthalmol Clin, 1966; 6(1): 99-109.

Malbran E, Stéfani G. Lamellar keratoplasty in corneal ectasias. Ophthalmologica, 1972; 164(1).

McDonnell PJ, Falcon MG.The lamellar corneal graft for optical indications. Eye, 1988;2:390-4.

Mohamadi P, Mcdonnell JM, Irvine JA, Mcdonnell PJ, Rao N, Smith RE. Changing indications for penetrating keratoplasty.
American Journal of Ophthalmology, 1989; 107(5):550-2.

Olson RJ. Corneal transplantation techniques. In: Kauffmann HE, McDonald MB, Barron BA, Waltman SR.The cornea. 1st ed.
New York: Churchill Livingstone, 1988; p. 743-85.

Paton RT. History of corneal grafting. In: Paton RT. Keratoplasty. 1st ed. New York: McGraw-Hill, 1955; p. 4-35.

Richard JM, Paton D, Gasset AR. A comparison of penetrating keratoplasty and lamellar keratoplasty in the surgical man­
agement of keratoconus. Am J Ophthalmol, 1978; 86(6):807-11.

Zirm E. Eine erfolgreiche totale keratoplastik. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol, 1906; 64:580-93.

Zirm EK. Eine erfolgreiche totale keratoplastik (a successful total keratoplasty). 1906. Refract Corneal Surg, 1989; 5(4):258-
61:59-70.
ui
r\i

Indicações de
Transplante de Córnea

PAULO ELIAS CORREA DANTAS

Em razão dos avanços em técnicas e tecnologia na área de transplantes de córnea, torna-se


indispensável uma revisão geral das principais indicações para esse tipo de procedimento.
Com a revitalização das técnicas de transplante lamelares anteriores e o advento dos
transplantes lamelares posteriores, até mesmo a racionalização do uso e manipulação dos
tecidos doadores pelos bancos de olhos foi modificada, fazendo com que, atualmente, uma
córnea doadora sirva até 3 receptores em condições diferenciadas:
■ uma lamela anterior, contendo epitélio, camada de Bowman e estroma, serviria para os
transplantes lamelares anteriores;
■ uma lamela posterior, contendo membrana de Descemet e endotélio, serviría para os trans­
plantes lamelares posteriores ou endoteliais;
■ o anel corneoescleral residual serviria para cirurgias de reconstrução da superfície ocular
nas falências de limbo.

Em pouco tempo, certamente, torna-se-á possível a prática de oferecer tecido preservado


e pré-cortado em banco de olhos, facilitando sobremaneira e otimizando o tempo de cirurgia,
o que já é feito em outros países.
Descreveremos a seguir as principais técnicas cirúrgicas vigentes e suas indicações.

TRANSPLANTE LAMELAR ANTERIOR

Pode ser superficial (interface estroma-estroma ou SALK-superficial anterior lamellar keratoplasty)


ou profundo (interface estroma-Descemet ou DALK-deep anterior lamellar keratoplasty), apresen­
tando o profundo melhor prognóstico de acuidade visual final ao longo do tempo, devido às
consequências da interação estroma-estroma. Indicado nas doenças da córnea que apresen-

79
80 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

tem o endotélio funcional e inalterado, como cicatrizes superficiais, ceratocone, degeneração


marginal pelúcida, ectasia pós-cirurgia refrativa e várias distrofias da córnea, principalmente
estromais.

TRANSPLANTE LAMELAR POSTERIOR

Também chamado de transplante endotelial, é considerado a grande vedete da revolução no


manejo e tratamento das endoteliopatias da córnea. Várias técnicas com várias denominações
estão descritas, tais como ceratoplastia lamelar posterior (PLK), descrita por Melles; cerato-
plastia endotelial posterior profunda (DLEK), nomeada assim por Terry; ceratoplastia endote­
lial por desnudamento endotelial (DSEK), descrita por Melles e difundida por Price; o mesmo
procedimento anterior, usando-se de automatização (DSAEK), descrito por Gorovoy; e, mais
recentemente, técnica de ceratoplastia endotelial com membrana de Descemet (DMEK), des­
crita por Melles e sua forna automatizada (DMAEK), descrita por Price.
A última década mostra uma grande tendência de migração de cirurgiões de córnea, ha­
bituados a fazer transplante penetrante, em buscar melhores resultados com a reposição la­
melar de endotélio.
As principais indicações dessas técnicas são distrofia endotelial de Fuchs, ceratopatia
bolhosa pseudofácica, endoteliopatias genéticas como a distrofia iridocorneoendotelial e a
distrofia endotelial hereditária congênita, disfunções endoteliais como aquelas resultantes
de irites, glaucoma congênito, pós-falência endotelial de transplante penetrante ou falência
endotelial após implante de lentes de câmara anterior ou mecanismos de drenagem anti-
glaucomatosos.

TRANSPLANTE PENETRANTE

Mesmo com os avanços nas técnicas já descritas, o transplante penetrante mantém-se como
técnica prioritária naquelas condições que comprometam ou envolvam toda a espessura da
córnea, como nas endoteliopatias crônicas com cicatrizes estromais e superficiais, nos trans­
plantes terapêuticos de processos infecciosos das ceratites bacterianas, virais, fúngicas e pa­
rasitárias, dentre outras.

ESTATÍSTICAS DAS PRINCIPAIS INDICAÇÕES PARA TRANSPLANTE DE


CÓRNEA

As doenças mais frequentes que levam à necessidade de transplante de córnea, fundamental­


mente, diferenciam-se em razão do local e região da coleta dos dados.
Hospitais terciários (característicos do serviço universitário) têm estatísticas diferentes
das clínicas privadas; do mesmo modo, diferenças regionais fazem esses dados variar.
Em estudos realizados em diferentes épocas no Departamento de Oftalmologia da Santa
Casa de São Paulo, observamos mudanças interessantes. Em 1995, Nishiwaki-Dantas et a/., es­
tudando dados do Banco de Olhos da Santa Casa de SP de 1991 a 1995, concluíram ser o cera-
Indicações de Transplante de Córnea 81

tocone a indicação mais frequente de transplante de córnea. Vários outros estudos nacionais,
a seguir, confirmaram essa preponderância.
Recentemente, em nova revisão de dados do banco de olhos de 1995 a 2005, o mesmo
grupo detectou tendência de mudança na principal causa de transplante naquele hospital.
Nesse estudo, ceratite infecciosa, trauma, ceratopatia bolhosa do pseudofácico e herpes tor­
naram-se mais frequentes, com cada vez menor indicação nos casos de ceratocone e reope-
ração.
Em contrapartida, nos EUA uma pesquisa realizada por Gosheh et cil., analisando as ten­
dências do transplante de córnea nos últimos 25 anos, identificou um expressivo aumento do
número de transplantes realizados na década de 1980, correspondendo ao aumento da cera­
topatia bolhosa do pseudofácico.
Mais recentemente, foi observado um leve declínio anual do número de ceratoplastias por
essa alteração, mantendo-se, entretanto, ainda como a principal causa. Retransplantes têm se
mostrado como uma importante indicação de ceratoplastia à medida que enxertos antigos vão
à falência. Ceratocone, distrofia de Fuchs e outras desordens hereditárias têm permanecido
como uma consistente indicação de ceratoplastia nos últimos 25 anos, mesmo em países mais
adiantados, com abundância de tecido para transplante.
No Brasil, fica ainda mais evidente a influência dos fatores sociais na cirurgia do transplan­
te de córnea. Devido à fragilidade dos organismos nos extremos da vida (infância e senilidade)
e às dificuldades inerentes ao acompanhamento de transplante de córnea, é necessário pesar
qual o real benefício que o paciente terá com o procedimento.
Indicações para transplante de córnea podem variar não somente pela doença corneai,
mas outros fatores devem ser levados em consideração.
Idade do paciente é um fator importante. Pacientes nos extremos da vida (idosos e crian­
ças) devem ser considerados à parte. Descrevemos, a seguir, algumas considerações aplicáveis
a idosos e crianças quanto à indicação do transplante de córnea:
1) Doença corneai bilateral progressiva, sem melhora com correção (óculos e/ou lentes de
contato), causando baixa de acuidade visual no idoso ou ambliopia na criança, e com bom
prognóstico visual no período pós-operatório.
2) Doença corneai unilateral no olho de melhor visão e com bom prognóstico de recuperação
visual.
3) Olho doloroso crônico que não obtenha melhora com lentes de contato terapêuticas ou
recobrimento conjuntival em idosos e que tenha bom prognóstico visual.
4) Considerar a causa da doença e a possibilidade de recidiva.
5) Avaliar o estado geral do paciente (comprometimento sistêmico) para ser submetido
a anestesia geral ou local com sedação, além do prognóstico de sobrevida (este, no
idoso).
6) Ter capacidade de compreender a complexidade do procedimento cirúrgico e o tempo de
recuperação da visão e/ou conforto ocular, cuidados pós-operatórios (visitas periódicas,
uso correto de medicação, risco de rejeição) e de perceber sinais e sintomas de possível
rejeição. No caso das crianças, os pais devem estar cientes desses quesitos.
82 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

7) Avaliar a real contribuição do procedimento para melhora da qualidade de vida do pacien­


te, como independência nas atividades de vida diária.

Analisando as considerações anteriores, nota-se que o transplante de córnea pode se tor­


nar um problema maior que a doença preexistente.
Deve-se considerar que, especialmente em doenças unilaterais, a qualidade de vida pode
piorar com a realização do transplante de córnea. Um dos fatores mais importantes para o
sucesso de um transplante de longo prazo é a capacidade do paciente de retornar ao médico
e utilizar adequadamente seus medicamentos no período pós-operatórios. O custo real desse
acompanhamento para o paciente varia de acordo com a região do Brasil, bem como com a
distância de onde o paciente reside em relação ao centro oftalmológico mais próximo. Além
disso, temos as dificuldades técnicas inerentes a cada transplante, quando então a acuidade vi­
sual final nem sempre é a almejada, muitas vezes demandando o uso de correção óptica como
as lentes de contato para correção do astigmatismo residual e/ou anisometropia.
Essas características não podem ser negligenciadas em qualquer paciente candidato ao
transplante de córnea, especialmente nas crianças e nos idosos.
Recentes estudos demonstram melhora no prognóstico do transplante em crianças. Os
avanços técnicos permitem esses resultados e, nas doenças bilaterais, têm inteira validade.
O acompanhamento dessas crianças por tempo mais prolongado pode alterar o quadro
de resultados iniciais.
Em crianças, podemos dividir as indicações em três categorias básicas:
■ Opacidades congênitas.
■ Opacidades traumáticas.
■ Opacidades adquiridas não traumáticas.

Estudo multicêntrico importante, realizado ainda na década de 1990 com 108 crianças
com até 12 anos de idade, demonstrou que 18% dos olhos submetidos ao transplante de cór­
nea apresentaram piora da acuidade visual após a cirurgia. Porém, 62% das córneas permane­
ceram claras, e 20% foram ao retransplante, em média 17 meses pós-operatórios. Foi muito
comum procedimentos adicionais como facectomia, vitrectomia ou cirurgia antiglaucomatosa.
Segundo os autores, existiu forte correlação entre pobre acuidade visual e falta de correção
óptica adequada, vitrectomia associada, falta de tratamento da ambliopia bem como outras
complicações pós-operatórias. Já se a indicação do transplante for herpes simples, em crianças
até 12 anos de idade, o sucesso pode chegar a 87% dos casos. Recentemente, em crianças por­
tadoras de síndrome de Peters, com média de idade de 4,4 meses e seguimento de 11 anos, o
índice de sucesso chegou a 35% dos 144 transplantes estudados, demonstrando avanço técni­
co e melhora dos resultados.

INDICAÇÕES DE URGÊNCIA

Devem ser considerados como urgência todos os transplantes de córnea cuja demora na sua
realização gere sequelas.
Indicações de Transplante de Córnea 83

Pacientes inscritos em um banco de olhos como necessitando de transplante de córnea


urgente terão prioridade sobre os transplantes eletivos.
As urgências em transplante de córnea incluem (Portaria MS n- 3.407/98 (http://dtr2001.
saude.gov.br/transplantes/legislação.htm):
■ Falência primária de enxerto de córnea até o 90- dia consecutivo a transplante de córnea
com córnea viável para transplante óptico.
r

■ Ulcera de córnea não responsiva ao tratamento.


■ Risco iminente de perfuração corneai (descemetocele).
■ Perfuração corneai já estabelecida.
■ Receptor com idade inferior a sete (7) anos, que apresenta opacidade corneai bilateral

Somente quando tivermos córneas em número adequado poderemos resolver os proble­


mas de urgências e prioridades. Atendimento de uma pessoa com sua visão prejudicada bilate­
ralmente que a impede de exercer sua profissão ou casos de dor intensa sem possibilidade de
tratamento clínico adequado, assim como as urgências, tais como epitelização do segmento
anterior e necessidade de cirurgia de retina de urgência em córnea opaca, são apenas alguns
r
exemplos dessa diversidade. E muito importante que se aumente o número de córneas para
transplante, para que possamos atender adequadamente a todos esses pacientes.

BIBLIOGRAFIA
Chen ES, Shamie N,Terry MA. Descemet-stripping endothelial keratoplasty: improvement in vision following replacement
of a healthy endothelial graft. J Cataract Refract Surg, 2008;34:1044-6.

Chen ES, Terry MA, Shamie N. Retention of an anterior chamber IOL versus IOL exchange in endothelial keratoplasty. J
Cataract Refract Surg, 2009; 35:613.

Chen ES, Terry MA, Shamie N e t a!. Endothelial keratoplasty: vision, endothelial survival, and complications in a compara­
tive case series of fellows vs attending surgeons. Am J Ophthalmol, 2009; 148:26-31.

Esguenazi S. Safety of DSAEK in pseudophakic eyes with anterior chamber lenses and fuchs endothelial dystrophy. Br J
Ophthalmol, 2009; 93:558-9.

Esguenazi S, Esquenazi K. Endothelial cell survival after Descemet stripping with automated endothelial keratoplasty with
retained anterior chamber intraocular lens. Cornea, 2010; 12:1368-72.

Esquenazi S, Rand W. Effect of the shape of the endothelial graft on the refractive results after descemet stripping with
automated endothelial keratoplasty. Can J Ophthalmol, 2009; 44:557-61.

Ghosheh FR, Cremona FA, Rapuano CJ, Cohen EJ, Ayres BD, Hammersmith KM, Raber IM, Laibson PR.Trends in penetrating
keratoplasty in the United States 1980-2005. Int Ophthalmology, 2008; 28(3):147-53.

Hafezi F, Mrochen M, Fankhauser F. Anterior lamellar keratoplasty with a microkeratome: a method for managing compli­
cations after refractive surgery. J Refract Surg, 2003; 19:52-7.

Ham L, Dapena I, van Luijk C. Descemet's membrane endothelial keratoplasty (DMEK) for Fuchs'endothelial dystrophy:
review of the first 50 consecutive cases. Eye, 2009; 23:1990-8.

Krumeich JH, Schoner P, Lubatschowski H, et al. Excimer laser treatment in deep lamellar keratoplasty 100 mm over Des­
cemet's membrane. Ophthalmologe, 2002; 99:946-8.

Mannis MJ, De Sousa LB, Gross RH.The stromal dystrophies. In: Krashmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Cornea, St. Louis:
Mosby, 1997; 2:1043-62.
84 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Marchi PAH, Marchi Júnior WA, Hueb LA, Arieta C EL Transplante de córnea no Hospital das Clínicas da Unicamp. Revista
Ciências Médicas, 2002; 11 (2):115-22.

Nishiwaki-Dantas MC, Dantas PEC, Holzchuh N, Lui Netto A, Giovedi Filho R, Giovedi M, Almeida GV. Indicações de trans­
plante penetrante de córnea. 1991-1995. Arq Bras Oftalmol, 1998; 61(1 ):23-33.
O'Brien PD, Lake DB, Saw VP e t a l. Endothelial keratoplasty: case selection in the learning curve. Gornea, 2008; 27:1114-8.

Pineda R 2nd, Jain V, Shome D e t a l. Descemet's stripping endothelial keratoplasty: is it an option for congenital hereditary
endothelial dystrophy? Int Ophthalmol, 2009; 30:307-10.

Price FW Jr. Air lamellar keratoplasty. Refract Corneal Surg, 1989; 5:240-3.

Price MO, Giebel AW, Fairchild KM, et al. Descemet's membrane endothelial keratoplasty: Prospective multicenter study of
visual and refractive outcomes and endothelial survival. Ophthalmology, 2009; 116:2361-8.

Russ HHA, Kara-Jose N. Processos degenerativos da conjuntiva, córnea e esclera. In: Kara-José N, Almeida GVA. Senilidade
Ocular. São Paulo: Roca, 2001; 3:85-98.

Sano FT, Dantas PEC, Silvino WR, Sanchez JZ, Sano RY, Adams F, Nishiwaki-Dantas MC. Tendência de mudança nas indica­
ções de transplante penetrante de córnea. Arq Bras Oftalmol, 2008; 71 (3):400-404.

Straiko MD, Terry MA, Shamie N. DSAEK under PK: a surgical strategy to minimize complications. Am J Ophthalmol, 2011;
151:233-7.

Teixeira MF, Almeida Junior GC, Rodrigues ML, Kamimoto OS, Kashiwabuchi LK. Resultados e indicações de ceratoplastias
penetrantes realizadas por medicos em treinamento num país em desenvolvimento. Arq Bras Oftalmol, 2001; 64(6):
577-61.

Terry MA. The evolution of lamellar grafting techniques over twenty-five years. Gornea, 2000; 19:611 -6.

Terry MA, Shamie N, Chen ES e t al. Pre-cut tissue for Descemet's stripping endothelial keratoplasty: vision, astigmatism,
and endothelial survival. Ophthalmology, 2009; 116:248-56.

Victor G, Barth B, Júnior AS. Avaliação das indicações em ceratoplastia penetrante. Rev Bras Oftalmol, 2002; 61 (3):174-8.

Yoo SH, Kymionis GD, Deobhakta AA e t a l. One-year results and anterior segment optical coherence tomography findings
of Descemet stripping automated endothelial keratoplasty combined with phacoemulsification. Arch Ophthalmol,
2008;126:1052-5.
vO
fM

índices de Sucesso

RICARDO DE CARVALHO ROCHA • PATRICIA MARIA FERNANDES MARBACK

O sucesso dos transplantes de córnea tem relação direta com a indicação da cirurgia. Defini­
ções de sucesso baseadas em transparência do botão ou acuidade visual não são ideais, ser­
vindo para análises estatísticas de tais características. Determinado paciente com diminuição
significativa de visão em ambos os olhos pode ter pequena melhora após o transplante e,
mesmo assim, ser um grande sucesso individual. Ao isolarmos os grupos estudados de acordo
com a indicação do transplante, a definição de sucesso fica mais fidedigna.
Astigmatismo pós-operatório ainda é a principal causa de insucesso do procedimento em
córneas não vascularizadas, especialmente no ceratocone. Esse fato com frequência obriga, no
pós-operatório, o paciente a utilizar métodos de correção óptica como as lentes de contato
rígidas gás-permeáveis, ou procedimentos cirúrgicos, como implante de anel intraestromal,
fotoablação com excimer laser, topoplastia e até mesmo retransplante. Com o surgimento dos
recentes avanços tecnológicos que possibilitam a obtenção de botões doadores e receptores
com bordas mais regulares, como com uso do laser de femtossegundo para a trepanação, há
possibilidade de resultados refrativos provavelmente melhores no pós-operatório.
Levando-se em consideração todas as indicações cirúrgicas para a realização de um trans­
plante de córnea penetrante, envolvendo tanto o grupo de alto quanto o de baixo risco, ob-
tém-se uma taxa de sucesso em torno de 75% em 5 anos. Porém, quando se levam em conside­
ração apenas os casos com bom prognóstico, essa taxa varia em torno de 80% ao longo de 10
anos. Se considerarmos apenas os casos com ceratocone, o índice de transparência do botão
transplantado chega a 97% em 5 anos e 92% em 10 anos. Nos casos de retransplante, as taxas
caem bastante, reportadas em 53% aos 5 anos e 41% aos 10 anos. Maior parte das falências
do transplante, em torno de 25%, ocorre por fatores imunológicos (rejeição), dos quais cerca
de 20% são irreversíveis. As causas não imunológicas (falência primária ou tardia) estão rela­
cionadas à qualidade do enxerto, como retirada ou preservação inadequada. Técnica cirúrgi­
ca imprópria ou complicações pós-operatórias, como pico hipertensivo ou glaucoma após o
transplante, também podem contribuir para falência não imunológica do botão.

85
86 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Olhos com leitos receptores muito vascularizados, como aqueles que sofreram queimadu­
ra por álcali, herpes simples, ceratopatia bolhosa avançada, doenças da superfície ocular, ou,
ainda, pacientes com diminuição da sensibilidade da córnea ou com história de transplantes
anteriores são considerados casos de alto risco e com prognóstico reservado. As taxas de
falência nesse grupo podem chegar a 50% no primeiro ano e 65% em 5 anos. Pacientes com
doenças cicatriciais da conjuntiva, particularmente aqueles com penfigoide ocular cicatricial e
síndrome de Stevens-Johnson, necessitam de procedimentos cirúrgicos adicionais, prévios ou
concomitantes ao transplante de córnea, como enxerto de membrana amniótica e transplante
de limbo alogênico. Mesmo assim, o prognóstico em médio e longo prazos é muito ruim, com
taxas de falência acima de 50% em 5 anos.
Transplante de córnea em criança constitui um grupo à parte, com índice de falência que
pode ultrapassar 50% no primeiro ano.
Causas infecciosas tardias, como infecções secundárias a fio de sutura exposto, defeito
epitelial ou uso inadequado de corticoide, podem representar 14% das causas de falência tar­
dia. Levando-se em consideração as dimensões continentais do Brasil, pode-se inferir que, em
regiões onde exista maior dificuldade de deslocamento, pior nível de desenvolvimento social
ou onde as distâncias aos centros oftalmológicos especializados sejam muito grandes, os ín­
dices de sucesso em longo prazo tendem a ser menores. Os fatores que reduzem o sucesso
dos transplantes de córnea são inúmeros; portanto, uma seleção criteriosa dos pacientes,
junto com bom planejamento e técnica cirúrgica adequada, é fundamental para o sucesso do
procedimento.

BIBLIOGRAFIA
Alldredge OC, Krachmer JH. Clinical types of corneal transplant rejection. Arch Ophthal, 1981; 99:599-604.

Arentsen JJ. Corneal transplant allograft reaction: possible predisposing factor. Trans Am Ophthal Soc, 1983; 81:361 -402.

Batchelor JR, Casey TA, Gibbs DC. HLA matching and corneal grafting. Am J Ophthalmology, 1974; 77:543.

Binder PS e t a l. Keratoplasty wound separations. Am J Ophthalmology, 1975; 80:109-115.

Bourne WM, Hodge DO, Nelson LR. Corneal endothelium five years after transplantation. Am J Ophthalmology, 1994;
118:185-196.

Bourne WM. Endothelial cell survival on transplanted human corneas preserved at 4° C in 2.5% chondroitin sulfate for one
to 13 days. Am J Ophthalmology, 1986; 102:382-6.

Brightbill FS, Stainer GA, Hunkeler JD. A comparison of intracapsular and extracapsular lens extraction combined with
keratoplasty. Ophthalmology, 1983; 90:34-7.

Chalita MRC, Diazgranados EBM, Sato EH, Branco BC, Freitas D. Rejeição corneana pós transplante de córnea: análise de
dados do Banco de Olhos do Hospital São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Arq Bras Oftalmol, 2000; 63:55-8.

Fares U, Sarhan AR, Dua HS. Management of post-keratoplasty astigmatism. J Cataract Refractive Surgery, 2012; 38:2029-39.

Foulks GN, Sanfilippo F. Beneficial effects of histocompatibility in high-risk corneal. Am J Ophthalmology, 1982; 94:622-9.

Foulks GN e t a l. Histocompatibility testing for keratoplasty in high-risk patients. Ophthalmology, 1983; 90:239-44.

Gibbs DC e t al. The influence of tissue-type compatibility on the fate of full-thickness corneal grafts. Trans Ophthal Soc
UK, 1974;94:101-27.

Hirai FE, Klattle S, Pacini KM, Sato EH. Falência primária pós-transplante de córnea em serviço universitário. Arq Bras Oftal­
mol, 2002; 65:655-8.
índices de Sucesso 87

Ing JJ, Ing HH, Nelson LR; e t a l . Ten-year postoperative results of penetrating keratoplasty. Ophthalmology, 1998; 105:
1855-65.

KurzGH, D'Amico RA. Histopathology of corneal graft failures. Am J Ophthalmology, 1968; 66:184-99.

Polack FM. Keratoplasty in aphakic eyes with corneal edema. Ophthalmic Surg, 1980; 11:701 -7.

Santos NC, Sucomine PT, Sousa LB, Sato EH, Freitas D. Ceratite infecciosa pos-transplante de cornea. Arq Bras Oftalmol,
1999; 62:48-53.

Thompson RW Jr, Price MO, Bowers PJ e t a l. Long-term graft survival after penetrating keratoplasty. Ophthalmology, 2003;
110:1396-402.

Vail A, Gore S, Bradley B e ta l. Corneal graft survival and visual outcome: a multicenter study. Corneal Transplant Follow-up
Study Collaborators. Ophthalmology, 1994; 101:120-7.

Waldock A, Cook SD. Corneal transplantation: how successful are we? Br Ophthalmology, 2000; 84:813-5.

Wilson SE, Kaufman HE. Graft failure after penetrating keratoplasty. Surv Ophthalmology, 1990; 34:325-6.
Apresentação das
Técnicas Cirúrgicas

PATRICIA MARIA FERNANDES MARBACK • RICARDO DE CARVALHO ROCHA

A classificação do transplante de córnea varia de acordo com o critério utilizado. Classifica­


ções mais abrangentes são aquelas que envolvem as indicações e as variações técnicas.
Classicamente, as indicações para transplante de córnea podem ter caráter eletivo ou
emergencial (urgência), e os transplantes são classificados em:
r

a) Ópticos: visam melhora da acuidade visual.


b) Tectônicos: seu objetivo é restaurar ou preservar a integridade ocular, ou, ainda, restabele­
cer sua anatomia, como em olho com iminência de perfuração ou perfurado.
c) Terapêuticos: indicados em casos de infecção na córnea que não respondem à terapêutica
clínica apropriada.
d) Cosméticos: para fins estéticos, sem melhorar a acuidade visual. Indicados raramente.

