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S É R I E O F T A L M O L O G I A B R A S I L E I R A

C O N S E L H O B R A S I L E I R O DE O F T A L M O L O G I A

3a Edição

Coordenador
MILTON RUIZ ALVES

NEUROFTALMOLOGIA

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

m
GUANABARA
KOOGAN
% Cu ltu ra M édica ®

CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA


CONSELHOBRASILEIRODEOFTALMOLOGIA

SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA

3a Edição

NEUROFTALMOLOGIA

2013-2014
CONSELHOBRASILEIRODEOFTALMOLOGIA

SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA

3â Edição

NEUROFTALMOLOGIA

2013-2014

III
SÉRIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO

NEUROFTALMOLOGIA

EDITOR

Mário Luiz Ribeiro Monteiro

Professor Associado, Livre Docente da Divisão de Clínica Oftalmológica


da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP
r

Chefe dos Serviços de Neuroftalmologia e Doenças da Orbita do Hospital


das Clínicas de São Paulo, SP
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Oftalmologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, SP

COORDENADOR
Milton Ruiz Alves

m
GUANABARA
KOOGAN
Cu ltu ra Médica®
Rio de Janeiro - RJ - Brazil

V
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

N414
3. ed.
Neuroftalmologia / editor Mário Luiz Ribeiro Monteiro ; coordenador Milton Ruiz Alves. - 3. ed. - Rio
de Janeiro : Cultura Médica : Guanabara Koogan, 2013.
il. (Oftalmologia brasileira / CBO)

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978-85-7006-577-3

1. Neuroftalmologia. I. Monteiro, Mário Luiz Ribeiro. II. Alves, Milton Ruiz. III. Conselho Brasileiro de
Oftalmologia. IV. Série.

13-02867 CDD: 617.762


CDU: 617.761

© Copyright 2013 Cultura Médica®

Esta obra está protegida pela Lei nQ9.610 dos Direitos Autorais, de 19 de fevereiro de 1998, sanciona­
da e publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998.
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e-mail: cultura@culturamedica.com.br

VI
Colaboradores

Adalmir Morterá Dantas Marco Aurélio Lana-Peixoto


Alexandre Chater Taleb Mário Teruo Sato
Antonio Luiz Zangalli Paulo Mitsuro Imamura
Carlos Filipe Chicani Maria Kiyoko Oyamada
Leonardo Provetti Cunha

VII
Apresentação

Quando do lançamento da Serie Oftalmologia Brasileira, o Professor Hamilton Moreira, então


presidente do CBO, inicia o seu prefácio da seguinte maneira: são acima de 6000 páginas, es-
r

critas por mais de 400 professores. E a maior obra da maior instituição oftalmológica brasilei­
ra: o Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
A concretização da Série Oftalmologia Brasileira representa a continuidade de um traba­
lho, um marco, a realização de um sonho.
Com o pensamento voltado na defesa desse sonho que, tenho certeza, é compartilhado
pela maioria dos oftalmologistas brasileiros, estamos dando início a uma revisão dos livros
que compõem a série. Além das atualizações e correções, resolvemos repaginá-los, dando-lhes
uma nova roupagem, melhorando sua edição, de maneira a tornar sua leitura a mais prazerosa
possível.
Defender, preservar e aperfeiçoar a cultura brasileira, aqui representada pelo que achamos
de essencial na formação dos nossos Oftalmologistas, é responsabilidade e dever maior do
Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
O conhecimento é a base de nossa soberania, e cultuar e difundir o que temos de melhor
é a nossa obrigação.
O Conselho Brasileiro de Oftalmologia se sente orgulhoso por poder oferecer aos nossos
residentes o que achamos essencial em sua formação.
Sabemos que ainda existirão erros e correções serão sempre necessárias, mas também
temos consciência de que todos os autores fizeram o melhor que puderam.
Uma boa leitura a todos.

Marco Antônio Rey de Faria


Presidente do CBO

IX
Agradecimentos

0 projeto de atualização e impressão desta terceira edição da “Série Oftalmologia Brasileira”


contou, novamente, com a parceria privilegiada estabelecida pelo Conselho Brasileiro de Oftal­
mologia com importantes empresas do segmento oftálmico estabelecidas no Brasil.
Aos autores e colaboradores, responsáveis pela excelente qualidade desta obra, nossos
mais profundos agradecimentos pela ampla revisão e atualização do conteúdo e, sobretudo,
pelo resultado conseguido que a mantém em lugar de destaque entre as mais importantes
publicações de Oftalmologia do mundo.
Aos presidentes, diretores e demais funcionários da Alcon, Genom, Johnson & Johnson
e Varilux nosso sincero reconhecimento pela forma preferencial com que investiram neste
projeto, contribuindo de modo efetivo não só para a divulgação do conhecimento, mas, tam­
bém, para a valorização da Oftalmologia e daqueles que a praticam.
Aos jovens oftalmologistas, oferecemos esta terceira edição da “Série Oftalmologia Bra­
sileira”, importante fonte de transmissão de conhecimentos, esperando que possa contribuir
tanto para a formação básica quanto para a educação continuada. Sintam orgulho desta obra.
Boa leitura!

