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C O N S E L H O B R A S I L E I R O DE O F T A L M O L O G I A
3a Edição
Coordenador
MILTON RUIZ ALVES
NEUROFTALMOLOGIA
m
GUANABARA
KOOGAN
% Cu ltu ra M édica ®
SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
3a Edição
NEUROFTALMOLOGIA
2013-2014
CONSELHOBRASILEIRODEOFTALMOLOGIA
SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
3â Edição
NEUROFTALMOLOGIA
2013-2014
III
SÉRIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO
NEUROFTALMOLOGIA
EDITOR
COORDENADOR
Milton Ruiz Alves
m
GUANABARA
KOOGAN
Cu ltu ra Médica®
Rio de Janeiro - RJ - Brazil
V
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
N414
3. ed.
Neuroftalmologia / editor Mário Luiz Ribeiro Monteiro ; coordenador Milton Ruiz Alves. - 3. ed. - Rio
de Janeiro : Cultura Médica : Guanabara Koogan, 2013.
il. (Oftalmologia brasileira / CBO)
1. Neuroftalmologia. I. Monteiro, Mário Luiz Ribeiro. II. Alves, Milton Ruiz. III. Conselho Brasileiro de
Oftalmologia. IV. Série.
Esta obra está protegida pela Lei nQ9.610 dos Direitos Autorais, de 19 de fevereiro de 1998, sanciona
da e publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998.
Em vigor a Lei nQ 10.693, de 1Q de julho de 2003, que altera os Artigos 184 e 186 do Código Penal e
acrescenta Parágrafos ao Artigo 525 do Código de Processo Penal.
Caso ocorram reproduções de textos, figuras, tabelas, quadros, esquemas e fontes de pesquisa, são de
inteira responsabilidade do(s) autor(es) ou colaborador(es).
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Cultura Médica®
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20541 -000 - Rio de Janeiro - RJ
Tel. (55 21) 2567-3888 - Fax: (55 21) 2567-3132
Site: www.culturamedica.com.br
e-mail: cultura@culturamedica.com.br
VI
Colaboradores
VII
Apresentação
critas por mais de 400 professores. E a maior obra da maior instituição oftalmológica brasilei
ra: o Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
A concretização da Série Oftalmologia Brasileira representa a continuidade de um traba
lho, um marco, a realização de um sonho.
Com o pensamento voltado na defesa desse sonho que, tenho certeza, é compartilhado
pela maioria dos oftalmologistas brasileiros, estamos dando início a uma revisão dos livros
que compõem a série. Além das atualizações e correções, resolvemos repaginá-los, dando-lhes
uma nova roupagem, melhorando sua edição, de maneira a tornar sua leitura a mais prazerosa
possível.
Defender, preservar e aperfeiçoar a cultura brasileira, aqui representada pelo que achamos
de essencial na formação dos nossos Oftalmologistas, é responsabilidade e dever maior do
Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
O conhecimento é a base de nossa soberania, e cultuar e difundir o que temos de melhor
é a nossa obrigação.
O Conselho Brasileiro de Oftalmologia se sente orgulhoso por poder oferecer aos nossos
residentes o que achamos essencial em sua formação.
Sabemos que ainda existirão erros e correções serão sempre necessárias, mas também
temos consciência de que todos os autores fizeram o melhor que puderam.
Uma boa leitura a todos.
IX
Agradecimentos
Alcori
a Novartis company GOFTALMOLOGIA
EN O M
Vision Care Vrrílu/ CssiLor
um a Lente CssiLor
XI
Sumário
1 Anamnese em Neuroftalmologia...................................................................................................................1
Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Antonio Luiz Zangalli
2 Exame Neuroftalmológico................................................................................................................................ 9
Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Leonardo Provetti Cunha
3
r
4
r
Neurites Ópticas................................................................................................................................................... 43
Marco Aurélio Lana-Peixoto • Mário Luiz Ribeiro Monteiro
5
r
6
r
7
r ____
XIII
9 Neuropatias Ópticas Hereditárias................................................................ 123
Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Carlos Filipe Chicani
10
r
12
r
13
r
XIV
Anamnese em
Neuroftalmologia
INTRODUÇÃO
1
2 | Neuroftalmologia
Durante a anamnese, é de boa norma permitir que o paciente conte sua história com as pró
prias palavras, devendo o examinador analisar quais são os principais sintomas e a cronologia
de cada um deles. Durante a narração da história, o examinador deve observar atentamente
o comportamento e as reações emocionais do paciente. É necessário conduzir a anamnese de
modo que o paciente caracterize suas queixas, rejeitando diagnósticos anteriores ou presumi
dos por ele mesmo. Muitas vezes, os pacientes têm compreensões errôneas quanto à deno
minação de sintomas que apresentam. Por exemplo, a descrição “embaçamento visual” pode
querer dizer falta de foco, perda de luminosidade e até uma falha localizada na visão, depen
dendo do paciente. Desse modo o examinador deve ter muito cuidado e interpretar o que o
paciente descreve para que tenha uma compreensão exata da sua queixa. O que deve ser valo
rizado e anotado não é apenas o nome que o paciente dá à sua sensação, mas sim a descrição
que faz da mesma. Essa descrição deve ser cobrada ativamente pelo examinador, procurando,
no exemplo já citado, definir o que o paciente procura expressar com o termo que utilizou, o
que exatamente quer dizer quando descreve o seu sintoma. É necessário, também, que o exa
minador, ao obter a história clínica, procure utilizar termos simples, evitando termos técnicos
ou expressões interpretativas que possam gerar equívocos ou confusões futuras.
Nem sempre é possível o interrogatório do próprio paciente e, nessas circunstâncias, de
vemos obter os dados clínicos fornecidos por parentes e/ou acompanhantes eventuais. Essa
situação se apresenta nos pacientes em coma ou com distúrbios psíquicos, como agitação psi
comotora, confusão mental e demência. Da mesma forma em crianças, a anamnese nem sem
pre é possível diretamente com o paciente. Em muitos desses casos, a criança é encaminhada
para exame neuroftalmológico por um pediatra ou neurologista infantil, que já conhece a sua
história pregressa. Nesses casos, o médico deve, sempre que possível, tomar ciência, através
daquele que referiu o paciente, do motivo pelo qual o exame foi sugerido, bem como saber
sobre o desenvolvimento da criança e anormalidades que porventura apresente.
É importante determinar quando se iniciou a doença e o modo de instalação desta; qual
a queixa principal que motivou a consulta e há quanto tempo ela está presente, seguida de
uma análise crítica dos sintomas. Por exemplo, uma perda visual de início súbito, como uma
mancha que ocorre ao acordar, pode já dar indicações muito fortes de uma neuropatia óptica
isquêmica. Por outro lado, a perda visual que piora rapidamente ao longo de alguns dias e
acompanhada de dor ocular à movimentação do olho sugere fortemente uma neurite óptica.
Uma cefaleia de início súbito, acompanhada de fotofobia e vômitos, pode traduzir uma crise
de enxaqueca, uma hemorragia meníngea ou, até mesmo, um glaucoma agudo.
Outro elemento importante na história clínica é o modo de evolução da moléstia. O ca
ráter agudo é evidente nos processos isquêmicos e inflamatórios, bem como em muitas pa
ralisias oculomotoras. O caráter progressivo é evidente nas neuropatias compressivas e here-
dodegenerativas. Algumas moléstias evoluem por surtos, ocorrendo remissões espontâneas
entre os surtos, como, por exemplo, a esclerose múltipla e a miastenia gravis. Determinadas
moléstias neuroftalmológicas traduzem-se por nítidas manifestações paroxísticas (enxaqueca
oftálmica), apresentando acalmia no período intercrítico.
No caso de crianças, os pais devem ser questionados acerca da história pré-natal, sa
lientando-se o uso de medicações e processos infecciosos maternos durante a gestação,
Anamnese em Neuroftalmologia | 3
percebidos como uma mancha central na visão. Por outro lado, nas afecções do nervo óptico
na maioria das vezes o escotoma não é percebido de maneira clara pelo paciente, a não ser
aqueles mais observadores.
Alterações do campo visual (escotomas, hemianopsias, quadrantanopsias) podem ser refe
ridas pelos pacientes de bom nível mental, mas, na maioria dos casos, só serão evidenciadas
de modo correto durante o exame físico. Mesmo pacientes atentos podem não perceber um
defeito campimétrico periférico, especialmente quando de evolução lenta.
Pacientes com hemianopsia homônima podem ter dificuldade na leitura, particularmente
nos casos de perda no hemicampo direito, uma vez que não conseguem seguir as palavras
durante a leitura. Pacientes com hemianopsia esquerda, por outro lado, podem ler melhor
as palavras, mas perdem o início do texto quando mudam de uma linha para outra durante a
leitura. Muitos pacientes com hemianopsia homônima de um dos lados, quando descrevem a
perda visual, insistem que tiveram perda da visão de um dos olhos. Por exemplo, o paciente
com hemianopsia homônima direita, ao ser questionado, não raro refere que apresenta perda
visual no olho direito. O médico deve ter em mente a possibilidade dessa confusão, que pode
ser percebida quando perguntamos como é que o paciente via os objetos que estava olhan
do. Desse modo, o relato de que via metade dos objetos (estando com os dois olhos abertos)
deixa claro que estamos diante de uma hemianopsia homônima, e não de perda visual em um
dos olhos.
O examinador deve, ainda, lembrar-se de que o sintoma de visão embaçada também pode
ser referido por pacientes com distúrbios da motilidade ocular (embaralhamento das ima
gens), que ocorre quando a separação das imagens é próxima, o que confunde a percepção do
indivíduo. O dado semiológico mais importante nesses casos é a informação de que a visão
“borrada” melhora com a oclusão de qualquer um dos olhos.
BIBLIOGRAFIA
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Johnson CA, Keltner JL. Principles and techniques of examination of the visual sensory system. In: Miller NR, Newman NJ,
Walsh & Hoyt's Clinical Neuro-Ophthalmology, 5th ed., St. Louis: Mos by-El sevier, 2007; vol 1, Cap. 7; p. 153-235.
Lepore FE. The neuro-ophthalmologic case history: elucidating the symptoms. In: Tasman W, Jaeger E. Duane's clinical
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Monteiro MLR, Dantas AM. Semiologia do sistema visual sensorial. In: Dantas AM, Monteiro MLR. Neuro-Oftalmologia, 2-
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Storch R L, Bodis-Wollmer I. Overview of contrast sensitivity and neuro-ophthalmic disease. In: Nadler MP, Miller D, Nadler
DJ. Glare and constrast sensitivity for clinicians. New York: Springer-Verlag, 1990, p. 5-23.
OI
Exame
Neuroftalmológico
INTRODUÇÃO
O exame se inicia pela observação do paciente desde o momento em que ele entra no con
sultório. Sua maneira de deambular, gestos, o ato de fechar um dos olhos etc., podem dar
sugestões de afecções, tais como perda visual hemianópica, simulação, diplopia. No caso de
crianças, anormalidades no tamanho da cabeça, presença de hipotonia, a maneira pela qual ela
anda ou interage com os pais nos dão informações preciosas.
No exame externo, o aspecto e posição dos supercílios, cílios e presença ou não de prop-
tose devem ser observados. No caso de ptose, deve-se medir a fenda palpebral de cada um
dos lados, bem como desenhar a posição das pálpebras em relação ao olho. Na presença de
proptose, a medida do grau de protrusão do globo ocular deve ser feita pela exoftalmometria,
de preferência com o exoftalmômetro de Hertel. Ao exame ocular externo, observam-se tam
bém alterações da conjuntiva, córnea, o diâmetro corneano, presença ou não de hiperemia e
ulcerações de córnea, bem como o aspecto da íris. Embora o exame ocular externo deva ser
9
10 | Neuroftalmologia
Especial atenção deve ser dada à estimativa da função visual através da medida da acuidade
visual, da visão de cores, sensibilidade ao contraste e exame de campo visual.
Acuidade visual
A medida da acuidade visual usualmente é o primeiro item avaliado no exame neuroftalmoló-
gico. Embora as alterações sejam inespecíficas, sofrendo grande influência de erros de refra-
ção e opacidades de meios, é também muito importante nas afecções da via óptica. A estima
tiva da acuidade visual define o menor ângulo visual que permite ao sistema visual perceber
o estímulo. Para a percepção correta da imagem visual, esta deve ser formada sobre a retina
e transformada em impulsos nervosos, os quais são conduzidos ao cérebro. A focalização
depende de vários fatores, em especial da transparência dos meios refrativos e correção do
erro refracional. De preferência, a medida deve ser feita pelo médico, tomando o cuidado de
corrigir eventuais erros refracionais.
A medida da acuidade visual é feita rotineiramente com as tabelas de optotipos coloca
das a distância apropriada. Geralmente se utiliza a tabela de Snellen. Deve ser lembrado, no
entanto, que esse é um teste psicofísico que exige, além da identificação do estímulo visual, a
sua interpretação e nomeação corretas. Pacientes com agnosia visual podem ter dificuldade na
nomeação da letra, embora possam estar definindo o optotipo com precisão. O médico deve
lembrar dessa possibilidade, quando então será melhor pedir ao paciente que escreva a letra
que vê ou, ainda, medir a acuidade visual com a letra E, pedindo ao paciente que indique para
que lado (ou para cima ou para baixo) essa letra está voltada, da mesma maneira que procede
mos para pacientes analfabetos.
Em crianças entre 2 e 5 anos, utilizamos também tabelas cujos optotipos são representa
dos por figuras, como: carro, casa, bolo, animais etc. Apesar de serem bastante úteis, não apre
sentam a mesma exatidão de construção como as letras das tabelas visuais. No recém-nascido,
a avaliação clínica da visão se baseia, na maioria das vezes, nas respostas oculomotoras a um
estímulo visual. Observa-se a habilidade de cada um dos olhos de fixar e seguir um objeto ou
estímulo luminoso. Deve ser feita a oclusão de cada um dos olhos, o que pode ser difícil em
certos casos pela pobre colaboração, em especial no caso de crianças com retardo do desen
volvimento neuropsicomotor. Quando uma criança resiste muito à oclusão de um olho, deve-se
r
suspeitar que o outro apresente baixa visual. E importante salientar, no entanto, que a boa
fixação e o seguimento de um objeto luminoso não indicam necessariamente que haja visão
normal, uma vez que é necessária uma acuidade visual bastante reduzida para que o olho não
fixe adequadamente. Por outro lado, deve-se também lembrar que a ausência de seguimento
de um objeto não indica necessariamente déficit na função visual, uma vez que pode ser de
corrente de uma deficiência na resposta motora ocular.
Exame Neuroftalmológico | 11
Visão de cores
A avaliação da visão de cores também pode ter importância em neuroftalmologia, embora seu
uso rotineiro e a interpretação dos resultados sejam mais difíceis quando comparados com a
acuidade visual e o campo visual. Como se têm três diferentes pigmentos nos cones, os seres
humanos com visão de cor normal são chamados tricromatos. Aqueles que são incapazes de
distinguir corretamente as nuances são descritos como deficientes para cor. Eles têm essa de
ficiência em um ou mais dos três tipos de cones. Muitos deles aprendem a dar nomes de cores
a objetos familiares.
Doenças adquiridas da via óptica comumente causam alteração na percepção de cores. Os
sintomas refletem uma redução no brilho e saturação das cores, mais observada com relação
ao vermelho, embora possa ocorrer para com todas as cores. Na terminologia de cores, satura
ção se refere à pureza da cor e dessaturação é o grau no qual a cor é misturada com o branco.
Alguns pacientes caracterizam a sensação como escura, isto é, o vermelho se torna âmbar,
enquanto outros referem que a cor se mostra desbotada ou mais clara, quando o vermelho se
torna mais alaranjado ou amarelado.
Os testes mais comuns para visão de cor são o Ishihara, o teste de Hardy-Rand-Hitter e o
teste de Farnsworth-Munsell D-15 e de 100 tons. Muitas afecções da via óptica se manifestam
por alteração na visão de cores. Acredita-se que as alterações adquiridas na visão de cores
tipicamente envolvem a discriminação do verde-vermelho, nas doenças do nervo óptico, e o
azul-amarelo, nas doenças da mácula. Existem, no entanto, numerosas exceções a essa regra,
que deve ser usada como um guia e não como uma regra rígida. Algumas doenças maculares
são associadas com defeito na discriminação do verde-vermelho, mas são caracterizadas por
alteração na discriminação do azul-amarelo nas fases iniciais. Do mesmo modo, doenças do
nervo óptico que envolvem primariamente o feixe papilomacular e se associam com perda
importante de acuidade visual se associam com defeitos no verde-vermelho, enquanto aque
las que levam a alterações pericentrais, com preservação da acuidade visual, caracterizam-se
por alteração no azul-amarelo. Exemplos dessas condições que afetam primeiro a região pe
ricentral incluem o glaucoma, o papiledema, a atrofia óptica dominante e a neuropatia óptica
isquêmica.
Sensibilidade ao contraste
Alterações nas vias ópticas também se traduzem frequentemente por alterações na sensibili
dade ao contraste, que pode ser avaliada por testes comercialmente disponíveis. A acuidade
visual define o menor detalhe espacial que pode ser diferenciado para estímulos com alto
contraste, mas não especifica as respostas do sistema visual a objetos de diferentes tama
nhos e contrastes. O grau de visibilidade de uma figura genérica pode também ser alterado,
reduzindo-se o seu contraste até um limite abaixo do qual ela não é mais reconhecida, inde
pendentemente do seu tamanho.
Frequentemente, a acuidade de leitura de teste de Snellen pode permanecer sem altera
ções em casos de disfunção do nervo óptico, apesar das reclamações sobre a diminuição da
claridade. Os pequenos optotipos apresentados, com quase 100% de contraste sobre a carta
de acuidade, são de mais fácil interpretação para os pacientes do que os objetos maiores de
12 | Neuroftalmologia
baixo contraste que dominam nosso ambiente visual. A sensibilidade ao contraste é definida
como a habilidade em discernir visualmente tais graus súbitos de contraste. Existem inúmeros
aparelhos para medida da sensibilidade ao contraste que podem ser úteis em várias afecções
da via óptica, particularmente as neuropatias ópticas. Deve ser lembrado, no entanto, que a
redução da sensibilidade ao contraste pode também ocorrer em inúmeras outras afecções
oculares, sendo, portanto, uma alteração relativamente inespecífica.
Para que o exame de campo visual seja bem feito, é necessária uma adequada instrução do
paciente com a correspondente compreensão e cooperação deste, além da ausência de fato
res de influência. Para evitar esses fatores, devem-se observar a correta posição e a fixação do
paciente, o diâmetro da pupila igual ou maior que 3 mm, a ausência de opacidades dos meios
oculares, a correção da ametropia no campo central e a adaptação à luz de fundo. Também
devem ser considerados o efeito aprendizagem e a fadiga do paciente frente ao exame demo
rado; portanto, deve ser usada técnica compatível com o grau de compreensão e possibilidade
de interação do paciente.
paciente através de um telescópio acoplado à cúpula (Fig. 1). Com um mecanismo de bra
ços articulados, o examinador movimenta o estímulo luminoso na cúpula. O paciente per
ceberá ou não o estímulo, que será registrado em forma de gráfico, situado em frente ao
examinador. O método é extremamente útil para localização de defeitos ao longo da via
óptica e permite uma avaliação completa do campo visual. Possui grande versatilidade e
pode ser realizado mesmo em indivíduos idosos ou com afecções neurológicas ou clínicas
que reduzam em parte sua capacidade de concentração. Tem também a vantagem de dese
nhar todo o campo visual, incluindo o crescente temporal, o que permite uma noção mais
r
locais correspondentes (p. ex., no campo visual à direita) nos dois olhos são denominados
escotomas hemianópicos e indicam lesões retroquiasmáticas.
d) Redução concêntrica do campo visual: situação na qual o campo visual se mostra reduzido
igualmente em toda a periferia, podendo chegar a se limitar apenas à visão central. A re
dução pode afetar também apenas um setor da periferia do campo visual (p. ex., retração
temporal superior). Quando falta a metade do campo visual, a denominação usada deve ser
hemianopsia. A constrição difusa do campo visual é um achado relativamente inespecífico,
mas ocorre com grande frequência nos pacientes com papiledema crônico.
As fibras da metade nasal de cada uma das retinas cruzam-se no quiasma óptico de modo
que as fibras nos tratos ópticos são aquelas da metade temporal de uma retina e da metade nasal
da outra. Lesões que afetam o quiasma óptico, como os tumores da pituitária, expandindo-se para
fora da sela túrcica, causam predominantemente lesão das fibras de ambas as hemirretinas na
sais e produzem hemianopsia heterônima. A característica principal das alterações quiasmáti-
cas é, portanto, produzirem elas defeitos de campo bitemporais (Fig. 5). Esses defeitos podem
ser discretos, quadrantopsias ou mesmo hemianopsias temporais em cada olho. Somente ao
nível do quiasma óptico é que podemos ter um defeito bitemporal verdadeiro. No entanto,
é importante lembrar que existem condições que simulam um defeito bitemporal, podendo
causar confusão diagnóstica. Isto ocorre especialmente nas anomalias de papila, em especial
a papila inclinada. O diferencial pode ser feito pelo fato de que o defeito não respeita verda
deiramente o meridiano vertical.
Os defeitos bitemporais verdadeiros podem ser extremamente assimétricos e devem sem
pre levantar a suspeita de uma afecção quiasmática. Quando a compressão quiasmática se faz
de baixo para cima, como nos adenomas hipofisários, o defeito bitemporal é mais acentuado
nas porções superiores do campo visual de cada um dos olhos. Quando a compressão quiasmá
tica ocorre de cima para baixo, usualmente o defeito campimétrico ocorre no setor temporal
inferior do campo visual. Além dos adenomas hipofisários, as síndromes quiasmáticas podem
ser causadas por craniofaringiomas, meningiomas e aneurismas, além de outras causas mais
raras, como metástases, disgerminomas e mesmo processos inflamatórios e desmielinizantes.
Deve ser lembrado, ainda, que lesões quiasmáticas mais avançadas podem produzir defeitos
também nos campos nasais, podendo causar à cegueira completa de um ou dos dois olhos. Isto
é, embora as fibras cruzadas sejam aquelas que predominantemente sofrem o efeito da com
pressão, as fibras não cruzadas (provenientes da retina temporal e que correspondem ao campo
nasal) podem também ser acometidas nos casos mais graves de compressão quiasmática.
As lesões retroquiasmáticas caracterizam-se por hemianopsias homônimas (Fig. 4) e po
dem ser causadas por lesões no trato óptico, no corpo geniculado lateral, nas radiações óp
ticas ou no lobo occipital. A acuidade visual é normal nesses pacientes, uma vez que apenas
um lado do campo visual é acometido. Quando a hemianopsia homônima é completa, ela não
apresenta valor localizatório e será semelhante na lesão de qualquer das estruturas supracita
das. Já os defeitos incompletos podem ser congruentes (semelhantes nos dois olhos) ou incon
gruentes (mais acentuados em um dos olhos), o que pode auxiliar na localização.
Lesões retroquiasmáticas parciais anteriores acometendo o trato óptico são bastante incon
gruentes e manifestam-se também por atrofia óptica nas fases mais tardias. As causas compressivas
geralmente são as mesmas que acometem o quiasma óptico. Acometimento isquêmico no territó
rio da artéria coroidal anterior também pode ocasionar disfunção no trato óptico.
Lesões que acometem o corpo geniculado lateral são bastante incomuns e também po
dem ocasionar hemianopsias homônimas, usualmente incongruentes. O defeito pode acome
ter a região mediana do campo visual, com preservação relativa dos setores superior e inferior
do campo, embora também possa levar a perdas maiores e, até mesmo, a uma hemianopsia
homônima completa.
A presença de defeitos campimétricos homônimos superiores e não congruentes geral
mente localiza a lesão ao lobo temporal contralateral por acometimento das radiações ópticas
nessa região (alça de Meyer). As alterações campimétricas decorrentes de lesões occipitais
20 I Neuroftalmologia
são extremamente congruentes. Lesões que preservam a área macular e que ocorrem em in
divíduos sem outros sintomas são características de afecções isquêmicas do lobo occipital. As
lesões isquêmicas são a causa mais comum de hemianopsia occipital. Outras causas incluem
malformações arteriovenosas, traumas, tumores, doença desmielinizante, leucoencefalopatia
multifocal progressiva, doença de Alzheimer etc.
A Figura 9 representa, de forma esquemática, os tipos de alterações de campo visual nas
lesões ao longo da via óptica.
Fig. 9 Campo visual anormal, representação esquemática da via óptica mostrando os lugares de total in
terrupção das fibras nervosas e os vários campos visuais anormais produzidos por tais interrupções.
1. Nervo óptico - cegueira no lado da lesão; com campo contralateral normal. 2. Quiasma - hemianopsia
bitemporal. 3. Trato óptico - hemianopsia homônima incongruente contralateral. 4. Nervo óptico - junção
do quiasma; cegueira no lado da lesão com hemianopsia temporal contralateral ou escotoma hemianóptico.
5. Trato óptico posterior, corpo geniculado lateral, perna posterior da cápsula interna - hemianopsia homô
nima contralateral completa ou hemianopsia homônima contralateral incompleta. 6. Radiação óptica; alça
anterior no lobo temporal - hemianopsia homônima contralateral incongruente ou quadrantanopsia supe
rior. 7. Fibras mediais da radiação óptica - quadrantanopsia homônima inferior contralateral incongruente.
8. Radiação óptica no lobo parietal - hemianopsia homônima contralateral, algumas vezes ligeiramente in
congruente com preservação mínima. 9. Radiação óptica no lobo parietal posterior e lobo occipital - hemia
nopsia homônima contralateral congruente com preservação macular. 10. Porção média do córtex calcarino
- hemianopsia homônima contralateral congruente com grande preservação macular e preservação do
crescente temporal contralateral. 11. Extremidade do lobo occipital - hemianopsia contralateral congruente
com escotomas. 12. Extremidade anterior da fissura calcarina - perda contralateral do crescente temporal, às
vezes, com campos visuais normais. (Reproduzida com autorização do Professor Harrington, DO. The visual
fields. A textbook and atlas of clinical perimetry. St. Louis: Mosby, 1981; p. 108.)
Exame Neuroftalmológico | 21
Também representa uma etapa fundamental do exame neuroftalmológico. Devem ser pesqui
sadas a forma, tamanho e reatividade para perto e à luz, e verificadas as reações direta e con
sensual à luz e a presença ou não de defeito pupilar aferente e eferente. A pesquisa do defeito
pupilar aferente ou sinal de Marcus Gunn, indicativo de um defeito pupilar aferente relativo, é
de grande importância nessa avaliação, pois pode ser um indicador sensível de comprometi
mento da via óptica anterior, particularmente o que ocorre nas neuropatias ópticas.
A pupila é o orifício circular situado no centro da íris, contornado pelo músculo esfíncter
da pupila e por fibras musculares radiais, o músculo radial da íris. A interação dos dois múscu
los e do tecido iriano define o diâmetro pupilar. O diâmetro pupilar varia grandemente, desde
1,5 mm até 8 a 9 mm. O diâmetro geralmente atinge o máximo na adolescência e tende a
reduzir-se com a senilidade. O exame das pupilas envolve a análise da função do nervo óptico
(sistema aferente), assim como a do nervo oculomotor e via simpática ocular (eferência). À
inspeção, observamos se as pupilas são isocóricas ou não. Assimetrias no tamanho das pupilas
podem ser fisiológicas, quando pequenas (anisocoria central), ou secundárias à lesão do siste
ma de controle pupilar eferente.
As reações pupilares à luz devem ser cuidadosamente pesquisadas. A presença de reflexo fo-
tomotor indica integridade da porção aferente do arco reflexo pupilar e que envolve os elementos
da retina, nervo óptico, quiasma óptico e porção anterior do trato óptico e do braço eferente do
reflexo que envolve o nervo oculomotor. Ao se incidir a luz sobre um dos olhos, verifica-se, depois
de curto período de latência, a contração da pupila (miose) do mesmo olho, estimulado (reflexo
fotomotor direto), bem como contração, simultânea e de mesma amplitude, da pupila do olho con-
tralateral não estimulado (reflexo fotomotor consensual). A contração da pupila é mediada pelo im
pulso luminoso, que é conduzido pela retina, nervo óptico, quiasma, trato óptico, mesencéfalo até
o núcleo parassimpático do oculomotor, que ocasiona a constrição pupilar. A constrição também
ocorre após um esforço na focalização para perto. Já a dilatação pupilar é mediada pelo sistema
nervoso simpático, que leva à estimulação do músculo dilatador da íris.
A maneira mais sensível de avaliar a presença ou não de um defeito pupilar aferente é
através da comparação da reação pupilar à luz dos dois olhos, usando o chamado swinging
flashlight test. Normalmente, ambas as pupilas se contraem quando a luz é apresentada a um
olho. Se um flash de luz é apresentado a um olho e rapidamente movido para o contralateral,
as pupilas devem permanecer aproximadamente do mesmo tamanho ou se contrair levemen
te. Essa constrição ocorre porque as pupilas se dilatam quando a luz passa de um olho para
o outro. Se uma lesão interfere com a condução de luz de um olho para o outro, a pupila se
dilata quando o foco luminoso se move do olho normal para o anormal.
O exame pupilar deve observar também a presença ou não de anisocoria, que pode ser
causada por lesão da pupila maior (déficit na contração) ou da pupila menor (dificuldade na
dilatação). A anisocoria pode também ser fisiológica, quando a diferença de tamanho das pu
pilas se mostra semelhante em diferentes níveis de iluminação.
Atenção também deve ser dada ao exame da reação pupilar de acomodação-convergência.
Algumas condições, como a síndrome de Parinaud, provocam déficit da reação pupilar à luz,
embora se mantenha a reação de acomodação-convergência (dissociação luz-perto). As princi
pais alterações pupilares serão discutidas em capítulo separado.
22 I Neuroftalmologia
EXAME BIOMICROSCÓPICO
Realizado à lâmpada de fenda, deve ser parte integrante do exame neuroftalmológico, sempre
que possível. O exame é importante para afastar a presença de inúmeras afecções oculares.
Além disso, pode também contribuir com sinais oculares que possibilitam diagnósticos, como
Exame Neuroftalmológico | 23
OFTALMOSCOPIA
O exame fundoscópico constitui etapa fundamental do exame neuroftalmológico. Pode ser feito
com o oftalmoscópio direto, indireto ou com a biomicroscopia de fundo de olho. Para os objetivos
do exame neuroftalmológico, quatro áreas do fundo de olho são importantes. A região da média
periferia deve ser observada para verificar a presença ou não de anormalidades pigmentárias, espe
cialmente em crianças. A região macular deve ser visibilizada não só para afastar lesões grosseiras,
como cicatrizes de coriorretinites, como também alterações pigmentárias sutis, porém importan
tes no diagnóstico de afecções maculares que podem confundir-se com afecções do restante da
via óptica. O disco do nervo óptico é a região de maior importância, devendo ser observada a cor
do disco óptico e se existe ou não edema de papila. Por fim, a região da camada de fibras nervosas
retinianas peripapilares também deve ser examinada.
O disco óptico deve ser avaliado quanto à presença de anomalias de papila, que podem ser
causa de baixa visual e também de confusão diagnóstica com outras afecções, como no caso
da drusas de disco óptico. As principais delas serão abordadas no capítulo correspondente às
anomalias congênitas da papila. Atenção especial deve ser dada também à observação de ede
ma de papila, que pode ocorrer em graus variáveis, associado ou não a exsudatos e hemorra
gias peripapilares. A cor do nervo óptico deve ser atentamente observada nas suas diferentes
posições, mostrando-se pálida, em graus variáveis, nos casos de atrofia óptica.
A análise da camada de fibras nervosas retiniana (CFNR) é uma etapa fundamental na se
miologia neuroftalmológica. Pode ser de auxílio na identificação e localização de lesões da via
óptica, já que se altera em lesões anteriores ao corpo geniculado lateral (não se altera em afec
ções retrogeniculadas). Alterações na CFNR muitas vezes são mais fáceis de observar do que a
palidez do disco óptico, e também servem para valorizar uma palidez papilar duvidosa. Além
disso, determinados padrões de perda da CFNR podem auxiliar no diagnóstico da afecção
neuroftalmológica e podem ser úteis no controle evolutivo de determinadas afecções. A CFNR
é composta, principalmente, de axônios das células ganglionares, astrócitos e componentes
das células de Müller, estimando-se que haja de 700 mil a 2 milhões de células ganglionares
retinianas organizadas em quatro a seis camadas na mácula e duas na periferia.
A organização geral da CFNR tem três características principais: a primeira é que as fibras
do feixe papilomacular contêm as fibras que se originam na área foveal. Aquelas que são do
setor nasal da mácula projetam-se diretamente ao nervo óptico, enquanto aquelas da mácula
temporal arqueiam-se em torno das primeiras. A segunda é que as fibras da retina temporal ar
queiam-se em torno das fibras maculares que se originam mais cedo no desenvolvimento. Uma
linha de transição ou rafe, não só anatômica mas também funcional, desenvolve-se na retina
temporal, delimitando as fibras que vão arquear-se por cima daquelas que seguirão o trajeto
24 | Neuroftalmologia
inferior à rafe. Essas fibras da retina temporal entram no disco óptico nos polos superior e in
ferior, onde a CFNR peripapilar é muitas vezes mais espessa do que aquela nos setores nasal e
temporal. A terceira característica é a distribuição radial das fibras que penetram o setor nasal
do disco óptico. A divisão nasotemporal da retina (e do campo visual) é uma linha vertical que
passa pela fóvea e não pelo disco óptico, que é perpendicular à rafe horizontal. As fibras que
se originam das células ganglionares, localizadas nasalmente na fóvea, cruzam no quiasma óp
tico, enquanto as demais não cruzam. As fibras da retina temporal que não cruzam no quiasma
penetram o disco óptico apenas nos polos superior e inferior, enquanto as fibras originárias na
retina nasal e que cruzam no quiasma penetram o disco óptico em toda a sua volta.
A perda da CFNR pode ser difusa ou focal. A perda focal pode ser na forma de fendas ou de
defeitos em cunha na CFNR. A perda completa e difusa é facilmente detectável devido à expo
sição dos detalhes da retina e da coroide. Uma perda parcial e uniforme das fibras, por outro
lado, é muito difícil de identificar clinicamente, sobretudo se bilateral e simétrica.
Vários padrões podem ser úteis em neuroftalmologia, como, por exemplo, a perda focal
ou difusa, que pode ocorrer na neurite óptica desmielinizante; a perda do feixe papilomacular,
que ocorre em neuropatias tóxicas, desmielinizantes ou heredodegenerativas; o acometimen
to preferencial dos feixes superior e inferior, que pode ocorrer nas neuropatias traumáticas
e isquêmicas; a perda da CFNR “em banda” , ou seja, preferentemente nos setores temporal e
nasal do disco óptico, que pode ocorrer nas afecções do quiasma e do trato óptico etc. Desse
modo, a avaliação da CFNR é de importância fundamental na semiologia neuroftalmológica.
PROPEDÊUTICA COMPLEMENTAR
Mfcrons Mfcrorw
Fig. 11 Exemplo de paciente com neuropatia tabaco-álcool, perda visual bilateral, escotoma cecocentral,
palidez temporal de disco óptico e redução da camada de fibras nervosas peripapilares evidenciada pela
tomografia de coerência óptica, principalmente no setor temporal (seta).
campo visual e há dúvidas se essa perda pode ser revertida ou não. O OCT, nessas situações,
pode ser útil, em especial nas doenças compressivas da via óptica anterior. Por exemplo,
considerando-se um paciente com adenoma de hipófise cujo exame de neuroimagem de
monstra sinais de compressão ativa do quiasma óptico, caso o exame de OCT não revele
Exame Neuroftalmológico | 27
Testes eletrofisiológicos
Os testes eletrofisiológicos são métodos diagnósticos que permitem a avaliação objetiva das
respostas provenientes das estruturas retinianas, das vias ópticas e do córtex visual. Podem
ser classificados de acordo com o tipo de resposta evocada e segundo sua origem. As aplica
ções clínicas desses métodos é ampla, podendo ser utilizados no diagnóstico de doenças reti
nianas, nas neuropatias ópticas e, também, nos casos de perda visual de origem indetermina
da. A Tabela I resume os principais testes eletrofisiológicos disponíveis. As doenças retinianas
e do epitélio pigmentado da retina são melhor avaliadas pelo eletrorretinograma (tipo flash) e
eletro-oculograma; entretanto, a abordagem desses dois métodos foge aos objetivos do pre
sente capítulo. Abordaremos a seguir os principais testes eletrofisiológicos, com ênfase nas
afecções da via óptica, com destaque especial para as afecções da via óptica anterior.
TABELA I Principais testes eletrofisiológicos e sua correlação com as estruturas anatômicas avaliadas
E s tru tu ra a n a tô m ic a T e s te e le tr o f is io ló g ic o
Modificado de Weisinger HS; Vingrys AJ, Sinclair AJ et o i Clin Exp Optom, 1996; 79:50-61.
28 I Neuroftalmologia
Angiografia fluoresceínica
A angiografia fluoresceínica permite a análise dinâmica da circulação da coroide, retina e disco
óptico. É amplamente utilizada nas afecções da retina e da coroide, onde seu uso já é consa
grado. Em neuroftalmologia, apesar de não ser exame rotineiro, pode ser útil como auxílio
diagnóstico em algumas afecções.
Para uma avaliação adequada da circulação na cabeça do nervo óptico, é necessário que
o angiograma seja realizado de modo sequencial e com obtenção de imagens bem precoces
(fases pré-retiniana e retiniana precoce). A observação do enchimento da coroide na região
peripapilar revela a presença de zonas chamadas limítrofes (watershed). Essas zonas represen
tam um território de transição entre duas áreas irrigadas pelos ramos terminais das artérias
ciliares posteriores curtas. São importantes na compreensão dos mecanismos fisiopatogênicos
de algumas doenças, em especial na neuropatia óptica isquêmica anterior (NOIA), pois essas
zonas representam áreas de maior vulnerabilidade à hipoperfusão arterial.
De modo geral, podemos classificar as alterações do disco óptico ao angiograma em hipo
ou hiperfluorescentes. As lesões hipofluorescentes podem ocorrer por bloqueio da fluorescência
ou por falha na perfusão. No primeiro grupo, temos como exemplo lesões pigmentadas, como
melanocitoma do disco óptico, ou bloqueio ocasionado pela presença de fibras de mielina.
As alterações hipofluorescentes por deficiência de perfusão podem ser encontradas em
pacientes com NOIA. Essa afecção caracteriza-se por comprometimento da perfusão do disco
óptico que ocorre de forma segmentar ou difusa, acometendo suas porções retrolaminar e la
minar. A forma não arterítica é caracterizada pela hipoperfusão das artérias ciliares posteriores
30 I Neuroftalmologia
curtas, enquanto, na forma arterítica, temos a presença de vasculite oclusiva dessas artérias.
Na fase aguda da NOIA, a angiografia pode revelar atraso do enchimento da coriocapilar peri-
papilar, além de hipofluorescência nas porções laminar e retrolaminar, seguido de hiperfluo-
rescência por impregnação do disco óptico nas fases mais tardias do angiograma.
Quanto às alterações que podem levar a uma hiperfluorescência de disco óptico, geral
mente são secundárias a um aumento da permeabilidade vascular, quebra da barreira hema-
torretiniana interna ou incompetência vascular, e as principais condições são os edemas de
disco óptico.
O edema de disco secundário a hipertensão intracraniana, denominado papiledema, é uma
condição em que podemos ter hiperfluorescência com padrão de vazamento ao angiograma. Esse
achado pode ser útil no diagnóstico diferencial, em especial nos casos em que o edema de disco é
discreto, auxiliando a diferenciar o papiledema de condições que podem simular edema, como no
caso das drusas de disco óptico, disco óptico congenitamente cheio, por exemplo.
Outra causa de edema de disco óptico, quando também podemos encontrar uma hiper
fluorescência com padrão de vazamento por aumento da permeabilidade vascular, são as neu-
rites ópticas. Nos quadros de neurorretinite, temos um acometimento da retina secundário
ao acometimento primário do nervo óptico; portanto, a hiperfluorescência com padrão de
vazamento ocorre inicialmente a partir do disco óptico, com edema de retina secundário, mais
evidente nas fases intermediárias e tardias do angiograma.
As drusas de disco óptico são depósitos extracelulares de material amorfo e hialino que po
dem ser visualizados como concreções ou nódulos localizados na cabeça do nervo óptico. Essas
condições podem simular um edema de disco óptico, sendo o principal diagnóstico diferencial
de pseudoedema de disco óptico. A angiografia fluoresceínica pode ser importante, pois auxilia
na identificação das drusas. Para isto, colocam-se os filtros e barreiras utilizados na realização
do angiograma e, sem a injeção do contraste, registra-se a foto. Pode-se então, por essa técnica,
r
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Anomalias Congênitas
do Nervo Óptico
INTRODUÇÃO
As afecções do nervo óptico representam as lesões mais comuns da via óptica. Dentre elas
devemos mencionar as anomalias congênitas, as neuropatias inflamatórias, isquêmicas, tóxi
cas, carenciais, compressivas, hereditárias e traumáticas. Deve ainda ser lembrado o edema
de papila que ocorre na hipertensão intracraniana. Essas são as principais moléstias estudadas
em neuroftalmologia e serão discutidas nos capítulos a seguir, iniciando pelas anomalias con
gênitas do disco óptico.
O disco do nervo óptico ou papila óptica é o principal local de afecções congênitas da via
óptica. Essas afecções são importantes devido à sua frequência e por serem causa comum de
confusão diagnóstica. Além disso, têm importância por poderem associar-se a outras malfor
mações sistêmicas e intracranianas. As principais anomalias congênitas do nervo óptico são:
a hipoplasia do nervo óptico, a papila inclinada, as drusas de papila, o coloboma de papila e
síndrome de Morning Glory e as fibras de mielina, que serão aqui revisadas.
Hipoplasia do nervo óptico é uma anomalia congênita na qual o disco óptico é anormalmente
pequeno, com aparência esbranquiçada ou acinzentada, em decorrência de um menor número
de axônios. Pode ser uni ou bilateral, associada ou não a anomalias do sistema nervoso cen
tral. A anomalia já foi considerada muito rara no passado, quando apenas as formas graves
da doença eram reconhecidas. Atualmente, no entanto, passou a ser reconhecida com maior
frequência, e acredita-se que seja uma das principais causas de cegueira congênita. A sua real
incidência na população, no entanto, não é bem conhecida.
31
32 I Neuroftalmologia
Um grande espectro de déficits visuais tem sido descrito, variando desde acuidade visual
normal até ausência de percepção luminosa. Os pacientes afetados podem apresentar nistag-
mo, diminuição da acuidade visual, da visão de cores e do campo visual. Uma vez que a HNO
pode se associar com estrabismo, é importante lembrar que a ambliopia por deprivação pode
também contribuir para a baixa visual. O campo visual pode mostrar alterações como esco-
tomas cecocentrais, defeitos nasais ou temporais, defeitos altitudinais etc. O tipo de defeito
mais comum parece ser a depressão temporal superior e a constrição generalizada. O diag
nóstico diferencial deve ser feito particularmente com discos pequenos normais (com número
normal de fibras) e com a atrofia óptica.
Além das formas difusas de hipoplasia do nervo óptico, duas formas segmentares mere
cem destaque: a hipoplasia segmentar superior e a hipoplasia homônima hemianópica. Hipo
plasia homônima hemianópica é o termo usado para designar uma forma assimétrica de hipopla
sia segmentar vista em pacientes com lesões cerebrais hemisféricas unilaterais envolvendo a
via visual retroquiasmática. Nesses casos, o disco óptico contralateral à lesão cortical mostra
hipoplasia segmentar envolvendo os setores nasal e temporal do disco óptico, com perda
correspondente das fibras nervosas dessa região. O disco óptico ipsilateral pode variar desde
um aspecto de tamanho normal até francamente hipoplásico. A alteração da forma dos discos
ópticos resulta de degeneração transináptica das fibras do trato óptico, resultante de lesões
hemisféricas congênitas. Outra forma de hipoplasia localizada é a hipoplasia segmentar superior,
associada a defeito campimétrico inferior e que ocorre principalmente, embora nem sempre,
em filhos de mães diabéticas insulino-dependentes.
Pode haver associação da HNO com outras malformações, principalmente nas formas mais
graves de hipoplasia. A principal associação é com a agenesia do septo pelúcido (Fig. 3). Essa
associação entre HNO e agenesia do septo pelúcido é denominada displasia septo-óptica ou
síndrome de Morsier. Nesses pacientes pode haver disfunção hipofisária variável desde alte
rações subclínicas até pan-hipopituitarismo, podendo ocorrer o nanismo hipofisário. Além do
hormônio de crescimento, pode haver deficiência de outros hormônios, assim como diabetes
insípido em pacientes com displasia septo-óptica. A síndrome da displasia septo óptica con
siste, portanto, em uma constelação variável de defeitos de estruturas da linha média do cé
rebro, incluindo: 1) hipoplasia ou ausência do septo pelúcido (mas também do corpo caloso);
PAPILA INCLINADA
A síndrome da papila inclinada é uma condição bilateral não hereditária em que o disco óptico
é ovalado, com o seu eixo mais longo situado obliquamente, tendo a porção superotemporal
elevada e a porção inferonasal situada posteriormente. Associadamente, observam-se situs
inversus (saída dos vasos retinianos inicialmente em direção ao setor nasal da retina), presença
de afilamento do epitélio pigmentar retiniano no setor inferonasal e crescente naquela região,
que leva a um aspecto denominado coloboma de Fuchs (Fig. 4). Acredita-se que ocorra igual
mente em homens e mulheres, em 1 a 2% da população, sem um padrão hereditário específico.
A anomalia pode ter diferentes graus de gravidade, desde formas mais discretas até a
síndrome completa com o coloboma de Fuchs e a papila ovalada (Fig. 4). Os pacientes geral
mente apresentam astigmatismo miópico com o eixo a favor da regra. A causa dessa anomalia
é desconhecida.
A papila inclinada é bastante frequente e pode causar confusão diagnóstica. A anoma
lia pode-se apresentar com defeito bitemporal de campo visual, simulando uma compressão
Anomalias Congênitas do Nervo Óptico | 35
quiasmática. O defeito de campo deve-se ao fato de que a retina inferior situa-se posterior
mente à região superior, ou seja, apresenta-se miópica em relação às demais regiões da retina.
Frequentemente, o defeito de campo melhora ou desaparece com a adição de lentes negati
vas, repetindo-se o teste no setor temporal superior após a adição destas. O defeito supero-
temporal é caracteristicamente limitado às miras pequenas e médias. A sensibilidade retiniana
pode também se mostrar reduzida na região inferonasal da papila. Sendo assim, o defeito
pode persistir pelo menos em parte, a despeito do uso de lentes corretoras.
Uma característica extremamente importante do defeito de campo causado pela síndrome
da papila inclinada é que este não respeita adequadamente o meridiano vertical, o que o dife
rencia da síndrome quiasmática verdadeira. Confusões diagnósticas são muito frequentes com
essa anomalia, especialmente nas formas mais discretas, em que o coloboma de Fuchs mostra-se
discreto ou ausente. Deve ser enfatizado, no entanto, que a síndrome da papila inclinada é
uma condição bastante frequente e que, por isso, pode ocasionalmente estar presente em
indivíduos com compressão quiasmática verdadeira, especialmente por tumores da glândula
pituitária. É, portanto, muito importante verificar se o defeito respeita ou não o meridiano
vertical. Em casos de dúvida, deve-se afastar a presença de processo expansivo com uso de
tomografia computadorizada ou imagem por ressonância magnética.
DRUSAS DE PAPILA
Drusas do nervo óptico, também denominadas corpos hialinos ou coloides, são concreções
de material amorfo, laminado, extracelular, de causa desconhecida, situados na região pré-la-
minar do nervo óptico e que podem levar à confusão diagnóstica com papiledema. Essa confu
são é mais provável de acontecer na infância, quando as drusas são ocultas, situando-se abaixo
da camada de fibras nervosas no disco óptico. As drusas do disco tornam-se mais aparentes
a partir da segunda década de vida, passando a superficializar-se e, portanto, sendo visíveis à
oftalmoscopia.
As drusas ocorrem numa incidência de 3,4 a 24 indivíduos por 1.000 habitantes, depen
dendo do estudo, e são bilaterais em cerca de 75% dos casos, embora usualmente assimé
tricas. Predominam em caucasianos (85% dos casos), sem preferência por sexo. Embora uma
36 | Neuroftalmologia
herança autossômica dominante com padrão irregular seja descrita, a maioria dos casos é
esporádica. A baixa prevalência em indivíduos da raça negra pode ser atribuída à variação ra
cial no tamanho do disco óptico, que é maior nesses indivíduos, enquanto as drusas tendem
a ocorrer em papilas pequenas.
As drusas do disco óptico já foram descritas em associação com retinose pigmentar, es
trias angioides, enxaqueca, esclerose tuberosa e neurofibromatose. O exame histopatológico
caracteriza-se pelo achado de pequenas concreções globulares homogêneas, que muitas ve
zes se agrupam em aglomerados maiores e multilobulados. Esses corpos coloides apresentam
reação positiva para corantes de cálcio. As drusas são mais concentradas na região nasal do
disco óptico. De acordo com a maioria dos investigadores, as drusas são compostas de uma
matriz de mucopolissacáride, pequenas quantidades de ácido ribonucleico e, ocasionalmente,
ferro. Corpos amiláceos são frequentemente vistos na lâmina retinalis, consistindo em matriz
de neurofibrilas com agregados de corpos densos e laminados, e mitocôndrias contendo de
pósitos de cristais de cálcio. A microscopia eletrônica demonstra acúmulo de mitocôndrias
extracelulares com grande quantidade de cálcio, formando corpos calcificados nas vizinhan
ças das drusas. Alguns autores sugerem que o fator determinante para o desenvolvimento das
drusas seja um canal escleral menor que o tamanho normal, mas o mecanismo exato do seu
desenvolvimento não é conhecido.
A acuidade visual é raramente acometida nas drusas do disco óptico, mas sua eventual
redução pode ser secundária a hemorragias vítreas, retinianas, sub-retinianas, à neuropatia
óptica ou à associação das drusas com degeneração tapetorretiniana. Obscurecimentos tran
sitórios da visão podem ocorrer. Diminuição permanente da acuidade visual é incomum, mas
pode ocorrer. A patogênese da perda visual, em casos de drusas do disco, ainda não é total
mente conhecida. Ela pode estar relacionada à anormalidade do fluxo axoplasmático, ocasio
nando disfunção das fibras do nervo óptico, a compressão das fibras do nervo óptico pelas
drusas ou a isquemia da porção anterior do nervo.
Em um estudo realizado em 92 olhos com drusas de papila identificadas através da oftal-
moscopia e da ultrassonografia, e observou-se que 51 olhos (55%) tinham sintomas visuais;
63% tinham sintomas relativos à baixa de acuidade visual; e 49% apresentaram alteração no
campo visual. A maior parte (86%) mostrava-se anormal à fundoscopia, mas apenas 42% tinham
drusas visíveis. Quarenta e nove (49%) dos olhos tinham defeito de campo visual e 73% tinham
defeito em feixe de fibras.
Neuropatia óptica isquêmica anterior secundária a drusas do disco óptico já foi relatada, ca
racterizada por perda súbita da visão e por defeitos campimétricos altitudinais ou centrais. O de
senvolvimento da neuropatia óptica isquêmica anterior em pacientes com drusas do disco ópti
co pode estar relacionada às alterações estruturais do disco como fator de risco para o processo
isquêmico, principalmente a diminuição ou ausência da escavação fisiológica ocasionada pelas
drusas e a associação das drusas com discos ópticos pequenos e com padrão vascular anômalo.
Defeitos campimétricos são frequentemente encontrados em associação com drusas do
disco óptico. Como seu desenvolvimento é insidioso, os pacientes usualmente adaptam-se a
eles sem notá-los. Nas várias séries publicadas, os defeitos do campo visual têm sido relatados
na frequência de 61 a 87% dos casos, sendo mais comuns nas drusas internas. As anormalida
des mais frequentemente encontradas são: defeito nasal inferior, aumento da mancha cega,
defeitos setoriais, defeitos arqueados e acentuada contração periférica.
Anomalias Congênitas do Nervo Óptico | 37
A fisiopatologia dos defeitos campimétricos nos casos de drusas do disco óptico ainda
não é bem conhecida, sendo controvertido o papel desempenhado pela compressão direta de
feixes de fibras nervosas pelas drusas e pelos distúrbios circulatórios associados. A associação
de hemorragias no disco, peripapilares ou na retina, pode ser responsabilizada pela presença
de defeitos diversos.
Ao exame fundoscópico, podem ser superficiais ou internas. As drusas superficiais apre
sentam-se como excrescências refráteis arredondadas, irregulares, branco-amareladas, na su
perfície do disco ou em sua periferia. Elas variam de tamanho entre puntiformes a 2 a 3 vezes
o diâmetro de um vaso retiniano. Às vezes podem ocupar toda a superfície da papila, mas são
sempre mais conspícuas na periferia do disco, principalmente em sua borda nasal (Fig. 5).
As drusas internas, dentro do tecido do disco, produzem moderada elevação da superfí
cie do disco e borramento de suas margens, tornando sua diferenciação oftalmoscópica do
papiledema mais difícil (Fig. 6). No entanto, algumas características do disco e da camada de
fibras nervosas servem para diferenciá-las do papiledema, tais como: 1) a ausência de esca
vação fisiológica; 2) o disco, embora elevado, não se encontra hiperemiado, e não há vasos
dilatados em sua superfície; 3) a porção mais elevada do disco é sua área central, de onde os
vasos emergem; 4) o disco elevado apresenta bordas pregueadas; 5) a elevação está confinada
ao disco, não se estendendo à retina peripapilar, com preservação do reflexo circumpapilar;
FIBRAS DE MIELINA
A mielinização de fibras nervosas no disco óptico e retina peripapilar ocorre em cerca de 0,3
a \% dos indivíduos como uma variação do desenvolvimento normal. A mielina é um produto
de células oligodendrocíticas que, normalmente, estão presentes no nervo óptico apenas até
o nível da lâmina crivosa. A causa das fibras de mielina é desconhecida. Uma das primeiras
teorias era de que um defeito na lâmina cribriforme permite que as fibras mielinizadas passem
para a retina. No entanto, observa-se que, na maioria dos casos, a fibra retiniana mielinizada
não tem continuidade através da lâmina cribriforme, e mostra-se separada da mielina do nervo
óptico. A presença de oligodendrócitos na área mielinizada sugere que as fibras de mielina são
decorrentes da presença de células gliais anormais na retina.
Na grande maioria dos casos, as fibras de mielina estão presentes ao nascimento ou logo após,
e permanecem estacionárias ao longo da vida. O seu desaparecimento ocorre quando existe atro
fia das fibras nervosas por diversas etiologias, como neurite óptica, neuropatia óptica isquêmica,
oclusão de ramo ou da artéria central da retina. Pode também ocorrer o desaparecimento das fi
bras de mielina após a realização de vitrectomia pars plana. Provavelmente, a atrofia ou a isquemia
das fibras causada pela cirurgia seja o mecanismo do desaparecimento das fibras de mielina. Um
evento bastante raro e de causa desconhecida é o aparecimento tardio de fibras de mielina, bem
documentado por alguns autores. Nesses casos, especula-se que a ação da micróglia reativa a de
terminado trauma ou insulto possa levar à remielinização de fibras nervosas retinianas.
As fibras mielinizadas na cabeça do nervo óptico e na retina não apresentam outras alte
rações morfológicas e funcionam normalmente. Em geral, os olhos afetados são normais em
estrutura e função, exceto pela presença de escotomas de tamanho, local e intensidade variá
veis, correspondendo à área de opacificação da retina pela mielina. Os escotomas são sempre
menores do que se poderia esperar pelo tamanho da área mielinizada. Aumento da mancha
cega é uma alteração frequentemente encontrada, uma vez que o disco óptico usualmente é
envolvido. Acometimento macular é muito raro, mas pode ocasionar escotoma central. Mieli
nização perimacular causa o aparecimento de escotomas em anel. Defeitos periféricos no cam
po visual são menos comuns, mas também podem ocorrer. A maioria dos pacientes apresenta
acuidade visual normal, mas miopia pode estar presente.
A oftalmoscopia demonstra prontamente a presença de fibras nervosas mielinizadas. Elas
aparecem como manchas irregulares ou em chama de vela, brancacentas, densas e brilhantes,
estendendo-se a partir do disco para a retina peripapilar (Fig. 11). Preferencialmente, envol
vem as porções superior e inferior do disco e obscurecem a trajetória dos vasos retinianos
42 I Neuroftalmologia
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44 | Neuroftalmologia
ETIOLOGIA
Embora a maioria dos casos ocorra como um fenômeno desmielinizante isolado (síndrome clíni
ca isolada, com risco de conversão em EM; ou como síndrome de alto risco para neuromielite óptica
de Devic), ou como manifestação de surto de esclerose múltipla já estabelecida, várias outras
doenças de natureza autoimune, infecciosa ou granulomatosa podem envolver o nervo óptico,
acometendo-o na forma de neurite óptica (Tabela 1).
EPIDEMIOLOGIA
denominado Optic Neuritis Treatment Trial (ONTT), compreendendo 448 portadores de neurite
óptica desmielinizante, a idade média foi 31,8 anos, e 11% eram do sexo feminino.
A predominância racial também varia de acordo com a etiologia das neurites ópticas. A
neurite óptica desmielinizante, ocorrendo isoladamente ou no curso da EM, predomina na
raça branca (85% no estudo do ONTTj, enquanto a NO como espectro da neuromielite óptica
é mais comum em pacientes não brancos e em orientais.
FISIOPATOLOGIA
SINAIS E SINTOMAS
O quadro clínico é, na maioria dos pacientes, suficientemente típico para se suspeitar o diag
nóstico. O estudo ONTT caracterizou as manifestações clínicas da neurite óptica desmielini-
zante (Tabela II).
Dor ocular e cefaleia: Mais de 90% dos pacientes com neurite óptica referem desconforto
ou dor ocular, ou na região periocular, precedendo por até 1 semana o início da baixa visual.
Estudos retrospectivos no Brasil encontraram dor precedendo a perda visual ou concomitante a
esta em cerca de 65% dos pacientes. A dor, em geral, é exacerbada com os movimentos do olho
e tende a desaparecer assim que a diminuição da visão se instala. Outros pacientes referem ape
nas a leve desconforto ocular na região periorbitária. Cefaleia, de leve a moderada intensidade,
é também relatada por alguns pacientes anterior ou concomitante à diminuição da visão.
Neurites Ópticas | 47
Normal 40,3
Alterações inespecíficas 11,0
Alterações sugestivas de esclerose múltipla 48,6
* Modificado de Optic Neuritis Study Group. The clinical profile of optic neuritis. Experience of the Optic Neuritis Treatment Trial.
Arch Ophthalmol, 1991; 109:1673-1678.
Fenômenos visuais positivos: Poucos pacientes com neurite óptica queixam-se espon
taneamente de fotopsias, como flashes de luz, pontos ou linhas luminosas, ou percepção de
“pequenas estrelas” que podem ser precipitadas por movimentos oculares.
Perda visual: A perda visual relatada pelos pacientes com neurite óptica refere-se à com
binação de alterações das várias funções visuais, como acuidade visual, visão cromática, sen
sibilidade ao contraste e campo visual. O estudo do ONSG demonstrou que a sensibilidade ao
contraste é a função visual mais frequentemente alterada tanto na fase aguda da neurite óptica
quanto 6 meses após o evento.
Alteração da acuidade visual: A diminuição da acuidade visual varia amplamente em di
ferentes pacientes, desde discretamente diminuída até a ausência de percepção luminosa. No
estudo ONTT, em cerca de 10% dos casos de neurite óptica desmielinizante, a acuidade visual
48 | Neuroftalmologia
era 20/20; em 25%, variava de 20/25 a 20/40; em cerca de 30%, de 20/50 a 20/190. Apenas 20%
dos pacientes apresentaram acuidade visual entre 20/200 a 20/800, enquanto, em menos de
10%, ela foi de conta-dedos a movimentos de mão. Acuidade visual de percepção luminosa ou
ausência de percepção luminosa ocorreu em cerca de 5% dos pacientes.