Quanto às suas variações técnicas, podem ser divididos em penetrantes e lamelares (e


suas variantes).
No transplante ou ceratoplastia penetrante, realiza-se remoção cirúrgica da córnea doen­
te, em toda a sua espessura, com substituição por tecido corneano doador similar. Pode ser
realizado com trepanação manual, mecânica, ou ainda com auxílio do laser de femtossegundo.
Ceratoplastia lamelar consiste em uma técnica menos invasiva, pela qual apenas as por­
ções doentes da córnea comprometida são removidas e substituídas, enquanto as estruturas
saudáveis permanecem intactas. A ceratoplastia lamelar pode ser anterior ou posterior.
Ceratoplastia lamelar anterior é indicada para pacientes com opacidade de córnea no
estroma anterior ou médio. Tanto o botão doador quanto o receptor podem ser removidos
de forma manual, automatizada (com auxílio do microcerátomo) ou com o laser de femtosse­
gundo.
Ceratoplastia lamelar anterior profunda (DALK) é indicada para pacientes com opacidades es-
tromais profundas que poupam a membrana de Descemet, como distrofias do estroma da córnea

89
90 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

e para deformidades estruturais, como nas ectasias como ceratocone. O objetivo da técnica é en­
contrar o plano de clivagem entre o estroma profundo e a membrana de Descemet, o que pode ser
conseguido com auxílio de ar ou substância viscoelástica. Atualmente, a técnica mais utilizada é a
da grande bolha (big bubble), descrita por Anwar. Nessa técnica, o plano de clivagem entre a mem­
brana de Descemet e o estroma é encontrado com auxílio de uma injeção de bolha de ar.
Candidatos a ceratoplastia lamelar anterior devem ter o endotélio saudável. Apesar de
uma curva de aprendizado inicialmente mais longa, essa é uma técnica que oferece vantagens
importantes, já que conserva o endotélio do receptor (reduzindo muito o risco de rejeição
endotelial) e mantém o globo ocular fechado durante todo o procedimento.
Transplante lamelar endotelial é indicado para falência do endotélio da córnea em pacien­
tes com relativa transparência do estroma e com superfície ocular saudável. A membrana de
Descemet do receptor é removida junto com o endotélio doente. Umas das primeiras técnicas
descritas foi a ceratoplastia endotelial lamelar profunda (DLEK), que envolvia confecção de um
leito ou pocket na córnea receptora para receber a lamela doadora, composta de uma fina cama­
da de estroma posterior e Descemet. Essa técnica evoluiu para o ceratoplastia endotelial sem
necessidade de criar um pocket no receptor, na qual o endotélio doador é removido com uma
lamela fina de estroma posterior de forma manual (ceratoplastia endotelial por desnudamento
da Descemet - DSEK) ou automatizada, com auxílio do microcerátomo (ceratoplastia endotelial
por desnudamento automatizado da Descemet - DSAEK), o que proporciona interface estromal
r

com superfície mais regular. E a técnica mais recente de ceratoplastia endotelial com apenas
membrana de Descemet e endotélio (DMEK), sendo apenas a membrana de Descemet substitu­
ída com Descemet e endotélio do doador, o que torna a cirurgia tecnicamente mais difícil e me­
nos previsível, porém com possibilidade de melhor acuidade visual final que as outras técnicas.
Curva de aprendizado do transplante lamelar é difícil inicialmente, com taxas de falência
primaria de 5%, após a curva de aprendizado do DSEK, e que podem chegar a 50% durante a
curva de aprendizado do DMEK. No entanto, o procedimento oferece como vantagem para o
receptor uma menor morbidade e recuperação visual mais rápida porque causa modificação
mínima da curvatura anterior da córnea, já que o tecido doador é inserido na câmara anterior
por uma incisão límbica pequena, se comparada com a incisão da ceratoplastia penetrante.
Grande parte dessas falências se deve à manipulação do tecido doador na hora da cirurgia.
Fornecimento da lamela doadora já preparada por bancos de olhos reduz o tempo cirúrgico e
pode aumentar a taxa de sucesso da cirurgia.
Enxerto lamelar com finalidade tectônica é útil para restabelecer a integridade da periferia
corneana em afmamentos por doenças não inflamatórias, como degeneração marginal de Ter-
rien, degeneração marginal pelúcida ou durante exérese de tumor dermoide no limbo. Pode
ser usada também em casos de ceratite periférica ulcerativa (PUK), associada ou não a doenças
do colágeno. Nesses casos, é recomendado o controle da condição inflamatória antes da cirur­
gia para aumentar a possibilidade de sucesso do transplante.

BIBLIOGRAFIA
Akdemir MO, Kandemir B, Sayaman IB, Selvi C, Kamil Dogan 0. Comparison of contrast sensitivity and visual acuity be­
tween deep anterior keratoplasty and penetrating keratoplasty in patients with keratoconus. Int J Ophthalmol, 2012;
5(6):737-41.
Apresentação das Técnicas Cirúrgicas 91

Anwar M,Teichmann KD. Big-bubble technique to bare Descemet's membrane in anterior lamellar keratoplasty. J Cataract
Refract Surg, 2002; 28(3):398-403.

Barraquer Jl. Queratoplastia refraciva. Estúdios inform. Oftal Inst Barraquer, 1949; 10:2-21.
Barraquer Jl. Anterior chamber plastic lenses. Results of and conclusions from Five years experience. Trans Ophthalmol
Soc UK, 1959;79:393-424.

Barraquer Jl. Conducta de La córnea frente à los câmbios de espesor. Soc Am Oftalmol Optom, 1964; 5:81-7.

Co van Dijk K, Ham L, Tse WH, Liarakos VS, Quilendrino R, Yeh RY, Melles GR. Near complete visual recovery and refractive
stability in modern corneal transplantation: Descemet membrane endothelial keratoplasty (DMEK). Cont Lens Anterior
Eye, 2013; 36(1 ):13-21.

Foster CS, Azar DT, Dohlman CH. Smolin andThoft's.The Cornea. Scientific foundations & clinical practice. 4th ed. Philadel­
phia: Lippincott Williams & Wilkins, 2005.

Ham L, van der Wees J, Melles GR. Causes of primary donor failure in descemet membrane endothelial keratoplasty. Am J
Ophthalmol, 2008; 145(4):639-44.

Jain S, Azar DT. New lamellar keratoplasty techniques: posterior keratoplasty and deep lamellar keratoplasty. Curr Opin
Ophthalmol, 2001; 12(4):323-8.

Ko W, Freuh B, Shield C e t al. Experimental posterior lamellar transplantation of the rabbit cornea. Invest Ophthalmol Vis
Sci, 1993; 34:1102.

McDonnell P. Recurrence of Mooren's ulcer after lamellar keratoplasty. Cornea, 1989; 8:191 -4.

Melles G, Eggink F, Lander F e t al. A surgical technique for posterior lamellar keratoplasty. Cornea, 1998; 17:618-26.

Patel SV. Graft survival and endothelial outcomes in the new era of endothelial keratoplasty. Exp Eye Res. 2012; 95(1 ):40-7.

Sogutlu SE, Kubaloglu A, Unal M, Pinero LD, KouatakA, Ofluoglu NA, OzerturkY. Penetrating keratoplasty versus deep an­
terior lamellar keratoplasty: comparison of optical and visual outcomes. Br J Ophthalmol, 2012; 96(8):1063-7.

Terry MA. Deep lamellar endothelial keratoplasty (DLEK): pursuing the ideal goals of endothelium replacement. Eye, 2003;
17:982-88.
Ceratoplastia Penetrante

MARCIA HIGASHI • ELCIO HIDEO SATO

Muitas das alterações corneanas que levam à diminuição da acuidade visual podem ser clinica­
mente tratadas por óculos ou lentes de contato. No entanto, em alguns casos onde o dano à
córnea como meio óptico é mais intenso, há a necessidade de substituir o tecido degenerado,
opacificado ou irregular, sendo necessário transplante de córnea penetrante ou lamelar. Cera­
toplastia penetrante, que consiste na substituição da córnea em espessura total, tem sido o
processo dominante durante mais de 100 anos e tem atendido com sucesso a maior parte das
indicações. Porém, a ceratoplastia lamelar, em que somente as camadas doentes da córnea são
seletivamente substituídas, teve sua indicação extensamente ampliada com vantagens sobre
o transplante penetrante devido às inovações na técnica por cirurgiões especializados nos úl­
timos anos. Coletivamente, esses avanços resultaram em melhores resultados e ampliaram a
indicação e a possibilidade de reabilitação visual dos casos de cegueira por doenças da córnea.
Transplante penetrante ainda é a forma mais comum de ceratoplastia, pois permite que
se elimine a doença corneana primária e, normalmente, oferece melhor reabilitação visual.
Alguns exemplos de indicação de ceratoplastia penetrante são leucoma pós-trauma ou pós-
úlcera de córnea, ceratocone, ceratopatia bolhosa do afácico ou pseudofácico, distrofia de
Fuchs descompensada e úlcera de córnea por infecção (com fins tectônico e terapêutico). Em
países em desenvolvimento como o Brasil, o transplante a quente é uma indicação frequente
de transplante penetrante.
No entanto, com melhorias técnicas, o transplante lamelar tem sido cada vez mais indi­
cado em detrimento ao penetrante. A seguir, uma breve comparação entre as técnicas lame­
lar anterior e penetrante que pode nortear a escolha do cirurgião para cada caso. Apesar de
vantajoso sobre o transplante penetrante por não apresentar rejeição endotelial e não expor
o conteúdo ocular ao ambiente (“céu aberto”), o transplante lamelar anterior ainda tem sua
indicação restrita, pois é tecnicamente mais difícil, dependendo de mais habilidade do cirur­
gião e equipamentos e instrumentais cirúrgicos mais complexos (câmaras artificiais, micro-

93
94 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

cerátomos ou laser de femtossegundo). Hoje, é possível dissecar até profundidades maiores


chegando à membrana de Descemet, o que reduz problema de transparência na interface e
permite maior substituição do tecido acometido pelo doador com melhora do resultado visual
pós-operatório. Sua indicação abrange opacidades pós-cirurgias refrativas que não responde­
ram ao tratamento clínico (haze), sequela de tracoma, sequela de infiltrados subepiteliais pós-
conjuntivite virai, trauma, distrofias, degenerações corneanas superficiais (p. ex., degeneração
r

nodular de Salzmann). E também indicado para restabelecer a superfície normal da córnea por
meio da reposição de áreas localizadas de afmamento e prevenir uma perfuração em desceme-
tocele sem inflamação, afmamentos corneanos pós-ceratectomia profunda, como, por exem­
plo, pós-exérese de pterígio recidivado e afmamentos marginais e ectasias (degeneração mar­
ginal de Terrien, degeneração marginal pelúcida e pós-trauma). Mesmo sem a retirada comple­
ta do tecido acometido, a melhora da transparência da córnea e a regularização da superfície
óptica contribuem para a reabilitação visual e justificam o procedimento. Outra grande van­
tagem do transplante lamelar anterior é não depender da contagem de células endoteliais do
tecido doador (permitindo uso de córneas não viáveis para transplante penetrante óptico) e
não ter risco de induzir a temida rejeição endotelial. Em ambas as técnicas, o botão doador
é suturado ao leito receptor e sempre há indução de algum grau de astigmatismo cirúrgico.
Há uma tendência mundial de redução e até de inversão no número de indicações de cera-
toplastia penetrante com o aumento da ceratoplastia lamelar, seja anterior ou posterior. Téc­
nicas como automated lamelar therapeutic keratoplasty (ALTK), deep anterior lamellar keratoplasty
(DALK), para lamelar anterior. E, para transplante lamelar posterior endotelial, uso de técnicas
como DescemeVs stripping endothelial keratoplasty (DSEK), Descemet’s stripping automated endothe­
lial keratoplasty (DSAEK) e Descemet membrane endothelial keratoplasty (DMEK).
Recentemente descrito, o laser de femtossegundo permite criar configurações especiais
de incisões de forma controlada e precisa, obtendo uma melhor estabilidade da ferida cirúr­
gica e promovendo uma melhor cicatrização e menor tempo de recuperação. Sua aplicação
em banco de olhos tem sido proposta para a preparação da córnea doadora e receptora pela
maior precisão de corte e capacidade de obtenção de lamelas finas, mas o obstáculo tem sido
o custo.
São perspectivas para o futuro: melhores tratamentos para o controle de rejeição, lentes
intraoculares mais modernas, procedimentos menos invasivos, cirurgia assistida por laser de
femtossegundo, córneas artificiais produzidas por bioengenharia e o tratamento clínico das
doenças do endotélio corneano.

CUIDADOS PRÉ-OPERATÓRIOS

Avaliação ocular completa


Doenças oculares associadas, como desorganização do segmento anterior, sinequias, catara­
ta, córnea anestésica, defeitos de margem palpebral, doenças cicatriciais da conjuntiva, olho
seco, glaucoma e infecções, aumentam as chances de complicações intra e pós-operatórias e,
dentro do possível, devem ser tratadas e controladas previamente ao ato cirúrgico. Comorbi-
dades como descolamento de retina, descolamento de coroide e outras alterações oculares
Ceratoplastia Penetrante 95

que podem comprometer o sucesso terapêutico também devem ser detectadas e sua correção
programada antes ou mesmo no decorrer do transplante. Em algumas situações, pode até
contraindicar a própria cirurgia devido ao baixo prognóstico visual.

Anestesia
Pode ser sob anestesia local (bloqueio retro ou peribulbar) e, de preferência, acompanhada de
sedação devido ao tempo cirúrgico (em torno de 1 a 2 h) e frequente ansiedade do paciente.
Anestésico pode ser lidocaína a 2% (para procedimentos mais rápidos), bupivacaína a 0,5%
- 0,75% ou rupivacaína 7,5 mg/ml (quando o tempo cirúrgico previsto for mais longo e para
maior analgesia pós-operatória). Volume de anestésico injetado no espaço periocular (3 a 8
ml) pode causar aumento da pressão ocular e consequente aumento do risco intraoperatório
de complicações como perda vítrea e hemorragia expulsiva. Baroftalmo após o bloqueio anes­
tésico e/ou agentes hiperosmóticos como manitol 20% endovenoso (1 g/kg) podem contribuir
para diminuir a pressão ocular antes do início da cirurgia.
O paciente deve ter sido avaliado e liberado clinicamente para o procedimento anestésico
e cirúrgico. Diabetes mellitus descompensado, cardiopatias, pneumopatias, infecções e outras
alterações sistêmicas devem estar controladas. Cuidado especial em relação à capacidade de
se manter em decúbito dorsal deve ser observado.
Anestesia geral é indicada para crianças e pacientes que não colaboram com o procedi­
mento por serem muito ansiosos, com deficiência mental, apresentarem hipoacusia ou outras
barreiras na comunicação. Anestesia geral também tem indicação em casos cirúrgicos mais
complexos e demorados como, por exemplo, cirurgia combinada, trauma ocular e desorgani­
zação do segmento anterior.

Início da cirurgia
Realizada a anestesia, seguem-se as etapas rotineiras de assepsia com iodopovidona a 2% ou
clorexidina e colocação de campos estéreis. O blefarostato deve respeitar a abertura palpebral
de cada paciente, não pressionar o globo ocular e, assim, não causar aumento da pressão ocu­
lar. Recomenda-se a fixação do anel de sustentação escleral de Flieringa (anel mais comumente
usado) com Vicryl 7-0 com agulha espatulada. Indicado principalmente se houver risco de de-
sestruturação do arcabouço escleral (crianças, afácicos e cirurgias combinadas), de hemorragia
expulsiva ou se o tempo cirúrgico previsto for longo. O tamanho do anel é determinado de
maneira a se posicionar de 2 a 3 mm do limbo (normalmente, tamanho de 18 a 20 mm). Como
o próprio anel pode causar distorção e induzir astigmatismo, ele pode ser retirado após o oi­
tavo ponto (no caso de sutura interrompida).

Apoio familiar
Cuidados pós-operatórios devem ser bem enfatizados antes da cirurgia, e o suporte da família
é fundamental para o sucesso do transplante de córnea, principalmente em casos de trans­
plante em crianças. Deve-se fornecer toda a orientação quanto às possíveis complicações, à
importância do uso correto das medicações, à frequência de consultas e exames, ao longo
96 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

tempo de seguimento, ao período de reabilitação e recuperação, às limitações físicas e visuais


imediatas e permanentes, à expectativa visual e de retorno às atividades cotidianas e profis­
sionais.

TÉCNICA CIRÚRGICA

Tamanho do botão
O tipo de doença e a extensão da opacidade corneana determinam o tamanho do enxerto,
assim como o material para a sutura e seu padrão. Botão doador deve se centralizar na zona
óptica tentando abranger a doença corneana, que pode ser discreta e superficial ou profunda
com comprometimento endotelial e/ou periférico. Geralmente, os botões doadores são de 7
a 8,5 mm de diâmetro. Botões menores que 7 mm podem comprometer o resultado óptico
pelo alto astigmatismo induzido, e botões maiores que 8,5 mm são mais suscetíveis a rejeição
pela maior proximidade ao limbo. Em casos em que se deseja um aplanamento corneano no
pós-operatório, o botão doador pode ter o mesmo diâmetro que o receptor ou ser até menor
(casos de alta miopia axial ou câmara anterior bem profunda). Geralmente, botão doador é 0,5
mm maior que o botão receptor, podendo ser 1 mm maior em casos de transplante tectônico,
onde se deseja uma câmara anterior bem profunda para diminuir as chances de sinequias an­
teriores e glaucoma ou em afácicos para se compensar a hipermetropia pós-operatória. Além
disso, o botão doador maior leva ao receptor mais células endoteliais e pode ser interessante
em casos de deficiência endotelial. Botão doador trepanado com o mesmo diâmetro que o
receptor é, na prática, 0,2 a 0,5 mm menor, o que deve ser considerado ao se planejar a cirur­
gia. Isto ocorre porque a trepanação é feita na face endotelial da córnea do doador e na face
epitelial da córnea do receptor. A trepanação pode ainda ser discretamente descentralizada
para se abranger a maior extensão da lesão, como, por exemplo, no ceratocone (geralmente
inferior) ou em leucomas paracentrais.

Trepanação
A trepanação pode ser manual, automatizada ou com laser de femtossegundo. Os trépanos
mais usados no Brasil são o trépano mecânico de Franceschetti e o a vácuo de Barron-Hess-
burg (Katena Products, EUA). Existe a trepanação automatizada utilizando o trépano de Han-
na (Moria, França). Mais recentemente, temos à disposição o laser de femtossegundo, que
possibilita a confecção de lamelas de formas diferentes (incisões tipo top hat indicadas para
deficiência endotelial ou mushroom shapecl para ceratocone, Z, árvore etc.), incisões mais au-
tosselantes, diminuindo a necessidade de suturas.

Sutura
A sutura do botão doador pode ser com 16 pontos separados de mononáilon 10-0, sutura
combinada com contínua de mononáilon 11-0 e pontos separados de mononáilon 10-0 ou so­
mente sutura contínua com mononáilon 10 ou 11-0. A sutura com pontos separados permite
um melhor ajuste do astigmatismo pós-operatório, pode ser removida precocemente nos lo-
Ceratoplastia Penetrante 97

cais de neovascularização e é tecnicamente mais simples de ser realizada, apesar de mais de­
morada. A sutura deve ser profunda, ao nível da membrana de Descemet, porém deve-se evitar
a sutura perfurante. O ponto deve ser equidistante, aproximadamente envolvendo 0,5 mm da
córnea doadora e 0,5 mm da córnea receptora, e todos os pontos devem ser sepultados, se
possível, do lado doador para evitar neovascularização. Em crianças, as suturas geralmente
devem ser precocemente retiradas, pois a cicatrização é rápida e a inflamação e a neovascula­
rização são mais intensas.

Viscoelástico
Viscoelástico é fundamental para se manter a câmara anterior e proteger o endotélio. Viscoleás-
tico tipo coesivo é mais indicado que o dispersivo, pois é mais facilmente removido do ângulo da
câmara anterior, diminuindo o risco de bloqueio e o aumento de pressão ocular no pós-operatório.

CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS

Visitas ao consultório
■ observar: defeitos epiteliais, inflamação intraocular (reação de câmara anterior), edema de
córnea, dobras de Descemet, sinequias anteriores e posteriores, profundidade da câmara
anterior, presença de sinal de Seidel, sutura (pontos frouxos, apertados ou não sepultados),
infiltrados ou sinais de infecção; em cirurgias combinadas, atentar-se para a forma da pupi­
la, posicionamento da lente intraocular e medir a pressão intraocular
■ periodicidade: visitas com 1 dia de pós-operatório, 1 semana, 3 semanas, 8 semanas, 12
semanas, 6 meses, 9 meses e 1 ano. A partir do 2- ano, avaliações anuais. Muito importante
orientar sobre sinais e sintomas precoces de rejeição para que o paciente procure avaliação
oftalmológica imediata.

Medicações (colírios)
■ Acetato de prednisolona a 1% ou dexametasona a 0,1% de 3/3 h e diminuir gradualmente a
partir da semana.
■ Cobertura antibiótica, por exemplo com quinolona de 4- geração (besifloxacino a 0,6%,
gatifloxacino a 0,3 ou a 0,5% ou mofloxacino a 0,5%) de 6/6 h. Suspender quando o epitélio
estiver íntegro (geralmente em torno de 1 a 2 semanas pós-cirurgia).

Defeito epitelial persistente


Diagnosticar a causa (piscar incompleto, lagoftalmo, olho seco) e corrigir (oclusão de pontos
lacrimais, cirurgia de correção palpebral etc.).
■ oclusão por 3 dias no máximo;
■ lente de contato terapêutica;
■ colírios de lágrima artificial;
■ afastar causas infecciosas, como herpes simples.
98 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Vazamento da ferida (sinal de Seidel +)


■ oclusão;
■ lente de contato terapêutica se não melhorar com oclusão em 3 dias;
■ cola sintética ou biológica;
■ sutura.

Remoção de suturas (pontos separados)


■ Dependendo da idade do paciente, início da retirada a partir do pós-operatório de 6 meses
após avaliação da acuidade visual, ceratometria, ceratoscopia computadorizada e refração
(retirar somente se astigmatismo > 4 dioptrias). Em crianças, a remoção de pontos é mais
precoce, necessitando muitas vezes de exame sob narcose logo no primeiro mês pós-
operatório.
■ Sempre que os pontos estiverem frouxos.
■ Usar cobertura antibiótica com associação de colírio de dexametasona a 0,1% e antibiótico
tópico de 6/6 h por 4 dias.

Glaucoma
■ colírio de maleato de timolol a 0,5% 1 gota de 12/12 h;
■ associar colírio agonista a-2 adrenérgico (tartarato de brimonidina a 0,2%) de 12/12 h;
■ associar inibidor de anidrase carbônica (acetazolamida) 250 mg VO de de 6/6 h;
■ evitar, se possível, colírio de análogo de prostaglandina;
■ avaliar a necessidade de implante de drenagem antiglaucomatosa.

Rejeição endotelial
Detecção precoce é a melhor forma de controlar e reverter a rejeição. O paciente deve ser
orientado sempre a procurar atendimento oftalmológico especializado se apresentar olho ver­
melho, fotofobia, embaçamento visual, lacrimejamento e dor.
■ colírio de acetato de prednisolona a 1%de 1/1 h (inclusive à noite) nos primeiros dias;
■ associar 3 injeções subconjuntivais diárias de dexametasona 1 mg quando houver dúvida
do uso correto do colírio ou para rejeição que não melhorar em 24 h;
■ associar prednisona 1 mg/kg/dia VO;
■ em casos de alto risco, pode-se associar pulsoterapia com dose única de metilprednisolona
500 mg EV com supervisão clínica.

Infecção
Colher raspado corneano para bacterioscopia, citologia e cultura com antibiograma e tratar de
acordo com resultado laboratorial. Logo após a coleta, iniciar tratamento com colírio de an­
tibiótico de amplo espectro (quinolona de quarta geração: besifloxacino a 0,6%, gatifloxacino
Ceratoplastia Penetrante 99

0,5% ou mofloxacino a 0,5%) de 6/6 h e nos casos graves de 1/1 h. Considerar o uso de colírios
(cefazolina e tobramicina) fortificados de 1/1 h conforme o quadro clínico (infiltrado grande e
profundo, consumo de tecido - melting, proximidade com o eixo visual).

BIBLIOGRAFIA
Brightbill FS. Corneal Surgery: theory, technique and tissue. St. Louis: Mosby, 2009.

Frost NA, Wu J, Lai TF, Coster DJ. A review of randomized controlled trials of penetrating keratoplasty techniques. Ophthal­
mology, 2006; 113(6): 942-9.

Keenan TD, Jones MN, Rushton S, Carley FM - National Health Service Blood and Transplant OcularTissue Advisory Group
and Contributing Ophthalmologists (OcularTissue Advisory Group Audit Study 8 ).Trends in the indications for corne­
al graft surgery in the United Kingdom: 1999 through 2009. Arch Ophthalmol, 2012; 130(5):621-8.

Lichtinger A, Yeung SN, Kim P, Amiran MD, Rootman DS. The era of lamellar keratoplasty, evolving surgical techniques in
corneal transplantation: the University ofToronto experience. Can J Ophthalmol, 2012; 47(3):287-90.

Niederkorn JY. Cornea: Window to Ocular Immunology. Curr Immunol Rev, 2011; 7(3):328-35.

Price FW, Price MO. Adult keratoplasty: has the prognosis improved in the last 25 years? Int Ophthalmol, 2008; 28:141-6.

Santos NC, Sucomine PT, Sousa LB, Sato EH, Freitas D. Ceratite infecciosa pos-transplante de cornea. Arq Bras Oftalmol,
1999;62:48-53.

Shah SU, Gritz DC. Application of the femtosecond laser LASIK microkeratome in eye banking. Curr Opin Ophthalmol,
2012; 23(4):257-63.

Shimmura S, Ando M, IshiokaM, Shimazaki J, Tsubota K. Same-size donor corneas for myopic keratoconus. Cornea, 2004;
23(4):345-9.