Milton Ruiz Alves


Coordenador da Série Oftalmologia Brasileira

Alcori
a Novartis company GOFTALMOLOGIA
EN O M
Vision Care Vrrílu/ CssiLor
um a Lente CssiLor

XI
Sumário

1 Anamnese em Neuroftalmologia...................................................................................................................1
Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Antonio Luiz Zangalli

2 Exame Neuroftalmológico................................................................................................................................ 9
Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Leonardo Provetti Cunha

3
r

Anomalias Congênitas do Nervo Ó p t ic o ............................................................................................... 31


Mário Luiz Ribeiro Monteiro

4
r

Neurites Ópticas................................................................................................................................................... 43
Marco Aurélio Lana-Peixoto • Mário Luiz Ribeiro Monteiro

5
r

Neuropatia Óptica Isquêmica ..................................................................................................................... 67


Mário Luiz Ribeiro Monteiro

6
r

Neuropatias Ópticas Com pressivas.......................................................................................................... 85


Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Alexandre Chater Taleb

7
r ____

Neuropatias Ópticas causadas por Medicamentos, Substâncias Tóxicas e Irradiação 105


Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Adalmir Morterá Dantas

Neuropatias Ópticas Nutricionais................................................................ 115

Leonardo Provetti Cunha • Mário Luiz Ribeiro Monteiro

XIII
9 Neuropatias Ópticas Hereditárias................................................................ 123
Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Carlos Filipe Chicani

10
r

Traumatismos do Nervo Ó p tico .................................................................. 135


Mário Luiz Ribeiro Monteiro

11 Papiledema (Edema de Papila da Hipertensão Intracraniana) . . 143


Mário Luiz Ribeiro Monteiro

12
r

Afecções do Quiasma Ó p tico ........................................................................ 157


Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Paulo Mitsuro Imamura

13
r

Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas............................................... 181


Mário Teruo Sato • Mário Luiz Ribeiro Monteiro

14 Alterações Pupilares.................................................................................................................... 205


Mário Luiz Ribeiro Monteiro • Antonio Luiz Zangalli

15 Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar 219


Adalmir Morterá Dantas • Antonio Luiz Zangalli • Mário Luiz Ribeiro Monteiro

16 Alterações das Pálpebras............................................... 269


Antonio Luiz Zangalli • Adalmir Morterá Dantas Mário Luiz Ribeiro Monteiro

17 Simulação da Cegueira 285


Maria Kiyoko Oyamada

índice Alfabético 297

XIV
Anamnese em
Neuroftalmologia

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO • ANTONIO LUIZ ZANGALLI

INTRODUÇÃO

O exame neuroftalmológico representa uma etapa fundamental para o diagnóstico e tratamento


das afecções da via óptica e do controle dos movimentos oculares. Um dos seus elementos mais
importantes, se não o mais importante, é a anamnese. Trata-se também de um dos itens mais difí­
ceis do exame clínico, já que exige experiência e conhecimento, dada a complexidade envolvida na
obtenção dos dados decorrente de vários fatores que interferem na comunicação com o paciente,
incluindo: a diversidade de sintomas, a ansiedade e a desatenção dos pacientes, fatores culturais
que dificultam a comunicação entre o paciente e o médico e a escassez de tempo do examinador
para obtenção dos dados. Quando obtida de forma adequada, porém, uma história completa e
detalhada, ao lado de um exame oftalmológico minucioso, permite, na maioria dos casos, uma
orientação diagnóstica segura. Uma história completa é também elemento fundamental no sentido
de determinar a estratégia a ser usada no exame clínico que se segue à sua realização.
A anamnese se inicia com a identificação do paciente, com elementos como nome, idade,
sexo, etnia, estado civil, profissão, naturalidade e, nacionalidade. Inclui ainda a queixa princi­
pal que deve resumir em poucas palavras o motivo que levou o paciente a procurar ajuda. Em
seguida, a história da moléstia atual, os antecedentes oculares, antecedentes pessoais, antece­
dentes familiares, hábitos e a revisão dos sistemas ou interrogatórios sobre os diversos apare­
lhos. A identificação correta é extremamente importante, já que o local de nascimento e mo­
radia e o tipo de trabalho, atividade laborai, podem ter relação direta com algumas afecções.
A idade do paciente é também de fundamental importância. Na infância, são mais frequentes
os processos inflamatórios, na adolescência e no adulto jovem, os processos desmielinizantes
e, nos indivíduos idosos, as moléstias vasculares. Algumas afecções têm preferência acentuada
por determinado sexo, como é o caso, por exemplo, da neuropatia óptica de Leber, muito mais
frequente no sexo masculino. Após a identificação, segue-se a obtenção da história clínica e os
demais itens da anamnese, que serão discutidos a seguir.