Perda de visão mais grave ocorre em portadores de neurite óptica recorrente e como ma
nifestação do espectro da neuromielite óptica, assim como nas neurites ópticas infecciosas.
Alterações da visão cromática: Poucos pacientes queixam-se espontaneamente de alteração
da percepção das cores, embora os testes específicos demonstrem anormalidades em sua
grande maioria. O estudo do ONSG demonstrou, na fase aguda das neurites ópticas, anormali
dades das lâminas pseudoisocromáticas de Ishihara em quase 88,8% e do teste de Farnsworth-
Munsell 100-hue em 93,2% dos casos. Embora não haja defeitos cromáticos específicos, a
maioria dos pacientes demonstra defeitos mistos nos eixos verde-vermelho e azul-amarelo. Os
defeitos no eixo azul-amarelo tendem a ser um pouco mais comuns na fase aguda, enquanto
há predominância dos defeitos do eixo verde-vermelho nas fases crônicas. Seis meses após o
início da neurite óptica, cerca de 40% dos pacientes persistem com anormalidades do senso
cromático.
Alterações da sensibilidade ao contraste: Diminuição da sensibilidade ao contraste ocor
re em quase todos os pacientes com neurite óptica. No estudo do ONSG, a sensibilidade ao
contraste foi avaliada pelo teste de Pelli-Robson, havendo anormalidades em 97,7% dos casos.
Perda de campo visual: O campo visual mostra defeitos característicos, principalmente
os escotomas centrais ou cecocentrais. Outros tipos de defeito, no entanto, também podem
estar presentes, particularmente quando se realiza o exame ao perímetro computadorizado. O
estudo ONTT mostrou que, quando se utiliza esse tipo de perimetria, qualquer tipo de defeito
pode estar presente nos pacientes com neurite óptica, sendo mais comuns os defeitos difusos
(depressão generalizada dos 30° centrais) e defeitos focais. Defeitos altitudinais são menos
comuns e devem levar à consideração do diagnóstico diferencial com neuropatia óptica isquê-
mica. O valor mediano para o Mean Deviation (MD) no ONTT foi -22.88 dB no olho afetado. No
mesmo estudo, novos exames de campo visual foram realizado longitudinalmente no primeiro
ano após o episódio inicial de neurite óptica. Seis meses após a instalação da neurite óptica,
51% dos campos visuais já haviam normalizado e, em 1 ano, 55,9%.
Sintoma de Uhthoff: Episódios transitórios de embaçamento visual ocorrem em 10% dos
pacientes após neurite óptica quando são expostos a aumento da temperatura corporal se
cundário a exercícios físicos, calor, febre, ou mesmo após fartas refeições ou uso de cigarros.
Mais provavelmente, a diminuição da visão se deve à diminuição da velocidade de condução
na fibra nervosa desmielinizada. O sintoma de Uhthoff é inespecífico, sendo também observa
do em outras neuropatias ópticas; nas neurites ópticas, ocorre mais frequentemente quando
a neurite óptica está associada a EM.
Exame oftalmoscópico: Em cerca de 35% dos casos de neurite óptica, a oftalmoscopia de
monstra edema do disco óptico, sugerindo envolvimento inflamatório do segmento anterior
do nervo óptico (neurite óptica anterior ou papilite) (Fig. 1). O edema do disco varia de discreto,
em que há apenas pequena imprecisão de suas bordas, hiperemia e discreta elevação, até a
completa deformidade do disco, com apagamento total de suas bordas, acentuada elevação e
dilatação vascular. A presença de hemorragias e de exsudatos papilares e peridiscais é rara nas
neurites ópticas, sugerindo a possibilidade de papiledema por hipertensão intracraniana, ou
Neurites Ópticas | 49
de neuropatia óptica isquêmica anterior. Exsudatos retinianos em associação com neurite óp
tica sugere o diagnóstico de neurorretinite (Fig. 2). Embainhamento de vasos retinianos pode
ser encontrado em alguns pacientes com EM ou doenças granulomatosas do nervo óptico,
como sarcoidose, sendo geralmente discreto e situado na periferia da retina. Presença de al
gumas células na câmara anterior também pode ser observada nas neurites desmielinizantes,
enquanto maior celularidade sugere outro diagnóstico que não a neurite óptica.
Na grande maioria dos pacientes com neurite óptica, no entanto, o exame oftalmoscópico
na fase aguda da doença não revela anormalidades (neurite retrobulbar). Nas semanas seguin
tes após o início da neurite óptica, no entanto, em ambas as formas de neurite óptica - tanto
na papilite quanto na neurite retrobulbar - , progressiva palidez do disco óptico vai-se desen
volvendo, de maneira global ou segmentar, predominando na região temporal do disco óptico.
Defeito pupilar aferente relativo: Um defeito pupilar aferente está quase sempre presente
quando se pesquisa de forma adequada. Sendo assim, a ausência de um defeito pupilar afe
rente deve levar à suspeita de um outro diagnóstico, como, por exemplo, doenças retinianas
do tipo retinopatia central serosa. O defeito pupilar aferente relativo pode estar ausente tam
bém quando existe afecção nos dois nervos ópticos (comprometimento simétrico dos nervos
ópticos, que leva a um defeito aferente bilateral). Deve-se lembrar, no entanto, que o defeito
pupilar aferente é inespecífico, denotando apenas assimetria do envolvimento das vias ópticas
anteriores, independentemente de sua etiologia.
EXAMES COMPLEMENTARES
laterais (Fig. 5). Redução do diâmetro do nervo óptico visto em cortes transversais nas neu
rites ópticas correlaciona-se com diminuição da espessura da CFNR, indicando perda axonal.
No entanto, hipersinal em T2 pode indicar de modo inespecífico inflamação, remielinização,
gliose e degeneração axonal, de modo que sequências ponderadas em T2 não servem como
marcadores de neurodegeneração. Hipointensidade persistente em T I , por outro lado, é indi
cativa de grave degeneração axonal.
Técnicas mais modernas de IRM, como a imagem ponderada em difusão, permitem distin
guir lesão mielínica de lesão axonal, e as anormalidades do coeficiente de difusão correlacio
nam-se com a intensidade da atrofia óptica e alterações dos testes de avaliação das funções
visuais e com as alterações do potencial visual evocado.
Symmetry
OD - OS
OCT A Kl D 34 OCT A R T Q 30 HR
Fig. 6 Tomografia de coerência óptica em paciente com neurite óptica desmielinizante direita demonstran
do redução da espessura da camada de fibras nervosas da retina no olho no quadrante temporal.
muito reduzida em relação a olhos de pacientes com EM sem neurite óptica. Nos pacientes
com EM, a redução de espessura da CFNR ocorre em todos os quadrantes da retina, sendo
mais acentuada nos quadrantes superior e inferior. A OCT é, portanto, um marcador de perda
axonal na EM mesmo que não tenha havido neurite óptica ou na ausência de sintomas visuais.
Na fase aguda da neurite óptica, mesmo nos casos de neurite retrobulbar, há discreto es-
pessamento da CFNR, até na ausência de aparente edema à fundoscopia. Dois a 4 meses após
o evento já se pode detectar redução da espessura da CFNR. Daí a importância de se conhecer
o intervalo de tempo entre o início da neurite e a realização da OCT.
54 | Neuroftalmologia
Neurite óptica desmielinizante e EM guardam relação muito próxima. Embora a neurite óptica
possa ser o único episódio clínico desmielinizante, frequentemente ela é o primeiro de uma
série de outros eventos desmielinizantes e recorrentes que caracterizam mais comumente a
evolução da EM. Por outro lado, a maioria dos pacientes cuja EM tem início com outra disfun
ção neurológica apresentará neurite óptica durante o curso de sua doença.
Estudos de autópsia demonstram anormalidades estruturais nos nervos ópticos em quase
a totalidade dos pacientes com esclerose múltipla. Igualmente testes funcionais da visão e
testes eletrofisiológicos demonstram que portadores de EM, sem história de neurite óptica,
frequentemente apresentam disfunção visual subclínica.
Estudo da história natural da EM no Brasil demonstrou que a neurite óptica foi o sintoma
inicial da doença em 22% dos portadores da doença, e que 55% dos pacientes com esclerose
múltipla apresentaram neurite óptica no curso de sua doença.
Um problema que aflige o médico ao diagnosticar neurite óptica desmielinizante isolada
é a avaliação de seu risco de conversão futura em EM. Essa questão tem sido profundamente
estudada na busca de fatores preditivos que possam levar a medidas profiláticas para redução
desse risco. O ONSG, através do ONTT, estudou o risco cumulativo de conversão de uma co
orte ao longo de mais de 15 anos.
Os estudos do ONTT demonstraram que, no período inicial de até 2 anos após a neurite
óptica, 14% dos pacientes desenvolveram EM, ocorrendo a doença mais frequentemente no
Neurites Ópticas | 55
grupo de pacientes com neurite óptica tratados com prednisona oral (24%) que no grupo tra
tado com placebo (20%), ou com metilprednisolona endovenosa em altas doses (14%). Após 5
anos da neurite óptica, 30% dos pacientes já haviam desenvolvido EM, e as taxas de conversão
de neurite óptica para EM já não diferiram nos diferentes grupos estudados. A presença de
lesões cerebrais à IRM foi o fator preditivo mais importante para o desenvolvimento de escle-
rose múltipla (risco cumulativo de 16% para pacientes com IRM inicial normal; 37% para pacien
tes com 1 a 2 lesões à IRM cerebral; e 51% para pacientes com 3 ou mais lesões à IRM inicial).
Após 10 anos de seguimento, o risco de desenvolvimento de EM foi de 38%. Em 72% dos
casos de EM, a doença iniciou-se nos primeiros 5 anos após a neurite óptica. O risco de conver
são estava diretamente relacionado à presença de lesões cerebrais à IRM ao início da neurite
óptica. A taxa de conversão foi de 22% quando a IRM inicial era normal, e de 56% quando a IRM
inicial mostrava uma ou mais lesões cerebrais. Após 15 anos de seguimento, foi observado que
o prognóstico em longo prazo da neurite óptica desmielinizante, em relação às funções visu
ais, é muito favorável, mesmo em pacientes que desenvolvem EM. A probabilidade acumulada
de desenvolvimento de EM 15 anos após a neurite óptica foi de 50% - correlacionando-se for
temente com a presença de lesões cerebrais à IRM à época da neurite óptica - , sendo 25% nos
casos em que a IRM inicial era normal, e 78% quando havia > 3 lesões à IRM encefálica inicial.
Os mais importantes fatores preditivos de aumento do risco de desenvolvimento da EM
durante o período defollow-up de 15 anos após a neurite óptica foram a presença de lesões
cerebrais à IRM inicial e o número dessas lesões. Quando havia uma ou mais lesões à IRM
inicial, nenhum outro fator preditivo, tanto demográfico quanto clínico, foi encontrado em
adição às anormalidades da IRM. No entanto, quando não havia anormalidades à IRM inicial,
o risco de EM era maior em mulheres, em pacientes brancos, quando havia história de infec
ção virai precedendo a neurite óptica, quando a neurite óptica era retrobulbar e quando havia
dor ocular associada à neurite óptica. Portanto, pacientes masculinos, negros, com papilite e
sem história de dor ocular apresentam menor risco de desenvolvimento de EM após a neurite
óptica. Nenhum paciente com neurite óptica apresentando acuidade visual de não percepção
luminosa e presença de exsudatos retinianos ou de hemorragias discais ou peridiscais ao exa
me fundoscópico desenvolveu EM nesse tempo de seguimento.
Embora a taxa de conversão para EM seja maior nos primeiros 5 anos, há aumento pro
gressivo da taxa acumulada com o aumento do tempo de seguimento. Os pacientes que ainda
se encontravam livres da EM 10 anos após a neurite óptica apresentaram 32% de risco de de
senvolvimento da doença nos próximos 5 anos, quando a IRM inicial do encéfalo era anormal,
e apenas 2% quando a IRM inicial era normal.
Dois estudos abordaram a relação da neurite óptica desmielinizante isolada com a EM
no Brasil. O primeiro estudo, publicado em 1991, analisou uma coorte de 88 pacientes com
neurite óptica desmielinizante isolada por um período de até 9 anos (mediana de 4,6 anos) de
seguimento. A taxa de conversão da neurite óptica em EM clinicamente definida foi de 14% em
mulheres e 8% em homens. Esse estudo foi realizado na época em que a IRM ainda não estava
amplamente disponível no país. Essas taxas são muito inferiores às relatadas em outros países
ocidentais com população caucasiana e assemelham-se às descritas na população asiática. Um
novo estudo, recentemente realizado no mesmo local, analisou as taxas de conversão em pe
ríodos de seguimento de 2, 5, 10 e mais que 15 anos, e incluiu dados de IRM do encéfalo. A
taxa de conversão em 15 anos foi de 49%, assemelhando-se portanto, às descritas pelo ONTT.
56 I Neuroftalmologia
O tratamento da neurite optica desmielinizante foi bem estabelecido no ONTT. Esse estudo co-
laborativo, realizado em 15 centros clínicos nos Estados Unidos, teve como finalidades: 1) definir
com precisão as características clínicas e demográficas dos pacientes com neurite óptica desmieli
nizante; 2) determinar o valor do tratamento dos corticosteroides no tratamento da neurite óptica;
3) determinar o risco de desenvolvimento de EM após episódio de neurite óptica.
Participaram do estudo 447 pacientes com neurite óptica aguda, randomizados em três
grupos terapêuticos. O primeiro grupo recebeu metilprednisolona, 250 mg por via endoveno
sa cada 6 horas por 3 dias, seguida por prednisona oral, 1 mg/kg de peso por dia, do 10- ao 14°
dia; o segundo grupo recebeu prednisona oral, 1 mg/kg por dia por 14 dias; enquanto o tercei
ro grupo recebeu placebo oral no mesmo esquema do grupo que recebeu a prednisona oral.
Pacientes nos grupos 1 e 2 receberam doses de suspensão gradativa da prednisona oral,
sendo 20 mg no 15a dia e 10 mg do 16° ao 18° dia de tratamento. O tratamento foi iniciado
dentro de 8 dias do início dos sintomas visuais. Através de randomização, 151 pacientes fo
ram colocados no grupo tratado com metilprednisolona endovenosa; 55 no grupo tratado
com prednisona oral; e 148 no grupo que recebeu placebo oral. As avaliações do efeito do
tratamento foram realizadas, primariamente, por medidas da sensibilidade ao contraste e pelo
campo visual e, secundariamente, pela avaliação da acuidade visual e da visão cromática, em
visitas durante o primeiro ano e depois, a intervalos anuais.
NEUROMIELITE ÓPTICA
Neuromielite óptica (NMO) ou doença de Devic é uma doença imunomediada inflamatória e ne-
crosante do sistema nervoso central, em geral recorrente, em que há envolvimento preferencial
dos nervos ópticos e da medula espinal. Tradicionalmente considerada como uma variante da EM,
sabe-se atualmente que a NMO é uma entidade nosológica com mecanismos fisiopatológicos e ex
pressão epidemiológica, clínica e de neuroimagem distintos. A doença pode se iniciar em qualquer
idade, e a predominância em mulheres é maior na NMO que na esclerose múltipla.
Diferentemente da EM, a reação inflamatória na neuromielite óptica é predominantemen
te humoral, mediada por complemento e imunoglobulina, ocasionando desmielinização e ne
crose do tecido neural.
A NMO resulta de ataque à proteína aquaporina-4 (AQP4) - principal transportadora de
água no sistema nervoso, situada nos processos astrocitários na barreira hematoencefálica -
por autoanticorpo. Os nervos ópticos e a medula espinal expressam AQP4 em grande abun
dância, o que explica a predominância da inflamação nesses locais. Outros sítios de alta ex
pressividade de AQP4 no sistema nervoso central incluem as regiões subependimárias, o hi-
potálamo e a área postrema na parte dorsal do bulbo, cujo envolvimento ocasiona soluços e
vômitos incoercíveis, uma das manifestações clínicas mais sugestivas da doença.
O anticorpo antiaquaporina-4 (IgG-NMO) tem sido identificado no soro de mais de 70%
dos pacientes - em torno de 50% nas séries brasileiras - e tem especificidade acima de 90%.
Embora a neurite óptica e a mielite transversa longitudinalmente extensa (envolve três ou
mais segmentos medulares) sejam os eventos índices e pilares para o diagnóstico da doen
ça (Tabela III), a identificação do anticorpo anti-AQP4 no soro de pacientes com a síndrome
58 I Neuroftalmologia
incompleta - apenas neurite optica, ou apenas mielite - sugere que a doença deve ser consi
derada como um espectro (Tabela IV).
A neurite óptica na NMO é mais frequentemente unilateral (85% dos pacientes soroposi-
tivos e 60% dos soronegativos) e pode preceder ou ocorrer após a mielite. A IRM mostra, em
geral, espessamento do nervo óptico com hipersinal e realce pelo gadolínio (Fig. 6). Neurite
óptica e mielite ocorrem simultaneamente em apenas cerca de 7% dos pacientes soropositivos
NMO definida
Neurite óptica
Mielite aguda
Pelo menos dois dos três critérios de apoio:
1. Lesão medular contínua estendendo-se por > 3 segmentos vertebrais à IRM
2. IRM encefálica não preeenchendo critérios diagnósticos para esclerose múltipla
3. Positividade sérica para IgG-NMO
Wingerchuk DM, Lennon VA, Pittock SJ, Lucchinetti CF, Weinshenker BG. Revised diagnostic criteria for neuromyelitis optica. Neuro
logy, 2006; 66:1485-89.
Neuromielite óptica
Formas limitadas de neuromielite óptica
• Mielite longitudinalmente extensa idiopática, monofásica ou recorrente (> 3 segmentos vertebrais à IRM)
• Neurite óptica recorrente ou bilateral simultânea
Esclerose múltipla opticoespinal asiática
Neurite óptica ou mielite longitudinalmente extensa associada a doença autoimune sistêmica
Neurite óptica ou mielite associada a lesões cerebrais típicas de neuromielite óptica (hipotalâmica, corpo
caloso, periventricular ou tronco encefálico)
Wingerchuk DM, Lennon VA, Lucchinetti CF, Pittock SJ, Weinshenker BG. The spectrum of neuromyelitis óptica. Lancet Neurol, 2007;
6:805-15.
e em 33% dos soronegativos. Em 77% dos casos, o ataque de neurite óptica leva a acuidade
visual menor que 20/200. Em geral, pacientes soropositivos sofrem perda mais grave da visão
que os soronegativos. Cerca de 33% dos pacientes têm recuperação visual completa após um
ataque de neurite óptica, enquanto em 20% não há nenhuma melhora, independentemente do
tratamento instituído. As recorrências dos episódios de neurite óptica são comuns, mesmo
antes do aparecimento de um primeiro ataque de mielite. Um estudo recente demonstrou
que, após follow-up prolongado, de mais de 9 anos, cerca de 80% dos pacientes tinham sofrido
ataques de neurite óptica em ambos os olhos.
Caracteristicamente, a mielite na NMO é transversa, longitudinalmente extensa e cen-
tromedular, envolvendo predominantemente a medula cervical e torácica (Figs. 7A e B). Os
ataques de mielite podem ocasionar graves déficits neurológicos, como paraparesia, perda
de sensibilidade e alterações do controle esfmctérico. Em cerca de metade dos pacientes, os
ataques de mielite precedem os de neurite óptica.
O termo “síndrome de alto risco para neuromielite óptica” tem sido empregado para de
signar a síndrome de NMO incompleta, ou seja, a ocorrência de apenas um dos eventos índices
Neurites Ópticas | 59
Figs. 7 (A-l) Imagem por ressonância magnética demonstrando exemplos de lesões encefálicas típicas de
neuromielite óptica. A. Lesão volumosa edematosa na substância branca cerebral. B. Lesão tumefativa do
lobo frontal. C. Lesão na perna posteriores da cápsula interna bilateralmente. D. Lesão em nuvem com realce
ao gadolínio. E. Lesão hetereogênea extensa no corpo caloso. F. Lesão hipotalâmica. G. Grande lesão mesen-
cefálica. H. Lesão na área postrema na porção posterior do bulbo. I. Lesão central no tronco encefálico. (Re
produção permitida. Lana-Peixoto MA, Callegaro D. The expanded spectrum of neuromyelitis óptica.
Evidences for a new definition. Arq Neuropsiquiatr, 2012; 70:807-13)
da doença, seja neurite óptica grave, neurite óptica recorrente ou bilateralmente simultânea;
ou, então, apenas mielite longitudinalmente extensa. A neurite como síndrome de alto risco
para neuromielite óptica tem características epidemiológicas, clínicas e de imagem diferentes
da neurite desmielinizante como “síndrome clinicamente isolada” e com risco de conversão
para esclerose múltipla. O OCT demonstra uma redução mais intensa da espessura da camada
de fibras nervosas da retina, da espessura macular central e do volume macular na NMO que
na neurite óptica da esclerose múltipla. Importante salientar que estudos recentes mostram
que pacientes com o espectro da NMO, sem neurite óptica prévia, também podem apresentar
redução da CFNR e da espessura macular de modo semelhante ao que ocorre na EM, e essa
ocorrência não deve ser utilizada na tentativa de diferenciação entre as duas condições.
A 1RM do encéfalo pode ser útil no diagnóstico de NMO, demonstrando, na maioria dos
pacientes, lesões encefálicas, em geral atípicas para esclerose múltipla. Muitas dessas lesões
apresentam características morfológicas, topográficas e de realce ao agente paramagnético
que são atualmente consideradas como lesões típicas de neuromielite óptica (Fig. 7).
6 0 I Neuroftalmologia
Neurite óptica pode ocorrer no curso de doenças autoimunes sistêmicas, principalmente lú
pus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjógren, artrite reumatoide, síndromes antifosfolipí-
dicas, doenças inflamatórias do intestino, dentre outras. O termo neurite óptica autoimune foi
introduzido por Dutton etal. em 1982, ao descreverem três mulheres com quadro de neurite
óptica retrobulbar associada a evidências sorológicas de um distúrbio autoimune. Os pacien
tes acometidos apresentavam alterações laboratoriais (fator antinuclear positivo) na ausência
de manifestações clínicas de doença sistêmica. Outras séries foram publicadas descrevendo
a doença como uma neurite com grave perda visual, recorrente, em associação com evidên
cias clínicas ou laboratoriais de outra doença autoimune sistêmica. Estudos histopatológicos
têm demonstrado a associação de desmielinização com infiltração inflamatória perivascular,
sugerindo um componente isquêmico na fisiopatologia do envolvimento do nervo óptico e ex
plicando o mau prognóstico funcional em alguns casos. É possível que a neurite óptica autoi
mune esteja relacionada ao espectro da neuromielite óptica, uma vez que suas características
clínicas são semelhantes e a associação de NMO com outras doenças autoimunes sistêmicas
já está bem estabelecida.
Ampla propedêutica laboratorial para doenças autoimunes sistêmicas e a pesquisa do an
ticorpo IgG-NMO devem ser requisitadas em casos suspeitos. A biópsia de pele pode demons
trar infiltração inflamatória perivascular do tecido subcutâneo. O tratamento da neurite óptica
autoimune deve ser iniciado com metilprednisolona endovenosa em altas doses, seguida por
corticosteroides orais em doses de manutenção por longo tempo, capazes de prevenir recor
rências da perda visual. Agentes imunossupressores podem também ser úteis na profilaxia das
recorrências.
Neurites Ópticas | 61
Neurite óptica idiopática recorrente crônica (CRION) foi o termo empregado por Kidd et a i, em
2003, para caracterizar uma forma de neurite óptica subaguda, unilateral ou bilateral, em 15
pacientes que não apresentavam evidências de nenhuma outra disfunção neurológica, sarcoi-
dose ou doenças autoimunes sistêmicas. Em todos os pacientes, havia dor ocular intensa e
persistente após o início da baixa visual; boa e rápida recuperação visual após a introdução
dos corticosteroides sistêmicos, mas recorrências após sua suspensão.
Pacientes com CRION, diferentemente daqueles com neurite óptica desmielinizante, apre
sentam perda visual grave e frequentes episódios de recorrência, que tendem a envolver os
dois olhos sequencialmente. O exame de 1RM do encéfalo é normal e os nervos ópticos se
mostram-se espessados e com aumento da intensidade do sinal. O exame do LCR em geral é
normal, não demonstrando presença de bandas oligoclonais.
Os sinais e sintomas respondem bem ao tratamento com corticosteroides, e a identifica
ção dessa forma de neurite óptica é importante, pois geralmente é necessária a manutenção
do tratamento com corticosteroides por longo prazo. Alguns pacientes com recorrência da
neurite após a suspensão dos corticosteroides não obtêm nova recuperação após a reintrodu-
ção do tratamento. A relação da CRION com o espectro de NMO e a utilidade de agentes imu-
nossupressores na profilaxia de novas recorrências não estão ainda definidas, embora alguns
estudos indiquem que a azatioprina, o metotrexate, o micofenolato de mofetila e a ciclofosfa-
mida tenham sido utilizados na prevenção de recidivas.
Um grande número de agentes virais, bacterianos, fúngicos e parasitários pode ocasionar infla
mação nos nervos ópticos. Um trabalho em nosso meio demonstrou que 38% dos casos de infla
mação nos nervos ópticos têm etiologia infecciosa, cerca de metade deles envolvendo apenas o
nervo óptico e a outra metade com envolvimento retiniano associado (neurorretinite).
As neurites ópticas infecciosas diferem das neurites desmielinizantes em vários aspectos:
1) o predominante envolvimento do segmento anterior do nervo óptico - causando edema de
papila; 2) a distribuição etária, ocorrendo em iguais proporções em crianças, adultos jovens e
pessoas com idade superior a 50 anos; 3) a maior frequência no sexo masculino; e 4) a maior
gravidade da perda visual. A acuidade visual varia amplamente, de 20/20 a ausência de per
cepção luminosa, porém mais da metade dos pacientes apresenta acuidade pior que 20/200.
A perimetria demonstra predomínio dos defeitos centrais, e, à fundoscopia, os discos ópticos
são normais em menos de 10% dos pacientes. Atrofia óptica e ocasionais hemorragias peripa-
pilares são também observadas. Em cerca de metade dos casos, o envolvimento é bilateral.
A maioria dos casos de neurite óptica infecciosa ocorre em associação com doenças virais
inespecíficas, principalmente envolvendo as vias respiratórias superiores. Algumas vezes, no
entanto, a neurite óptica ocorre durante ou após caxumba, mononucleose infecciosa, varicela
zoster, hepatite, dengue, AIDS, ou infecções por outros vírus do grupo herpes.
Outras vezes, a neurite óptica se instala após infecções virais ou após vacinações, sendo
secundária à reação imunomediada por mimetismo molecular, levando à desmielinização
6 2 | Neuroftalmologia
(neurite óptica parainfecciosa ou pós-vacinal). O processo inflamatório pode ser restrito aos
nervos ópticos ou envolver, de modo mais difuso, o encéfalo e a medula espinal, compon
do o quadro clínico de encefalomielite aguda disseminada (ADEM). As neurites ópticas pós-
vacinais são mais comuns na infância, mas têm sido relatadas também em adultos seguindo
imunizações variadas, incluindo aquelas contra febre amarela e contra gripe por vírus in-
fluenza e H1N1.
A ADEM ocorre mais frequentemente em crianças e adultos jovens após infecção por
sarampo, caxumba, influenza A ou B, varicela, rubéola, mononucleose, hepatite A ou B, ci-
tomegalovírus, assim como por Mycoplasma pneumoniae, Campilobacter, Chlamydia, Legionella
ou estreptococos. As imunizações que mais comumente ocasionam ADEM são contra a raiva,
difteria-tétano-coqueluche, sarampo e varicela. O quadro clínico característico inclui neurite
óptica bilateral, afasia, déficits motores e sensitivos, ataxia, agitação psicomotora, psicose, so
nolência, coma e convulsões. A1RM demonstra lesões multifocais volumosas no encéfalo, com
realce ao contraste e edema perilesional envolvendo a substância branca e cinzenta do encéfa
lo. A maioria dos pacientes se recupera após tratamento com corticosteroides e imunoglobuli-
na endovenosa; no entanto, perda visual e diversas sequelas neurológicas podem permanecer.
Infecções bacterianas que podem estar diretamente relacionadas com neurite óptica in
cluem infecção por antrax, estreptococos beta-hemolíticos e meningococos, brucelose, doen
ça da arranhadura do gato, tuberculose, sífilis e doença de Lyme.
Cerca de 33% das crianças com meningoencefalite tuberculosa desenvolvem neurite óptica
unilateral ou bilateral. Tuberculoma do nervo óptico tem sido descrito em raros casos, com
grave perda da visão.
A sífilis pode ocasionar neurite óptica anterior, neurorretinite, perineurite óptica e atro
fia óptica. A papilite, a neurorretinite e a perineurite óptica são manifestações que ocorrem
no estágio secundário da sífilis, enquanto a atrofia óptica é geralmente uma manifestação da
sífilis terciária. A papilite sifilítica é mais frequentemente bilateral e pode ocorrer durante a
meningite por sífilis ou isoladamente. Já a neurite óptica retrobulbar pode ocorrer durante a
meningite ou osteíte sifilítica, afetando a órbita. O tratamento do acometimento do nervo óp
tico por sífilis deve ser feito com penicilina cristalina na dose de 4 milhões de unidades por via
endovenosa de 4 em 4 horas, por 14 a 21 dias. Nos pacientes com secundarismo luético, é im
portante a associação de corticoide por via oral para prevenir a reação de Jarisch-Herxheimer.
A doença de Lyme, causada pela espiroqueta Borrelia, transmitida pela picada do carrapato
do gênero Ixodes, pode causar neurite óptica anterior ou retrobulbar, assim como neurorre
tinite em pacientes que vivem em áreas endêmicas. O diagnóstico pode ser confirmado pela
serologia, embora reação cruzada e falso-positivos sejam comuns. O tratamento recomendado
nesses pacientes é a ceftriaxona por via endovenosa, 2 mg/dia durante 14 dias. Alternativa
mente, a doxiciclina (100 mg VO de 12/12 horas), ou tetraciclina (250 mg VO de 6/6 horas),
durante 10 a 30 dias, pode ser usada. O uso associado de corticoide é controverso, mas pode
estar indicado nos pacientes com perda visual grave.
Infecções por Toxoplasma gondii e Toxocara canis podem comprometer o nervo óptico, cau
sando perda visual. Na toxoplasmose, o envolvimento do nervo óptico mais comumente se
caracteriza como uma retinocoroidite justapapilar, embora possa haver neurite óptica sem co-
riorretinite. O tratamento é semelhante ao das coriorretinites por toxoplasmose. A toxocaríase
ocular acomete principalmente crianças, e a reação inflamatória se caracteriza principalmente
64 | Neuroftalmologia
condição neurorretinite idiopática estrelar de Leber. Há, em geral, dor na região ocular ou periocular,
variável diminuição da acuidade visual, defeitos campimétricos e acentuado edema do disco óp
tico, com extravasamento de material seroso que se deposita na camada plexiforme interna da
retina, na região perimacular, em forma de estrela. Na fase aguda da perda visual, apenas o edema
do disco é observado à fündoscopia. A formação da estrela macular ocorre 2 ou 3 semanas após
o edema do disco, permitindo então o diagnóstico de neurorretinite. A estrela macular pode ser
completa ou segmentar, acometendo apenas porção da região macular.
A angiofluoresceinografia é útil para demonstrar o edema de disco óptico e o extravasa
mento do corante a partir da papila e não da região macular.
A neurorretinite usualmente é uma doença autolimitada no tempo, com resolução entre
6 e 8 semanas. No entanto, em alguns pacientes, os exsudatos maculares perduram por longo
tempo. A maioria dos pacientes apresenta boa recuperação da visão, embora perda visual de
variável intensidade possa permanecer. Mais raramente, há grave sequela visual com atrofia
óptica. As recidivas da doença são incomuns.
A neurorretinite com estrela macular é um achado frequente no envolvimento da visão pela
doença da arranhadura do gato, causada pela Bartonella henselae. A doença acomete principal
mente crianças, é autolimitada e, em geral, benigna, exceto em pacientes portadores de imu
nodeficiência. Cerca de 90% dos pacientes têm história de contato com gatos, principalmente
filhotes. Provavelmente a pulga é a transmissora e os gatos são reservatórios da bactéria.
Cerca de 75% dos pacientes relatam terem sido arranhados ou mordidos na cabeça, pescoço
ou membros superiores. Entre 25 e 60% dos casos, há pequena lesão na pele (pápula, pústula
ou vesícula). Em 1 a 2 semanas surgem os sintomas típicos da doença, como febre, adinamia,
anorexia, cefaleia, faringite e linfadenopatia dolorosa. A associação de inflamação granulo-
matosa conjuntival e de adenite supurativa pré-auricular (síndrome oculoglandular de Parinaud)
ocorre em 5 a 10% dos casos. Raras manifestações da doença incluem encefalopatia, mielite,
eritema nodoso, púrpura trombocitopênica, artrite, sinovite e pneumonia. O diagnóstico pode
ser confirmado pela reação de imunofluorescência indireta no soro. Vários agentes antibacte-
rianos, como ciprofloxacina, doxiciclina, eritromicina, azitromicina, tetraciclina e trimetoprim-
sulfametroxazol, são eficazes no tratamento.
Outros agentes infecciosos na etiologia das neurorretinites incluem vírus como caxumba,
HTLV 1-11, herpes, citomegalovírus; bactérias como tuberculose, sífilis e borreliose; toxoplas-
mose e parasitoses por neumatoides.
A neurorretinitie subaguda unilateral difusa (DUSN) é uma doença que ocorre predominante
mente em crianças e adultos jovens, causada por um nematoide. A fase aguda pode ser assin-
tomática ou com sintomas visuais discretos. Pode haver vitreíte, edema de papila e múltiplas
lesões numulares brancacentas na retina. A larva pode ser localizada através de exame biomi-
croscópico junto às lesões retinianas ativas. A doença tem curso recorrente, e sua cronificação
ocasiona atrofia óptica, degeneração retiniana e alterações vasculares com consequente perda
visual grave. Alguns sinais sugestivos do diagnóstico de DUSN são o aumento do reflexo da
membrana limitante interna, a presença de pequenos pontos de calcificação e de “túneis sub-
retinianos” devido à migração da larva. O tratamento inclui a destruição da larva por fotocoa-
gulação e o uso de corticosteroides e de agentes antiparasitários.
O tratamento das neurorretinites inclui o uso de corticosteroides sistêmicos e de fárma-
coa específicos, de acordo com o agente causal.
Neurites Ópticas | 65
PERINEURITE ÓPTICA
Perineurite óptica é uma rara forma de doença inflamatória que envolve preferencialmente as
bainhas do nervo óptico e, ocasionalmente, por contiguidade, o seu parênquima. Devido ao
espessamento do nervo óptico, a doença pode ser confundida com meningioma ou glioma.
A perineurite óptica já foi descrita em pacientes de qualquer idade com queixas frequen
tes de dor ocular que se exacerba com os movimentos oculares e de alterações visuais, como
discreta turvação ou manchas na visão. Na maioria dos casos, o envolvimento é unilateral. A
acuidade visual é, em geral, preservada, mas alguns pacientes apresentam moderada a grave
perda da visão central. Alterações de campo visual, como defeitos paracentrais, aumento da
mancha cega, defeitos arqueados e contração do campo, são comuns. O exame fundoscópico
mostra, em geral, na fase aguda, edema discreto a moderado do disco; na fase crônica da do
ença, o disco se apresenta com variável grau de atrofia. Oftalmoparesias, ptose da pálpebra
superior e exoftalmos podem também ser encontrados.
A etiologia da perineurite óptica pode não ser definida, sendo então considerada como uma
inflamação idiopática. Outras vezes ela é secundária a processos inflamatórios orbitários e da base
do crânio, como inflamação orbitária inespecífica, granulomatose de Wegener, tuberculose, sarcoi-
dose, sífilis e cisticercose. O exame de IRM caracteristicamente demonstra espessamento da bai
nha do nervo óptico (Fig. 8). Pode haver também realce da lesão pelo gadolínio, além de inflamação
da gordura orbitária e espessamento das meninges da fossa anterior do crânio. Propedêutica labo
ratorial para doenças autoimunes, granulomatosas e infecciosas deve ser requisitada. O exame do
LCR pode demonstrar pleocitose mononuclear e aumento do conteúdo proteico.
Em geral, há boa resposta ao tratamento com corticosteroides orais, a maioria dos pa
cientes relatando imediato desaparecimento da dor ocular e rápida recuperação da função
visual. No entanto, recorrências são comuns quando as doses de prednisona são reduzidas.
Dependendo da etiologia da perineurite óptica, alguns pacientes evoluem com perda visual
moderada a grave após episódios de recorrência. Nos casos com etiologia definida, agentes
terapêuticos específicos devem ser associados aos corticosteroides.
Neuntes ópticas na infância são raras e diferem das que acometem adultos em vários aspec
tos etiopatogenéticos, clínicos e evolutivos. Enquanto as neurites ópticas na vida adulta são,
na maioria dos casos, idiopáticas, unilaterais e retrobulbäres, carregando consigo elevado
risco de conversão para esclerose múltipla, as neurites ópticas que afetam crianças ocorrem
66 I Neuroftalmologia
A neurite óptica deve ser diferenciada de outras afecções oculares e outras neuropatias óp
ticas. Embora a maioria das neurites ópticas afete o nervo óptico retrobulbar, não demons
trando, na fase aguda da doença, alterações do disco óptico, cerca de 33% dos pacientes apre
sentam papilite, devendo esta ser diferenciada de várias condições que ocasionam alterações
morfológicas do disco. Os principais diagnósticos diferenciais são: a neuropatia óptica isquê-
mica, a neuropatia óptica hereditária de Leber, a papilopatia diabética, a papiloflebite (variante
de oclusão de veia central da retina), o edema de papila da hipertensão intracraniana e as neu
ropatias ópticas compressivas ou infiltrativas. As anomalias congênitas do disco óptico, como
hipoplasia, drusas, papila inclinada e displasias papilares em pacientes com queixas visuais,
dor ocular ou cefaleia, também podem ser confundidas com neurite óptica. Por fim, devemos
lembrar que afecções oculares como as maculopatias, particularmente a retinopatia central se
rosa e as uveítes, devem também ser incluídas no diagnóstico diferencial das neurites ópticas.
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Neuropatia Óptica
Isquêmica
INTRODUÇÃO
Para compreensão das alterações clínicas e da fisiopatogenia da NOIA, é importante uma revi
são da anatomia do nervo óptico, em especial no que se refere ao seu suprimento sanguíneo.
O nervo óptico representa o segmento inicial dos axônios das células ganglionares da retina
e mede cerca de 50 mm de comprimento. Pode ser dividido em quatro partes: a) cabeça ou
porção intraocular, com aproximadamente 1 mm de comprimento por 1,5 mm de diâmetro
vertical; b) segmento intraorbitário, que mede de 20 a 30 mm de comprimento e se estende
do globo ocular até o forame óptico; c) porção intracanalicular; e d) segmento intracraniano.
A cabeça, ou porção intraocular do nervo óptico, é formada por axônios das células gan
glionares da retina que se dirigem para a lâmina cribriforme. É dividida em três regiões: a
camada superficial da retina, a região pré-laminar e a região da laminar, onde os axônios
67
68 | Neuroftalmologia
penetram nos orifícios da lâmina cribriforme. A superfície mais anterior da cabeça do nervo
óptico, que é visível à oftalmoscopia, é denominada disco ou papila óptica.
O segmento anterior do nervo óptico, representado pela porção bulbar e pelo segmento
orbitário, distai à penetração da artéria central da retina (que ocorre 5 a 15 mm atrás do olho),
é a região mais importante em relação ao desenvolvimento da NOIA. A porção distai do nervo
óptico orbitário recebe suprimento sanguíneo principalmente por ramos piais da artéria oftál
mica, na região onde a artéria central da retina perfura a dura-máter e penetra o nervo óptico.
Entre essa região e a lâmina cribriforme, o suprimento se dá por ramos centrífugos da artéria
central da retina. As regiões da lâmina cribriforme (laminar) e retrolaminar recebem sangue
das artérias ciliares posteriores curtas, através do círculo de Haller e Zinn, de ramos centrí
petos de artérias piais e de ramos recorrentes da coroide. O círculo de Haller e Zinn é uma
anastomose arteriolar localizada na junção entre a esclera e o nervo óptico, próximo à lâmina
cribriforme, formada entre as artérias ciliares posteriores curtas medial e lateral. A região pré-
laminar também é irrigada primariamente por ramos das artérias ciliares posteriores curtas.
Por fim, a região da camada de fibras nervosas é suprida principalmente pela artéria central da
retina, embora possa haver contribuições das artérias ciliares posteriores curtas. A cabeça do
nervo óptico é, portanto, suprida pelo círculo anastomótico de Haller e Zinn ou diretamente,
a partir das artérias ciliares posteriores. Já as regiões posteriores do nervo óptico são supridas
pelo plexo piai que circunda o nervo óptico. O resultado da hipoperfusão dessas redes vas
culares levará à isquemia do nervo óptico, com apresentação clínica variável, dependendo do
segmento do nervo óptico envolvido.
As artérias ciliares posteriores curtas, principais responsáveis pela vascularização do ner
vo óptico, geralmente são em número de 2 ou 3, embora haja muita variação anatômica. Na
maioria das vezes (48% dos casos), existem duas artérias, uma lateral e outra medial. Em 3%
dos casos, há apenas uma artéria, em 39% três, em 8% quatro e em 2% dos casos cinco artérias,
originando-se da artéria oftálmica. A região entre os territórios de distribuição de artérias
terminais, como as ciliares posteriores curtas, é chamada zona de transição ou zona limítrofe
(watershed zone). O disco óptico pode ser suprido pela artéria ciliar posterior curta medial, pela
lateral ou por uma combinação destas. A região de transição é, portanto, bastante variável de
pessoa para pessoa, e pode situar-se em qualquer ponto entre a fóvea e a coroide peripapi-
lar nasal. Trata-se da região mais vulnerável à isquemia, em especial nos casos de redução da
pressão de perfusão das artérias.
ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO
indeterminada na maioria dos casos. A forma não arterítica pode ainda ser subdividida em
dois grupos: o grupo idiopático, onde a etiologia é indeterminada, e o grupo de causas deter
minadas, nos quais uma condição patológica pode estar diretamente relacionada com a isque-
mia. Entre essas causas, incluem-se distúrbios hemodinâmicos e hematológicos, como anemia
e hemorragia graves, choque, cirurgias com perda sanguínea, hipertensão maligna, enxaqueca
e vasculopatia por irradiação. Portadores de hipertensão arterial (exceto hipertensão maligna)
e diabetes melito, com NOIA-NA, são geralmente incluídos no grupo idiopático, uma vez que
essas doenças são consideradas como condições associadas a fatores predisponentes, e não
causas diretas da NOIA.
FISIOPATOGENIA
Poucos são os estudos anatomopatológicos em pacientes com NOIA, os quais geralmente fo
ram realizados em pacientes com arterite temporal. Vários autores demonstraram a presença
de infarto do nervo óptico na região da lâmina cribriforme e retrolaminar, e documentaram
o envolvimento inflamatório das artérias ciliares posteriores curtas, além de outras artérias
orbitárias em pacientes com arterite temporal. McLeod et ai (1980) produziram um quadro
clínico compatível com NOIA em macacos, pela oclusão das artérias ciliares posteriores curtas.
Esses autores observaram a presença de necrose isquêmica das porções laminar e retrolaminar
do nervo, associada ao bloqueio do fluxo axoplasmático das células ganglionares ao nível da
lâmina cribriforme, levando ao desenvolvimento de edema de papila na fase aguda.
A maioria dos autores acredita, portanto, que a NOIA-A seja causada pela oclusão das
artérias ciliares posteriores curtas, que algumas vezes se associa à oclusão da artéria central
da retina. Por outro lado, a fisiopatogenia da NOIA-NA não é conhecida na sua totalidade.
Embora a oclusão das artérias ciliares posteriores curtas por trombo ou êmbolo seja possível,
acredita-se que a hipoperfusão temporária dos vasos nutrientes das porções anteriores do
nervo óptico e coroide peripapilar seja o mecanismo fisiopatogênico mais comum. O mecanis
mo fisiopatogênico exato, no entanto, permanece desconhecido na NOIA-NA. Postula-se que
uma perfusão diminuída no território das ciliares posteriores curtas resulte em hipoperfusão
e isquemia da cabeça do nervo óptico. A natureza vascular da doença é sugerida pelo início
abrupto, típico de evento isquêmico, pela ocorrência em indivíduos idosos e pela associação
com fatores de risco vasculares clássicos.
Muitos indivíduos com NOIA-NA referem perda visual ao acordar pela manhã. Embora a
hipotensão noturna seja um processo fisiológico, sugere-se que ela possa contribuir para a
lesão da porção anterior do nervo óptico em indivíduos susceptíveis, devido à insuficiência
vascular produzida por fatores predisponentes locais ou sistêmicos. Acredita-se também que
a apneia obstrutiva do sono possa ser um fator desencadeante da NOIA-NA em muitos casos,
e essa condição deve ser assim questionada ou investigada.
Os fatores predisponentes sistêmicos nessa afecção incluem: suprimento sanguíneo redu
zido; defeito na autorregulação do fluxo sanguíneo na cabeça do nervo óptico; alterações va-
soespásticas; baixa pressão de perfusão na artéria oftálmica; localização das zonas vasculares
de transição das artérias ciliares posteriores curtas em relação ao nervo óptico; presença de
arteriosclerose sistêmica; e diabetes melito. Não existe prova direta de lipoialinose ou oclusão
7 0 I Neuroftalmologia
haver uma relação de causa e efeito. No entanto, não existe comprovação dessa associação,
já que em apenas pequeno número de indivíduos foi feita a relação com essa droga utilizada
por muitos milhões de indivíduos. De qualquer modo, é importante discutir essa possibilidade
com os indivíduos que apresentaram NOIA-NA em um olho e com risco de acometimento con-
tralateral, buscando avaliar a real necessidade da medicação e da baixa (mas potencialmente
existente) possibilidade de haver uma relação causal.
No que se refere à amiodarona, deve ser lembrado que é um dos fármacos antiarrítmicos mais
usados, e a população que dela necessita é exatamente aquela mais susceptível ao desenvolvimen
to de NOLA-NA. Desse modo, embora tenha sido relatada a possível associação, deve-se ter muito
cuidado ao se atribuir à amiodarona a causa de NOLA-NA e, atualmente, não é considerada como
um fator causal da doença. Muitos autores acreditam que possa existir de fato uma verdadeira
neuropatia óptica associada à amiodarona, embora muito incomum e distinta da NOIA, já que leva
a perda visual insidiosa, com redução importante da acuidade, edema bilateral de disco óptico na
maior parte dos casos e melhora após a retirada do medicamento.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
A NOIA-NA é uma condição relativamente frequente, com incidência situando-se entre 2,3 e 10,2
casos por 100.000 habitantes acima de 50 anos. Noventa e cinco por cento dos casos ocorrem em
indivíduos da raça branca. A NOIA acomete indivíduos de ambos os sexos, com idade preferen
cial entre 45 e 80 anos, embora indivíduos mais jovens também possam ser afetados. A NOIA-NA
ocorre em indivíduos um pouco mais jovens, preferentemente entre 50 e 70 anos, enquanto os
casos decorrentes de arterite temporal tendem a ocorrer em indivíduos mais idosos. Pacientes
com diabetes melito ou enxaqueca podem desenvolver NOIA mais cedo, até na segunda ou ter
ceira década de vida, enquanto aqueles com NOIA-A geralmente têm mais de 60 anos.
A NOIA-NA presumivelmente é secundária a doença da microcirculação do território das
ciliares posteriores curtas, com hipoperfusão e enfarte da região anterior do nervo óptico. O
diagnóstico é primariamente clínico e, apesar da sua alta incidência, a afecção continua sem
tratamento adequado. Muitas informações acerca da sua história natural foram fornecidas por
um estudo multicêntrico, o Ischemic Optic Neuropathy Decompression Trial (IONDT), realizado na
América do Norte, cujos resultados serão mencionados adiante.
Já a NOIA-A é classicamente causada por arterite temporal, uma vasculite granulomatosa
que afeta artérias de médio e grosso calibres, particularmente nos ramos cranianos do arco
aórtico (temporal superficial, ciliares posteriores, oftálmica e artérias vertebrais extracrania-
nas) e, ocasionalmente, o próprio arco aórtico. A sua diferenciação com a forma não arterítica
da doença é de fundamental importância para prevenir o acometimento do olho contralateral.
Tipicamente, na NOIA, os pacientes se queixam de embaçamento visual súbito e indolor
acometendo a visão central ou partes do campo visual. A perda visual pode variar desde muito
discreta até ausência de percepção luminosa. Alguns pacientes se queixam de manchas, som
bras, observação de um véu ou uma cortina em partes do campo visual. Sinais premonitórios,
tais como perda transitória da visão ou dor ocular, são muito incomuns na NOIA-NA. Edema
de papila assintomático pode preceder a perda visual na NOIA-NA, embora essa ocorrência
seja rara. Por outro lado, nos casos de arterite temporal, a perda visual pode ser precedida de
7 2 I Neuroftalmologia
perda transitória da visão (30% dos casos) por isquemia do nervo óptico e de diplopia transitó
ria (10% dos casos) secundária à isquemia dos músculos extraoculares ou de nervos cranianos.
Os indivíduos com NOIA-NA geralmente mantêm uma acuidade visual um pouco melhor, e
31 a 52% dos indivíduos têm acuidade visual melhor que 20/64, enquanto 35 a 54% têm acuidade
visual menor que 20/200. A maioria dos pacientes tem perda súbita, sem sintomas premonitó
rios, geralmente ao acordar, embora em alguns possa haver progressão do déficit visual nas pri
meiras 6 semanas. Nos portadores de arterite temporal, no entanto, a perda também é abrupta,
mas pode ser precedida por episódios de obscurecimentos transitórios da visão no olho acome
tido. Geralmente, na forma arterítica, a perda visual é mais grave do que na NOIA-NA, e muitos
indivíduos têm acuidade visual pior que movimentos de mão. Na arterite temporal, a acuidade
visual inicial situa-se entre conta-dedos e percepção luminosa em 54% dos pacientes comparados
com apenas 26% dos pacientes com NOIA-NA e essa faixa de acuidade visual.
Pacientes com arterite temporal podem também manifestar outros sintomas da doença,
tais como cefaleia, dor no couro cabeludo, dificuldade na mastigação por isquemia dos mús
culos da mastigação (claudicação da mandíbula), polimialgia reumática etc. Por outro lado, é
importante lembrar da ocorrência da forma oculta de arterite temporal, em que não há ne
nhum sintoma sistêmico da doença. A obtenção de exames laboratoriais, como velocidade
de hemossedimentação, e a confirmação da doença por biópsia de artéria temporal é extre
mamente importante nesses casos. A perda visual na arterite temporal pode ser decorrente
de NOIA, por oclusão da artéria central da retina e, até mesmo, por acometimento occipital.
Além da perda visual, alguns pacientes podem apresentar diplopia e oftalmoplegia por acome
timento dos músculos extraoculares, dos nervos oculomotor, troclear e abducente, e até por
acometimento do tronco encefálico.
O exame de campo visual mostra defeitos em praticamente todos os casos, embora possa
ser difícil detectá-los em casos leves. Os defeitos altitudinais ocorrem na grande maioria dos
pacientes, sendo observados em 58 a 80% dos casos. O mais frequente é o defeito altitudinal
inferior (Fig. 2). Outros tipos de alterações incluem os escotomas centrais, defeitos arqueados,
defeitos quadrânticos, constrição generalizada do campo ou uma combinação destes.
Ao exame do fundo de olho, observa-se, na fase aguda, edema de papila usualmente asso
ciado a hemorragias peripapilares (Fig. 3). O edema de papila pode ser difuso (Figs. 3 e 4) ou
focal (Fig. 5), discreto ou bastante acentuado, podendo simular um aspecto de papiledema.
Quando o edema é focal, geralmente se observa uma correspondência com o defeito campi-
métrico.
0 edema de papila na N01A pode ser pálido ou hiperêmico (Figs. 3 e 4), embora o edema
pálido seja mais frequente, sobretudo nos pacientes com perda visual grave. Na maioria dos
casos, observam-se hemorragias em chama de vela na região peripapilar ou no disco óptico.
Exsudatos algodonosos podem também estar presentes, e exsudatos duros, com aspecto de
estrela macular parcial, podem mais raramente ocorrer. As arteríolas retinianas geralmente
mostram estreitamento arteriolar, que pode ser difuso ou focal, neste último caso geralmente
na região peripapilar.
A angiofluoresceinografia mostra atraso no enchimento do disco óptico, embora não mos
tre atraso no enchimento da coroide nos indivíduos com NOIA-NA. Esses achados, no entanto,
são observados apenas na fase aguda da doença e é importante ressaltar que, para sua visibili-
zação, é necessária a realização de fotos nas fases iniciais do exame. Nos olhos acometidos por
NOIA-A, por outro lado, as alterações angiofluoresceinográficas são muito mais acentuadas,
caracterizadas por atraso importante no enchimento do disco óptico e da coroide.
ARTERITE TEMPORAL
A arterite temporal representa uma condição importante, que deve ser lembrada frente a todo
paciente com neuropatia óptica isquêmica. Também denominada arterite de células gigantes,
é uma vasculite da pessoa idosa, com inúmeras manifestações clínicas, sendo a principal de
las a perda visual. Quando não tratada, pode levar a cegueira irreversível em mais de 50% dos
casos, o que geralmente pode ser evitado com o tratamento adequado. Representa, portanto,
uma condição cujo diagnóstico e tratamento devem ser estabelecidos em caráter de urgência.
Apesar de cursar com inúmeras manifestações sistêmicas, muitas se associam com queixas
inespecíficas, difíceis de valorizar num primeiro momento pela maioria dos médicos. Além
disso, tais manifestações podem ser de curta duração ou estar ausentes. Por outro lado, as
manifestações neuro-oftalmológicas, especialmente a NOIA, são muito sugestivas da doença e
permitem levantar a suspeita diagnóstica de imediato.
A arterite temporal parece reconhecida desde a Antiguidade. Modernamente, mais especifi
camente na literatura de língua inglesa, a doença foi descrita pela primeira vez por Huctchinson,
em 1890, e bem estabelecida como entidade nosológica, através da descrição do curso clínico
característico e do relato anatomopatológico, por Horton, em 1932. Apesar de tão antiga, a do
ença ainda tem sua fisiopatogenia pouco conhecida. Acomete quase que exclusivamente pacien
tes idosos, sendo a idade média de início dos sintomas em torno de 70 anos. Raros são os relatos
da afecção abaixo dos 50 anos de idade, e muito deles questionáveis, possivelmente decorrentes
de outras vasculites sistêmicas (que não a arterite temporal) envolvendo a artéria temporal. Do
ponto de vista prático, portanto, a doença deve ser considerada apenas em indivíduos acima dos
50 anos, e, em alguns casos, acima dos 60 anos de idade.
A incidência da doença situa-se entre 15 e 30 casos por 100.000 habitantes acima de 50
anos. Acredita-se que exista variação na incidência da afecção, dependendo da população
estudada, sendo mais frequente em brancos de origem escandinava do que em africanos. De
qualquer modo, a incidência aumenta muito com o avançar da idade. Alguns autores relataram
uma incidência de 2,3 por 100.000 habitantes na sexta década devida, que subiu para 44,7 por
100.000 habitantes na nona década de vida. Em pacientes acima de 80 anos, a prevalência da
Neuropatia Óptica Isquêmica | 75
afecção chega a 1%, o que é sugerido por estudos de autópsia. A maioria das séries estudadas
mostra uma predominância da afecção no sexo feminino.
Fisiopatogenia
A arterite de células gigantes é uma doença inflamatória sistêmica que acomete preferente
mente artérias de médio e grosso calibres de qualquer parte do organismo, mas principal
mente aquelas que são ramificações de artérias originárias do arco da aorta. Em pacientes
que faleceram na fase aguda da doença, foi observada inflamação mais frequentemente nas
artérias temporal superficial, vertebrais, oftálmica e ciliares posteriores curtas e, com menor
frequência, na carótida interna e externa e artéria central da retina. Outros estudos mostram
envolvimento da aorta proximal e distai, da subclávia, das coronárias, da braquial, da pulmo
nar e de artérias abdominais, como a renal e a mesentérica.
As artérias são acometidas por infiltrados inflamatórios focais compostos de linfócitos T
CD4+ e macrófagos que acometem todas as camadas arteriais. Células gigantes multinucle-
adas ocorrem em graus variáveis e, geralmente, situam-se próximo à lâmina elástica interna,
que mostra fragmentações. O foco principal da doença é a camada média das artérias, mas ela
também se estende para a íntima e adventícia. O infiltrado inflamatório tende a ser segmentar,
embora longos trechos das artérias possam se mostrar envolvidos. Embora não se saiba ao
certo, vários dados sugerem que se trate de uma doença autoimune que resulta de uma res
posta a antígeno situado na parede arterial dos vasos. A doença pode ser familiar, mostrando
uma predisposição genética para tal.
A cefaleia é o sintoma mais importante e está presente em quase todos os pacientes. Ge
ralmente é intensa e tende a localizar-se na região das artérias do couro cabeludo. Pode ser
de intensidade suficiente para impedir os pacientes de dormir. No entanto, pode também ser
76 I Neuroftalmologia
mais discreta, transitória e, algumas vezes, manifestar-se através de formas atípicas como dor
na região da orelha, da articulação temporomandibular ou mesmo uma cefaleia inespecífica,
o que pode confundir o diagnóstico. Muitos pacientes apresentam sensibilidade dolorosa ao
toque na região do couro cabeludo, o que fica particularmente evidente ao pentear o cabelo.
A claudicação da mandíbula, que se caracteriza por fadiga e dor na região da mandíbula ao
mastigar, é um dos sintomas mais importantes por ser relativamente específico para a doença.
Decorre da isquemia dos músculos da mastigação e, quando presente, reforça muito a suspei
ta de arterite temporal. Os sintomas gerais do tipo anorexia, perda de peso, febre e mal-estar
estão presentes em cerca de 50% dos casos, mas são muito inespecíficos e, por si sós dificil
mente levam à suspeita diagnóstica. As manifestações neurológicas são menos comuns e re
sultam do comprometimento das artérias carótidas e vertebrais. Tal comprometimento pode
ser causa de morte, do mesmo modo que o envolvimento das artérias coronárias. A polimial-
gia reumática tem uma associação bem conhecida com a arterite temporal e caracteriza-se por
dor e enrijecimento dos músculos da região do pescoço, quadris e membros. Essa condição
pode ocorrer sem arterite temporal e nesse caso, responde a doses baixas de corticoide. Em
uma pequena proporção, em torno de 10% dos pacientes, a polimialgia reumática se associa
com arterite temporal.
Apesar dos inúmeros sintomas supramencionados, é de fundamental importância enfati
zar que muitos deles podem ser discretos, transitórios e bastante inespecíficos; assim, a sus
peita diagnóstica pode não ser feita mesmo quando o paciente já está sendo acompanhado
por um médico clínico, como já pudemos observar em várias ocasiões. Outro dado importante
a ser considerado pelo oftalmologista é que, em alguns pacientes, os sintomas sistêmicos são
de fato ausentes, o que foi denominado forma oculta da arterite temporal.
As principais manifestações oftalmológicas da arterite temporal são:
1. Neuropatia óptica isquêmica
2. Perda transitória da visão
3. Oclusão da artéria central da retina
4. Diplopia e oftalmoplegia
5. Outras menos comuns: uveíte isquêmica, isquemia do segmento anterior do olho, hipoto-
nia, pupila tônica, conjuntivite, alucinações visuais.
A NOIA representa a manifestação mais comum da doença e também uma das manifes
tações mais características da afecção. Acredita-se que, nesses casos, resulte do comprometi
mento vasculítico das artérias ciliares posteriores curtas, o que leva à isquemia do nervo óp
tico e coroide. A perda visual é súbita e, geralmente, bastante grave. Quando não tratada, há
acometimento do olho contralateral em mais da metade dos casos, muitas vezes nas primeiras
2 semanas após o envolvimento do primeiro olho. Muitos pacientes acabam apresentando ce
gueira completa em ambos os olhos.