Young AL, Kam KW, Jhanji V, Cheng LL, Rao SK. A new era in corneal transplantation: paradigm shift and evolution of tech­
niques. Hong Kong Med J, 2012; 18(6):509-16.
ON
fM

Ceratoplastia Lamelar Anterior

WALTON NOSÉ • ADRIANA DOS SANTOS FORSETO

0 primeiro transplante lamelar, com finalidade de restaurar a visão, foi realizado por Arthur
von Hippel no final do século XIX. A ideia inicial da ceratoplastia lamelar era a de trocar apenas
a parte da córnea acometida, mantendo as camadas normais do receptor intactas. Até 1980,
o único tipo de transplante lamelar que existia era denominado in \ay, no qual o estroma do
receptor era removido em parte e a córnea doadora era colocada nesse leito preparado pre­
viamente para repor a espessura do tecido corneano perdido.
Com o advento da epiceratofacia foi introduzido o termo on lay. Nesse caso, o estroma do
receptor não é removido e outro tecido corneano é colocado sobre o leito receptor desepiteliza-
do centralmente, após uma ceratectomia circular na sua porção periférica. Essa técnica foi muito
utilizada para correção de altas ametropias, ceratocone, ceratoglobo e degenerações periféricas.
Atualmente, existem variações técnicas do procedimento in lay. Ressecções profundas do
tecido receptor, com maior regularidade da superfície, podem ser obtidas com a injeção de ar,
solução fisiológica salina e/ou viscoelástico no estroma. A utilização do microcerátomo ou do
excimer laser, tanto no receptor quanto no doador, permite a aquisição de cortes de diferentes
espessuras e diâmetros. Recentemente, o femtosecond laser, que trabalha com comprimento de
onda superior ao excimer, vem sendo utilizado para ressecção do tecido corneano em trans­
plantes lamelares (com profundidade máxima de 400 micra), por meio de um processo deno­
minado de fotodisrupção.
De acordo com a quantidade de tecido removido do receptor, o preparo da córnea doa­
dora pode ser o mesmo das ceratoplastias penetrantes, com sua trepanação total e remoção
ou não do endotélio e Descemet. A obtenção de lamelas de tecido doador foi facilitada com o
advento das câmaras anteriores artificiais, que permitem que o botão corneoescleral seja pre­
parado da mesma forma que se estivéssemos trabalhando com o globo ocular inteiro.
A ceratoplastia lamelar anterior, apesar de considerada tecnicamente mais difícil, apresen­
ta a vantagem de não penetrar na câmara anterior, reduzindo os riscos inerentes aos proce­

101
102 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

dimentos intraoculares. Complicações pós-operatórias, como vazamento de humor aquoso,


atalamia e formação de sinequias, são reduzidas. Perfuração do leito receptor pode ocorrer
de acordo com a técnica em 13 a 39% dos casos. Quanto mais profunda a ressecção, maior o
risco de perfuração, tornando-se necessária a conversão para cirurgia aberta. Por vezes, uma
pequena microperfuração, despercebida pelo cirurgião, pode levar a extravasamento mínimo
de humor aquoso através desse orifício, com formação de “dupla câmara anterior” no pós-
operatório precoce. Caso não haja resolução espontânea, deve-se injetar gás na câmara ante­
rior, ou converter para ceratoplastia penetrante.
Apesar da possibilidade de perda endotelial precoce, estudos mostram tendência à esta­
bilidade após o sexto mês de cirurgia, diferentemente das ceratoplastias penetrantes. Além
disso, a perda endotelial é mínima, visto que o endotélio do receptor é mantido. Rejeições
também podem ocorrer, mas com menor frequência e intensidade que as observadas nos
transplantes penetrantes, podendo ocorrer em 2,5 a 37,7% dos casos.
Irregularidades (Fig. 1) e vascularização da interface, além de depósitos lipídicos, são mais
frequentemente observadas em córneas com vascularização prévia, estando geralmente asso­
ciadas à diminuição da acuidade visual. Outras causas de baixa de acuidade visual incluem a
presença de corpos estranhos e crescimento epitelial para a interface.

Fig. 1 Retroiluminação mostrando dobras na interface de


paciente portador de ceratocone submetido a transplante
lamelar profundo com ressecção manual.

Além das vantagens já citadas da ceratoplastia lamelar em relação à penetrante, temos


ainda um período de tempo menor na utilização de corticosteroides tópicos, o que torna o
pós-operatório mais barato para o paciente e diminui as chances de desenvolver hipertensão
ocular e catarata corticogênica. Também apresenta maior resistência a traumas.

BIBLIOGRAFIA
Brightbill FS. Corneal Surgery: Theory, Technique and Tissue. St. Louis: Mosby, 1993.

Nosé W, Nosé RAM. Ceratoplastias e Ceratectomias. In: Belfort Jr R, Kara-Jose N. Córnea: Clínica - Cirúrgica. São Paulo: Roca,
1997, p 493-504.

Terry MA. The evolution of lamellar grafting techniques over twenty-five years. Córnea, 2000; 19(5):611-6.
Ceratoplastia
Lamelar Posterior

ALEXANDRE SEMINOTI MARCON • LUCIENE BARBOSA DE SOUSA

O transplante endotelial lamelar profundo é uma nova técnica de transplante de córnea que
permite a troca do endotélio doente pelo de um doador, sem a necessidade de grandes inci-
r
sões ou suturas na superfície corneana. E uma técnica nova, tendo sido apresentada à comu­
nidade oftalmológica em 1993. Durante sua evolução, a técnica sofreu alterações e recebeu
diferentes nomes:
■ PLK: Posterior Lamellar Keratoplasty.
■ DLEK: Deep Lamellar Endothelial Keratoplasty.
■ DSEK: Descemets Stripping Endothelial Keratoplasty.
■ DSAEK: Descemets Stripping with Automated Endothelial Keratoplasty.

As principais vantagens desse procedimento são mínima alteração da topografia corneana


em relação ao pré-operatório, refração altamente previsível e estável, endotélio saudável, glo­
bo ocular com menor suscetibilidade a trauma e córnea opticamente adequada.
Essa cirurgia está indicada em casos de doença endotelial, como a ceratopatia bolhosa
pseudofácica ou a distrofia de Fuchs, por manter intactas as porções anteriores da córnea.
Nesses casos, o estroma corneano pode estar edemaciado, porém sem fibrose significativa. No
entanto, se a transparência estromal estiver comprometida, a técnica torna-se inviável.
No DSEK, a córnea doadora é composta de endotélio saudável e porção estromal que varia
entre 10 e 20% da espessura total. Ela pode ser preparada durante o ato cirúrgico ou confeccio­
nada especialmente para esse procedimento pelos bancos de olhos, como já vem ocorrendo
nos Estados Unidos.
Há duas maneiras de preparar o tecido doador. A primeira forma utiliza um microceráto-
mo e uma câmara anterior artificial, e a segunda utiliza a câmara anterior artificial para a dis­
secção manual com instrumentos especialmente desenvolvidos para esse fim. Após a criação
do plano de dissecção com qualquer uma das técnicas, o botão corneoescleral é trepanado da

103
104 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

forma usual com diâmetros que variam, em geral, de 8 a 9 mm. A porção anterior da córnea
trepanada é descartada.
O preparo da córnea receptora se inicia com a marcação do epitélio corneano com um
trépano de tamanho predeterminado, geralmente o mesmo tamanho do tecido doador, para
guiar o descolamento do endotélio doente. Através de uma incisão limbar de 5 mm, o endoté-
lio é lacerado de forma circular sob a área marcada no epitélio para depois ser descolado junto
com a membrana de Descemet.
Ao final, insere-se o tecido doador dobrado com a porção endotelial voltada para dentro
e coberta por substância viscoelástica. Uma bolha de ar e um gancho auxiliam no correto po­
sicionamento da córnea doadora.
Entre as complicações relatadas, encontram-se a falência primária, deslocamento de dis­
co, infecção de interface, glaucoma e catarata.

BIBLIOGRAFIA
Ko WW, Feldman ST, Frueh BE, Shields CK, Costello ML. Experimental posterior lamelar transplantation of. the rabbit cor­
nea. Invest. Ophthalmol Vis Sci, 1993; 34(suppl):1102 p.

Melles GR, Lander F, van Dooren BT e t a l. Preliminary clinical results of posterior lamellar keratoplasty through a sclerocor-
neal pocket incision. Ophthalmology, 2000; 107:1850-6.

Price FW Jr, Price MO. Descemet's stripping with endothelial keratoplasty in 200 eyes - Early challenges and techniques to
enhance donor adherence. J Cataract Refract Surg, 2006.

Terry MA, Ousley PJ. Replacing the endothelium without corneal surface incisions or sutures: the first United States clinical
series using the deep lamellar endothelial keratoplasty procedure. Ophthalmology, 2003; 110:755-64.

Terry MA, Ousley PJ. Deep Lamellar Endothelial Keratoplasty: Early Complications and their Management. Cornea, 2006.
Perspectivas Futuras em
Transplantes Lamelares

ALEXANDRE SEMINOTI MARCON • LUCIENE BARBOSA DE SOUSA

O transplante lamelar é certamente a forma mais lógica de transplante de córnea, pois per­
mite a troca apenas da porção doente desse tecido, mantendo intactas as partes saudáveis.
Por isso, muitos são os estudos e os avanços acerca das mais diversas técnicas de transplante
lamelar, tanto anterior quanto posterior.
A doença endotelial seria idealmente tratada através da indução da replicação das células
endoteliais in loco. Contudo, ainda não se viabilizou a indução e o controle da mitose endote­
lial desencadeada farmacologicamente. Infelizmente, a nossa realidade ainda é outra, sendo
a cirurgia de substituição endotelial a melhor opção. Atualmente, a melhor forma de trans-
plantar-se e posicionar-se adequadamente o endotélio no olho receptor é estando aderido à
membrana de Descemet, desprovido de estroma, permitindo a realização da melhor interface
possível e, consequentemente, de uma adequada acuidade visual.
As opacidades anteriores da córnea são alterações que normalmente cursam com endo­
télio saudável, o que faz ser desejável mantê-lo e trocar apenas a porção doente do tecido.
Muitas das causas de transplante por opacidade corneana são resultados de distrofias estro-
mais, ceratocone ou trauma corneano, por exemplo. As duas primeiras poderão, no futuro, ser
tratadas com alguma forma de terapia gênica. Atualmente, dispõe-se apenas da substituição
mecânica do tecido doente ou da sua ablação a laser.
Diversos avanços técnicos, alguns ainda em investigação, poderão ser de grande auxílio
no futuro. No entanto, alguns pré-requisitos devem ser alcançados antes para garantir o su­
cesso do tratamento, como, por exemplo, tecido doador em quantidade suficiente, cirurgiões
capacitados para a realização de procedimentos complexos e diminuição dos custos de mate­
riais e equipamentos especializados. Além disso, outro desafio bem conhecido, em ambos os
tipos de transplante, é a obtenção de uma interface doador-receptor opticamente adequada
que garanta a melhor acuidade visual possível.

105
106 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

O femtossegundo laser, utilizado para a confecção de flaps para LASIK, é um equipamento


capacitado para realizar secções intraestromais, podendo assim ser empregado no transplante
lamelar tanto anterior quanto posterior, esse último de forma experimental. Isso também po­
derá assegurar-lhe a propriedade de realizar a dissecção e retirada da porção doente da córnea
com precisão e segurança.
O microceratótomo e a câmara anterior artificial são equipamentos também utilizados
para a retirada do tecido doente e para a confecção de porções corneanas saudáveis para
transplante. Muitas das técnicas atualmente empregadas tanto no transplante lamelar anterior
quanto, posterior não podem prescindir de ambos.
r

E muito provável que, em alguns anos, o transplante endotelial e o transplante lamelar an­
terior venham a substituir o penetrante, propiciando grandes benefícios a todos aqueles com
doenças corneanas. As técnicas atualmente empregadas evoluirão para tornar o procedimento
mais acessível, de realização menos complexa e com melhor acuidade visual, a partir da con­
fecção de uma interface opticamente adequada.
Transplante Tectônico

SAMIR JACOB BECHARA • GLEISSON REZENDE PANTALEÃO • HAMILTON MOREIRA

Tectônico significa: arte de construir, arte de carpintar ou ramo da geologia que estuda a cros­
ta terrestre. Entende-se que o transplante tectônico é aquele com características de reconstru­
ção do globo ocular, sem a finalidade óptica no momento.
O enxerto tectônico é uma opção em casos selecionados de córneas extremamente afi­
nadas, em risco iminente de perfuração; ou em casos de perfuração corneana, onde a sutura
primária não é possível, visando principalmente à restauração da integridade do globo ocular.
O fator preponderante para determinar a escolha entre as técnicas lamelar e penetrante
na ceratoplastia tectônica baseia-se na extensão e profundidade da lesão. Sendo a lesão de
até 1 mm e interessando o terço anterior da córnea, aplica-se a solução lamelar. Nos outros
casos, mais extensos e profundos, impõe-se a técnica penetrante. Por vezes, o afmamento é
grande em extensão, porém a perfuração é pequena e central a esse afmamento. Assim, a téc­
nica lamelar terá preferência, mesmo que uma pequena parte entre em contato com o humor
aquoso.
Vale a pena enfatizar que o transplante tectônico de emergência raramente é indicado em
traumas corneanos. Com as técnicas de cola e suturas, a maioria das feridas pode ser fechada
sem o auxílio do transplante. Essa cirurgia pode ser deixada para uma segunda etapa, com o
olho estabilizado e melhor prognóstico visual, então com finalidade óptica.

107
Epiceratoplastia

ALEXANDRE SEMINOTI MARCON

A epiceratoplastia é uma forma de transplante de córnea lamelar onde uma lente preparada a
partir de tecido corneano humano é suturada na porção anterior da córnea, com o objetivo de
alterar sua curvatura anterior e propriedades refrativas. No início da história dessa técnica, o
tecido era preparado e liofilizado, necessitando de reidratação no momento da cirurgia. Com
o tempo, as lentículas passaram a ser preparadas a fresco, sem o processo da liofilização. Epi-
ceratofaquia é um termo que deriva da epiceratoplastia e se refere à mesma técnica cirúrgica
com o propósito de corrigir a afacia na infância, especialmente em casos de trauma, onde a
córnea pode estar com sua topografia comprometida.
A estratégia cirúrgica consiste em empregar lentícula corneana preparada a partir de teci­
do doador sem condições de ser utilizado em um transplante penetrante por baixa qualidade
endotelial. A lentícula é confeccionada com diâmetro e espessura predeterminados por alguns
bancos de olhos capacitados. No ceratocone, por exemplo, o procedimento inicia-se com a
remoção do epitélio central do receptor e continua com a trepanação de aproximadamente
225 a 250 jum de profundidade, mantendo intacta a porção central desepitelizada da córnea.
O diâmetro empregado é 0,5 mm menor do que o do tecido doador e o da lentícula suturada
no sulco originado pela trepanação parcial.
O sucesso da epiceratoplastia depende fundamentalmente da capacidade de reepiteli-
zação do tecido e do controle da inflamação, que evitam a vascularização da interface e das
suturas e a diminuição da transparência, respectivamente. Os resultados visuais com essa téc­
nica em comparação ao transplante de córnea penetrante demonstram uma acuidade visual
corrigida média de 20/50 para epiceratoplastia e 20/30 para transplante penetrante.
A utilização de material sintético na epiceratoplastia é um procedimento em investigação
científica, onde uma lentícula de material biocompatível é afixada na porção anterior de uma
córnea receptora desepitelizada, da mesma forma que na técnica tradicional. Materiais como
os com conteúdo colágeno ou como o 2-hidroxietil metacrilato (HEMA) são potencialmente

109
110 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

adequados por serem biocompatíveis, permeáveis aos nutrientes e aos metabólitos do aquo­
so, e por serem facilmente confeccionados quanto ao diâmetro, espessura e poder dióptrico.
Avanços nas técnicas de transplante lamelar reduziram o entusiasmo no desenvolvimento e
implementação da epiceratoplastia sintética. Resumidamente, há poucas indicações da epice-
ratoplastia.

BIBLIOGRAFIA
Kaufman HE. The correction of aphakia. Am J Ophthalmol, 1980; 89:1-10.

Wagoner MD, Smith SD, Rademaker WJ e t al. Penetrating keratoplasty vs. epikeratoplasty for the surgical treatment of
keratoconus. J Refract Surg, 2001.

Wagoner MD, AI Swailem S, Rademaker WJ e t a l. In: Azar DT. (ed.). Refractive Surgery. Philadelphia: Mosby/Elsevier; 2007;
373-8.
Ceratoplastia Rotacional

SAMIR JACOB BECHARA

Indica-se ceratoplastia rotacional nas opacidades de córnea em que a rotação do enxerto pro­
picia, em virtude da localização da opacidade, seu deslocamento para fora do eixo visual.
Nesses casos, obtém-se a melhora da transparência corneana na região do eixo visual, dispen-
sando-se a aplicação do enxerto homólogo. Existem vantagens nessa técnica, como a utiliza­
ção do tecido do próprio paciente, eliminando-se a preocupação com rejeição imunológica.
Entretanto, todas as outras possíveis complicações continuam presentes. Geralmente, nesses
casos, onde se dá preferência pela rotação do botão corneano, o astigmatismo residual é
muito grande. A opacidade é levada mais para a periferia, mas a diferença entre as espessuras
corneanas criadas a partir da rotação, assim como o próprio leucoma, acaba gerando grande
astigmatismo. Esse astigmatismo de características irregulares demanda adaptação de lentes
de contato rígidas gás-permeáveis. Essas lentes são de difícil adaptação, por vezes com movi­
mentação excessiva, o que pode provocar fracasso terapêutico.
Assim, a técnica de ceratoplastia rotacional é utilizada quando não há córneas suficientes
para o transplante, em casos de olho único, e onde a rejeição imunológica é a principal preo­
cupação pós-operatória, e o prognóstico de acuidade visual corrigida pode ficar reduzido sem
comprometer a satisfação do paciente.

111
ui

Transplante de
Córnea Autólogo

DANIEL WASILEWSKI • HAMILTON MOREIRA

O transplante de córnea autólogo é o transplante lamelar ou penetrante em que a córnea do­


adora é proveniente do olho contralateral do próprio paciente.
É uma opção terapêutica nos casos em que existe bom prognóstico visual em um olho que
apresenta baixa visão por opacidade corneana, e o olho contralateral não apresenta nenhum
prognóstico visual apesar de a córnea estar transparente e sadia. Para lançarmos mão dessa al­
ternativa, deve existir algum obstáculo que dificulte um transplante homólogo de rotina.
Desse modo, a córnea sadia é transplantada para o olho com bom prognóstico visual, en­
quanto para o olho doador pode ser utilizada a córnea contralateral doente ou a de um doador
homólogo. Eventualmente, pode-se optar pela evisceração desse olho. A principal vantagem
do transplante autólogo é que tornamos nula a rejeição ao enxerto e também reduzimos o
tempo de corticoterapia. A principal preocupação quanto a esse procedimento é a perda de
células endoteliais nos casos de transplante penetrante, já que as alterações endoteliais são
similares às encontradas no transplante homólogo. Portanto, devemos ter uma contagem de
células endoteliais na córnea doadora segura para o procedimento.
Apesar de reduzir a zero a possibilidade de rejeição imunológica no transplante autólo­
go, existe maior risco de glaucoma secundário quando transplantamos um botão corneano
de mesmo diâmetro da trepanação, o que pode ser minimizado usando um botão um pouco
maior que a área trepanada. Ou seja, alguns estudos sugerem o uso da córnea contralateral
sadia para o olho com potencial visual e uma córnea homóloga para o olho sem potencial de
visão. Assim, podem-se utilizar botões corneanos maiores que a área trepanada do olho recep­
tor e diminuir o risco de glaucoma secundário e outras complicações relacionadas.
A análise do potencial visual do olho receptor deve ser criteriosa, devendo-se também
assegurar a impossibilidade de recuperação visual no olho contralateral.
Para a indicação de um transplante de córnea autólogo, o médico deve compreender as
expectativas do paciente, com este ciente dos riscos do procedimento.

113
114 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

BIBLIOGRAFIA
Fukuda M, Kato Y, HibinoT, Shimomura Y, Inoue Y Three cases of "domino" keratoplasty: report of case. Jpn J Ophthalmol,
2003; 47(5):529-30.

Matsuda M, Manabe R. The corneal endothelium following autokeratoplasty. A case report. Acta Ophthalmol, 1988;
66(1)54-7.
Sugar J. Phakic keratoplasty. In: Brightbill FS (ed.). Corneal surgery. St. Louis: Mosby, 1999:279-83.
Ceratoprótese

LÚCIO HERCULANO GALVÃO DANTAS

Implante de ceratopróteses é uma alternativa de restaurar a visão em pacientes com grave


perda visual e que são de alto risco de falência após transplante de córnea convencional. O
transplante penetrante de córnea tem altos índices de sucesso em doenças como ceratocone,
distrofias corneanas, degenerações, leucomas traumáticos e outras. Porém, a taxa de falência
é muito alta em pacientes com doenças de superfície ocular, como conjuntivites cicatriciais
imunologicamente mediadas (Stevens-Johnson, pênfigo), queimaduras químicas e térmicas
com perda de células límbicas, ceratoconjuntivites secas graves, intensa síndrome de Sjõgren,
ou após múltiplas rejeições de transplantes. Nesses pacientes a ceratoprótese pode ser uma
alternativa na tentativa de reabilitação visual.
A história de ceratoprótese começa no século XVIII, quando, em 1789, pela primeira vez,
Pellier de Quensqy propôs uma lente artificial para substituir uma córnea opaca. No entanto,
foi na segunda metade do século XX, com o surgimento de novos materiais, como polimetil-
metacrilato (PMMA), que a ceratoprótese teve seu maior desenvolvimento. Atualmente, di­
versos materiais, como Teflon, Goro-Tex, Dacron e poli (2-hidroxietil metacrilato), têm sido
estudados e utilizados na confecção de diferentes tipos de ceratopróteses. Algumas têm ca­
racterísticas porosas para tentar uma biointegração com os tecidos oculares, porém o risco de
extrusão ainda é a principal complicação, o que faz com que poucos implantes sejam realiza­
dos anualmente no mundo.
As mais utilizadas atualmente são: a ceratoprótese de Dohlman-Doane, composta por dois
platôs de PMMA travados com um anel de titânio; e a ceratoprótese AlphaCor®, composta
por uma zona óptica transparente e outra leitosa fabricada com material poroso biointegrado
de poli (2-hidroxietil metacrilato). Outros modelos de ceratoprótese também são utilizados,
como as osteodontoceratopróteses em que se utiliza um alvéolo dentário do próprio paciente
para confeccionar uma prótese na qual o dente envolve um cilindro óptico de PMMA, sendo
implantado na córnea utilizando-se também mucosa bucal.

115
116 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Outra ceratoprótese que está sendo desenvolvida é a SupraDescemetic Keratoprosthesis, que


é uma prótese não penetrante implantada acima da membrana de Descemet com o propósito
de diminuir as complicações, pois a técnica não requer entrada na câmara anterior, mantendo
a Descemet e o endotélio intactos, minimizando os riscos de endoftalmite e descolamento de
retina. No entanto, essa opção só foi testada em coelhos e necessita de mais pesquisa.
Apesar da grande evolução das ceratopróteses, os produtos disponíveis ainda estão longe
de serem os ideais e são indicados apenas em pacientes que têm altos riscos de rejeição ao
transplante de córnea. Complicações, como inflamações crônicas, extrusão, glaucoma, des­
colamento de retina, limitam o uso de ceratopróteses como cura da cegueira corneana. As
pesquisas continuam na busca de um material biointegrável que diminua todos esses efeitos
adversos e possa ser utilizado mais seguramente.

BIBLIOGRAFIA
Ilhan-Sarac V, Akpek EK. Current concepts and techniques in keratoprosthesis. Curr Opin Ophthalmol, 2005; 16:246-50.

Ilhan-Sarac V, Akpek EK. Current concepts and techniques in keratoprosthesis. Curr Opin Ophthalmol, 2005.

Khan B, Dudenhoefer EJ, Dohlman CH. Keratoprosthesis: an update. Curr Opin Ophthalmol, 2001; 12:282-7.

Niederkorn JY. Mechanisms of corneal graft rejection: the sixth annual Thygeson Lecture, presented at the Ocular Micro­
biology and Immunology Group meeting, October 21,2000. Cornea, 2001.
Manejo Pós-Operatório
Complicações
Astigmatismo

FERNANDO DOS REIS SPADA • FLÁVIO EDUARDO HIRAI • MÁRCIO ZAPPAROLI CÁSSIO
VENDRAMIN • GLEISSON REZENDE PANTALEÃO • SÂMIA ALI WAHAB
HAMILTON MOREIRA • ELCIO HIDEO SATO

Atualmente, taxas de sucesso, definidas como transparência da córnea após 1 ano, estão aci­
ma de 90%. Com taxas altíssimas de sobrevivência do enxerto, e pelo fato de que a transparên­
cia do enxerto nem sempre significa bom resultado visual, oftalmologistas de todo o mundo
começaram a analisar os resultados funcionais, que ainda hoje são muito dependentes da
habilidade e experiência do cirurgião.
O principal fator responsável por uma má reabilitação visual é o astigmatismo. Ele é vari­
ável e relativamente imprevisível, com casos de astigmatismos tão altos quanto 20,0 D. Altos
astigmatismos têm um impacto negativo na qualidade de vida de pacientes transplantados, de
acordo com estudos realizados com questionários sobre qualidade de vida associada à saúde.
O astigmatismo pode ter origem nos mais variados fatores, que incluem: trepanação, dis­
paridades entre córnea doadora e receptora, patologia da córnea receptora, irregularidades
na configuração da incisão, técnica de sutura e controle pós-operatório do astigmatismo, e até
mesmo o astigmatismo do doador.
De acordo com alguns levantamentos com grande número de pacientes, entre 47 e 48%
dos pacientes atingem uma acuidade visual igual ou superior a 20/40, com a melhor correção
em 2 anos. E apenas 27 a 34% dos pacientes apresentam astigmatismo inferior ou igual a 3,0
D em 2 anos.
Até cuidados básicos, como a escolha do blefarostato, podem interferir no resultado final
do astigmatismo. Este deve ter o tamanho adequado para a fenda palpebral do paciente e ser
posicionado de modo a minimizar a pressão sobre o globo ocular, para que seja exercida dire­
tamente pelo próprio blefarostato ou indiretamente, através das pálpebras. Qualquer pressão
sobre o globo pode provocar distorção e levar a uma trepanação oval ou irregular, bem como
a posicionamento não simétrico das suturas.
Levando-se em conta o mesmo princípio aplicável aos blefarostatos, o anel de fixação es-
cleral pode induzir astigmatismo. Usado principalmente em pacientes pediátricos, afácicos ou

119
120 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

pseudofácicos, nas quais há maior risco de colapso escleral, o anel de fixação escleral deve ter
diâmetro menor do que a abertura palpebral conseguida com o blefarostato, para não transmi­
tir pressão das pálpebras e do próprio blefarostato sobre o globo. Esse anel deve ser retirado
nos passos finais da cirurgia para posterior ceratoscopia e ajuste dos pontos, melhorando o
controle do astigmatismo.
O centro da córnea pode ser marcado com o auxílio de um compasso, ou simplesmente de
um gancho de Sinskey ou instrumento semelhante. A trepanação deve ser realizada centrada
ou, quando há deslocamento da pupila, que em geral é ligeiramente nasal, entre o centro da
córnea e o centro pupilar. Algumas vezes, o centro da pupila fica deslocado significativamente
em relação ao centro da córnea. Nesses casos, o cirurgião pode optar por uma trepanação de
maior diâmetro. A topografia pré-operatória, o centro da pupila e o diâmetro da córnea recep­
tora são variáveis que devem ser observadas conjuntamente nesse tempo cirúrgico.
A colocação de suturas simétricas é importante para o controle do astigmatismo. Dessa
forma, alguns cirurgiões optam por marcar previamente à trepanação o posicionamento das
suturas radiais.
Existem algumas variáveis não controláveis que pesam no astigmatismo residual final de
um transplante de córnea: o astigmatismo da córnea doadora, a biomecânica da córnea re­
ceptora, a estabilidade da cicatrização corneana. Entretanto, entre as variáveis controláveis, a
trepanação parece ser a mais importante em longo prazo.
A trepanação adequada dos botões corneanos é o principal fator responsável por um bom
resultado refrativo. Uma boa trepanação com um leito homogêneo proporciona, no pós-ope­
ratório de um transplante penetrante de córnea, principalmente após a remoção das suturas,
melhor controle do astigmatismo. A confecção da trepanação pode ser realizada por dife­
rentes técnicas e trépanos. Os trépanos se diferenciam tanto no modelo quanto nas marcas.
Pode ser realizada de maneira mecânica (com ou sem vácuo) e automatizada (excimer laser ou
femtosecond laser).
Entre as formas mecânicas, a mais simples é a manual, com trépano de Franceschetti (Fig. 1).
Nessa técnica, para trepanar a córnea receptora, o globo ocular deve estar estável, e, para tal, é
aconselhável a preensão dos retos superior e inferior. O cirurgião produz um terceiro ponto de
apoio e estabilização, segurando o globo com pinça de dentes finos próximo ao limbo. Em se­
guida, posiciona o trépano descartável de acordo com o planejado e gira cerca de 33% de volta,
alternando movimentos horários e anti-horários até a profundidade adequada. Esta deve ser
uniforme. Uma das dificuldades técnicas com esse tipo de trépano é a desigualdade do corte,
mais profundo de um lado que do outro. Quando toda a circunferência atinge a profundidade
adequada, completa-se a entrada na câmara anterior com lâmina de bisturi ou diamante, com­
pletando a retirada da córnea com tesouras curvas. Deve-se evitar o uso de muita pressão para
o corte. Para isso, é importante que o corte da lâmina do trépano esteja adequado, evitando
a reutilização do mesmo. Com trépanos reutilizados, a afiação fica progressivamente compro­
metida, exigindo pressão para realizar o corte. Isso pode levar a uma penetração da câmara
inadvertida, com sangramento de vasos do ângulo, ou pior, traumas na íris ou cristalino.
Para a trepanação da córnea doadora, o botão é apoiado em uma base de teflon côncava, e
a lâmina corta a córnea pela face endotelial. Existem diversas marcas de suportes para a lâmina
descer verticalmente sobre o botão.
Astigmatismo 121

Fig. 1 Trépanos manuais de Franceschetti de diversos diâmetros.

A maior desvantagem dessa técnica reside na dependência da habilidade do cirurgião.


A reprodutibilidade, portanto, é variável, podendo ocorrer incisões ovaladas e com bordas
oblíquas ou biseladas, o que pode gerar grande astigmatismo residual. A praticidade, por ser
aplicável em qualquer caso, e o baixo custo são vantagens desse tipo de trépano.
A córnea receptora faz parte de um globo vivo, “flutuando” na órbita, com pressão e cur­
vatura únicas, tornando difícil obter uma trepanação altamente reprodutível. Por isso, trépa­
nos a vácuo (ou de sucção) são uma tentativa de minimizar essas variáveis. Os trépanos a
vácuo são confiáveis, fáceis de usar e criam cortes relativamente reprodutíveis. Estão entre os
trépanos mais seguros devido à sua estabilização independente sobre o globo ocular e, conse­
quentemente, maior controle da lâmina durante a trepanação.
Entre os trépanos de sucção, podemos citar os de Barron-Hessburg (Katena Products, Den-
ville, EUA) (Figs. 2 A e B e 3 A e B ) e d e Hanna (Moria, Paris, França).
Esses dois trépanos cortam o botão doador pela face endotelial, utilizando uma base com
dispositivo a vácuo acionado por uma seringa, que evita a movimentação da córnea sobre a
base durante a descida da lâmina. O trépano de Hanna possui também sistema de câmara an­
terior artificial para trepanação da córnea doadora pela face epitelial.

Figs. 2 (A e B) A. Trépano de Barron-Hessburg com sistema de vácuo acionado por seringa. B. Referência
central em forma de cruz para controle de centragem da trepanação.
122 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Figs. 3 (A e B) A. Trépano de Barron-Hessburg para córnea doadora com sistema a vácuo acionado por
seringa. B. Detalhe da base para apoio da córnea doadora com dispositivo a vácuo.

Além disso, apresentam sistema de encaixe entre a base (onde é apoiada a córnea) e a lâ­
mina, fazendo com que a lâmina desça, obrigatoriamente de maneira vertical. Isso minimiza
r
as chances de um corte oblíquo ou ovalado do botão doador. E importante ressaltar que os
trépanos manuais também podem ser acoplados a dispositivos semelhantes, evitando que a
lâmina desça de forma irregular ou oblíqua.
Entre as principais diferenças entre os dois sistemas com acionamento do vácuo, podemos
citar a localização onde o vácuo é exercido na córnea, no trépano de Barron-Hessburg e no lim­
bo no trépano de Hanna. Outra diferença está no dispositivo que aciona a descida da lâmina.
No trépano de Hanna, o controle da descida da lâmina é lateral e não tem contato direto com
a lâmina, possuindo também marcador em micra da profundidade do corte. Já no sistema de
Barron-Hessburg, o controle da descida da lâmina é superior e faz parte da lâmina, havendo,
nesse caso, maior movimentação do globo ocular durante a rotação desse dispositivo, e não
favorecendo, assim, a realização de um corte tão suave quanto aquele obtido com o sistema
de Hanna.
Estudos em laboratório comparando os cortes de ambos os trépanos demonstraram que
o trépano de Hanna realiza cortes anteroposteriores corneanos mais circulares e com menor
variação de ângulos ao redor das bordas quando comparado ao trépano de Barron-Hessburg.
Já em estudo clínico, que comparou os resultados refrativos no pós-operatório de transplante
de córnea em 124 olhos operados (62 com cada trépano), demonstrou-se melhor AV e maior
ganho de linhas de visão com 6 e 12 meses de pós-operatório (ainda com sutura) no grupo que
utilizou o trépano de Hanna. Não se notou diferença significativa quanto ao astigmatismo re-
r

frativo ou o ceratométrico. E importante lembrar que observações de astigmatismo ainda com


a sutura são passíveis de crítica. Clinicamente, em longo prazo, até hoje nenhum instrumento,
ou técnica, mostrou-se significativamente melhor que o outro.
As vantagens de uma trepanação de melhor qualidade não são observadas apenas na me­
lhor acuidade visual obtida, mas também, como atestam alguns pesquisadores, em uma maior
viabilidade do enxerto, visto que episódios de rejeição apresentam maior probabilidade de
ocorrer em locais onde há imperfeições cirúrgicas como gaps na face posterior da incisão as­
sociada a má técnica de sutura ou irregularidades na trepanação doador-receptor.
Astigmatismo 123

Visando uma trepanação ainda mais regular, e cada vez menos dependente da habilidade
do cirurgião, foi proposta uma maneira não mecânica de trepanação através da utilização de
excimer laser e, posteriormente, com ofemtosecond laser.
A trepanação com o excimer laser é uma técnica que não alcançou popularidade pelas difi­
culdades técnicas inerentes ao procedimento.
A trepanação com femtoseconcl laser tem ganhado popularidade pela possibilidade de rea­
lizar cortes com diferentes formatos, impossíveis de realizar manualmente. Esse tipo de tre­
panação modelada (formas de cogumelo, sombrero e zigue-zague) diminuiria o astigmatismo
pós-operatório e permitiria uma reabilitação visual mais precoce.
De todos esses dados, o mais importante é o conceito de que a trepanação ideal deve ser
realizada de maneira bem centrada, circular, com paredes perpendiculares e não biseladas, de
modo a não induzir astigmatismo por irregularidade do corte, principalmente após a remoção
da sutura.
Não só a trepanação influi no erro refrativo pós-operatório, mas também a alteração
corneana que levou ao transplante. Pacientes portadores de ceratocone apresentam maior
tendência a evoluírem com mais miopia e astigmatismo comparados a pacientes com outras
doenças. Em um estudo de Wilson e Bourne, pacientes com ceratocone tornaram-se, na mé­
dia, 1,7 D mais míopes do que pacientes com distrofia de Fuchs submetidos a ceratoplastia
penetrante. Também o astigmatismo parece ser maior em pacientes com cone do que outras
doenças, variando, na média, de acordo com a literatura, entre 3,5 e 5,5 D.
Segundo Lanier et ai, a causa dessa miopia não é um maior comprimento axial nos pacien­
tes com ceratocone, pois, após estudo de 223 olhos com ceratocone, observou-se comprimen­
to axial igual ou, ao menos, muito semelhante ao da população normal.
A verdadeira causa dessa miopia pode ser relacionada a uma curvatura corneana e profun­
didade de câmara anterior maiores observadas nesses pacientes.
As córneas de olhos com ceratocone são mais curvas, e a câmara anterior mais profunda.
A trepanação é feita sempre em sentido vertical. Dessa forma, o corte pode deixar um anel
residual de córnea recipiente maior do que o normal. A colocação de uma córnea doadora
com tamanho normal (0,25 ou 0,50 mm maior que o leito receptor) pode redundar em uma
câmara anterior mais profunda e córnea mais curva no pós-operatório. Assim, resulta em uma
tendência a maior miopia em pacientes com ceratocone.
Uma forma de controlar esse acontecimento é com a utilização de um botão doador menor
(mesmo tamanho ou até 0,25 mm menor do que o leito receptor). Porém, se o encurvamento
da córnea receptora for assimétrico, o que é comum em casos de ceratocone, o comprimento
e curvatura do anel corneano residual pós-trepanação variam ao redor de sua circunferência.
Assim, a colocação de um botão doador redondo, mesmo que do mesmo tamanho, pode até
reduzir a miopia, mas não resulta em melhora do astigmatismo. Com esse pensamento, alguns
cirurgiões propõem a cauterização do centro da córnea receptora, imediatamente antes da
trepanação, em casos de ceratocone muito avançados.
A cauterização corneana (Fig. 4), ou termoceratoplastia, foi introduzida na década de
1970, por Gasset e Kaufman, com o intuito de aplanar o cone. Esse procedimento, com resul­
tados algumas vezes interessantes, mas muitas vezes limitados no tempo, foi deixado de lado,
mas ficou a observação de que o “encolhimento” corneano poderia aplanar o cone e regulari­
zar o formato corneano, o que levou ao seu uso antes da trepanação corneana.
124 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Fig. 4 Cauterização corneana com cautério à pilha pré-trepa-


nação. (Imagem cedida pelo Dr. Paolo Vinciguerra, Milão -
Itália.)

Realizada, geralmente, nos 3 a 4 mm centrais, a cauterização aplana o ápice corneano,


predispondo à trepanação sobre um leito corneano com topografia próxima ao normal. O
corte é feito de forma mais perpendicular ao tecido. Isso resulta em um anel corneano resi­
dual menor e preferencialmente mais regular. A cauterização pode induzir a menor curvatura
corneana e profundidade de câmara anterior e, consequentemente, a menor miopia e astig­
matismo no pós-operatório.
Um dos poucos estudos na literatura sobre cauterização corneana, em que foi utilizado
um grupo-controle, comparou os resultados refrativos em 15 pacientes com ceratocone sub­
metidos a transplante de córnea com cauterização corneana com um grupo de 15 pacientes
onde não foi realizada a cauterização. Foram observados miopia e astigmatismo menores no
grupo da cauterização nos follow-ups de 6 meses (com sutura) e 13 meses (sem sutura). Além
disso, o percentual de pacientes que obtiveram AV melhor do que 20/60 sem correção foi
maior no grupo da cauterização. Os resultados desse estudo são muito interessantes, mas es­
tudos com amostras maiores e diferentes cirurgiões com diferentes técnicas de trepanação e
sutura se fazem necessários para comprovar a eficácia desse procedimento.

A INFLUÊNCIA DA SUTURA NO ASTIGMATISMO

A sutura em transplante penetrante de córnea tem sido objeto de inúmeras pesquisas. A su­
tura ideal deve ser inerte, ter tensão suficiente para coaptar as bordas da ferida operatória,
manter os tecidos em posição por longo tempo, ser dócil ao trato e não induzir irregularidade
corneana. Mas, como a realização de uma sutura que não provoque aberrações ópticas ainda
não é viável, a sutura continua a exercer papel fundamental no resultado refrativo de um trans­
plante, sendo um dos principais responsáveis pelo astigmatismo observado no pós-operatório
precoce. Vários aspectos relacionados à técnica cirúrgica e ao tipo de sutura podem influen­
ciar no resultado refrativo.
Ao se pensar em um ponto de sutura, deve-se ter em mente que as suturas funcionam
como vetores, ou seja, têm força e sentido (Fig. 5). Objetivando que, ao final de um transplan­
te de córnea, a sutura não induza astigmatismo, o somatório da força exercida por todos os
pontos (todos os vetores) deve ser nulo ou igual a zero.
Astigmatismo 125

Fig. 5 Desenho esquemático representando uma sutura


contínua com pontosdecomprimentosdiversose irregularmente
distribuídos em um transplante e, à direita, representação dos
diferentes vetores (força) resultantes de pontos com angulações
diferentes.

Os pontos devem ser perfeitamente distribuídos radialmente, para que o ponto das 12 h
anule o ponto das 6 h, o ponto das 3 h anule o das 9 h, e assim por diante. Muitos cirurgiões
se utilizam de marcadores corneanos para a obtenção de uma distribuição regular dos pontos.
Além disso, os pontos devem ter o mesmo comprimento e mesma profundidade, de modo a
coaptar homogeneamente a incisão. De nada adianta os pontos estarem distribuídos radial­
mente, terem o mesmo comprimento e profundidade, se estão apertados de maneira desigual,
com um ponto exercendo mais tensão do que o outro sobre a córnea doadora, desequilibran­
do, assim, o resultado final do somatório dos vetores.
O ponto mais importante para controle do astigmatismo em toda a sutura é o segundo.
Ele deve ser posicionado exatamente a 180° do primeiro ponto para centrar bem a córnea,
dividindo o tecido corneano em partes iguais (Fig. 6). Um deslocamento da córnea de apenas
0,1 mm ou 5o pode provocar 4 dioptrias de astigmatismo.
A sutura ideal (Fig. 7), amplamente descrita na literatura, defende que a agulha passe a
uma profundidade de 90% nos estromas corneanos doador e receptor. Isto promove maior
área de contato entre as duas córneas na incisão, favorecendo a cicatrização, mais forte e mais
estável refrativamente. A sutura de profundidade adequada e semelhante entre receptor e
doador evita má justaposição (degrau), e é muito difícil de realizar em pacientes com cerato-
cone ou grande edema. No primeiro caso, é frequente ter doador com córnea mais fina e, no
segundo, o edema provoca um tecido receptor mais espesso.

Fig. 6 Perfeita distribuição do tecido corneano durante inserção


do segundo ponto cardinal é essencial para a obtenção de um bom
resultado refrativo.
126 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Fig.7 Ponto ideal com a sutura sendo o mais profunda possí­


vel de modo a propiciar total coaptação das bordas da incisão.
(Esquema do Dr. Fernando Spada.)

Atingir a mesma profundidade de sutura em todos os pontos de um transplante não é


uma tarefa fácil. Observa-se muitas vezes um mau posicionamento entre as córneas doadora e
receptora, que pode ser dividido em três tipos:
■ Tipo 1: ponto mais superficial no receptor: provoca astigmatismo em aplanamento no eixo
da sutura (Fig. 8).
■ Tipo 2: ponto mais superficial no doador: provoca astigmatismo em encurvamento no eixo
da sutura (Fig. 9).
■ Tipo 3: ponto superficial tanto no doador quanto no receptor: provoca “enfraquecimento”
da incisão, com aparente afmamento da córnea doadora e forte miopização e astigmatismo
(Fig. 10).

Fig. 8 Má justaposição decorrente de ponto mais superficial


no leito receptor. Esse erro na técnica de sutura provoca
astigmatismo em aplainamento no eixo da sutura. (Esquema do
Dr. Fernando Spada.)

Fig.9 Má justaposição decorrente de ponto mais superficial


no botão doador. Esse erro na técnica de sutura provoca
astigmatismo em encurvamento no eixo da sutura. (Esquema
do Dr. Fernando Spada.)

Fig. 10 Má justaposição decorrente de ponto superficial em


ambas as córneas. Esse erro na técnica de sutura provoca
enfraquecimento da incisão, com decorrente miopização e
astigmatismo. (Esquema do Dr. Fernando Spada.)
Astigmatismo 127

Além disso, essa má justaposição entre córneas doadora e receptora favorece maior perda
endotelial, erosão epitelial, fibrose na incisão, aumenta as chances de rejeição e dificulta a
adaptação de lentes de contato.

TÉCNICAS DE SUTURA

Independente da técnica de sutura utilizada, geralmente são realizados entre 16 e 24 pontos


para um transplante penetrante de rotina. Como até hoje não existem evidências de melhores
resultados com qualquer dessas técnicas de sutura, a escolha por determinada técnica depen­
de muito da experiência de cada cirurgião. São elas: sutura com pontos separados, sutura con­
tínua simples (torque e antitorque), sutura contínua dupla e sutura combinada (contínua mais
pontos separados). A sutura com pontos interrompidos, todos perfeitos no posicionamento,
profundidade e tensão, teoricamente seria a melhor técnica.
A sutura com pontos separados é a mais utilizada em nosso meio. Como é muito difícil re­
alizar todos os pontos com perfeição, essa técnica perdoa alguns poucos pontos errados, pois
tem como vantagem o fato de se poder passar e retirar um ponto quantas vezes for necessário.
Além disso, pode ser removida parcial ou completamente. Existem algumas situações clínicas
em que a sutura com pontos interrompidos é indicada. São casos onde existe neovasos no lei­
to receptor, pacientes pediátricos e transplantes terapêuticos. Os neovasos podem demandar
uma retirada precoce da sutura naquele determinado setor. A sutura contínua, simples, dupla
ou combinada, deve ser evitada nesses olhos.
Como mecanismo de controle do astigmatismo no pós-operatório, utiliza-se a remoção
seletiva de suturas que estejam provocando aumento da curvatura ou tração irregular na in­
cisão. Geralmente, os pontos podem ser retirados seletivamente após 3 meses da cirurgia,
obtendo-se melhores resultados quando apenas 1 ponto é retirado por vez. Lembrar que pa­
cientes que utilizaram corticoide tópico por longo tempo podem ter aplanamento corneano
acima do esperado com a retirada seletiva dos pontos.
Estudos experimentais em coelhos, comparando sutura com pontos separados com sutura
contínua, mostraram que não há diferença na força da incisão formada entre as duas técnicas,
porém há maior facilidade para crescimento de vasos e maior concentração de células inflama­
tórias na incisão com pontos separados.
A sutura contínua dupla, com fios diferentes, foi proposta por McNeill em 1977, com o ob­
jetivo de propiciar uma reabilitação visual precoce através da remoção da sutura mais apertada
com mononáilon 10-0 realizada cerca de 3 meses após a cirurgia, deixando a sutura mais su­
perficial e menos apertada feita com mononáilon 11-0 mantendo a incisão com menos distor­
ção. Porém, esse fato geralmente não reduz o astigmatismo. Tem como grande desvantagem
o fato de não poder ser ajustada (ou redistribuída) para melhor controle do astigmatismo, pois
tecnicamente esse ajuste com 2 fios de sutura que se entrecruzam é muito mais difícil, apesar
de já ter sido descrito em um estudo com bons resultados.
Tentando melhorar ainda mais os resultados pós-operatórios, McNeil, em 1989, propôs a
sutura contínua simples ajustável, inicialmente com a ideia de que essa técnica permitiria uma
redistribuição de forças espontaneamente em direção ao eixo mais relaxado. Porém, logo se
128 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

percebeu que o ajuste (ou redistribuição) da sutura era necessário, na maioria dos casos, para
reduzir o astigmatismo ceratométrico.
A sutura contínua pode ser ajustada no pós-operatório precoce, assim que se tenha uma
imagem topográfica fiel, com epitélio corneano bem formado, que geralmente ocorre 3 a 4 se­
manas após a cirurgia. Esse ajuste produz menor astigmatismo 1 ano após o transplante, ainda
com a sutura em posição. Muitas vezes, esse bom resultado se perde quando da remoção da
sutura contínua, prevalecendo as forças da córnea receptora, doadora e trepanação.
Outros estudos demonstraram que, se o ajuste da sutura fosse realizado ainda no intrao-
peratório, obter-se-ia menor astigmatismo ceratométrico final, bem como menor necessidade
de manipulação da sutura no pós-operatório.
A sutura contínua pode ser classificada em “torque”, quando o ponto é passado radial­
mente pela córnea e retorna obliquamente pela superfície corneana; “antitorque”, quando o
ponto é passado obliquamente pela córnea e retorna radialmente pela superfície corneana;
e torque (Fig. 9), quando passa e retorna obliquamente pelo estroma e superfície corneanos,
com igual angulação.
Estudos feitos em olhos de cadáver comprovam que qualquer técnica de sutura contínua
provoca pequena rotação do botão corneano, o que pode levar ao surgimento de astigmatis­
mo. Aparentemente, a técnica antitorque está relacionada a menor astigmatismo.
A quarta técnica de sutura, combinada, foi popularizada por Stainer, em 1982, sendo re­
alizada com a combinação de 8 a 12 pontos separados com mononáilon 10-0 associados a
uma sutura contínua com mononáilon 11-0. Essa técnica, com remoção seletiva dos pontos
separados, segundo Binder, reduz o astigmatismo e melhora a acuidade visual dos pacientes.
Karabatsas, em um estudo prospectivo que comparou sutura contínua simples com sutura
combinada, chegou à conclusão de que ambas as técnicas de controle do astigmatismo (remo­
ção seletiva ou redistribuição de sutura) são efetivas, havendo uma redução mais precoce do
astigmatismo na sutura contínua, mas que essa vantagem aparente apenas reflete uma discre­
pância entre o tempo de manipulação da sutura nas duas técnicas. Em longo prazo não foram
observadas diferenças entre as duas técnicas quanto ao astigmatismo final.
Em outro estudo prospectivo randomizado realizado por Filatov, melhores resultados fo­
ram obtidos com sutura contínua simples ajustável do que com sutura combinada. Nessa série,
82% dos pacientes com sutura contínua e apenas 44% dos pacientes com sutura combinada
obtiveram astigmatismo inferior ou igual a 3,0 D em um follow-up de 9 meses.
Em linhas gerais, não existem evidências suficientes que embasem a escolha de determi­
nada técnica de sutura em detrimento de outra. A experiência do cirurgião será o fator que
pesará na escolha da técnica de sutura. Lembrar que suturas contínuas devem ser evitadas
frente a neovasos preexistentes ou onde exista grande risco de rejeição imunológica.
O controle do astigmatismo intraoperatório é indicado pela maioria dos cirurgiões. Esse
controle irá propiciar uma recuperação da acuidade visual precoce, e é mais efetivo que o re­
ajuste pós-operatório. O ajuste intraoperatório adequado resulta em menor necessidade de
reajustes pós-operatórios.
O método mais prático e mais econômico de controle intraoperatório do astigmatismo é
r
o ceratoscópio manual. Este pode ser de plástico (Fig. 11) ou de metal (Fig. 12). E utilizado ao
final da cirurgia, com a câmara anterior preenchida com solução salina balanceada e olho com
tônus normal. A córnea é irrigada com o objetivo de regularizar quaisquer alterações epite-
Astigmatismo 129

liais. O ceratoscópio é colocado entre o olho e o microscópio, obtendo-se o reflexo ceratoscó-


pico sobre a córnea. É importante não esquecer de retirar o anel de fixação escleral (Flieringa)
antes da ceratoscopia, e atentar para possível pressão do blefarostato.

Fig. 11 Ceratoscópios manuais de plástico.

Fig. 12 Ceratoscópio de metal de Maloney.