Embora a NOIA deva sempre levar à suspeita de arterite temporal, deve ser lembrado que a
maior parte dos indivíduos apresenta a forma não arterítica da doença (apenas 5 a 10% dos ca
sos de NOIA são causados por arterite temporal), e a maior parte dos casos apresenta NOIA-NA.
Algumas características clínicas podem auxiliar na diferenciação entre NOIA-A (mais grave e
de tratamento mais urgente) e NOIA-NA. A perda visual costuma ser muito mais grave na NOIA-A
Neuropatia Óptica Isquêmica
do que na NOIA-NA. A perda visual na NOIA-NA costuma manifestar-se pela manhã, ao acordar
(acredita-se que a hipotensão noturna tenha um papel na sua gênese), enquanto, na NOIA-A, não
há essa preferência. Esta última, por sua vez, pode ser precedida de perda transitória da visão, o
que é incomum na NOIA-NA. O disco óptico dos pacientes com NOIA-NA geralmente é pequeno
(disco congenitamente cheio), uma vez que, nessa afecção, geralmente há um fator predispo-
nente local do disco óptico, enquanto a NOLA-A ocorre em qualquer tipo de disco óptico. Esses
dados podem servir para reforçar ainda mais a suspeita de arterite temporal, que, no entanto,
deve estar presente em todos os indivíduos com neuropatia óptica isquêmica.
A perda visual na arterite temporal pode também decorrer de neuropatia óptica isquêmica
posterior (sem edema de papila na fase aguda), por oclusão da artéria central da retina ou por
síndrome ocular isquêmica. A neuropatia óptica isquêmica posterior é muito menos comum
do que a anterior, mas também deve levar à suspeita de arterite temporal, uma vez que rara
mente é causada por outra afecção. A oclusão da artéria central da retina também deve levar
à suspeita de arterite temporal em todo paciente idoso.
Perda transitória da visão pode preceder a NOIA ou a oclusão da artéria central da retina.
Portanto, a arterite temporal deve sempre ser incluída no diagnóstico diferencial com amau-
rose fugaz no idoso.
Diplopia e oftalmoplegia devem levar à suspeita de arterite temporal no idoso, embora
seja uma manifestação menos comum da doença. A etiologia da diplopia pode ser a isquemia
dos músculos extraoculares na órbita, dos nervos oculomotor, troclear e abducente ou a is
quemia do tronco encefálico.
Diagnóstico
O diagnóstico deve ser suspeitado em todos os pacientes com mais de 50 anos e que apre
sentem as queixas visuais supramencionadas, e particularmente naqueles que têm neuropatia
óptica isquêmica. Cefaleia, dor na região temporal, claudicação da mandíbula e história de
diplopia passageira e perda transitória da visão, bem como as demais queixas sistêmicas já
mencionadas, reforçam muito a suspeita diagnóstica.
Alguns exames laboratoriais são muito importantes no diagnóstico e devem ser solicita
dos de imediato, colhidos antes da introdução da terapêutica com corticosteroides. A veloci
dade de hemossedimentação (VHS) caracteristicamente se mostra elevada na doença. É difícil
estabelecer um valor normal para a VHS no idoso. O método mais aceito é o que divide a ida
de do paciente por 2 para se obter o limite superior do valor normal. Nos indivíduos do sexo
feminino, acrescenta-se 10 à idade e, em seguida, divide-se por 2. Outros autores sugerem
diferentes valores como o limite superior. Hayreh (1997) sugeriu que o valor limite do normal
foi de 33 mm para homens e 35 mm para as mulheres. Usando esses valores em um grande
número de casos de arterite temporal, observou que a VHS tem uma sensibilidade de 92% e
uma especificidade também de 92%. Os pacientes com arterite temporal geralmente apresen
tam valores muito elevados, mas deve ser lembrado que a VHS pode também ser normal nessa
doença, especialmente nas suas fases iniciais. Assim, uma VHS normal não deve servir para
excluir definitivamente o diagnóstico num paciente com características clínicas da doença.
A proteína C reativa (PCR) é outro exame que pode ser útil na suspeita de arterite tempo
ral. Normalmente presente em quantidades baixas no indivíduo normal, eleva-se quando há
78 I Neuroftalmologia
dano tissular. Hayreh et a i (1997) acreditam que a PCR é mais sensível (100%) do que a VHS
(92%) e que a combinação de ambos foi o que levou a maior especificidade (97%) no diagnós
tico da afecção.
Os exames laboratoriais podem ainda demonstrar uma anemia moderada, elevação do
fibrinogênio sérico e da proteína alfa-2. Habitualmente, solicitamos para os pacientes suspei-
r
tos: hemograma completo, VHS, PCR e eletroforese de proteínas. E importante salientar que
é preferível o método Westergreen da VHS, uma vez que pode evidenciar melhor a elevação
da VHS (os dados supramencionados referem-se à VHS por esse método). Outra observação
é que, em nosso meio, alguns laboratórios ainda utilizam a determinação da VHS de 2 horas,
enquanto os valores já citados se referem à VHS de 1 hora, de acordo com quase todos os
trabalhos nessa afecção. Com relação à PCR, deve-se salientar que ela é considerada positiva
quando se mostra acima de 0,5 mg/dl. No trabalho de Hayreh et al. (1997), esse valor foi utili
zado (o que levou à sensibilidade de 100% ao teste), mas, utilizando-se esses valores, a espe
cificidade da PCR foi de 83% nas mulheres e 79% nos homens. No entanto, quando analisou os
dados, observou que um valor acima de 2,45 mg/dl é que foi considerado muito sugestivo da
doença. Em decorrência disto, é interessante obter a PCR em laboratório que forneça a sua
dosagem (alguns determinam apenas se é positiva ou negativa), tanto no diagnóstico como na
monitoração do tratamento dos pacientes com arterite temporal.
A biópsia da artéria temporal deve ser realizada em todos os pacientes suspeitos da doen
ça (Fig. 6). Alguns sugerem o diagnóstico apenas com base nos dados clínicos, o que não nos
parece a conduta mais adequada. A confirmação diagnóstica com estudo anatomopatológico
é importante para justificar a colocação do paciente em um regime terapêutico prolongado,
com efeitos colaterais possíveis. O achado de artérias normais (sem espessamento, dor ou
vermelhidão) ao exame clínico também não deve servir para afastar o diagnóstico de arterite
temporal nem para evitar a biópsia, que é sensível em 95% dos casos em 100% específico para
a doença. O procedimento é simples e pode ser perfeitamente realizado pelo oftalmologista,
o que agiliza grandemente a orientação diagnóstica e terapêutica da doença. A biópsia deve
ser realizada no lado que houver a dor na região temporal, e, se possível, no local doloroso.
Quando não há dor nessa região, a biópsia inicialmente deve ser feita do lado da perda vi
sual. Quando a biópsia for negativa e ainda se suspeita fortemente do diagnóstico, ela pode
ser repetida do lado contralateral ou até em um local diferente da artéria do mesmo lado já
operado. É importante a remoção de um fragmento adequado, de pelo menos 2,5 cm (se pos
sível, 4 cm ou maior) para aumentar as chances de positividade do estudo anatomopatológi
co. Quando o paciente apresenta biópsia negativa e persiste com VHS elevada, é importante
considerar outras causas para essa elevação, como neoplasias, infecções ou outras doenças
do tecido conjuntivo.
É também fundamental a interpretação correta dos achados da biópsia, por patologista
experiente, conhecendo-se as alterações relacionadas à idade, além do fato de que nem sem
pre os achados clássicos de arterite com células gigantes estão presentes.
Tratamento
A corticoterapia é o único tratamento comprovadamente eficaz no controle da arterite tem
poral. A medicação deve ser iniciada assim que o diagnóstico é suspeitado e após a colheita
de sangue para os exames laboratoriais, em especial a VHS e a PCR. Não se deve esperar a
realização nem o resultado da biópsia de artéria temporal, pois o objetivo é a prevenção da
perda visual, especialmente quando um olho já foi acometido. Além disso, sabe-se que as le
sões anatomopatológicas estarão presentes por algumas semanas após o início do tratamento
e, sendo assim, a biópsia pode ser realizada alguns dias após a sua introdução.
Deve ser enfatizado que, quando a perda visual ocorre por oclusão da artéria central da reti
na ou neuropatia óptica isquêmica, ela é quase sempre irreversível e o objetivo principal do tra
tamento é prevenir o acometimento do olho contralateral e a ocorrência de outras complicações
sistêmicas. O benefício do corticoide para prevenir a perda visual e outras complicações é bem
r
conhecido. E importante lembrar, no entanto, que a perda visual pode ocorrer mesmo quando se
utiliza o tratamento adequado, geralmente nos primeiros dias de tratamento.
A confirmação do diagnóstico através de biópsia da artéria temporal deve ser realizada assim
que possível, mas não pode retardar a introdução do corticosteroide. Acredita-se que a biópsia se
manterá positiva mesmo após 1 a 2 semanas com corticoide e, portanto, a biópsia não pode ser
também postergada por muito mais tempo, sob pena de se perder esse elemento diagnóstico.
O tratamento pode se prolongar por vários meses, por vezes anos, e deve ser feito con
juntamente com o médico clínico, uma vez que o uso prolongado de corticoide em paciente
idosos pode ter complicações. A dosagem deve ser mantida até que os sintomas sistêmicos
desapareçam e que a VHS se normalize, e, a partir de então, reduzida progressivamente, acom
panhando-se o valor da VHS e da PCR. Os sintomas geralmente melhoram em 2 a 3 dias, mas a
VHS demora mais para normalizar. Mesmo quando a normalização é rápida, deve-se manter a
dose inicial alta por, pelo menos, 2 a 4 semanas para então iniciar a redução gradual. A redução
da dose deve ser lenta, não maior que 10% da dose total a cada 1 ou 2 semanas.
A doença geralmente tem um curso autolimitado que dura de 1 a 2 anos. Em alguns casos,
pode ser mais curta e, em outros, permanecer ativa por muitos anos. Em decorrência disto,
deve-se monitorar o paciente clínica e laboratorialmente por 6 a 12 meses após a interrupção
do tratamento, visando certificar-se de que a doença não apresenta recidiva. A medida perió
dica da VHS é particularmente útil nesse sentido, pois a sua elevação muitas vezes precede as
manifestações clínicas.
Embora a maioria dos pacientes com NOIA-NA tenham perda visual abrupta e que se man
tém inalterada, pode haver deterioração da acuidade visual e do campo visual alguns dias ou
80 | Neuroftalmologia
mesmo semanas após o início do quadro. A piora visual pode ser registrada tanto na acuidade
visual como no campo visual. No passado, essa progressão era pouco conhecida e considerada
um evento incomum. Atualmente se acredita que possa ocorrer em uma frequência variando
entre 22 e 37% dos casos. No IONDT, 45% dos pacientes relataram piora subjetiva da função
visual após o início do quadro, e 29% tiveram uma piora documentada da acuidade visual. A
piora da função visual geralmente ocorre durante as primeiras 4 a 6 semanas da afecção, no
período em que ainda existe edema de papila.
Após o episódio agudo, o edema de papila progressivamente diminui e é substituído por
atrofia óptica, que pode ser setorial ou difusa. Ocorre também acentuação do estreitamento
das arteríolas retinianas (Fig. 6).
Em geral, os pacientes com NOIA têm mau prognóstico quanto à recuperação visual. No
passado, acreditava-se que a perda visual na NOIA-NA era irreversível, sem possibilidades de
melhora. Nos últimos anos, tem-se reconhecido a possibilidade de alguma melhora visual es
pontânea, geralmente discreta. No estudo do IONDT, a acuidade visual melhorou pelo menos
3 linhas da tabela de Snellen em 31% dos pacientes após 2 anos de seguimento. Em torno de
31 a 41% dos pacientes têm acuidade visual final pior que 20/200 e, em 21 a 53%, a acuidade
visual é superior ou igual a 20/40.
r
pode ter complicações. Nos casos em que a perda é bastante recente, alguns autores preconi
zam o uso de pulsoterapia com corticoide endovenoso (metilprednisolona 1.000 mg/dia) por 3
dias, seguido de prednisona por via oral. Alguns autores observaram reversão do déficit visual
após esse tipo de tratamento. Essa melhora, no entanto, é a exceção e, na grande maioria das
vezes, o tratamento visa apenas prevenir a perda visual contralateral.
Nos últimos anos, observa-se uma tendência à utilização mais generalizada de corti-
costeroides por via endovenosa para pacientes com perda visual (1 a 2 g/dia por 2 a 3 dias)
seguidos de corticoide por via oral em altas doses, embora nenhum estudo prospectivo te
nha sido realizado comparando a eficácia desse regime terapêutico com o uso de corticoide
por via oral. Alguns autores preconizam esse tipo de tratamento mesmo para casos menos
graves, no sentido de reduzir a dose cumulativa proporcionando menor iatrogenia e resis
tência da doença aos corticosteroides, mas essa conduta não é usual. Nós particularmente,
utilizamos a pulsoterapia corticoide em casos com perda visual recente (horas) na tentativa
de reverter a perda visual (embora isso seja raro) ou em pacientes com perda visual em um
olho e perda transitória da visão ou sintomas indicativos de acometimento inicial no olho
contralateral.
A introdução de tratamento de ataque para profilaxia do acometimento do olho contra
lateral geralmente é eficaz; no entanto, a progressão da perda visual no segundo olho ocasio
nalmente ocorre a despeito do tratamento adequado com altas doses de corticoide. Quando
isso ocorre, geralmente se dá nos primeiros 5 dias após o início da terapia.
É importante salientar que o tratamento não visa à recuperação visual do olho afetado,
embora esta possa ocorrer. A resposta aos sintomas sistêmicos geralmente é rápida e dra
mática, com alívio da cefaleia e do mal-estar em 24 horas. Infelizmente, apenas 4 a 15% dos
pacientes com NOIA-A apresentam melhora da função visual com o tratamento. Alguns relatos
recentes documentam que a melhora pode ocorrer, embora geralmente persistam defeitos
campimétricos importantes.
A terapia de manutenção deve ser mantida em doses de 1 a 2 mg/kg/dia por, pelo menos,
4 a 6 semanas, até a normalização dos sintomas sistêmicos e dos marcadores laboratoriais, e
seguido de uma redução gradual ao longo de 12 a 18 meses, de início reduzindo-se aproxi
madamente 10 mg por mês e, depois, 5 mg por mês até atingir a dose de 10 a 15 mg/dia. Pos
teriormente, a redução deve ser muito lenta, sempre monitorada pelos exames laboratoriais
VHS e PCR. A recidiva dos sintomas ou elevação da VHS e/ou PCR ocorrem em mais da metade
dos pacientes quando o corticoide é reduzido. Nesses casos, geralmente retornamos a dose
do corticoide para o valor anterior àquele que foi associado com a recidiva, já que, mesmo sem
os sintomas sistêmicos, a perda visual pode recidivar nesses casos.
As complicações do corticoide em uso prolongado representam um problema comum
no tratamento de indivíduos com arterite temporal. Os pacientes devem receber suplemen-
tação de cálcio e vitamina D para reduzir o risco de osteoporose. Quando as complicações
ocorrem, outros agentes podem ser utilizados, incluindo metotrexate, azatioprina, ciclos-
porina e agentes antifator de necrose tumoral, embora com poucos estudos a respeito.
Alguns estudos abordaram o uso conjunto de metotrexate, mas os resultados foram confli
tantes. Pessoalmente, no entanto, observamos em vários pacientes o efeito complementar
do metotrexate em pacientes com arterite temporal que apresentaram recidivas durante a
redução do corticoide. Acreditamos que essa é uma arma terapêutica que pode servir como
82 | Neuroftalmologia
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Neuropatias Ópticas
Compressivas
INTRODUÇÃO
As neuropatias ópticas compressivas podem ocorrer na órbita, no canal óptico ou, ainda, na
porção intracraniana do nervo. Na órbita, as compressões podem ser causadas por tumores
extrínsecos ao nervo óptico, por doenças orbitárias que causem compressão do nervo ópti
co ou por tumores do nervo, como o glioma e o meningioma. Ao nível do canal óptico, as
compressões podem ser causadas por tumores, doenças ósseas ou dos seios paranasais que
provocam compressão, enquanto, ao nível do nervo óptico intracraniano, a compressão pode
ser decorrente de tumores benignos ou malignos ou, ainda, lesões vasculares como os aneu
rismas de grande dimensões que acometem a porção intracraniana dos nervos ópticos. Neste
Capítulo discutiremos, inicialmente, o quadro clínico que sugere a presença de uma neuropa-
tia óptica compressiva e, em seguida, as formas mais comuns dessas neuropatias, nos diversos
segmentos do nervo óptico.
QUADRO CLÍNICO
85
86 | Neuroftalmologia
existência da neuropatia, ocasionalmente pode haver edema de disco óptico com a acuidade
visual e, mesmo, o campo visual preservados. Essa ocorrência é encontrada particularmente
no hemangioma cavernoso ou linfangioma adjacentes ao disco óptico e, mais raramente, no
meningioma da bainha do nervo óptico. Trata-se, no entanto, de uma ocorrência incomum e,
na maioria dos casos, o exame cuidadoso do campo visual ou da visão de cores revela defeitos
discretos, mesmo quando a acuidade visual é normal.
Outra apresentação incomum nas lesões compressivas é a perda transitória da visão, mas
pode ocorrer em lesões orbitárias associadas à movimentação ocular. Ocasionalmente, tal sin
toma pode também ocorrer sem relação com a movimentação ocular.
Exames de neuroimagem
Os exames de neuroimagem desempenham papel fundamental no diagnóstico e tratamento
das neuropatias compressivas. Os mais importantes são a tomografia computadorizada (TC) e
a imagem por ressonância magnética (IRM), embora a ultrassonografia também possa ser de
auxílio nas lesões situadas na órbita anterior. É de fundamental importância a obtenção de
exames de alta resolução, particularmente no caso de lesões discretas, como os meningiomas
da bainha do nervo óptico, ou, ainda, pequenos tumores que acometem o nervo ao nível do
canal óptico, ou mesmo do segmento intracraniano do nervo.
O nervo óptico, no segmento intracraniano, pode ser comprimido por vários tipos de lesões
tumorais, incluindo os adenomas hipofisários, os meningiomas (Fig. 2), os craniofaringiomas,
os aneurismas, os gliomas ópticos, além de infiltrações meníngeas por linfomas ou tumores
metastáticos.
Os adenomas hipofisários são os tipos mais comuns de tumores intracranianos, sem predi
leção por sexo e acometendo indivíduos mais comumente entre 30 e 40 anos de idade. Mais
comumente, tais lesões comprimem o quiasma óptico, levando a defeito bitemporal de campo
visual. No entanto, podem ocasionar acometimento de um dos nervos ópticos no segmento
intracraniano, com perda visual unilateral, ou, ainda, acometer a junção de um dos nervos
ópticos com o quiasma óptico.
88 I Neuroftalmologia
defeito de campo indicativo de lesão do nervo óptico de um lado (p. ex., um escotoma central)
e um defeito de campo temporal superior no olho contralateral (por acometimento de fibras
do olho contralateral que trafegam na região do joelho de Wilbrand ou, ainda, por lesão de
fibras do olho contralateral já no quiasma óptico). A esse quadro sindrômico, usualmente de
nominamos síndrome juncional (Fig. 3).
Outros tipos de alterações visuais menos comuns podem ocorrer nas lesões compressivas
intracranianas. Em raras ocasiões, perda visual monocular súbita pode ocorrer por compro
metimento (direto ou devido à interrupção do suprimento vascular) do nervo óptico intracra
niano secundário a apoplexia pituitária, a meningioma que apresente crescimento rápido e a
ruptura de aneurisma. Quando esse quadro se associa a dor ocular, pode levar a confusão diag
nóstica com neurite óptica, principalmente nos casos que apresentam melhora inicial após tra
tamento com corticosteroide. No entanto, deve ser salientado que a perda visual de evolução
rápida é incomum nas neuropatias compressivas.
Outra situação incomum é a ocorrência de defeito altitudinal ou de hemianopsia nasal nas
lesões compressivas pré-quiasmáticas. O defeito perimétrico altitudinal pode ocorrer quando
os nervos ópticos são comprimidos inferiormente, produzindo defeito superior. Hemianopsia
nasal respeitando o meridiano vertical pode ser causada por lesões que crescem entre os ner
vos ópticos e os empurram contra a artéria cerebral anterior ou carótida interna, acometendo
as fibras temporais, uni ou bilateralmente. Esse tipo de apresentação da neuropatia intracra
niana compressiva é muito infrequente, embora já tenha sido relatada associada a aneurisma
suprasselar, artéria carótida interna dolicoectásica, aracnoidite optoquiasmática, adenoma pi
tuitário e meningioma.
Atrofia óptica em um olho e edema de papila no outro podem ocorrer por compressão
assimétrica dos nervos ópticos ou, classicamente, por compressão direta do tumor em um dos
nervos ópticos e papiledema no outro, por aumento da pressão intracraniana. Esse quadro,
conhecido por síndrome de Foster Kennedy, podem ocorrer nos tumores de lobo frontal e nos
meningiomas da goteira olfatória, e pode associar-se a anosmia.
Fig. 3 Campo visual evidenciando escotoma central no olho direito e defeito temporal no olho esquerdo
indicativo de lesão na junção do nervo óptico direito com o quiasma óptico (síndrome juncional).
9 0 I Neuroftalmologia
Tumores malignos de seios paranasais são lesões relativamente infrequentes que ocorrem
predominantemente em homens na sexta década; dentre estas, o carcinoma de células esca
mosas é a mais frequente. A localização mais típica dessas neoplasias é o seio maxilar, seguido
do seio etmoidal e, raramente, do seio esfenoidal. Assim, devido a esse padrão de localização
do tumor, a perda visual ocorre menos comumente do que outras disfunções de pares cra
nianos, como diplopia e paralisia facial. Entretanto, quando ocorre perda visual, esta pode se
instalar de forma subaguda e, rapidamente, evoluir para grave acometimento da função visual.
Mucoceles são expansões císticas dos limites ósseos dos seios paranasais devido à obstru
ção do óstio de drenagem. Mucocele esfenoidal ou etmoidal posterior (esfeno-etmoidal) pode
se expandir lateralmente e acometer o canal óptico adjacente. Comumente, a perda visual é
lentamente progressiva e unilateral, embora instalação súbita e acometimento bilateral pos
sam ocorrer e levar a confusão diagnóstica com apoplexia hipofisária, ou mesmo com neurite
retrobulbar. Os pacientes usualmente se apresentam com dor fronto-orbital, perda visual e
paresias de nervos cranianos, envolvendo o oculomotor ou abducente. Aos exames de neuroi-
magem, as mucoceles esfenoidais têm aspecto cístico com alta intensidade do sinal. A muco
cele pode também acometer a órbita, causando oftalmoplegia restritiva e, mesmo, proptose.
O tratamento é cirúrgico e, quando realizado precocemente, leva à recuperação importante
da função visual. Se a cirurgia não for realizada logo após a perda visual, poderá haver recupe
ração incompleta da visão.
No segmento orbitário, o nervo óptico pode ser acometido por neuropatias infiltrativas, cau
sadas por tumores primários do nervo óptico, como os gliomas e os meningiomas, ou secun
dários por infiltrações do nervo óptico. Podem ainda ser acometidos por tumores orbitários
extrínsecos que comprimem o nervo óptico.
óptica, e os demais acometem o quiasma óptico, os tratos ópticos ou os dois nervos ópticos.
Tumores bilaterais do nervo óptico são quase sempre associados a NF1. Os tumores isolados
ocorrem com igual incidência nos dois sexos, mas estudos recentes sugerem uma preponde
rância (67%) no sexo feminino nos gliomas associados a NF1.
O principal achado clínico nos gliomas da via óptica é a perda visual, presente em tor
no de 90% dos pacientes. Ocorre perda de acuidade e de campo visual caracterizada por
escotomas centrais e cecocentrais, defeitos altitudinais, contração periférica e hemianopsia
temporal. A perda de acuidade visual é variável; mais da metade dos pacientes se apresenta
com acuidade visual de 20/300 ou pior. Defeito pupilar aferente relativo pode ser observado
em, pelo menos, 75% dos indivíduos acometidos. Outros sintomas dependem da localização
do tumor. Tumores que envolvem a órbita podem apresentar manifestações orbitárias, en
quanto aqueles confinados à região intracraniana podem estar associados a sintomas neu
rológicos. A duração dos sintomas antes do diagnóstico é geralmente de 2 a 12 meses, mas
pode ser muito mais longa.
Nos tumores que envolvem a órbita, pode-se observar proptose axial, edema de papila,
dobras de coroide, palidez papilar e estrabismo. De acordo com uma revisão da literatura de
383 pacientes, a atrofia óptica foi o achado fundoscópico em 66% dos casos, e o edema de dis
co em um terço. Pode haver também restrição mecânica da motilidade ocular. A perda visual e
a proptose geralmente são lentamente progressivas, mas podem ser de evolução rápida quan
do há hemorragia espontânea dentro do tumor. A dor habitualmente está ausente.
Deve-se enfatizar que nem todos os gliomas do nervo óptico são sintomáticos e que al
guns são compatíveis com função visual clinicamente normal. Os tumores situados no quiasma
óptico não apresentam proptose e, tipicamente, apresentam defeito de campo bitemporal.
Nistagmo ocorre em 23% dos pacientes com glioma óptico e geralmente sugere o acometi
mento intracraniano do tumor. Os tumores situados na região quiasmática podem também
apresentar distúrbios endócrinos sugestivos de disfunção hipotalâmica decorrente de exten
são do tumor, e podem também apresentar hipertensão intracraniana e hidrocefalia.
O diagnóstico do glioma do nervo óptico pode ser confirmado à TC e à 1RM. A TC de alta
resolução mostra um nervo com alargamento fusiforme, margens bem definidas e membrana
durai intacta. Eventualmente, o nervo pode se apresentar espessado de uma maneira unifor
me. Observam-se, com frequência, tortuosidades aumentadas do nervo que são decorrentes
de redundância do nervo óptico, melhor evidenciadas à IRM em cortes sagitais. O tumor tem
a mesma densidade do cérebro e capta pouco contraste. À tomografia, podem ser observadas
áreas de baixa densidade dentro do nervo, provavelmente decorrentes de degenerações cís
ticas, com acúmulo de mucina. Calcificações são raras nos gliomas. O canal óptico frequente
mente está alargado. Quando o glioma acomete o quiasma óptico, a imagem é de um aumento
bem delimitado deste, como uma massa arredondada ou globular de tamanho variável. Pode
existir aumento tubular dos nervos ópticos intracranianos ou mesmo dos tratos ópticos asso
ciados à lesão do quiasma.
A IRM é o exame que oferece a melhor resolução e sensibilidade na visibilização dos
gliomas da via óptica anterior. O tumor aparece como uma lesão isointensa ou discretamente
hipointensa em T l, quando comparada com o nervo óptico normal e ao cérebro. Em T2, a
imagem é hiperintensa. A impregnação com o contraste paramagnético é variável. A IRM nos
permite definir com maior precisão a extensão da lesão, pois algumas vezes é difícil saber
Neuropatias Ópticas Compressivas | 9 3
com a tomografia computadorizada até onde vai o glioma, na sua porção mais distai na órbita
(Fig. 5). Deve ser obtida com sequências baseadas em TI e em T2 após a administração de
contraste. Na região orbitária, é importante também a obtenção de sequências com densidade
de prótons ou fluid-attenuated inversion recovery (FLAIR). Desse modo o padrão de gliomatose
perineural, presente em muitos tumores, aparece como uma lesão sólida e pode ser diferen
ciada do aspecto que simula a presença de fluido, visto nas sequências baseadas em TI e T2.
AIRM permite também observar sinais característicos do glioma associado a NF1. Essas carac
terísticas são: a bilateralidade, o alongamento do nervo e um alargamento tubular com dupla
intensidade de sinal à IRM, característico da gliomatose aracnoide perineural. Outro sinal im
portante da associação com neurofibromatose é a extensão posterior do tumor em direção ao
quiasma e trato ópticos. Lesões hiperintensas em T2, localizadas no globo pálido, cerebelo,
cápsula interna e tronco encefálico, também podem ser vistas em pacientes com NF1. O as
pecto aos exames de neuroimagem associado aos dados clínicos geralmente é suficiente para
o diagnóstico, e a biópsia não se justifica a não ser em casos excepcionais, principalmente em
tumores grandes e atípicos na região quiasmática.
Os achados histopatológicos mostram uma lesão benigna. Gliomas ópticos são astrocito-
mas pilocíticos juvenis, classificados pela OMS como tumores grau I. São caracterizados pela
presença de fibras de Rosenthal e corpos granulares eosinofílicos. Observa-se proliferação de
astrócitos pilocíticos. Astrócitos geminocísticos podem estar presentes, mas são raros. Na
maioria dos tumores, encontram-se espaços microcísticos com ácido mucopolissacáride, que
são atribuídos à degeneração mucinoide de astrócitos e elementos neuronais. Dois padrões
histopatológicos distintos podem ser observados: um padrão de crescimento perineural, que
é mais associado à NF1, e um padrão de crescimento intraneural, mais comum nos casos es
porádicos.
A história natural dos gliomas mostra que a maioria dos tumores não se altera substan
cialmente em tamanho e forma ao longo dos anos. Ocasionalmente, no entanto, aumentam
de tamanho, o que pode ser atribuído não só a um crescimento neoplásico (geralmente muito
lento), mas também a hiperplasia aracnóidea na periferia do tumor e degeneração cística no
interior da lesão, com acúmulo de material polissacáride. Todos esses fatores podem contri
buir para a leão axonal por compressão das fibras. Perda visual rápida pode ocorrer, mas geral
mente não é por crescimento neoplásico e, sim, por degeneração cística e hemorragia dentro
do tumor. Pode também haver redução espontânea do tumor, com diminuição do seu tamanho
e, mesmo, melhora visual, principalmente nos tumores associados a NF1, como documentado
em um série de 13 pacientes descritos por Parsa et al.
tar tratamento. E claro que a remoção completa do tumor, sempre que possível, confere um
prognóstico bastante bom aos pacientes. Por outro lado, muitos casos existem, especialmente
quando associados a NF1, nos quais o tumor atinge o quiasma óptico e a sua remoção comple
ta é impossível sem sacrificar a visão. Em outras eventualidades com evolução desfavorável,
é, por vezes, difícil saber se representam extensão real do tumor ou crescimento de células
tumorais preexistentes na região intracraniana. Não há dúvida também, de que pacientes com
proptose intensa e desfigurante podem beneficiar-se da remoção do tumor, mesmo que in
completa, objetivando uma melhora do aspecto estético.
A conduta frente aos gliomas ópticos deve, portanto, ser individualizada conforme o local
e extensão do tumor. Pacientes com tumor localizado na órbita e visão ainda relativamente
preservada devem ser acompanhados apenas com observação, já que a cirurgia para remoção
usualmente leva à perda completa da visão e não se sabe de início se existirá de fato progres
são da lesão. O mesmo se aplica a casos de tumores que acometem o quiasma ou o trato óp
tico em pacientes com boa visão.
A piora progressiva é a maior indicação para tratamento dos gliomas, mas a análise deve
basear-se nos dados clínicos, e não apenas no aspecto aos exames de imagem. O tratamento
cirúrgico dos tumores restritos à órbita teria o objetivo de evitar a progressão do tumor em
direção intracraniana. Essa não é uma ocorrência comum, e alguns autores acreditam que
seja extraordinária a invasão intracraniana em gliomas ópticos infantis inicialmente restritos
à órbita, com o que concordamos. Assim, deve-se analisar com cuidado a possível indicação
da cirurgia nesses casos, particularmente nos indivíduos com visão ainda útil, já que a cirurgia
usualmente leva à cegueira por remoção do nervo óptico. Em casos raros, nos quais existe
hiperplasia aracnoide perineural importante, pode ser feita a abertura da cápsula tumoral e
remoção por aspiração do tumor com preservação e até melhora na visão, como foi recente
mente documentado por Chen et a/., embora essa seja uma situação bastante incomum.
Nos pacientes com tumor limitado à órbita, já com a visão muito comprometida ou cegueira
completa, e nos quais a remoção cirúrgica pode ser realizada com segurança, a cirurgia é indi
cada, particularmente quanto existe proptose significativa. Por outro lado, pacientes com tumo
res orbitais que já têm extensão, atingindo o quiasma óptico, não devem ser operados, a não
ser que exista indicação cosmética para tratamento da proptose. Os pacientes com visão ainda
Neuropatias Ópticas Compressivas | 9 5
preservada e tumores restritos ao nervo óptico podem ser seguidos com avaliações periódicas da
função visual e através dos métodos de imagem, em especial a IRM. Se houver evidências conclu
sivas de crescimento do tumor na direção intracraniana, a cirurgia pode ser indicada. Quando da
remoção cirúrgica, deve-se ter cuidado ao se abordar a região do ápice da órbita, particularmente
a região do anel de Zinn, uma vez que pode causar grande deformidade cosmética, muitas vezes
de difícil reabilitação. No caso de tumores que acometem o quiasma, a remoção cirúrgica pode
levar a cegueira completa e deve ser evitada. Alguns autores sugerem redução do volume tumo-
ral ou de eventuais componentes exofíticos da lesão quiasmática. Tumores intracranianos podem
também requerer cirurgia quando causam complicações, como hipertensão intracraniana.
Outras opções terapêuticas para os gliomas são a radioterapia e quimioterapia, mas o
seu uso também é motivo de controvérsia. Geralmente, essas modalidades de tratamento são
consideradas em tumores que se estendem ao quiasma óptico, ao hipotálamo ou ao nervo óp
tico contralateral e que evidenciam progressão. A radioterapia foi mais utilizada no passado e
existem estudos indicando regressão tumoral significativa, enquanto outros estudos falharam
em confirmar qualquer benefício na acuidade visual e na sobrevivência em longo prazo. Para
tumores quiasmáticos, um estudo mostrou que 80% dos pacientes tratados com radioterapia
de 4.500 cGy a 5.500 cGy tiveram estabilização ou redução do tumor aos estudos radiológicos.
Por outro lado, nos estudos de Hoyt e Baghdassarian e de Glaser etal. o resultado visual não foi
correlacionado com a realização ou não de radioterapia, e também não houve diferença em ou
tros parâmetros analisados entre pacientes tratados e os que não receberam o tratamento. De
qualquer modo persiste a sugestão de que a radioterapia pode retardar a progressão da doen
ça, particularmente em lesões quiasmáticas. No entanto, deve-se ter em mente os efeitos adver
sos potenciais da radioterapia sobre o sistema nervoso central de crianças, particularmente as
oclusões vasculares induzidas pela radioterapia, sempre que se pensar nessa forma alternativa
de tratamento. A radioterapia pode ainda causar alterações nas funções cognitivas, hipopitui-
tarismo e, também, um aumento na incidência de tumores secundários, particularmente em
pacientes com NF1. É possível que novas técnicas de radioterapia que possibilitem atingir mais
especificamente o tumor, seja na forma fracionada, seja na forma de radiocirurgia, melhorem os
resultados da radioterapia, mas estudos bem controlados ainda são necessários para uma me
lhor definição, e o uso da radioterapia, no momento, fica limitado a tumores intracranianos de
evolução desfavorável com outras modalidades de tratamento e em crianças acima de 5 anos.
Nos últimos anos, muita atenção tem sido dada à quimioterapia nos gliomas ópticos.
Até o momento, não há evidências que suportem o seu uso em gliomas confinados a um dos
nervos ópticos, mas o tratamento é o preferido quando o glioma acomete o quiasma óptico e
necessita de tratamento. Muitos autores sugerem que, mesmo sem ser curativo, o tratamento
pode estabilizar ou reduzir a taxa de crescimento do tumor. A quimioterapia é geralmente fei
ta com vincristina e carboplatina. Packer et al. relataram estabilização da doença em 75% dos
casos após 2 anos e 68% após 3 anos. No entanto, outros estudos mostraram taxas de sucesso
mais variáveis. Fisher et al. relataram estudo retrospectivo de 115 pacientes com glioma da
via óptica associados a NF1 tratados de janeiro de 1997 a dezembro de 2007 em diferentes
instituições nos Estados Unidos. Dezessete tinham tumores limitados ao nervo óptico, 27 ao
quiasma, 16 no hipotálamo e 55 tinham lesões no trato óptico/radiação óptica. A indicação
para tratamento foi a piora da acuidade visual e a progressão do tumor. Oitenta e oito pacien
tes (168 olhos) puderam ser avaliados no seguimento. Após o tratamento, a acuidade visual
9 6 | Neuroftalmologia
melhorou em 32% dos indivíduos, permaneceu estável em 40% e piorou em 28%. Grande parte
dos pacientes, no entanto, tinha menos de 5 anos no início da quimioterapia, e é possível que
isso tenha influenciado na avaliação da função visual. O estudo ressalta a falta de consenso
a respeito das indicações da quimioterapia para esses tumores e a necessidade de novos es
tudos controlados para melhor definir tais indicações. De qualquer modo, a quimioterapia é
o tratamento indicado nos casos de glioma que atinjam o quiasma óptico e que evidenciem
piora progressiva e crescimento tumoral.
A mortalidade relacionada com os gliomas ópticos limitados ao nervo óptico é muito bai
xa. Por outro lado, tumores intracranianos que envolvem o quiasma e o trato óptico têm um
prognóstico pior, com taxa de mortalidade em torno de 21% no casos de tumores quiasmáticos
e em torno de 50% nos tumores mais posteriores.
Todas essas considerações relativas ao aspecto histológico, quadro clínico, evolução e trata
mento dos gliomas não se aplicam a uma variante muito rara, denominada glioma maligno do adulto.
Essa é uma condição totalmente diferente do glioma habitual da via óptica e tem quatro característi
cas principais, descritas por Hoyt etal. em 1973:1) ocorrência em homens de meia-idade ou idosos;
2) sintomas iniciais que simulam uma neurite óptica, com perda visual de evolução rápida; 3)
progressão para cegueira em 5 a 6 semanas; e 4) morte em alguns meses. Outros estudos mos
traram que a idade média de acometimento é de 52 anos e que o tumor maligno também pode
ocorrer em mulheres e, muito raramente, na população pediátrica. Esses tumores malignos são
astrocitomas de alto grau, também chamados glioblastomas multiformes. Não há evidência de
que tais tumores possam originar-se de gliomas benignos, e as duas condições são consideradas
totalmente distintas. Portanto, embora aqui mencionados para maior clareza do tema, deve-se
ter em mente que é uma condição muito distinta do glioma óptico aqui discutido, e a sua exis
tência não pode ser motivo para confundir o manejo dos gliomas ópticos habituais.
suprimento vascular piai do nervo, que leva a alterações isquêmicas. Os tumores tendem a
crescer de forma circunferencial ao redor do nervo, o que os torna irressecáveis sem com
prometer a função visual. Do ponto de vista histológico, podem apresentar o padrão menin-
gotelial, no qual células policlonais estão dispostas em camadas separadas por trabéculas; o
padrão fibroblástico, no qual células fusiformes em disposição paralela estão entremeadas
com colágeno e reticulina; e o padrão transicional, no qual células ovais ou fusiformes estão
dispostas em espirais, frequentemente com um centro hialinizado e com deposição de cálcio
(corpos psamomatosos). Figuras de mitose são pouco frequentes no MBNO.
Quase a totalidade dos pacientes com MBNO se apresenta com uma perda visual lenta
mente progressiva e indolor (presente em 96% dos casos). Em uma revisão realizada por Dut
ton, 45% dos pacientes com MBNO tinham acuidade visual de 20/40 ou melhor, enquanto 25%
tinham acuidade muito ruim (de conta-dedos, percepção luminosa ou ausência de percepção
luminosa). Outras manifestações encontradas são: discromatopsia, defeito pupilar aferente,
escotomas e obscurecimentos transitórios da visão. A maioria (cerca de 80%) tem distúrbios
de campo visual, geralmente dos tipos: constrição periférica, escotoma central e paracentral,
defeitos altitudinais e aumento da mancha cega. Proptose é encontrada no exame inicial de
65% dos pacientes, podendo ser discreta, a moderada (2 a 5 mm). A limitação da motilidade
ocular é pouco frequente e discreta, e ocorre apenas nos tumores maiores.
Edema de papila é um achado precoce em 50% dos pacientes, por vezes precedendo a baixa
da acuidade visual. Caracteristicamente, ocorre nos casos em que o tumor se estende até junto
ao globo ocular. A atrofia óptica é um achado mais tardio, observado em 66% dos casos na épo
ca do diagnóstico da doença. Embora ocorram em somente 33% dos casos, a presença de veias
optocoroidais no disco óptico é considerada um achado importante no diagnóstico do MBNO
(Fig. 6). Apesar de ocorrer em outras condições, quando associados à perda progressiva da visão
e palidez de papila, constitui-se numa tríade de achados virtualmente diagnóstica do MBNO.
ATC demonstra um alargamento do nervo óptico, geralmente começando na região apical. O
alargamento geralmente tem um padrão tubular difuso, mas eventualmente pode apresentar-se
de forma globular ou fusiforme. O tumor frequentemente é hiperdenso, apresentando realce
com a injeção intravenosa de contraste. Um sinal característico, mas não patognomônico, dos
MBNO é a formação do sinal em “trilho de trem”, um sinal radiográfico no qual a bainha densa
e espessada do nervo óptico delimita uma área central hipodensa, que representa o nervo óp
tico residual (Fig. 7). Na fase com contraste ocorre um realce periférico que varia de moderado
a intenso. Hiperostose de ossos adjacentes, achado comum nos meningiomas intracranianos, é
menos frequente nos MBNO. Calcificação é um achado importante à TC, pois, ocorrendo entre
20 e 50% dos casos, auxilia no diagnóstico diferencial com os gliomas do nervo óptico.
A 1RM é o método mais sensível para detectar o MBNO e definir a sua extensão, incluindo
a capacidade de visibilizar o tumor dentro do canal óptico e de eventual extensão intracra
niana. É considerado o exame de escolha, já que permite uma melhor definição da presença e
extensão do tumor. Para a melhor definição do tumor, é importante a utilização de contraste
paramagnético e de técnicas capazes de fazer a subtração da gordura. Do mesmo modo que
os meningiomas intracranianos, o MBNO é uma lesão que realça com contraste. O exame
demonstra um espessamento do nervo e da bainha, sendo isointenso em TI e T2 em relação
ao cérebro. O tumor mostra aumento do sinal com realce importante ao se administrar gado-
línio, o que permite uma boa definição da lesão, quando comparada com o nervo normal, e
da delimitação de sua extensão (Fig. 8). A imagem em “trilho de trem” também é evidenciada
à IRM e consiste em um nervo espessado com sinal aumentado na parte periférica e um ner
vo menos intenso no meio. No entanto, apesar da superioridade da IRM, a TC pode ser útil
demonstrando a calcificação no tumor, o que não pode ser visto à IRM (Fig. 8). O formato mais
comum é de uma lesão tubular que se estende até o ápice da órbita, até o globo ocular, ou,
ainda, apresenta-se em apenas um segmento do nervo.
Algumas outras lesões do nervo óptico podem simular a aparência do MBNO e devem ser
consideradas no diagnóstico diferencial, e incluem: o pseudotumor inflamatório da órbita (na
forma de perineurite óptica), a sarcoidose, os tumores metastáticos ao nervo óptico, o glioma
óptico, o hemangiopericitoma e o hemangioblastoma do nervo óptico.
Os MBNO são tumores benignos com crescimento muito lento ao longo de vários anos.
Tipicamente são unilaterais e raramente se estendem para dentro do crânio. A perda da visão
de um dos olhos é, portanto, a sua morbidade principal, e muitos pacientes mantêm uma vi
são relativamente boa por muitos anos. Em estudo de Egan e Lessel, 56% de 16 pacientes com
MBNO seguidos por 10 anos tiveram a acuidade visual de 20/30 ou melhor. Por outro lado,
estudos de Kennerdell et al. e Turbin et al. indicam que 85% dos pacientes apresentam piora
progressiva da visão. No estudo de Saeed et a/., 35% dos pacientes mantiveram acuidade visual
de 20/50 ou melhor, durante um período de seguimento de 5,2 anos.
O objetivo do tratamento dos MBNO é o controle do crescimento tumoral e a preservação
da visão. Devido à história natural, que muitas vezes é de evolução relativamente benigna, nos
casos confinados à órbita e com visão preservada a melhor conduta é a observação apenas
com exames periódicos da função visual e exames de imagem para avaliar se existe ou não
crescimento tumoral. A cirurgia radical para remoção do tumor deve ser evitada nos casos
com boa visão e crescimento lento, já que leva à perda completa da visão na maior parte dos
casos. Nos pacientes que apresentam piora progressiva da visão com extensão intracraniana
documentada aos exames de imagem, mas ainda com visão útil, a radioterapia é o tratamento
de escolha no sentido de preservar a visão e reduzir as chances de crescimento do tumor. A
biópsia da bainha do nervo óptico é raramente necessária, já que o diagnóstico é usualmente
feito com bases clínicas associadas aos exames de imagem. A despeito da noção histórica de
que os meningiomas em geral são radiorresistentes, a estabilização, ou mesmo melhora da
visão, já foi observada por vários autores. Dutton revisou a literatura (1992) quanto aos casos
tratados com radioterapia e observou que a acuidade visual melhorou em 75% dos casos, per
maneceu estável em 8% e piorou em 17% dos pacientes tratados. No entanto, o tratamento não
ganhou aceitação geral pelo medo de apresentar efeitos colaterais. Turbin et al. relataram 64
pacientes com MBNO nos quais as lesões foram conduzidas com a observação apenas, cirurgia
isolada, cirurgia com radioterapia no pós-operatório ou radioterapia isolada, e concluiu que
o tratamento com a radioterapia isolada é o que leva a melhor resultado visual. No entanto,
33% dos pacientes desenvolveram complicações da radioterapia convencional, incluindo reti-
nopatia da irradiação, oclusão vascular retiniana, irite persistente e atrofia do lobo temporal.
Avanços tecnológicos permitiram reduzir a exposição dos tecidos vizinhos à irradiação,
e possibilitaram um tratamento mais certeiro à lesão com melhora na segurança e eficácia da
radioterapia no tratamento do MBNO. Várias técnicas estão disponíveis, e, em essência, utili
zam recursos que permitem uma maior precisão em relação à forma da lesão a ser irradiada,
as chamadas radioterapias conformais e que, no caso do MBNO, devem ser fracionadas em do
ses. Usando tais técnicas, é possível administrar uma dose suficiente de radioterapia ao MBNO
com um feixe mais focalizado, poupando os tecidos vizinhos da irradiação e minimizando os
efeitos colaterais. Berman e Miller resumiram, em 2006, os dados de 7 séries de pacientes com
1 0 0 | Neuroftalmologia
MBNO que foram tratados com radioterapia conformai fracionada (um total de 75 pacientes)
e encontraram o controle da doença em 94,6% e a melhora visual em 54,7% dos casos nos pri
meiros 3 meses após o tratamento. Nenhum dos pacientes apresentou crescimento tumoral
após o tratamento. As complicações incluíram cefaleia, náuseas, eritema local, alopecia focal e
retinopatia da irradiação. Em outros trabalhos, complicações tardias com disfunção pituitária
e doença de pequenos vasos cerebrais já foram relatadas em até 10% dos pacientes submeti
dos a esse tipo de tratamento.
Mais recentemente, Bloch et al. revisaram os trabalhos que utilizaram radioterapia fracio
nada, com atenção para os avanços recentes das técnicas de radioterapia e o seu impacto no
tratamento desses tumores. Observaram que a taxa de controle da doença se aproxima de 100%,
com mais de 80% de preservação ou melhora da visão com o tratamento. As diversas variações de
técnicas de radioterapia modernas parecem não influenciar significativamente o controle da do
ença, contanto que uma dose total de 50 a 54 Gy seja administrada ao tumor e a dose fracionada
seja menor que 2 Gy em cada sessão. A radiocirurgia (administração de uma só vez de radiote
rapia localizada) não é utilizada no tratamento do MBNO devido à toxicidade ao nervo óptico.
O tratamento com exérese cirúrgica ou com biópsia da lesão já foi utilizado no passado,
mas é associado a grande morbidade visual e cegueira na maiorias dos casos. Assim, a cirurgia
para pacientes com visão útil não é utilizada na atualidade, e as biópsias da lesão foram aban
donadas a não ser em casos muito atípicos. Uma vez instalada a cegueira, a extirpação cirúr
gica pode estar indicada nos casos em que o tumor apresente sinais de expansão em direção
ao espaço intracraniano e para o alívio de proptose desfigurante, de dor orbitária ou de com
plicações intraoculares. No entanto, mesmo nos casos de cegueira completa, a conduta pode
ser conservadora ou pela radioterapia (quando se procura reduzir as chances de crescimento
intracraniano), uma vez que a cirurgia para remoção completa da lesão, e principalmente da
porção do tumor junto ao ápice orbitário, pode levar a complicações estéticas importantes.
O prognóstico de vida para os portadores de meningiomas da bainha do nervo óptico é
excelente, situando-se a mortalidade diretamente relacionada à doença em torno de 0,2%. Por
outro lado, o prognóstico para a função visual não é bom. Mesmo com o controle da doença,
muitos pacientes permanecem com déficit visual significativo e alguns evoluem para cegueira
no olho afetado.
O nervo óptico pode ainda ser acometido por infiltração leucêmica, bem como por lesões
metastáticas de tumores originários em outras regiões do corpo. Em torno de 4% das crianças
com leucemia aguda têm evidência de infiltração do nervo óptico. O acometimento do nervo
óptico por metástases pode ocorrer tanto na região intracraniana do nervo como na órbita.
Aproximadamente 30% dos pacientes com meningite carcinomatosa apresentam perda visual,
e em torno de 15% têm acometimento do nervo óptico. Os tumores metastáticos mais comuns
que acometem o nervo óptico são os adenocarcinomas mamários, pulmonares e intestinais.
O acometimento do nervo óptico usualmente ocorre em pacientes já portadores de lesões
tumorais conhecidas em outras regiões do corpo. Mais raramente, a perda visual precede o
diagnóstico do tumor primário, o que dificulta sobremaneira o diagnóstico. Nos casos de in
filtração leucêmica ou de tumores metastáticos, é de fundamental importância a obtenção de
exames de imagem, a TC e a 1RM que mostram aumento da espessura do nervo.
Oft/ X \ \ 1 / \ VI
A . X iX \ y , / V e
*-
não se consegue reduzir a dosagem da medicação. Pode também ser utilizada a radioterapia
nos pacientes que apresentem contraindicação para o uso do corticoide. Quando falham as
tentativas terapêuticas com corticoide e radioterapia, está indicada a descompressão orbitá-
ria. É importante descomprimir em especial o ápice da órbita, particularmente a região me
dial, uma vez que existe relação importante do reto medial espessado com o desenvolvimento
da neuropatia óptica distireoidiana. As vias de acesso podem ser a transconjuntival medial, a
transantral ou transetmoidal externa ou a endonasal.
Recentemente surgiram alternativas terapêuticas para o tratamento da neuropatia óptica
distireoidiana, particularmente o rituximab, fármaco antilinfocitário que pode ser útil em ca
sos resistentes ao corticoide e não responsivos à cirurgia, como demonstrado recentemente
por Khanna et al. A sua validade para o uso mais comum, no entanto, ainda necessita de con
firmação em novos estudos.
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Neuropatias Ópticas causadas
por Medicamentos, Substâncias
Tóxicas e Irradiação
MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO • ADALMIR MORTERÁ DANTAS
INTRODUÇÃO
Neuropatias ópticas podem ser causadas por medicamentos, uma série de substâncias tóxicas quí
micas ou como complicação de tratamento radioterápico. Representam um grupo heterogêneo
de neuropatias com gravidade variável e com uma relação clara com a exposição ao agente causal.
Quando decorrentes de medicamentos e substâncias tóxicas, geralmente são bilaterais e relativa
mente simétricas. A neuropatia induzida pela irradiação, por outro lado, pode ser uni ou bilateral.
Nem sempre a associação entre esses agentes e a neuropatia óptica pode ser estabelecida com
certeza, sendo necessária a exclusão de outras afecções oculares e do nervo óptico.
Neste capítulo serão discutidas as principais neuropatias decorrentes de medicamentos e
substâncias tóxicas, e também a neuropatia secundária a tratamento radioterápico.
ETIOLOGIA
105
106 | Neuroftalmologia
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
progride, geralmente ficando na faixa de 20/40 a 20/200. Pode haver cegueira completa mas
é incomum, a não ser na intoxicação por metanol, que pode chegar à ausência de percepção
luminosa. A visão periférica geralmente é relativamente preservada.
Não costuma haver assimetria do reflexo fotomotor, mas a reação pupilar à luz é, em ge
ral, lenta. Entretanto, em caso de início unilateral ou de baixa visual assimétrica, pode haver
assimetria do reflexo fotomotor, o que é evidenciado à pesquisa do defeito pupilar aferente
relativo comparando-se a reação à luz de cada olho estimulado alternadamente.
O fundo de olho pode ser normal, evidenciar edema de disco óptico em algumas neuro
patias tóxicas, ser normal ou, ainda, com palidez do disco óptico por atrofia progressiva das
fibras nervosas. Hemorragias na região do disco podem também ocorrer quando há edema de
papila na fase aguda.
Em muitas neuropatias tóxicas, é necessária a exclusão de outros diagnósticos possíveis.
Assim, a obtenção de exames, como a imagem por ressonância magnética e a tomografia com
putadorizada, são importantes para exclusão de outras etiologias. Outros exames laborato
riais, em especial o exame do líquor, também são úteis no diagnóstico diferencial sempre que
a associação entre a neuropatia óptica e o agente causal não esteja clara.
Os medicamentos reconhecidos como tóxicos para o nervo óptico são muito numerosos. Em
muitos outros casos, a associação entre o medicamento e a neuropatia não é clara, e relação
de causa e efeito não é estabelecida com certeza. Uma lista extensa inclui antimicrobianos
(etambutol, isoniazida, linezolida, cloranfenicol e estreptomicina), imunomoduladores e imu-
nossupressores (ciclosporina, interferon-alfa), quimioterápicos (clorambucil, cisplatina, 5-flu-
orouracil, metotrexate, tamoxifeno, ciclofosfamida) e outros fármacos (amiodarona, clorpro-
mazina, citrato de clomifênio, dissulfiram, infliximabe, quinina). Embora trabalhos descrevam
a associação desses fármacos com o desenvolvimento de neuropatia óptica, sabe-se da difi
culdade em estabelecer claramente essa associação. Idealmente, para estabelecer a associa
ção de causa e efeito entre um fármaco e a doença, sete critérios deveriam ser obedecidos,
incluindo: 1) há uma associação temporal, ou seja, a neuropatia ocorre proximamente ao uso
do fármaco; 2) há uma relação entre a dose da medicação e a intensidade da afecção; 3) ocorre
melhora com a retirada da medicação; 4) há uma recidiva da afecção, com padrão semelhante
ao anterior, quando a medicação é reintroduzida; 5) há uma explicação plausível para o meca
nismo de ação que levaria ao efeito colateral; 6) efeitos colaterais semelhantes ocorrem com
fármacos da mesma classe; e 7) não há uma outra explicação plausível para o efeito colateral
(Fraudenfelder e Fraudenfelder, 2007).
Na grande maioria dos casos, não se pode atender a todos esses itens, o que torna incerta
a associação entre fármacos e perda visual. Por exemplo, quando são fármacos utilizados para
tratamentos de neoplasias ou infecções do sistema nervoso central, ou mesmo para o trata
mento de alcoolismo, é muitas vezes difícil saber se a neuropatia óptica é decorrente do fár
maco utilizado, da condição de base ou, ainda, de outras afecções que possam simplesmente
estar associadas à doença de base. Desse modo, é preciso muito cuidado no estabelecimento
da associação, incluindo a exclusão de outras afecções não relacionadas. Em muitos casos, no
1 0 8 I Neuroftalmologia
entanto, existe uma associação bem estabelecida ou evidências muito claras da associação en
tre a neuropatia óptica e a medicação, e são estas que serão discutidas a seguir.
Etambutol
Esse fármaco é usado como um agente antituberculoso no tratamento de infecções por Mycobac
terium tuberculosis e Mycobacterium avium. Trata-se de uma das medicações de primeira escolha
no tratamento da tuberculose, muitas vezes necessária devido ao desenvolvimento de formas
da doença resistentes a outras alternativas terapêuticas. Representa a causa mais bem estudada
de toxicidade ao nervo óptico decorrente de medicamentos. A tuberculose ainda é muito pre-
valente em todo o mundo, e cerca de 50% dos casos recebem etambutol no tratamento inicial.
A relação do etambutol com o desenvolvimento de neuropatia óptica é bem estabelecida,
desde as descrições iniciais na década de 1960. A perda visual é o efeito colateral mais im
portante da medicação, e é considerado pouco frequente (estima-se que em torno de 2% dos
pacientes) quando doses usuais da medicação são administradas. Podem ocorrer então tan
to neuropatia óptica anterior (com edema de disco óptico) como formas retrobulbares, com
fundo de olho inicialmente normal. Outros efeitos colaterais incluem: neuropatia periférica,
reações cutâneas (urticária, exantema etc.), trombocitopenia e toxicidade hepática.
O mecanismo da toxicidade não é bem conhecido. Estudos em animais demonstram to
xicidade do fármaco às células ganglionares da retina, possivelmente pelo efeito quelante
do zinco do etambutol e de seus metabólitos. O etambutol levaria a acúmulo de zinco nos
lisossomos, ocasionando aumento da permeabilização da membrana lisossomal. A alteração
lisossomal causaria a liberação de enzimas proteolíticas capazes de desencadear disfunção e
ativação de caspases, uma família de proteases que desempenham um importante papel na
apoptose. Desse modo haveria aumento da apoptose das células ganglionares da retina. Além
disso, acredita-se que o etambutol, como um quelante de metais, age na fosforilação oxidativa
das mitocôndrias, ao interferir com as enzimas do complexo IV que contêm cobre. Como a
mitocôndria é a fonte principal de ATP para os neurônios e o transporte axonal é altamente
dependente de energia, as células ganglionares da retina são suscetíveis à toxicidade pelo
etambutol. As células localizadas no feixe papilomacular, por terem calibre menor, seriam ain
da mais suscetíveis à toxicidade.
A toxicidade ocular está relacionada à dose, pois a neuropatia óptica mais provavelmente
ocorre com doses superiores a 25 mg/kg/dia, embora se acredite que não exista dose total
mente segura e a perda visual tenha sido documentada com doses menores, consideradas
dose-padrão de 15 a 25 mg/kg/dia. A neuropatia óptica geralmente se desenvolve 1,5 a 12 me
ses após o início do tratamento, mas já foi descrita poucos dias após o início da terapia. Em
um estudo de 89 pacientes acometidos, Lee et al. observaram que a toxicidade ocorreu, em
média, 7 meses após o início do tratamento. A dose média dos pacientes foi de 18 mg/kg/dia.
Maior suscetibilidade para o desenvolvimento da neuropatia óptica ocorre em pacientes com
tuberculose renal, pois o fármaco é excretado através dos rins. Outros fatores que parecem
predispor à neuropatia do etambutol são: o diabetes e o consumo de álcool e tabaco. Traba
lhos recentes sugerem que mutações mitocondriais associadas à doença de Leber e à atrofia
óptica dominante podem contribuir para o desenvolvimento da neuropatia óptica associada
ao etambutol.
Neuropatias Ópticas causadas por Medicamentos, Substâncias Tóxicas e Irradiação | 1 0 9
A isoniazida pode causar neuropatia óptica em adultos, com ou sem edema de disco óptico
na fase aguda, causando escotomas centrais ou cecocentrais, além de defeitos de campo bi
temporais. Acredita-se que a insuficiência renal possa aumentar o efeito neurotóxico da me
dicação. A visão melhora quando se interrompe o uso. A piridoxina (25 a 100 mg/dia) parece
auxiliar na estabilização ou reversão da toxicidade, embora isso não seja definitivamente com
provado e o mecanismo exato da neuropatia óptica não seja conhecido.