Ceratoscópios acoplados ao microscópio cirúrgico, ou em suportes especiais para uso


intraoperatório, são outra opção. A aquisição de maiores detalhes com quantificação do astig­
matismo, ainda no leito operatório, parece ser uma vantagem. Nunca alcançaram grande po­
pularidade, pois os resultados práticos não diferem dos ceratoscópios mais práticos, manuais
e menos dispendiosos.
A cirurgia de transplante penetrante de córnea exige uma técnica refinada para que se
obtenha um bom resultado funcional. Os cuidados devem ser observados desde a trepanação,
que deve ser bem centrada, circular e com bordas perpendiculares. O botão corneano deve ser
bem posicionado, com o segundo ponto dividindo a córnea em metades iguais. Os pontos de-
130 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

vem ser radiais, equidistantes, ter o mesmo comprimento e tensão. Devem ser passados com
a maior profundidade possível, de modo a oferecer uma boa área de contato entre as córneas
doadora e receptora. Ao final da cirurgia, o controle intraoperatório do astigmatismo é essen­
cial, fazendo-se, quando necessário, ajuste dos pontos.
Ainda no primeiro ano, após o transplante, o método mais utilizado para o controle do
astigmatismo é a retirada seletiva ou ajuste da sutura corneana. A refração e a topografia da
córnea são auxiliares para essa retirada ou reajuste.
Em razão de mudanças frequentes na curvatura da córnea doadora nos primeiros meses
de pós-operatório, deve-se aguardar a estabilização dessa medida (em torno de 6 meses),
comparando mapas topográficos subsequentes para o início da manipulação dos pontos. Mui­
tos indicam esse procedimento se o astigmatismo permanecer em um valor acima de 3 diop-
trias. Se o corticoide foi usado por tempo prolongado, esse tempo pode ser aumentado.
No caso de suturas interrompidas, pode-se retirar um ponto por vez no meridiano mais
curvo conforme o mapa topográfico. A retirada de dois pontos justapostos de uma só vez
pode induzir um aplanamento localizado acima do esperado, perdendo-se o controle do as­
tigmatismo.
Nas suturas contínuas, o ajuste é realizado mais precocemente. Assim que se possam rea­
lizar adequadamente uma topografia corneana e a avaliação do astigmatismo, pode-se proce­
der ao reajuste da sutura contínua. Nesse tempo pós-operatório, a sutura ainda oferece boa
resistência, sendo mais difícil sua rotura inadvertida, principal risco dessa técnica. Deve-se
ajustar as suturas relaxando-as nos meridianos mais curvos e apertando-as nos mais planos.
Em razão do risco do início de um quadro de rejeição e/ou infecção desencadeado pela
retirada de pontos, sugerimos a prescrição de colírio de corticosteroides e antibióticos após
manipulação das suturas durante 3 dias. Nova topografia deverá ser realizada em 3 a 4 sema­
nas, para avaliação do quadro, e o procedimento é repetido até que se atinja um resultado
que permita uma acuidade visual satisfatória com a prescrição de óculos ou lentes de contato.
Outros métodos de controle do astigmatismo pós-transplante de córnea podem ser em­
pregados se o astigmatismo persistir em grande magnitude após a retirada completa da su­
tura ou se o paciente não tolerar o uso de lentes de contato. Esses procedimentos devem ser
realizados após estabilização da córnea doadora no leito receptor (geralmente 1 ano pós-
transplante ou, no mínimo, 3 meses após a retirada completa das suturas). As alternativas ci­
rúrgicas para correção do astigmatismo pós-transplante incluem ressecção em cunha, incisões
relaxantes, suturas de compressão, anel intraestromal e as cirurgias refrativas com o excimer
laser (PRK e LASIK). O principal fator limitante desses procedimentos é a menor precisão do
resultado quando comparados aos pacientes de rotina.
Nos casos onde apenas o astigmatismo é o fator limitante, não existindo um componente
esférico signifícante, as incisões relaxantes representam boa opção. Trata-se de uma técnica
fácil, rápida e de baixo custo. Incisões realizadas por dentro da cicatriz exercem efeito maior.
Incisões realizadas por fora da junção doador/receptor resultam em efeito menor. Os nomo-
gramas de incisão relaxante têm pouca validade nos transplantes, pois as forças envolvidas
diferem das córneas normais. Deve-se ter cuidado para não ultrapassar um quadrante de ex­
tensão, e a profundidade deve ser medida no local onde se pretende situar as incisões. Devido
a irregularidades significativas na espessura na junção entre doador/receptor, aconselha-se
evitar a cicatriz para colocar as incisões relaxantes, a não ser que, propositalmente, se queira
Astigmatismo 131

Diopt 10 12 0 10 1 17 7 20.3 22 0 20 4 28 30 0 33 1 30 7 38 3 40 8 43 4 40 48 0 01 1 03 7 00 3 08 8 01 4 04 00 0

Fig. 13 Imagens sequenciais de redistribuição de sutura com controle topográfico intraoperatório do astig­
matismo. (Imagem cedida por Dr. Paolo Vinciguerra, Milão - Itália.)

um grande efeito planejando-se abrir toda a junção com colocação de nova sutura. Por vezes,
esse plano é potencializado com a rotação do enxerto.
O implante de segmentos semicirculares dentro do estroma do botão corneano doador é
outra opção. Essa alternativa deve ser reservada para astigmatismos progressivos e de grande
magnitude que não possam ser corrigidos com o excimer laser, tampouco com as incisões rela-
xantes e suturas compressivas. A precisão cirúrgica ainda é a grande limitação dessa técnica,
e os resultados são controversos.
Cirurgias ablativas corneanas com o excimer laser em todas as suas variantes oferecem
maior precisão. Mesmo assim, a precisão é menor do que a obtida em córneas normais não
transplantadas.
Entre esses métodos, o LASIK tem recebido destaque devido à praticidade. Existem rela­
tos consistentes na literatura da diminuição do astigmatismo e do componente esférico com
consequente melhora da acuidade visual. O LASIK pode ser realizado em dois tempos, ou seja,
realizar apenas a microceratotomia superficial (flap), reavaliar a refração e, em um segundo
tempo, aplicar o excimer laser. Já o PRK exige a aplicação de controladores da cicatrização,
como a mitomicina, para evitar a formação de nubécula superficial (haze) pós-operatória. É im­
portante ressaltar que, muitas vezes, o objetivo principal da cirurgia refrativa pós-transplante
é a melhora das condições corneanas para uma adaptação do paciente aos óculos ou lentes de
contato, e não a busca pela visão 20/20 sem correção, como na cirurgia refrativa convencional.
Em resumo, o controle do astigmatismo pós-transplante de córnea persiste, sendo um
grande desafio. Deve-se iniciar no pré-operatório, com uma boa avaliação das córneas recep-
132 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

tora e doadora e planejamento cirúrgico com o adequado tamanho do botão. Segue, no perio-
peratório, com uma adequada técnica cirúrgica, dando-se especial atenção à trepanação, e, no
pós-operatório precoce, com o controle das suturas, ou tardio com a realização de procedi­
mentos complementares. A grande novidade nesse campo foi a introdução do femtosecond laser
para a trepanação corneana. Estudos de acompanhamento em longo prazo serão necessários
para comprovar o benefício de um equipamento substancialmente dispendioso.

BIBLIOGRAFIA
Arffa RC. Comment on: Busin M, Zambianchi L, Franceschelli F, Lamberti G, Al-Naweiseh I. Intraoperative cauterization of
the cornea can reduce postkeratoplsty refractive error in patients with keratoconus. Ophthalmology, 1998; 105:1524-
BO.

Behrens A, Seitz B, Kuchle M e t al. "Orientation teeth" in nonmechanical laser corneal trephination for penetrating kerato­
plasty: 2,94 pm Er:YAG vs 193nm ArF excimer laser. Br J Ophtahlmol, 1999; 83:1008-12.

Binder PS. Selective suture removal can reduce postkeratoplasty astigmatism. Ophthalmol, 1985; 92:1412-6.

Binder PS. The effect of suture removal on postkeratoplasty astigmatism. Am J Ophthalmol, 1988; 105:637-45.

Burk LL, Waring GO III, Harris DJ Jr. Simultaneous and sequential selective suture removal to reduce astigmatism after pen­
etrating keratoplasty. Refract Corneal Surg, 1990; 6:179.

Busin M, Arffa RC. Deep suturing technique for penetrating keratoplasty. Cornea, 2002; 21 (7):680-4.

Busin M, Zambianchi L, Franceschelli F, Lamberti G, Al-Naweiseh I. Intraoperative cauterization of the cornea can reduce
postkeratoplsty refractive error in patients with keratoconus. Ophthalmol, 1998; 105:1524-30.

Chang DH, Hardten DR. Refractive surgery after corneal transplantation. Curr Opin Ophthalmol, 2005;16(4):251-5.

Claessom M, Armitage WJ eta/. Visual outcome in corneal grafts: a preliminary analysis of the Swedish Corneal Transplant
Register. Br J Ophthalmol, 2002; 86:174-80.

Eliason JA, McCulley JP. A comparison between interrupted and continuous suturing techniques in keratoplasty. Cornea,
1990; 9:10-6.

Filatov V, Steinert RF,Tálamo JH. Postkeratplasty astigmatism with single running suture or interrupted sutures. Am J Oph­
thalmol, 1993; 115:715-21.

Gasset AR, Kaufman HE.Themokeratoplasty in the treatment of keratoconus. Am J Ophthalmol, 1975; 79:226-32.

Geggel HS. Technique to minimize assymetric suture placement during penetrating keratoplasty Cornea, 2002; 21(1):
17-21.

Hoppenheijs VP, Van Rij G, Beekhuis WH e t a l . Causes of high astigmatism after penetrating keratoplasty. Doc Ophthalmol,
1993; 85:21-34.

Karabatsas e t a l. Combined interrupted and continuous versus single continuous adjustable suturing in penetrating kera­
toplasty: a prospective, randomized study of induced astigmatism during the first postoperative year. Ophthalmology,
1998; 105:1991-8.

Kaufman HE. The cornea. New York: Churchill/Livingstone, 1988; 732-7, 765-70.

Kim K, Leon S, Edelhauser HF. Invest Ophthalmol Vis Sci, 1996; 37(suppl):84.

Kirkness CM, Ficker LA, Steele AD e t a l . The success of penetrating keratoplasty for keratoconus. Eye, 1990;4:673-88.

Koch JW, Lang GK, Naumann GOH. Endothelial reaction to perforating and non-perforating excimer laser excisions in rab­
bits. Refract Corneal Surg, 1991; 7:214-22.

Koralewska-Makar A, Floren I, Stenevi U. The results of penetrating keratoplasty for keratoconus. Acta Ophthalmol, (Co-
penh), 1996; 74:187-90.

Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Cornea, 1997; St. Louis: Mosby. Vol 3, Chapter 133: Suturing techniques.
Astigmatismo 133

KrachmerJH, Mannis MJ, Holland EJ. Cornea, 1997; St. Louis: Mosby.Vol 3, Chapter 130, p 1581.

Langenbucher A, Seitz B, Kus MM e t o l. Graft decentration in penetrating keratoplasty - Nonmechanical trephination with
the excimer laser (193 nm) versus the motor trephine. Ophthalmic Surg Lasers, 1998; 29:106-13.

Langenbucher A, Seitz B, Kus MM e t a l . Transplantatverkippung nach perforierender keratoplastik - Vergleich zwisch-


en nichtmechanischer trepanation mittels excimerlaser und motortrepanation. Klin Monatsbl Augenheilkd, 1998;
212:129-40.

Lanier JD, Bullington RH Jr, PragerTC. Axial length in keratoconus. Cornea, 1992; 11:250-4.

Lima GE, Moreira H. LASIKto Correct Myopia, Hypermetropia and Astigmatism After Penetrating Keratoplasty for Kerato­
conus: a series of 27 cases. Can J Ophthalmol, 2001; 36:391-6.

McNeill Jl, Kaufman HE. A double running suture technique for keratoplasty: earlier visual rehabilitation. Ophthalmic Surg,
1977; 8:58-61.

McNeill Jl, Aaen VJ. Long-term results of single continuous suture adjustment to reduce penetrating keratoplasty astig­
matism. Cornea, 1999; 18:19-24.

Musch DC, Farjo AA, Meyer RF e t a l . Assessment of health-related quality of life after corneal transplantation. Am J Oph­
thalmol, 1997; 124:1-8.

Nabors G, Vander Zwaag R, Van Meter WS, Wood TO. Suture adjustment for postkeratoplasty astigmatism. J Cataract Re­
fract Surg, 1991; 17:547-50.

Naumann GOH. Comparison of suture-in and suture-out post-keratoplasty astigmatism with single running suture or
combined running and interrupted sutures (letter). Am J Ophthalmol, 1997; 123:715-6.

Olson RJ. The effect of scleral fixation ring placement and trephine tilting on keratoplasty wound size and donor shape.
Ophtahlmic Surg, 1981; 12:23-6.

Perlman EM. An analysis and interpretation of refractive errors after penetrating keratoplasty. Ophthalmol, 1981; 88:39-45.

Price FW Jr, Whitson WE, Marks RG. Graft survival in four common groups of patients undergoing penetrating keratoplasty,
Ophthalmology, 1991;98:322-8.

Ramirez M, Hodge DO, Bourne WM. Keratometric results during the first year after keratoplasty: adjustable single running
suture technique versus double running suture technique. Ophthalmic Surg Lasers, 2001; 32(5):370-4.

Sarhan AR, Dua HS, Beach M. Effect of disagreement between refractive, keratometric, and topographic determination of
astigmatic axis on suture removal after penetrating keratoplasty. Br J Ophthalmol, 2000; 84(8):837-41.

Seitz B, Langenbucher A, Kus MM, Kuchle M, Naumann GOH. Nonmechanical corneal trephination with the excimer laser
improves outcome after penetrating keratoplasty. Ophthalmology, 1999; 106:1156-65.

Shimazaki J, Shimmura S,Tsubota K. Intraoperative versus postoperative suture adjustment after penetrating keratoplasty.
Cornea, 1998; 17:590-4.

Stainer GA, Perl T, Binder PS. Controlled reduction of postkeratoplasty astigmatism. Ophthalmol, 1982; 89:668-76.

Swinger CA. Postoperative astigmatism (review). Surv Ophthalmol, 1987;31:219-48.

Troutman RC, Gaster RN. Surgical advances and results of keratoconus. Am J Ophthalmol, 1980; 90:131 -6.

Troutman RC, Swinger CA, Belmont S. Selective positioning of the donor cornea in penetrating keratoplasty for keratoco­
nus postoperative astigmatism. Cornea, 1984; 3:135-9.

Tuft SJ, Fizke FW, Buckley RJ. Myopia following penetrating keratoplasty for keratoconus. Br J Ophthalmol, 1992; 76:642-5.

Vail SM, Gore BA e t a l . Conclusions of the corneal transplant follow up study. Br J Ophthalmol, 1997; 81:631-6.

Vajpayee RB, Sharma V, Sharma N, Panda A, Taylor HR. Evaluation of techniques of single continuous suturing in penetrat­
ing keratoplasty. Br J Ophthalmol, 2001; 85:134-8.

Van Rij G, Waring GO. Configuration of corneal trephine opening using five different trephines in human donor eyes. Arch
Ophthalmol, 1988; 106:1228-33.

Van Meter WS, Gussler JR, Soloman KD, Wood TO. Post-keratoplasty astigmatism control. Single continuous suture adjust­
ment versus selective interrupted suture removal. Ophthalmology, 1991; 98:177-83.
134 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Waring GO, Kenyon KR, Gemmill MC. Results of anterior segment reconstruction for aphakic and pseudophakic corneal
edema. Ophthalmol, 1988; 95:836-41.

Wilbanks GA e t o l . Clinical outcomes following penetrating keratoplasty using the Barron-Hessburg and Hanna corneal
trephination system. Cornea, 1996; 15(6):589-98.

Williams KA, Muehlberg SM, Bartlett CM e t o l . Australian Corneal Graft Register 1999 Report. Adelaide, 2000.

Wilson SE, Bourne WM. Effect of recipient-donor trephine size disparity on refractive error in keratoconus. Ophthal­
mol, 1989; 96:299-305.

Wu WC, Stark WJ, Green WR. Corneal wound healing after 193-nm excimer laser keratectomy. Arch Ophthalmol, 1991;
109:1426-32.

Yue-Kong-Au, Mahjoub SB, Hart JC. Suture patterns and cornea graft rotation in the cadaver eye. Ophthalmic Surg, 1990;
8:58-61.

Yoo SH, Humeric V. Femtosecond laser-assistend keratoplasty. Am J Ophthalmol, 2011; 151:189-91.


Rejeição e Falência

PAULO ELIAS CORREA DANTAS • DENISE FORNAZARI DE OLIVEIRA


ROSANE SILVESTRE DE CASTRO • NEWTON KARA-JOSÉ
CINARA SAKUMA DE OLIVEIRA • MÁRCIO ZAPPAROLI • CÁSSIO VENDRAMIN

Apesar de o transplante de córnea desfrutar de certo grau de privilégio imunológico, a rejei­


ção imune ainda prevalece como a principal causa de falência secundária. A base imunológica
para essa rejeição foi estabelecida em modelo animal há mais de 50 anos, porém ainda exis­
tem grandes lacunas no conhecimento com relação aos mecanismos celulares e moleculares
envolvidos nesse processo imune. A grande variabilidade existente no sistema imune dos ma­
míferos acaba por criar condições favoráveis a mecanismos imunes múltiplos e independentes
que culminam na rejeição. Apesar de existirem poucos conceitos sólidos acerca do tema, é
certo que a rejeição imune dos enxertos corneanos é: 1) mediada por células T; 2) altamente
dependente de células T CD4 (+ ); 3) ausência de exclusividade entre as populações de células
Thl ou Th2; e 4) dependência de um repertório intacto de células apresentadoras de antígeno
do hospedeiro.
A córnea possui uma variedade de antígenos que pode desencadear uma resposta imune.
Entre eles, o mais importante é o HLA classe II, mais especificamente HLA-DR em humanos. Es­
ses antígenos estão presentes na superfície de células B, macrófagos, células de Langerhans e
alguns linfócitos T. Esse antígeno não está normalmente presente no endotélio, mas processos
inflamatórios na córnea, como o provocado por um ponto exposto ou desepitelização, podem
induzir à formação de HLA classe II nas células endoteliais, facilitando o processo de rejeição.
Entretanto, no caso de pacientes de alto risco para rejeição, nota-se menor importância do
HLA nesse processo, quando comparado a transplantes de órgãos.
O epitélio é muito mais antigênico que o estroma segundo Remky. Em sua opinião, o es-
troma do doador quase não exerce influência no início do processo de rejeição. A quantidade
de linfáticos da superfície ocular influencia na habilidade do hospedeiro em reconhecer antí­
genos não próprios, e o grau de vascularização corneana influencia a habilidade de reconhecer
antígenos das células linfoides efetoras ao sítio de rejeição. Por esse motivo, é de observar que
a linha de rejeição usualmente tem início no local de maior vascularização.

135
136 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Uma vez alcançado o limbo, o antígeno entra nos linfáticos da conjuntiva e se dirige aos
linfonodos regionais, onde é processado e reconhecido pelos linfócitos T.
A rejeição do enxerto é um fenômeno imunologicamente mediado e que pode ocorrer a
qualquer momento após a cirurgia, embora seja mais frequente durante o primeiro ano. Fa­
tores que provoquem reação inflamatória localizada podem ser considerados desencadeantes
do processo. Entre eles, pode-se destacar a presença de suturas frouxas ou apertadas, degrau,
defeito epitelial crônico, olho seco e outros. Esses fatores provocam a liberação de gama-
interferon, que estimula a expressão dos antígenos no botão doador, facilitando o reconhe­
cimento do tecido pelo sistema imune do receptor. A rejeição pode manifestar-se de formas
clínicas distintas, dependendo da camada corneana envolvida. Ela pode ocorrer no epitélio,
endotélio ou estroma.
Causa de grande confusão, inclusive entre especialistas, os termos rejeição e falência re-
ferem-se a situações diferentes.
Como o próprio nome sugere, fa lê n c ia significa falha em cumprir uma função. No caso do
tecido corneai, basicamente, falha em manter-se opticamente útil, transparente.
A descompensação endotelial é o denominador comum entre todos os fatores que levam
à falência corneana.
Pode ocorrer precocemente e, geralmente, estar associada às condições inadequadas pri­
márias do tecido doador ou à sua preservação e manipulação cirúrgica, sendo chamada então
de fa lê n c ia p rim á ria , que, clinicamente, caracteriza-se por edema de córnea grave detectado
imediatamente após a cirurgia, sem que a córnea se torne transparente posteriormente, inde­
pendentemente do tratamento estabelecido.
Em contraste, a fa lê n c ia se cu n d á ria ou tardia ocorre após um período de córnea doadora
clara, transparente e pode estar associada a fatores predisponentes, como hipertensão ocular
não controlada, traumatismo ocular posterior ao procedimento, recidiva da doença que levou
ao transplante e processos inflamatórios graves, entre eles a re je içã o . Ou seja, re je içã o im u-
n o ló g ic a pode levar à fa lê n c ia se cu n d á ria do tecido doador.
Na falência endotelial secundária ou tardia não associada à rejeição, o enxerto torna-se
edemaciado, sem sinais inflamatórios, meses ou anos após a cirurgia.
A r e je iç ã o , por sua vez, caracteriza-se por processo inflamatório de caráter imune, em
resposta ao reconhecimento pelas células de defesa do conteúdo proteicamente diferente da
córnea doadora. Como há necessidade de reconhecimento imunológico do tecido estranho
por parte das células do receptor, sempre há um período de córnea livre de rejeição, que po­
deríamos estimar em 1 mês, aproximadamente, em transplantes penetrantes totais conven­
cionais. Em condições normais, deveremos encontrar processos imunes tipo rejeição tecidual
somente após esse período.
Outra diferença é que a re je içã o pode ser setorial, ou seja, afetar somente o epitélio e su-
bepitélio, somente o estroma ou o endotélio. Daí manifestar-se clinicamente com achados lo­
calizados, tais como linhas de rejeição epitelial e edema superficial (rejeição ep itelia l) (Fig. 1),
infiltrados subepiteliais (rejeição subepitelial), edema estromal e infiltração celular do estroma
(na rara re je içã o e stro m al) e linhas de rejeição endotelial ou de Kodadhoust e precipitados
ceráticos (rejeição e n d o te lia l) (Fig. 2).
Rejeição e Falência 137

Fig.1 Linha de rejeição epitelial e edema superficial. (Iconoteca


da Secção de Córnea e Doenças Externas, Departamento de
Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo.)

Fig.2 Linha de rejeição endotelial. (Kodadhoust.) (Cortesia do


Dr. Richard L. Abbott, Universidade da Califórnia, San Francisco,
EUA.)

É bom lembrar que, após 13 meses, aproximadamente, o epitélio da córnea doadora é


completamente substituído por um novo epitélio com características proteicas do receptor,
isentando-o de rejeição epitelial após esse período.
Os fatores que podem estar associados e predispor à rejeição são vascularização estromal,
presença de sinequias anteriores em mais de dois quadrantes, cirurgia ocular prévia, inflama­
ção intraocular concomitante, hipertensão ocular, recidiva de herpes simples, queimaduras
químicas e pacientes jovens.
Alguns fatores estão relacionados a maior risco de rejeição: presença de neovasos na
córnea receptora, idade do receptor (quanto mais jovem, maior o risco de rejeição); diâmetro
grande do transplante (devido à proximidade com os vasos sanguíneos adjacentes à perife­
ria da córnea); botão descentrado; inflamações oculares preexistentes; aumento da pressão
intraocular antes e depois do transplante; falência de transplantes prévios; e experiência do
cirurgião.
Estudos têm mostrado que pacientes jovens (com menos de 40 anos) têm maior risco para
rejeição. A vascularização estromal é considerada clinicamente mais relevante que a presença
de vasos superficiais. Como resultado dessa observação, a identificação de dois ou mais qua­
drantes de vasos estromais é considerada de alto risco para o transplante. Também o contato
direto da córnea doadora com o sistema vascular do receptor através de sinequias anteriores
aumenta o risco da rejeição.
Os transplantes de diâmetro grande e os descentrados são mais suscetíveis à rejeição
pela proximidade com vasos limbares e, também, pela presença de células imunocompetentes
nessa região.
138 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Inflamação ocular e história prévia de glaucoma estão associadas a maior risco de rejeição.
Portanto, é imperativo que a inflamação ativa e a pressão intraocular no olho a ser operado
sejam controladas previamente ao transplante.
Outros diagnósticos pré-operatórios estão relacionados com maior probabilidade de re­
jeição no transplante de córnea: herpes simples ocular e queimadura química.
Cirurgias oculares prévias são fatores de risco, principalmente transplantes anteriores
com falência secundária à rejeição. Estudos mostram aumento de 8 para 40% nas taxas de re­
jeição quando há dois ou mais transplantes anteriores.
Quando qualquer fator complicador estiver presente, deve-se considerar o paciente como
de risco alto para novos procedimentos, e tratamento adequado deve ser instituído com obje­
tivo de diminuir complicações pós-operatórias.
Várias estratégias para prevenir a rejeição no transplante de córnea têm sido exploradas,
tais como estudos de histocompatibilidade, manipulação de antígenos de expressão ou admi­
nistração oral de antígenos antes do transplante. No entanto, ensaios clínicos são necessários
para validar essas abordagens.
Apesar dos avanços medicamentosos atualmente disponíveis para o tratamento da rejei­
ção, medidas preventivas pré-operatórias devem ser tomadas, iniciando-se por uma seleção
cuidadosa e criteriosa dos candidatos, levando-se em conta os fatores de risco citados ante­
riormente.
Ciclosporina tópica e tacrolimo podem ser considerados para o pós-operatório. Imunos-
supressão sistêmica é uma opção para pacientes de olho único com alto risco, com bom esta­
do geral e com acompanhamento clínico rigoroso.
Estudos que procuram identificar a compatibilização doador/receptor em relação ao gru­
po sanguíneo (ABO e Rh) e ao antígeno de histocompatibilidade (HLA-A, HLA-B e HLA-DR) não
têm influenciado a incidência dos episódios de rejeição no transplante de córnea. Um estudo
realizado nos EUA, denominado de Collaborative Corneai Transplantation Studies (CCTS), teve o
objetivo de determinar se a histocompatibilidade entre doadores e receptores para transplan­
te de córnea reduz a incidência de rejeição em pacientes de alto risco. Concluiu-se que o siste­
ma HLA não influencia a ocorrência de rejeição em casos de córneas vascularizadas. Concluiu-
se que altas doses de corticoide tópico por vários meses no pós-operatório podem melhorar a
sobrevida do transplante (Referencia CCTS - Collaborative Corneai Transplantation Studies).
Estudo realizado por Hill demonstrou que, em transplantes de córnea de alto risco, a taxa
de sobrevivência do enxerto melhorou muito com o uso de ciclosporina sistêmica associada
com corticosteroides tópico e sistêmico (89%), quando comparada com o uso de corticosteroi-
de tópico isoladamente (10%). Esse estudo também mostrou que o efeito máximo foi obtido
quando a ciclosporina foi usada por 12 meses em vez de 6 meses, resultando em uma taxa de
sobrevivência do enxerto de 93% versus 69%, respectivamente. Ciclosporina tópica tem sido
útil em várias séries de casos em prevenir a rejeição em transplantes de alto risco. Entretanto,
é necessária a realização de mais estudos clínicos controlados para confirmar a eficácia da ci­
closporina tópica nesses casos.
A córnea apresenta rejeição com menor frequência do que outros tecidos ou órgãos trans­
plantados, originando o conceito de “privilégio imunológico da córnea” e de que os enxertos
de córnea estariam relativamente protegidos de destruição pelo sistema imune. Esse “privilé­
gio imunológico” é o resultado de um relativo isolamento ao sistema imune devido à ausência
Rejeição e Falência 139

de vasos linfáticos e vascularização na córnea em seu estado normal. Quando há vasculari­


zação no leito receptor, o enxerto é rejeitado com maior frequência do que no leito corneai
avascular.
No transplante penetrante de córnea, o endotélio transplantado induz uma tolerância
imunológica por meio do desvio imune associado à câmara anterior (anterior chamber-associa­
ted immune deviation -ACAID) que envolve o desenvolvimento de células T supressoras.
Há liberação de antígenos das células endoteliais doadoras no humor aquoso que, pre­
sumivelmente, são reconhecidos pelas células dendríticas da íris e corpo ciliar, tais células
apresentadoras de antígenos entram na circulação venosa através do canal de Schlemm e veias
aquosas e induzem a formação de células T reguladoras no baço.
Os sintomas iniciais da rejeição são desconforto, baixa visual, lacrimejamento e hipere-
mia. Cabe ao médico alertar o paciente e seus familiares quanto a esses sintomas, especial­
mente se eles se prolongarem por 1 dia ou mais. A rejeição do transplante de córnea é uma
manifestação que exige um diagnóstico precoce e correto tratamento, tornando mais rápida
e fácil a reversão do quadro.
Casos leves de rejeição devem ser tratados com esteroides tópicos até a melhora do qua­
dro. O corticoide tópico escolhido deve apresentar boa penetração ocular, como acetato de
prednisolona a 1% ou dexametasona alcoólica a 0,1%, e a dose utilizada pode variar de 15/15
min até 2/2 h, dependendo da gravidade do caso. Deve-se manter o tratamento durante pelo
menos 3 semanas para se concluir que uma córnea está irreversivelmente opacificada. Casos
mais graves poderão ser tratados com associações de esteroides por via subconjuntival, oral
ou endovenosa, na forma de pulsoterapia, de acordo com a gravidade do quadro. Estudos
sugerem que a aplicação intravenosa de 500 mg de metilprednisolona em dose única é mais
efetiva e melhor tolerada que doses diárias de prednisolona oral (60 a 80 mg), quando combi­
nada com corticosteroide tópico. Quando os pacientes foram tratados até 8 dias após o início
dos sintomas, a taxa de sobrevivência dos enxertos foi de 92% versus 55%.
Ciclosporina A para uso sistêmico é útil na prevenção da rejeição em pacientes de risco,
porém efeitos colaterais limitam a utilização desse fármaco.
Pesquisas têm sido realizadas com o objetivo de gerar novas perspectivas nesse campo.
Agentes imunossupressivos como a ciclosporina, tacrolimo e micofenolato de mofetila têm
melhorado o resultado do transplante quando usados via sistêmica, mas existem efeitos co­
laterais graves, como alteração na função renal e na hepática. Por essa razão, é necessário o
acompanhamento do clínico experiente no uso desses fármacos.
Ciclosporina A para o tratamento de rejeição endotelial, tanto por via oral quanto por
via tópica, tem sido defendida por alguns autores. Mais recentemente, também, o uso de
tacrolimo pomada a 0,03% tem sido constante. Da mesma forma, estudos experimentais têm
sido realizados utilizando-se imunossupressores, como o FK-506, micofenolato de mofetila e
aminoguanidina, para prevenção da rejeição em situações de risco. Resultados de pesquisas
experimentais envolvendo utilização de anticorpos monoclonais e terapia gênica ainda não
podem ser aplicados na prática clínica diária; costicosteroide tópico, portanto, continua sen­
do o fármaco de escolha para prevenção e tratamento dos casos de rejeição pós-transplante
de córnea.
140 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Nos casos de falência associados à rejeição imunológica, com a detecção precoce do qua­
dro de rejeição e uso adequado da medicação imunossupressora, consegue-se, na maioria das
vezes, manter o botão doador transparente e evita-se um retransplante.
Nos casos que, mesmo após tratamento imunossupressor, persista edema de córnea in­
tenso por falência da função endotelial ou haja comprometimento da transparência do tecido
doador, indicamos novo transplante, que será tratado como transplante de alto risco. Isto
significa maior rigor na imunossupressão pré e pós-cirúrgica, e observação atenta das suturas
para removê-las na presença de neovasos. O controle prévio de fatores predisponentes como
neovascularização de córnea, ou processos inflamatórios crônicos, é fundamental. Observar
possível existência de hipertensão ocular e edema de mácula nesses pacientes é importante,
pois o estado clínico de falência imunológica da córnea sempre está associado a uma reação
inflamatória intraocular.
Nos casos de falência primária, ou seja, o botão doador nunca ficou sem edema após o
procedimento cirúrgico, indicamos retransplante imediato para evitar reconhecimento imuno-
lógico desse tecido. Isso pode ser feito, dentro das normas estabelecidas pelo Sistema Nacio­
nal de Transplantes, em um período de até 90 dias.
Em geral, córneas que, após 1 mês de tratamento, não apresentem transparência adequa­
da permanecerão opacas e irão necessitar nova cirurgia.

BIBLIOGRAFIA
BorderieVM, Scheer S, BourcierT,Touzeau O, Laroche L Tissue crossmatch before corneal transplantation. BrJ Ophthalmol,
2004 Jan; 88(1):84-7.

Coster DJ, Williams KA.The impact of corneal allograft rejection on the long-term outcome of corneal transplantation. Am
J Ophthalmol, 2005 Dec; 140(6):1112-22.

Coster DJ, Jessup CF, Biotech B, Williams KA. Mechanisms of corneal allograft rejection. Ocul Surf, 2005 Oct; 3(4 suppl):S165-8.

George AJ, Larkin DF. Corneal transplantation: the forgotten graft. Am J Transplant, 2004 May; 4(5):678-85.

Hirai FE, Stefan K, Pacini KM, Sato EH. Falência primária pós-transplante de córnea em serviço universitário. Arq Bras Oftal-
mol, 2002; 65(6):655-7.

Niederkorn JY. Immune mechanisms of corneal allograft rejection. Curr Eye Res, 2007 Dec; 32(12):1005-16.

Niederkorn JY.The immune privilege of corneal grafts. J Leukoc Biol, 2003 Aug; 74(2):167-71.

Nishimura JK, Hodge DO, Bourne WM. Initial endothelial cell density and chronic endothelial cell loss rate in corneal trans­
plants with late endothelial failure. Ophthalmol, 1999; 106(10):1962-5.

Price MO, Thompson RW Jr, Price FW Jr. Risk factors for various causes of failure in initial corneal grafts. Arch Ophthalmol,
2003 Aug; 121(8)4 087-92.

Randleman JB, Stulting RD. Prevention and treatment of corneal graft rejection: current practice patterns (2004). Cornea,
2006 Apr; 25(3):286-90.

Smolin G, O'Connor GR. Ocular Imunology, 2nd ed., cap 6. Boston: Litte Brown, p 273-306,1986.

Sonoda KH, Taniguchi M, Stein-Streilein J. Long term survival of corneal allografts is dependent on intact CD1d-reactive
NKT cells. J Immunol, 2002; 168:2028-34.

Svozílková P, Bysterskà P, Masek K, Valenta Z, Zvárová J, Farghali H. Comparison of FK 506, mycophenolate mofetil, and
aminoguanidine effects on delay of corneal allograft rejection in an experimental model of low-risk and high-risk kera­
toplasty. Immunopharmacol, 2006; 28(2):335-40.
Rejeição e Falência 141

Wilhelmus KR, Stulting RD, Sugar J, Khan MM. Primary corneal graft failure. A national reporting system. Arch Ophthalmol,
1995; 113(12):1497-502.

Young AL, Rao SK, Cheng LL, Wong AK, Leung AT, Lam DS. Combined intravenous pulse méthylprednisolone and oral cy­
closporine A in the treatment of corneal graft rejection: 5-year experience. Eye, 2002; 16(3):304-8.

Van Rensburg PD, Raber IM, Laibson PR, Eagle RC Jr. Management of primary corneal graft failure. Cornea, 1998; 17(2):
208-11.
Glaucoma

HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA

O exame pré-operatório dos pacientes candidatos à ceratoplastia penetrante deve constar


de minuciosa anamnese, cuidadoso exame biomicroscópico e, quando exequível, medida da
pressão intraocular e avaliação do fundo de olho. O campo visual, quando indicado e factível,
deve ser sempre tentado.
Na anamnese, deve-se dedicar especial atenção à presença de glaucoma, tipo, duração, es­
tádio de evolução, qualidade do controle, fármacos em uso, cirurgias realizadas etc. Devem-se
obter detalhes sobre a doença básica responsável pela indicação de transplante: ceratopatia
bolhosa afácica ou não, trauma, ceratite etc.
O exame biomicroscópico possibilitará estudar detalhadamente as características das le­
sões do segmento anterior: extensão das cicatrizes nos casos de traumas, alterações irianas,
presença de vítreo na câmara anterior etc.
A biomicroscopia ultrassónica poderá fornecer informações valiosas acerca das estruturas
do segmento anterior.
O exame do fundo de olho é possível, ainda que precário, em um número expressivo de
olhos candidatos à ceratoplastia. Quando não for exequível, está indicado um estudo ecográ-
fico, que fornecerá informações sobre estruturas intraoculares, posição do cristalino, e até
mesmo uma extensa escavação glaucomatosa pode ser diagnosticada.
A perimetria computadorizada é frequentemente não confiável em pacientes com acen­
tuada baixa visual. Já a perimetria manual (Goldmann) é exequível na maioria dos olhos, e in­
formações importantes podem ser obtidas para estabelecer um prognóstico visual adequado.
Uma das complicações mais sérias associadas à ceratoplastia penetrante é o glaucoma,
devido à sua frequência, gravidade da doença e à dificuldade de diagnóstico e tratamento.
Aldave et al. reportam que, de 156 pacientes transplantados que necessitaram nova cerato­
plastia penetrante, 94 (60,3%) eram portadores de glaucoma. O glaucoma é a segunda causa
mais frequente de insucesso da ceratoplastia, vindo logo após a rejeição do transplante. Com

143
144 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

a diferença de que, na rejeição do transplante, há, quase sempre, a oportunidade de uma nova
cirurgia, e, no glaucoma, é grande o risco de prejuízo visual irrecuperável, se não for diagnos­
ticado em tempo hábil e tratado convenientemente.

CLASSIFICAÇÃO

Os glaucomas associados à ceratoplastia penetrante são divididos em dois grandes grupos:


aqueles com glaucoma preexistente e aqueles com glaucoma secundário à cirurgia do trans­
plante de córnea. Teoricamente, o paciente candidato à ceratoplastia pode ser portador de
qualquer forma de glaucoma, primário ou secundário. Obviamente, algumas formas de glau­
coma secundário são mais frequentes por estarem associados a alterações corneanas passíveis
de indicação para transplante. Já os glaucomas secundários à ceratoplastia penetrante com­
preendem aqueles relacionados especificamente com a cirurgia do transplante.

GLAUCOMAS ASSOCIADOS À CERATOPLASTIA PENETRANTE

Glaucoma preexistente
a) Primário (ângulo aberto, ângulo fechado e congênito).
b) Secundário:
1. Não relacionado às alterações corneanas.
2. Relacionado às alterações corneanas:
- Congênitas (microcórnea, goniodisgenesias e esclerocórnea).
- Inflamatórias (uveites anteriores e ceratites).
- Traumáticas (queimaduras químicas, traumas contusos e perfurantes).
- Pós-cirúrgicas (complicações da cirurgia de catarata etc.).

Glaucoma secundário à ceratoplastia penetrante


a) Colapso trabecular.
b) Fechamento angular.
c) Bloqueio pupilar.
d) Bloqueio ciliar.
d) Inflamação intraocular.
e) Hifema/glaucoma eritroclástico.
f) Glaucoma facogênico.
g) Glaucoma cortisônico.

O controle do aumento da pressão intraocular após o transplante de córnea irá depender


do grau de elevação e causa subjacente, conforme a seguir:
Glaucoma 145

Hipertensão ocular transitória


A conspícua elevação da pressão intraocular, que ocorre com frequência no pós-operatório imedia­
to da ceratoplastia penetrante, principalmente em olhos afácicos, está relacionada com a inflama­
ção pós-operatória, uso de substâncias viscoelásticas, compressão do sistema de drenagem e co­
lapso da malha trabecular. Esses olhos devem ser medicados convenientemente: (3-bloqueadores,
derivados das prostaglandinas, inibidores da anidrase carbônica de usos tópico ou sistêmico e,
eventualmente, agentes hiperosmóticos. Essa elevação da pressão intraocular, frequentemente
acentuada, tende a ser transitória e a maioria desses olhos não necessitará tratamento prolongado.

Hipertensão ocular persistente


A elevação persistente da pressão intraocular no pós-operatório tardio da ceratoplastia pene­
trante, seja devido a glaucoma prévio ou secundário à cirurgia de transplante, necessitará do
tratamento adequado, clínico ou cirúrgico.

TRATAMENTO CLÍNICO

O controle do glaucoma nos pacientes submetidos à ceratoplastia penetrante pode apresentar


dificuldade quanto à medida da pressão intraocular, avaliação da pupila e exame do campo
visual, mas esse acompanhamento deve ser realizado rigorosamente, sempre que exequível.
O tratamento clínico deve ser iniciado com um (3-bloqueador, por ser um fármaco com baixa
incidência de efeitos colaterais e sua ação mostrar-se satisfatória em um número significativo
de pacientes portadores de glaucoma associado à ceratoplastia. São especialmente eficazes
nos casos de ângulo fechado pela sua ação de diminuição da produção de humor aquoso. Em
seguida, se necessário, pode-se acrescentar a brimonidina ou mesmo a pilocarpina, que é bem
tolerada em pacientes idosos e em afácicos, mas são de pouca ou nenhuma valia se o ângulo
camerular está ocluído por sinequias. Todavia, deve-se evitar o uso da pilocarpina em olhos
com uveíte em atividade porque pode agravar a congestão e o desconforto oculares.
A dorzolamida é também uma opção; no entanto, existem relatos de descompensação cor-
neana e devem ser evitadas em pacientes com transplante de córnea com tendência a rejeição
ou com endotélio comprometido. Os inibidores da anidrase carbônica de uso sistêmico podem
ser prescritos e são particularmente úteis nos tratamento dos picos hipertensivos no pós-ope­
ratório imediato, mas a maioria dos pacientes não tolera o seu uso mais prolongado devido aos
efeitos colaterais: anorexia, fraqueza muscular, parestesias etc. Os análogos das prostaglandinas
são excelentes hipotensores oculares e, aparentemente, isentos de efeitos colaterais sistêmicos.
Devem ser evitados em pacientes com história de ceratite herpética e ser administrados com
cautela em paciente afácicos e pseudofácicos pelo risco de edema macular cistoide.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

O tratamento cirúrgico está indicado se a elevação da pressão intraocular persiste em níveis


inadequados a despeito do tratamento clínico.
146 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Por algum tempo, a ciclodiálise foi considerada a cirurgia adequada; no entanto, o índice
de sucesso é pobre. Também a trabeculectomia clássica, sem antimetabólitos, tem resultados
limitados. Vários fatores contribuem para o alto índice de falência das cirurgias filtrantes: cica­
trizes conjuntivais de cirurgias prévias, sinequias anteriores periféricas e afacia.
Na nossa experiência, a primeira cirurgia a ser tentada deve ser a trabeculectomia com
mitomicina C, com boas chances de sucesso se a conjuntiva estiver preservada. A incidência
de falência do transplante é significativamente menor na trabeculectomia com mitomicina C,
quando comparada com outras cirurgias, como implantes de drenagem e cauterizações do
corpo ciliar.
Muitos investigadores têm relatado a utilização de implantes para drenagem quando o
glaucoma pós-ceratoplastia mostra-se resistente ao tratamento convencional, com alto índice
de sucesso. Todavia, parecem estar associados a uma incidência alta de falência do transplan­
te.
Outras modalidades de tratamento, visando a destruição do corpo ciliar, podem eventu­
almente ser uma boa opção. Bons índices de sucesso têm sido publicados com a ciclofoto-
coagulação transescleral com laser de Nd:YAG e com laser de diodo, com controle da pressão
intraocular em torno de 78% dos casos.
Mais recentemente foi descrito o uso de ciclofotocoagulação endoscópica para glaucoma
refratário.

BIBLIOGRAFIA
Aldave AJ, Rudd JC, Cohen EJ, Rapuano CJ, Laibson PR. The role of glaucoma therapy in the need for repeat penetrating
keratoplasty. Cornea, 2000; 20:772-6.

Alvarenga LS, Mannis MJ, Brandt JD, Lee WB, Schwab IR, Lin MC.The long term results of keratoplasty in eyes with a glau­
coma drainage device. Am J Ophthalmol, 2004; 138(2):200-5.

Ayyala RS, Pieroth L, Vinals AF, Goldstein MH, Schuman JS, Netland PA, Dreyer EB, Cooper ML, Mattox C, Frangie JP, Wu
HK, Zurakowski D. Comparison of mitomycin C trabeculectomy, glaucoma dranaige device implantation, and laser
neodymium: YAG cyclophotocoagulation in the management of intractable glaucoma after penetrating keratoplasty.
Ophthalmol, 1998; 105:1550-6.

Domingo-Gordo B, Urcelay-Segura JL, Conejero-Arroyo J, Balado Vazguez P, Rodriguez-Ausin P. Descompensacion corneal


en pacientes con compromiso endotelial tratados con dorzolamida tópica. Arch Soc Esp Oftalmol, 2002; 77:139-44.

Karesh JW, Nirankari VS. Factors associated with glaucoma after penetrating keratoplasty. Am J Ophthamol, 1983; 96:160-4.

Youn J, GoxTA, Herndon LW, Allingham RR, Shields MB. A clinical comparison of transscleral cyclophotocoagulation with
neodymium:YAG and semiconductor diode lasers. Am J Ophthalmol, 1998; 126:640-7.
Síndrome Urretz-Zavalia

HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA

Pupila dilatada paralítica é uma complicação rara que ocorre após ceratoplastia penetrante,
que pode afetar a qualidade de visão e ser responsável por alterações permanentes, como o
desenvolvimento de glaucoma secundário e suas sequelas.
Desde a descrição dessa síndrome por Castroviejo e a publicação por Urretz-Zavalia, mui­
tas tentativas têm sido feitas para identificar a causa e os fatores predisponentes.
O quadro clínico descrito por Urretz-Zavalia varia desde apenas uma midríase prolongada,
que se recupera lenta e espontaneamente, até casos mais graves, que se compõem de intensa
atrofia iriana, com forte tendência à formação de sinequias. Delicadas opacidades subcapsu-
lares podem estar presentes, o que torna o quadro muito semelhante ao encontrado após um
ataque grave de glaucoma agudo. A midríase ocorre no pós-operatório imediato, todavia a
hipertensão ocular não se faz presente nas fases iniciais da doença, ocorrendo tardiamente e
somente em alguns casos. Nesses casos, a gonioscopia permite identificar um ângulo fechado
por sinequias anteriores periféricas. Tipicamente, essa síndrome estaria relacionada à cerato­
plastia em olhos com ceratocone e ao uso de atropina no pós-operatório. No entanto, vários
trabalhos na literatura já reportaram a ocorrência da síndrome em olhos com outras distrofias
corneanas que não ceratocone, assim como em olhos sem a instilação de midriáticos.
Urretz-Zavalia propõe dois mecanismos possíveis para a formação das sinequias: organiza­
ção de exsudatos inflamatórios e estreitamento do ângulo por suturas mais apertadas, o que
é favorecido pela baixa rigidez escleral dos olhos com ceratocone.
Jastaneiah et al. constataram midríase paralítica em 15 olhos de 195 pacientes com dis-
trofia corneana macular e em apenas 6 olhos de 1.800 portadores de ceratocone. Acreditam
que o mecanismo seja elevação aguda da pressão intraocular (42,8% apresentaram hiperten­
são ocular no primeiro dia pós-operatório). Aqueles que não apresentaram elevação tensional
podem tê-la desenvolvido nas primeiras horas após a cirurgia (situação muito frequente com
a utilização de substâncias viscoelásticas). Outra possibilidade também aventada por eles é a

147
148 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

da ocorrência da síndrome tóxica do segmento anterior, que também pode se acompanhar


de midríase paralítica e atrofia iriana (como ocorre nos casos de extração de catarata com
essa síndrome). Sugerem como cuidados profiláticos, a realização de iridectomias periféricas,
remoção completa de substâncias viscoelásticas, administração intraoperatória de manitol e
cuidadoso monitoramento pós-operatório da pressão intraocular.

BIBLIOGRAFIA
Jastaneiah S, Al-Towerki A-E, Al-Assiri, A. Fixed dilated pupil after penetrating keratoplasty for macular corneal dystrophy
and kertoconus. Am J Ophthalmol, 2005; 140:484-9.

Srinivasan M. Fixed dilated pupiil (Urrets-Zavalia syndrome) in corneal dystrophies. Cornea, 2004; 23:81-3.

Urretz-Zavalia A Jr. Fixed, dilated pupil, iris atrophy and secondary glaucoma. Am J Ophthalmol, 1963; 56:257-65.
Sinequias

HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA

Thoft et al. detectaram glaucoma em apenas 10 de 100 olhos afácicos submetidos a ceratoplas-
tia penetrante. Todos os 10 olhos exibiam certo grau de comprometimento do seio camerular
devido à formação de goniossinequias. Acreditam que o fechamento angular é a causa mais
frequente de elevação persistente da pressão intraocular no pós-operatório do transplante da
córnea.
O fechamento do seio camerular pode ser secundário a diversas causas: dificuldade de
restauração da câmara anterior ao final da cirurgia, vazamento de humor aquoso pela incisão
cirúrgica no pós-operatório, descolamento da coroide, iridociclite, bloqueio pupilar, diminui­
ção da amplitude do seio camerular pela técnica cirúrgica empregada etc.
O extravasamento de aquoso produzido por sutura irregular ou má coaptação das bordas
da ferida pode acarretar atalamia no pós-operatório. A atalamia que se prolongue por mais de
1 semana será responsável pela formação de sinequias e bloqueio do seio camerular. O mesmo
poderá ocorrer no descolamento da coroide e nos casos de iridociclite, devido à hipossecre-
ção de humor aquoso.
O tratamento específico do glaucoma associado à ceratoplastia penetrante baseia-se, pri­
mordialmente, na identificação do tipo de glaucoma e do mecanismo fisiopatológico envolvi­
do. A identificação de uma causa passível de correção é de extrema importância. Este é o caso
do glaucoma de ângulo fechado secundário a sinequias anteriores.
As aderências da íris à incisão ou à periferia da córnea receptora podem ser liberadas com
espátula delicada, com o auxílio de irrigação ou substâncias viscoelásticas. As substâncias
viscoelásticas de alto peso molecular (coesivas) são um excelente recurso na manipulação das
delicadas estruturas intraoculares.
As íris flácidas, como nos casos de iridodiálise, ruptura do músculo esfíncter, iridectomia
sectoral, propiciam a recorrência das sinequias e podem ser corrigidas pela sutura adequada
da íris.

149
150 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Se, apesar da correção cirúrgica das sinequias, a elevação da pressão intraocular persis­
tir, torna-se necessária a instituição do tratamento clínico e, eventualmente, do tratamento
cirúrgico.
A melhor conduta, na realidade, é tomar medidas profiláticas perioperatórias:
Ao término da cirurgia, a câmara anterior deve estar sempre restaurada, preferencialmen­
te com solução salina balanceada. Se houver dificuldade em reformar a câmara anterior:
■ Comprovar se a sutura está hermética e aplicar pontos adicionais, se necessário.
■ Checar se a iridectomia periférica está pérvia.
■ Observar se não há compressão externa (p. ex., blefarostato).
■ Não se esquecer da possibilidade de haver ar retido na câmara posterior.
■ Nos olhos com nítida hipertensão vítrea, pode-se recorrer à administração perioperatória
de manitol intravenoso; em certos casos, será necessária a aspiração vítrea, via pars plana
ou, nos olhos afácicos, por via anterior.

Nos olhos com câmara anterior muito rasa, pode-se planejar o transplante com disco do­
ador maior que o diâmetro do leito receptor, que evitará um angustiamento adicional do ân­
gulo camerular. De modo geral, deve-se evitar, ou reduzir ao máximo, a manipulação excessiva
da íris e promover cuidadosa limpeza de restos cristalinianos, sangue, vítreo etc. Nos olhos
com maior risco de desenvolver sinequias irianas, está indicado um vigoroso tratamento anti-
inflamatório.

BIBLIOGRAFIA
Cohen, EJ, Kenyon KR, Dohlman CH. Iridoplasty for prevention of post-keratoplasty angle closure and glaucoma. Ophthal­
mic Surg, 1982; 13:994-6.

Thoft, RA, Gordon JM, Dohlman CH. Glaucoma following keratoplasty.Trans Am Acad Ophthalmol Otolaryngol, 1974; 78:
352- 64.

Topozius F, Coleman AL, Choplin N, Bethlem MM, Hill R YUF, Panek WC, Wilson MR. Follow-up of the original cohort with
the Ahmed glaucoma valve implant. Am J Ophthalmol, 1999; 128:198-204.
Hipotonia

HOMERO GUSMÃO DE ALMEIDA

As causas da hipotonia após o transplante de córnea eventualmente são óbvias, como vazamento
incisional ou intensa inflamação pós-operatória, situações que serão resolvidas com a revisão da
sutura ou vigoroso tratamento anti-inflamatório. Mas, na maioria das vezes, estão relacionadas
mais com a doença subjacente que determinou a necessidade da cirurgia e condições associadas.
Com respeito às doenças/condições associadas, as causas são múltiplas e os mecanismos
variados, tais como:
■ D e s c o la m e n to d o c o r p o ciliar:
• Tracional (tecido fibrovascular, contração capsular em olhos pseudofácicos).
• Ciclodiálise (traumática, cirúrgica).
■ H ip o fu n ç ã o d o c o r p o ciliar:

• Pós-uveíte, queimadura por álcalis, tratamento por cicloablação.


■ F ístu la s (cirurgia fistulizante prévia).
■ F á rm a co s h ip o te n s o r e s o c u la r e s.

TRATAMENTO

O tratamento da hipotonia ocular é um desafio e varia enormemente, de acordo com a causa.