A isoniazida frequentemente causa uma neuropatia periférica reversível com piridoxina,
mas a associação do fármaco com a perda visual é muito menos comum e, muitas vezes, difícil
de ser comprovada. Em muitos casos, a isoniazida é administrada em associação ao etambu
tol, e pode ser difícil estabelecer qual dos dois é o agente causal da neuropatia. Outros casos
descritos eram de pacientes com tuberculose meníngea, havendo a possibilidade de que o
acometimento do nervo fosse pela própria doença. De qualquer modo, considera-se que a
1 1 0 I Neuroftalmologia
toxicidade é possível, embora muito menos bem estabelecida do que aquela em relação ao
etambutol. Assim, é preciso muito cuidado nos pacientes que estejam recebendo etambutol e
isoniazida para tratamento da tuberculose; é mais provável que a toxicidade seja decorrente
do etambutol. No entanto, quando este é suspenso, deve-se considerar a possibilidade de que
a neuropatia possa também ter a contribuição da isoniazida.
O tratamento é a descontinuação da medicação. Da mesma forma que o etambutol, os
pacientes devem ser monitorados (acuidade visual, visão de cores, sensibilidade ao contraste
e campo visual) para se detectar precocemente a neuropatia, aumentando assim as chances
de recuperação.
Cloranfenicol
Uma neuropatia óptica associada ao cloranfenicol foi descrita em crianças com fibrose cística
do pâncreas que receberam o fármaco e que desenvolveram perda visual de evolução rápida,
discromatopsias e com escotomas cecocentrais. A perda visual parece ser reversível, e os pa
cientes recuperam parcial ou totalmente a visão com a retirada da medicação.
Dissulfiram
O dissulfiram, usado para tratamento de alcoolismo crônico, interfere com o metabolismo do
acetaldeído, um metabólito do etanol. O dissulfiram é um inibidor da aldeído desidrogenase
usado para produzir uma reação aversiva ao etanol. A neuropatia óptica pode ocorrer em pa
cientes que se abstiveram do álcool e continuaram a tomar dissulfiram. A perda visual pode
ser subaguda ou crônica, com escotomas centrais ou cecocentrais bilaterais. O fundo de olho
de início é normal e, mais tarde, pode haver palidez do disco. A neuropatia óptica geralmen
te melhora alguns meses após a interrupção do medicamento. O mecanismo da neuropatia é
desconhecido.
Amiodarona
A neuropatia óptica induzida pela amiodarona foi atribuída à administração sistêmica desse
fármaco para arritmia cardíaca. A causa exata da neuropatia óptica não é conhecida. A redução
da visão, insidiosa no início, é lentamente progressiva na medida em que o medicamento é
usado. Muita controvérsia existe ainda a respeito da associação de perda visual com a amio
darona. A maior parte das descrições de neuropatia e uso de amiodarona parece, na verdade,
ser casos de neuropatia óptica isquêmica ocorrendo em pacientes em uso da medicação mas
não relacionadas a ela. Deve ser lembrado que a amiodarona é um dos fármacos antiarrítmi-
cos mais usados, e a população que dela necessita é exatamente aquela mais suscetível ao de-
r
assintomático), 2) acuidade visual reduzida, geralmente não pior que 20/200; 3) existe edema
bilateral de disco óptico na maior parte dos casos; 4) defeito de campo visual. Após a retirada
do fármaco, a maior parte dos pacientes apresenta melhora.
Em muitos casos é difícil fazer a distinção entre a neuropatia óptica induzida pela amioda-
rona, uma condição muito rara, e a neuropatia óptica isquêmica não relacionada ao fármaco.
Um fator importante que pode auxiliar na diferenciação entre as duas é o tempo de resolução
do edema do disco óptico. Na NOIA-NA, o edema do disco resolve em 6 ou 8 semanas, enquan
to na neuropatia óptica induzida pela amiodarona ele levará muito mais tempo para resolver.
O tratamento consiste na retirada do fármaco.
Metanol
O metanol (álcool metílico) é amplamente usado como solvente. O envenenamento é geral
mente uma consequência de sua ingestão como inebriante barato ou adulterante de bebida
alcoólica. Pode também resultar da ingestão acidental ou suicida de produtos contendo meta
nol. Quando ocorre na indústria, a absorção é geralmente através da pele e pulmões.
O metanol é metabolizado no fígado pela enzima álcool desidrogenase, sendo transforma
do via formaldeído até ácido fórmico, sendo este último o responsável pelas reações adversas.
A toxicidade se desenvolve por um efeito combinado da acidose metabólica e da toxicidade
intrínseca do formaldeído e do ácido fórmico. As manifestações de toxicidade aguda são re
tardadas por 6 a 12 h, até que o metanol seja metabolizado para formar o formaldeído e o
ácido fórmico. Os pacientes desenvolvem cefaleia, dor abdominal, náuseas, vômitos e fraque
za generalizada. A intoxicação grave pode causar delírio, convulsões, coma, parada cardiorres-
piratória e morte. A perda da visão é uma complicação comum, geralmente permanente. No
início, há flashes de luz seguidos de escotomas e cintilações. A perda visual parece ser devida
à interrupção da função da mitocôndria no nervo óptico. O fundo de olho pode evidenciar
edema bilateral do disco óptico.
Na intoxicação crônica (muito mais rara) aparecem escotomas centrocecais e atrofia do
disco óptico, blefaroptose e paralisia dos músculos extraoculares. Esta pode ser observada
como enfermidade profissional, pela aspiração de álcool metílico nas fábricas de vernizes, in
dústria de borracha, colas etc. A dose tóxica varia de indivíduo para indivíduo.
O diagnóstico definitivo da toxicidade pelo metanol exige a confirmação do aumento do
nível sérico de metanol por cromatografia a gás (> 20 mg/dl). Os picos séricos são atingidos
60 a 90 minutos após a ingestão, mas não são um bom indicador do prognóstico. O pH arterial
parece correlacionar-se melhor com os níveis de formaldeído (quando abaixo de 7,2, indica
intoxicação grave).
O tratamento compreende medidas de suporte e correção de distúrbios hidro-eletrolí-
ticos. A lavagem gástrica é útil apenas nas primeiras 2 horas após a ingestão. Deve ser feito
o uso de bicarbonato de sódio para corrigir a acidose metabólica e introduzir um antídoto
para inibir o metabolismo do metanol para o seu metabólito tóxico, o ácido fórmico. Se ne
cessário, pode-ser fazer a hemodiálise para corrigir melhor a acidose e remover o metanol e o
1 1 2 I Neuroftalmologia
Etilenoglicol
O etilenoglicol é um ingrediente em substâncias utilizadas para evitar o congelamento de radiado
res de automóveis, e pode ser consumido acidentalmente ou em tentativas de suicídio. Causa in
toxicação, que pode levar a perda visual associada a sintomas semelhantes àqueles da intoxicação
com metanol, como náuseas, vômitos, dor abdominal e parada cardíaca. A perda visual é, no entan
to, menos comum do que na intoxicação com metanol. Os nervos ópticos de início apresentam-se
normais, seguindo-se pelo desenvolvimento de atrofia óptica. O diagnóstico pode ser confirmado
pela presença de cristais de oxalato na urina e acidose metabólica. O tratamento é semelhante
àquele da intoxicação por metanol, e inclui o uso de bicarbonato, etanol e hemodiálise.
Tolueno
O tolueno (metilbenzeno) é um líquido incolor, encontrado em colas, pinturas e produtos
industriais. É solúvel em lípides e rapidamente absorvido pelos pulmões. A exposição prolon
gada, por razões ocupacionais ou por inalação proposital, pode levar a uma neuropatia óp
tica tóxica, causando perda visual bilateral. A substância é veiculada no vapor produzido por
colas (especialmente na cola de sapateiro), e o uso frequente, particularmente em indivíduos
viciados em cheirar cola, pode levar à sua intoxicação, que causa cefaleia, náuseas, zumbidos,
ataxia, perda auditiva e, menos comumente, confusão, alucinações visuais e convulsões. Morte
súbita pode também ocorrer decorrente de arritmia cardíaca. A substância leva também a alte
rações na substância branca encefálica, que, além da perda visual, produz ataxia, déficits corti-
cospinais e demência. Em um estudo de 15 pacientes acometidos, a acuidade visual foi menor
que 0,1 em 5 casos, e entre 0,1 e 1,0 em 10 casos. O potencial visual evocado foi indetectável
em ambos os olhos de 11 pacientes, e mostrou latência de PI 00 prolongada em 3 casos. Ape
nas 1 paciente tinha o exame normal. A interrupção da exposição pode levar à melhora das
alterações visuais e neurológicas, enquanto a continuidade leva a déficits permanentes.
tumores intracranianos, na base do crânio ou dos seios paranasais, que sofreram terapia por
radiação, quando a via óptica está incluída no campo irradiado. Os locais de acometimento
mais comum são os nervos ópticos e o quiasma, mas os tratos ópticos e as radiações também
podem ser acometidos. O risco de acometimento aumenta com a dose total de irradiação
maior que 50 Gy, ou doses fracionadas maiores que 2 Gy no caso da radioterapia fraciona
da. Radiocirurgias, quando se usam doses maiores que 8 Gy, também aumentam o risco de
neuropatia da irradiação. Pacientes com diabetes melito ou aqueles recebendo quimioterapia
concomitante têm um risco maior de desenvolvimento da afecção, e acredita-se que possam
desenvolver a neuropatia mesmo com doses menores de radioterapia.
O mecanismo exato desse processo não é conhecido, mas presume-se que a lesão induzi
da pela radiação ocorra nas células endoteliais vasculares, resultando, em seguida, em oclusão
vascular e necrose. Geralmente se apresenta como uma neuropatia óptica isquêmica retrobul-
bar; raramente pode se apresentar como uma neuropatia óptica anterior, com edema do nervo
óptico (papilopatia da irradiação).
A perda visual pode ser grave e progredir até a perda da maior parte da visão, ou da visão
total, em um ou em ambos os olhos. Ocorre, em média, 18 meses após terapia por radiação,
mas pode ocorrer no primeiro ano, e há relatos da ocorrência após 20 anos. Os pacientes tipi
camente apresentam perda indolor de um ou de ambos os olhos, que, quando bilateral, pode
ser simultânea ou sequencial. Os sintomas podem progredir em semanas ou meses desde
perda discreta até cegueira completa. De maneira geral, o prognóstico é ruim, com acuidade
visual final de 20/200 ou pior em 85% dos olhos acometidos.
Os principais sinais são: 1) redução da acuidade visual; 2) defeitos de campo visual do
nervo óptico ou de origem quiasmática; 3) inicialmente, aparência normal dos discos ópticos,
que se tornam pálidos algumas semanas depois. Pode também haver edema de disco óptico na
fase aguda, nos casos de neuropatia óptica anterior. Nessa situação, além do edema de disco,
é frequente a ocorrência de exsudatos retinianos peripapilares.
O diagnóstico é estabelecido clinicamente em paciente que recebeu a quantidade apro
priada de radiação e que teve excluídas outras causas da perda visual. O diagnóstico diferen
cial inclui: recorrência do tumor inicial; síndrome da sela vazia com prolapsos do nervo óptico
e quiasmático; tumor parasselar induzido por radiação; e aracnoidite.
Os exames da tomografia computadorizada são normais, e não há realce com o contras
te. Entretanto, o exame de imagem por ressonância magnética enfatizando TI realçada com
gadolínio mostra aumento da intensidade do sinal dos nervos ópticos, do quiasma óptico ou
dos tratos ópticos. O realce resolve quando a função visual se estabiliza. As imagens TI e T2
sem realce geralmente não mostrarão anormalidades. Quase 50% dos pacientes apresentarão
um resultado visual final de falta de percepção da luz, apesar de várias tentativas de tratamen
to. Os que mantiverem alguma visão terão uma acuidade visual pior que 20/200. Recuperação
espontânea pode ocorrer, mas é incomum.
O tratamento da neuropatia óptica da radiação é controverso. Corticosteroides podem ser
administrados, mas não há provas de sua eficácia. Algumas evidências sugerem que a terapia
com oxigênio hiperbárico pode auxiliar no tratamento, devendo este ser administrado assim
que ocorrer a perda visual. O tratamento consiste em torno de 30 sessões de 90 minutos de
oxigênio a 100% a uma pressão mínima de 2,4 atmosferas. Não há, no entanto, provas da eficá
cia desse tratamento, costuma ser indicado apenas como tentativa de melhora visual.
114 I Neuroftalmologia
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Neuropatias Ópticas
Nutricionais
INTRODUÇÃO
As neuropatias ópticas nutricionais ou carenciais são afecções dos nervos ópticos decorrentes de
carência de nutrientes, em especial das vitaminas BI 2 (cobalamina), BI (tiamina), B3 (nicotinamida)
e ácido fólico. Podem decorrer da falta de ingestão dos nutrientes ou de condições que levem à de
ficiência de absorção destes, como a deficiência de fator intrínseco que ocorre na anemia pernicio
sa e nas síndromes de má-absorção intestinal. Outras deficiências já foram implicadas, como a de
vitamina E e de zinco. Em alguns pacientes, há suspeita não confirmada da deficiência nutricional
específica, e uma combinação de deficiências pode contribuir para a neuropatia.
A deficiência nutricional pode ser geral, para vários nutrientes, ou específica, para deter
minado nutriente. Em alguns casos, esse déficit pode ser acompanhado de história de abuso
no consumo de álcool e deficiência na ingestão de nutrientes. As neuropatias ópticas caren
ciais podem acometer pacientes de qualquer idade e sexo; entretanto, alguns grupos são
de maior risco, como pacientes etilistas e tabagistas, vegetarianos, além de populações com
baixo nível socioeconômico e assoladas pela fome e guerra. Neste capítulo serão discutidas
as principais neuropatias nutricionais, enfatizando as principais características clínicas e os
achados aos exames complementares.
Do ponto de vista causal, as neuropatias ópticas nutricionais podem ser divididas em qua
tro tipos: 1) a neuropatia óptica carencial do alcoólatra (também chamada ambliopia tabaco
álcool); 2) a neuropatia óptica que ocorre por deficiência específica da absorção de vitamina
BI 2 (anemia perniciosa); 3) as neuropatias óptica carencial associada a síndromes de má-absor
ção intestinal; e 4) neuropatias ópticas nutricionais epidêmica e tropical.
115
116 | Neuroftalmologia
Fig. 1 Campo visual evidenciando escotoma cecocentral bilateral em paciente com neuropatia carencial do
alcoólatra.
Fig. 2 Retinografia de paciente com neuropatia carencial, evidenciando palidez temporal do disco óptico
em ambos os olhos.
Neuropatias Ópticas Nutricionais | 117
E importante ressaltar que os pacientes etilistas costumam não informar de modo correto
a quantidade diária de álcool consumida, e informações provenientes de familiares ou amigos
podem ser mais confiáveis, incluindo também detalhes sobre a dieta. A observação cuidadosa
do paciente durante o exame clínico é fundamental; mesmo que o paciente negue o consumo
de álcool, por vezes, durante o exame clínico, pode-se detectar a presença de hálito etílico.
A presença de um escotoma cecocentral bilateral simétrico, com preservação da periferia,
é a manifestação funcional clássica nessa afecção. A acuidade visual pode estar comprometida
de modo variável, podendo ser desde perdas discretas até mais acentuadas, podendo chegar
a 20/200 (0,1). O exame fundoscópico pode ser normal ou mostrar alterações discretas, como
edema de disco leve e hemorragias sobre o disco ou peripapilares superficiais. Nas fases mais
avançadas, a palidez de disco no setor temporal, associada à perda da camada de fibras nervo
sas da retina na região do feixe papilomacular, é um achado importante na doença.
Vale destacar que a perda visual e as alterações campimétricas características podem ante
ceder alterações hematológicas, em especial a anemia macrocítica, que também pode ocorrer
na deficiência de vitamina do complexo B. Apesar de a deficiência de vitamina BI ser o déficit
nutricional mais comum, deficiência concomitante de folatos e vitamina B I2 pode ocorrer.
Apesar de a deficiência nutricional de vitaminas do complexo B, em especial BI (tiamina), ser
considerada como o principal fator responsável pela gênese da neuropatia óptica carencial do
alcoólatra, alguns autores sugerem que a toxicidade relacionada ao consumo do tabaco tenha
um papel importante. Ela decorre dos elevados níveis séricos de tiocianato e cianeto associa
dos ao consumo de charutos e cachimbos. Entretanto, a relação direta entre a toxicidade pro
movida pelo consumo de tabaco e a neuropatia óptica induzida ainda é controversa.
O prognóstico quanto à recuperação visual é bom na maioria dos casos, exceto naqueles
tardios que se apresentam ou que evoluem com atrofia óptica. O tratamento, que será aborda
do com mais detalhes a seguir, consiste na implementação de uma dieta balanceada e suple
mentos vitamínicos do complexo B.
neuropatia óptica bilateral em indivíduos negros expatriados do Oeste da índia. Além da perda
visual bilateral comum nas neuropatias carenciais, surdez pode estar presente, e os indivíduos
são adultos bem nutridos. Também, nessa condição, não está claro se a origem é nutricional
ou tóxica. Outra condição caracterizada por perda visual grave, chegando a cegueira em gran
de número de casos, foi descrita na Nigéria. Além da dieta pobre, foi aventada a possibilidade
de intoxicação por cianeto pelo consumo excessivo de mandioca, mas o mecanismo exato
dessa condição ainda não foi esclarecido.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial deve ser feito com condições que apresentem, em comum, perda visu
al bilateral, com acometimento do campo visual central. Dentre estas, destacam-se as seguintes
afecções: neuropatias ópticas por fármacos e substâncias tóxicas, as neuropatias ópticas here
ditárias (doença de Leber e atrofia óptica dominante), as neuropatias ópticas inflamatórias, as
neuropatias ópticas infiltrativas, as neuropatias ópticas compressivas, em especial as que com
prometam o quiasma óptico, e algumas maculopatias, em especial a distrofia de cones. Essas
afecções podem apresentar em comum, além da perda visual central, palidez de disco no setor
temporal, o que pode confundir com o diagnóstico de neuropatia nutricional. Nas neuropatias
tóxicas e induzidas por fármacos, deve ser interrogado o uso de medicações e substâncias tó
xicas, em especial o consumo de metanol. A neuropatia óptica de Leber deve ser lembrada em
casos de perda visual grave de evolução subaguda e indolor que afete ambos os olhos simultânea
ou sequencialmente, enquanto, na neuropatia óptica dominante, a perda visual é mais insidiosa,
ocorrendo ao longo de muitos anos. As maculopatias, que podem evoluir com leve palidez da
rima temporal do disco óptico, podem ser afastadas pela presença de alteração macular eviden-
ciável ao exame fundoscópico, pelas alterações à angiofluoresceinografia e alterações eletror-
retinográficas típicas, como no caso da distrofia de cones e da retinose pigmentar. A doença
compressiva do quiasma óptico deve ser lembrada em pacientes que apresentam um padrão de
atrofia óptica típica, caracterizada por palidez da rima neural, tanto no setor temporal quanto
no nasal (atrofia em banda ou em gravata de borboleta), além de defeito de campo visual acome
tendo ambos os hemicampos temporais, que respeitem a linha média.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é feito com base na história clínica detalhada, enfatizando a história de desnu
trição, restrições dietéticas, vegetarianismo, etilismo, cirurgias prévias do aparelho digestivo,
cirurgias para tratamento de obesidade mórbida, doenças intestinais e história de anemia. Os
achados clínicos são característicos, porém não patognomônicos; portanto, outras condições,
como as citadas nos diagnósticos diferenciais, devem ser excluídas.
1 2 0 | Neuroftalmologia
Testes laboratoriais, como hemograma completo, dosagem sérica de vitamina B12 e ácido
fólico, podem ser úteis. O achado típico em pacientes com deficiência de vitamina B12 e ácido
fólico é a presença de anemia megaloblástica (anemia macrocítica com aumento do volume
corpuscular médio, sendo caracterizada por glóbulos vermelhos grandes, imaturos e disfun-
cionais - megaloblastos - na medula óssea e também por neutrófilos hipersegmentados).
Importante lembrar que, em alguns casos, pode não ser possível identificar uma deficiên
cia nutricional específica.
O exame de campo visual é fundamental, pois permite a caracterização do acometimento
que, tipicamente, afeta a região central. Os defeitos típicos são os escotomas centrais, para-
centrais e cecocentrais. Além disto, o exame de campo visual é importante no monitoramento,
permitindo determinar se o tratamento está sendo eficaz ou não em reverter a perda visual.
A tomografia de coerência óptica (OCT) pode ser útil em auxiliar na identificação do pa
drão de perda axonal nesses pacientes (preferencial no setor temporal do disco), assim como
na quantificação da perda axonal. Esse exame pode ser uma importante ferramenta para es
tabelecermos prognóstico. Por exemplo, pacientes com perda visual, mas sem atrofia óptica,
têm mais chances de apresentar uma recuperação visual completa, enquanto naqueles casos
onde o OCT já demonstra a existência de uma perda axonal significativa, provavelmente terão
recuperação visual incompleta da visão.
TRATAMENTO
Nas neuropatias ópticas carenciais associadas a desnutrição, apesar de, até o presente mo
mento, nenhuma deficiência nutricional específica ter sido identificada, o tratamento é feito
com a implementação de uma dieta equilibrada e uso de suplementos polivitamínicos.
Nos casos de deficiência de vitamina B I2, é recomendada a realização de injeção intra
muscular de hidroxicobalamina. O esquema utilizado é 1.000 mg/dia, IM ou SC por 7 dias,
seguidos de 1.000 mg/semana, IM ou SC; após, 1.000 mg/mês, indefinidamente, se a condição
não puder ser corrigida, ou até remissão completa. Em muitos casos, o tratamento de manu
tenção mensal deve ser realizado por toda a vida.
Nos casos de deficiência de vitamina B l, o tratamento recomendado é 100 mg de tiamina
via oral 2 vezes ao dia.
Na presença de anemia megaloblástica por deficiência de ácido fólico, a sua reposição (5
mg/dia por via oral) deverá ser mantida indefinidamente, se a condição não puder ser corrigi
da, ou até remissão completa.
Pacientes etilistas inveterados devem ser tratados, muitas vezes com abordagem multidis-
ciplinar, enfatizando também a suplementação nutricional e de vitaminas.
EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO
As neuropatias carenciais devem ser diagnosticadas precocemente, já que a perda visual geral
mente pode ser revertida quando identificada nas fases iniciais e tratada de modo adequado.
A maioria dos pacientes pode recuperar pelo menos parcialmente a visão, algumas vezes sem
Neuropatias Ópticas Nutricionais | 121
sequelas. Entretanto, nos casos mais arrastados, de longa evolução e com perda visual acom
panhada de atrofia óptica, a recuperação visual pode ser incompleta ou mesmo ausente. Por
esse motivo, o diagnóstico e conduta precoces são de fundamental importância nesses casos.
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Neuropatias Ópticas
Hereditárias
INTRODUÇÃO
123
1 2 4 | Neuroftalmologia
Em 1871, Leber descreveu uma forma distinta de neuropatia óptica caracterizada por perda
visual grave, bilateral e de evolução rápida, acompanhada de escotomas centrais densos. A
afecção é conhecida como neuropatia óptica hereditária de Leber (NOHL) e ocorre geralmente
em indivíduos do sexo masculino, com idade preferencial da segunda à quarta década de vida,
e pode levar à perda da visão central de ambos os olhos.
A afecção é de transmissão exclusivamente maternal, com penetrância incompleta. A sua
real incidência é desconhecida, mas acredita-se que a prevalência na Inglaterra seja em torno
de 3,2 por 100.000 habitantes. Na Austrália, a doença responde por aproximadamente 2% dos
casos de cegueira legal abaixo dos 65 anos. Os homens são acometidos com maior frequência
que as mulheres. A predominância pelo sexo masculino varia entre 80 e 90% na maioria dos
pedigrees relatados na América do Norte, Europa e Austrália. O início da perda visual ocorre
tipicamente entre as idades de 15 e 35 anos, embora possa ocorrer mais cedo ou mais tarde
na vida.
A perda visual geralmente se inicia de forma indolor em um dos olhos. O segundo olho é
afetado semanas ou meses depois. Nikoskelainen etal. (1996) avaliaram o tempo de acometi
mento entre um e outro olho, e observaram que 40% dos pacientes não têm certeza do inter
valo de acometimento entre os olhos, que o intervalo foi de menos de 2 meses em 23% dos
casos, entre 2 e 6 meses em 32% e maior que 6 meses em apenas 6% dos casos. Raramente, o
acometimento pode ser bilateral simultâneo. Quase todos os pacientes terão o acometimento
do segundo olho em um período de 1 ano. Geralmente, a progressão da perda visual é subagu-
da, com deterioração da função visual ao longo de semanas ou meses, até a sua estabilização.
A acuidade visual varia desde ausência de percepção luminosa até 20/20, embora a maior
parte dos pacientes tenha acuidade visual pior que 20/200. A visão de cores também é afetada,
mas geralmente junto com a perda de acuidade visual. As reações pupilares mostram um defei
to pupilar aferente, embora possam estar relativamente preservadas, quando se compara com
o acometimento em outras neuropatias. Os defeitos de campo visual geralmente são do tipo
escotoma central ou cecocentral. O escotoma pode ser relativo nas fases iniciais da doença,
mas logo se torna denso e absoluto. Não é incomum que o escotoma se abra para a periferia,
especialmente no setor nasal superior.
Na fase aguda, o exame fundoscópico pode mostrar edema na camada de fibras nervo
sas, hiperemia do disco óptico com pseudoedema de papila e vasos telangiectásicos na retina
peripapilar. Esse aspecto é bastante típico e caracteriza-se pela presença de microangiopatia
telangiectásica peripapilar associada a edema da camada de fibras nervosas, mas com ausên
cia de extravasamento de contraste na angiofluoresceinografia. Comunicações arteriovenosas
em graus variáveis podem ser vistas à angiofluoresceinografia. Tais achados estão presentes
na fase sintomática da doença, nas primeiras semanas ou meses, tendendo a desaparecer em
Neuropatias Ópticas Hereditárias | 1 2 5
entre as duas doenças não seja maior do que a que ocorre ao acaso, mas que a presença da
mutação para a doença de Leber piore o prognóstico da neurite óptica em pacientes com
esclerose múltipla. A tomografia computadorizada e a imagem por ressonância magnética
tipicamente são normais nos pacientes com NOHL. O grau de simetria, a ausência de melhora
na maioria dos casos, o início indolor e a aparência típica do disco óptico na fase aguda au
xiliam a diferenciar a NOHL da neurite associada à esclerose múltipla. No entanto, a imagem
por ressonância magnética pode ser utilizada para afastar doenças desmielinizantes, nas quais
existem alterações características no nervo óptico e na substância branca periventricular, di
ferentemente da NOHL.
O desenvolvimento da análise genética permitiu a verificação de que o espectro de pa
cientes com NOHL é maior do que se pensava. Vários casos são observados sem nenhuma
história familiar, alguns deles até mesmo em mulheres, e mesmo sem o aspecto típico da mi-
croangiopatia observada na NOHL. Desse modo, o diagnóstico da NOHL deve ser considerado
em qualquer caso que tenha perda visual sem explicação por neuropatia óptica bilateral, não
importando a idade de início, o gênero, a história familiar ou o aspecto fündoscópico. Na sus
peita da afecção, quando os dados clínicos e a história familiar não permitirem o diagnóstico,
devemos solicitar a pesquisa das mutações mitocondriais associadas à NOHL, já disponível em
alguns laboratórios do Brasil e do exterior.
Não há um tratamento comprovadamente eficaz para a NOHL. Melhora espontânea pode
ocorrer mais frequentemente (até 35 a 40% dos casos) nos portadores da mutação 14484 que
apresentam perda visual antes da idade de 20 anos. Nas outras mutações ocorre melhora es
pontânea da visão menos frequentemente; na 3460, em aproximadamente 20% dos pacientes
afetados; e, na 11778, por volta de 5% dos afetados. Devido à ocorrência de melhora espontâ
nea em alguns pacientes com NOHL, os relatos ocasionais de tratamento seguido de melhora
visual devem ser analisados com cuidado. É importante salientar que a melhora visual, quando
ocorre, pode evidenciar-se meses após a perda visual, mesmo quando já existe algum grau de
atrofia óptica.
Não há nenhuma medida terapêutica realmente efetiva conhecida para a NOHL, embora o
succinato e a coenzima Q, fatores importantes para o funcionamento da função mitocondrial,
possam ser usados. Outros fatores, como 1-carnitina, vitaminas K l, K3, C, B I2, folato e tiamina,
também já foram descritos como possíveis agentes da disfunções mitocondriais, porém sem
evidência comprovada. Medicações destinadas a aumentar a produção de energia da mito-
côndria, com capacidade antioxidantes, como a idebenona, alfa-tocotrienol quinona (EP1-743)
ou vitaminas (hidroxicobalamina), também têm sido estudadas para o tratamento de NOHL.
Klopstocket al. (2011) realizaram ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego, con
trolado por placebo. Seguiram 85 pacientes com NOHL por 24 semanas, recebendo idebenona
na dose de 900 mg diários, e concluíram que a medicação era segura e bem tolerada. Em nove
pacientes afetados e com visão baixa (12 olhos) de 36 pacientes afetados incluídos (61 olhos)
recebendo idebenona, observou-se melhora visual de pelo menos uma linha na tabela de acui
dade visual (20%). Por outro lado, no grupo-controle, em nenhum dos 26 pacientes recebendo
placebo observou-se melhora da acuidade visual. A medicação já é aprovada na Europa para
tratamento de NOHL. Nos EUA, há um ensaio clínico em andamento em Fase 2 (RHODOS), con
trolado pelo NIH (Instituto Nacional de Saúde) para avaliar a eficácia, segurança e tolerabilida-
de da Idebenona no tratamento de NOHL. Chicani et al. (2013), estudando outra medicação de
Neuropatias Ópticas Hereditárias | 1 2 7
A atrofia óptica dominante (AOD), também denominada doença de Kjer, é a forma mais comum
de neuropatia óptica hereditária, com incidência entre 1:10.000 e 1:50.000 nascimentos vivos.
Foi inicialmente descrita como uma anomalia hereditária, caracterizada pelo aparecimento de
atrofia óptica bilateral. Embora a afecção tenha sido descrita há muitos anos, apenas recente
mente foi possível a identificação das alterações genéticas causadoras dessa neuropatia. Tal
identificação propiciou um grande avanço na compreensão das características clínicas e do
espectro de manifestações da neuropatia.
O quadro clínico se caracteriza por início insidioso, ocorrendo na maioria dos casos antes
dos 10 anos de idade, embora em geral os pacientes não sejam capazes de dizer com exatidão
quando começou a afecção. Muitas vezes, a perda visual é percebida como um achado de exa
me, evidenciando o caráter de início lento e, não raro, imperceptível da doença. Geralmente,
há piora lenta e progressiva da acuidade visual com a idade. A doença é bilateral, caracterizada
por redução da acuidade visual, leve a moderada (em torno de 20/60), podendo variar de 20/20
a conta-dedos. A história típica é a de uma visão apenas discretamente reduzida, observada
na infância, mas não suficiente para impedir as atividades escolares, com pouca restrição para
o trabalho, mas que geralmente é causa de reprovação no exame para carta de habilitação. A
perda visual geralmente é reduzida de forma semelhante nos dois olhos, e a grande maioria
dos casos permanece com acuidade visual melhor que 20/200. Existe, no entanto, uma grande
variabilidade no grau de perda visual entre famílias diferentes e, até mesmo, entre os membros
de uma mesma família.
O exame clínico característico inclui ainda a redução na visão de cores, a presença de es-
cotomas no campo visual e a palidez temporal ou difusa do nervo óptico na AOD. Acredita-se
que o defeito na visão de cores mais característico da AOD seja a tritanopia, embora discroma-
topsia generalizada, com acometimento tanto do eixo azul-amarelo como do verde-vermelho,
também possa ocorrer. O campo visual mostra escotomas centrais, paracentrais ou cecocen-
trais geralmente pequenos. Por vezes, a sua identificação à perimetria é difícil, particularmen
te nos indivíduos com acuidade visual melhor que 20/50. Ao fundo de olho, observa-se pali
dez de papila, que pode ser discreta no setor temporal ou ser mais difusa e acentuada. Pode
1 2 8 | Neuroftalmologia
haver escavação da papila, geralmente temporal, em forma de “cunha” (wedge shaped), ocasio
nalmente causando confusão com glaucoma. Estudos eletrofisiológicos mostram redução da
onda N95 no eletrorretinograma de padrão reverso, indicando disfunção da célula ganglionar
da retina.
Existe uma grande heterogeneidade de expressões fenotípicas, tanto dentro das famílias
como entre diferentes famílias, resultando em membros com acuidade visual variando desde
normal (assintomáticos) até perda visual muito grave.
A AOD geralmente ocorre de forma isolada. No entanto, a surdez neurossensorial pode
ocorrer em algumas famílias, podendo ser grave ou discreta. A perda auditiva pode ser grave
ou subclínica, necessitando audiometria para sua detecção. A audiometria deve, portanto, ser
sugerida a esses pacientes e seus familiares, mesmo que assintomáticos.
A AOD representa provavelmente uma degeneração das células ganglionares. Em alguns
estudos histopatológicos, o principal achado foi a degeneração das células ganglionares, com
atrofia ascendente do nervo óptico. Em 2000, dois grupos de pesquisadores independentes
identificaram mutações no cromossomo 3q28 como causadoras da AOD. Esse gene foi deno
minado gene OPA-1. Entre 30 e 90% das famílias apresentam diferentes mutações no gene ci
tado, localizado na porção telomérica do braço longo do cromossomo 3. Posteriormente, dois
outros éxons (4b e 5b) foram identificados, representando mutações variantes. Mais tarde,
ainda inúmeras outras mutações no gene OPA-1 foram descritas e, assim, a fisiopatogenia da
afecção permanece desconhecida. Todos esses genes são responsáveis por proteínas mitocon-
driais estruturais. Além do OPA-1, outras mutações nos genes OPA-4 e nos genes OPAs foram
descritas, respectivamente mapeadas nas regiões 3q e 18q. Devido ao grande número de mu
tações causais da AOD, um teste de DNA rápido ainda não é possível nas famílias suspeitas.
Quando a AOD foi descrita, acreditava-se que a sua penetrância seria quase completa. No
entanto, a identificação do gene OPA-1 e a disponibilidade posterior de teste molecular reve
laram que a penetrância verdadeira era muito menor. Acredita-se, hoje, que a penetrância do
gene varia entre 43 e 62%. Em alguns casos, a AOD se manifesta mais tardiamente do que nas
primeiras duas décadas.
O produto do gene OPA-1 é direcionado à mitocôndria e parece exercer sua função na
biogênese e estabilização da integridade da membrana mitocondrial. Parece que essa altera
ção na regulação pode ser importante na apoptose da célula ganglionar. Interessante citar que
estudos usando análise de ligação evidenciaram associação de glaucoma de baixa pressão com
polimorfismos na região do gene OPA-1. No entanto, a manifestação clínica da AOD é muito
diferente da neuropatia glaucomatosa, acometendo a região central e preservação do campo
periférico, diferentemente do acometimento glaucomatoso. De qualquer modo essa anomalia
enfatiza o papel crucial que a mitocôndria pode ter na fisiopatologia da célula ganglionar reti-
niana. A herança é autossômica dominante.
Para o diagnóstico da AOD, devem ser descartadas doenças do sistema nervoso central,
daí ser necessário investigação através de exames de neuroimagem. Johnston et a i (1999)
refinaram os critérios diagnósticos avaliando oito famílias, nas quais o diagnóstico foi con
firmado por análise genética. Noventa e dois indivíduos das oito famílias foram classificados
como diagnóstico definido ou possível de acordo com o exame oftalmológico antes da análise
genética. Clinicamente, 43 indivíduos foram identificados como “definitivamente afetados”,
4 como “possivelmente afetados” e 45 como “não afetados”. A acuidade visual dos afetados
Neuropatias Ópticas Hereditárias | 1 2 9
variou de 20/20 a conta-dedos e declinou com a idade. Os critérios usados para considerar um
indivíduo como “definitivamente afetado” foram: diminuição da AV e/ou diminuição acentua
da da visão de cores, palidez temporal ou difusa dos discos ópticos em família com herança de
padrão autossômico dominante. Cinquenta e oito por cento desses indivíduos apresentaram
sintomas antes de 11 anos, 26% entre 11 e 20 anos, 9% acima de 21 anos e 7% não observa
ram nenhum sintoma visual. Mais da metade (55%) dos indivíduos observou perda visual pro
gressiva. Quarenta e seis por cento dos indivíduos “defmitivamente afetados” apresentavam
escotoma central ou cecocentral, 24% apresentavam incapacidade para ver um alvo vermelho,
enquanto o exame de campo visual foi normal em 30%. A visão cromática estava afetada em
todos os indivíduos “defmitivamente afetados” . Os critérios usados para classificar um indiví
duo como “possivelmente afetado” foram: AV normal, defeitos cromáticos discretos e palidez
temporal ou difusa dos discos ópticos em paciente com história familiar positiva. Esse estudo
demonstrou que o início da diminuição da visão nem sempre ocorre antes dos 8 anos de ida
de; a AV é muito variável, podendo haver perda progressiva da visão em alguns pacientes; e,
em membros de uma família afetada, discretos defeitos cromáticos e discreta atrofia óptica
podem ser indicativos da doença, mesmo na presença de AV normal.
No diagnóstico da AOD, além dos achados clínicos, muitas vezes lançamos mão do exame
de familiares, mesmo que a história familiar seja aparentemente negativa. A pesquisa de ano
malia genética, embora realizada em centros de pesquisa, ainda não se encontra disponível
para uso clínico.
Hipóteses atuais sugerem que mutações no OPA-1 podem desorganizar as redes mitocon-
driais e a distribuição de energia ao longo da célula, comprometendo o transporte axonal no
nervo óptico. Outra hipótese sugere que as mutações poderiam desestabilizar a membrana
mitocondrial e interferir com a função de complexos respiratórios, reduzindo a quantidade de
energia produzida e aumentando a quantidade de espécies reativas ao oxigênio.
Ainda não existe tratamento comprovado para essa afecção. Assim como na NOHL, vários
agentes foram testados, mas nenhum foi considerado eficaz até este momento. No entanto,
geralmente podemos tranquilizar os pacientes quanto ao fato de que a perda da função visual
geralmente não é muito acentuada, e que eles, embora com alguma limitação, geralmente
não apresentam disfunção visual muito grave. O prognóstico visual é considerado bom. Não
se sabe ao certo se fatores ambientais exercem alguma influência nessa patologia. A esses pa
cientes deve ser oferecido aconselhamento genético.
A AOR é uma doença autossômica recessiva, a mais rara forma de doença hereditária do nervo
óptico. Geralmente é diagnosticada nos primeiros 3 ou 4 anos de vida e se caracteriza-se por
perda visual grave, frequentemente associada a nistagmo. A acuidade visual varia entre ausên
cia de percepção luminosa (SPL) e 20/400. Existe atrofia óptica difusa, geralmente com atenu
ação das arteríolas retinianas, similar àquela observada nas degenerações tapetorretinianas.
Assim, o diagnóstico diferencial dessa entidade deve ser feito com as afecções retinianas, de
modo mais importante do que com outras doenças hereditárias do nervo óptico. O eletrorre-
tinograma é de extrema importância no diagnóstico diferencial entre AOR e as degenerações
1 3 0 | Neuroftalmologia
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Traumatismos do
Nervo Óptico
INTRODUÇÃO
Os traumatismos do nervo óptico (NO) são lesões graves que, frequentemente, se acompa
nham de perda grave da função visual. Podem ser classificados em traumatismos diretos e in
diretos. As lesões diretas são decorrentes do impacto sobre o nervo ou suas bainhas, causado
por corpos estranhos ou objetos que penetram o globo, a órbita ou o crânio. As lesões indire
tas são aquelas nas quais o nervo não é atingido diretamente, mas sofre os efeitos da onda de
choque determinada pelo trauma. Esse tipo de lesão é uma complicação incomum de trauma
craniano e facial, com uma ocorrência relatada de 0,5 a 5% dos casos. Enquanto os traumas
diretos geralmente ocorrem ao nível da órbita, no trauma indireto a lesão se dá, na maioria
das vezes, na altura do canal óptico. A lesão direta do NO é menos comum do que a indireta
devido à proteção oferecida pela órbita óssea.
A perda visual nos traumatismos do NO é geralmente imediata, no momento do impacto,
embora perda visual tardia também possa ocorrer. Indivíduos acometidos permanecem com
déficit visual permanente em cerca de 50% dos casos. Neste capítulo discutiremos o quadro
clínico, fisiopatogenia, diagnóstico diferencial e tratamento dos principais tipos de neuropa-
tias ópticas traumáticas.
O NO pode ser afetado por lesões incisionais ou perfurantes da órbita que o atingem
diretamente. As mais frequentes são as lesões perfurantes, que podem ser por objetos
pontiagudos, ou as lesões lacérantes causadas por objetos de ponta romba, forçados para
dentro da órbita.
135
136 I Neuroftalmologia
As lesões orbitárias por objetos de ponta romba habitualmente causam grande dano aos
tecidos. As pálpebras apresentam-se laceradas; a lesão do globo ocular é frequente. Costuma
haver ocorrência associada de fraturas das paredes orbitárias e, portanto, o envolvimento do
nervo óptico constitui-se apenas em uma entre várias lesões orbitárias. O mesmo ocorre nos
traumatismos orbitários por ferimentos por arma de fogo, em que a lesão do nervo óptico
geralmente está associada a outras lesões do globo ocular e anexos. Uma exceção é quando
o projétil penetra a órbita lateralmente; nesses casos, o envolvimento do NO pode ser a lesão
predominante e o acometimento do nervo pode ser até bilateral.
Quanto às lesões causadas por objetos pontiagudos, geralmente são mais discretas, em
bora possam lesar completamente o NO. Podem ser causadas por diferentes objetos, tais
como faca, estiletes, caneta, pedaço de madeira pontiaguda, chave de fenda etc. Nesses casos,
o dano causado aos tecidos orbitários é comparativamente menor do que aquele causado
por objetos de ponta romba. O olho pode não ser atingido e, geralmente, ocorre hemorragia
orbitária imediata, o que leva a hematoma e proptose. O NO pode ser lesado isoladamente
ou junto com os músculos extraoculares e vasos orbitários. Pode haver secção completa do
nervo, especialmente quando o objeto é cortante como faca.
Os traumatismos por objetos cortantes geralmente causam lesões mais extensas, que não
apresentam dificuldade diagnóstica. No entanto, deve ser lembrado que o NO pode também
ser lesado por objetos pontiagudos finos, como estiletes, cujo orifício de entrada é muito
pequeno e pode até não ser percebido. Ocasionalmente, encontramos traumatismos por ob
jetos do tipo antena de rádio, ponta de ferro fixo a algum objeto nos quais os sinais externos
deixados após o acidente não nos dão a ideia clara da profundidade atingida pelo estilete. No
momento do trauma, a perfuração pode ocorrer pela pálpebra superior, ou mesmo pelo canto
interno, indo até o ápice orbitário, com lesão do NO, sem deixar pistas óbvias da profundidade
da penetração.
Geralmente, não há tratamento específico para os traumatismos diretos do NO, mas pode-se
tentar o uso de corticoides por via oral ou endovenosa em altas doses (pulsoterapia), e até
mesmo descompressão do nervo óptico. Vários autores já relataram melhora visual em pacien
tes com traumatismos diretos do nervo óptico seja de forma espontânea, seja após o uso de
corticoide em altas doses por via endovenosa; isto mostra que vários mecanismos atuam no
traumatismo direto do nervo óptico e que pode haver melhora da visão até mesmo quando a
perda visual é de início muito grave.
São lesões decorrentes de traumas contusos, em que o NO não é atingido diretamente por um
corpo estranho, mas tem sua lesão causada pela transmissão da onda de choque determinada
pelo trauma. São produzidos por forças transmitidas em diferentes níveis no momento do
trauma craniano fechado. Tais traumatismos podem ainda ser divididos em traumas indiretos
anteriores do nervo óptico, em que se observam alterações ao exame de fundo de olho, e
traumas indiretos posteriores, onde o fundo de olho se apresenta inicialmente sem alterações
(mais tarde a atrofia óptica se desenvolve). O local mais comum de traumatismo indireto do
nervo óptico é o canal óptico.
Traumatismos do Nervo Óptico | 1 3 7
Estudos mais antigos indicavam uma maior incidência de casos graves, que referiam, em torno
de 70% dos pacientes, visão inicial de percepção luminosa ou ausência de percepção luminosa.
É possível que apenas os casos mais graves tenham sido incluídos nessas casuísticas, já que
estudos mais recentes indicam uma incidência entre 43 e 56% de perda inicial grave da visão.
O trauma indireto do NO geralmente é causado por uma desaceleração brusca do nervo
decorrente de um impacto tipicamente na testa do lado ipsilateral ao nervo. Acidentes auto
mobilísticos são a causa mais frequente, representando 17 a 63% dos casos. Indivíduos vítimas
de acidentes com motocicleta são particularmente vulneráveis ao trauma. Quedas também são
causas importantes, produzindo 14 a 50% dos casos, mas inúmeras outras causas também são
apontadas como impacto de objetos, pancadas etc.
Geralmente, o trauma indireto posterior do nervo óptico ocorre quando a cabeça desace
lera rapidamente devido a um impacto na testa, região dos supercílios ou na região temporal.
A onda de choque é transmitida até a região do ápice orbitário e canal óptico, provocando
lesão do nervo óptico intracanalicular. Embora o trauma craniano que ocasiona traumatismo
do nervo óptico seja usualmente importante, levando à perda da consciência, alguns pacientes
podem apresentar tal lesão após traumas triviais na região frontal.
Tipicamente, o trauma indireto posterior do NO ocorre em pacientes jovens vítimas de
acidente automobilístico, agressão, quedas de bicicletas ou outros tipos de traumatismo. Ao
exame radiológico, realizado de preferência com a tomografia computadorizada (TC) de alta
resolução, pode-se observar, em alguns casos, fratura nas paredes orbitárias ou no canal óp
tico. Por vezes, uma espícula óssea pode ser observada (Fig. 2), mas, em grande número de
pacientes, a TC é inteiramente normal, a despeito da perda acentuada da função visual.
Estudos de autópsia ou observações realizadas durante o ato cirúrgico revelam que o
aspecto do nervo óptico varia bastante nesse tipo de lesão, podendo ser observado um ner
vo óptico de aspecto normal, adesões na aracnoide, hemorragias na bainha do nervo ou nas
fibras nervosas, compressão direta por fragmentos ósseos ao nível do canal ou da clinoide
anterior e até a laceração parcial ou completa do nervo óptico intracanalicular. As lesões pa
tológicas podem ser classificadas em primárias e secundárias. As lesões primárias ocorrem no
momento do impacto, e incluem: a) hemorragias nas bainhas do nervo; b) rupturas no nervo
e necrose de contusão. As lesões secundárias ocorrem algum tempo depois do impacto, e
incluem: a) edema do nervo; b) necrose por compressão vascular local ou déficit circulatório
sistêmico; e c) infarto do nervo óptico relacionado à obstrução vascular.
Assim, múltiplos fatores estão envolvidos na perda visual. Sabe-se que a lesão mecânica
pode ser ocasionada pelo movimento brusco do cérebro, provocando alterações como esti
ramento, ruptura e torção de o nervo ao nível do canal óptico. Esse tipo de lesão é devido,
principalmente, ao fato do nervo óptico ser imóvel dentro do canal e possuir liberdade de mo
vimentos tanto na região intracraniana como na órbita. Além disso, a deformação pode pro
vocar fraturas das estruturas ósseas em torno do canal, que podem resultar em compressão
ou laceração do nervo. Pode haver grande deformação do canal óptico mesmo sem fratura,
quando a onda de choque é transmitida após um trauma frontal. Outro mecanismo importante
para a perda visual é a insuficiência vascular. Fatores anatômicos tornam o suprimento vascu
lar do nervo óptico intracanalicular muito vulnerável ao trauma, especialmente pelo fato de
o nervo ser firmemente aderido ao periósteo do canal óptico. A ruptura de pequenos vasos
penetrantes devido ao movimento do nervo óptico pode ser um dos fatores responsáveis pela
insuficiência vascular do nervo. Concussão e contusão são também mecanismos de perda vi
sual. Concussão é definida como a interrupção imediata e transitória da função neural devido
a forças mecânicas. Contusão é definida histologicamente como uma alteração no tecido neu
ral caracterizada por extravasamento de sangue e morte celular. Hemorragia dentro do nervo
pode também ser um fator importante.
Observa-se, portanto, que uma grande variedade de fatores podem ser responsáveis pela
lesão do nervo óptico que ocorre após um trauma craniano fechado, e mais de um deles pode
estar presente ao mesmo tempo. Por exemplo, uma fratura do canal óptico pode levar a insu
ficiência vascular e edema do nervo, que, por sua vez, pode comprometer ainda mais o supri
mento vascular do nervo óptico, estendendo a área de infarto.
A avaliação do paciente com trauma indireto do nervo óptico deve começar com uma his
tória completa e detalhada. Os detalhes podem ser obtidos de familiares ou amigos no caso
de o paciente ter perdido a consciência no momento do trauma. Ao exame, o paciente carac-
teristicamente apresenta perda da visão no olho afetado, defeito pupilar aferente e um exame
oftalmoscópico normal na fase aguda. De 3 a 5 semanas depois, começa a desenvolver palidez
de papila e perda da camada de fibras nervosas da retina, em graus variáveis, dependendo da
gravidade da lesão. O exame do paciente pode ser difícil, pois, na fase aguda, ele em geral se
apresenta acamado, às vezes em unidades de terapia intensiva e com outras lesões associadas.
A perda da acuidade pode variar desde déficits discretos até a ausência de percepção lumino
sa. A avaliação das reações pupilares constitui-se numa etapa extremamente importante do
exame. Observa-se um defeito pupilar aferente relativo no olho acometido. Em alguns casos,
esse exame pode ser dificultado pela presença associada de um defeito pupilar eferente (le
são oculomotora ou no gânglio ciliar). O exame de campo visual deve ser feito sempre que
possível, e os defeitos apresentam uma grande variação. Não existe um defeito característico.
Defeitos altitudinais, centrais, paracentrais, cecocentrais, hemianópicos e constrição genera
lizada podem ocorrer.
Quando a avaliação da função visual se mostra prejudicada devido à perda de consciência
do paciente, pode-se utilizar o potencial visual evocado por flash, para auxiliar na avaliação
da função do nervo óptico. Esse exame pode, portanto, documentar a presença de alteração
na transmissão do impulso nervoso e, juntamente com a avaliação pupilar, pode ser utilizado
no paciente com rebaixamento do nível de consciência. No paciente colaborativo, no qual se
podem aferir a acuidade e o campo visual de forma adequada, no entanto, o potencial visual
1 4 0 | Neuroftalmologia
evocado, embora possa ser utilizado como mais um parâmetro indicativo da neuropatia, não
oferece vantagem significativa comparado àqueles métodos semiológicos.
O exame complementar mais importante é a TC de alta resolução, com cortes finos, en
fatizando tanto partes moles como as estruturas ósseas. Esse exame pode mostrar fraturas
nas proximidades do canal óptico, ou mesmo neste, e, ocasionalmente, e ocasionalmente
espículas ósseas nessa região (Fig. 2). Quanto à imagem por ressonância magnética, embora
possa ser útil na demonstração de hematomas e espessamentos do nervo, apresenta a desvan
tagem de não evidenciar adequadamente a parte óssea. Deve-se, no entanto, enfatizar que o
indivíduo pode ter perda completa da visão sem que haja nenhuma fratura na região do canal
óptico, mesmo após estudo cuidadoso com a TC.
O tratamento do trauma indireto posterior do NO é bastante controverso. Isto se deve
ao fato de que múltiplos fatores fisiopatogênicos entram em ação nesse tipo de lesão. Além
disso, existe grande variação na gravidade da lesão. Dois tipos de tratamento têm sido pro
postos: a descompressão do nevo óptico no seu canal e o uso de corticosteroides sistêmicos.
Não há, no entanto, evidências claras de eficácia, e a possibilidade de recuperação espontânea
torna a avaliação dos tratamentos difícil. Algumas séries mostram que um 25 a 50% dos pa
cientes não tratados melhoram espontaneamente, o que contribui para dificultar a avaliação
da eficácia de qualquer tratamento.
A indicação da descompressão baseia-se no fato de que ela pode reduzir a sequela de
compressão por hemorragia ou por edema do nervo óptico, impedindo que comprometam
ainda mais o suprimento arterial do nervo, principalmente quando existe fratura óssea e a
presença de um fragmento contribuindo para a compressão do nervo. Não há, no entanto,
uma tendência clara para melhora visual com esse tratamento, que geralmente é realizado na
fase aguda do traumatismo. A presença de espícula óssea próxima ao nervo óptico, ou de um
hematoma na bainha do nervo, é considerada por muitos como indicação cirúrgica. No entan
to, esse parâmetro também não é adequado, e já tivemos a oportunidade de acompanhar um
paciente que apresentava perda visual e uma espícula óssea, na região do canal óptico (Fig. 2),
que recuperou quase completamente a visão sem que fosse realizada a cirurgia, o que também
já foi observado por outros autores.
Muitos autores advogam o uso de corticosteroide sistêmico por via oral ou endovenosa
no tratamento do trauma indireto posterior do nervo óptico. Anderson, Panje e Gross (1982)
utilizaram megadosagem de corticoide (dexametasona 1 mg/kg/dia) por via endovenosa e ob
servaram melhora visual em alguns casos. Nenhum dos três pacientes que não tiveram respos
ta ao corticoide apresentou qualquer recuperação quando submetido à descompressão do ca
nal óptico. Os autores sugeriram que o corticoide deva ser usado e a descompressão reservada
para pacientes que tenham perda da visão depois do trauma e que não tenham obtido melhora
após 12 h de megadosagem de corticoide. Seiff (1990) usou megadosagem de corticoide em
21 pacientes e observou melhora em 62% dos casos, comparada com uma melhora em apenas
33% de 15 pacientes não tratados, sugerindo eficácia desse tipo de tratamento.
Existe ainda controvérsia quanto ao uso de doses ainda maiores de corticoide endoveno
so para o tratamento da neuropatia óptica. A vantagem da megadosagem de corticoide sobre
as doses habituais foi estabelecida em estudos randomizados realizados em pacientes com
trauma agudo da medula espinal. Alguns autores extrapolaram as conclusões desses estudos
e recomendaram um tratamento com corticoide que se inicia com uma dose de ataque de
Traumatismos do Nervo Óptico | 141
como tratamento padrão para esses casos. Sugerem que a decisão de tratar ou não o paciente
deve ser decidida caso a caso.
Apesar de toda a controvérsia existente e baseados nos resultados dos estudos discutidos
aqui, acreditamos que, sempre que não houver contraindicação para o seu uso, o corticoide
endovenoso deva ser introduzido na fase aguda do trauma. Quando o paciente for examinado
nas primeiras 8 horas, metilprednisolona, em dose de ataque de 30 mg/kg, seguida de dose
de 5,4 mg/kg/h endovenosa por 48 h pode ser usada. Quando o paciente é examinado após
esse período, dexametasona, na dose de 1 mg/kg/dia, ou metilprednisolona, na dose de 1 g/
dia, podem ser usadas, por 3 a 5 dias, seguidas de corticoide por via oral. Não há, no entanto,
evidências conclusivas do benefício dessa terapia, em grande parte pela ausência de um estu
do multicêntrico bem conduzido a respeito. Desse modo, o risco do uso da medicação deve
ser avaliado, sobretudo em pacientes com outras complicações neurológicas ou sistêmicas do
trauma.
Quando não há melhora com o uso de corticoide, ainda na primeira semana após o trau
ma, pode ser considerada a opção de descompressão do canal óptico. A cirurgia menos trau
mática é aquela feita por via etmoidal endoscópica. A cirurgia descompressiva do canal pode
também ser oferecida a pacientes com perda visual muito grave e que já vão ser submetidos a
intervenção cirúrgica para tratamento de fraturas, ou naqueles nos quais, após a perda visual
inicial, exista evidência de deterioração progressiva da visão. Se o traumatismo tiver ocorrido
há mais de 1 semana, especialmente quando a perda visual tiver sido imediata e completa ou
muito importante, a cirurgia não deve ser recomendada.
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Papiledema (Edema de Papila
da Hipertensão Intracraniana)
INTRODUÇÃO
ACHADOS CLÍNICOS
Clinicamente, o papiledema pode ser inicial, bem desenvolvido, crônico ou atrófico (Figs. 1
a 4). No papiledema inicial, observa-se hiperemia do disco óptico, borramento da camada de
143
1 4 4 | Neuroftalmologia
fibras nervosas peripapilares e edema do disco óptico, que se inicia geralmente no polo infe
rior, seguido do superior, do bordo nasal e, por fim, do setor temporal da papila. Observam-se,
além do edema, velamento das margens da papila e outros sinais, como hemorragias no disco
óptico e suas margens e ausência do pulso venoso espontâneo.
A observação do pulso venoso, embora muito difundida, em especial entre os neurologis
tas, é na verdade pouco útil no diagnóstico do papiledema. Acredita-se que o pulso venoso
espontâneo desapareça quando a pressão intracraniana excede 200 mm de água. Se o pulso
estiver presente, a pressão intracraniana deve estar abaixo desse nível. No entanto, deve ser
lembrado que pode haver grande flutuação nos níveis da pressão intracraniana em grande
número de afecções, e que o pulso venoso pode estar presente em uma dessas flutuações, a
despeito da existência do papiledema. Além disso, o pulso venoso não é observado em todos
os indivíduos normais, podendo estar ausente em torno de 20% destes. Por essas razões, na
grande maioria das vezes a pesquisa do pulso venoso não auxilia grandemente no diagnóstico
diferencial do papiledema. No entanto, o desaparecimento do pulso venoso que previamente
era observado pode ser sugestivo de aumento da pressão intracraniana.
No papiledema bem desenvolvido, o edema do disco óptico fica mais óbvio. As veias
tornam-se ingurgitadas e várias hemorragias em chama de vela podem ocorrer. Mais tarde,
pode haver formação de microaneurismas e dilatação capilar na sua superfície. O velamento
das margens torna-se óbvio e os vasos superficiais ficam obscurecidos ao cruzarem as mar
gens do disco. Além das hemorragias, podem existir exsudatos algodonosos, que representam
pequenas áreas de enfarte na retina peripapilar, e os vasos retinianos tornam-se tortuosos.
Em casos mais graves, dobras retinianas circunferenciais (linhas de Paton) podem ser obser
vadas, e exsudatos duros e hemorragias podem ocorrer na região macular. As hemorragias e
os exsudatos duros geralmente são mais importantes quando a hipertensão intracraniana se
desenvolve rapidamente. Nesses casos, até mesmo hemorragias sub-hialóideas ou intravítreas
podem ocorrer. Outras complicações possíveis são as dobras de coroide, as neovasculariza-
ções e as hemorragias sub-retinianas peripapilares.
Quando o papiledema se torna crônico, as hemorragias e os exsudatos geralmente desa
parecem e ele se torna mais arredondado (Figs. 2 e 3). A escavação fisiológica central torna-se
obliterada e pequenos exsudatos duros podem aparecer na superfície do disco, com aspecto
que lembra pequenas drusas. Quando o papiledema persiste por muito tempo, o disco óptico
passa a ser atrófico e ocorrem estreitamento e embainhamento dos vasos retinianos. A palidez
da papila começa a se tornar evidente e ocorre redução no edema devido à redução das fibras
nervosas (Fig. 4).