Descolamento do corpo ciliar


Remoção de tecido fibrovascular comprometendo a superfície do corpo ciliar, associada a vi-
trectomia, tem apresentado resultados bastante satisfatórios nos casos indicados. Quando a
causa é uma contração capsular em olhos pseudofácicos, a capsulotomia relaxante com laser
de YAG tem bons resultados.

151
152 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Nos casos de iridodiálise, a ciclopexia cirúrgica oferece resultados variáveis e deve ser
tentada. Já a tentativa de fechamento da fenda de ciclodiálise com laser de argônio, na nossa
opinião, resulta infrutífera na maioria dos casos.

Hipofunção do corpo ciliar


Nos casos de hipossecreção secundária a inflamação, um vigoroso tratamento anti-inflama-
tório pode, eventualmente, reverter um quadro de hipotonia. A inflamação do corpo ciliar é
responsável pela rotura da barreira hematoaquosa, o que provavelmente torna o processo de
secreção do humor aquoso menos eficiente. O mecanismo íntimo pelo qual a produção de
aquoso é comprometida permanece obscuro. Sabe-se que a atividade ciliar é um fenômeno
complexo, que necessita de irrigação e inervação normais para que as reações químicas, ainda
mal conhecidas, se processem. Na maioria dos casos, o comprometimento na formação do
humor aquoso é completamente reversível: o fluxo de produção do aquoso retorna ao normal
após o controle da inflamação, prontamente em alguns casos e lentamente em outros. No en­
tanto, o processo inflamatório é capaz de causar dano estrutural dos processos ciliares e ser
responsável por hipotensão ocular persistente.
Naqueles casos de hipotonia persistente, a instilação de ibopamina tem apresentado re­
sultados animadores, embora tímidos.
Injeções intravítreas de substâncias viscoelásticas de alto peso molecular, como o hialuro-
nato de sódio a 2,3% (Healon 5), têm mostrado resultados aparentemente duradouros, com me­
lhora funcional e estrutural. Na nossa experiência, injeções na câmara anterior têm efeito fugaz.

Fármacos hipotensores oculares


r
E sempre importante ter em mente se o paciente não está fazendo uso de fármacos hipoten­
sores oculares. Têm sido descritas hipotonias com o uso de timolol, dorzolamida e derivados
de prostaglandinas. A simples suspensão do medicamento geralmente reverte o quadro.

Fístulas
A hipotonia secundária a cirurgias filtrantes é relativamente frequente com o uso indiscrimina­
do de substâncias antimitóticas, principalmente a mitomicina C.
O tratamento da hipotonia nesses casos muitas vezes exigirá revisão cirúrgica da fístula.
Convém lembrar que a cirurgia de catarata, eventualmente necessária, pode melhorar a hipo­
tensão ocular em olhos fistulados.

BIBLIOGRAFIA
O'Connell SR, Majji AB, Humayun MS, de Juan E Jr. The surgical management of hypotony. Ophthalmol, 2000; 107:318-23.

Tosi GM, Schiff GW, Barile G, Yoshida N, Chang, S. Am J Ophthalmol, 2005; 140: 952-4.

Ugahry LC, Ganteris E, Veckeneer M, Cohen AC, Jansen J, Mulder PG, van Meurs JC. Topical ibopamine in the treatment
of chronic ocular hypotony attributable to vireoretinal surgery, uveitis, or penetrating trauma. Am J Ophthalmol, 2006;
141:571-3.
Epitelização

PAULO SCHOR • RAFAEL ALLAN OECHSLER

Uma alteração da reepitelização corneana pode levar a problemas na cicatrização da interface


doador/receptor, menor acuidade visual final, redução na transparência da córnea transplan­
tada, redução da sobrevida do transplante e aumento das chances de infecção e afinamentos
corneanos por necrose, secundários a liberação de colagenase.
Fatores que podem levar a dificuldade de epitelização no período pós-operatório são:
doenças oculares prévias (alterações palpebrais, deficiência de células límbicas, olho seco,
hipoestesia corneana), condições do botão doador (tempo da morte à preservação da córnea,
tempo de permanência no meio de conservação, manuseio cuidadoso do tecido, tipo de meio
de conservação), idade do receptor, tamanho da trepanação, tipo de sutura, frequência do uso
e tipo de corticosteroides e outras medicações epiteliotóxicas (colírios de antibióticos amino-
glicosídeos, e mesmo lubrificantes com conservantes, se usados mais de 6x/dia).
Para prevenir e tentar evitar os defeitos, pacientes com insuficiência de células límbicas
(pós-queimadura química, síndrome de Stevens-Johnson, penfigoide ocular cicatricial, ani-
ridia, entre outros) podem fazer transplante autólogo de células límbicas do olho contra-
lateral ou homólogo. Pacientes com história de ceratite herpética devem, se possível, ter a
inflamação controlada no momento da cirurgia e receber doses profiláticas de 800 mg/dia
de aciclovir VO por um longo período (pelo menos 1 ano de pós-operatório). Pacientes com
olho seco devem ser tratados com lubrificantes e até oclusão dos pontos lacrimais. Qual­
quer anormalidade palpebral (triquíase, entrópio, ectrópio ou lagoftalmo) deve ser tratada
antes da ceratoplastia. Outro fator que alguns autores postulam é que pacientes com fatores
de risco para defeitos de epitelização pós-ceratoplastia devam receber córneas com bom
epitélio, com mínimo tempo de permanência no meio de preservação e submetidas a uma
manipulação cuidadosa durante a cirurgia. Tal conduta recebe críticas dos que argumentam
que o epitélio doador vai ser repovoado pelo receptor, e novas junções serão formadas na
região da sua membrana basal.

153
154 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Se há defeito epitelial no pós-operatório, deve-se tratá-lo imediatamente, pois, se o mes­


mo persistir por mais de 1 semana, terá sua cicatrização mais lenta e, a partir de 3 semanas,
há um aumento importante do risco de formação de cicatriz ou ulceração no local. Devem-se
utilizar lágrimas artificiais sem conservante, reduzir eventualmente a frequência do corticos-
teroide tópico, pois este pode interferir na cicatrização epitelial, e utilizar o mínimo possível
de medicações epiteliotóxicas. Entre os antibióticos tópicos atualmente utilizados, temos evi­
dências de que o moxifloxacino, em um trabalho preliminar, mostrou-se mais tóxico ao epi-
télio que o gatifloxacino. Como recursos adicionais, têm-se o uso de curativo oclusivo, lentes
de contato terapêuticas ou de colágeno, utilização de soro autólogo, tarsorrafia, uso de mem­
brana amniótica e injeção de toxina botulínica no músculo elevador da pálpebra para causar
uma ptose temporária. Como o epitélio corneano tem uma relação direta e dependente com a
lágrima, sendo parcialmente nutrido pela mesma, uma ótima estratégia é regularizar as estru­
turas responsáveis por suas três camadas constituintes. O uso de derivados de tetraciclina em
doses baixas, por tempo prolongado, pode ser muito útil nesses casos.

BIBLIOGRAFIA
Borderie VM, Touzeau OM BourcierT, Allouch C, Laroche L. Graft reepithelialization after penetrating keratoplasty using
organ-cultured donor tissue. Ophthalmol, 2006; 113(12):2181 -6.

Moshirfar M, Marx DP, Kumar R. The effect of the fourth-generation fluoroquinolones on corneal reepithelialization after
penetrating keratoplasty. Cornea, 2005; 24:833-6.

Thoft RA. Conjunctival transplantation. Arch Ophthalmol, 1977; 95:1425-7.


Neovascularização Corneana

RICARDO DE CARVALHO ROCHA • CINARA SAKUMA DE OLIVEIRA

Neovascularização corneana é um fenômeno comum após o transplante de córnea mesmo nos


casos que não são considerados de alto risco. Uma vez instalados, os neovasos que atingem
a junção receptor/doador podem aumentar o risco de desenvolvimento de rejeição ao trans­
plante, em virtude do favorecimento da formação de complexo antígeno-anticorpo circulante.
Fatores sistêmicos, como presença de doenças autoimunes, bem como fatores locais, po­
dem contribuir para a formação de neovasos corneanos no pós-operatório. Os fatores relacio­
nados ao procedimento cirúrgico que mais frequentemente influenciam nesse processo são:
pequena distância entre o limbo e a sutura, pequena distância entre o limbo e a córnea doado­
ra e suturas frouxas ou muito apertadas. Neovasos geralmente se desenvolvem entre o epitélio
corneano e a camada de Bowman, e o direcionamento dos vasos até o local das suturas sugere
liberação de fatores angiogênicos nessa área. A velocidade de crescimento dos neovasos de
córnea é maior nas primeiras semanas após o transplante penetrante, e deve-se, nesses casos,
instituir o tratamento precocemente.
O controle de fatores locais ou sistêmicos relacionados ao processo é importante no auxí­
lio ao tratamento. Da mesma forma, a remoção de suturas que possam estar contribuindo para
a formação de neovasos deve sempre ser considerada, especialmente nos casos de sutura frou­
xa ou muito apertada (Figs. 1A e B). Embora anti-inflamatórios tópicos não hormonais apresen­
tem efeito inibidor sobre a angiogênese corneana, a utilização de colírios de corticosteroide
constitui a terapia de escolha na maioria dos casos. O tempo necessário para o tratamento
é variável e depende da causa subjacente. Pesquisas têm demonstrado eficácia no uso de ci-
closporina tópica na redução de neovasos de córnea em modelos experimentais. Alternativas
à terapia convencional estão em estudo e incluem utilização de terapia fotodinâmica sobre a
córnea e de agentes inibidores de fatores angiogênicos.

155
156 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Figs. 1 (A e B) A. Neovascularização corneana devido à sutura


frouxa exposta. B. Regressão da neovascularização após a reti­
rada da porção exposta do ponto e uso de corticoide tópico.
B (Cortesia: Patrícia Marback.)

Quando os neovasos existem antes do transplante, eles comprometem o prognóstico em


relação à reação de rejeição imunológica. Todos os esforços devem ser feitos para a regres­
são dos vasos antes da cirurgia. A medida convencional inclui uso intensivo de corticoide. Os
antineovasogênicos comumente utilizados em doenças da retina têm sido especulados como
um potencial e eficaz tratamento. Outros tratamentos como laser têm sido tentados, com re­
sultados duvidosos. A grande dificuldade dos tratamentos dos neovasos antes da cirurgia é
que, até o presente momento, nenhum deles se mostrou eficaz em melhorar o prognóstico do
transplante em longo prazo, ocorrendo recidiva com reabertura dos vasos. Durante a cirurgia,
se apenas um tufo de vasos é identificado, ele pode ser cauterizado, melhorando apenas as
condições técnicas, pois reduz o sangramento durante o ato operatório.

BIBLIOGRAFIA
Benelli U, Ross JR, Nardi M, Klintworth GK. Corneal neovascularization induced by xenografts or chemical cautery: inhibi­
tion by cyclosporin A. Invest Ophthalmol Vis Sci, 1997; 38(2):274-82.

Chang JH, Gabison EE, KatoT, Azar DT. Corneal neovascularization. Curr Opin Ophthalmol, 2001; 12(4):242-9.

Cursiefen C, Wenkel H, Martus P, Langenbucher A, Nguyen NX, Seitz B Kuchle M, Naumann GO. Impact of short-term versus
long-term topical steroids on corneal neovascularization after non-high-risk keratoplasty.

Fossarello M, Peiretti E, Zucca I, Serra A. Photodynamic therapy of corneal neovascularization with verteporfm. Cornea,
2003; 22(5):485-8.
Ceratopatia Cristalina
Infecciosa

RAFAEL ALLAN OECHSLER

Ceratopatia cristalina infecciosa está associada ao uso crônico de corticosteroide tópico,


r

especialmente em transplante de córnea. E considerada como uma colonização bacteriana


intraestromal não inflamatória mais comumente vista em pacientes que foram submetidos a
ceratoplastia. O aspecto clínico é de opacidades ramificadas ou em forma de agulha, cristali­
nas, branco-acinzentadas, geralmente próximas ao local de sutura da córnea transplantada,
associadas a desproporcional ou ausência de inflamação na córnea ou segmento anterior.
A arquitetura das lamelas de colágeno provavelmente serve como caminho para a difusão
dos microrganismos nesse padrão cristalino. A patogenia ainda não é bem compreendida,
acreditando-se na hipótese de que as bactérias penetrem no estroma através de defeitos
epiteliais ou através dos locais de sutura. Além disto, devido ao uso prolongado de corti-
coides tópicos após o transplante, há uma diminuição na resposta inflamatória corneana a
esses organismos. A bactéria mais frequentemente isolada nesses casos é o Streptococcus vi-
ridans, uma bactéria reconhecidamente com baixa virulência. Outros organismos também já
identificados como causadores são Staphylococcus sp., Haemophilus sp., Mycobacterium, Pseu­
domonas aeruginosa, Enterococcus, Acanthamoeba sp. e Candida sp. O diagnóstico é clínico,
mas pode-se proceder a um raspado corneano ou a uma biópsia se a lesão estiver muito
profunda como confirmação diagnóstica. O tratamento deve ter seguimento com colírios
fortificados específicos (antibióticos, antifúngicos etc.) e descontinuação progressiva da cor-
ticoterapia tópica, se possível. Apesar de terapêutica clínica máxima, muitos casos acabam
necessitando de novo transplante para erradicar a infecção ou pela baixa acuidade visual
ocasionada por neovasos e leucoma.

157
158 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

BIBLIOGRAFIA
Hu FR. Infectious crystalline keratopathy caused by Mycobacterium fortuitum and Pseudomonas aeruginosa. Am J
Ophthalmol, 1990; 109(6):738-9.

Sanchez Perez A, Bueno Lozano J, Brito Suarez C, Fernandez Tirado FJ, Melcon Sanchez-Friera B, Pueyo Subias M, Perez
Olivan S. Study of infectious keratitis in corneal graft. Arch Soc Esp Oftalmol, 2000; 75(10):659-63.

Sharma N, Vajpayee RB, Pushker N, Vajpayee M. Infectious crystalline keratopathy. Clao J, 2000; 26(1 ):40-3.
Hemorragia Expulsiva

CÁSSIO VENDRAMIN • HAMILTON MOREIRA

Hemorragia de coroide é uma condição ocular séria que se apresenta de forma limitada ou ma­
ciça (hemorragia expulsiva), podendo ocorrer espontaneamente, secundária à cirurgia ocular,
por trauma, ou estar associada a anormalidades vasculares. Pode, também, estar associada à
perda permanente da função visual.
A fisiopatologia da hemorragia expulsiva está intimamente relacionada com a pressão in­
traocular, pressão coroidiana e anatomia escleral. Quando o olho está fechado, a pressão intra­
ocular é maior do que a da coroide. Logo que o olho é aberto, a pressão intraocular cai a zero,
a coroide se torna um reservatório de sangue venoso, que pode resultar em hemorragia nos
vasos suscetíveis ou enfraquecidos. As condições sistêmicas relacionadas a risco aumentado
incluem idade avançada, arteriosclerose, hipertensão, diabetes melito, discrasias sanguíneas e
obesidade. Os fatores de risco oculares incluem cirurgia prévia, afacia, glaucoma, uveíte, alta
miopia, trauma, remoção do vítreo, fotocoagulação a laser e esclerose da coroide. Taquicardia
perioperatória tem sido identificada como um significante fator de risco.
Hemorragia de coroide limitada ocorre em cerca de 3% das extrações intracapsuläres de
catarata e em 2,2% das extracapsulares. A hemorragia expulsiva ocorre em cerca de 0,2% das
cirurgias de catarata e em 0,73% das cirurgias filtrantes antiglaucomatosas, podendo ocorrer
com maior frequência nas ceratoplastias penetrantes. Em uma série de 830 casos de cerato-
plastia penetrante, Ingraham HJ et ai encontraram uma incidência de 1,08% (9 casos) de he­
morragia expulsiva no peroperatório de ceratoplastias penetrantes, dos quais: 6 dos 9 sofriam
de doença aterosclerótica ou hipertensão; 6 dos 9 eram glaucomatosos; e 8 dos 9 já haviam
sido submetidos a cirurgia intraocular prévia. Eles também constataram que o aumento da
resistência venosa associado ao bloqueio retrobulbar pode aumentar o risco de hemorragia
supracoroidal. Em um estudo mais recente, Groh MJ et ai, em uma série de 2.421 ceratoplas­
tias penetrantes, tiveram 9 hemorragias pré-expulsivas (0,4%) e 3 expulsivas (0,1%), e os fatores
de risco encontrados foram: cirurgia ocular prévia, glaucoma, doença arterial coronariana e
asma.

159
160 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Um sintoma peroperatório inicial da hemorragia expulsiva pode ser o início paroxístico de


dor intensa, apesar de acinesia e analgesia prévia adequadas. Classicamente, a dor atinge a di­
visão oftálmica do trigêmeo, sendo refratária à complementação anestésica retrobulbar. Os si­
nais incluem taquicardia e excessivo movimento ou prolapso de íris. Este usualmente é acom­
panhado pelo deslocamento anterior do cristalino e corpo vítreo, bem como pelo aumento da
tensão do globo ocular. O escurecimento do reflexo vermelho pode preceder ou acompanhar
a elevação da coroide. A expulsão do conteúdo intraocular pode ocorrer.
O controle da hemorragia expulsiva é feito com o tamponamento digital direto e com o
rápido fechamento da incisão. Nas ceratoplastias penetrantes, uma ceratoprótese temporária
de Cobo pode ser útil para prevenir a expulsão do conteúdo intraocular. Também, deve-se
administrar manitol ou diamox endovenoso e melhorar a sedação do paciente. Esclerotomia
posterior pode ser necessária para permitir o adequado fechamento da incisão.
A imediata identificação dessa temível complicação e as medidas tomadas de imediato
para contê-la são fundamentais para salvar esses olhos em condição de reoperá-los posterior­
mente e devolver alguma visão útil a esses pacientes.

BIBLIOGRAFIA
Apud. Yanoff. Ophthalmology 2nd ed. St. Louis: Mosby, 2004.

Bukelman A, Hoffman R Oliver M. Limited choroidal hemorrhage associated with extracapsular cataract extraction. Arch
Ophthalmol, 1987; 105(3):338-41.

Groh MJ, Seitz B, Händel A, Naumann GO. Expulsive hemorrhage in perforating keratoplasty - incidence and risk factors.
Klin Monatsbl Augenheikd, 1999 Sep; 215(3):152-7.

Ingraham HJ, Donnenfeld ED, Perry HD. Massive suprachoroidal hemorrhage in penetrating keratoplasty. Am J Ophthal­
mol, 1989 Dec 15; 108(6):670-5.

Speaker MG, Guerriero PN, Met JA e t al. A case-control study of risk factorsfor intraoperative suprachoroidal expulsive
hemorrhage. Ophthalmol, 1991 ; 98(2):102-10.

Welch JC, Spaeth GL, Benson WE. Massive suprachoroidal hemorrhage. Ophthalmol, 1988; 95(9):1202-6.
Transplante em Situações
Especiais
Transplante na Infecção
Corneana

PAULO ELIAS CORREA DANTAS

INDICAÇÕES

As principais indicações de transplante de córnea a quente estão relacionadas à manutenção


da integridade do olho e ao restabelecimento da integralidade da estrutura do olho. Infecções
refratárias ao tratamento clínico com descemetocele (Fig. 1) e iminência de perfuração ocular
(Fig. 2) têm indicação absoluta de transplante a quente, com todos os cuidados pré, peri e pós-
cirúrgicos que esse tipo de procedimento demanda.

Fig. i Descemetocele central em caso de infecção bacteriana.


(Iconoteca da Seção de Córnea e Doenças Externas, Departa­
mento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo.)

Fig. 2 Infecção bacteriana refratária ao tratamento clínico com


perfuração e perda de câmara anterior. (Iconoteca da Seção de
Córnea e Doenças Externas, Departamento de Oftalmologia da
Santa Casa de São Paulo.)

163
164 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Tecnicamente, objetiva-se salvar o globo ocular e remover o patógeno; posteriormente,


cuida-se da reabilitação visual.
Casos de ceratite infecciosa por Acantamoeba são um capítulo à parte. O transplante de
córnea terapêutico nesses casos é bastante complicado. Quando a espera é grande, podemos
ter problemas de sinequias e atrofia de íris com midríase fixa, catarata e glaucoma, mesmo se
não ocorrer a reinfecção. Os casos de infecção por Acantamoeba, quando a reação inflamatória
é grande e incontrolável, tendem atualmente a ser transplantados precocemente.

TÉCNICAS CIRÚRGICAS

Existem várias diferenças técnicas, quando da feitura de um transplante de córnea em vigência


de infecção corneai.
A primeira delas relaciona-se ao tipo de anestesia utilizada. Como, em geral, esses olhos
estão sob risco de perfuração e extrusão do conteúdo ocular, injeção retro ou peribulbar de
anestésicos é quase sempre contraindicada em razão do aumento da pressão ocular induzido
pelo volume injetado peri ou retrobulbar. Anestesia tópica, por sua vez, não confere conforto
anestésico suficiente para manobras cirúrgicas que, eventualmente, se façam necessárias, como
manipulação da íris, sinequiólises etc. Nessas condições, anestesia geral passa a ser mandatória.
Outra peculiaridade é a necessidade de estabilidade do bulbo ocular, com uso de anel de
Flieringa, para evitar o colapso escleral e, consequentemente, extrusão de conteúdo ocular.
Como, em geral, são olhos com córnea perfurada ou com risco iminente de perfuração,
a técnica de remoção do botão infectado deve ser a que leve ao menor risco de aumento da
pressão ocular. Por essa razão, trépanos a vácuo têm a preferência para a remoção do tecido
infectado, em detrimento aos manuais. Na falta de trépano a vácuo, o trépano convencional
pode ser usado apenas para marcação superficial do tamanho da trepanação, e faz-se o apro­
fundamento da incisão até entrar na câmara anterior com lâminas de bisturi ou diamante, se­
guido de colocação de viscoelástico e complementação da trepanação com tesoura de córnea.
Suturas em pontos separados são mandatórias, pois não é incomum infecção recidivante
em alguns pontos, com necessidade de remoção precoce, o que seria muito complicado de
lidar em suturas contínuas.
O material removido (córnea ou o que sobrar dela) deverá ser enviado metade para exa­
me anatomopatológico e outra metade para identificação laboratorial do patógeno via Gram,
Giemsa, Acridine Orange, azul de Alcia e outros, cultura em meios específicos (ágar-sangue,
chocolate, Sabouraud, Thayer-Martin, entre outros) e antibiograma.
Rotineiramente, não há necessidade de lavagem da câmara anterior com antibióticos ou
antifúngicos, mas apenas com solução salina balanceada.

CONTROLE PÓS-OPERATÓRIO

Tratamento específico com antibióticos fortificados ou fluoroquinolonas, antifúngicos, antivi-


rais, anti-inflamatórios hormonais, hipotensores oculares e outros fármacos deverá ser institu­
ído imediatamente após a cirurgia, de acordo com a etiologia da infecção.
Transplante na Infecção Corneana 165

Quanto à instituição de corticoterapia, temos algumas particularidades.


Se a infecção de origem for bacteriana, tanto o uso tópico quanto o uso sistêmico não
representam dilema. Nos casos de processo inflamatório exacerbado, acetato de prednisolona
a n , dexametasona, fluorometolona ou outro esteroide tópico usado de hora em hora nas pri­
meiras 48 h é de grande valia, com regressão da frequência de uso baseada na resposta clínica,
avaliada diariamente. Pode-se restringir o uso sistêmico para aquelas condições que envolvam
processo imune ou sistêmico associado.
Já nas infecções fúngicas e virais, deve-se evitar ao máximo o uso tópico, dando preferên­
cia, quando excepcionalmente necessário, para o uso sistêmico de prednisolona 1 mg/kg/dia.
A substituição do corticoide por anti-inflamatórios não hormonais (AINH) tópicos repre­
senta um risco adicional e desnecessário. Os AINH podem bloquear apenas uma das enzimas
envolvidas na cascata do ácido araquidônico, desviando o metabolismo para a maior produção
de leucotrienos. Estes são fortes fatores quimiotáticos para os polimorfonucleares. Paradoxal­
mente, com o uso do AINH tópicos, podemos ter aumento da inflamação local com maior des­
truição do colágeno corneano (colagenases). Assim, quando quisermos evitar os corticoides,
infelizmente, os AINH disponíveis na atualidade não são uma boa alternativa.
Uma alternativa para casos de inflamação ocular grave, em doenças da superfície ocular,
são os bloquedores da produção de citoquinas ou anti-TAC, cujo representante maior é o da-
clizumabe, que está em experiência inicial de uso em alguns serviços de referência no Brasil.
Transplante no Herpes Simples

ANA LUISA HÖFLING-LIMA • SÂMIA ALI WAHAB

A sobrevida do transplante de causa herpética é menor devido à recidiva da infecção pelo vírus
herpes simples (VHS) no botão corneano transplantado, que é frequente e representa a princi­
pal causa de falência do enxerto.
A recidiva da ceratite herpética no transplante pode se apresentar com aspecto atípico;
assim, a observação de defeito epitelial não responsivo à terapia usual com lubrificante pode
ser uma lesão herpética, ainda que não dendrítica. Vale lembrar, ainda, que distinguir uma
recorrência de ceratite estromal de um processo de rejeição endotelial pode ser difícil. Na pri­
meira, os precipitados ceráticos se encontram tanto no botão doador quanto no receptor e a
pressão intraocular tende a estar elevada.
Para a realização de um transplante de córnea em um olho previamente acometido pelo VHS,
deve-se aguardar um período mínimo de 3 a 6 meses sem que haja atividade de infecção herpética,
pois o resultado cirúrgico está relacionado ao grau de inflamação ocular no momento da cirurgia.
Geralmente, o aciclovir (ACV) oral é iniciado na dose profilática de 400 mg 2 x/dia, no mo­
mento da cirurgia; porém, em pacientes com múltiplas recidivas, o fármaco pode ser iniciado
dias ou até meses antes. Ainda não se sabe o período ideal durante o qual o ACV profilático deve
ser utilizado. Pelo menos durante o primeiro ano pós-transplante, aconselhamos sua manuten­
ção, pois a incidência de recidiva da ceratite herpética é maior nesse período não apenas pelo
próprio trauma cirúrgico, mas também pelas elevadas doses de corticosteroides administradas
nessa fase. Deve-se observar que o uso de ACV está contraindicado para pacientes com insufi­
ciência renal em mulheres que pretendam engravidar ou que estejam em período de lactação.

BIBLIOGRAFIA
Rezende R, Hammersmith K, BisolT, Höfling-Lima AL; Webster GF; Freitas JF. Comparative study of ocular herpes simplex
virus in patients with and without self-reported atopy. American Journal of Ophthalmology, EUA, v 141, n 6, p.

167
Afina mentos Periféricos

CLAUDIA MARIA FRANCESCONI • WALTON NOSÉ

Nos casos de afinamentos periféricos de córnea, a forma do enxerto para recobrir a perda de
substância será em coroa circular ou semicircular.
Nesses casos, o transplante é do tipo terapêutico. Por exemplo, na úlcera de Mooren (Figs.
IA e B), apesar das frequentes recidivas e do mau prognóstico, unido ao tratamento clínico
com imunossupressores orais, ciclosporina A tópica e corticosteroides, existe a indicação de
ceratoplastia lamelar em coroa semicircular, ou mesmo associada ao penetrante nos casos que
já apresentem perfuração.

Figs. 1 (A e B) A. Úlcera de Mooren com afinamento corneano periférico. B. Enxerto lamelar corneano em
semicírculo.

Primeiramente, disseca-se a conjuntiva perilímbica até o fundo de saco. Marca-se com


um trépano pequeno (aproximadamente 7,5 mm) concêntrico à pupila, 1 mm antes do afina-
mento, para delimitar a superfície interna. Para marcar a córnea e evitar o corte da mesma na
região contralateral, inclina-se o trépano 10° pressionando-o sobre a zona que se quer mar-

169
170 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

car, girando-o ligeiramente para a direita e esquerda. Aprofunda-se a marca com um bisturi.
Mede-se com compasso a largura da alteração, marcando com o bisturi a zona a ser resseca­
da. A seguir, marca-se a parte periférica com um trépano maior (aproximadamente 14 mm)
dependendo da lesão, sempre deixando, quando possível, 1 mm de área sadia, tendo assim
delimitada uma coroa semicircular com a lesão em seu interior. Une-se então os dois arcos de
circunferência concêntricos com uma incisão radial em cada extremo, delimitando, assim, a
lesão a ser ressecada.
Uma vez delimitada a área a ser ressecada, levanta-se a ponta de um dos extremos, tra-
ciona-se o opérculo com pinça de colibri dissecando com o bisturi todo o tecido alterado na
profundidade desejada, podendo chegar à câmara anterior quando for o caso de transplante
penetrante, e terminando a ressecção da córnea com tesoura curva. No caso de transplante
lamelar, prossegue-se a dissecção seguindo o mesmo plano de clivagem até a retirada. Em se­
guida, disseca-se a córnea doadora na mesma forma de coroa semicircular e, de preferência,
na mesma profundidade, porém com 0,5 mm menor na parte central e 0,5 mm maior na parte
periférica (escleral). Essa diferença é realizada com a finalidade de mesmo ocorrendo retração
r

principalmente na parte escleral, ser possível recobrir perfeitamente toda a área ressecada. E
necessário também que o semicírculo do olho doador seja dissecado mais comprido do que
o leito receptor.
A córnea doadora pode ser dissecada diretamente do globo ocular ou se for um botão
corneoescleral. O ideal é o uso de câmara anterior artificial para ter uma melhor sustentação
durante a trepanação doadora.
Após a preparação do enxerto doador em coroa semicircular, coloca-se esse enxerto sobre
o leito receptor, suturando-o com náilon 10-0, pontos separados e invertendo os nós no leito
receptor. Finalizando, faz-se o recobrimento conjuntival periférico, evitando-se assim deixar
a esclera exposta.
Se o afmamento afeta toda a periferia corneana, por exemplo, um afmamento circunferen-
cial, tanto o leito corneano quanto o enxerto serão uma coroa circular completa, realizando a
mesma técnica descrita anteriormente.

BIBLIOGRAFIA
Barraquer J. Lamellar keratoplasty technique. In: Polack FM. Corneal and external diseases in the eye. Springfield: Charles
C Thomas, 1970; 285-289.

Christiensen JM, Arentsen JJ. Surgical therapy of Mooren's ulcer. Ophthalmolgy, 1975; 7:1507-1509.

Frangieh G, Kenyon KR. Peripheral Corneal Disease. In : Corneal Surgery: Theory, Technique and Tissue. Frederick Brightbill.
St. Louis: Mosby, 1993; 325-35.

Martin NF, Stark WJ, Maumenee AE. Treatment of Mooren's and Mooren's like ulcer by lamellar keratectomy: report of six
eyes and literature review. Ophthalmic Surg, 1987; 18(8):564-9.
Dermoide Limbar

WALDIR MARTINS PORTELLINHA

Dermoides são tumores congênitos sólidos, que aparecem na região inferotemporal da junção
corneoescleral. Eles são classificados como coristomas porque apresentam elementos celula­
res que não estão presentes naquele local. Os dermoides penetram profundamente na córnea
sem afetar a membrana de Descemet ou o endotélio, mas em alguns casos podem comprome­
ter toda a espessura da córnea.
De acordo com seu tamanho e extensão, os dermoides são classificados em três tipos
diferentes:
■ O tipo 1 é o mais comum, normalmente superficial, e está relacionado com a síndrome de
Goldenhar (Fig. 1).
■ O tipo 2 é maior, podendo cobrir parcial ou totalmente a córnea (Fig. 2).
■ O tipo 3, que felizmente é o mais raro, pode comprometer todo o segmento anterior do
olho (Fig. 3).

Fig. 1 Dermoide tipo 1.

171
172 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Fig. 2 Dermoide tipo 2.

A maioria dos dermoides causam problemas de ordem estética, podendo comprometer a


visão quando originam astigmatismo ou comprometem o eixo visual; e podem também oca­
sionar irritação ocular pela presença de pelos, ou, pela elevação, provocar ressecamento da
córnea ao seu redor.
A ressecção cirúrgica é indicada em caráter estético ou quando o dermoide provoca astig­
matismo irregular ou irritação ocular.
Na maioria, pode-se realizar exérese no plano da superfície da córnea. Deve-se ficar aten­
to, pois, na tentativa de aprofundar a retirada, podemos provocar a perfuração da córnea. Essa
técnica sempre deixa resto do dermoide e melhora esteticamente, mas não totalmente (Figs.
4A e B). O ideal é realizar a remoção total do dermoide e fazer um enxerto de córnea e limbo
(Figs. 5A e B). Nos casos de dermoide central menor que 7 mm, o ideal é realizar transplante
de córnea penetrante. Alguns requerem transplante limbar.

Figs. 4 (A e B) Pré e pós-remoção cirúrgica no plano da córnea de dermoide, região limbar inferotemporal.
Dermoide Limbar 173

Figs. 5 (A e B) Enxerto corneoescleral junto ao limbo.

Como na maioria dos casos a presença do dermoide é unilateral e congênito, já existe uma
ambliopia, e, mesmo realizando um transplante tecnicamente perfeito, nem sempre se conse­
gue uma melhora visual. Por esse motivo, na maioria dos casos a indicação cirúrgica passa a
ser de caráter estético.
Afinamento Escleral

JOSÉ ANTONIO DE ALMEIDA MILANI

Posterior ou concomitantemente ao controle da situação que levou ao afinamento escleral,


pode-se cirurgicamente restaurar a integridade da esclera, levando-se em conta que, nos afi-
namentos de causas inflamatória e autoimune, deve-se dar preferência a material avascular
para o reparo.
Para a reconstrução, pode-se utilizar retalho conjuntival com pedículo vascular, cápsula
de Tenon, retalho tarsoconjuntival, esclera autóloga (utilizando-se um retalho de espessura
parcial obtido de uma área não afetada do mesmo olho ou do olho contralateral), esclera ho­
móloga mantida em glicerina ou álcool, faseia lata ou periósteo. A faseia lata tem a vantagem
de ser fina e conformar bem com o contorno do globo ocular. O periósteo tem a desvantagem
de tornar-se edemaciado e demorar para aplanar e ser incorporado ao tecido subjacente.
O uso de esclera conservada, proveniente de um banco de tecidos oculares com a so-
rologia adequada, parece ser o material mais seguro para o tratamento desses afmamentos
esclerais. O uso desse material requer técnica adequada, esperando a reidratação do tecido
e a confecção de retalhos com espessuras apropriadas para cada caso. Uma das dificuldades
no uso da esclera é justamente evitar o degrau que pode apresentar-se na borda do enxerto.
Uma pequena ressecção do tecido do hospedeiro, criando um degrau para alojar e coaptar as
bordas do enxerto, é aconselhável.

175
rsi
m

Transplante de Córnea na
Síndrome de Down

CINARA SAKUMA DE OLIVEIRA • PAULO ELIAS CORREA DANTAS

Pacientes com síndrome de Down são especiais em todos os sentidos. Geralmente acessíveis
do ponto de vista semiológico, diferenciam-se dos outros pacientes por dependerem sobre­
maneira da atenção dos familiares mais próximos. Pacientes da APAE (Associação de Pais e
Alunos Excepcionais) e da ADERE (Associação para Desenvolvimento Educacional e Recupera­
ção do Excepcional), no Brasil, nos ensinam que o ingrediente mais importante para o sucesso
do transplante de córnea em pacientes com síndrome de Down é, sem sombra de dúvida, o
e n v o lv im e n to fa m ilia r . Sem ele, qualquer técnica cirúrgica ou tratamento estabelecido está
fadado a falhar.
Pacientes com ceratocone e portadores de síndrome de Down apresentam prognóstico
pior, após ceratoplastia penetrante, quando comparados a outros pacientes com ceratocone.
Os resultados ruins são explicados não somente pela falta de colaboração dos pacientes, mas
também por fatores inerentes à síndrome. Fricção vigorosa dos olhos é observada em grande
porcentagem de pacientes com déficit mental, e esse ato está relacionado a pior evolução do
ceratocone, caracterizada por maior incidência de hidropsia refratária ao tratamento tradi­
cional nesses indivíduos. Nesses casos, há maior risco de perfuração corneana espontânea, o
que leva a alta incidência de cirurgias de emergência. Além disso, o ato de esfregar os olhos
também pode comprometer o prognóstico cirúrgico do paciente. Pacientes com síndrome de
Down muitas vezes apresentam ceratocone avançado, que exige confecção de botão corneano
extenso durante a cirurgia e que, por sua vez, predispõe a maior risco de rejeição, neovascu-
larização corneana, deiscência de sutura e glaucoma secundário. Além disso, maior número
de anormalidades palpebrais é frequentemente observado nesses indivíduos, especialmente
frouxidão palpebral, que são potenciais fatores complicadores da evolução pós-operatória do
enxerto.
Durante o período pós-transplante desses pacientes, é necessária uma supervisão rigo­
rosa com frequentes retornos ao médico e até exames sob sedação, ou anestesia geral, para

177
178 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

retirada de pontos. Cuidados em casa também deverão ser intensos a fim de evitar a fricção
dos olhos após a cirurgia.
A ceratoplastia lamelar profunda está mais indicada nesses casos por ser mais segura e
não se tratar de um procedimento intraocular. A ceratoplastia penetrante, por sua vez, deve
ser reservada para pacientes selecionados, com boa colaboração durante o exame, menor de­
ficiência mental, com idade até 40 anos e com boa espessura corneana periférica.
Tecnicamente falando, a cirurgia pouco difere da convencional. Porém, geralmente a es­
pessura dessas córneas é excepcionalmente fina nas regiões central e inferocentral e, vez por
outra, vem acompanhada de cicatrizes e fibroses subepiteliais que podem dificultar a dissec­
ção lamelar, seja por técnica manual (espátulas, lâminas, microcerátomos) ou automatizada
(com o IntraLase®).
O ganho de acuidade visual deve ser suficiente para proporcionar melhora na qualidade
de vida, com menor dependência. A anestesia geral e a evolução clínica podem ser favoráveis,
mas riscos de infecção e complicações com a sutura devem ser monitorados de perto.
Em geral, a remoção de suturas é feita sob narcose nos pacientes com comportamento
menos previsível; mas, com esclarecimento honesto e entendimento do que será feito, é pos­
sível fazê-lo sob anestesia tópica na lâmpada de fenda no consultório.
A tentativa de correção óptica para erros refrativos residuais pode ser feita ao final de 8 a
12 meses. Isso nem sempre é necessário, pois é muito comum que o ganho visual tenha sido
suficiente para promover o bem-estar do paciente. Muito raramente, há necessidade de recur­
sos de visão subnormal para manter atividades social e física satisfatórias para esses pacientes.
Quanto à medicação pós-cirúrgica, sugere-se manter o corticoide tópico (inicialmente o
acetato de prednisolona a \% até o terceiro mês, seguindo com fluorometolona a 0,1% ou ri-
mexolona 1 x/dia até a alta clínica, em torno de 13 meses) e antibiótico tópico (em geral, uma
fluoquinolona de terceira (ofloxacino) ou quarta gerações (gatifloxacino ou moxifloxacino) du­
rante 7 dias, período no qual há cicatrização epitelial.

BIBLIOGRAFIA
Bodenmueller M, Goldblum D, Frueh BE. Penetrating keratoplasty in Down's syndrome. Klin Monatsbl Augenheilkd, 2003;
220(3):99-102.

Haugen OH, Hovding G, Eide GE, Bertelsen T. Gorneal grafting for keratoconus in mentally retarded patients. Acta Oph­
thalmol Scand, 2001 ; 79(6):609-15.

McElvanney AM, Adhikary HP. Penetrating keratoplasty in mentally retarded. Eye, 1997; 11:786-9.
Cirurgia Combinada
(Transplante + Catarata + LIO)

WALLACE CHAMON

Atualmente, após o advento da cirurgia de catarata em sistema fechado (facoemulsificação), a pri­


meira decisão, ao se optar por uma cirurgia combinada de transplante de córnea, extração de cris­
talino e implante de lente intraocular, é a ordem intraoperatória da realização do procedimento.
Quando se opta pela realização tradicional da excisão corneana seguida pela extração do
cristalino e implante da lente intraocular “a céu aberto” e sutura do enxerto corneano, tem-
se a transparência necessária para a realização da cirurgia de catarata associada à segurança
endotelial do enxerto. No entanto, perde-se a vantagem de uma cirurgia realizada em sistema
fechado por facoemulsificação. A cirurgia de catarata realizada “a céu aberto” é de alto risco,
sendo associada à dificuldade da realização da capsulotomia ou capsulorrexe, à rotura capsu­
lar posterior e ao eventual descolamento de coroide, com ou sem hemorragia expulsiva asso­
ciada. É fundamental que não haja pressão vítrea ou orbitária nesses casos, sendo frequente­
mente optado por anestesia geral.
A alternativa para a realização da cirurgia “tríplice”, usando o sistema fechado, é a reali­
zação da facoemulsificação antes da trepanação corneana. Obviamente, essa sequência tran-
soperatória só pode ser realizada se a transparência corneana permitir a observação do cris­
talino necessária para a facoemulsificação. Tal observação pode ser melhorada com a utiliza­
ção de uma ceratectomia lamelar antes da facoemulsificação, pela utilização de corantes de
cápsula anterior como o azul de Tripan e pela utilização de iluminação tangencial durante a
realização da capsulorrexe.
Outra dificuldade na cirurgia associada é a determinação do poder corneano final no cál­
culo da lente intraocular a ser implantada. Não há solução definitiva para essa questão, mas o
conhecimento das ceratometrias pós-operatórias usuais de determinado cirurgião é a melhor
opção para determinar a ceratometria a ser usada no cálculo do poder refrativo da lente intra­
ocular. Outras opções são a utilização da ceratometria do olho contralateral ou a utilização de
uma ceratometria padrão (43.00 ou 44.00 D).

179
Transplante de Córnea nas
Doenças de Superfície Ocular

DANIEL WASILEWSKI • JOSÉ ÁLVARO PEREIRA GOMES

O restabelecimento da visão em pacientes portadores de doenças da superfície ocular é um


processo composto por diferentes etapas e frequentemente termina com o transplante de
córnea. Esse procedimento tem como objetivos: 1) propiciar função refrativa adequada; 2)
integração anatômica do enxerto; 3) interação imunobiológica com o receptor. Sua realização
deve ser precedida por medidas que proporcionem melhor prognóstico ao enxerto.
Cinco aspectos fundamentais devem ser avaliados antes da realização do transplante de
córnea: 1) relação entre as pálpebras e o globo ocular; 2) filme lacrimal; 3) integração neuro-
anatômica (sensibilidade corneana); 4) inflamação; 5) viabilidade das células-tronco epiteliais
límbicas. Em relação às pálpebras, a correção de entrópio, ectrópio e/ou triquíase e a oclusão
dos pontos lacrimais devem ser realizadas previamente à ceratoplastia. A tarsorrafia pode ser
realizada previamente ou combinada ao transplante no final do procedimento. O controle do
processo inflamatório e a correção da deficiência límbica também devem ser obtidos meses
antes do transplante de córnea, pois podem influenciar de maneira significativa a sobrevida
do enxerto.
Schwartz, Gomes & Holland descreveram uma forma prática de avaliação pré-operatória
das doenças da superfície ocular levando em consideração se o paciente apresenta déficit total
ou parcial das células-tronco epiteliais límbicas e a integridade da conjuntiva (normal, inflama­
ção prévia ou inflamação ativa).
Pacientes com menor acometimento (déficit parcial de células-tronco e conjuntiva normal)
apresentam melhor prognóstico do transplante de córnea do que os pacientes com déficit
total de células-tronco e inflamação conjuntival. Nesse grupo de pior prognóstico, destacam-
se os pacientes portadores de doenças autoimunes e olho seco grave, como os que possuem
sequelas da síndrome de Stevens-Johnson e do penfigoide cicatricial ocular.
Nos casos de doenças da superfície ocular com deficiência total de células-tronco epi­
teliais límbicas, o transplante de córnea pode ser realizado: 1) simultâneo ao transplante de

181
182 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

células-tronco do limbo; 2) utilizando tecido doador único, composto de porção central de


córnea clara e contendo tecido límbico na periferia; 3) após a realização do transplante de
células-tronco. Em pacientes que apresentam lesão da córnea limitada ao estroma anterior, a
realização de transplantes lamelares deve ser considerada.
Pacientes com doenças da superfície ocular apresentam alto índice de rejeição e infecção
após o transplante de córnea e devem ser seguidos com mais cautela. Alterações palpebrais
devem ser corrigidas assim que detectadas. Antibioticoterapia profilática deve ser prolongada,
especialmente nos pacientes que apresentam defeito epitelial persistente.
Uso de imunossupressores tópicos é fundamental no controle desses pacientes. Corticos-
teroides tópicos são sempre utilizados. Entretanto, o uso crônico pode prolongar o tempo de
epitelização, além do risco de causar glaucoma e catarata. Quando necessários por períodos
prolongados, deve-se diminuir a potência e a frequência do corticosteroide prescrito.
Imunossupressores sistêmicos são indicados em pacientes que receberam enxerto límbico
de doador não relacionado. Várias séries anteriormente descritas incluíram o uso de imunos-
supressão sistêmica, particularmente ciclosporina A, com diferentes regimes de administra­
ção. Entretanto, não há ensaios aleatórios que definam a relevância da imunossupressão sistê­
mica após o enxerto de limbo e tampouco nos pacientes que, posterior ou simultaneamente,
se submeteram ao transplante de córnea.

BIBLIOGRAFIA
Alvarenga LS, Mannis MJ, Hirai F, Sato EH, Gomes JAP, Silva LRE, Gonçalves MM. Transplante de córnea nas doenças da
superfície ocular. In: Gomes JAP, Alves MR (eds.). Superfície Ocular. 1a ed rev. Rio de Janeiro: Gultura Médica, 2006; Gap
24, p 325-39.

Gomes JAP. Atualização no tratamento das ceratoconjuntivites cicatriciais. Arq Bras Oftal, 2000; 63:91-6.

Mannis M. Penetrating keratoplasty in ocular stem cell disease. In : Holland EJ, Mannis M (eds). Ocular surface disease. 1st
ed. New York: Springer-Verlag; 2002; p 253-6.

Schwartz GS, Gomes JA, Holland EJ. Pre-operative staging of disease severity. In: Holland EJ, Mannis M (eds.). Ocular surface
disease. 1st ed. New York: Springer-Verlag, 2002; p 158-167.
índice Alfabético

Números em itálico são referentes às figuras. Os números em negrito indicam onde os assuntos são abor­
dados mais extensamente.

A C

Afmamento escleral, 175 Câncer


tratamento, 175 doadores com, 31-32
Afmamentos periféricos, 169-170 Ceratopatia cristalina infecciosa, 157-158
Astigmatismo, 119-134 patogenia, 157
influência da sutura no, 124 Ceratoplastia lamelar anterior, 101-102
pontos, 125 Ceratoplastia lamelar posterior, 103-104
origem, 119 Ceratoplastia penetrante, 93-99
taxas de sucesso, 119 cuidados pós-operatórios, 97
técnicas de, 127 defeito epitelial, 97
trepanação, 120 glaucoma, 98, 144
trépanos manuais, 121 infecção, 98

variáveis, 120 medicações, 97


rejeição endotelial, 98
B remoção de suturas, 98
vazamento da ferida, 98
Banco de olhos visitas ao consultório, 97
transplante de córnea cuidados pré-operatórios, 94
introdução, 3-11 apoio familiar, 95
implantação de, 3 anestesia, 95
número de, 4-8 avaliação ocular completa, 94
mudança nos início da cirurgia, 95
novas técnicas, 67 técnica cirúrgica, 96
Botão corneoescleral sutura, 96
avaliação do tamanho do botão, 96
em lâmpada de fenda, 57-61 trepanação, 96
técnica de preparação do, 47-49 viscoelástico, 97

183
184 Banco de Olhos, Transplante de Córnea

Ceratoplastia rotacional, 111 do sistema nervoso central, 29-30


indicação, 111 Down
técnica de, 111 síndrome de
Ceratoprótese, 115-116 transplante de córnea na, 177-178
história da, 115
implante de, 115 E
mais utilizadas, 115
Enucleação
CMV e HTLV
do globo ocular
no transplante de córnea, 21
do doador de córnea
Ceratoscópios
técnica, 41-44
manuais, Í29
e retirada in situ, 47-49, 51-52
Cirurgia combinada
Epiceratoplastia, 109-110
transplante -I- catarata + LIO, 179-180
definição de, 109
Córnea(s)
estratégia cirúrgica, 109
câmara de fluxo laminar
material usado na, 109
para o processamento das, 45-46
sucesso da, 109
conservação para o transplante, 63-64
Epitelização, 153-154
lamelar e tectônico, 65-66
fatores de risco, 153
distribuição de, 13-14
Equipamentos necessários
sangramento na retirada da, 53-54
para o funcionamento de um
transplante de, 3-11
banco de tecidos oculares, 37-39
autólogo, 113-114
histórico, 75-77 F
indicações de, 79-84
mudança nos bancos de olhos Fluxo laminar
novas técnicas de, 67 câmara de
na síndrome de Down, 177-178 para o processamento das córneas, 45-46
nas doenças da superfície ocular, 181-182
G
D Glaucoma, 143-146
Dermoide limbar, 171-173 associados à ceratoplastia penetrante, 144
definição, 171 biomicroscopia no, 143
presença, 173 classificação, 144
problemas, 172 tratamento
tamanho, 171 cirúrgico, 145
Doador(es) clínico, 145
com câncer, 31-32
critérios de exclusão do, 15-17 H
tempo entre morte e retirada, 16 Hemorragia expulsiva, 159-160
recomposição estética do, 55 definição, 159
técnica para enucleação do globo ocular do, ocorrência, 159
41-44 sintoma, 160
Doença de Chagas Hepatites B e C
no transplante de córnea, 22 no transplante de córnea, 19
Doenças Herpes vírus simples
da superfície ocular no transplante de córnea, 21, 167
transplante de córnea nas, 181-182 Hipotonia, 151-152
índice Alfabético 185

causas, 151 R
tratamento, 151
Receptor e doador
descolamento do corpo ciliar, 151
relação de idade entre
fármacos hipotensores oculares, 152
no transplante de córnea, 35
fístulas, 152
Rejeição e falência, 135-141
hipofunção do corpo ciliar, 152
ciclosporina, 138
H1V corticóide tópico, 139
no transplante de córnea, 20 linha de, Í37
Riscos de transmissão e infecção, 19-24
I
r
índices de sucesso, 85-87 S

Septicemia, 27-28
L no transplante de córnea, 27
Lâmpada de fenda Sífilis
avaliação do botão corneoescleral em, 57-61 no transplante de córnea, 22
conjuntiva, 58 Síndrome
endotélio, 60 Urretz-Zavalia, 147-148
epitélio, 58 Sinequias, 149-150
esclera e limbo, 58 correção cirúrgica das, 150
estroma, 59 tratamento específico, 149
Sistema nervoso central
membrana de Descemet, 60
doenças do, 29-30
M Sorologia obrigatória
interpretação dos testes sorológicos, 25-26
Membrana amniótica Superfície ocular
para uso em oftalmologia transplante de córnea nas doenças de, 181-182
obtenção e conservação da, 71
T
N
Tecido doador
Neovascularização corneana, 155-156 estudo microbiológico do, 21
definição, 155 qualidade do
fatores locais, 155 e causa do óbito, 33-34
Tecido escleral
O processamento e conservação do, 69
Tecidos oculares
Óbito
equipamentos necessários para o
causa do, 33
funcionamento de um, 37-39
Olho
Técnicas cirúrgicas, 89-91
técnica de preparação do botão corneoescleral
Transplante(s)
em
de córnea, 3-11
enucleação e retirada in situ, 47-49
autólogo, 113-114
conservação da, 63-64
P
lamelar e tectônico, 65-66
Punção de infecção corneana, 163-165
fe moral, 42 controle pós-operatório, 164
subclávia, 42 indicações, 163
1 8 6 | Banco de Olhos, Transplante de Córnea

técnicas cirúrgicas, 164 na síndrome de Down, 177-178


histórico, 75-77 no herpes sim ples, 167
indicações de, 79-84 relaçào entre idade do doador e do receptor,
de urgência, 82 35-36
estatísticas das principais, 80 tectônico, 107
lamelar anterior, 79
lamelar posterior, 80 U

penetrante, 80 Úlcera de Mooren, 169


lamelares Urretz-Zavalia
perspectivas futuras, 105-106 síndrome, 147-148

ROTAPLAN
G R Á FIC A C E D IT O R A LTDA

Rua Áivaro Seixas 165 parte


Engenho Novo - Rio de Janeiro - R J
Te!/Fax: 21-2201-1444
E-mail: rotaplanrioQçxail.com

Você também pode gostar