Além das características clínicas já descritas, o papiledema pode ser diferenciado de ou
tras formas de edema de papila pelo fato de ser bilateral e preservar a visão (nas fases iniciais),
quando comparado com outras afecções do nervo óptico causadoras de edema de papila. No
entanto, é importante mencionar que o papiledema pode também ser unilateral ou muito as
simétrico. A existência de atrofia óptica em um dos lados pode impedir o desenvolvimento do
papiledema por falta de fibras para edemaciar. Na síndrome de Foster Kennedy, por exemplo,
pacientes com tumores na região frontal desenvolvem atrofia óptica em um olho e papilede
ma no olho contralateral. O papiledema é unilateral provavelmente pela perda de fibras do
lado atrófico e pelo fato de que a compressão do espaço subaracnóideo pelo tumor impede
a transmissão da hipertensão do lado da atrofia. O papiledema pode também ser unilateral
146 | Neuroftalmologia
mesmo em pacientes que não têm atrofia óptica em um dos olhos. A razão pela qual alguns
pacientes com hipertensão intracraniana desenvolvem papiledema em apenas um dos lados
é desconhecida.
Dobras de coroide também podem ser observadas em associação com papiledema, prova
velmente decorrentes do achatamento do polo posterior do olho pelo nervo óptico com suas
bainhas distendidas pelo aumento da pressão no espaço subaracnóideo perióptico (Fig. 5).
Muito raramente, as dobras de coroide podem ocorrer em indivíduos com hipertensão intra
craniana mas sem papiledema ou com papiledema discreto. Usualmente, no entanto, as do
bras de coroide ocorrem associadas a papiledema importante (Fig. 5).
A avaliação da função visual também é um elemento importante na diferenciação do pa
piledema e outras formas de edema de papila. Numa fase inicial, ou seja, no papiledema re
cente, a função visual caracteristicamente está preservada, observando-se apenas aumento
da mancha cega ao exame campimétrico e acuidade visual normal. Quando questionados,
ou mesmo espontaneamente, muitos pacientes referem obscurecimento transitório da visão
com duração de alguns segundos, mas, de início, não existe déficit visual permanente. Esses
obscurecimentos são descritos como episódios breves de visão acinzentada, esbranquiçada
ou, ainda, enfumaçada. A acuidade visual usualmente está preservada, assim como as reações
pupilares e a visão de cores.
No entanto, quando o papiledema persiste por um tempo prolongado, ou ainda quando a
elevação da pressão intracraniana é muito acentuada, pode haver perda importante da função
visual. Isto ocorre especialmente na síndrome do pseudotumor cerebral, em que a hiperten
são intracraniana é bem tolerada por períodos prolongados. Em um estudo de 58 olhos de 29
pacientes com pseudotumor cerebral, observamos alterações campimétricas em 72,4% deles,
sendo a perda da função visual muito grave em 25,8% dos olhos. Esses dados servem para en
fatizar que o papiledema pode também causar perda da função visual, o que pode levar à con
fusão com outras neuropatias. Quando isto ocorre, o exame campimétrico é extremamente
importante. Além do aumento da mancha cega, observam-se contração difusa das isópteras e
retração nasal inferior, além de escotomas arqueados (Fig. 6). O aumento da mancha cega, na
presença de papiledema, geralmente tem um componente refracional, ou seja, o aumento da
mancha cega diminui com a adição de lentes positivas durante o exame. Quanto aos outros de-
r
feitos já mencionados, traduzem perda de fibras do nervo óptico. E importante salientar tam
bém que a perda de acuidade visual é uma alteração tardia e que esses pacientes devem ser
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IV 2
Fig. 6 Campo visual manual evidenciando constrição difusa das isópteras, aumento da mancha cega e re
tração mais acentuada no setor nasal inferior.
monitorados com campos visuais periódicos. Os defeitos campimétricos são usualmente bila
terais e assimétricos; desse modo, é frequente o encontro de defeito pupilar aferente relativo.
Os sintomas clássicos da hipertensão intracraniana usualmente estão presentes nos pa
cientes com papiledema. Um dos principais sintomas é a cefaleia, que pode ser diária e persis
tir por horas, usualmente piorando com a manobra de Valsalva, como quando o paciente tosse
ou aumenta a pressão torácica. Usualmente é associada a rigidez de nuca, náuseas e vômitos.
Zumbidos pulsáteis, usualmente unilaterais, também podem ser um sintoma de hipertensão
r
ETIOLOGIA
O papiledema pode ser causado por qualquer condição que leve a hipertensão intracraniana,
incluindo lesões tumorais, inflamatórias, infecciosas, hidrocefalia etc. A cavidade craniana é
praticamente rígida e preenchida por tecido nervoso, líquor e sangue. Qualquer condição que
ocasione o aumento de uma ou mais dessas estruturas poderá levar a hipertensão intracrania
na e desenvolvimento de papiledema. Além dos processos expansivos tumorais, hipertensão
intracraniana pode também ser causada por alterações na composição e drenagem do líquido
1 4 8 I Neuroftalmologia
dos seios venosos, seja de causa idiopática, seja devida a estados hipercoaguláveis; trauma
tismos, tumores, doença crônica do ouvido interno, doença de Behçet, lúpus eritematoso ou
cirurgias intracranianas. A hipertensão venosa pode ainda decorrer de acometimento das veias
jugulares (compressão ou oclusão), malformações arteriovenosas durais ou intraparenquima-
tosas, ligadura dos seios sigmoides, insuficiência cardíaca ou doença respiratória crônica. A
importância da otite média e mastoidite como causa de trombose do seio lateral na criança é
bem conhecida, e deve-se estar atento a essa possibilidade.
A trombose dos seios venosos cerebrais pode apresentar-se de várias formas, sendo a
SPC apenas uma delas. Outras formas de apresentação incluem: defeitos neurológicos focais,
convulsões parciais, encefalopatia subaguda difusa e oftalmoplegia dolorosa (no caso de trom
bose do seio cavernoso). O diagnóstico deve ser suspeitado clinicamente e confirmado pelos
r
Características clínicas
Os sintomas da SPC são aqueles da hipertensão intracraniana, sendo o mais comum a cefaleia.
Num estudo prospectivo realizado com 50 pacientes, Wall e George (1991) encontraram ce
faleia em 94% dos pacientes, obscurecimentos transitórios da visão em 68%, ruídos pulsáteis
intracranianos em 58%, fotopsias em 54% e dor retrobulbar em 44%. Menos frequentes foram:
diplopia, observada em 38%; perda visual, em 30%; e dor à movimentação ocular, em 22% dos
casos.
A cefaleia é muito frequente nos pacientes com pseudotumor que são vistos por neuro
logistas, como na série supracitada; no entanto, pode estar ausente em 10 a 20% ou mais dos
indivíduos que procuram atendimento oftalmológico devido a perda visual, diplopia ou obscu
recimentos transitórios da visão. Em outros casos, a cefaleia, embora presente, é de curta du
ração, manifestando-se apenas nas primeiras semanas do desenvolvimento da síndrome. Em
casos mais típicos, a dor de cabeça é diária, descrita como pulsátil, podendo ser acompanhada
de náuseas e vômitos e, algumas vezes, acordando o paciente à noite.
Obscurecimentos transitórios da visão são episódios de embaçamento visual que geral
mente duram menos de 30 segundos, com recuperação completa da visão, e ocorrem em
grande parte dos indivíduos com pseudotumor cerebral. Os ataques são uni ou binoculares, e
podem ocorrer após mudanças posturais ou mesmo com o paciente parado. Acredita-se que
sejam decorrentes de isquemia transitória da cabeça do nervo óptico. Embora tais sintomas
Papiledema (Edema de Papila da Hipertensão Intracraniana) | 151
ocorram associados a perda visual definitiva, alguns autores acreditam que sejam indicação
para tratamento cirúrgico do pseudotumor; outros, porém, não acreditam que, por si sós, es
tejam associados a um prognóstico visual pior.
Ruídos intracranianos pulsáteis também são comuns em indivíduos com pseudotumor ce
rebral. O som geralmente é unilateral, sem um lado predominante, e melhora com a redução
da pressão intracraniana ou com a compressão ipsilateral da veia jugular. Diplopia é quase
sempre horizontal, raramente vertical, e é geralmente devida ao acometimento do nervo ab-
ducente pela hipertensão intracraniana.
O papiledema é o sinal oftalmoscópico característico do pseudotumor cerebral, podendo
ser discreto ou acentuado (Figs. 1 a 3), com sinais de cronicidade, e mesmo ser um papiledema
atrófico, quando então se observa palidez de papila associada (Fig. 4). Embora quase sempre
presente, o papiledema, em casos raros, pode ser unilateral, ou mesmo estar ausente nos dois
olhos. O edema de disco é a causa da perda visual em grande número de casos.
A paralisia ou paresia do nervo abducente é o segundo sinal neuroftalmológico em ordem
de frequência. Pode ser uni ou bilateral e representa um sinal não localizatório da hipertensão
intracraniana, presente em 10 a 20% dos pacientes. Alterações oculomotoras outras, como
desvios verticais, embora possíveis são muito raras, e o diagnóstico de pseudotumor deve ser
questionado em indivíduos com alterações motoras que não sejam aquelas relacionadas ao
abducente.
A acuidade visual de início é normal em pacientes com pseudotumor cerebral, mas pode
reduzir-se quando a condição é de longa duração. Em alguns indivíduos em que a acuidade
visual é reduzida precocemente, isto pode ser devido a edema macular, mas a perda visual
definitiva geralmente é por disfunção do nervo óptico. Quando a perda visual ocorre precoce
mente na evolução da doença, o prognóstico visual geralmente é pior. Em casos de longa du
ração, pode sim haver perda de acuidade visual. Em um estudo sobre a história natural da HII,
observou-se que, em 26% dos casos de longa duração, havia acuidade visual pior que 20/200
em um dos olhos.
A avaliação da sensibilidade ao contraste revela alteração em 50 a 75% dos olhos estuda
dos, que pode acometer a frequência espacial baixa, média ou alta. A alteração na visão de
cores avaliada com placas pseudoisocromáticas está presente em 20% dos casos. O defeito
pupilar aferente relativo está presente nos casos de acometimento assimétrico e ausente nos
casos sem perda visual ou com perda visual simétrica.
Alterações no campo visual são extremamente comuns em pacientes com pseudotumor
cerebral. Os defeitos mais comuns observados ao perímetro de Goldmann são: a constrição
generalizada e a perda no setor nasal inferior (Fig. 6), seguidas dos defeitos arqueados, en
quanto, à perimetria automatizada, geralmente se observa uma constrição difusa periférica
(Fig. 7). Outra alteração comum no papiledema e já mencionada é o aumento da mancha cega.
A porção anterior do nervo óptico é o local geralmente responsável pelas alterações cam-
pimétricas na SPC. Provavelmente, o edema de papila leve a defeitos de condução das fibras
ganglionares devido ao bloqueio do fluxo axoplasmático que nelas ocorre. Esse mecanismo
pode explicar a reversibilidade dos defeitos numa fase inicial da doença. Nos casos crônicos,
acaba havendo uma perda progressiva das fibras das células ganglionares.
Outro mecanismo que explica a perda visual é a extensão de edema desde o disco óptico
até a mácula. Hemorragias retinianas ou sub-retinianas maculares ou peripapilares, alterações
1 5 2 | Neuroftalmologia
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Fig. 7 Campo visual computadorizado evidenciando constrição difusa e importante em paciente conr
papiledema.
Tratamento
Devemos enfatizar a importância do seguimento oftalmológico durante o tratamento da SPC. Como
já foi mencionado, a medida da acuidade visual e o potencial visual evocado não são adequados
no seu seguimento. Medidas da pressão intracraniana, embora úteis, podem ser enganosas, uma
vez que a pressão intracraniana flutua bastante durante o dia e nem sempre se correlaciona com o
quadro clínico. É extremamente importante a participação ativa do oftalmologista no seguimento
desses indivíduos, o que deve ser feito através do exame periódico do campo visual e, se possível,
através de fotografias seriadas do papiledema. Deve-se também tomar cuidado quanto a resulta
dos falso-positivos decorrentes de múltiplos obscurecimentos transitórios da visão durante a reali
zação do exame perimétrico, especialmente quando realizados no campímetro computadorizado.
Pacientes com quadros obstrutivos dos seios venosos intracranianos devem ser tratados
de acordo com o diagnóstico primário, seja com anticoagulantes, nos quadros de trombose de
seios venosos, seja com procedimentos neurorradiológicos ou neurocirúrgicos, nos casos de
malformações arteriovenosas ou lesões outras que provoquem hipertensão do sistema venoso
de drenagem cerebral.
Nos pacientes com Hll, nem todos necessitam tratamento. Após o estabelecimento do diag
nóstico, indivíduos assintomáticos com função visual normal e papiledema discreto podem ser
monitorados quanto ao desenvolvimento de sintomas e deterioração visual. Pacientes com obs
curecimento transitório da visão com função visual normal podem também ser observados, a não
ser que o papiledema seja muito importante. Alguns pacientes com cefaleia e sintomas visuais
mínimos (alteração campimétrica limitada a aumento da mancha cega) também podem ser subme
tidos ao manejo conservador. Já os pacientes com perda de acuidade ou campo visual, papiledema
moderado ou grave ou cefaleia persistente necessitam de tratamento.
Papiledema (Edema de Papila da Hipertensão Intracraniana) | 153
visual em 15, enquanto houve piora visual em 1, e a visão permaneceu inalterada em 8 olhos.
Dos pacientes nos quais o procedimento foi realizado em apenas 1 olho, obtivemos melhora
visual em 5 olhos contralaterais. A piora visual foi observada em apenas 1 olho, de uma pacien
te operada quando apresentava perda visual rapidamente progressiva e muito grave da visão,
já com edema pálido de papila. Houve resolução do papiledema em todos os olhos operados.
Nossa casuística inclui um número muito grande de pacientes operados em fase final da doen
ça, o que serve para salientar a necessidade de um diagnóstico precoce da afecção.
A descompressão da bainha do nervo óptico é geralmente o tratamento de escolha quan
do existe perda visual progressiva em pacientes com cefaleia discreta ou facilmente contro
lável com medicação, embora 50% dos pacientes apresentem melhora da cefaleia após a rea
lização desse procedimento. O mecanismo de ação é ainda controverso, mas acredita-se que
haja a formação de uma fístula com drenagem do liquor no espaço retrobulbar. Sabe-se que
o procedimento se mantém funcionante por muito tempo. O mecanismo de ação, em longo
prazo, pode ser através da fístula que se mantém funcionante ou pelo fechamento do espaço
subaracnóideo perióptico, o que impediria o desenvolvimento do papiledema. Em casos mui
to graves de perda visual por derivações lomboperitoneais com funcionamento inadequado a
descompressão, pode ser realizada como uma proteção adicional ao nervo óptico, mesmo em
pacientes já derivados. Por outro lado, nos casos de cefaleia muito intensa, a derivação lom-
bo-peritoneal ou ventriculoperitoneal parece ser o tratamento de escolha.
Embora a melhora visual em olhos com papiledema atrófico seja possível, a maior ênfase
no tratamento clínico e cirúrgico da SPC deve ser no sentido de prevenir ou estabilizar a perda
visual. É fundamental, portanto, a participação ativa do oftalmologista tanto no diagnóstico
como no monitoramento e tratamento dessa afecção.
Diversas modalidades de procedimentos de derivação do liquor podem ser úteis no tra
tamento do pseudotumor cerebral. Tais procedimentos tratam a HII através da redução da
pressão intracraniana. A derivação lomboperitoneal é o procedimento mais utilizado, já que a
colocação de válvulas ventriculoperitoneais é difícil por não existir ventriculomegalia nesses
pacientes. Embora efetiva no controle da hipertensão intracraniana, pode-se complicar com
oclusão ou deslocamento da válvula, dor ciática e infecção. Devido à alta taxa de complica
ções, o uso da derivação lomboperitoneal tem diminuído, embora ainda seja uma alternativa
possível em casos graves. A necessidade de revisão da válvula mostra-se presente entre 38
e 64%, em média 52%. Acredita-se que, em média, cada paciente necessite 3,9 revisões dos
shunts, variando entre 9 e 27 meses depois de implantada pela primeira vez. Em decorrência
dessas complicações, nos últimos anos tem havido tendência à maior utilização da derivação
ventriculoperitoneal em lugar da lomboperitoneal no tratamento da SPC. No entanto, a deriva
ção ventriculoperitoneal também não é isenta de complicações, sobretudo porque a colocação
do cateter é relativamente complexa em indivíduos sem dilatação ventricular, como ocorre na
SPC. De qualquer modo em mãos experientes, trata-se de alternativa cirúrgica que pode ser
muito útil para evitar a piora da função visual.
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Afecções do
Quiasma Óptico
INTRODUÇÃO
O quiasma está situado na cisterna aracnoide suprasselar e forma o assoalho anterior do ter
ceiro ventrículo. É uma lâmina quadrilátera de substância branca, em forma de xis grego (x),
achatada de cima a baixo e alongada transversalmente. Mede, em média, 13 mm no sentido
transversal e 6 mm no sentido anteroposterior. Sua espessura é de 3 a 4 mm (Fig. 1). Tem for
ma oblíqua embaixo e adiante, fazendo com a horizontal um ângulo de 15 a 35°. Dorsalmente,
o quiasma é ligado ao assoalho do terceiro ventrículo e, caudalmente, ao tuber cinéreo e aos
tratos ópticos. Seu aspecto rostral e ventral está voltado para o espaço subaracnoide. Ventral-
mente, está localizado acima das sólidas estruturas do corpo do esfenoide e da dura-máter do
diafragma da sela. As artérias carótidas estão situadas lateralmente ao quiasma óptico. Acima
de seu ângulo rostral, formado pelos nervos ópticos, estão as porções caudais dos giros retos.
157
1 5 8 I Neuroftalmologia
A hipófise encontra-se alojada na sela turca e o diafragma da sela é composto pela dura-
máter, estendendo-se das clinoides anteriores até as posteriores. Os nervos ópticos e quiasma
encontram-se acima do diafragma, e o quiasma situa-se na região anteroinferior do terceiro
ventrículo. Existem variações anatômicas quanto ao posicionamento do quiasma óptico em
relação à glândula pituitária, o que tem implicações nos padrões de perda de campo visual.
Na maioria dos casos, ele se projeta sobre o dorso selar, enquanto, em 12% dos casos, situa-se
sobre a glândula; em 5%dos casos, é anteriorizado (quiasma pré-fixo) e, em 4%, mais posterior
à glândula hipófise (quiasma retrofixo) (Fig. 2).
Fig. 2 Variações normais na relação topográfica entre o quiasma, a hipófise e a sela turca. SQ. sulco quias-
mátiro; I. infundíbulo; H. hipófise; QO. quiasma óptico; DS. dorso selar; ACI. artéria carótida interna. TS, tubér
culo selar; NO. nervo oculomotor; LF. Limboesfenoidal; 1. 5%, quiasma acima do tubérculo selar; 2. 12%,
quiasma sobre o diafragma selar; 3. 79%. borda superior acima do dorso selar; e 4.4% quiasma acima e atrás
do dorso selar. (Reproduzida deG.L. Schweinitz.The Bowman Lecture, 1923. Concerning certain ocular central
and peripheral hemianopic fields defects. Opth SocTrans, 43:1923,12-109.)
Afecções do Quiasma Óptico | 1 5 9
A maioria das síndromes quiasmáticas é causada por lesões compressivas, por tumores extrín
secos ao quiasma óptico, como o adenoma hipofisário, o meningioma, o craniofaringioma e
o aneurisma gigante. Com raras exceções, tais lesões produzem alteração visual de evolução
lenta e progressiva. Em grande número de casos, os pacientes têm dificuldade em relatar o
tipo de alteração visual, já que os campos visuais periféricos são os primeiros a serem afeta
dos. Menos comumente, as síndromes quiasmáticas podem ter evolução aguda, o que ocorre
particularmente na apoplexia hipofisária ou em casos incomuns de acometimento do quiasma
óptico por lesões desmielinizantes.
Classicamente, a cefaleia é o sintoma inicial mais frequente (70%) de um indivíduo acometido
por um tumor quiasmático, levando-o a procurar uma avaliação neurológica. Os sintomas neuroftal-
mológicos são também extremamente importantes, possibilitando o diagnóstico em muitos casos.
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Fig. 4 Hemianopsia bitemporal ao perímetro Goldmann, sendo o defeito completo em um olho e quase
completo no outro.
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Fig. 6 Defeito juncional anterior. Observe escotoma central no olho direito e defeito temporal superior no
olho esquerdo.
Acuidade visual
A acuidade visual, em regra, diminui tardiamente nas lesões do quiasma óptico. Embora seja
um teste fundamental no exame oftalmológico, este não é o item mais importante nas sín-
dromes quiasmáticas. Isto porque é um teste extremamente inespecífico, podendo sofrer in
terferência de inúmeras outras alterações oculares como erro refracional, opacidade de meio
etc. Além disso, a perda da acuidade visual representa uma alteração relativamente tardia na
maioria dos casos de compressão quiasmática. Isto porque os adenomas tendem a acometer
primeiro o setor temporal do campo visual e, com o campo nasal remanescente, o paciente
consegue apresentar boa acuidade visual. Sendo assim, observamos diminuição da acuidade
visual geralmente nos estágios mais avançados da doenç, quando há comprometimento dos
dois hemicampos de um mesmo olho.
Algumas vezes, a presença de um defeito hemianópico pode ser suspeitada durante a
medida da acuidade visual. Ao ler as letras, o paciente acaba errando ou não consegue ver
aquelas que estão no setor temporal dos dois ou de um dos olhos, o que nos leva a suspeitar
de uma síndrome quiasmática. O examinador deve estar atento a esse fato e, também, lem
brar que o paciente deve ser estimulado a procurar as letras, movendo o olho ou a cabeça,
de modo a verificar quais as letras consegue “achar” . Quando não enfatizamos a procura das
letras, frequentemente encontramos determinações muito díspares de um exame a outro, o
que confunde muito a interpretação do caso clínico.
Alterações pupilares
Esses distúrbios dependem da intensidade da lesão quiasmática. Habitualmente existe de
feito pupilar aferente que acompanha a perda de campo visual. Nos casos de perda visual
Afecções do Quiasma Óptico | 163
Alterações fundoscópicas
O aspecto do nervo óptico e da camada de fibras nervosas retinianas no fundo do olho tam
bém é importante para a avaliação das síndromes quiasmáticas. Nas fases iniciais, o aspecto
do nervo óptico pode ser normal. Caso a compressão seja duradoura, há o desenvolvimento
de atrofia do nervo óptico por lesão e degeneração retrógrada das fibras comprimidas. A
presença de palidez, portanto, dá uma ideia da cronicidade da compressão da via óptica e da
capacidade ou não de reversão do déficit visual caso se obtenha a descompressão do quiasma.
Embora muito importante, a observação não deve ser limitada à análise da coloração do
nervo óptico. Nos últimos anos, grande atenção tem sido dada à observação oftalmoscópica
da camada de fibras nervosas retinianas (CFNR), uma vez que esta mostra alterações antes do
aparecimento de palidez do nervo óptico e torna-se um método semiológico mais confiável no
julgamento da possibilidade ou não de recuperação visual. Do ponto de vista oftalmológico,
a melhor maneira de diferenciar uma compressão atual e potencialmente reversível da via óp
tica de uma sequela de compressão antiga é o estudo da camada de fibras nervosas retiniana,
sendo esta uma etapa de fundamental importância na avaliação do indivíduo com compressão
quiasmática.
O padrão de perda da CFNR em pacientes com hemianopsia temporal por lesão quiasmá
tica é bastante específico. Lesões extensas que envolvem a região mediana do quiasma e afe
tam as fibras que se cruzam no quiasma óptico, causando hemianopsia bitemporal completa,
ou quase completa, e preservação do hemicampo nasal, apresentam-se com alterações muito
características nas fibras nervosas. As fibras que se cruzam no quiasma, cujos axônios se ori
ginam de células na hemirretina nasal e que penetram o disco óptico em todos os setores,
são lesadas sem que haja acometimento das fibras não cruzadas que penetram o disco óptico
nos feixes das arcadas temporais superior e inferior. A perda da CFNR observada clinicamen
te ocorre, portanto, predominantemente nos setores nasal e temporal do disco óptico (que
não recebem fibras da hemirretina temporal remanescente). Esse padrão de perda de fibras
é identificado oftalmoscopicamente como atrofia “em banda” da CFNR e representa um sinal
importante para o diagnóstico e acompanhamento das lesões quiasmáticas, geralmente de
natureza compressiva (Fig. 7).
A avaliação da camada de fibras nervosas retinianas pode ser feita pela oftalmoscopia
direta, especialmente com filtros de luz verde e iluminação de boa intensidade, com o oftal-
moscópio indireto ou com a biomicroscopia de fundo de olho. Muitos avanços semiológicos
foram obtidos nos últimos anos, no que concerne à avaliação instrumental da camada de
fibras nervosas, e atualmente existem aparelhos, particularmente a tomografia de coerência
óptica, que podem quantificar adequadamente a perda axonal nas síndromes quiasmáticas,
1 6 4 I Neuroftalmologia
como pudemos documentar em uma série de trabalhos. Indivíduos com perda de campo visual
mas com preservação da CFNR têm mais chances de recuperação visual com a descompressão
quiasmática.
Distúrbios neuroendócrinos
Tumores hipofisários ou que acometem o diencéfalo muitas vezes se manifestam por distúrbios
neuroendócrinos. Podem ocorrer: a) distúrbios sexuais: diminuição da libido, amenorreia; b) dis
túrbios dos cabelos, pelos, unhas e da pele; c) distúrbios do crescimento do tipo gigantismo ou
acromegálico; d) distúrbios vasomotores; e) distúrbios do sono; f) distúrbios metabólicos: diabetes
insípido, hiperglicemia, distúrbios de termogênese; g) distúrbios psíquicos.
Os adenomas da hipófise podem apresentar-se com acromegalia ou gigantismo, devido ao
excesso de GH; síndrome de Cushing, devido ao excesso de ACTH; com amenorreia, galactorreia
ou impotência, devido ao excesso de PRL; ou com hipertireoidismo, devido ao excesso de TSH.
Podem ocorrer alterações pelo efeito de massa do tumor, levando a dor de cabeça, compressão
do quiasma óptico, lesões dos nervos cranianos, compressão do hipotálamo e hipopituitarismo.
Os tumores podem também comprimir o pedúnculo hipofisial e, assim, comprometer o transpor
te do fator inibitório da prolactina para a adeno-hipófise, resultando num nível elevado de PRL,
porém as concentrações de PRL raramente excedem 200 mg/1 nessas circunstâncias.
Os tumores hipofisários podem apresentar hemorragia e necrose em seu interior, situação
denominada apoplexia hipofisária e que pode levar a aumento rápido do tamanho tumoral.
Existem também causas não neoplásicas de apoplexia da hipófise, particularmente a hemorra
gia hipofisária pós-parto, que pode ocorre na chamada síndrome de Sheehan.
Os prolactinomas estão comumente presentes em mulheres jovens como microadenomas,
porque a amenorreia é um efeito hormonal precoce. Tendem a ser maiores e apresentam uma
maior incidência de invasão durai nos homens e em mulheres mais idosas, uma vez que, nes
tes, as disfunções hormonais são menos evidentes, retardando assim o diagnóstico. Resultam
em aumento de concentrações séricas de prolactina, que estão relacionadas com o tamanho
dos adenomas.
Os adenomas de célula ACTH resultam em concentrações séricas de ACTH e cortisol, que
estão pouco relacionadas com seu tamanho. Ocasionalmente estão clinicamente silenciosos,
apesar de classificados como anticorpos para ACTH.
1 6 6 I Neuroftalmologia
As principais causas das síndromes quiasmáticas são lesões tumorais das regiões selar e supras-
selar. As principais lesões são o adenoma pituitário, o meningioma parasselar, o craniofaringio-
ma, aneurismas gigantes da carótida parasselar e o glioma do quiasma. Outras lesões possíveis
são as metástases, a síndrome da sela vazia, malformações vasculares, germinoma, tumores der
moides e epidermoides, cisto de Radhke, cisto aracnoide, histiocitoses, sarcoidose etc.
Afecções do Quiasma Óptico | 1 6 7
Muitas afecções não tumorais incluídas na relação citada também podem comportar-se
como massas intrasselares ou intra e extrasselares, e podem assemelhar-se aos adenomas hi-
pofisários, que são as lesões mais comuns. Portanto, deve-se atuar com muita prudência antes
de definir um diagnóstico dessa natureza, embora em princípio se pense nos adenomas pela
alta frequência com que se apresentam.
Adenomas hipofisários
Os tumores hipofisários são as causas mais comuns de compressão quiasmática. São responsá
veis por aproximadamente 50% das afecções localizadas na região quiasmática. Os adenomas
hipofisários dividem-se em micro ou macroadenomas. Os microadenomas apresentam-se com
pletamente dentro da sela túrcica, mostram fácil diferenciação da glândula normal adjacente e
medem 10 mm ou menos de diâmetros. Os macro-adenomas são tumores com mais de 10 mm.
Os macroadenomas hipofisários podem estender-se para fora da sela em qualquer direção. A
invasão superior é mais frequente devido à fraca resistência exercida pelo diafragma selar. A
forma de apresentação clínica do tumor dependerá do grau e da direção da sua extensão.
O adenoma hipofisário pode acometer indivíduos de qualquer idade, com incidência máxi
ma entre a terceira e quarta décadas de vida; entretanto, é incomum na infância. Pode manifes
tar-se por alterações endócrinas e/ou visuais. As manifestações endócrinas mais comuns são:
amenorreia, galactorreia, impotência sexual e infertilidade e dependem do tipo de hormônio
secretado. As manifestações oftalmológicas são associadas à compressão da via óptica ante
rior, particularmente o quiasma óptico, além das associadas ao comprometimento dos nervos
oculomotores (111, IV e VI pares cranianos) devido à invasão dos seios cavernosos. Perda visual,
defeito campimétrico e atrofia óptica são os sinais oftalmológicos mais comuns nos pacientes
acometidos por adenoma hipofisário. Hollenhorst e Young revisaram 1.000 pacientes da Clíni
ca Mayo, portadores de tumores hipofisários e encontraram alterações visuais em 70% deles.
No entanto, estudo posterior na mesma instituição mostrou uma redução significativa desse
percentual para 32% dos pacientes com perda visual, demonstrando que, atualmente, o diag
nóstico costuma ser feito antes da perda visual.
Ocasionalmente, os adenomas hipofisários podem apresentar-se com quadro hemorrági
co no seu interior, a conhecida apoplexia pituitária, um quadro agudo, com risco de morte,
geralmente acompanhado de cefaleia grave, náuseas, alterações da consciência, com diplopia
e perda visual. A expansão abrupta do tumor na direção do seio cavernoso pode comprimir
os nervos oculomotor, troclear, trigêmeo e abducente, sendo o oculomotor o mais acometi
do. A extensão superior pode levar a perda visual por compressão do quiasma. As alterações
endócrinas agudas decorrentes podem levar a crise adrenal, e o quadro deve ser reconhecido
prontamente e tratado como emergência.
Craniofaringioma
Craniofaringiomas são tumores intracranianos que se originam do tecido remanescente do due
to craniofaríngio embrionário, este também conhecido como bolsa de Rathke. Os craniofarin
giomas representam aproximadamente 3% dos tumores intracranianos na população geral, e 8 a
13% desses tumores na infância. Embora possam ocorrer em qualquer faixa etária, há evidências
de que essas neoplasias apresentam incidência etária bimodal, com o primeiro pico na infância e
o segundo na vida adulta, entre 40 e 70 anos de idade. Ambos os sexos são igualmente afetados.
Os craniofaringiomas localizam-se frequentemente na cisterna suprasselar (75%), mas podem
ocorrer concomitantemente nas regiões supra e infrasselar (21%) e, ocasionalmente, na região in-
trasselar (4%). Os nervos ópticos, o quiasma e os tratos ópticos podem ser afetados isoladamente
ou em conjunto, dependendo do grau e da direção da extensão tumoral. Além das manifesta
ções associadas à síndrome quiasmática, os pacientes com craniofaringiomas frequentemente
apresentam sintomas e sinais de envolvimento do eixo hipotálamo-hipofisário, incluindo bai
xa estatura, atraso do desenvolvimento sexual, obesidade e diabetes insípido. Cefaleia, defeito
1 7 0 I Neuroftalmologia
perimétrico e perda visual foram os sintomas de apresentação mais frequentes em uma série de
121 pacientes com craniofaringioma (64, 55 e 39%, respectivamente).
Apresentam um pico de incidência em crianças de 5 a 10 anos, mas também ocorrem em
adultos. Apresentam sintomas e sinais causados por aumento da pressão intracraniana, com
pressão das vias ópticas (causando disfunção visual) e compressão do hipotálamo ou pituitária
(causando disfunção endócrina). São recorrentes em 10 a 20% dos pacientes.
O quadro clínico e a sintomatologia dependem do lugar de origem, da direção do crescimen
to e do tamanho alcançado; os craniofaringiomas que comprimem o quiasma ou outro setor das
vias ópticas produzem diminuição da acuidade e do campo visual, podendo chegar à cegueira.
Ao afetarem o hipotálamo, originam sua disfunção, que se traduz por sonolência, hipotermia,
obesidade, atraso na maturação sexual e diabetes insípido nas crianças e adolescentes. Pode
comprimir e lesionar a hipófise, produzindo um hipopituitarismo global ou parcial, hipotireoi-
dismo ou insuficiência adrenocortical. Nas mulheres, pode interferir com os centros inibidores
da secreção de prolactina hipofisária e produzir uma síndrome de amenorreia. Quando o tumor
cresce lateralmente, comprime a porção interna dos lóbulos temporais, provocando crises unci-
nadas; os de crescimento posterior comprimem o tronco cerebral, dando origem a síndromes de
pares cranianos; os que alcançam grande tamanho produzem hipertensão endocraniana e, ainda,
hidrocefalia; no cavum atuam como uma massa ocupando o espaço etc.
O craniofaringioma precisa ser distinguido de várias lesões suprasselares císticas: os cistos
epidermoides e dermoides, o astrocitoma pilocítico e o cisto da fenda de Rathke.
Os cistos epidermoide e dermoide: 1) o cisto epidermoide é caracterizado por um epitélio
contendo grânulos ceratoialinos proeminentes e uma maturação ordenada de células escama-
tosas com formação de flocos de queratina; e 2) o cisto dermoide é muito raro na região da
fossa pituitária e contém estruturas dermais anexas.
O astrocitoma pilocítico: 1) a astrocitose reativa florida e as fibras de Rosenthal em biópsia
de um craniofaringioma podem simular um astrocitoma pilocítico; 2) fendas de colesterol ou
células gigantes sugerem um craniofaringioma; e 3) áreas microcísticas (que contribuem para
uma arquitetura bifásica), células astrocíticas livremente organizadas e as características nu
cleares atípicas e degenerativas sustentam o diagnóstico de astrocitoma pilocítico.
O cisto da fenda de Rathke: 1) os achados radiológicos e operatórios podem ajudar, por
que os craniofaringiomas papilares raramente contêm grandes cistos; e 2) o cisto da fenda de
Rathke não possui a arquitetura papilar do craniofaringioma papilar, sendo mais provável que
tenha um epitélio com cílios e células calciformes.
O quadro radiológico dependerá, como o clínico, da localização, do tamanho e das carac
terísticas patológicas do craniofaringioma. Podem ser produzidas mudanças na parte óssea
selar e calcificações nas partes moles suprasselares. A sela turca pode ser normal, com erosão
parcial ou muito grande. Os craniofaringiomas suprasselares, que são os mais frequentes, po
dem causar erosão da parte superior do dorso selar, que diminui; também podem aumentar os
diâmetros da fossa hipofisária. Os de localização intrasselar comportam-se como adenomas in
vasores, causando erosão das paredes selares; podem chegar a produzir grandes destruições.
Quando o tumor cresce no corpo do osso esfenoidal e no cavum, provoca uma grande des
truição óssea, geralmente acompanhada por importantes erosões selares, principalmente do
assoalho. Por último, os que crescem no III ventrículo e comprimem os orifícios de Monro pro
vocam hidrocefalia e hipertensão endocraniana, que habitualmente repercutem na sela turca.
Afecções do Quiasma Óptico | 171
de um deles. E frequente a tomografia mostrar uma massa totalmente cística, com um anel
periférico calcificado que pode ser contínuo ou descontínuo e delgado ou grosso. Nos adultos
e em algumas crianças ou adolescentes, os craniofaringiomas podem ser predominantemente
sólidos e apresentar ou não depósitos calcários.
Com o contraste iodado, o tecido tumoral se impregna, e é mais acentuado quando os
componentes císticos e as calcificações são escassos; assim, o tumor fica mais evidente na to
mografia computadorizada reforçada.
Os craniofaringiomas de localização alta comprimem e deformam o III ventrículo e, ainda,
os cornos frontais dos ventrículos laterais, provocando uma hidrocefalia por compressão dos
orifícios de Monro.
Por último, pode ocorrer que o tumor não seja visível na tomografia computadoriza
da convencional, com e sem contraste, e, sem dúvida, o quadro clínico, em particular os
problemas da visão, obriga a continuar com uma cisternografia com metrizamida e tom o
grafia computadorizada, cujo contraste iodado envolve a massa que produz o defeito de
enchimento.
O diagnóstico diferencial varia com a idade do paciente. Nas crianças, deve ser estabele
cido com os gliomas do quiasma óptico, os gliomas hipotalâmicos, os hamartomas, os histio-
citomas etc. Nos adultos, com os adenomas hipofisários, os meningiomas suprasselares, os
gliomas hipotalâmicos, os germinomas, os aneurismas carotídeos etc. Nas crianças e adoles
centes, nos quais os craniofaringiomas são tão frequentes e de registro tão característico, o
diagnóstico diferencial é mais simples; em compensação, é difícil nos adultos, pois, nestes, os
craniofaringiomas podem dar imagens similares às de outros processos.
À imagem por ressonância magnética, os craniofaringiomas apresentam hipersinal iden
tificado nas sequências pesadas em TI observadas na porção cística; decorre de produtos
de degradação da hemoglobina (meta-hemoglobina), de proteínas, colesterol e triglicérides;
todavia, o sinal desses tumores é bastante variável, podendo ser semelhante ao do líquor. A
porção sólida pode apresentar hipossinal em T2, devido à hemossiderina e à queratina, e, ge
ralmente, realce após a administração de contraste isolado ou paramagnético. A tomografia
computadorizada é mais sensível na detecção de calcificações, e a ressonância magnética é
melhor na avaliação da extensão tumoral.
Meningioma
Meningiomas intracranianos são neoplasias benignas que surgem das células meningoteliais
da aracnoide. Representam cerca de 13 a 18% dos tumores intracranianos primários na maioria
172 I Neuroftalmologia
Fig. 10 Meningioma suprasselar: à esquerda corte coronal: à direita, corte sagital. Observe a impregnação
da lesão com gadolínio e a base larga de implantação do tumor na dura-máter.
computadorizada mostra uma imagem hipodensa intrasselar, similar à produzida pelo des
censo da cisterna suprasselar, porém sem o sinal do infundíbulo. Diferentes dos craniofarin-
giomas, também originados na bolsa de Rathke, os cistos são habitualmente intrasselares e
raramente suprasselares. O diagnóstico por tomografia computadorizada e ressonância mag
nética é importante.
O cisto de Rathke é uma lesão de linha média localizada na porção anterossuperior da
cavidade selar, ou suprasselar, deslocando a haste hipofisária para a frente; a atenuação na
tomografia computadorizada e o sinal na ressonância magnética dependem do seu conteú
do, que pode ter características semelhantes às do liquor ou hiperatenuação na tomografia
computadorizada, hipersinal nas sequências pesadas em TI e hipossinal em T2, por causa da
secreção mucoide com conteúdo rico em colesterol; essa lesão pode apresentar, em alguns
casos, componente sólido.
Os cistos aracnoides apresentam uma parede formada pela referida membrana meníngea
e um conteúdo de liquor. A origem desses cistos é difícil de estabelecer: alguns são congêni
tos, outros se relacionam com traumatismos e com meningite da base do encéfalo. Habitual
mente são suprasselares, não ocasionam alterações na sela turca e, inclusive, a tomografia
computadorizada pode ser normal; quando a presença do cisto produz sintomatologia visual
ou hipotalâmica, o passo diagnóstico posterior é a tomografia computadorizada ou a resso
nância magnética. Quando a localização ou expansão do cisto é mais baixa, pode produzir
erosões selares; e, se é introduzido na fossa pituitária, comporta-se, nas radiografias simples,
de modo similar a todas as tumorações supra e intrasselares; na tomografia convencional,
apresenta uma imagem semelhante à denominada sela turca “vazia”. Apesar de não serem
raros, os cistos de aracnoide raramente provocam alterações visuais por lesão quiasmática.
Aneurisma
Os aneurismas que se instalam no sifão carotídeo e, mais concretamente, na porção intraca-
vernosa da referida artéria são os que mais frequentemente produzem lesões ósseas selares.
Ao alcançarem tamanho suficiente, comportam-se como massas parasselares e, em alguns
casos expandem-se para a linha média, tornando-se intrasselares. As radiografias simples e as
tomografias convencionais mostram habitualmente erosões e deformações lateralizadas, que
afetam o canal do seio cavernoso e o setor vizinho da sela turca. As lesões ósseas raramente
abrangem a totalidade da sela; frequentemente são observadas calcificações que podem ser
puntiformes ou granulares, como em alguns adenomas ou craniofaringiomas, ou tendem a
adotar uma posição curvilínea ou circular. As calcificações encontram-se habitualmente latera
lizadas, exceto nas raras expansões intrasselares.
Os aneurismas da porção supracavernosa, como os da porção intracavernosa de tamanho
considerável, causam a erosão do processo clinoide anterior do lado enfermo ou produzem
uma imagem radiológica de elevação desta, resultante da erosão de sua parte inferior e do
descenso do assoalho selar e do canal do seio cavernoso.
Afecções do Quiasma Óptico | 1 7 7
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Lesões da Via Óptica
Retroquiasmáticas
INTRODUÇÃO
CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS
Inicialmente é importante uma revisão da anatomia das estruturas da via óptica situadas pos
teriormente ao quiasma óptico, incluindo o trato óptico, o corpo geniculado lateral, as radia
ções ópticas e o córtex occipital, que se encontram esquematizadas nas Figuras 1 e 2.
O trato óptico
O trato óptico tem sua origem no ângulo posterior do quiasma e termina no corpo geniculado
lateral. Está livre no seu início, numa extensão de 1 ou 2 cm, e seus 4/5 posteriores transcor
rem em íntimo contato com o pedúnculo cerebral, cuja face inferior torna-se estriada, sendo
coberta até a parte externa pelo lobo temporal.
Sua forma, no início quase ovoide, torna-se aos poucos nivelada no sentido vertical, par
ticularidade que lhe deu o nome, pois assemelha-se a um trato. Assim, distinguem-se duas
faces, superior e inferior, e duas bordas, medial e lateral, o que facilita a descrição de suas
relações anatômicas. Sua face superior está em estreito contato com o pedúnculo cerebral.
Sua face inferior, apoiada sobre o plano ósseo da base do crânio, é atravessada pela artéria
181
1 8 2 | Neuroftalmologia
Fig. 1 Via óptica: vista inferior do encéfalo. Foram removidos parte do tronco cerebral e os hemisférios
cerebrais. A linha tracejada foi modificada e acrescentados o nervo óptico e o globo ocular artificialmente,
em relação à figura original, para dar a ideia de toda a via óptica (retina ao córtex visual). 1. Nervo óptico;
2. quiasma óptico; 3. trato óptico; 4. corpo geniculado lateral; 5. readiações ópticas - alça anterior no lobo
temporal; 6. radiações ópticas no lobo parietal; e 7. córtex visual. Nota-se a relação do nervo óptico com o
trato olfatório, bulbo olfatório e o lobo frontal acima. Está Figura é importante para a correlação anatômica
com a interpretação da neuroimagem em corte axial. (Figura adaptada a partir do original gentilmente cedi
da pelo Prof. Adalmir Morterá Dantas.)
comunicante posterior, que une a carótida interna com a cerebral posterior. Essa relação é de
capital importância. A borda medial do trato, sempre espessa, contorna o tuber cinereum e o
pedúnculo cerebral, enquanto a borda lateral, muito mais delgada, está bem próxima do lobo
temporal, relação que é também muito importante e que explica a repercussão que têm sobre
o trato óptico os processos expansivos desse lobo.
O trato óptico divide-se em dois braços, um medial e outro lateral, que terminam cada
um no corpo geniculado correspondente. Porém, devemos salientar que somente o corpo
geniculado lateral é parte integrante da via óptica; todas as fibras nervosas que conduzem as
sensações visuais terminam no corpo geniculado lateral.
A disposição das fibras nervosas no interior do trato óptico pode ser considerada como
bem estabelecida. Cada trato contém: 1) fibras diretas ou temporais, periféricas (superiores
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 183
Fig. 2 Trajeto da via óptica: vista lateral do encéfalo. 1. Nervo óptico; 2. quiasma óptico; 3. trato óptico;
4. radiações ópticas - alça anterior no lobo temporal; 5. trato geniculocalcarino; 6. alça occipital no ventrícu
lo lateral; e 7. córtex visual; e 8. lobo occipital. Tem-se relação com o lobo parietal, corpo caloso, ventrículo
lateral e terceiro ventrículo, importante na interpretação da neuroimagem em corte sagital. (Figura modifi
cada de Glaser JS, Sergott RC Neuro-Ophthalmology. //rTasman W, Jaeger EA (eds.). Duane's Clinical Ophthal
mology. Philadelphia: Lippincott, 1989 (Revised edition), V. 2.
?v.V?
Corpo geniculado lateral
ir ;'3 W r> .í
Córtex ■esr^f^
visual
Camada IV
Fig .3 Retina, corpo geniculado lateral e projeções ao nível da área estriada (área 17). (Figura reproduzida
com autorização dos Profs. Y. Keravel M, Djindjian M, Louarn F. Vues anatomiques commentées des voies vi
suelles. Encycl Med Chir, Paris: Neurologie, Paris: Masson, 1991;4.8, 10,17001, F10.)
pela qual a superfície lateral original vai se localizar ventralmente; em seguida, as fibras supe
riores e inferiores da retina se situam medial e lateralmente, em vez de dorsal e ventralmente.
A linha de divisão que corresponde ao diâmetro horizontal da retina, em vez de se situar hori
zontalmente como até esse ponto, faz um corte anteroposterior atravessando o topo da crista
dorsal e a base do hilo ventral; a metade lateral do corpo geniculado está, portanto, relaciona
da com a parte da retina abaixo do diâmetro horizontal, e a metade medial, com a parte acima.
A área que recebe as fibras da mácula é representada por um grande setor mediano situ
ado numa posição dorsocentral limitada aos dois terços posteriores do núcleo e aumentando
consideravelmente em sua extremidade caudal, onde se estende em toda a sua largura; a área
forma uma pirâmide invertida, com uma base convexa formando uma crista arqueada em seu
aspecto dorsal. No seu interior, as fibras da metade inferior da mácula passam para a metade
1 8 6 I Neuroftalmologia
lateral do núcleo, as da metade superior passam medialmente, enquanto a propria área foveal,
no homem, está localizada na margem caudal arredondada do núcleo. Como vimos, a área de
projeção macular apresenta seis lâminas celulares.
As áreas que recebem fibras da retina periférica são representadas em três partes do nú
cleo. A área de projeção da periferia inferior da retina ocupa todo o corno lateral, um segmen
to da área macular marcado por um sulco; enquanto a da periferia superior da retina ocupa o
tubérculo medial e parte do terço rostral adjacente do núcleo. Essas duas áreas possuem uma
estrutura laminar, embora o padrão no lado medial seja menos definido do que no lateral, pos
sivelmente devido ao rompimento do primeiro pela entrada das fibras do trato óptico.
A área de projeção das fibras de apenas um olho ocupa uma faixa estreita ao longo da ex
tremidade anterior da parte ventral do núcleo, e a representação da parte inferior dessa zona
retiniana situa-se lateralmente à da parte superior.
A vascularização sanguínea do corpo geniculado lateral está em estreita relação com a do
trato; por essa razão, foram reunidas na mesma descrição. O trato recebe o aporte sanguíneo
da artéria coroidiana anterior; o corpo geniculado tem uma irrigação dupla, dependente dessa
mesma artéria e da cerebral posterior.
A artéria coroidiana anterior nasce no tronco da carótida interna, entre os pontos de ori
gem da comunicante posterior e a cerebral média; às vezes, nasce da mesma cerebral média.
Em qualquer dos casos, segue depois um trajeto paralelo da cerebral média, em imediata
vizinhança com a substância nervosa. Situada, em seu início, por fora do quiasma e do trato,
cruza-o da sua borda lateral à sua borda medial, que contorna a pequena distância do pe
dúnculo cerebral. Durante esse percurso, a coroidiana anterior emite pequenos ramos com
diversos destinos. Em sua porção mais anterior, irriga a cabeça do núcleo caudal e a borda
posteromedial da comissura anterior; e um pouco mais atrás, o uncus e a parte posterome
dial do núcleo amigdaliano, parte anteroinferior do hipocampo e faseia denteada. Um pouco
mais para trás, alguns ramos nascidos da coroidiana anterior perfuram o trato e passam à
base do cérebro, para irrigar os dois terços posteriores do braço posterior da cápsula inter
na, a parte medial do segmento médio do núcleo lenticular, o início da radiação óptica e,
provavelmente, também o início da radiação acústica e, no último extremo, a parede lateral
do corno descendente do ventrículo lateral. No que se refere ao próprio trato, sua irrigação
é obra de pequenos ramos da artéria coroidiana que passam entre ele e o pedúnculo, se
guindo, respectivamente, a borda medial e a face dorsal. Em sua última porção, a coroidiana
anterior chega à face ventral do corpo geniculado, onde emite numerosas e pequenas cola
terais que penetram em seu hilo e três ramos mais importantes, as artérias geniculadas late
ral, média e medial, que são flanqueadas por suas veias correspondentes, quase sempre em
número de duas. Seguindo depois seu curso até a face dorsal do pedúnculo, em cujo nível
se anastomosa com ramos da comunicante posterior e cerebral, penetra na fenda cerebral
de Bichat, para participar finalmente, junto com a coroidiana posterior, da irrigação do plexo
coroide e irrigar também a substância negra, o corpo subtalâmico e a parte mais superficial
do núcleo ventrolateral do tálamo.
Porém, o corpo geniculado lateral, além das três artérias geniculadas descritas, recebe
um considerável aporte sanguíneo por intermédio da cerebral posterior, que lhe envia vários
ramos, com a denominação de “artérias do corpo geniculado”; são ramos longos que se co
locam entre as geniculadas interna e média, já citadas, encurvando-se depois para trás, para
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 187
Radiação óptica
A radiação óptica (trato geniculocalcarino) é a última parte da via óptica antes de chegar ao cór
tex (Figs. 1 e 2) e está situada na espessura do cérebro. As fibras da radiação apresentam-se
em forma de leque. Estas estendem-se desde os centros ganglionares da base até o córtex
das faces interna e lateral do hemisfério cerebral, constituindo a parte terminal da via óptica.
Meyer descreveu que as fibras ventrais da radiação efetuam uma curva para diante em
pleno lobo temporal - a “alça temporal” de Meyer. A radiação óptica está formada dos seg
mentos dorsal, lateral e ventral. Desses três segmentos, somente os dois primeiros se dirigem
diretamente para trás, indo terminar no córtex occipital; o ventral faz a citada “alça temporal” ,
rodeando o corno inferior do ventrículo lateral, chegando às fibras mais ventrais bem mais
adiante, praticamente até a ponta do corno ventricular, para encurvar-se depois para trás e
terminar seu trajeto na parte mais anterior do lábio inferior do sulco calcarino.
Dentro do lobo occipital, a radiação óptica se espalha em uma direção dorsoventral, de
modo que sua margem inferior permaneça perto da superfície inferior. A margem superior
fica um tanto dorsalmente na parte média de seu curso, porém nenhuma das fibras estende-se
acima do nível horizontal do sulco lateral. Em geral, as fibras deixam a radiação abruptamen
te, em ângulos retos, e correm medialmente na substância branca da área estriada, acima
ou abaixo do sulco calcarino, antes de entrarem na substância cinzenta para atingir suas
terminações.
Contrárias à parte anterior do sulco, as fibras da parte superior da lâmina descem sobre a
borda superior do polo posterior do ventrículo lateral, enquanto aquelas do segmento inferior
correm medialmente, de modo que ambos os grupos atingem o lábio inferior do sulco mais
posteriormente; aquelas da parte superior da radiação seguem em direção ao lábio superior
do sulco, enquanto as da parte inferior buscam as áreas correspondentes do lábio inferior;
aquelas do segmento intermediário passam diretamente ao longo da parede lateral do ventrí
culo, indo terminar atrás das outras na parte posterior da área calcarina e sua extensão até as
superfícies posterior e lateral do polo occipital.
As fibras que saem do corpo geniculado lateral apresentam uma sistematização inte
ressante: as mais superiores dirigem-se diretamente para trás, passando pela parte supe
rior da parede externa do corno posterior do ventrículo lateral; as fibras inferiores, em
troca, fazem uma incursão no lobo temporal (alça de Meyer), dirigindo-se primeiramente
para diante e para fora e, em seguida, para baixo, aplicadas à parte anterior do corno in
ferior do ventrículo lateral, para se dirigirem, por último, para trás, unindo-se então com
as superiores na parte externa do corno posterior do ventrículo lateral. As fibras atingem
o lobo occipital, onde se encontra o centro receptor visual disposto nas margens do sulco
calcarino (área 17 de Brodmann).
O suprimento sanguíneo para a radiação óptica deriva da: 1) artéria coróidea anterior; 2)
artéria cerebral posterior, principalmente no seu ramo calcarino; e 3) artéria cerebral média.
1 8 8 | Neuroftalmologia
Córtex occipital
O córtex estriado ou área 17 de Brodmann é conhecido também como área VI ou córtex visual
primário (Figs. 1 e 2). As fibras oriundas do corpo geniculado lateral (CGL), através das radiações
ópticas, projetam-se na camada 4 de V I . São seis as camadas que compõem o córtex visual pri
mário, numeradas da superfície para o interior: 1,2, 3, 4, 5 e 6. A camada 4 ou lâmina granularis
interna é dividida em três outras: 4A, 4B e 4C (está ultima é conhecida como linha de Gennari).
O córtex visual, também conhecido como área estriada, recebe fibras da radiação óptica, pro
venientes do corpo geniculado lateral, condutoras de impulsos do lado nasal heterolateral. Isto
acontece por causa da decussação parcial das fibras dos nervos ópticos ao nível do quiasma.
A área 17 corresponde ao fundo e aos lábios do sulco calcarino, porém ultrapassa-o por
cima e por baixo em uma extensão de 5 mm. Ocupa, portanto, a face medial e o polo do lobo
occipital. Na parte anterior, estende-se mais sobre o lábio inferior do que sobre o superior. Por
detrás, contorna o pólo posterior, ocupando um setor mais ou menos amplo da face externa
do lobo occipital. Sua extensão aproximada é de 30 cm2.
As áreas 18 e 19 de Brodmann são denominadas de córtex visual extraestriado, ou córtex
secundário, e compreendem cinco áreas distintas para o processamento da visão. Essas áreas
são denominadas de V2, V3, V3a, V4 e V5; são mapeadas com precisão em macacos e encon
tram as suas correlatas no córtex visual de humanos. V3 está no lobo parietal posterior e rece
be projeção de V I; V3, posteriormente, envia projeções para o gânglio basal (pulvinar) e para
o mesencéfalo. Células nessa área provavelmente são responsáveis pela integração visual. V3a,
identificada como tendo uma representação retinotópica separada, recebe projeção de V3. Cé
lulas nessa região são direcionadas binocularmente e são sensíveis ao movimento e direção.
V4, localizada no giro lingual e fiisiforme, parece ser sensível a cores. Anterior e lateral a V4,
encontra-se V5 (posterior e no giro subangular e sulco temporal superior); essa área é sensível
também ao movimento e à direção.
A área V5 corresponde à região mediotemporal (MT), e recebe projeção de V I, mas tam
bém direto da camada magnocelular do CGL. Os neurônios nessa região codificam a velocida
de e a direção do estímulo em movimento. Essa área parece ser também a origem dos movi
mentos persecutórios.
A área 19 ou periestriada rodeia, por sua vez, a área 18. Sobre a superfície lateral do he
misfério, ocupa a parte anterior dos três giros occipitais, invadindo, em certas ocasiões, a par
te posterior do lobo parietal. Na face inferior, ocupa o quarto giro occipital e parte do quarto
giro temporal. Na face medial do lobo, ocupa, na altura, o resto do cúneo, sem ultrapassar o
sulco parietoccipital. Em resumo, podemos dizer que a área 17 é um isocórtex heterotípico
granular, e as áreas 18 e 19 são do tipo isocórtex homotípico.
O córtex visual parece ter uma vasta atribuição de funções. Reorganiza os impulsos do
corpo geniculado lateral de forma a tornar linhas e contornos os estímulos mais importantes.
Isso constitui o primeiro passo para a generalização perceptual, resultando da resposta de cé
lulas corticais à orientação de um estímulo, qualquer que seja sua exata posição retiniana. O
movimento é também um fator importante do estímulo. Sua velocidade e direção devem ser
especificadas para que uma célula seja efetivamente orientada.
A área 17 está ligada, mediante fibras de projeção, com a área 18; e esta, por sua vez,
com a área 19. A área 17 é o lugar da projeção e da recepção das sensações visuais (centro
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 1 8 9
das sensações primárias ou analisador cortical), enquanto as outras duas áreas (18 e 19) efe
tuam os processos de integração e resposta motora. Nelas se efetua a síntese das sensações
visuais, que são relacionadas com outras sensações proprioceptivas procedentes, sobretudo,
dos músculos dos olhos, pescoço e tronco, com conceitos intelectuais e com o resultado de
experiências e conceitos hereditários. A área 18 é a zona visomotora do córtex cerebral, isto
é, controla a resposta oculomotora que implica o ato visual. É ponto de reflexão de reflexos
visovisuais e assegura a afixação e a fusão das imagens. Nessa área, encontramos o centro
oculogiro occipital, cuja estimulação, idêntica à da área 8, produz os movimentos conjugados
dos olhos. Os centros oculogiros frontais parecem funcionar independentemente. Contudo,
os dois centros occipitais estão unidos pelo corpo caloso e parecem inibir-se reciprocamente.
A área 19 é o lugar das percepções visuais. Coordenando sensações visuais, elabora as per
cepções visuais, permitindo-nos reconhecer a natureza dos objetos que olhamos. Porém, não
somente nos permite reconhecer objetos, letras e cores, como também o tamanho, a forma e
distância dos objetos no espaço.
A área visual está localizada no córtex, que constitui as paredes do sulco calcarino e por
ções adjacentes do cúneo e giro occipitotemporal medial. As fibras maculares terminam na ex
tremidade posterior do lobo occipital, e as dos quadrantes superiores e inferiores, nos lábios
superior e inferior do mesmo lado. Da área 17 (estriada), partem fibras que fazem sinapses
com a área 18 (periestriada) e com a 19 (paraestriada). As fissuras calcarina e pós-calcarina
representam a junção entre as metades dos campos visuais superiores e inferiores. O lábio
superior da fissura recebe impulsos dos quadrantes superiores correspondentes de ambas as
retinas, que são associadas com o quadrante inferior do campo binocular no lado oposto. O
lábio inferior está relacionado ao quadrante superior do campo binocular no lado oposto. A
mácula está representada posteriormente por uma área extensa do córtex visual. Em um gran
de número de cérebros humanos, a fissura pós-calcarina estende-se ligeiramente na face pos-
terolateral do lobo occipital. A periferia da retina está representada anteriormente. O campo
monocular está representado mais anteriormente e, provavelmente, encontra-se em frente à
junção das fissuras parietoccipital e calcarina. Finalmente, pode-se dizer que há uma perfeita
“localização” no córtex occipital, isto é, cada par de pontos correspondentes na retina está
representado por uma área específica no córtex visual do hemisfério cerebral.
O córtex visual recebe irrigação da artéria cerebral posterior, através dos ramos calcarino,
temporal posterior e parietoccipital. A artéria cerebral média pode contribuir para o supri
mento sanguíneo da área visual. Os vasos formam uma rica rede na pia-máter, e seus ramos
curtos passam à substância cinzenta, enquanto ramos maiores atingem a substância branca. A
área macular do córtex visual é uma linha de divisão com respeito ao suprimento sanguíneo.
O córtex visual “macular” é vascularizado por ramos terminais das artérias cerebrais posterior
e média.
O córtex visual recebe fibras do campo medioperiférico e periférico, e é vascularizado
apenas pela artéria cerebral posterior. A área é suprida por um vaso mais proximal (não é
terminal). Portanto, quando houver obstrução do fluxo através da artéria cerebral posterior,
o córtex visual macular ipsilateral pode ser preservado, devido ao suprimento de sangue for
necido pelas ramificações terminais da artéria cerebral média. Esta pode ser uma explicação
para a “preservação macular” . Entretanto, quando ocorre um estado de hipoperfusão genera
lizada (p. ex., hipotensão intraoperatória, parada cardíaca), a primeira área do córtex visual a
1 9 0 I Neuroftalmologia
ser afetada é exatamente aquela suprida pelas ramificações terminais, ou seja, o córtex visual
macular, resultando num comprometimento da área mais central do campo visual.
Há duas vias para a percepção de movimento, profundidade, forma e cores no córtex vi
sual (Fig. 4). A primeira é a via parvocelular, que recebe projeções da camada parvocelular (nú
cleo pequeno) do CGL, a qual recebe projeções das células P da retina; é denominada também
de via ventral, e processa informações do córtex temporal inferior. Da camada parvocelular do
CGL, partem projeções de neurônios para a camada 4C beta em V I; e deste para a região das
bolhas e entre as bolhas nas camadas 2 e 3 de V I , da região das bolhas partem sinais que pas
sam pela região das faixas finas em V2 e que projetam posteriormente para V4; da região entre
as bolhas, saem sinais que atravessam a região entre as faixas em V2, daí terminando em V4.
Da região das bolhas também partem sinais diretos para V4. Essa via é responsável pela visão
de cores e resolução espacial fina. V4 é responsável pela visão de cores e de formas coloridas.
A segunda é a via magnocelular, com início nas células M da retina, que projeta para a
camada magnocelular ou M do CGL, assim chamada por conter células grandes. Essa via tam
bém é chamada devia dorsal, porque processa as informações para o córtex parietal posterior.
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Fig. 4 Vias da percepção no córtex visual. Células seletivas e comprimento de ondas na região das bolhas
(Ib lo b s ) em V1 enviam sinais para a área V4. Visão de forma em associação com cores depende da conexão
entre a região entre as bolhas em V I, as região entre as faixas de V2 e área V4. Células na camada 4B de V1
enviam sinais paraV3 eV5 diretamente e também através das faixas grossas de V2. Essas conexões dão origem
à percepção do movimento e de formas dinâmicas. (Reproduzido de Zeki S. The visual image in mind and
brain. Mind and brain: readings from scientific american magazine. New York: Freeman, 1993; p. 27-39.)
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 191
Da camada magnocelular do CGL, partem projeções para a camada 4C alfa em V I, que proje
ta para a camada 4B também em V I; a partir de V I, os sinais atravessam a região das faixas
grossas em V2 e terminam em V3 e V5; V3 e V5 recebem também sinais diretos da camada 4B
de V I . Essa via é responsável pela detecção de movimentos, estereopsia e sensibilidade ao
contraste de baixa frequência espacial. V3 detecta informações de formas dinâmicas, como,
por exemplo, forma de objetos em movimento ou pessoas andando; V5 detecta movimentos.
Fig. 5 Campo visual anormal, representação esquemática da via óptica mostrando os lugares de total inter
rupção das fibras nervosas e os vários campos visuais anormais produzidos por tais interrupções. 1. Nervo óp
tico - cegueira no lado da lesão; com campo contralateral normal. 2. quiasma - hemianopsia bitemporal.
3. trato óptico - hemianopsia homônima incongruente contralateral. 4. nervo óptico - junção do quiasma; ce
gueira no lado da lesão com hemianopsia temporal contralateral ou escotoma hemianóptico. 5. trato óptico
posterior, corpo geniculado lateral, perna posterior da cápsula interna - hemianopsia homônima contralateral
completa ou hemianopsia homônima contralateral incompleta. 6. radiação óptica; alça anterior no lobo tem
poral - hemianopsia homônima contralateral incongruente ou quadrantanopsia superior. 7. fibras mediais da
radiação óptica - quadrantanopsia homônima inferior contralateral incongruente. 8. radiação óptica no lobo
parietal - hemianopsia homônima contralateral, algumas vezes ligeiramente incongruente com preservação
mínima. 9. radiação óptica no lobo parietal posterior e lobo occiptal - hemianopsia homônima contralateral
congruente com preservação macular. 10. porção média do córtex calcarino - hemianopsia homônima contra
lateral congruente com grande preservação macular e preservação do crescente temporal contralateral.
11. extremidade do lobo occipital - hemianopsia contralateral congruente com escotomas. 12. extremidade
anterior da fissura calcarina - perda contralateral do crescente temporalcom, às vezes, campos visuais normais.
(Reproduzida com autorização do Professor Harrington, D. O. The visual fields. A textbook and atlas of clinical
perimetry. St. Louis: Mosby, 1981, p. 108.)
Características clínicas
O trato óptico representa a continuação da via óptica após o quiasma antes de chegar ao cor
po geniculado lateral. Apenas o hemicampo contralateral é representado no trato óptico. As
lesões do trato óptico inicial são muito semelhantes àquelas que causam síndrome quiasmá-
tica, incluindo lesões compressivas decorrentes de craniofaringiomas e tumores hipofisários.
A atrofia óptica consecutiva a uma lesão do trato é sinal de lesão pré-geniculada.
O padrão específico da camada de fibra nervosa da retina resulta em padrões específicos da ca
mada de fibra nervosa e de atrofia óptica em pacientes com perda visual causada por lesões ópticas
quiasmáticas e pré-geniculadas retroquiasmáticas. Em pacientes com lesões quiasmáticas, como já
vimos, os defeitos de campo temporal são refletidos pela perda de fibras das células ganglionares
nasais à fóvea. A atrofia é mais evidente nos setores nasal e temporal ao disco, uma vez que o feixe
de fibras nervosas arqueadas superiores e inferiores é composto de fibras das células ganglionares
temporais e nasais à fóvea. Assim, os feixes arqueados são relativamente preservados em compara
ção com outras áreas. Portanto, a palidez óptica é, em princípio, nasal e temporal, com preservação
superior e inferior. Essa atrofia em faixa (em banda) ou em “gravata-borboleta” é característica da
perda de campo temporal. Desse modo, pacientes com síndromes ópticas quiasmáticas e defeitos
de campo hemianópticos bitemporais apresentam atrofia óptica em faixa e atrofia da camada de
fibra nervosa característica em ambos os olhos.
Em pacientes com hemianopsia homônima por lesão no trato óptico, o olho contralate
ral à lesão (olho da hemianopsia temporal) apresenta o padrão de atrofia de fibra nervosa do
nervo óptico já descrito, com perda de campo temporal. Por sua vez, o olho ipsilateral à lesão
apresenta uma perda de campo nasal completa, com perda de células ganglionares temporais
à fóvea. Como as fibras nervosas dessas células ganglionares em princípio abrangem os feixes
arqueados superior e inferior, essas regiões apresentam grande perda de fibras nervosas, em
bora a atrofia do disco seja generalizada. As características dos fundos desses indivíduos são
de atrofia em “gravata-borboleta” ou em faixa no olho da hemianopsia temporal (contralateral
à lesão do trato óptico), e relativa ausência dos feixes arqueados de fibras nervosas superiores
e inferiores no olho ipsilateral. Pacientes com lesão no trato óptico podem, portanto, apresen
tar atrofia óptica bilateral, com palidez temporal ipsilateral e atrofia óptica em banda contra
lateral (no olho da hemianopsia temporal).
Além disso, lesões do trato óptico podem ocasionar alterações nas reações pupilares. Na
presença de uma hemianopsia homônima, pode-se pesquisar a reação hemiópica de Wernicke;
1 9 4 I Neuroftalmologia
nesse caso, o reflexo fotomotor funciona quando se ilumina a metade integral da retina, e está
abolido ou reduzido quando se ilumina a metade cega. Essa reação hemiópica é um sinal de
lesão situada nos dois terços internos do trato, na qual passam as vias do reflexo fotomotor
(fibras pupilares) antes de deixarem o trato para o corpo geniculado lateral. De fato, essa rea
ção é difícil de pesquisar e interpretar, e sua falta, nas hemianopsias homônimas, não permite
afirmar o lugar pré-geniculado da lesão.
Mais comum é a presença de um defeito pupilar aferente relativo, observado ao swinging
flashlight test. Nesse caso, observa-se defeito aferente relativo no olho que tiver o maior defeito
de campo visual, já que muitas vezes o defeito campimétrico é incongruente, afetando mais um
dos olhos. No caso de hemianopsia homônima completa causada por lesão do trato óptico, ain
da assim observamos um defeito pupilar aferente relativo. Isto porque, no olho que apresenta a
hemianopsia temporal, haverá uma perda maior de aferência do que no olho que tiver a hemi-
nanopsia nasal (ou seja, haverá um defeito aferente relativo no olho da hemianopsia temporal).
Essa diferença decorre do fato de que um número maior de fibras é representado por fibras
cruzadas, quando comparadas às não cruzada; assim, o olho que perdeu o campo temporal (cor
respondente às fibras cruzadas) terá uma maior perda de aferência do que o olho que perdeu
o campo nasal. A presença de um defeito pupilar aferente relativo em um paciente com hemia
nopsia homônima é um sinal muito importante e auxilia no diagnóstico topográfico, já que, nas
demais estruturas da via óptica retroquiasmática, essas lesões não estarão presentes.
As alterações no campo visual nas lesões do trato são mais comuns do tipo hemianopsias
homônima parcial do que hemianopsias completa, e, em regra, são altamente incongruentes.
Como todos os defeitos de campo visual retroquiasmático, hemianopsia do trato óptico
unilateral não causa baixa da visão, a menos que a porção posterior do quiasma seja também
envolvida. A acuidade visual é normal mesmo em pacientes com hemianopsia homônima com
pleta, embora os pacientes tenham, muitas vezes, que “procurar” as letras situadas do lado da
hemianopsia (pela “divisão da fixação”).
Síndromes puras do trato óptico são incomuns, devido à proximidade com o quiasma óp
tico, hipotálamo, lobo temporal e tronco cerebral.
O envolvimento do trato ocorre nos adenomas da hipófise, aneurismas da artéria caróti
da interna, craniofaringiomas, gliomas do quiasma óptico e, ocasionalmente, em lesões que
ocupam o espaço periquiasmático. O trato óptico pode ser especialmente vulnerável quando
o quiasma é pré-fixado ou quando o tumor se expande posteriormente em direção à região su-
prasselar. Na prática, os diagnósticos diferenciais da síndrome do trato óptico são os mesmos
da síndrome quiasmática. Síndromes do trato óptico de natureza traumática ocasionalmente
acontecem, bem como decorrentes de lesões desmielinizantes, que podem ser encontradas
em autópsias em pacientes com esclerose múltipla, e que raramente são identificadas na clíni
ca. Doenças degenerativas, vasculares e desordens tóxicas não são consideradas importantes
etiologias.
Os pacientes com suspeita de lesões no trato óptico requerem investigações neurorradio-
lógicas, tais como a tomografia computadorizada ou a imagem por ressonância magnética de
crânio, ambas com a utilização de contraste. Esses exames na maioria das vezes irão mostrar
a extensão e a natureza das lesões. Arteriografia da artéria carótida ou vertebral e análise do
líquor são também necessárias em alguns casos.
Lesões que acometem o corpo geniculado lateral (CGL) são as mais raras entre as afecções da via
óptica. A suspeita dessas lesões baseia-se no tipo de defeito campimétrico apresentado associa
do ao padrão de perda da camada de fibras nervosas retinianas (CFNR) observado à oftalmosco-
pia, aos achados no exame das pupilas e aos achados neurológicos associados, como será apre
sentado. O estudo de imagem pela tomografia computadorizada ou pela ressonância magnética
tem a importante função de localizar a lesão e confirmar o diagnóstico. Entretanto, quando os
achados aos exames de imagem são discretos, tais como ocorre em pequenas lesões isquêmicas
do CGL, o diagnóstico pode ser difícil e a interpretação de achados aos exames de neuroimagem
pode depender fundamentalmente dos achados clínicos, incluindo o tipo de defeito campimétri
co. Lesões isoladas do CGL são raras, provavelmente devido à sua peculiar localização.
A identificação clínica da lesão do CGL baseia-se no tipo de defeito campimétrico, na
ausência de alteração nas reações pupilares e na identificação de perda da camada de fibras
nervosas da retina. Não há alteração nos reflexos pupilares, uma vez que as fibras envolvidas
no arco reflexo da pupila deixam a via óptica ao nível do trato óptico para estabelecer sinap-
ses com neurônios situados no mesencéfalo. No campo visual, além da hemianopsia homô
nima completa que pode ocorrer nas lesões mais graves, pode haver setoranopsia horizontal
1 9 6 I Neuroftalmologia
As radiações ópticas podem ser danificadas por lesões em diferentes locais, incluindo a cáp
sula interna, os lobos temporal e parietal. A cápsula interna é composta por todas as fibras
nervosas, que saem ou entram no córtex cerebral. O componente mais posterior da cápsula
interna é a radiação óptica. Interrupção nessa área causa hemianopsia homônima completa
contralateral, que é associada à hemianestesia contralateral pelo dano nas fibras talamocor-
ticais no braço posterior da cápsula interna. Outros achados incluem o desvio transitório dos
olhos para o lado da lesão e fraqueza dos músculos frontal e orbicular dos olhos contralateral
à hemiplegia. As causas mais comuns de lesões nessa área são as vasculares.
No lobo temporal, as fibras mais anteroinferiores formam a alça de Meyer, a qual contém
projeções das fibras retinianas inferiores que se espalham em direção ao polo do lobo tempo
ral. Lesão nessa região produz quadrantopsia homônima superior incongruente, contralateral
à lesão com preservação da fixação, que é denominada pie in the sky (Fig. 7). Danos no lobo
temporal anteriores à alça de Meyer não causam déficit visual. Lesões posteriores à alça pro
duzem um defeito hemianópico homônimo estendendo-se inferiormente.
Lesões vasculares no lobo temporal raramente produzem defeitos isolados, ao contrário das
lesões no córtex occipital. As radiações ópticas anteriores podem ser envolvidas por infarto na área
de irrigação da artéria coroidal anterior. Infarto no território da artéria cerebral posterior envolvem
o lobo temporal basal medial e tendem a afetar a memória temporária ou permanentemente; as
radiações ópticas são geralmente preservadas nesses casos. Na oclusão da artéria cerebral média
(usualmente por êmbolos), há dano generalizado nas radiações ópticas, e é difícil identificar um
componente do lobo temporal. Com a oclusão na artéria cerebral média esquerda, os pacientes
são afásicos e apresentam compreensão pobre, o que dificulta na realização do campo visual. Um
defeito hemianópico homônimo pode ser o único achado de exame nesses pacientes.
Manifestações não visuais por lesões no lobo temporal são comuns. Lesões bilaterais no
giro transverso de Heschel podem causar surdez cortical, usualmente associada a afasia; le
sões unilaterais podem causar distúrbio na audição e discriminação de sons contralaterais à
lesão. Se a lesão é no lobo temporal dominante, o paciente pode ter dificuldade para memo
rizar uma série de palavras faladas; se a lesão é no lobo temporal não dominante, o paciente
pode apresentar agnosia de audição.
Os tumores mais frequentes no lobo temporal são os gliomas primários, frequentemente cau
sando convulsões, que são tipicamente caracterizadas por mudança transitória do estado emo
cional, humor e no comportamento; são denominadas de crises parciais complexas ou epilepsia
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 197
Fig. 7 Quadrantanopsia homônima superior discretamente incongruente em paciente com tumor no lobo
temporal evidenciado à imagem por ressonância magnética (abaixo).
psicomotora. Outros sintomas incluem alucinação gustatória (quando afeta o giro uncinado), aluci
nações visuais formadas, afasia e sensação de déjà vu. As alucinações visuais do tipo formadas são
animadas (pessoas, animais) ou inanimadas (flores, árvores, prédios), e são quase sempre produ
zidas no hemicampo homônimo afetado. Esses pacientes podem apresentar uma quadrantopsia
superior (Fig. 8), congruente ou incongruente, ou uma hemianopsia homônima completa (Fig. 6).
Lesões no lobo parietal tendem a envolver as fibras superiores, resultando em uma qua
drantopsia homônima inferior contralateral ou pie on the floor. Lesões mais extensas envolvem
também o campo visual superior, mas o campo inferior é o mais afetado. Tais defeitos são mais
congruentes do que as lesões do lobo temporal. Lesões amplas podem produzir hemianopsia
homônima completa com divisão macular (Figs. 5 e 6), devido ao fato de todas as radiações
ópticas passarem através desse lobo.
Lesões no lobo parietal causam um defeito na atenção. No teste de confrontação simultâ
neo, há o fenômeno da extinção, ou seja, ao apresentarem-se simultaneamente dois estímu
los, por exemplo, movimentos dos dedos das mãos, os estímulos não são visíveis no CV afe
tado, mas previamente, com o teste de confrontação simples, esse mesmo objeto era visível
nesse mesmo campo afetado.
Os achados neuroftalmológicos, além das alterações de campo, incluem o sinal de Cogan,
que é o desvio conjugado dos olhos para cima e lateralmente, para o lado oposto da lesão,
1 9 8 I Neuroftalmologia
com o fechamento forçado das pálpebras. E encontrada também uma resposta anormal do
nistagmo optocinético, quando o alvo é movido em direção à lesão, havendo uma diminuição
ou ausência da resposta. A presença de uma resposta normal do nistagmo opctocinético e uma
hemianopsia homônima não é compatível com lesão no lobo parietal. Um distúrbio no reflexo
de fixação é suficiente para interferir na habilidade do paciente para ler e pode ocorrer antes
de outros sintomas. Esse distúrbio manifesta-se na realização do campo visual, onde o pacien
te não consegue manter a fixação, apesar das seguidas instruções e do aparente entendimento
destas. Outros tipos de distúrbio incluem negligência visual, agnosia visual e dificuldade de
reconhecimento das palavras.
A negligência visual é a não consciência da perda do campo visual, fenômeno que ocorre
mais comumente quando afeta o hemisfério cerebral não dominante (usualmente, o lobo pa
rietal direito), mas também pode ocorrer em pacientes com lesões no lobo parietal dominan
te. Lesões no lobo parietal dominante podem causar afasia, apraxia, agnosia, acalculia e agra-
fia. Lesões nesse lobo envolvendo o giro angular podem produzir a síndrome de Gerstmann
(agnosia dos dedos, desorientação direita-esquerda, agrafia e acalculia) em associação com
hemianopsia homônima à direita. Lesões no lobo parietal não dominante podem causar défi
cit na habilidade construcional, discalculia, inatenção e negligência. Lesões no lobo parietal
frequentemente afetam o senso espacial; o paciente pode estar desorientado em ambientes
previamente familiares ou na tentativa de ler mapas.
Oclusões vasculares na distribuição da artéria cerebral média são responsáveis por um
vasto número de síndromes do lobo parietal; outras causas frequentes são os tumores, espe
cialmente os gliomas, meningiomas e metástases.
Danos focais no lobo parietal ocorrem nos infartos, tumores metastáticos ou primários,
malformações arteriovenosas, feridas penetrantes e hipóxia.
As fibras das radiações ópticas, ao se aproximarem do lobo occipital, tornam-se mais pró
ximas, devido a essa proximidade anatômica entre as partes correspondentes entre as duas
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 1 9 9
aguda com ou sem preservação macular; posteriormente, após semanas ou anos, o paciente
desenvolve uma hemianopsia súbita no lado oposto. Após esse segundo evento, o paciente
torna-se amaurótico ou tem somente um campo visual central pequeno em torno da fixação.
Nos defeitos hemianópicos bilaterais, o campo visual parece gravemente constrito, e pode ser
confundido com uma doença retiniana ou do nervo óptico bilaterais, ou mesmo com uma perda
de campo não orgânica; para a diferenciação, o campo visual deve ser realizado, testando-se com
cuidado o meridiano vertical; os defeitos homônimos respeitam o meridiano vertical.
Um defeito homônimo quadrântico cruzado ocorre quando os pacientes desenvolvem um
defeito bilateral quadrântico, que afeta o lobo occipital superior acima da fissura calcarina,
de um lado, e o lobo occipital inferior abaixo da fissura do outro lado, e ocorrem com pouca
frequência, quase sempre por infartos consecutivos ou simultâneos.
Outras causas, como tumor, trauma, infarto ou, raramente, tumores afetando o lobo oc
cipital, podem produzir defeitos de campo altitudinal superior ou inferior bilaterais; causa
vascular produzem defeitos superiores e inferiores, e ferimento por arma de fogo, usualmente
defeito altitudinal inferior bilateral.
Cegueira cortical indica perda da visão em ambos os olhos por danos no córtex visual.
Cegueira cerebral indica que esse dano ocorre em qualquer parte das vias ópticas retrogeni-
culadas; então, a cegueira cortical é uma forma de cegueira cerebral.
Os achados essenciais são: 1) perda de visão em ambos os olhos; 2) presença do reflexo
pupilar à luz e da convergência (resposta para perto); 3) fundo de olho normal; e 4) movimen
tos extraoculares normais, a menos que haja dano nas estruturas oculares motoras.
Hipóxia ou anóxia envolvendo o lobo occipital é a causa principal de cegueira cortical.
Mais comumente, há um infarto no território da artéria cerebral posterior bilateral; inicialmen
te, o paciente não está consciente desse déficit, mas uma hemianopsia silenciosa contribui
para uma cegueira cortical completa, quando ocorre uma lesão contralateral. O mecanismo
mais comum de infarto cerebral é por êmbolos, provenientes do coração ou vaso proximais do
sistema vertebrobasilar. Hipotensão prolongada pode causar cegueira cerebral pelo infarto na
junção parietoccipital, devido à circulação terminal bilateral e sem colaterais (zonas watershed
ou “divisoras de água”) nessa área.
Cegueira cerebral é observada em várias outras circunstâncias, provavelmente devido à
insuficiência vascular. Essas circunstâncias são: endocardite bacteriana, transfusão sanguínea,
doença de Creutzfeldt-Jakob, doença da substância branca (adrenoleucodistrofia, leucodis-
trofia metacromática, leucoencefalopatia progressiva multifocal, doença de Schilder, doença
de Pelizaeus-Merzbacher), epilepsia, exposição ou ingestão de toxinas (ciclosporina, etanol,
chumbo, mercúrio, interferon, metotrexate, óxido nítrico, vincristina etc.), hipoglicemia, hi
pertensão maligna, elevação ou redução súbita da pressão intracraniana, toxemia gravídica,
meningite neoplásica ou infecciosa, trauma, uremia e ventriculografia.
Em certas situações, a cegueira cerebral é transitória, e isto ocorre nos pacientes com
insuficiência vascular no sistema vertebrobasilar, restabelecimento da pressão na crise hiper-
tensiva, remoção dos agentes tóxicos citados anteriormente e após o trauma.
A relação entre a cegueira cerebral e o potencial evocado visual (PEV) é confusa; pelo me
nos em adultos, o PEV não parece ser útil para estabelecer o diagnóstico ou o prognóstico.
O PEV em crianças com disfunção da função cerebral permanece controverso; alguns estudos
demonstram correlação e outros não.
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 201
Não é incomum que os pacientes com cegueira cortical neguem a sua cegueira; isto é
denominado de anosognosia ou síndrome de Anton. Essa síndrome acontece também em pa
cientes cegos por catarata, retinopatias ou atrofia do nervo óptico.
Lesões occipitais podem ainda ocasionar quadros sindrômicos incomuns, como a acroma-
topsia cerebral e a acinetopsia cerebral. Acromatopsia cerebral é um defeito incomum para
a percepção da visão de cores grave, causada por dano no córtex visual. Quando o paciente
retém alguma sensação residual para cores, é denominada de discromatopsia cerebral. Ambas
as situações podem ser sintomas presentes durante a recuperação da cegueira cortical. A cau
sa mais comum é a isquemia vertebrobasilar afetando a irrigação da artéria cerebral posterior
para o lobo occipital. Outras causas incluem encefalite por herpes simples, metástase cerebral,
ataques focais recorrentes e demência com envolvimento do córtex visual. Acromatopsia tran
sitória pode ocorrer como parte da aura da enxaqueca.
Exames de neuroimagem funcionais (tomografia por emissão de positrons e ressonância
magnética funcional) indicam que o setor ventromedial do lobo occipital no giro lingual e fusi-
forme é atingido nos pacientes com acromatopsia. Essa região é equivalente à área V4.
Ambos os hemisférios cerebrais processam as cores; então, para haver uma acromatopsia
completa, deve haver lesões de ambos os hemisférios. Lesões unilaterais produzem alterações
na visão de cores no hemicampo homônimo contralateral; nessas situações, é denominada de
hemiacromotopsia cerebral. A acromatopsia cerebral pode estar associada à quadrantopsia
homônima superior, agnosia visual e alexia adquirida.
Acinetopsia cerebral é o termo usado para descrever a completa perda da percepção para
movimentos, por uma lesão cerebral adquirida. A acinetopsia cerebral requer lesões bilaterais
afetando o córtex lateral temporoccipital, que é similar à área V5; defeitos sutis e assintomá-
ticos da percepção de movimentos podem ocorrer em lesões cerebrais unilaterais. A hemia-
cinetopsia não pode ser comumente detectada por causa do obscurecimento da percepção
do movimento, causada por uma hemianopsia homônima por danos nas radiações ópticas ou
córtex visual.
r
E rara na literatura, havendo somente dois casos bem descritos; a causa de um dos pacien
tes foi trombose do seio sagital superior, por infarto bilateral envolvendo o aspecto lateral das
áreas 18, 19 e 39 de Brodmann (occipital lateral, temporal média e giro angular). No segundo
paciente, a causa foi hemorragia hipertensiva aguda com lesões bilaterais na região occipito-
temporolateral.
Agnosia visual é uma condição rara caracterizada pela falha do paciente em reconhecer os
objetos que vê. Pacientes com agnosia visual deixam de reconhecer objetos com os quais an
teriormente eram familiarizados e não têm a capacidade de aprender a identificar novos obje
tos usando apenas a visão. O conceito a respeito de agnosia visual existe desde 1877, quando
Munk relatou os efeitos da ablação parcial do córtex visual em cachorros e observou que os
animais se comportavam como se pudessem ver, mas com incapacidade de reconhecer os ob
jetos ao seu redor. Munk denominou a isso “cegueira da mente”. Alguns anos depois, Lissauer
observou um paciente vítima de acidente vascular cerebral que tinha grande dificuldade em
2 0 2 | Neuroftalmologia
reconhecer objetos e faces além de uma hemianopsia direita. Assim que informações não vi
suais eram dadas ao paciente, no entanto, ele era capaz de fazer as identificações de maneira
adequada. Esse autor sugeriu que a “cegueira da mente” descrita por Munk pudesse ocorrer
em humanos. Algum tempo depois, Freud introduziu o termo agnosia, e, depois disso, a deno
minação agnosia visual foi aplicada à condição descrita por Lissauer.
Reconhecimento é a capacidade de extrair significado para uma sensação. Classicamen
te, as habilidades de reconhecimento podem ser separadas em percepção, a capacidade de
formar uma representação fiel do estímulo, e gnosis, a capacidade de ligar significado a essa
representação. Lissauer distinguiu entre defeitos no reconhecimento aperceptivos, nos quais
a percepção é defeituosa, e associativos, nos quais a percepção adequada do estímulo ocorre;
mas as conexões para associação no córtex eram danificadas, de tal modo que a percepção
visual não se relaciona com experiências passadas e, portanto, não tem sentido e não é reco
nhecida.
Embora esse conceito de classificar os pacientes com defeitos de reconhecimento (agno-
sias) nos dois tipos supradescritos seja válido, alguma superposição entre as formas de agnosia
aperceptiva e associativa quase sempre existe. É frequente, por exemplo, que pacientes com
defeitos associativos não tenham uma percepção visual completamente normal. Acredita-se
que a agnosia visual ocorra pela lesão do córtex visual de associação ou das conexões na
substância branca entre córtex visual de associação e outros centros corticais relacionados à
memória e linguagem.
O termo agnosia visual é utilizado de forma relativamente ampla, indicando a dificuldade
na interpretação pelo indivíduo de uma imagem que ele é capaz de ver. Esta pode ser dividida
em várias condições específicas, sendo as principais a alexia sem agrafia, a prosopagnosia e a
simultaneognosia.
compreender as palavras faladas, pode escrever normalmente e não é afásico. Apenas a cone
xão entre a área visual e a área da linguagem é que se mostra alterada.
O quadro típico da alexia sem agrafia é o do paciente que é capaz de ver e ler as letras indi
viduais, mas não as palavras. Portanto, lendo cada uma das letras, o paciente consegue visibi-
lizar rapidamente até mesmo optotipos muito pequenos. Alexia sem agrafia mais comumente
decorre de enfartes no território da artéria cerebral posterior, embora outras causas também
possam estrar implicadas. Geralmente ocorre junto com hemianopsia homônima direita, em
bora muito raramente possa ocorrer em pacientes com campo visual normal.
Prosopagnosia
A agnosia visual pode afetar a identificação de todas as classes de objetos, mas existem formas
mais restritas de agnosia, sendo a mais importante delas a prosopagnosia, na qual os pacien
tes não são capazes de reconhecer as faces de pessoas previamente familiares e nem de apren
der a reconhecer faces novas. A sua manifestação mais impressionante é aquela do paciente
que não é capaz de reconhecer a própria face no espelho. Como a capacidade de reconhecer
faces é muito importante na vida diária, a prosopagnosia representa um handicap social consi
derável, e os pacientes geralmente têm consciência da sua deficiência.
Prosopagnosia ocorre quase sempre devido a lesões extensas e bilaterais do córtex occipi
tal mesial, geralmente resultante de acidente vascular cerebral, hipóxia ou trauma.
Simultaneognosia
Simultaneognosia é um termo usado para se referir a uma condição na qual o paciente é
incapaz de reconhecer ou abstrair sentido de um conjunto de estímulos (p. ex., uma figura)
embora os detalhes (elementos individuais) sejam vistos de maneira correta. O paciente com
simultaneognosia pode reconhecer e descrever elementos específicos que compõem o estí
mulo, mas não pode integrar tais elementos para obter o reconhecimento da figura. A condi
ção envolve um defeito na atenção visual e é vista algumas vezes em combinação com o que
é chamado de paralisia psíquica do olhar, uma condição na qual existe uma incapacidade de
olhar voluntariamente para a periferia do campo visual. Pode também ocorrer juntamente com
o que se chama ataxia óptica, uma dificuldade ou incapacidade de responder manualmente
a estímulos visuais, o que resulta em localização errônea quando aponta ou tenta pegar um
alvo visual. Os três defeitos, simultaneognosia, paralisia psíquica do olhar e ataxia óptica, são
chamados em conjunto de síndrome de Balint. Embora os três tendam a ocorrer em conjunto,
podem também ocorrer separadamente.
Nos pacientes com simultaneognosia, os campos visuais podem ser normais quando
testados através da perimetria normal. Embora seja um evento raro, a síndrome de forma com
pleta é significativa por ser um dos melhores exemplos da agnosia aperceptiva.
exame rotineiro, incluindo acuidade visual, oftalmoscopia e exame do campo visual, deve ser
suplementado com algumas manobras simples, tais como:
1. Ler um parágrafo de um jornal. Essa tarefa servirá para detectar a maioria dos pacientes com
alexia.
2. Copiar um desenho linear. Desse modo, a maioria das alterações perceptuais serão evidenciadas.
3. Pedir para fazer uma descrição detalhada daquilo que o paciente vê quando explora um objeto ou
cena. Essas tarefas evidenciarão melhor uma alteração na percepção.
4. Identificarfotos de personagens famosos. Isto irá evidenciar a maior parte dos prosopagnósicos.
Quando esses testes de screening dão uma sugestão de que uma alteração de alta ordem
está presente, o paciente deve ser melhor avaliado por um neurologista, neuroftalmologista
ou neuropsicólogo. Embora a cura muitas vezes seja difícil nesses casos, o diagnóstico correto
pode trazer grande alívio e melhor compreensão do problema de tal modo a reduzir os cons
trangimentos do paciente.
BIBLIOGRAFIA
Glaser JS. Topical diagnosis: retrochiasmal visual pathways and higher cortical functions. In: Tasman W, Jaeger EA (eds.).
Duane's Clinical ophthalmology, Philadelphia: Lippincotrt, 1990; V. 2, Chap. 7, p. 5-16.
Kedar S, Zhang X, Lynn MJ, Newman NJ, Biousse V. Congruency in homonymous hemianopsia. Am J Ophthalmol, 2007;
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Kline LB, Arnold AC, Eggenberger E etal. Neuro-ophthalmic anatomy. In: Kline LB, Arnold AC, Eggenberger E etal. Neu-
ro-opthhalmology. San Francisco: American Academy of Ophthalmology, 2005-6, p. 28-31.
Miller NR, Newman NJ. Topical diagnosis of chiasmal and retrochiasmal lesions. In: Miller NR, Newman NJ.The essentials -
clinical neuro-ophthalmology Walsh & Hoyt's, 5th ed. Philadelphia: Lippincott Willians &Wilkins, 1999; p. 344-68.
Miller NR, Newman NJ. Central disorders of visual function. In: Miller NR, Newman NJ.The essentials - clinical neu
ro-ophthalmology Walsh & Hoyt's, 5th ed. Philadelphia: Lippincott Willians &Wilkins, 1999; p. 369-408.
Rizzo M, Barton JJS. Central Disorders of Visual Function. In: Miller NR, Newman NJ (eds.). Walsh and Hoyt's Clinical Neu
ro-Ophthalmology, 1998; Vol. 1,Chap. 9, p. 387-483.
Alterações Pupilares
INTRODUÇÃO
Neste capítulo será feita uma breve revisão da anatomia, fisiologia e farmacologia da pupila,
em seguida abordada a semiologia da pupila e, por fim, apresentadas as principais anormali
dades pupilares.
ANATOMIA E FISIOLOGIA
A pupila é o orifício circular situado no centro da íris e contornado pelo músculo circular (es-
fíncter da pupila) e por fibras musculares radiais (o músculo radial da íris). Esses dois músculos
são derivados do ectoderma neural. O músculo dilatador insere-se na raiz da íris, de onde se
estende até uma área a aproximadamente 2 mm da margem pupilar. Já o esfíncter da íris tem
fibras circunferenciais, é mais superficial no estroma iriano e ocupa uma área de 2 a 4 mm
da margem pupilar. A interação dos dois músculos e do tecido iriano define, a cada momen
to, o diâmetro pupilar. A excursão da pupila pode ser muito grande. Quando contraída ao
máximo, o diâmetro pupilar pode ser menor do que 1 mm; quando dilatada ao máximo, por
outro lado, pode ser maior do que 9 mm. O diâmetro da pupila tende a aumentar duran
te a infância, atingindo o máximo na adolescência para depois, diminuir progressivamente
na velhice.
A pupila é um indicador dinâmico tanto da função motora da íris como da função visual,
incluindo a retina e a via óptica. Os mecanismos neurais que controlam sua reatividade são
altamente complexos e incluem os controles eferente e aferente.
O reflexo pupilar à luz é mediado por fotorreceptores indistinguíveis dos cones e basto-
netes que fornecem a visão. Não se sabe se os axônios que fazem o arco reflexo pupilar são
os mesmos que fornecem a informação visual ou se são diversos. A sensibilidade retiniana ao
205
2 0 6 I Neuroftalmologia
estímulo luminoso é paralela àquela da visão, sendo um estímulo mais intenso o produzido na
retina central em relação à retina periférica. As fibras relacionadas ao reflexo pupilar prosse
guem na via óptica até o trato óptico, quando então o deixam para estabelecer sinapse com a
via eferente situada no mesencéfalo.
Esquerdo
Mesencéfalo
Fig. 1 Representação diagramática da via neural para o reflexo pupilar à luz. A porção sensorial (na parte
superior) inclui o nervo óptico (NO), quiasma (Q), trato óptico (TO), corpo geniculado lateral (CGL). No início
do arco motor (parte inferior), encontram-se o núcleo de Edinger-Westphal (EW, ou núcleo acessório do ner
vo oculomotor) seguido pela substância negra (SN), núcleo rubro (NR), pedúnculo cerebral (PC), nervo ocu
lomotor (III), gânglio ciliar (GC) e nervos ciliares curtos (NCC). (Reproduzido com autorização do Prof. John A.
McCrary. Assessment of pupillary abnormalities. In : Glaser JS, Smith JL. Neuro-Ophthalmology. St. Louis:
Mosby, 1997; 8(12):237.
2 0 8 I Neuroftalmologia
SEMIOLOGIA DA PUPILA
A pupila é o orifício circular situado no centro da íris, contornado pelo músculo esfíncter da
pupila e por fibras musculares radiais, o músculo radial da íris. A interação dos dois músculos
e do tecido iriano define o diâmetro pupilar. O diâmetro pupilar varia sensivelmente, desde
1,5 mm até 8 a 9 mm. O diâmetro geralmente atinge o máximo na adolescência e tende a
reduzir-se com a senilidade. O exame das pupilas envolve a análise da função do nervo óptico
(sistema aferente), assim como a do nervo oculomotor e via simpática ocular (eferência). À
inspeção, observamos se as pupilas são isocóricas ou não. Assimetrias no tamanho das pupilas
podem ser fisiológicas, quando pequenas (anisocoria central), ou secundárias a lesão do siste
ma de controle pupilar eferente.
A semiologia da pupila pode ser clínica ou auxiliada por equipamentos que permitem estu
dos minuciosos das funções pupilares: os pupilômetros. Na clínica diária, no entanto, utilizamos
um foco de luz adequada (de preferência, o transiluminador escleral), exame em diferentes níveis
de iluminação do consultório, instrumento de medição do diâmetro pupilar (régua milimetrada
ou tabela com pupilas de diferentes tamanhos para comparação) e o exame à lâmpada de fenda.
Podem ser também muito úteis o exame de fotos antigas do paciente e o uso de máquinas foto
gráficas, particularmente aquelas que tiram fotografia sob iluminação infra-vermelha.
Os dados de anamnese são importantes, especialmente nos casos de midríase. Deve ser
questionado o contato com substâncias que possam ter ação parassimpatolítica, ocasionando
midríase. O exame de fotos antigas pode ser necessário, especialmente quando se quer com
provar a existência de anomalia pupilar antiga.
As pupilas devem ser examinadas em diferentes níveis de iluminação (claro, luz de mé
dia intensidade e na obscuridade). Também devem ser avaliadas as reações pupilares direta e
Alterações Pupilares | 2 0 9
consensual à luz. Para o exame do reflexo pupilar à luz, pedimos ao paciente para fixar ao longe,
e então o foco de luz é dirigido à pupila. Uma pupila com resposta intacta irá responder de for
ma consistente cada vez que a pupila é iluminada. É importante registrar o tamanho da pupila
e anota-lo separadamente para cada olho. Em seguida, proceder à avaliação da presença ou não
de defeito pupilar aferente relativo. Esse item da semiologia é extremamente importante. Após
a verificação da reação à luz, alterna-se o foco de luz de um olho para o outro (também chamado
“swinging flashlight test”). Desse modo, observa-se a contração alternada das duas pupilas, com
parando-se a aferência de cada uma delas. A presença de contração menor, quando se estimula
um dos olhos, indica a presença de um defeito pupilar aferente relativo (do olho acometido em
relação ao olho normal). O defeito aferente relativo geralmente é graduado em cruzes, mas pode
também ser quantificado de maneira mais acurada com o uso de filtros de densidade neutra.
As reações pupilares à luz devem ser cuidadosamente pesquisadas. A presença de reflexo
fotomotor indica integridade da porção aferente do arco reflexo pupilar e que envolve os ele
mentos da retina, nervo óptico, quiasma óptico, bem como da, porção anterior do trato óptico
e do braço eferente do reflexo que envolve o nervo oculomotor. Ao se incidir a luz sobre um
dos olhos verifica-se, depois de curto período de latência, a contração da pupila (miose) do
mesmo olho estimulado (reflexo fotomotor direto), assim como contração, simultânea e de
mesma amplitude, da pupila do olho contralateral não estimulado (reflexo fotomotor consen
sual). A contração da pupila é mediada pelo impulso luminoso, o qual é conduzido pela retina,
nervo óptico, quiasma, trato óptico, mesencéfalo até o núcleo parassimpático do oculomotor,
que ocasiona a constrição pupilar. A constrição também ocorre após um esforço na focalização
para perto. Já a dilatação pupilar é mediada pelo sistema nervoso simpático que leva à estimu
lação do músculo dilatador da íris.
A maneira mais sensível de avaliar a presença ou não de um defeito pupilar aferente é
através da comparação da reação pupilar à luz dos dois olhos, usando o “swinging flashlight
test". Normalmente, ambas as pupilas se contraem quando a luz é apresentada a um olho. Se
um flash de luz é apresentado a um olho e rapidamente movido para o contralateral, as pupi
las devem permanecer aproximadamente do mesmo tamanho ou se contrair levemente. Essa
constrição ocorre porque as pupilas se dilatam quando a luz passa de um olho para o outro. Se
uma lesão interfere com a condução de luz de um olho para o outro, a pupila se dilata quando
o foco luminoso se move do olho normal para o anormal.
Quando a resposta pupilar ao estímulo para perto (sincinesia acomodação-convergência)
é pesquisada, os pacientes devem ser solicitados para fixar um ponto distante, e logo em se
guida, um objeto próximo ou o próprio dedo situado a aproximadamente 15 cm do nariz. De
vido à sensação proprioceptiva da própria extremidade, a resposta para perto pode ser obtida
mesmo em pacientes que são cegos ou têm baixa visão. Quando a resposta pupilar ao estímulo
para perto é rápida e a pupila reage pobremente à luz, dizemos que existe uma dissociação
luz-perto. Por outro lado, o oposto, ou seja, a pupila contrair melhor à luz do que ao estímulo
para perto, não tem significado maior, uma vez que a resposta para perto é muito dependente
do esforço e cooperação do paciente.
O exame pupilar deve observar também a presença ou não de anisocoria, que pode ser
causada por lesão da pupila maior (déficit na contração) ou na pupila menor (dificuldade na
dilatação). A anisocoria pode também ser fisiológica, quando a diferença de tamanho das pu
pilas se mostra semelhante em diferentes níveis de iluminação.
2 1 0 | Neuroftalmologia
ANORMALIDADES PUPILARES
Pupila amaurótica
Um olho com pupila amaurótica não tem função visual, ou seja, não existe percepção à luz. É
importante reconhecer uma pupila amaurótica porque, em muitos casos, pode haver discre
pância entre a visão informada pelo paciente e outras características do exame oftalmológi
co. Uma pupila amaurótica tem que preencher os seguintes critérios: 1) a pupila não reage
ao estímulo direto da luz; 2) quando a luz e apresentada ao olho afetado, não há resposta
Alterações Pupilares | 211
consensual à luz e a pupila do olho contralateral não se contrai; 3) quando a luz é dirigida ao
olho contralateral, existe uma resposta direta à luz normal; 4) quando a luz é apresentada ao
olho contralateral, o olho com a pupila amaurótica mostra boa resposta e constrição normal
da pupila. Essas características garantem que o defeito pupilar é aferente e não há acometi
mento do sistema de controle eferente da pupila.
Anisocoria essencial
Certa proporção de indivíduos normais apresenta anisocoria. A incidência de anisocoria é va
riável, dependendo do método de exame utilizado. Desse modo a incidência varia, chegando
a atingir 20 a 40% dos indivíduos quando se examina a pupila com pupilômetros. A anisocoria
fisiológica costuma ser pequena, ou seja, menor que 0,5 mm. Caracteristicamente, a anisocoria
se mantém em diferentes níveis de iluminação, ou seja, a pupila maior se mantém proporcional
mente maior no escuro ou no claro (Figs. 2 A-D). Da mesma maneira, a pupila maior continuará
proporcionalmente maior durante a sinsinecia acomodação-convergência. Os reflexos fotomoto-
res são normais, assim como o exame da motilidade ocular e da posição palpebral. A anisocoria
pode ocasionalmente oscilar ao longo dos dias, desaparecer e reaparecer num mesmo indivíduo
e inverter entre os olhos. Desse modo a anisocoria fisiológica ou central deve ser identificada
facilmente devido ao fato de as reações à luz e para perto serem normais, além de não haver
alterações nos movimentos oculares. A diferença relativa entre as pupilas é constante em dife
rentes níveis de iluminação, diferentemente da síndrome de Horner, quando a anisocoria aumen
ta na penumbra. Apesar disso, quando o paciente apresenta discreta ptose por outra causa (p.
ex., ptose senil), a ocorrência de anisocoria fisiológica pode causar confusão com síndrome de
Horner. Quando a distinção é difícil, pode ser feito o teste farmacológico usando agentes do tipo
colírio de cocaína para separar a anisocoria fisiológica da lesão do simpático ocular.
Alguns pacientes com anisocoria fisiológica antiga, podem descobrir a sua presença de
maneira ocasional. Nesses casos, o exame de fotos antigas (com magnificação) pode auxiliar
na determinação da sua existência prévia.
Pupila de Argyll-Robertson
Condição observada tipicamente na tabes dorsalis e, menos frequentemente, em outras formas
de neurossífilis (sífiles terciária). É bastante rara nos dias de hoje, e tipicamente se mostra as-
sintomática. Também foi descrita em várias outras doenças, incluindo a encefalite, esclerose
múltipla, tumores infiltrantes do mesencéfalo e diabetes.
As pupilas de Argyll-Robertson verdadeiras são pequenas, geralmente desiguais e sem
uma resposta à luz. Nos casos típicos, elas respondem à acomodação, embora a reação possa
ser tão discreta a ponto de ser difícil observá-la. Apresenta, portanto, dissociação luz-perto, já
que não responde à luz e contrai de forma adequada para perto. A visão é tipicamente normal.
A pupila de Argyll-Robertson se dilata pouco ou nada na escuridão e com o uso de midriáticos.
A anomalia é mais comumente bilateral, embora tenham sido encontrados casos unilaterais.
Ocasionalmente, também se encontram pupilas não reativas dilatadas em pacientes luéticos;
a rigor, elas não são tipicamente de Argyll-Robertson e talvez seja melhor designá-las simples
mente como “pupilas luéticas”. Não se sabe ao certo a patogenia da pupila de Argyll-Robertson,
provavelmente; a lesão responsável é rostral ao núcleo oculomotor.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causas de dissociação luz-perto, in
cluindo casos com neuropatia óptica ou retinopatia grave bilateral, a síndrome de Parinaud e
a pupila tônica de Adie bilateral.
Hipotálamo
Fig. 5 Vias oculossimpáticas. Essa via de três neurônios projeta-se do hipotálamo à coluna intermédio-la
teral da medula espinal. Depois, atinge o gânglio cervical superior simpático, a pupila, o músculo liso das
pálpebras, as glândulas sudoríparas da cabeça e face. (Reproduzido com autorização do Prof. Robert O. Mes
sing. Nervous system disorders. In : McPhee SJ e t o l . A. Orlando: Lange Medical Book. Pathophysionecticut:
Prentice-Hall International, 1995; p. 89.)
2 1 6 | Neuroftalmologia
DIFERENCIAL DA ANISOCORIA
Existem várias condições que podem causar anisocoria. Além de alterações locais da íris, como
rupturas de esfíncter iriano, sinequias e atrofias irianas, a diferença no tamanho das duas pupi
las pode decorrer em três situações principais: 1) anisocoria fisiológica ou essencial; 2) aniso
coria por lesão parassimpática pré-ganglionar (nervo oculomotor) ou pós-ganglionar (pupila de
Adie, bloqueio medicamentoso); ou 3) anisocoria por paralisia simpática (síndrome de Horner).
Na anisocoria fisiológica ou central, como já mencionado, a diferença entre as pupilas é
geralmente pequena (menor que 0,5 mm) e se mantém proporcionalmente em diferentes ní
veis de iluminação. Assim, por exemplo, o olho com a pupila maior, sob iluminação normal da
sala, permanece maior na obscuridade e sob iluminação intensa. Além disso, são normais as
funções visuais, as reações pupilares à luz e a sincinesia acomodação-convergência. Também
são normais o posicionamento palpebral e os movimentos extrínsecos dos olhos.
Na anisocoria por paralisia parassimpática, a pupila maior é a anormal. Dessa maneira a
anisocoria aumenta no claro (quando a ausência de resposta à luz se mostra evidente). A pu
pila não responde a nenhum estímulo fotomotor nem à sincinesia acomodação-convergência.
No caso da lesão pré-ganglionar, por acometimento do nervo oculomotor, observamos outros
sinais, como ptose, paresia de adução, elevação ou abaixamento (que podem ser completos
ou incompletos). Na lesão pós-ganglionar (pupila tônica) ocorrem midríase e deficiência na
acomodação. A anisocoria varia em diferentes níveis de iluminação. A pupila anormal quase
não reage à luz e é muito lenta ao se contrair para o estímulo de acomodação-convergência.
r
E também muito lenta para se redilatar após a retirada do estímulo para perto. A pupila se
mostra hipersensível a colírios colinérgicos fracos. Na anisocoria por paralisia parassimpática
decorrente de bloqueio medicamentoso, o paciente pode saber do uso do colírio e, nesse
2 1 8 I Neuroftalmologia
caso, o diagnóstico é fácil. No entanto, certas vezes o indivíduo desconhece a substância que
contaminou sua mão ou o agente que utilizou, e a anisocoria pode surgir como um problema
diagnóstico. A pupila não responde a nenhum estímulo e a acomodação está comprometida.
Não há alteração palpebral nem da motilidade ocular. O uso de colírios colinérgicos fracos, ou
mesmo a pilocarpina a 0,5%, não provoca contração pupilar devido ao bloqueio pelo agente
midriático. Depois de algumas horas ou dias, o efeito desaparece, a não ser que a atropina
tenha sido utilizada, quando a midríase pode durar muitos dias.
Na anisocoria por paralisia oculossimpática ocorrem miose e discreta ptose palpebral. A
anisocoria aumenta na penumbra (uma vez que a pupila acometida não se dilata bem no es
curo). A pupila responde a todos os estímulos luminosos e a acomodação-convergência, mas
tem redilatação lenta após a retirada do estímulo luminoso. Em casos de dúvida, pode ser
utilizado o colírio de cocaína, que evidencia a síndrome de Horner, uma vez que a pupila aco
metida não se dilata adequadamente após a instilação desswa medicação.
BIBLIOGRAFIA
Slamovits TL, Glaser JS. The pupils and accommodation. In: Tasman W, Jaeger EA (eds.) Duane's Clinical Ophthalmology.
Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkins, 1998; vol. 2, chap. 15, p. 1-28.
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Thompson JS, Corbett JJ, Cox TA. How to measure the relative afferent papillary reflex. Suv Ophthalmol, 1981 ; 26:39.
try
INTRODUÇÃO
Os movimentos oculares são necessários para auxiliar o sistema visual aferente a obter a me
lhor visão possível do meio ambiente. Essa função é propiciada pelos movimentos oculares,
que são: o movimento de seguimento, o movimento sacádico, o reflexo vestíbulo-ocular e o
movimento de vergência. Existe ainda o chamado reflexo optocinético, que também pode ser
considerado um tipo de movimento ocular.
As imagens devem ser mantidas estáveis na retina quando movimentamos a cabeça. A fun
ção de neutralizar movimentos rápidos da cabeça é feita pelo reflexo vestíbulo-ocular (RVO).
O RVO faz com que os olhos se movam simultaneamente na direção oposta e, numa mesma
proporção, do movimento de cabeça.
219
220 | Neuroftalmologia
O reflexo optocinético é outro meio pelo qual o sistema nervoso compensa os movimen
tos de cabeça. Esse reflexo mantém uma imagem estável, quando os movimentos de cabeça
são lentos, e o impulso sensorial para o reflexo é fornecido pelo sistema visual. O sistema op
tocinético pode ser ativado quando um indivíduo visualiza um tambor rotativo pintado com
tiras verticais.
Outras funções importantes dos movimentos oculares são aquelas de redirecionar a
linha de visão e manter o objeto de interesse na fovea. Uma vez que a imagem é vista com
melhor resolução na fovea, é necessário que os olhos se movam de tal forma a direcionar
a linha de visão propiciando que a imagem seja formada na fovea e possibilitando que ela
se mantenha nessa região. Isso é feito com os movimentos sacádicos, de seguimento e de
vergência.
Um movimento rápido é um movimento ocular estereotipado que permite que um alvo
visual seja centralizado sobre a fovea. Os movimentos rápidos podem ser feitos voluntaria
mente, ou podem ser uma parte de vários reflexos. A velocidade de um movimento rápido
é muito rápida para o processamento visual. Assim, nenhum feed-back visual ocorre durante
o movimento. Os movimentos rápidos são corrigidos por movimentos rápidos menores que
ocorrem após uma grande mudança inicial na posição do olho.
O movimento de seguimento lento enseja que os olhos permaneçam fixos num alvo visual
em movimento, embora a cabeça possa estar parada.
O sistema de vergência permite que os dois olhos convirjam ou divirjam, permitindo a
fixação dos olhos sobre objetos próximos ou distantes e sobre objetos que se aproximam ou
se movem para longe. Durante os movimentos de convergência, ocorrem a constrição pupilar
e a acomodação da lente para a visão próxima.
Os movimentos oculares podem ser classificados em conjugados ou não conjugados e rá
pidos ou lentos. Os movimentos conjugados rápidos são representados pelos movimentos sa
cádicos e pela fase rápida do nistagmo optocinético. Os movimentos conjugados lentos são os
movimentos de seguimento e o reflexo vestíbulo-ocular. Os movimentos não conjugados são
os movimentos de vergência. Existem diferentes tipos de movimentos sacádicos, que podem
ser intencionais, reflexos ou espontâneos. As sacadas intencionais e reflexas podem ainda ser
subdivididas em tipos diferentes, como pode ser resumido no Quadro 1, a seguir, que lista os
principais movimentos oculares.
Cada um dos diferentes tipos de movimentos oculares tem controles em áreas distintas
do sistema nervoso central, que serão discutidas a seguir. Esses centros de controle, por sua
vez, projetam impulsos para estruturas do tronco encefálico que são os centros do olhar con
jugado vertical e horizontal. A partir desses centros, a informação atingirá, por diferentes vias,
os núcleos dos nervos oculomotor, abducente e troclear para então, após passar pela junção
mioneural, inervar os músculos extraoculares e propiciar o movimento dos olhos.
Alterações do sistema visual eferente são divididas em alterações supra-nucleares, inter-
nucleares e infranucleares. As alterações supranucleares acometem os centros de controle aci
ma dos núcleos dos nervos oculomotor, troclear e abducente, e as infranucleares são as que
acometem ao nível desses núcleos, nos nervos, na junção neuromuscular, ou nos músculos
extraoculares. A oftalmoplegia internuclear por sua vez, caracteriza-se pelo acometimento
do sistema visual eferente entre os núcleos dos nervos abducente e oculomotor, ou seja, uma
lesão que acomete o fascículo longitudinal medial.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 221
(Modificado de: Pierrot-Deseilligny, C. Saccade and Smooth-pursuit impairment after cerebral hemispheric lesions. Eur Neurol., 1994;
34;121-134).
Estruturas supranucleares
Os movimentos oculares depedem de estruturas corticais, dos gânglios da base, do tálamo e
do colículo superior. Dependem ainda de centros de controle dos movimentos conjugados si
tuados no tronco encefálico, do sistema vestíbulo-ocular e do cerebelo. Diferentes estruturas
estão envolvidas no controle dos movimentos sacádicos, do seguimento lento e do reflexo
vestíbulo-ocular.
Sistema sacádico
Um importante centro de controle sacádicos situa-se no lobo frontal, que rege os movimentos
oculares voluntários executados espontaneamente ou sob ordem. Está situado na área oculo-
motora frontal: áreas 8, a P 5, parte inferior da área 6 e parte posterior da área 9 (Fig. 1). Exis
te uma relação importante entre a área 8, o colículo superior e o sistema reticular do tronco
encefálico.
Na área 8 situa-se o chamado campo ocular frontal (frontal eye fields), uma importante área
de controle dos movimentos sacádicos. Existe ainda, na região, frontal, outra área envolvida
com os movimentos sacádicos, que são os campos oculares suplementares (supplemental eye
fields), localizados na região dorsomedial do giro frontal superior e que recebem impulsos do
2 2 2 I Neuroftalmologia
Fig. i Face superolateral de um hemisfério cerebral. Áreas de localização funcional. Os números estão to
mados do mapa citoarquitetônico de Brodmann.
campo ocular frontal. A resposta mais frequente à estimulação do campo ocular frontal consis
te no desvio conjugado dos olhos para o lado oposto (o paciente olha para o lado oposto da
área de estimulação), mostrando sua importância no controle desses movimentos.
Os movimentos sacádicos são movimentos complexos e de vários tipos. O seu controle
neural não é completamente conhecido. Acredita-se que os campos oculares frontais sejam
responsáveis pelas sacadas voluntárias e os campos oculares suplementares auxiliem na pro
gramação das sacadas já conhecidas, ou seja, aqueles referentes a movimentos previamente
aprendidos. As estruturas neurais corticais frontais projetam impulsos para o colículo superior,
os gânglios da base e outras estruturas do tronco encefálico envolvidas na geração das saca
das. Assim, os movimentos rápidos dos olhos originam-se na área 8 contralateral e dirigem-se
por vias corticofugais complexas que se decussam no mesencéfalo e atingem a formação re
ticular do tronco encefálico, no mesencéfalo e na ponte, onde estão situados importantes
agrupamentos celulares, que são os centros do olhar conjugado vertical (no mesencéfalo) e
horizontal (na ponte).
Projeções corticais para o colículo superior relacionadas às sacadas também surgem do
córtex parietal posterior, outra área envolvida no controle dos movimentos sacádicos e que se
acredita serem importantes nas sacadas reflexas, guiadas pelo olhar.
Os movimentos oculares rápidos, originários dos lobos frontais, encontram-se sob contro
le voluntário. São utilizados para alterar a fixação para outro objeto ou para reaver a fixação,
caso esta tenha sido perdida por algum motivo. Normalmente, são muito exatos, sobretudo se
esses movimentos rápidos centram novamente os olhos a partir de uma posição excêntrica. Os
movimentos rápidos são testados de modo mais adequado quando se coloca um objeto cen
tralmente e outro a 30° excentricamente, à direita, à esquerda, para cima e para baixo. Esses
movimentos apresentam uma latência de 200 ms e uma velocidade de 700°/s.
Embora os centros de controle corticais tenham a mesma origem, a via final comum para
a geração de sacadas difere para os movimentos verticais ou horizontais. Assim, a via final
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 2 3
comum para o olhar vertical (olhar para cima e para baixo) situa-se na região pré-tectal do me-
sencéfalo, e lesões nessa área afetam o olhar vertical voluntário e reflexo. Um agrupamento
de células da formação reticular do tronco encefálico, denominado núcleo rostral do fascículo
longitudinal medial, contém neurônios fásicos (burst neurons) para os movimentos verticais, e
representa o centro do olhar conjugado vertical. Por outro lado, um agrupamento de células
no núcleo do nervo abducente e na formação reticular pontina paramediana (FRPP) representa
o centro do olhar conjugado horizontal (Fig. 2).
Do ponto de vista biomecânico, sabe-se que os movimentos sacádicos comandados pelas
estruturas supra mencionadas consistem em impulsos neurais formados por um “pulso” e um
“degrau.” Para modificar a posição do olho, o centro do olhar emite uma sequência rápida de
sinais nervosos (o pulso), resultando em deslocamento rápido do olho para a nova posição.
Esse sinal rápido é integrado no gerador de pulsos e degraus (um complexo neuronal locali
zado dentro do centro do olhar), resultando em aumento de descarga tônica (o degrau) capaz
de manter o olho na nova posição. Resposta semelhante ocorre no agonista do olho oposto,
enquanto o relaxamento dos antagonistas é promovido por impulsos recíprocos. Essas altera
ções são reveladas pelo traçado eletromiográfico dos diversos nervos. O gerador de pulsos e
degraus (pulse-step generator) é um mecanismo fisiológico que existe no centro do olhar conju
gado horizontal ao nível da ponte.
Campo ocular
frontal esquerdo Olhar
voluntário
para a
\ direita
Nervo oculomotor —
Núcleo do nervo
oculorrçotor
f
t
Fascículo longitudinal
medial X
/
/
Formação reticular
pontina paramediana
r
V
\ Nervo
V
N: abducente
V
\ Núcleo
do nervo
abducente
Fig. 2 Vias neuronais para o olhar horizontal. (Figura reproduzida com autorização do Prof. Robert O. Mes
sung. Nervous System Disordens. In : McFhee SJ e t a l . Phathophysiology of disease. An introduction to clinical
Medicine. London: Prentice-Hall International Inc. Appleton & Lange, 1995; p. 88.)
2 2 4 | Neuroftalmologia
0 pulso é gerado por neurônio de excitação rápida ou fásica (burst neurons). Para os mo
vimentos horizontais rápidos, os neurônios de excitação rápida estão localizados, como já
mencionado, na FRPP. Os neurônios para os movimentos verticais rápidos estão localizados no
núcleo rostral intersticial do fascículo longitudinal medial (considerado o centro do olhar con
jugado vertical), localizado no teto do mesencéfalo, rostral ao núcleo do nervo oculomotor.
Esse sistema de controle neural das sacadas exibe ainda uma maior complexidade, já que
existem ainda outros tipos neuronais envolvidos. Assim, os neurônios de fase rápida (burst
neurons) são mantidos em repouso pelos neurônios de pausa (pause neurons) localizados na
linha mediana na parte caudal de ponte. Quando um movimento rápido é liberado em sinal
de “gatilho” , inibe os neurônios de pausa, liberando assim os neurônios de fase rápida para
criar o pulso. A descarga da fase é gerada do pulso por um integrador neural que “integra”, no
sentido matemático, o pulso. O integrador neural para o olhar horizontal está localizado no
núcleo vestibular medial e no núcleo prepositus hypoglossi, o qual se localiza medialmente aos
núcleos vestibulares. O integrador para o movimento vertical dos olhos localiza-se no núcleo
intersticial de Cajal, localizado caudalmente ao núcleo intersticial rostral do fascículo longitu
dinal medial (FLM), no mesencéfalo.
Tronco encefálico
Os centros de controle corticais das sacadas e do seguimento atingem, por diferentes vias,
incluindo o colículo superior e os gânglios da base, estruturas do tronco encefálico que sinte
tizam o controle dos movimentos conjugados verticais e horizontais.
De modo geral, o mesencéfalo está envolvido com o controle dos movimentos verticais,
e a ponte, como o dos horizontais. As estruturas que contêm neurônios pré-motores envol
vidos com o movimento rápido horizontal estão na formação reticular pontina paramediana
(FRPP). Neurônios pré-motores para o movimento rápido vertical estão na formação reticular
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 2 5
nriFLM
Fig. 3 Vista esquemática sagital da formação reticular do tronco encefálico no macaco, para demonstrar a
localização anatômica de algumas estruturas envolvidas na formação de movimentos sacádicos. Neurônios
ommipause estão localizados ao nível das radículas do abducente, na FRPP caudal da área preta; logo a seguir,
a região branca, na formação reticular medular (FR Med), marca da localização das unidades de saída (burst
units) de inibição horizontal. Abreviaturas: III. núcleo oculomotor; IV. núcleo troclear; VI. núcleo abducente;
iC. núcleo intersticial de Cajal; ci. colículo inferior; nriFLM (rostral), núcleo intersticial do FLM; cm. corpo ma-
milar; FR Med. formação reticular medular; FLM. fascículo longitudinal medial; FRM. formação reticular me
sencefálica; NHL nervo oculomotor; N IV. nervo troclear; N VII. nervo facial; nD. núcleo de Darkschewitsch; CP.
comissura posterior; FRPP. formação reticular pontina; cs. colículo superior; nv. núcleo vestibular. (Figura re
produzida com autorização do Prof. J A Büttner-Ennever. Anatomy of the ocular motor nuclei. In : Kennard C,
Clifford Rose F. Physiology aspects of clinical Neuro-Opthalmology. London: Chapman and Hall, 1998; p. 203.)
2 2 6 | Neuroftalmologia
(enviando impulsos para o reto medial oposto no sentido de comandar a adução do olho contra-
lateral). Com relação à inibição de motoneurônios verticais, não se sabe, ainda, a sua localização.
Os neurônios da pausa, denominados omnipause neurons, são encontrados na linha média
caudal da formação reticular pontina paramediana. Sua atividade espontânea é interrompida
antes de cada movimento rápido. O núcleo interpositus da rafe (N1R) ou o grupo omnipause re
cebem impulsos do colículo superior e dos campos frontais. Desordens desses núcleos levam
também a desordens, como opsoclono,flutter ocular e apraxia oculomotora.
O encarregado de estabelecer uma harmonia total das funções, a fim de que isto suceda,
é o cerebelo e, especificamente, os núcleos do tronco encefálico colocados ao longo do fascí
culo longitudinal medial (FLM).
O aparelho vestibular periférico forma-se de duas partes que diferem em certas estruturas
e aspectos funcionais. O labirinto estático, representado pelo utrículo e pelo sáculo, assinala
a posição da cabeça no espaço e tem influência capital na distribuição do tônus muscular em
todo o corpo. O labirinto cinético, formado pelos três duetos semicirculares, assinala o mo
vimento da cabeça e tem uma especial relação com os movimentos oculares, de maneira que
mantém a orientação visual.
O sistema vestibular compreende o labirinto, o nervo vestibular e as vias vestibulares
centrais. O labirinto localiza-se no interior da parte petrosa do temporal, sendo formado pelo
utrículo, pelo sáculo e pelos três duetos semicirculares. O labirinto é um órgão membranoso e
está separado do labirinto ósseo por um espaço estreito, o qual contém a perilinfa.
Os três duetos semicirculares dispõem-se em três planos diferentes de cada lado. Os due
tos anteriores estão dispostos perpendicularmente em relação ao eixo da parte petrosa, en
quanto os posteriores ocupam o plano paralelo a esse eixo e os laterais dispõem-se horizontal
mente em relação ao eixo da parte petrosa. Esta apresenta inclinação de 45° para adiante, de
modo que o dueto anterior de um lado situa-se no mesmo plano com o duto posterior do lado
oposto, e vice-versa. Os duetos horizontais de ambos os lados localizam-se no mesmo plano.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 2 7
Corpo justarretiforme
Fibra fastígio-vestibular
Núcleo fastigial Núcleo do nervo oculomotor
Flóculo
Fascículo vestibulocerebelar Núcleo vestibular superior
Parte vestibular do
nervo vestibulococlear Núcleo vestibular lateral
Gânglio vestibular Núcleo vestibular medial
F ig .4 Núcleos e vias vestibulares. (Figura reproduzida com autorização do Prof. Angelo B. M. Machado.
Neuroanatomia funcional. 2- ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1993; p. 173.)
2 2 8 | Neuroftalmologia
Estudos levam a acreditar que o floculus e o vermis exercem uma função importante no con
trole dos movimentos lentos (seguimento) nos primatas. Por outro lado, parece que o cerebelo
não é essencial para a produção de movimentos rápidos (sacadas) dos olhos.
Sistema extrapiramidal
Denominam-se, geralmente, gânglios basais as massas nucleares de substância cinzenta
que derivam do colículo ganglionar do telencéfalo embrionário. Os núcleos da base, impro
priamente chamados também de gânglios da base, são:
Dois outros núcleos subcorticais, o núcleo subtalâmico e a substância negra, não são parte
específica dos núcleos da base de per si, porém estão, quanto à função, intimamente relacio
nados a eles.
O sistema extrapiramidal compreende as seguintes estruturas da massa cinzenta: o núcleo
caudado, o putâmen, o globo pálido, o núcleo subtalâmico, substância negra e o núcleo rubro.
Pouco ainda se sabe sobre os sistemas de fibras que ligam os gânglios basais entre si e
com as outras zonas nucleares do sistema extrapiramidal.
Os núcleos da base regulam movimentos intencionais simples que, em regra, levamos a
cabo inconscientemente, e ainda regulam o tônus muscular.
Apesar de numerosas observações clínicas, o modo de ação do sistema extrapiramidal
sobre a motilidade ocular é ainda pouco conhecido. Parece que fibras originadas dos núcleos
estriados e do pálido fazem sinapses nos núcleos de Cajal e de Darkschewitsch, que enviam
fibras aos núcleos oculomotores pelo fascículo longitudinal medial.
O núcleo intersticial de Cajal é uma pequena coleção de neurônios multipolares em forma
e menores do que os neurônios somáticos do núcleo do nervo oculomotor. Está localizado
lateralmente ao núcleo do nervo oculomotor e ao fascículo longitudinal medial. O comporta
mento do núcleo intersticial de Cajal, que se coloca imediatamente caudal ao núcleo rostral
intersticial do fascículo longitudinal medial, ainda não é conhecido.
distribuem-se pelos músculos retos superior, inferior e medial, oblíquo inferior e levantador
da pálpebra superior. As fibras motoras viscerais (parassimpáticas) distribuem-se pelos múscu
los ciliar e esfíncter da pupila.
O núcleo do nervo oculomotor consiste em uma alongada massa de células localizada na
substância cinzenta periaquedutal inferior do mesencéfalo. Sua parte rostral estende-se até
a comissura posterior, e sua parte caudal, até o núcleo do nervo troclear. A organização dos
motoneurônios no núcleo do nervo oculomotor foi, em certa parte, modificada. Em 1953,
Warwick, utilizando a técnica de degeneração, identificou os subnúcleos do nervo oculomo
tor. Büttner-Ennever (1988) utilizou novas técnicas de estudo e acrescentou e modificou a
esquematização dos subnúcleos do núcleo do nervo oculomotor (Fig. 5).
Os neurônios motores para os músculos extraoculares têm uma representação multifocal.
Há um grupo dorsomedial de neurônios para os retos mediai e inferior, um grupo da linha
média para o reto superior e oblíquo inferior e um subnúcleo único na linha média para o le
vantador da pálpebra superior bilateral.
A porção fascicular do nervo oculomotor origina-se do núcleo do nervo oculomotor e
passa através do núcleo rubro, penetrando na parte medial do pedúnculo cerebral. Emerge de
Fig. 5 Esquema dos quatros níveis do núcleo oculomotor do macaco, mostrando a organização de grupos
de motoneurônios dos cinco músculos (RM, 01, RS, RI e LP). No desenho superior, a organização dos moto
neurônios com grande diâmetro celular > 22 mm, está tracejada; os desenhos inferiores mostram a localiza
ção dos motoneurônios pequenos em torno do perímetro do núcleo oculomotor clássico e não estão
misturados com os motoneurônios grandes. Abreviaturas dos músculos extraoculares: 01. oblíquo inferior;
RI. reto inferior; LP. levantador da pálpebra; RL. reto lateral; RM. reto mediai; OS. oblíquo inferior; RS. reto su
perior. (Figura reproduzida com autorização do Prof. J. A. Büttner-Ennever. Anatomy of the ocular motor
nuclei. In : Kennard C e Clifford R F. Physiology aspects of clinical Neuro-Ophthalmology. London: Chapman
and Hall, 1988; p. 201.)
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 231
ambos os lados da fossa interpeduncular, constituindo dois grossos troncos e formando então
o nervo oculomotor, que é formado por axônios de calibre maior para os músculos extraocula-
res e axônios de calibre menor para os músculos ciliar e esfíncter da pupila. O nervo caminha
para baixo, para frente e, lateralmente, através da cisterna subaracnóideo. Logo após deixar
o mesencéfalo, o nervo passa entre as artérias cerebelar superior e cerebral posterior (Fig. 6).
No seio cavernoso, o tronco do nervo oculomotor está localizado acima do nervo troclear
(Fig. 7) e, anteriormente, no seio cavernoso, o nervo oculomotor, aparentemente, recebe fi
bras simpáticas do tronco carotídeo. O nervo oculomotor penetra na fissura orbital superior já
Fig. 7 Preparação da região do seio cavernoso. 1. nervo oculomotor. 2. nervo troclear. 3 e 3'. nervo abdu-
cente. 4. nervo oftálmico (cortado). 5 e 5'. artéria carótida interna. 6. nervo óptico.
2 3 2 | Neuroftalmologia
dividido em dois troncos, um superior e outro inferior. Esses dois troncos penetram através do
anulo tendíneo comum. 0 ramo superior perde-se nos músculos reto superior e levantador da
pálpebra superior e o ramo inferior, nos músculos reto medial, reto inferior e oblíquo inferior.
O ramo inferior também leva fibras parassimpáticas para o gânglio ciliar (raiz motora).
Quarto ventrículo
colículo facial
Núcleo salivatório
superior
Núcleo motor do
nervo facial (VII)
Corpúsculos
gustativos
dos 2/3 anteriores
da língua
Raízes do
Glândulas nervo facial
salivar PONTE
e lacrimal « •
* , / * • « / • »
* • . * I 4 « ■
I . 1»
4•* •
Músculos
da expressão facial MEDULA OBLONGA
PIRÂMIDE
Fig.8 Núcleos e nervos associados com a área do complexo do nervo facial. (Figura reproduzida com au
torização do Prof. Joan K. Werner. Neuroscience. A clinical perspective. Philadelphia: Saunders, 1980, p. 101.)
SEMIOLOGIA
T ip o s d e m o v im e n t o s o c u la r e s P r in c ip a is f u n ç õ e s
Vestibular - reflexo vestíbulo-ocular manter imagens do mundo visual firmes sobre a retina durante
rotação transitória da cabeça
Optocinético manter imagens do mundo visual firmes sobre a retina durante
rotação sustentada da cabeça
Fases rápidas de nistagmo dirigir a fóvea na direção da cena visual seguinte durante
autorrotação; ajustar os olhos durante rotação prolongada
Movimentos rápidos colocar imagens de objetos de interesse sobre a fóvea
Movimento lento manter a imagem de um alvo em movimento sobre a fóvea
Vergência mover os olhos em direções opostas para que as imagens de
um único objeto sejam colocadas em ambas as fóveas
Como já mencionado, cada um deles tem origem em diferentes regiões do sistema ner
voso central. Os movimentos sacádicos têm origem nos lobos frontais e no córtex parietal
posterior. Servem para redirecionar a linha de visão, trazendo a imagem de interesse para a
fóvea. Encontram-se sob controle voluntário e são executados quando o paciente é solicitado
a “olhar para a direita”, por exemplo. São utilizados para alterar a fixação para um outro obje
to ou para reaver a fixação, caso esta tenha sido perdida por algum motivo. Normalmente, são
muito exatos, sobretudo se as sacadas centram novamente os olhos a partir de uma posição
excêntrica. As sacadas são melhor testadas quando se coloca um dedo centralmente e outro a
30 graus excentricamente, à direita, esquerda, para cima, para baixo. Solicita-se que o paciente
olhe de um dedo para outro, ao comando do examinador.
Os movimentos lentos não se encontram sobre controle voluntário. Clinicamente, são me
lhor avaliados através do uso de um alvo de fixação que se move como um pêndulo que vai e
vem, e, então, para cima e para baixo. A velocidade do movimento deve iniciar-se lentamente
e tornar-se mais rápida, para sobrecarregar o sistema de busca. Podemos pedir para o paciente
seguir um objeto se movendo horizontalmente ou verticalmente.
A vergência é um movimento lento disjuntivo que permite o alinhamento dos olhos so
bre alvos de fixação a distâncias variáveis e corrige pequenos erros no alhinhamento ocular.
Ligados neurofisiologicamente com a acomodação e contração pupilar como o “reflexo para
perto” , a convergência é testada solicitando-se ao paciente que olhe para seu próprio dedo,
enquanto ele o move em direção ao seu nariz. Pacientes mais idosos podem necessitar do
auxílio de suas lentes bifocais para que consigam focalizar o alvo e estimular a convergência.
Como na busca, a convergência normal requer um paciente alerta e as anormalidades são difí
ceis de avaliar se a atenção do paciente não é ideal.
Os movimentos oculares reflexos sensoriais não visuais desempenham um papel nos mo
vimentos oculares reflexos, mas a informação vestibular é o teste mais consistente e fácil.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 3 5
PATOLOGIA
Lesões supranucleares
As lesões ou paralisias supranuclerares são distúrbios dos centros superiores, envolvendo movi
mentos que unem os dois olhos como um órgão visual único que realiza movimentos uniformes
no espaço. Podem ser agrupadas em alterações da estabilidade ocular, disfunções dos movi
mentos sacádicos, do seguimento lento, do reflexo vestíbulo-ocular, do nistagmo opto-cinético
e das vergências e as paralisias do olhar conjugado. Existe ainda um tipo especial de lesão
supranuclear que provoca um desbalanço no paralelismo vertical dos olhos, que é o chamado
desvio skew.
2 3 6 I Neuroftalmologia
neurons, são encontrados na linha média caudal da formação reticular pontina paramediana.
Sua atividade espontânea é interrompida antes de cada movimento rápido. Desordens dos
neurônios da pausa ocorrem em alterações como o flutter ocular e o opsoclono. Essas condi
ções se caracterizam como alterações nas quais ocorrem sacadas na sequência, ou seja sem
um intervalo entre elas. No flutter ocular, as sacadas ocorrem apenas no plano horizontal e
geralmente não se mantêm. No opsoclono as sacadas são multidirecionais e mantidas. Essas
desordens das células da pausa ocorrem em encefalites do tronco encefálico e como efeito
remoto de neuroblastoma ou outros tumores.
Alterações da vergência
As alterações da convergência podem ser classificadas em paralisia ou insuficiência de conver
gência, espasmo de convergência e paralisia ou insuficiência de divergência.
Insuficiência de convergência
Na paralisia ou insuficiência de convergência, não há estrabismo nem diplopia na visão de lon
ge. Os movimentos das versões são normais em todas as direções. No olhar para perto não há
convergência, ou esta é deficiente e há diplopia horizontal cruzada.
2 3 8 | Neuroftalmologia
Espasmo de convergência
Ocorre geralmente em pacientes jovens com ansiedade e, usualmente, de causa não orgânica.
No entanto o espasmo de convergência pode ocorrer na síndrome de Parinaud, em lesões ta-
lamomesencefálicas, em doenças cerebelares, na encefalopatia de Wernicke e na malformação
de Arnold-Chiari.
Insuficiência de divergência
r
A paralisia do olhar conjugado vertical indica lesão mesencefálica que pode ter várias
etiologias, já mencionadas, como lesões desmielinizantes, tumorais, infecciosas etc. Deve-se
ainda lembrar da associação da paralisia desta paralisia com hidrocefalia.
Desvio skew
r
E um alteração supranuclear do olhar que, diferente das anteriores, causa desbalanço entre
os dois olhos, levando a um estrabismo vertical. Essa alteração resulta de uma lesão das pro
jeções dos utrículos situados nos labirintos para o núcleo intersticial de Cajal. As projeções
excitatórias de um utrículo decussam na porção rostral da ponte e ascendem para o núcleo de
Cajal contralateral. Este mantem inervação tónica dos neurônios motores que comandam os
músculos extraoculares atuando nos eixos vertical e torcional.
O desvio skew é um desequilíbrio vertical adquirido e que deve ser considerado nos pacientes
com diplopia e estrabismo vertical por lesão na fossa posterior acometendo o tronco encefálico e
o cerebelo. Deve ser diferenciado com cuidado de paralisias do IV nervo, o que pode ser feito com
a medida do desvio nas diferentes posições do olhar e a medida da torção ocular.
Lesões internucleares
Oftalmoplegia internuclear (OIN) é uma alteração do controle motor ocular causada pela lesão
do fascículo longitudinal medial (FLM), um feixe de fibras que une o centro do olhar conju
gado horizontal na ponte, de um lado, ao subnúcleo do reto medial no mesencéfalo, do lado
oposto. A lesão se caracteriza clinicamente pela paralisia ou paresia da adução de um olho
associada a nistagmo em abdução no olho contralateral. O paciente apresentará paralisia ou
apenas lentidão no movimento sacádico na adução de um dos olhos nas lesões unilaterais ou
de ambos os olhos, no caso das lesões bilaterais.
O olho com o déficit de adução pode ter uma amplitude de excursão dos olhos normal, no
caso de lesões discretas, ou apresentar limitação da adução do olho no olhar lateral. Os mús
culos retos mediais, no entanto, podem ter função normal durante a convergência, no caso de
lesões do FLM situadas na ponte, ou ter comprometimento da convergência no caso de lesões
mesencefálicas (Fig. 13). O olho, em abdução apresenta nistagmo, e o olho ipsilateral à lesão
é, usualmente, mais alto do que o outro. Esse desvio vertical é devido a presença de um desvio
skew que, frequentemente, se associa com a OIN.
2 4 2 | Neuroftalmologia
Os pacientes com OIN geralmente se queixam de diplopia, que pode ser horizontal ou
oblíqua. As causas mais comuns de OIN são lesões desmielinizantes em pacientes com escle-
rose múltipla ou acidente vascular cerebral. Nos casos de lesões desmielinizantes, a OIN geral
mente é bilateral (embora possa ser assimétrica), enquanto nos acidentes vasculares cerebrais
a OIN é mais comumente unilteral.
Adquirida
■ Lesão nuclear
O paciente apresenta paralisia oculomotora unilateral (RM, RI e OI), paralisia do reto superior bi
lateral mais acentuada contralateral e normalidade do levantador da pálpebra superior bilateral,
2 4 4 I Neuroftalmologia
porém, quando a lesão atinge a parte caudal do núcleo (subnúcleo único na linha média), ocor
rerá blefaroptose bilateral e simétrica. Há também função pupilar unilateral normal, porém,
quando a lesão ocorre no subnúcleo dorsolateral, existe alteração pupilar.
■ Lesão fascicular: traduz-se em síndromes clínicas de Weber, Benedikt e Nothnagel.
Na síndrome de Weber ocorrem paralisia dos músculos inervados pelo oculomotor, parali
sia facial do tipo central e hemiplegia contralateral.
Na síndrome de Benedikt ocorrem paralisia dos músculos inervados pelo oculomotor,
tremores e movimentos coreoatetósicos.
Na síndrome de Nothnagel ocorrem paralisia dos músculos inervados pelo oculomotor
e hemiataxia cerebelar.
■ Lesão no espaço subaracnóideo
A midríase pode raramente ser a única manifestação de lesão do nervo oculomotor no
espaço subaracnóideo pelo acometimento dos músculos intrínsecos inervados pelo oculo
motor. Na maior parte das vezes, no entanto, existe também associadamente paralisia dos
músculos extrínsecos inervados pelo oculomotor.
Pode também haver lesão com ausência de midríase, quando ocorre apenas paralisia dos
músculos extrínsecos inervados pelo oculomotor.
■ Lesão na sua entrada na dura-máter
Os músculos extrínsecos e intrínsecos inervados pelo oculomotor ficam paralisados. Nes
sa região, o nervo oculomotor pode ser acometido pela pressão decorrente de tumor ou
hematoma subdural supratentorial que comprime o nervo oculomotor quando ele atra
vessa a margem livre do tentório do cerebelo; as fibras pupilares (eferente visceral geral)
encontram-se na porção superomedial e periférica do nervo oculomotor e, assim, são pri
meiramente afetadas, sem envolvimento das outras partes do nervo (eferente somático); e
o pedúnculo cerebral ipsilateral é comprimido ao mesmo tempo e são observados sinais de
midríase e hemiparesia contralateral) (Fig. 16).
■ Lesão no seio cavernoso
Nessa região, é importante estudar as síndromes do seio cavernoso que podem ocorrer
devido a uma grande variedade de causas (Quadro 3).
Fig. 16 Lesão troncolar do nervo oculomotor esquerdo. Aneurisma de comunicante posterior. Observa-se
que a paciente apresentava uma lesão incompleta. À direita, observa-se o aneurisma.
■ Lesão na órbita
Síndrome de Rochon-Duvignaud - caracteriza-se por oftalmoplegia extra e intraocular, com
blefaroptose e transtornos sensitivos no território do nervo oftálmico.
Síndrome de Rollet - quando a síndrome de Rochon-Duvignaud se associa com diminuição
da agudeza visual.
■ Lesão isolada do nervo oculomotor
Formas clínicas
As lesões tronculares do nervo oculomotor serão estudadas da seguinte maneira:
■ Lesão total do nervo oculomotor
• Blefaroptose completa.
• Diplopia cruzada quando a pálpebra está elevada.
• Estrabismo divergente.
• Paralisia de elevação.
• Midríase.
• Paralisia de acomodação.
■ Lesão incompleta ou dissociada do nervo oculomotor
As paralisias incompletas do nervo oculomotor são aquelas que interessam à totalidade ou
quase totalidade das funções desse nervo. As paralisias dissociadas do nervo oculomotor
são aquelas que interessam a uma ou duas funções desse nervo.
■ Paralisia do reto superior
É frequente e ocorre diplopia vertical, máxima no olhar para cima. Há atitude viciosa de
cabeça: elevação do mento, rotação da face do lado paralisado, seguida de ligeira inclinação
2 4 6 | Neuroftalmologia
da cabeça sobre o ombro bom. Existe desvio em posição primária: o olho paralisado está
em hipotropia. No exame das ducções e versões, existe uma limitação de elevação do olho
paralisado. 0 teste de Hess-Lancaster indica uma deficiência do reto superior paralisado e
uma hiperação do oblíquo inferior oposto.
■ Paralisia do reto inferior
Quando isolada, ocorre na fratura do assoalho da órbita. Ocorre diplopia vertical, máxima
no olhar para baixo, e há atitude viciosa da cabeça. Ela se associa a um abaixamento do
mento e a uma rotação da face do lado lesado. Existe desvio em posição primária: hipertro-
pia do olho paralisado. No exame da motricidade, há limitação do abaixamento.
O teste de Hess-Lancaster apresenta uma deficiência do reto inferior paralisado e uma
hiperação do oblíquo superior contralateral.
■ Paralisa do reto medial
Quando isolada, é rara e há diplopia horizontal e cruzada, máxima quando o olho tenta se
colocar em adução. A atitude viciosa da cabeça pode se encontrar de duas maneiras: a face
pode estar virada para o lado são, ou a cabeça é projetada para trás, para facilitar a conver
gência no olhar para baixo.
No desvio em posição primária, existe uma divergência do olho paralisado. O exame da
motricidade indicará uma paralisia ou uma limitação de adução do olho lesado.
No teste de Hess-Lancaster, há uma deficiência do reto medial paralisado e uma hipera
ção do reto lateral contralateral.
■ Paralisia do oblíquo inferior
É difícil ocorrer no estado isolado, e a diplopia ocorre no olhar para cima e para dentro. O
paciente reclama pouco. Em uma atitude viciosa da cabeça, o mento é elevado, a cabeça
fica inclinada sobre o ombro do lado lesado e a face, virada em direção ao lado bom. O
desvio é pouco evidente. Não há desvio do olho lesado ou, por vezes, ocorre uma ligeira
hipotropia. No exame de motricidade, a limitação da elevação é nítida.
Com o teste de Hess-Lancaster, percebe-se uma deficiência do oblíquo inferior paralisado
e uma hiperação do reto superior contralateral.
■ Midríase paralítica
A midríase paralítica pode estar isolada. É preciso procurar um sinal discreto de lesão do
nervo oculomotor (ligeira blefaroptose) e uma paralisia de acomodação.
■ Blefaroptose isolada
No caso, deve-se procurar uma lesão do nervo oculomotor.
Etiologia
■ Nuclear
• Hipoplasia.
• Infarto.
• Tumor.
• Trauma.
• Infecção.
■ Fascicular
• Infarto.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 4 7
• Hemorragia.
• Desmielinização.
■ Espaço subaracnoideo
• Aneurisma.
• Meningites.
• Infarto.
• Complicações neurocirúrgicas.
■ Na margem tentorial
• Hérnia uncal.
• Pseudo-tumor cerebral.
• Hidrocefalia.
• Trauma.
■ Seio cavernoso e fissura orbital superior
• Aneurisma da artéria carótida interna.
• Fístula carotidocavernosa.
• Trombose do seio cavernoso.
• Tumor.
• Infarto pituitário (apoplexia).
• Infarto do nervo.
• Sinusite esfenoidal e mucocele.
• Herpes-zóster.
• Síndrome de Tolosa-Hunt.
■ Orbital
• Trauma.
• Mucormicose e outras infecções fúngicas.
• Tumor e outros infiltrados.
■ Localização incerta
• Associação com infecção virai.
• Enxaqueca.
• Após anestesia dentária.
Adquirida
■ Lesão nuclear
A lesão pode ocorrer uni ou bilateral e acompanhada da síndrome de Horner.
■ Lesão no espaço subaracnoideo
Ocorrerá comprometimento unilateral.
2 4 8 I Neuroftalmologia
Formas clínicas
■ Lesão unilateral do nervo troclear
• Diplopia vertical, máxima no olhar para baixo e para dentro. O paciente tem dificuldade
para leitura e descer escadas. Podem ocorrer, ainda, cefaleia e vertigens durante o tra
balho de perto.
• Atitude viciosa da cabeça: ela está inclinada para o ombro do lado oposto da paralisia.
Assim, em uma paralisia do oblíquo superior direito, a cabeça está inclinada sobre o om
bro esquerdo (para compensar a exciclotropia), a face virada para a esquerda (para colo
car o olhar para a direita) e o mento abaixado (para dirigir o olhar para o alto). Porém, se
existir uma hiperação importante do oblíquo inferior, o mento ficará elevado.
• Desvio ocular: falta ou é discreto e em posição primária. Existe uma hipertropia do olho
paralisado.
• Exame da motricidade: existe uma limitação da excursão do olho paralisado no olhar
para baixo e, sobretudo, para baixo e para dentro.
• Teste de Bielschowsky
Consiste na manobra da inclinação da cabeça sobre os ombros. Serve para diferenciar
uma paresia ou paralisia do músculo oblíquo superior com a paresia ou paralisia do seu
antagonista contralateral, o músculo reto superior.
O teste baseia-se no fenômeno da compensação torcional dos olhos oriundos do apa
relho otolítico quando se inclina a cabeça sobre os ombros.
A identificação do músculo afetado fundamenta-se no antagonismo de supra e infraver-
são e no sinergismo na exciclo e inciclotorção dos músculos retos verticais e oblíquos.
Ao inclinar a cabeça sobre o ombro direito, o oblíquo superior direito e o reto su
perior direito realizam a inciclotorção do olho direito, porém, na ação vertical, um é
depressor e o outro, elevador. Na paralisia do oblíquo direito, ao se inclinar a cabeça
para a direita, a inciclotorção é feita somente pelo reto superior direito, que, não tendo
oposição do oblíquo superior parético na ação vertical, exacerba o desvio vertical com a
elevação do olho. O olho acentua-se com a inclinação da cabeça sobre o ombro direito,
em comparação com a inclinação da cabeça sobre o ombro esquerdo.
Execução do teste: paciente fixa um ponto a 6 m e/ou 33 cm e, então, inclina a cabeça
sobre o ombro direito e, em seguida, sobre o ombro esquerdo; compara-se então a mag
nitude do desvio nessas duas porções.
Em resumo, as paresias dos músculos oblíquos seriam facilmente demonstráveis nas
inclinações laterais da cabeça (Figs. 17 e 18).
O desvio vertical acentuar-se-ia na inclinação para a direita por deficiência do OSD ou
do OTE e, na inclinação para a esquerda, por deficiência do OSE ou do OID.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 4 9
Fig. 17 Manobra de Brielschowsky positiva, em caso de paralisia do nervo troclear direito. (Figura reproduzida
com autorização dos Profs. P. Larmande, A. Larmande. Neuro-Ophtalmologie. Paris: Masson, 1991; p. 120.)
Fig. 18 Paralisia bilateral do nervo troclear. (Figura reproduzida com autorização dos Profs. P. Larmande, A.
Larmande. Neuro-Ophthalmologie. Paris: Masson, 1991; p. 120.)
Diagnóstico, também, dos retos verticais, na inclinação para a direita, solicitaria os inci-
clodutores do OD (RSD e OSD) e os exciclodutores do OE ( OlE e R1E), e, na inclinação para a
esquerda, os inciclodutores do OE (SER e OSE) e os exciclodutores do OD (OID e RID).
A ação ciclodutora dos oblíquos é mais importante que a dos retos verticais, assim
como a ação vertical destes é maior que a dos oblíquos.
• Teste de Hardesty-Parks
r
Etiologia
■ Nuclear e fascicular
• Aplasia.
• Infarto ou hemorragia encefálica.
• Tumor e outras lesões infiltrativas.
• Malformação arteriovenosa.
• Trauma.
• Desmielinização.
• Complicações neurocirúrgicas.
■ Espaço subaracnóideo
• Trauma.
• Tumor.
• Hidrocefalia.
• Pseudotumor cerebral e aumento da pressão intracraniana.
• Complicações neurocirúrgicas.
• Mastoidites.
• Meningites (infecciosa e neoplásica).
• Seguido de punção lombar ou anestesia espinhal.
■ Seio cavernoso e fissura orbital superior
• Tumor.
• Síndrome de Tolosa-Hunt.
• Herpes-zóster.
• Aneurisma da carótida interna.
■ Orbital
• Trauma.
• Tumor e outros infiltrados.
■ Localização incerta
• Infarto.
• Congênita.
• Idiopática.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 251
Adquirida
■ Lesão nuclear
Ocorrem paralisia ipsilateral dos movimentos conjugados horizontais, paralisia bilateral
dos movimentos conjugados horizontais e paralisia facial.
■ Lesão fascicular
Síndrome de Millard-Gübler - Ocorrem na paralisia do músculo reto lateral, paralisia facial
periférica e hemiplegia contralateral.
Síndrome de Raymond Cestan - Paralisia do músculo reto lateral e hemiplegia contralateral.
■ Lesão no espaço subaracnóideo
Ocorrem, paralisia do músculo reto lateral unilateral e paralisia do músculo reto lateral
bilateral.
■ Lesão na porção extradural
Ápice da parte petrosa do temporal: ocorre somente paralisia do músculo reto lateral ou,
ainda, a síndrome de Gradenigo-Lannois, que leva à paralisia do músculo reto lateral, dor
na face e olho e paralisia periférica.
■ Lesão no seio cavernoso
Nessa região, é importante estudar as síndromes do seio cavernoso e, também, a classifica
ção das fístulas arteriovenosas do seio cavernoso.
■ Lesão na órbita
Síndrome de Rochon-Duvignaud - Ocorrem oftalmoplegia extra e intraocular com blefaropto-
se e transtornos sensitivos no território do nervo oftálmico.
Síndrome de Rollet
Síndrome de Rochon-Duvignaud, com diminuição da agudeza visual.
Lesão isolada do nervo abducente: pode ocorrer por trauma.
Formas clínicas
A lesão troncular do nervo abducente pode ser uni e bilateral. O quadro clínico poderá apre
sentar: diplopia homônima e horizontal; atitude viciosa da cabeça, que se encontra virada para
o lado paralisado; o olho paralisado está em adução (convergência). O teste de Hess-Lancaster
indica deficiência em abdução a do olho paralisado e hiperação do reto medial do lado são
(Fig. 19).
2 5 2 I Neuroftalmologia
Etiologia
■ Nuclear (caracterizada por uma paralisia do olhar horizontal)
• Síndrome de Mobius.
• Paralisia do olhar congênita ou hereditária.
• Síndrome de Duane (alguns casos).
• Infarto.
• Tumor.
• Síndrome de Wernicke-KorsakofF.
• Trauma.
• Histiocitose X.
■ Fascicular
• Infarto.
• Desmielinização.
• Tumor.
■ Espaço subaracnóideo
• Compressão.
• Hemorragia subaracnóideo.
• Trauma.
• Meningite (infecciosa e neoplásica).
• Tumor do Clivus.
• Tumores do ângulo pontocerebelar.
• Schwannoma trigeminal.
• Tumores do nervo abducente.
• Complicações neurocirúrgicas.
■ Parte petrosa do temporal
• Infecção da mastoide ou da ponta da parte petrosa.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 5 3
Síndrome de Lambert-Eaton
A síndrome miastênica de Lambert-Eaton surge devido a um defeito na liberação de acetilcoli
na secundária a uma desordem autoimune afetando zonas ativas da terminação nervosa. Está,
usualmente, associada ao carcinoma, que pode estar oculto. Sintomas típicos são fraqueza e
fatigalidade dos músculos periféricos e oculares.
2 5 4 | Neuroftalmologia
Miastenia gravis
■ Achados sistêmicos
É uma doença autoimune causada por anormalidade da junção neuromuscular e afeta mulhe
res entre 20 e 40 anos. Ocorre excessiva fadigabilidade dos músculos esqueléticos. Os mús
culos faciais, orofaríngeos e extraoculares, também são afetados. Receptores para anticorpos
antiacetilcolina estão presentes em 90% dos pacientes.
■ Achados oculares
• Blefaroptose
Pode ser uni ou bilateral e assimétrica. O sinal de Cogan (sinal do “Lid Twitch”) pode ser
induzido pedindo ao paciente que, rapidamente, mova seu olhar, que se encontrava para
baixo, em direção à posição primária. A pálpebra superior contrai-se para cima e, depois,
lentamente, para a sua posição com blefaroptose (Fig. 20).
• Diplopia
A paralisia dos músculos extraoculares não segue nenhum padrão, porém o movimento
para cima é afetado em primeiro lugar. Todos os músculos podem estar afetados, pa
recendo uma paralisia do olhar supranuclear, uma oftalmoplegia internuclear ou uma
paralisia isolada do músculo extraocular.
■ Testes especiais para investigação
No teste do Tensilon, injeta-se, na veia, brometo de edrofônio e observa-se a melhora do
paciente. Faz-se intravenosa, 1 ml contendo 10 mg em uma seringa de tuberculina. O teste é
feito com 0,2 ml (2 mg) injetados na veia antecubital. Se, após 60 s, o paciente não mostrar
sinais de hipersensibilidade (p. ex., salivação excessiva, sudorese ou lacrimejamento), o res
tante de 0,8 ml será injetado. Efeitos importantes ocorrerão em 30 a 60 s, porém não dura
rão mais do que 5 min. A blefaroptose e as paralisias dos músculos extraoculares melhoram.
A eletromiografia pode ser feita com ou sem Tensilon.
Miopatias
Miopatias mitocondriais
Esse grupo de miopatias caracteriza-se por um aumento do número de mitocôndrias na fibra
muscular, um aumento de tamanho ou a existência de inclusões cristalinas anormais nessas
mitocôndrias.
O exame histoquímico ao microscópio revela um padrão de cores nas fibras musculares
que resultam de um acúmulo de mitocôndrias aumentadas de tamanho. Ao se fazer exame de
mancha tricrômica, as fibras coram-se de azul, enquanto as mitocôndrias da periferia coram-se
de vermelho forte. Temos, então, o aspecto chamado ragged red fibers.
A alteração histológica é associada a um leque variado de síndromes clínicas e não há uma
aparente correlação entre as alterações mitocondriais e os sintomas clínicos.
Essas modificações são encontradas em pacientes de duas miopatias oculares distintas,
que são oftalmoplegia externa progressiva crônica e síndrome de Kearns-Sayre.
A oftalmoplegia externa progressiva crônica é uma desordem rara, caracterizada por ble-
faroptose simétrica insidiosa e imobilidade do bulbo ocular. Devido ao envolvimento simé
trico dos músculos extraoculares, não se observa diplopia, mesmo em casos avançados. Essa
síndrome acomete, principalmente, indivíduos do sexo feminino entre 55 e 80 anos de idade.
Biópsias musculares realizadas em portadoras dessa síndrome mostraram quantidade exa
gerada de material granular ao redor do sarcolema e no centro das fibras. Essas fibras, chama
das ragged red fibers, como se relatou anteriormente, contêm mitocôndrias anormais, sendo a
alteração mais comumente observada as inclusões cristalinas.
Quando se observa, em indivíduos do sexo feminino com idade acima de 50 anos, quadro
de blefaroptose e o diagnóstico de miastenia gravis é afastado, a oftalmoplegia externa pro
gressiva crônica parece ser a melhor opção diagnóstica.
A síndrome de Kearns-Sayre é a segunda miopatia ocular, caracterizada histopatologica-
mente como uma miopatia mitocondrial. Ela se caracteriza por uma tríade de oftalmoplegia
progressiva, degeneração pigmentar retiniana e defeitos da condução cardíaca.
Os principais achados clínicos da síndrome de Kearns-Sayre são: oftalmoplegia externa
progressiva crônica; deposição pigmentária retiniana; bloqueio cardíaco; estatura pequena;
perda da audição (distúrbio vestibular); ataxia cerebelar; nistagmo pendular; sinais do trato
corticospinal; intelecto normal; fraqueza dos músculos cranianos (face, palato, pescoço); neu-
ropatia periférica e “miopatia” que afeta os músculos esqueléticos (ragged-red fibers).
No diagnóstico diferencial, pode-se relatar a paralisia supranuclear progressiva que apre
senta essa desordem e lembra a oftalmoplegia externa progressiva crônica; contudo, a para
lisia supranuclear progressiva afeta primeiro o olhar para baixo e está associada à rigidez do
pescoço e tronco. Os movimentos dos olhos podem ser provocados pela manobra da cabeça
de boneca e pela estimulação calórica, indicando a natureza supranuclear da síndrome. Pode
ocorrer, também, demência.
Distrofia miotônica
Os achados sistêmicos dessa distrofia são: muitas partes do corpo são afetadas; excessiva con-
tratilidade e dificuldade de relaxamento dos músculos esqueléticos; hipogonadismo; calvície
e anomalias cardíacas.
2 5 6 I Neuroftalmologia
Os principais achados oculares são: blefaroptose com fraqueza dos músculos da face (face
triste); envolvimento dos músculos extraoculares, que pode parecer oftalmoplegia externa
progressiva crônica; mudanças pigmentares envolvendo a mácula; dissociação luz-perto da
pupila e catarata pré-senil.
Doença de Graves
A orbitopatia de Graves pode levar a alteração motora por comprometimento da musculatura
ocular extrínseca. As alterações musculares ocorrem, na grande maioria das vezes, na tireo-
toxicose causada pela doença de Graves. No entanto, podem ocorrer também em indivíduos
com doença de Graves sem hipertireoidismo clínico ou laboratorial e, mais raramente, podem
ocorrer em pacientes com tireoidite de Hashimoto ou hipotireoidismo primário.
Várias observações clínicas, experimentais e histopatológicas já documentaram a nature
za autoimune da doença de Graves. Há um aumento no volume dos músculos extraoculares e
tecido conjuntivo da órbita; os músculos extraoculares ficam edematosos devido à produção
aumentada de glicosaminoglicans, que são hidrofílicos no tecido orbitário; há infiltração in
tensa de células imunocompetentes, que são predominantemente linfócitos T e macrófagos,
mas também de linfócitos B. Estudos histopatológicos mostram que os músculos extraocula
res podem estar aumentados de 2 a 8 vezes e que mostram numerosas células inflamatórias
(linfócitos, neutrófilos e plasmócitos), infiltrado de mucopolissacarídeos e edema.
■ Manifestações clínicas
As manifestações clínicas da orbitopatia distireoidiana são devidas a inflamação, edema e
alterações fibróticas nos músculos extraoculares. O aumento de volume, processo inflama
tório e alterações congestivas levam a proptose, edema e retração palpebral, hiperemia e
quemose conjuntival, ceratite ou úlcera de córnea por exposição, distúrbios da motilidade
ocular extrínseca e, menos comumente, neuropatia óptica compressiva.
A frequência dos diferentes sinais orbitários nos indivíduos afetados varia conforme a
população estudada. Acredita-se que 90% dos pacientes apresentem retração palpebral, 62%
exoftalmia, 43% miopatia extraocular restritiva e 6% disfunção do nervo óptico. O sintoma
ocular mais frequente é a dor, presente em 30% dos indivíduos. Outros sintomas foram di
plopia, lacrimejamento, fotofobia e embaçamento visual.
■ Miopatia restritiva
O comprometimento dos músculos extraoculares leva também a desequilíbrios na motilida
de ocular extrínseca e é uma causa muito comum de diplopia. Os músculos mais afetados,
em ordem de frequência, são: o reto inferior, o reto mediai e o complexo reto superior
elevador da pálpebra. A alteração mais comum é a limitação da elevação do globo ocular,
que resulta em hipotropia e diplopia no olhar para cima. A segunda alteração em ordem de
frequência é a limitação do músculo reto mediai, seguido pelo envolvimento do complexo
reto superior-elevador da pálpebra e, por último, o envolvimento do reto lateral. O dese
quilíbrio na motilidade ocular decorre do não relaxamento do músculo extraocular envolvi
do, que impede a contração do seu antagonista.
Trata-se de uma condição relativamente frequente, sendo considerada a causa mais co
mum de diplopia espontânea em pessoas de idade média ou início da senilidade. O acha
do mais comum é a fibrose do músculo reto inferior, que impede a elevação do olho. O
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 5 7
Nistagmo
Conceito
O nistagmo consiste em oscilações rítmicas e involuntárias dos olhos, independentemente
dos movimentos normais.
Meios de estudo
A olho nu
O nistagmo é estudado, na maioria dos casos, a olho nu. Os otologistas colocam diante dos
olhos do paciente lentes de 20 dioptrias (óculos de Bartels). Dessa maneira, os movimentos
tornam-se mais nítidos, porém o caráter do nistagmo pode aparecer modificado.
Nistagmografia
Na realidade, o melhor método de estudo é a nistagmografia, visto que apresenta a vanta
gem de possibilitar a obtenção de um documento que pode ser estudado, reproduzido e
2 5 8 | Neuroftalmologia
Análise semiológica
Sinais objetivos
■ Tipos do nistagmo
• Pendular
Esse é caracterizado por movimentos dos olhos que são de igual velocidade em cada
direção, podendo ser horizontais, oblíquos ou rotatório.
• Mola
Esse é caracterizado por um componente lento em uma direção e um rápido em outra
direção. A direção do nistagmo é definida pela direção da fase rápida. Esse tipo de nis
tagmo pode ser para direita, esquerda, para cima, para baixo ou de caráter rotatório. A
fase rápida é controlada pelo sistema rápido de movimentos dos olhos (sacádico), e a
fase lenta, pelo sistema lento de movimento dos olhos (pursuit).
• Misto
Os movimentos pendulares estão presentes na posição primária, e os movimentos em
mola apresentam-se quando os olhos se tornam desviados lateralmente. Esse tipo de
nistagmo pode ser rápido ou lento, grosseiro ou leve, manifesto ou latente.
■ Orientação do nistagmos
• Nistagmos simples são os retilíneos (horizontal, vertical ou diagonal) e os rotatórios.
• Nistagmos compostos ou mistos.
■ Natureza dos movimentos conjugados
• Os olhos deslocam-se paralelamente.
• Os olhos deslocam-se em sentido contrário.
• Os olhos deslocam-se em planos diferentes.
■ Grau que atinge os dois olhos
• Nistagmo congruente.
• Nistagmo incongruente.
■ Amplitude do nistagmo
• Pequena: de 5o (1 mm).
• Média: de 5o a 15° (1 a 3 mm).
• Forte: superior a 15o (superior a 3 mm).
■ Frequência do nistagmo
• Lenta: de 60 oscilações por minuto.
• Média: de 60 a 120 oscilações por minuto.
• Rápida: superior a 120 oscilações por minuto.
■ Ritmo do nistagmo
• Regular.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 5 9
• Irregular.
• Anárquico.
• Alternante periódico.
Sinais associados
O nistagmo está associado, na clínica, a certo número de outras anomalias.
■ Aos movimentos de oscilação da cabeça, cuja função é compensar o nistagmo.
■ À baixa de acuidade visual, que é, sobretudo, nítida nos nistagmos congênitos, mas se en
contra em todos os nistagmos.
Isso mostra bem o fato de que, quando o nistagmo desaparece em certas posições do
olhar, o indivíduo tende a tomar uma posição compensadora para melhorar sua acuidade
visual.
■ A oscilospsia dos objetos reais com sensação de tremor dos objetos (como no cinema) é
inconstante. Quando ocorre, afirma-se que o nistagmo é adquirido.
■ As vertigens de tipo rotatório só são observadas nos nistagmos em mola e traduzem uma
lesão labiríntica.
Enfim, a diplopia não é excepcional. Trata-se de uma diplopia monocular que denota, quase
sempre, um nistagmo de tipo central.
Tipos clínicos
Fisiológico
■ Nistagmos na posição extrema do olhar
É um nistagmo em mola leve de moderada frequência, encontrado quando os olhos estão
nas posições extremas do olhar.
■ Nistagmo optocinético
r
E um nistagmo em mola causado por um impulso alterado dos núcleos vestibulares para os
centros de olhar horizontal. A fase lenta é iniciada pelos núcleos vestibulares, e a rápida,
pelo tronco encefálico e via frontomesencéfalica.
O nistagmo rotatório é causado por lesões no sistema vestibular. O teste calórico é feito
da seguinte maneira: 1) quando se usa água fria na orelha direita, o paciente desenvolve um
nistagmo em mola para a esquerda (fase rápida para a esquerda); e 2), quando se usa água
quente na orelha direita, o paciente desenvolve um nistagmo em mola para a direita (fase
rápida para a direita).
260 I Neuroftalmologia
Nistagmo sensorial
r
E devido a um defeito aferente no controle do sistema neural de fixação ocular. A catarata congênita,
a hipoplasia macular, o albinismo e a amaurose congênita de Leber são causas desse tipo de nistagmo.
Nistagmo motor
Esse é devido, teoricamente, a um defeito primário no mecanismo eferente, e pode ser de
diversos tipos:
■ Nistagmo congênito
r
■ Spasmus nutans
É um nistagmo assimétrico, pendular, leve e rápido, e pode ser horizontal, vertical ou ro
tatório. Há uma posição anormal da cabeça, ou seja, encontra-se inclinada. Desenvolve-se
entre o 4- e \ 2- meses de vida e, usualmente, melhora aos 3 anos.
■ Nistagmo latente
É um nistagmo em mola e ocorre em fixação uniocular. Quando um olho é ocluído, ambos
os olhos desenvolvem nistagmo, com a fase rápida em direção ao descoberto. É encontrado
em crianças com esotropia congênita.
Ocasionalmente, um elemento do nistagmo congênito é superposto ao nistagmo mani
festo. Nessa condição, quando um olho é coberto, a amplitude do nistagmo aumenta.
■ Nistagmo atáxico
Ocorre no olho abduzido associado à oftalmoplegia internuclear.
■ Nistagmo em downbeat
Nesse tipo de nistagmo, a fase rápida é para baixo e é patognomônico da lesão na junção
cervicomedular no forame magno.
■ Nistagmos “upbeat”
Nesse tipo, a fase rápida é para cima e uma causa comum é a intoxicação por fenitoína;
também,está associado a lesões da fossa posterior.
■ Nistagmo em retração-convergência
É um nistagmo em mola em que a fase rápida traz os dois olhos para a convergência. É uma
associação com retração do olho na órbita. Esse tipo de nistagmo é causado por cocontra-
ção dos músculos extraoculares, particularmente os retos mediais. Ocorre em lesões da
área pré-tectal, tais como acidentes vasculares e pinealomas. Quando associado à paralisia
do olhar vertical, dissociação luz-perto das pupilas, retração palpebral, espasmo de acomo
dação e outros sinais mesencefálicos, constitui a síndrome de Parinaud.
■ Nistagmo em see-saw
Acontece quando um olho se encontra com elevação e intorção, enquanto o outro se apre
senta com abaixamento e extorção.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 261
Nistagmo vestibular
0 elemento fisiológico estimulante dos canais semicirculares é o deslocamento da endolinfa
dentro do canal, a resposta ao estímulo.
0 nistagmo provocado é produzido no plano do canal estimulado. Sua oscilação lenta é
orientada no sentido da corrente endolinfática.
Dentro dos canais horizontais, a estimulação ampulípeta é superior à estimulação ampu-
lífuga. 0 inverso ocorre nos canais verticais.
Partindo dessas constatações, foram definidas normas para provocar o nistagmo labirínti
co. Pode-se, então, apreciar a qualidade da resposta obtida. Os processos mais utilizados são
as provas térmicas e rotatórias.
■ Prova térmica
Princípios: a injeção de água fria no conduto auditivo externo provoca uma paralisia do labi
rinto do mesmo lado, enquanto a injeção de água quente, uma excitação. Lembrando que
os dois labirintos estão normalmente em equilíbrio, a injeção de água fria vai evidenciar,
assim, a ação do labirinto oposto, que não é mais contrabalançado, enquanto a injeção de
água quente, ao contrário, provoca a atividade do lado irrigado.
Técnica: injeção dentro do ouvido, em 20 s, de 50 cm3 de água a 30° (fria) e, depois, a 44°
(quente). A irrigação fria gera um nistagmo, cuja oscilação rápida está orientada para o lado
oposto. A irrigação quente provoca um nistagmo, com oscilação rápida orientada para o
lado irrigado.
■ Prova rotatória que utiliza o estímulo fisiológico e a corrente endolinfática
A técnica clássica é a técnica de Barany: rotação rápida numa cadeira giratória, 10 voltas em
10 s, seguidas de parada brusca.
É o nistagmo pós-rotatório que é estudado. A cupulometria, porém, é cada vez mais uti
lizada. Consiste em estudar a duração do nistagmo e da sensação vertiginosa observada em
2 6 2 I Neuroftalmologia
cada parada de uma cadeira girando com velocidades progressivas crescentes. Consegue-se,
assim, uma curva que dá conta do valor do sistema cupuloendolinfo.
Nistagmo sensorial
É devido a um defeito aferente no controle do sistema neural de fixação ocular. Poderá ocorrer
em casos de catarata congênita, hipoplasia macular, albinismo e amaurose congênita de Leber.
Nistagmo congênito
r
Sp a sm u s n u tan s
r
Nistagmo latente
É um nistagmo congênito provocado por oclusão de um olho. Não existe, então, com os dois
olhos abertos. Quando um ou outro olho está ocluído, aparece um nistagmo bilateral “em
mola” , na maioria dos casos, horizontal, desigual na sua amplitude e ritmo. O nistagmo latente
é frequentemente acompanhado de um estrabismo associado a uma ambliopia unilateral em
mais de 50% dos casos. A acuidade visual medíocre em visão monocular por causa do nistagmo
é, muitas vezes, subnormal quando os dois olhos estão abertos.
Nistagmo retratório
É uma sucessão ritmada de deslocamento dos globos oculares em função do eixo anteropos
terior. Na maioria dos casos, é desencadeado pelos movimentos de elevação ou de convergên
cia. Aparece, então, uma sucessão dos movimentos rápidos de retração com estreitamento da
rima palpebral e dos movimentos lentos de protrusão com alargamento. Acredita-se em uma
contração rítmica das pálpebras. Esse nistagmo retratório é, frequentemente, associado: a) à
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 6 3
Paranistagmos
■ Miorritmias oculares
As miorritmias oculares fazem parte de um quadro clínico bem individualizado, caracteri
zado pela existência de movimentos involuntários, rítmicos e sincrônicos nos territórios
musculares da cabeça, pescoço e tórax.
Os movimentos mioclônicos extraoculares atingem o palato (elevação e abaixamento),
faringe, laringe, cordas vocais, assoalho da boca, comissura labial, músculos da face, mus
culatura do pescoço, músculos intercostais e diafragma.
As miorritmias oculares aparecem em 50% dos casos, em geral, alguns meses após o início
dos movimentos do palato. Essas mioclonias oculares são, quase sempre, perfeitamente conju
gadas, rotatórias, horizontais ou verticais. São movimentos pendulares de amplitude variável e
ritmo rápido (50 a 200 ciclos). Elas, habitualmente, são conscientes, provocando uma sensação
de movimento do ambiente. É interessante notar que os barbitúricos, embora não tenham efei
to sobre as mioclonias do palato, diminuem ou anulam as oculares.
A etiologia das mioclonias oculovelofaringodiafragmáticas é múltipla. Em ordem de fre
quência, aparecem, em primeiro lugar, os acidentes vasculares que atingem o cerebelo e
tronco encefálico; em segundo, os tumores e, mais raramente, as encefalites, esclerose em
placas, meningites etc. Acredita-se que esses processos provoquem as miorritmias à medi
da que acometam a oliva bulbar e/ou o núcleo denteado do cerebelo.
■ Dismetria ocular
Esse fenômeno ocorre em qualquer mudança de fixação. Embora a dismetria ocular seja obser
vada, na maioria das vezes, nos movimentos horizontais, ela já foi evidenciada no olhar vertical,
e mesmo na convergência. Trata-se de uma série de movimentos conjugados pendulares, de
amplitude decrescente, que ocorrem durante a mudança de fixação. A análise das oscilações
mostra que, na maioria dos casos, os olhos executam um movimento exagerado, ultrapassando
o objeto de fixação (hipermetria) e, em seguida, executam uma série de oscilações denominadas
de retificações negativas, com o objetivo de corrigir o posicionamento ocular. O inverso tam
bém já foi relatado, isto é, o movimento inicial não alcança o objeto (hipometria), sendo, então,
corrigido por oscilações denominadas de retificações positivas.
A amplitude da hipermetria é variável (5 a 10°), e a duração das oscilações raramente
excede 1 s.
A dismetria pode ser bidirecional, aparecendo tanto à direita, como à esquerda ou unidi-
recional, ocorrendo no lado da lesão. É interessante notar que, a despeito de ser essencial
mente uma alteração do sistema sacádico, ela também aparece nos movimentos de pour-
suite. De fato, se o teste em movimento for bruscamente imobilizado, há uma hipermetria
seguida de oscilações compensadoras de amplitude decrescente.
A patogenia da dismetria é, ainda, hipotética e, segundo Orzechowski, tratar-se-ia de
uma anomalia cerebelar.
2 6 4 I Neuroftalmologia
■ Flutter ocular
Essas oscilações aparecem espontaneamente nas mudanças de fixação e podem se iniciar
ao final do ou durante este movimento. Embora ocorram em qualquer posição do olhar, em
certos pacientes são mais frequentes em determinadas posições especificas.
As crises de “flutter” iniciam-se e terminam bruscamente, provocando uma alteração tem
porária da visão. Elas se mantêm a despeito da oclusão palpebral e parecem aumentar de
frequência com a excitação, fadiga ou emoção.
Clinicamente, os sinais neurológicos associados ao flutter são, essencialmente, de natu
reza cerebelar e podem assumir a forma de uma ataxia aguda.
A etiologia é variável ao flutter, podendo ocorrer nas seguintes condições: heredodegenera-
ções, processos encefalíticos, esclerose em placas, tumores cerebelares e malformações.
■ Opsoclono
O opsoclono constitui uma manifestação clínica bem característica, observada nas encefa-
lites que atingem o tronco cerebral e se acompanham de mioclonias.
Trata-se de movimentos binoculares anormais, em geral conjugados, de ritmo e inten
sidade irregulares. Com efeito, em alguns pacientes, as oscilações tomam um aspecto ca
ótico praticamente sem ritmo. Os movimentos, às vezes violentos, são quase constantes,
fazendo com que os globos oculares permaneçam num estado contínuo de agitação. Algu
mas vezes, entretanto, o opsoclono pode ter um caráter paroxístico, aparecendo em salvas
irregulares, separadas por curtas pausas. Nesses casos, as oscilações são precipitadas pela
movimentação ocular, em especial a convergência.
Segundo a direção do movimento, podem-se distinguir dois tipos de opsoclonos: aque
les em que os olhos se deslocam somente no plano horizontal e os que apresentam movi
mentação ocular em todos os planos. Os doentes com opsoclono podem apresentar uma
sintomatologia variada, que inclui: visão borrada, oscilopsia, espasmos de convergência,
retração palpebral, mioclonias esqueléticas etc.
Clinicamente, o opsoclono pode aparecer como um sinal secundário de um quadro neu
rológico grave ou, ao contrário, ser a manifestação primordial de uma encefalite benigna.
A etiologia do opsoclono é múltipla. De fato, ele tem sido relatado em casos de ence-
falites epidêmicas ou não, poliomielite, síndrome paraneoplásica com atrofia do cerebelo,
neuroblastomas, insuficiência vertebrobasilar e intoxicação pelo DDT.
Existe um consenso de que o fenômeno deve-se ao acometimento do tronco cerebral e/
ou cerebelo e é uma verdadeira mioclonia da musculatura extrínseca ocular.
■ O bobbing ocular
O bobbing ocular é uma alteração oculomotora e trata-se de movimentos conjugados verti
cais de vaivém, que aparecem bruscamente em indivíduos comatosos com lesão extensa da
ponte, apresentando uma paralisia do olhar horizontal.
O movimento comporta duas fases: um abaixamento brusco de ambos os olhos, de 2
a 5 mm de excursão, seguindo-se ou não a uma pausa, e um retorno mais lento à posi
ção mediana. O fenômeno é normalmente transitório, pois frequentemente os pacientes
morrem rapidamente é acompanhado de paralisia do olhar horizontal ou do VI par. A
etiologia, normalmente é vascular, havendo quase sempre um extenso infarto hemorrá
gico intra-protuberancial.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 6 5
NISTAGMO
FISIOLÓGICO CONGÊNITO
I
Ponto extremo Motor Sensorial Latente
(idiopático) (defeito da visão)
Induzido
Fármacos Calórico
Rotacional
Optocinético
ADQUIRIDO
Vestibular See-saw
Alternante periódico
Dismetria
F lu tte r
Opsoclonus
Horizontal
Rotatório
Vertical
Tipo III - Forma intermédia; nistagmo que, em posição primária, excede 5o (tipo I), mas que
se comporta como o do tipo II na resposta aos movimentos oculares. Tipicamente, essa forma
evolui para o tipo II característico e revela, na maior parte dos casos, uma encefalopatia de
Wernicke (déficit de tiamina).
vezes, associado com um nistagmo periódico alternante, que também traduz uma alteração
na junção cervicobulbar.
Nistagmo de convergência-retração, como o seu nome indica, em posição primária o do
ente apresenta um nistagmo que provoca movimentos de convergência e retração dos globos
oculares, que são exagerados por sacadas de elevação. Em situações muito tênues, a retração
pode ser exagerada pela colocação de alvos optocinéticos em posição inferior. Essa forma de
nistagmo apresenta uma localização neuroanatômica precisa, a área cinzenta periaqueductal.
Aparece associado com sinais de disfunção mesencefálica, como paralisia da elevação, disso
ciação convergência-luz e retração palpebral. É essencial o seu reconhecimento, pois algumas
das causas são curáveis: 1) pinealomas, 2) gliomas de mesencéfalo, 3) aneurismas da grande
veia de Galeno, 4) malformação arteriovascular (no mesencéfalo) e 5) acidente vascular cere
bral (mesencéfalo-substância cinzenta periaquaductal).
Nistagmo periódico alternante é um nistagmo sacádico horizontal e que, periodicamente,
muda de direção, persistindo continuamente enquanto o indivíduo permanece desperto, po
dendo ocorrer durante o sono. O padrão básico em cada doente permanece geralmente cons
tante. Ainda que múltiplas causas tenham sido implicadas na gênese dessa forma de nistagmo,
deve prestar-se particular atenção à eventual patologia que envolva a junção craniocervical.
Devem esses doentes ser submetidos ao estudo detalhado das estruturas da fossa posterior,
com recurso, se necessário à TAC, angiografia carotídea ou encefalografia gasosa. Por último,
a frequente associação dessa forma com o downbeat nystagmus, faz pressupor uma localização
lesionai semelhante.
Spasmus nutans é uma forma de nistagmo em sacadas (± 10°), geralmente bilateral, com
amplitudes diferentes em cada olho, podendo ser monocular, quando representa 98% dos
nistagmos monoculares, e com direção tanto vertical como horizontal ou rotativa. Apresen
ta uma amplitude pequena e frequência elevada e, além de ser assimétrico, tende a variar
também com a direção do olhar. Agrava, geralmente, no olhar para a esquerda e bloqueia
para a direita. Surge, habitualmente, acompanhado de movimentos de cabeça e torcicolo,
numa tentativa de abolir os movimentos oculares. Surge na infância e desaparece por volta
dos 3 anos, sem sequelas. Essa forma não estaria incluída nessa descrição se não fosse o fato
de poder estar associada a um glioma das vias ópticas, tornando-se necessária a elimina
ção dessa hipótese de diagnóstico, com recurso, se necessário, à TAC. Quando uma criança
apresenta um nistagmo monocular, devem colocar-se as seguintes hipóteses de diagnóstico:
1) spasmus nutans, 2) estrabismo, 3) ambliopia, 4) anisometropia, 5) glioma das vias ópticas
e 6) cegueira unilateral. O diagnóstico de spasmus nutans é um diagnóstico por exclusão dos
demais.
Nistagmo da oftalmoplegia internuclear é a existência de um nistagmo sacádico no olho
em abdução associado a um déficit na adução do outro olho, caracteriza uma oftalmoplegia
internuclear. Essa entidade está ligada a uma lesão do feixe longitudinal medial, desde que
tenham sido excluídas eventuais causas periféricas (p. ex., miasteniagrav/s). De um modo mais
preciso, a lesão do feixe localiza-se entre a protuberância bulbar (zona média) e os núcleos
oculomotores (do tronco cerebral). Como causas mais frequentes temos, no adulto jovem, a
esclerose múltipla e, no idoso, a doença vascular oclusiva. Raramente, pode colocar-se a hipó
tese de um tumor comprimindo o tronco cerebral.
2 6 8 I Neuroftalmologia
BIBLIOGRAFIA
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Alterações das Pálpebras
As pálpebras são dobras musculofibrosas que cobrem a parte anterior do bulbo ocular, haven
do distinção entre a pálpebra superior, mais móvel, e a pálpebra inferior.
A face anterior da pálpebra inferior é convexa em toda a sua extensão, e a pálpebra supe
rior só o é em sua parte inferior. A rima palpebral é a abertura limitada pelas pálpebras superior e
inferior. A face posterior é côncava e amolda-se, perfeitamente, ao bulbo ocular. A borda livre
é dividida pelo ponto lacrimal em duas partes: lacrimal e ciliar. A lacrimal está desprovida de
cílios e a ciliar apresenta-se com cílios. As glândulas ciliares, nas proximidades, são do tipo
sudorípara e sebácea. Finalmente, a borda aderente da pálpebra superior corresponde à borda
anterior do osso frontal, que é separado pelo sulco orbitopalpebral.
A pele é fina e apresenta numerosos pelos de véus anexos às glândulas sebáceas. A tela
subcutânea é formada de tecido conjuntivo frouxo, pobre em gorduras, que se deixa infiltrar
facilmente. A camada muscular inclui porções dos músculos orbicular do olho e levantador
da pálpebra superior. O orbicular do olho é um esfíncter fino, plano e elíptico que circunda o
ádito da órbita. Consiste em três partes: orbital, palpebral e lacrimal.
A parte orbital está fixada na margem medial da órbita por um tendão que apresenta
duas partes: uma direta, que se prende ao lábio anterior do dueto nasolacrimal, e outra
reflexa, que se une ao lábio posterior do mesmo canal. Entre os dois, encontra-se o saco
lacrimal. No ângulo lateral da órbita, os feixes musculares entrecruzam-se e terminam na
pele da região.
A parte palpebral está contida nas pálpebras. Suas fibras nascem do ligamento palpebral
medial e dirigem-se, lateralmente, em posição ventral à placa tarsal e ao septo orbital de cada
pálpebra. As fibras pré-tarsais das duas pálpebras formam um tendão comum, ligamento pal
pebral lateral, que está fixado na eminência orbital do osso zigomático.
269
2 7 0 I Neuroftalmologia
A parte lacrimal situa-se dorsalmente ao osso lacrimal. Origina-se na crista lacrimal pos
terior, passa através do tarso de cada pálpebra e insere-se, na maioria das vezes, no septo
palpebral lateral.
A parte palpebral une as pálpebras levemente, como no pestanejar e no sono. O fe
chamento forçado das pálpebras efetua-se pela cooperação da parte orbital. Considera-se
a parte lacrimal do orbicular como um dilatador do saco lacrimal, mas alguns autores sus
tentam que, ao contrário, ela o comprime. O músculo orbicular do olho é inervado pelo
facial.
O levantador da pálpebra superior inicia-se na órbita da asa menor do esfenoide, acima
do canal óptico. Suas fibras dirigem-se para frente, terminando na pálpebra superior por duas
lâminas: uma superficial, que é praticamente conjuntiva, passa por entre os feixes do músculo
orbicular do olho, terminando no meio e na face anterior do tarso superior, e outra profunda,
constituída por fibras musculares lisas, formando o músculo társico superior, que termina na
borda superior do tarso superior. O levantador, inervado pelo oculomotor, é antagonista do
orbicular do olho. Sua ação é atuar sobre a pálpebra, levando-a para cima, sendo influenciado
pelo reto superior, já que não se pode levar a córnea para cima (ação do reto superior) estando
a pálpebra fechada.
A camada conjuntival submuscular apresenta-se com as mesmas características da tela
subcutânea.
A camada fibrosa compreende o septo orbital e o tarso. O septo orbital é uma delgada
membrana fibrosa, presa em toda a borda da órbita, onde se fixa na periorbita. Estende-se até
o levantador da pálpebra superior até o tarso, na pálpebra inferior. Lóbulos de gordura podem
herniar da órbita através do septo orbital.
Os tarsos são formados de elementos conjuntivos, que se condensam de modo particu
lar, e, também, de fibras elásticas. O tarso superior tem a forma semilunar, e o inferior, de um
largo retângulo. Unem-se as duas extremidades à base da órbita pelos ligamentos palpebral
medial e lateral.
Os músculos társicos superior e inferior são pequenas lâminas de músculos lisos encontra
das nas pálpebras superior e inferior, respectivamente. O társico superior une o levantador da
pálpebra superior à borda superior do tarso. O músculo társico inferior é pouco desenvolvido.
Ambos são inervados por fibras simpáticas.
Cada tarso é extensamente escavado pelas glândulas társicas de tipo sebáceo. A mucosa
está representada pela conjuntiva palpebral.
As pálpebras são nutridas, principalmente, pelas artérias palpebrais mediai e lateral, ra
mos da oftálmica e lacrimal, respectivamente. Essas artérias formam arcos nas pálpebras su
perior e inferior. As veias drenam para a oftálmica e para as veias da fronte e da têmpora. Os
linfáticos apresentam a mesma distribuição das veias.
Os nervos são motores que provêm do nervo facial - sensitivos, do supra-orbital, supra-
trolear, lacrimal, infraorbital - e simpáticos, provenientes do simpático cervical.
Na fisiologia palpebral, consideram-se: 1) músculos que abrem as pálpebras: a) músculos que
levantam a pálpebra superior: o levantador da pálpebra superior, o músculo társico superior e
o músculo frontal; e b) músculos que abaixam a pálpebra inferior: o músculo társico inferior;
e 2) músculos que fecham as pálpebras: a) o músculo orbicular do olho; e b) músculos acessórios
e o músculo corrugador do supercílio e o músculo prócero.
Alterações das Pálpebras | 271
SEMIOLOGIA
Os movimentos das pálpebras são controlados pelos nervos oculomotor e facial e pelo sistema
oculossimpático, sendo todos eles controlados por sistemas supra-nucleares.
No núcleo do nervo oculomotor, o subnúcleo para o levantador da pálpebra superior é
ímpar e mediano. Está situado no complexo caudal nuclear e assegura a inervação dos dois
levantadores das pálpebras superiores. Esse núcleo recebe aferências corticobulbares
e extra-piramidais bilaterais. É possível, por estimulação a nível das áreas frontal, temporal e
occipital, obter abertura das pálpebras acompanhada de movimento da cabeça e do tronco.
A estimulação a nível da área 8 frontal obtém uma abertura isolada dos olhos, predominante
mente do olho contralateral à estimulação.
Uma lesão cerebral frontal ou temporal e do giro angular pode ser acompanhada de uma
blefaroptose, geralmente bilateral e discreta.
O sistema oculossimpático inerva o músculo társico superior ou músculo de Müller. Cada
músculo recebe, exatamente, a mesma inervação, que é agonista homóloga contralateral. As
sim, assegura a perfeita sinergia dos movimentos palpebrais e, desse modo, obedecem à lei
de Sherrington ou lei da inervação recíproca.
O músculo de cada olho é ativado pelo orbicular do olho e é acompanhado por uma inibi
ção do levantador, e vice-versa.
Assim, devem ser estudados a abertura e o fechamento das pálpebras. O piscar pode ser
automático, reflexo e voluntário. O fenômeno de Charles Bell existe e é uma ascensão (10°) e
rotação externa do olho a um esforço do fechamento forçado das pálpebras.
PATOLOGIA
Formas clínicas
Do ponto de vista do estado estático, a paralisia facial periférica completa unilateral pode
ser estudada observando-se os seguintes aspectos: o olho aberto; a sobrancelha abaixada; a
pálpebra superior ligeiramente mais alta do lado são por retração do levantador da pálpebra
que não encontra oposição habitual de seu antagonista, o orbicular; o ectrópio da pálpebra
inferior e a fenda palpebral alargada.
2 7 2 | Neuroftalmologia
Formas topográficas
As formas centrais são as lesões cortical e subcortical.
As formas periféricas são: 1) a lesão pontina inferior: paralisia facial periférica, paralisia
do olhar associado e hemiplegia contralateral; 2) lesão no ângulo ponto-cerebelar: diminuição
da secreção lacrimal, hiperacusia dolorosa, diminuição da secreção salivar, ageusia dos dois
terços anteriores da língua, déficit muscular do rosto, comprometimento de outros nervos
cranianos e, às vezes, hipertensão craniana; 3) lesão no canal do facial a nível do gânglio ge-
nicular em que ocorre o comprometimento de todas as funções do nervo facial; 4) lesão entre
o gânglio genicular e a origem do nervo do músculo do estapédio ocorrendo o comprometi
mento de todas as funções do nervo facial, salvo a secreção lacrimal; 5) lesão entre a origem
do músculo do estapédio e a corda do tímpano levando ao comprometimento de todas as
funções do nervo facial, salvo a secreção lacrimal e audição; e 6) perto da corda do tímpano,
uma lesão resulta apenas no déficit muscular da face.
Diplegias
As principais diplegias são: síndrome de Moebius (lesão do nervo facial bilateral e do nervo
abducente bilateral); diplegias centrais (no caso de síndrome opercular, elas apresentam uma
paralisia faciolaringofaringiana) e diplegias periféricas (em caso de síndrome de Guillain-Barré
ou de traumatismo).
Diagnóstico diferencial
Deve ser feito com: retração do levantador da pálpebra superior em caso de doença de Base
dow; retrações cicatriciais; miopatias e miasteniagraWs.
Blefarospasmos
Descrição e formas clínicas
O blefarospasmos pode ser bilateral ou apenas um hemiespasmo, sendo mais comum no sexo
feminino. O blefarospasmo essencial é limitado à região orbitopalpebral e bilateral.
A síndrome de Meige estende-se até os músculos orbiculares e superficiais da face e ocorre
bilateralmente. É uma distonia craniocervical. São contrações involuntárias dos músculos or
biculares dos olhos por espasmos que se estendem aos músculos superficiais da face, da man
díbula, da língua, da faringe, da laringe, do esôfago e do pescoço.
O hemiepasmo facial estende-se aos músculos orbiculares dos olhos e superficiais da face,
e ocorre unilateralmente.
A distonia generalizada observa-se na doença de Wilson, em encefalites, miopatias e na
síndrome de Halleworden-Spatz.
Etiologia
O blefarospasmo pode ser voluntário ou involuntário. O blefarospasmo essencial é caracteri
zado por uma contração idiopática bilateral involuntária dos músculos orbiculares dos olhos.
Frequentemente, os músculos corrugadores dos supercílios são afetados, causando o enruga-
mento das sobrancelhas. Além disso, podem ser vistos movimentos distônicos da musculatura
facial inferior. Nos estágios iniciais da desordem, muitas vezes os pacientes são diagnosticados
erradamente e podem até ser dispensados, como se apresentassem um problema funcional.
O blefarospasmo pode também ser identificado em condições neurológicas, tais como doença
de Parkinson.
O hemiespasmo facial é caracterizado por contrações irregulares intermitentes involuntá
rias e unilaterais dos músculos de expressão facial. O músculo orbicular do olho é geralmente
o primeiro músculo facial a ser envolvido. Esse hemiespasmo pode ser primitivo ou secundário
à paralisia facial periférica.
Retração palpebral
Retração palpebral é o termo usado para designar a elevação excessiva da pálpebra superior
que, geralmente, produz a ilusão de proptose do indivíduo que a apresenta. Quando em graus
discretos, é difícil de caracterizar, uma vez que a posição da pálpebra superior é influenciada
2 7 4 | Neuroftalmologia
por muitos fatores, incluindo a idade, o estado de atenção do indivíduo e a direção do olhar.
A posição normal da margem palpebral superior é 1 a 2 mm abaixo do limbo esclerocorneano.
Considera-se que existe retração palpebral superior quando esta se situa acima do limbo, espe
cialmente quando existe exposição da esclera entre a margem da pálpebra superior e o limbo
esclerocorneano, estando o paciente com os olhos na posição primária do olhar. Na pálpebra in
ferior, considera-se que existe retração palpebral quando esta se situa 1 a 2 mm abaixo do limbo.
Existem várias condições que causam a retração da pálpebra superior, sendo a doença
tireoidiana dos olhos a mais frequentemente encontrada. As causas não neurológicas adicio
nais são: a instilação de fármacos simpaticomiméticos, o uso prolongado de corticoesteroides
sistêmicos, a cicatrização da pálpebra superior e a contratura ou encarceramento do músculo
reto inferior.
A retração palpebral pode ser uni ou bilateral e resultar de hiperatividade do músculo
levantador da pálpebra ou do músculo de Miiller, ou de condições que produzam contratura
ou encurtamento do levantador. Desse modo, as retrações palpebrais podem ser classificadas
como neurogênicas, miogênicas e mecânicas.
Pseudorretração palpebral ocorre na maioria das vezes em pacientes com ptose do olho con-
tralateral. Quando um olho apresenta ptose, o contralateral se retrai pela ação do frontal bilateral
mente, no intuito de melhorar a posição da pálpebra ptótica. Nesses casos, quando corrigirmos a
ptose, a retração palpebral contralateral desaparece. Alguns desses pacientes causam grande con
fusão diagnóstica e são submetidos a investigação extensa e desnecessária da “retração palpebral”,
quando, na verdade, a afecção verdadeira é a ptose do olho contralateral.
Retração palpebral verdadeira pode ser de causa neurogênica como ocorre na síndrome de
Parinaud, na regeneração aberrante do nervo oculomotor, na hiperatividade simpática e no fe
nômeno de Marcus Gunn (piscar da mandíbula), entre outras. A retração bilateral da pálpebra
superior é uma descoberta comum em lesões dorsais do mesencéfalo rostral, na síndrome de
Parinaud (nesse caso, a retração palpebral é também denominada sinal de Collier). Os sinais
neuroftalmológicos associados consistem em dissociação pupilar luz-perto, paralisia do olhar
para cima e nistagmo de convergência-retração na tentativa de olhar para cima. Acredita-se,
também, que a hidrocefalia na infância produz retração da pálpebra superior através do envol
vimento do mesencéfalo rostral.
Causas miogênicas incluem a retração palpebral congênita e a orbitopatia distireoidiana.
Causas mecânicas incluem as lesões cicatriciais das pálpebras, remoção excessiva de tecido
cutâneo em blefaroplastias e proptoses axiais acentuadas.
A retração palpebral (sinal de Dalrymple) constitui-se no sinal mais importante do acome
timento orbitário na doença de Graves e está presente em cerca de 90% dos indivíduos com
essa afecção. Além da retração, vários outros sinais palpebrais podem auxiliar na caracteri
zação da orbitopatia distireoidiana, incluindo principalmente o uIag palpebral” (sinal de von
Graeffe), o movimento palpebral denteado no olhar para baixo (sinal de Boston), o edema da
pálpebra superior (sinal de Enroth), e a dificuldade na eversão palpebral (sinal de Gilford). Na
orbitopatia distireoidiana, a retração palpebral superior pode ser uni ou, mais comumente,
bilateral. Muitas vezes a pálpebra inferior também é acometida e, nesse caso, a retração é
definida em relação ao limbo inferior, uma vez que, nas pessoas normais, a pálpebra inferior
geralmente tangencia o limbo na porção inferior da córnea. Assim, a retração palpebral em
milímetros representa o quanto de esclera existe entre a margem palpebral e o limbo inferior.
Alterações das Pálpebras | 2 7 5
Blefaroptose
Conceituação e fundamentos
Ptose palpebral ou blefaroptose é a condição em que a margem da pálpebra superior está
situada em um nível mais baixo que o normal, na posição primária do olhar, cobrindo mais de 2
mm superiores da córnea. Pode ser causada por inúmeras condições neurológicas e neuromus-
culares, além de processos locais e anomalias congênitas. A blefaroptose pode afetar todos
os grupos de idade e ser congênita ou adquirida. Suas causas são numerosas. É importante
reconhecer que a própria blefaroptose é meramente um sinal físico e, antes de serem tomadas
decisões terapêuticas, é essencial fazer todo o esforço para determinar a causa básica.
Antes de discutir o diagnóstico diferencial das ptoses, é importante relembrar algumas consi
derações anatômicas e fisiológicas importantes, já discutidas no início deste Capítulo. A fenda pal
pebral mede em torno de 9 a 10 mm no adulto, e é determinada pela interação dos músculos que
abrem e daqueles que fecham as pálpebras. A abertura da pálpebra é feita pelo elevador palpebral
auxiliado por dois músculos acessórios; o músculo de Müller e o músculo frontal. O elevador da
pálpebra é inervado pelo oculomotor, com fibras que se originam no subnúcleo deste, o qual que
está situado caudalmente no núcleo do oculomotor. As fibras seguem pelo nervo oculomotor e,
ao nível do seio cavernoso, prosseguem pela sua divisão superior. O subnúcleo do elevador sofre
influência de controles supranucleares que se localizam nos lobos frontais, no giro angular e no
lobo temporal. Esses controles explicam por que as pálpebras ficam mais ou menos abertas, depen
dendo do estado de alerta. Quando se olha atentamente para algo, as pálpebras chegam a abrir até
2 mm e, ao contrário, quando se está sonolento, elas caem.
No entanto, na sua maior parte, a influência inervacional sobre o subnúcleo do oculo
motor destinado ao elevador da pálpebra se faz por controles reflexos mais baixos. Um dos
reflexos mais básicos é a coordenação do controle das pálpebras um com o outro. Todos os
movimentos de uma e outra pálpebra, no indivíduo normal, são virtualmente idênticos. Além
disso, a inervação simétrica dos dois olhos através da lei de Hering também funciona nas pál
pebras. Quando um olho apresenta ptose, o contralateral se retrai na tentativa de melhorar. Se
corrigirmos a ptose, a retração palpebral desaparece.
A atividade do elevador da pálpebra é ligada diretamente à dos outros músculos extra-
oculares. Um tônus inervacional semelhante entre o elevador da pálpebra e o reto superior
existe. Quando se olha para cima, os dois são inervados. Quando se olha para baixo, os dois
são inibidos, até a inibição máxima na parte inferior. Uma relação inversa de inervação entre o
reto superior e o oculomotor existe quando se fecha a pálpebra com força ou durante o sono.
Parece também haver uma pequena sincronia entre o elevador da pálpebra e os músculos ho
rizontais. Já se observou atividade do elevador em abdução e adução em uma certa porcenta
gem de indivíduos. Há também uma sincinesia entre o elevador da pálpebra e a abertura da
boca. Muitos indivíduos, quando solicitados a abrir os olhos, abrem a boca, e vice-versa. Com
relação à sincinesia entre elevador e orbicularis, observamos que, durante o piscar voluntário
ou periódico, o tônus do elevador se extingue, ao passo que o orbicularis se contrai.
Pseudoblefaroptose
A pseudoblefaroptose refere-se a uma condição que imita a verdadeira blefaroptose. É im
portante considerar que diversas condições podem simular uma ptose palpebral. O termo
2 7 6 | Neuroftalmologia
pseudoptose refere-se a uma aparente ptose não relacionada com alterações neurais, miopáti-
cas ou neuromusculares. Uma das causas mais importantes de pseudoptose é a existência de
estrabismo vertical. Quando um olho se situa abaixo do outro, a pálpebra do olho hipotrópico
acompanha esse olho de tal modo que se posiciona também abaixo do nível do olho normal
contralateral, simulando uma ptose. A simples oclusão do olho normal permite o diagnóstico,
uma vez que o olho hipotrópico se eleva, normalizando a posição da pálpebra. Pseudoptose
pode ocorrer também por falta de suporte do globo ocular para a pálpebra no enoftalmo, na
microftalmia congênita e na atrofia do globo ocular. O enoftalmo pode ocorrer em casos de
atrofia da gordura orbitária e fraturas de assoalho da órbita e até na síndrome de Duane. Nessa
síndrome, quando ocorre adução do olho, existe uma cocontração dos músculos retos medial
e lateral (por anomalia inervacional), levando a enoftalmo e queda da pálpebra por falta de
suporte do globo ocular.
Dermatocálase é um achado comum que também pode simular, ou mesmo mascarar, uma
ptose. Essa condição resulta de um excesso de pele na pálpebra superior que leva a dobrar-se
sobre a margem palpebral. Da mesma maneira, o edema palpebral, em processos inflamatórios
da pálpebra, ou mesmo da conjuntiva tarsal superior, pode simular uma ptose. Pseudo-ptose
pode também originar de hiperatividade involuntária do músculo orbicularis. Quando está pre
sente em apenas um lado, uma irritação local deve ser suspeitada, como, por exemplo, uma
ceratite ou um corpo estranho. Do mesmo modo pode ocorrer em quadros iniciais de blefa-
rospasmo que podem ser confundidos com a ptose decorrente de miastenia gravis. A hiperati
vidade do orbicularis pode também ser voluntária em casos de pseudoptose funcional. Outras
considerações importantes no diagnóstico diferencial das ptoses são a retração palpebral ou
exoftalmia no olho contralateral. Nos dois casos, dependendo da conformação facial e do
aspecto prévio do pacientes, pode existir confusão, quando se considera a pálpebra normal
como apresentando ptose pela comparação com o olho contralateral anormal. Por fim, deve
mos lembrar como causas de pseudoptose o epicanto, a assimetria facial e a atrofia de gordura
da pálpebra superior levando à elevação do sulco orbitopalpebral.
Quanto à blefaroptose verdadeira, esta pode resultar de desordens neurológicas, de falhas
específicas na inervação do músculo levantador da pálpebra superior, ou de desordens que
afetam o próprio músculo levantador e que ocorrem por falhas na aponeurose do levantador
ou na junção da aponeurose com o tarso, ou por fatores mecânicos que restringem o movi
mento normal da pálpebra. Esses mecanismos etiológicos podem ser encontrados em todos
os grupos etários, mas com frequência variada. A blefaroptose pode ser dividida em congênita
e adquirida.
Blefaroptose congênita
Trata-se uma das anomalias palpebrais mais comuns. Embora ocasionalmente a ptose congê
nita seja neuropática, como em pacientes com paralisia oculomotora ou síndrome de Horner
congênita, na grande maioria dos casos a ptose congênita é miopática, causada por falta de
desenvolvimento do músculo elevador da pálpebra e seu tendão.
A ptose congênita responde por 60 a 70% das ptoses e é bilateral em 25% dos casos. Pode
ser uma anomalia isolada ou associada a outros defeitos, como epicanto, anormalidades do
ponto lacrimal, catarata congênita, anisometropia e, particularmente, estrabismo e ambliopia.
Alterações das Pálpebras | 2 7 7
Blefaroptose adquirida
Quanto à ptose adquirida, ela pode ser dividida em: 1) ptose de origem neurogênica por altera
ção no nervo oculomotor ou no simpático ocular; 2) ptose por alteração na junção neuromus
cular; 3) ptose por alteração miogênica, e 4) ptose por alterações locais da pálpebra (mecânica).
elevadores é uma estrutura única na linha média que se localiza na porção caudal do núcleo do
oculomotor no mesencéfalo. As lesões que acometem essa região produzem ptose, que é bi
lateral e associada a outras disfunções oculomotoras, como exotropia, limitação da elevação,
adução, elevação ou depressão do olho, de acordo com o acometimento de outros subnúcleos
do oculomotor. Nesses casos, geralmente também ocorrem outros sinais mesencefálicos, tais
como paralisia do olhar conjugado vertical, lesão do nervo troclear e desvio skew, embora, em
alguns casos, a ptose bilateral possa ser o achado predominante. As lesões mesencefálicas que
podem causar ptose por acometimento do núcleo do elevador são inúmeras e incluem lesões
isquêmicas, desmielinizantes, inflamatórias, infiltrativas e compressivas. Raramente esse tipo
de ptose pode ser congênito por aplasia ou displasia do núcleo do oculomotor.
A ptose por lesão do fascículo ou do nervo oculomotor é quase sempre unilateral. O diag
nóstico é estabelecido pela observação do acometimento de outros músculos extraoculares,
levando a limitação da adução, elevação e abaixamento do olho acometido (Fig. 1). O acometi
mento pupilar é bastante frequente, embora não seja obrigatório e esteja ausente em algumas
condições, em especial nas vasculopatias. É importante observar que o acometimento de ou
tros músculos extraoculares e da pupila pode ser muito discreto e deve ser objeto de pesquisa
cuidadosa. Deve ser avaliado o alinhamento ocular pela oclusão alternada dos olhos, com o
paciente fixando determinado objeto e colocando-se nas diversas posições do olhar, uma vez
que, em alguns casos, a limitação da motilidade ocular pode ser bastante discreta. A medida
do desvio ocular com o uso de lentes prismáticas é muitas vezes fundamental para estabelecer
o diagnóstico de uma paralisia oculomotora nos casos em que a limitação da movimentação
ocular é discreta. É importante também a observação da ptose palpebral no que se refere à
pesquisa de sinais de regeneração aberrante do nervo oculomotor, que se manifesta especial
mente no olhar para baixo e para dentro quando se observa elevação (anormal) da pálpebra. A
regeneração aberrante do oculomotor pode ocorrer após a recuperação de paralisias causadas
em especial por lesões traumáticas, e é um sinal diagnóstico importante em muitos casos.
neurônios que carregam a inervação simpática para a órbita. O primeiro (central) começa no
hipotálamo e faz sinapse com o segundo, na coluna de célula intermediolateral no cordão
espinal cervical inferior e torácico superior. O segundo neurônio (pré-ganglionar) atravessa
do tórax ao pescoço da primeira costela e ascende por trás da bainha da carótida, fazendo
sinapse com o terceiro neurônio no gânglio cervical superior, que se localiza em frente à
massa lateral do atlas e do axis. O terceiro neurônio (pós-ganglionar) estende-se ao longo
da artéria carótida interna para inervar o músculo liso das pálpebras superior e inferior, o
músculo dilatador da pupila e as glândulas sudoríparas e os vasos sanguíneos da cabeça e
do pescoço.
do cloreto de edrofônio (Tensilon), por via endovenosa, que geralmente mostra melhora
importante da ptose logo após a injeção, sendo positivo em torno de 80 a 95% dos casos.
O diagnóstico pode ainda ser auxiliado pelo uso da piridostigmina ou neostigmina por via
intramuscular, ou através da eletromiografia, que mostra sinais característicos da miastenia.
A blefaroptose é a manifestação clínica mais comum da miastenia. Ela pode ser uni ou bila
teral. O exercício do levantador da pálpebra superior ou o olhar sustentado para cima podem
provocar ou piorar a blefaroptose. Pode ocorrer uma fraqueza associada do músculo orbicular
do olho, e o fenômeno de Bell pode ser leve.
O diagnóstico da miastenia deve ser feito em qualquer paciente com uma blefaroptose
adquirida e pupilas normais. Como já mencionado, o diagnóstico pode ser auxiliado pelo teste
de Tensilon (cloreto de edrofônio). O Tensilon é um agente anti-colinesterásico de curta dura
ção que, quando aplicado intravenosamente, aumenta a quantidade de acetilcolina disponível
na junção mioneural. Na maioria dos pacientes, ele superará, temporariamente, a fraqueza
muscular da miastenia. Entretanto, em caso de falha, o diagnóstico fica excluído. Outros testes
podem ser feitos, tais como um ensaio de anticorpos receptores de acetilcolinia, ou eletromio
grafia repetitiva de estimulação, mostrando respostas diminuídas. Devem ser tomadas certas
precauções antes de aplicar-se o teste Tensilon. O equipamento de ressuscitação deve estar
disponível e ser colocada uma cânula intravenosa para acesso venoso. O monitoramento dos
sinais vitais deve ser executado antes e no decorrer do teste. A atropina deve estar disponível
para combater quaisquer efeitos colinérgicos sistêmicos adversos. Uma pequena dose intrave
nosa do teste de Tensilon (2 mg) deve ser aplicada, observando-se a resposta. Se não houver
nenhuma melhora dos sinais miastênicos ou nenhum efeito colateral adverso, os 8 mg restan
tes devem ser injetados lentamente.
Na síndrome de Eaton-Lambert, a ptose geralmente é discreta, bilateral e não representa
uma queixa significativa do paciente. Quanto ao botulismo, também pode causar ptose em
torno de 33% dos casos. Nessas duas condições, existem outros sinais clínicos que, geralmente
permitem, com facilidade o diagnóstico da ptose.
2 8 2 I Neuroftalmologia
Outra condição que pode causar ptose miogênica é a distrofia miotônica, na qual a ptose bila
teral e simétrica é comum, embora possa ser ausente em casos de início tardio. O fechamento
ocular também é comprometido e a diplopia é incomum, embora restrição simétrica da movi
mentação ocular possa estar presente.
A oftalmoplegia externa progressiva crônica é uma condição caracterizada por paralisia simé
trica progressiva dos músculos extraoculares, os quais não respondem aos movimentos oculocefá-
licos nem à estimulação calórica. O músculo levantador é também afetado, resultando num grau de
blefaroptose relacionado ao grau de seriedade da desordem. A função do levantador é, geralmen
te, deficiente, assim como o fenômeno de Bell. Geralmente, a função orbicular é boa. À luz do mi
croscópio, o material de biópsia muscular pode revelar fibras musculares ragged-red características.
O microscópio eletrônico mostra, tipicamente, uma mitocôndria anormal.
O termo oftalmoplegia plus tem sido usado em referência a uma série de anormalidades
que podem ser encontradas em oftalmoplegia progressiva crônica. Estas podem ser manifes
tações de desordens neurodegenerativas associadas. A síndrome de Kearns-Sayre refere-se a
uma condição caracterizada por: oftalmoplegia progressiva crônica; degeneração pigmentária
retiniana, deficiências de condução cardíaca que, frequentemente, levam a um bloqueio com
pleto do coração; e níveis elevados na proteína do liquor. É importante identificar a deficiência
de condução cardíaca através de um eletrocardiograma, pois um marcapasso cardíaco pode
salvar vidas. A distrofia muscular oculofaríngea é uma condição hereditária e os indivíduos afe
tados apresentam, tipicamente, blefaroptose, dificuldade em engolir e oftalmoplegia externa
progressiva.
No botulismo, a toxina botulínica bloqueia a transmissão neuromuscular e é comumente usada
terapeuticamente no tratamento de blefarospasmo essencial. O botulismo, adquirido através do
envenenamento alimentar, é uma desordem neurológica muito rara, caracterizada por blefaropto
se e oftalmoplegia, seguidas de disartria e disfagia e, depois, de fraqueza das extremidades.
BIBLIOGRAFIA
285
2 8 6 | Neuroftalmologia
QUADRO CLÍNICO
Anamnese
A deficiência visual, em variados graus, é a forma mais comum de apresentação neuroftalmo-
lógica da simulação e da histeria; recebe as denominações de ambliopia funcional, ambliopia
psicogênica, perda visual funcional (PVF) ou não orgânica, e corresponde a aproximadamente
5% dos diagnósticos na prática oftalmológica geral. Um distúrbio funcional é aquele em que
não há alteração morfológica e para o qual não existe causa orgânica. Portanto, o diagnóstico
de perda visual funcional deve ser considerado quando há queixa de diminuição ou perda da
visão, não corroborada por lesão identificável da via visual. No entanto, não é raro o quadro
funcional se sobrepor à lesão orgânica preexistente. Estudos relatam que a PVF ocorrem em
53%dos adultos e 25% das crianças com doença orgânica concomitante. Nessa eventualidade,
a inconsistência e a desproporção entre a lesão orgânica e a função visual esperada auxiliam
no diagnóstico.
Tanto na histeria quanto na simulação, os sintomas oculares não são infrequentes, envol
vendo um ou ambos os olhos. As queixas nem sempre são exclusivas à área neuroftalmológi-
ca, já que, às vezes, associam-se a sintomas sistêmicos. Dentre as queixas oculares, ocorrem
relatos de dor, astenopia, diplopia mono ou binocular, poliopia, xantopsia ou eritropsia, ble-
farespasmo, pseudoptose, paralisia ou espasmo funcional do movimento conjugado do olhar,
espasmo de convergência e de acomodação, paralisia de acomodação associada à insuficiência
de convergência, nistagmo, alteração tubular do campo visual e perda parcial ou total da visão.
Simulação da Cegueira | 2 8 7
Quanto ao comprometimento de visão, a queixa pode ser caracterizada como perda de visão
bi ou monocular, total ou parcial, com ou sem comprometimento do campo visual, e, com fre
quência, perda em olho com afecção prévia.
No exame neuroftalmológico, podem ser observados “anestesia” ou “hipersensibilidade”
de pele, conjuntiva e córnea; tricotilomania; lacrimejamento associado a espasmo do orbicu-
lar; edema de pálpebra ou conjuntiva secundário, em geral, a introdução de corpo estranho no
saco conjuntival. O envolvimento pupilar pelo uso de midriáticos e, mais raramente, mióticos
também tem sido relatado.
Exame Oftalmológico
O exame do paciente simulador em geral é dificultado pela pouca colaboração, atitude defen
siva, e, muitas vezes, por já ter sido submetido a inúmeros exames e conhecer o mecanismo
de alguns deles. Constituem os maiores desafios, para o estabelecimento diagnóstico entre
lesão orgânica e funcional, os casos em que é alegada perda parcial mínima de visão, ou perda
visual na presença de lesão orgânica preexistente. A inconsistência dos resultados é um dado
importante na identificação do simulador, e o diagnóstico se estabelece através de vários
recursos semiológicos. O ideal é, além de desmascarar o paciente, documentar a acuidade
visual do olho acometido, segundo a queixa do paciente. Não é rara a necessidade de utilizar
da persuasão e da sugestão para que o paciente realize e dê respostas concretas aos testes
utilizados.
Na abordagem do paciente com suspeita de PVF, realizar exame oftalmológico cuidadoso,
com atenção ao erro refracional, à acuidade visual, aos reflexos pupilares e ao fundo de olho.
Na avaliação de defeito pupilar aferente relativo, considerar a possibilidade da utilização
prévia de medicamentos (midriáticos ou mióticos), anormalidade congênita de pupila, sinequia
posterior, uveíte anterior, doenças do SNC, glaucoma, trauma ocular e síndrome de Horner. De
feito pupilar aferente relativo pode ser observado nas fases iniciais da neuropatia óptica unilate
ral. Nos casos bilaterais, ocorre inversão de amplitude de resposta entre o reflexo pupilar à luz e
a resposta pupilar à convergência acomodativa. A presença de miose mais intensa à estimulação
luminosa do que à acomodação e convergência demonstra normalidade de função pupilar. Testes
de colírios podem ser úteis na presença de pupila midriática, fixa tanto à estimulação luminosa
quanto para perto. A pupila tônica de Adie responde à pilocarpina a 0,125%, enquanto o blo
queio pupilar por fármaco não é revertido com uso de pilocarpina a 1%.
Quando da suspeita de ambliopia, observar se há fixação foveolar, presença de estrabismo
ou microtropia.
A avaliação cuidadosa do disco óptico e da retina, particularmente da área macular, pode
revelar anormalidades sutis que podem ou não corresponder ao grau de perda visual referido
pelo paciente.
Testes subjetivos e objetivos devem ser utilizados no exame do paciente quando da sus
peita de perda de visão funcional. A queixa do paciente deve ser considerada na escolha da
abordagem, a utilização de correção óptica adequada durante os testes é necessária, a estraté
gia do exame deve ser previamente estabelecida e os testes devem ser aplicados rapidamente.
Avaliar a mesma função com diferentes métodos, assim como as que o paciente assume esta
rem relacionadas à visão, como a propriocepção, e fazer uso de testes de confusão.
2 8 8 | Neuroftalmologia
A cegueira completa unilateral é o quadro mais comum. Utilizar testes que possam causar
confusão entre os dois olhos, ou que requeiram visão binocular para a obtenção de resposta.
A maior parte dos testes anteriores serve para essa condição de simulação. A correção óptica
adequada é necessária, pois os testes dependem de diferentes princípios ópticos. Observar
cuidadosamente, durante os testes, se o paciente não fecha voluntariamente um dos olhos:
1. No refrator, à medida que se mede AV, alternar a oclusão entre os dois olhos, ou introduzir
lentes esféricas positivas de +3D em frente ao olho bom. Pedir para o paciente ler a linha
de menor letra possível, estabelecendo-se assim a AV.
2. Outra variante do referido teste é a utilização de duas lentes cilíndricas de 3 ou mais diop-
trias com sinais opostos colocados no mesmo eixo. À medida que o paciente faz a leitura
da tabela de leitura, girar o eixo da lente posicionada em frente ao olho bom. Se o paciente
continuar lendo, estará utilizando o olho contralateral, isto é, o “afetado”.
3. Do mesmo modo podemos utilizar visão de perto para o teste citado. Utilizando a correção
de perto, colocar uma lente de +6 D no olho bom, pedir para o paciente ler o texto a 17
cm e ir afastando vagarosamente. Se ele continuar a leitura do texto, com certeza estará
utilizando o olho “doente”
Simulação da Cegueira | 2 8 9
4. Enquanto o paciente estiver lendo, colocar repentinamente um prisma de 10° com base externa
em frente ao olho suspeito. Se o olho examinado tiver capacidade visual, ele se moverá para den
tro e, quando o prisma for removido, então se moverá para fora, para manter visão binocular.
5 .0 teste de 4 dioptrias de von Norden ou Parks, utilizado no diagnóstico de microtropia e
da síndrome de monofixação, também é útil. Se um dos olhos tiver um pequeno escotoma
de supressão secundário à microtropia, ou se for cego, esse olho não se moverá lateral
mente e permenecerá desviado quando o prisma com base externa for colocado em frente
ao olho trópico. Se os dois olhos são normais, ocorre um movimento para fora do olho
contralateral, para a retomada da bifixação (fusão compensatória).
6. Enquanto o paciente lê em voz alta um texto, colocar um prisma vertical (base para cima
ou para baixo) de 6 a 12° em frente ao olho cego. Se o olho suspeito for amaurótico ou
altamente amblíope, ele continuará lendo normalmente, mas, se tiver boa visão, haverá
dificuldade imediata na leitura, sendo esta muitas vezes interrompida.
7. Colocar um lápis verticalmente entre o olho bom e a tabela de visão de perto, pedir para
o indivíduo ler mantendo a cabeça e o texto estáticos e ambos os olhos abertos. Se toda a
linha for lida, ele deve ter visão binocular, uma vez que a leitura integral se torna possível
devido à sobreposição dos campos (teste de Javal ou Cuignet).
8. Com o examinado fixando um pequeno foco luminoso, colocar um prisma de 8o com a
base inferior em frente ao olho “cego”, e perguntar quantos focos está vendo. O simulador
usualmente nega a presença de diplopia. Ao se colocar o prisma no olho normal, ele pode
referir diplopia. Se amblíope, o paciente poderá suprimir uma das imagens ou perceber
diferença de claridade nos dois focos de luz.
9. Baseado no conhecimento de que a luz colorida passa através de um vidro de cor similar, en
quanto cores complementares são filtradas, se um texto grafado com letras verdes e vermelhas
for lido com um filtro vermelho em frente a um dos olhos e verde em frente ao outro, o exa
minador pode identificar o olho utilizado, assim como a acuidade visual. O olho atrás da lente
vermelha vê toda a linha, enquanto que o olho com lente verde vê somente as letras verdes. Se
ao se colocar a lente vermelha em frente ao olho anormal e a verde em frente ao olho bom, o
indivíduo ler toda a linha, a natureza fictícia da queixa pode ser estabelecida.
10. A resposta ao teste de estereoacuidade de Titmus depende de boa acuidade visual em cada
um dos olhos; portanto, no présbita deve ser realizado com correção de perto. A estereoa
cuidade apresenta uma correspondência estimada com a acuidade visual; por exemplo es-
tereopsia de 40" corresponde a visão de 20/20 em cada um dos olhos enquanto estereopsia
de 124" a AV de 20/100.
11.0 NOC é realizável monocularmente cobrindo-se de maneira dissimulada o olho bom. A pre
sença de nistagmo reforça o diagnóstico, mas o simulador pode fixar além ou aquém das linhas.
12. A obtenção de respostas normais no potencial evocado visual por padrão reverso (PEV-PR)
ajuda a estabelecer ou confirmar o diagnóstico de simulação.
Perda parcial da visão uni ou bilateral constitui a queixa em que o diagnóstico se torna
mais difícil e trabalhoso. Nessa condição, a determinação da acuidade visual real nem sempre
é obtida, mas pode se identificar claramente que as respostas não são fisiológicas. Lembrar
2 9 0 | Neuroftalmologia
que pacientes com campo tubular e AV de 20/20 apresentam dificuldade de locomoção, en
quanto aqueles com escotoma central denso e campo periférico conservado não apresentam
nenhuma dificuldade em sala cheia de obstáculos. Além dos testes anteriores, considerar:
1. Um optótipo de 20/50, quando lido a 3,5 m, equivale a AV 20/100. Medir a acuidade visual,
mantendo-se a mesma letra do optotipo, em distâncias diferentes. A inconsistência de res
posta auxilia no diagnóstico. Os anéis de Landolt são ideais para esse tipo de teste, devido
a não familiaridade, perda da orientação linear e perda de correlação entre o tamanho do
círculo e o da área aberta (Fig. 1).
2. A medida da AV de longe e perto no olho acometido fornece dados diagnósticos quando há
desproporcionalidade entre visão de longe e de perto. Em geral, o simulador refere melhor
visão para perto do que o esperado considerando-se a redução da AV longe, como, por
exemplo, AV longe 20/200 e perto J1 , na distância de 33 cm.
3. Projetar um optotipo isolado, como por exemplo, 20/40. Pedir ao paciente que o leia, com
os dois olhos abertos, colocar um prisma de 10 dioptrias com a base inferior em frente ao
olho normal; o paciente perceberá diplopia. Perguntar quanto à nitidez das duas letras; se
iguais, a visão é a mesma nos dois olhos (Fig. 2).
4. Colocar o grau encontrado na retinoscopia no refrator ou na armação de provas dizendo
ao paciente que são lentes de aumento; persuadir o paciente a ler as letras menores.
5. Deixar a sala totalmente escura, para que o paciente perca as referências, e medir a acui
dade visual primeiro do olho afetado, começando com a linha de 20/15 do optotipo.
6. Outros testes têm sido descritos, e muitos deles requerem a utilização de recursos não dis
poníveis comumente no consultório, como: discos, lentes polaroides rotatórias, amblios-
cópios, teste do olhar preferencial e sistemas mais complexos computadorizados.
Fig. 1 Medir AV em diferentes distâncias. Se AV 20/100 a 6 m (a) deve reconhecer o optotipo 20/50 a 3,5 m (b).
Simulação da Cegueira | 291
Fig .2 Teste de confusão com uso de prisma, detecção da visão no olho "afetado" e da AV.
Campo visual
Apesar de o mais típico em PVF ser a baixa da acuidade visual com campo visual normal, a alte
ração de campo visual constitui a segunda anormalidade mais comumente observada. O defeito
campimétrico pode ser simulado no exame realizado com a tela tangente, o perímetro de Gold-
mann ou com o perímetro automatizado. Mas, sem dúvida, a detecção dos defeitos de CV é mais
facilmente obtida com a perimetria de Goldmann. Contração concêntrica do campo com ou sem
defeito central, campo tubular, campo em espiral e a sobreposição de isópteras constituem as
alterações campimétricas características dessa condição (Fig. 3). Alargamento da mancha cega,
escotomas paracentrais ou cecocentrais, assim como defeitos quadrânticos, altitudinais e hemia-
nópicos bitemporais ou binasais, são pouco observados como alterações campimétricas funcio
nais. Quando da presença de escotoma central com campo periférico normal, a investigação de
causas orgânicas é mandatória.
Antes da utilização de exames mais elaborados, são úteis as informações obtidas no CV de
confrontação, tais como ausência de expansão do campo periférico ao se realizar o teste com
objetos grandes a cerca de 40 cm e, depois, a 1,5 m.
No teste com tela tangente realizado em diferentes distâncias, mantendo-se equivalência
dos alvos, campos inconsistentes e não fisiológicos podem ser detectados. O aumento do ta
manho da mancha cega e dos limites periféricos do campo, ao se mover a distância do teste de
1 para 2 m, em geral não é do conhecimento do amblíope funcional, e campos circularmente
constritos e constantes são obtidos.
Os parâmetros de confiabilidade utilizados na campimetria computadorizada não se têm
mostrado úteis na identificação de pacientes com distúrbio funcional, uma vez que os índices
de resultados falsos-positivos, falsos-negativos e perda de fixação são similares aos observa
dos em portadores de lesão orgânica. Alguns autores consideram inapropriada a realização do
exame de campo visual com perímetro automatizado quando da suspeita de perda de campo
funcional. O simulador sem experiência prévia pode facilmente produzir, no campímetro de
Humphrey, defeitos compatíveis com lesão orgânicas de via óptica.
2 9 2 I Neuroftalmologia
a . C V e m e s p ira l b . C V tu b u la r
c . c o n tra ç ã o c o n c ê n tric a c o m
e s c o to m a c e n tra l
Testes Eletrofisiológicos
Uma vez determinado não haver evidências de anormalidade no exame ocular que justifi
que a queixa, e sendo necessário confirmação da normalidade ou não de função, ou maior
Simulação da Cegueira | 2 9 3
documentação para fins legais, os testes eletrofisiológicos podem e devem ser realizados. Tan
to o eletrorretinograma (ERG) quanto o potencial evocado visual (PEV) fornecem dados objeti
vos quanto à integridade da retina e via óptica. Na realização desses exames, as informações
clínicas disponíveis devem sempre ser cuidadosamente consideradas.
O ERG, que mede a atividade de fotorreceptores e camadas externas da retina, muitas ve
zes se mostra alterado antes do aparecimento de lesões retinianas mais evidentes. Nas fases
iniciais de algumas doenças retinianas, como distrofia de cones, doença de Stargardt, retinose
pigmentar, retinose sem pigmento e doenças inflamatórias de camadas externas da retina,
apesar de o fundo de olho ser aparentemente normal, anormalidades de resposta podem ser
observadas precocemente no ERG de campo total e no ERG multifocal (Fig. 4).
O ERG por padrão reverso (PERG) reflete exclusivamente a função das células gangliona
res e da camada de fibras nervosas, e depende da integridade da retina e do nervo óptico. É
bastante susceptível à nitidez da imagem e do contraste na retina. O borramento da imagem
tem um impacto maior na amplitude do PERG do que na do PEV. Associado ao PEV, é bastante
útil no diagnóstico da simulação, uma vez que monitoriza a fixação do paciente. Os registros
simultânea do PERG e do PEV fornecem dados importantes da função visual do simulador.
Respostas normais do PERG com PEV normal não são compatíveis com acuidade visual menor
que 0,6, e resposta normal do PERG associada à anormalidade de resposta do PEV demonstra
disfunção da via óptica. O inverso é registrado nas maculopatias leves ou excêntricas.
O PEV-PR é um dos poucos métodos objetivos e não invasivos de que se dispõe para ava
liar a presença e a qualidade da função visual, uma vez que reflete a habilidade de ver. Há tam
bém uma correlação estreita com a AV obtida pela tela de Snellen. Apresenta utilidade máxima
nas doenças que envolvem o segmento proximal da via óptica. A normalidade de resposta a
w
J\^/ \A/ >/V/^ Ring [piV/deg] m m [ms] [ms]
Ar Ar Ar W* Av Ar
A'
2D Amplitudes P1(b) (Relative To Internai Normal) 3D Amplitudes P1(b) (Difference Result/Normal DB)
20° 10° 0o 10° 20°
» * 1 * ■
Fig. 4 ERG multifocal com depressão de respostas centrais em paciente com AV 20/40 e FO normal. Distro
fia oculta de cones AO.
2 9 4 | Neuroftalmologia
Fig. 5 Respostas normais de PEV-PR com estímulos e 7 e 14', em paciente com AV alegada de 20/400 OE.
Simulação da Cegueira | 2 9 5
O PEV de varredura é um método que permite avaliação da AV em ciclos por grau, dando
uma estimativa com maior exatidão quanto à AV real.
O diagnóstico de PVF deve ser estabelecido através de dados positivos; o diagnósticos por exclu
são não é aceitável. Os testes anteriormente referidos são úteis no diagnóstico diferencial entre
lesões orgânica e funcional. Aspectos da anamnese e do exame ocular devem ser considerados
na elaboração diagnóstica. Pacientes com disfunção da retina externa podem apresentar queixa
de diminuição da AV, borramento da visão, fotofobia, fotopsia, escotomas centrais e paracentrais
e alteração na visão de cores, sem que se detecte alteração retiniana ou de reflexo pupilar. Nesse
caso, é útil a realização de ERG focal ou multifocal. A queixa de diminuição ou perda aguda da
acuidade visual uni ou bilateral acompanhada de dor à movimentação ocular, com defeito pu
pilar aferente e fundo de olho normal, é sugestivo de neurite óptica retrobulbar. Nos quadros
bilaterais, observar a diferença de amplitude entre a miose decorrente da estimulação luminosa
direta da pupila e a provocada pela convergência dos olhos, pois a presença de dissociação luz
perto é um dado importante no diagnóstico. O PEV-PR, bastante útil nessa condição, apresenta
respostas com diminuição de amplitude e aumento significativo de latênca de PI 00.
Em presença de queixa de baixa acuidade visual com exame oftalmológico normal e au
sência de sinais ou sintomas de quadro cortical, o diagnóstico de ambliopia funcional deve ser
considerado.
Na prática diária, o diagnóstico diferencial entre simulação e histeria nem sempre é tão sim
ples. A diferença conceituai entre elas é difícil, podendo coexistir sintomatologicamente. Às
vezes, o ganho secundário torna-se bastante evidente e definido. A presença de discrepâncias,
contradições, exageros bizarros dos sintomas sugere simulação. A indiferença e ausência de
ansiedade sobre a perda funcional sugerem histeria. O indivíduo histérico pode apresentar
desejos de ganho secundário emocional, como amor, atenção, carinho ou compaixão, dificul
tando o diagnóstico diferencial entre histeria e simulação.
Segundo Spaeth, há três tipos de simuladores: o mentalmente normal, que simula a doença
ou o dano com o propósito de ganho pessoal, suas queixas não sendo em geral consistentes.
O trabalhador que quer uma indenização ou que deseja não retornar ao trabalho e a criança
que não quer ir à escola constituem exemplos; o degenerado, que simula para evitar o trabalho
ou a responsabilidade, apresenta história plausível, é em geral hostil, desconfiado, não coo
perativo e não dá respostas francas; e o psicopata que apresenta queixa de sintomas bizarros
obviamente não verdadeiros.
TRATAMENTO
E importante tranquilizar a criança com PVF quanto à normalidade de seus olhos, imputar
a dificuldade visual a estresse ou algum fator plausível e explicar quanto à recuperação da vi-
r
são. E necessário conversar em particular com os pais ou pessoas responsáveis, explicar a in
consistência das respostas e a boa função visual. Os pais precisam entender que é uma manei
ra, apesar de não apropriada, de a criança expressar suas dificuldades, procurar ajuda devido
a estresse interno ou externo de ordem familiar, escolar, ou outros, e que eles necessitam de
apoio, compreensão, carinho ou alguma forma de ajuda psicológica. Em geral, o diálogo entre
pais e filho pode levar à causa do problema, sendo rara a necessidade de ajuda psicológica ou
psiquiátrica. Medicamento placebo, exercícios, oclusão e, principalmente, atenção auxiliam
na abordagem. Medidas punitivas não devem ser utilizadas. A recuperação da AV em geral é
lenta e gradativa, podendo não ser completa, assim como não eliminar a alteração do campo
visual. O ganho secundário constitui um dos principais obstáculos ao tratamento efetivo, pois
a doença traz vantagens que serão perdidas com a cura.
Os simuladores adultos podem usar a perda funcional para obtenção de atenção ou ca
rinho, mas na grande maioria, a razão é de natureza monetária. É importante explicar ao pa
ciente que o acidente, trauma ou doença não é o fator responsável pelo problema visual. Ao
se demonstrar a inconsistência fisiológica nas respostas e que a queixa não decorre da causa
alegada, pode-se impedir que o paciente continue com o esforço para ganho financeiro.
BIBLIOGRAFIA
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Índice Alfabético
Números em itálico são referentes às figuras. Os números em negrito indicam onde os assuntos são
abordados mais extensamente.
A Amiodarona, 110
Anamnese
Acuidade visual, 10, 162 em neuroftalmologia, 1-8
medida da, 10 Angiografia
Adenomas hipofisários, 87, 167 fluoresceínica, 29
tipos de, 167 Angiofluoresceinografia, 64, 146
Afecções Aneurisma, 176
do quiasma óptico, 157-179 Anisocoria
Agnosia visual, 201 diferencial da, 217
Alcoólatra essencial, 211
neuropatia óptica carencial, 117 Anomalias
Alexia congênitas do nervo óptico, 31-42
sem agrafia, 202 Anormalidades pupilares, 210
Alterações Arterite temporal, 74
da estabilidade ocular, 236 biópsia, 78
da vergência, 237 características clínicas, 76
das pálpebras, 269-284 definição, 74
do reflexo vestíbulo-ocular, 237 diagnóstico, 77
do seguimento ocular, 237 exames laboratoriais, 78
dos movimentos sacádicos, 236 fisiopatogenia, 75
fundoscópicas, 163 incidência, 74
motoras oculares, 4 manifestações oftalmológicas, 76
pupilares, 162, 205-218 perda visual, 77
anatomia e fisiologia, 205 quadro clínico, 76
semiologia da pupila, 208, 208 tratamento, 79
297
2 9 8 | Neuroftalmologia
Edema Glioma
de disco óptico, 49 do nervo óptico, 91
neuropatias compressivas com, 86 achados histopatológicos, 93
neuropatias compressivas sem, 87 história natural dos, 93
de papila, 73 tratamento, 94
da hipertensão intracraniana, 143 do quiasma óptico, 172
difuso, 73 definição, 172
Eletrorretinograma Goldmann
de padrão reverso, 29 campímetro de, 14
Embaçamento visual, 3 Graves
Esclerose múltipla doença de, 256
e neurite óptica, 54
Escotoma, 3, 17
H
central, 17
Etambutol, 108 Hemianopsia, 15
características clínicas, 109 altitudinal inferior, 16
mecanismo de ação, 108 heterônima, 16
toxicidade ocular, 108 homônima direita, 16
Etilenoglicol, 112 Hipertensão intracraniana
Exame edema de papila da, 143
de neuroimagem, 87 Hipoplasia
neuroftalmológico, 9-30 do nervo óptico, 31
avaliação da função visual, 10 definição, 31
avaliação das pupilas, 21 diagnóstico, 32
biomicroscopia, 22 histologia, 32
inspeção e exame ocular externo, 9 patogenia, 32
introdução, 9 Holmes-Adie
motilidade ocular extrínseca, 22 pupila de, 212
oftalmoscopia, 23 Horner
propedêutica complementar, 24 síndrome de, 215
Infância
Fibras
neurite óptica na, 65
de mielina, 41
Irradiação
diagnóstico diferencial, 42
neuropatia óptica induzida pela, 112
ocorrência, 41
Isoniazida, 109
Flutter ocular, 264
efeitos da, 109
Função visual
alterações na, 201
avaliação da, 10 L
recuperação da, 56
Lambert-Eaton
síndrome de, 253
3 0 0 I Neuroftalmologia