1
2 | Neuroftalmologia

OBTENÇÃO DA HISTÓRIA CLÍNICA

Durante a anamnese, é de boa norma permitir que o paciente conte sua história com as pró­
prias palavras, devendo o examinador analisar quais são os principais sintomas e a cronologia
de cada um deles. Durante a narração da história, o examinador deve observar atentamente
o comportamento e as reações emocionais do paciente. É necessário conduzir a anamnese de
modo que o paciente caracterize suas queixas, rejeitando diagnósticos anteriores ou presumi­
dos por ele mesmo. Muitas vezes, os pacientes têm compreensões errôneas quanto à deno­
minação de sintomas que apresentam. Por exemplo, a descrição “embaçamento visual” pode
querer dizer falta de foco, perda de luminosidade e até uma falha localizada na visão, depen­
dendo do paciente. Desse modo o examinador deve ter muito cuidado e interpretar o que o
paciente descreve para que tenha uma compreensão exata da sua queixa. O que deve ser valo­
rizado e anotado não é apenas o nome que o paciente dá à sua sensação, mas sim a descrição
que faz da mesma. Essa descrição deve ser cobrada ativamente pelo examinador, procurando,
no exemplo já citado, definir o que o paciente procura expressar com o termo que utilizou, o
que exatamente quer dizer quando descreve o seu sintoma. É necessário, também, que o exa­
minador, ao obter a história clínica, procure utilizar termos simples, evitando termos técnicos
ou expressões interpretativas que possam gerar equívocos ou confusões futuras.
Nem sempre é possível o interrogatório do próprio paciente e, nessas circunstâncias, de­
vemos obter os dados clínicos fornecidos por parentes e/ou acompanhantes eventuais. Essa
situação se apresenta nos pacientes em coma ou com distúrbios psíquicos, como agitação psi­
comotora, confusão mental e demência. Da mesma forma em crianças, a anamnese nem sem­
pre é possível diretamente com o paciente. Em muitos desses casos, a criança é encaminhada
para exame neuroftalmológico por um pediatra ou neurologista infantil, que já conhece a sua
história pregressa. Nesses casos, o médico deve, sempre que possível, tomar ciência, através
daquele que referiu o paciente, do motivo pelo qual o exame foi sugerido, bem como saber
sobre o desenvolvimento da criança e anormalidades que porventura apresente.
É importante determinar quando se iniciou a doença e o modo de instalação desta; qual
a queixa principal que motivou a consulta e há quanto tempo ela está presente, seguida de
uma análise crítica dos sintomas. Por exemplo, uma perda visual de início súbito, como uma
mancha que ocorre ao acordar, pode já dar indicações muito fortes de uma neuropatia óptica
isquêmica. Por outro lado, a perda visual que piora rapidamente ao longo de alguns dias e
acompanhada de dor ocular à movimentação do olho sugere fortemente uma neurite óptica.
Uma cefaleia de início súbito, acompanhada de fotofobia e vômitos, pode traduzir uma crise
de enxaqueca, uma hemorragia meníngea ou, até mesmo, um glaucoma agudo.
Outro elemento importante na história clínica é o modo de evolução da moléstia. O ca­
ráter agudo é evidente nos processos isquêmicos e inflamatórios, bem como em muitas pa­
ralisias oculomotoras. O caráter progressivo é evidente nas neuropatias compressivas e here-
dodegenerativas. Algumas moléstias evoluem por surtos, ocorrendo remissões espontâneas
entre os surtos, como, por exemplo, a esclerose múltipla e a miastenia gravis. Determinadas
moléstias neuroftalmológicas traduzem-se por nítidas manifestações paroxísticas (enxaqueca
oftálmica), apresentando acalmia no período intercrítico.
No caso de crianças, os pais devem ser questionados acerca da história pré-natal, sa­
lientando-se o uso de medicações e processos infecciosos maternos durante a gestação,
Anamnese em Neuroftalmologia | 3

principalmente quando se suspeita de infecções congênitas. Informações a respeito da gesta­


ção, se a criança foi de termo ou prematura, peso ao nascer e eventuais complicações, como
anóxia ou hipóxia no período perinatal, que podem ter grande repercussão na esfera visual.

Sintomas relativos à perda visual


O principal distúrbio das vias visuais é a dificuldade de enxergar. O paciente pode procurar o
médico por perda visual, que pode ser uni ou bilateral, de instalação súbita ou progressiva.
Um quadro de perda visual súbita e unilateral pode sugerir uma neuropatia óptica isquêmica.
Devemos cobrar do paciente como foi a evolução da perda visual. Muitos pacientes conse­
guem relatar exatamente o momento do início da perda visual, particularmente nas afecções
inflamatórias e isquêmicas. No entanto, têm dificuldade para relatar a evolução após o início
da perda. Uma perda visual que progrediu rapidamente em alguns dias sugere fortemente uma
neurite óptica. Já a perda visual que se inicia rapidamente mas que se mantém constante nos
dias subsequentes leva à suspeita de uma afecção isquêmica.
É de importância fundamental saber se a perda visual é uni ou bilateral, se é central, pe­
riférica, altitudinal ou hemianópica. Se for intermitente, dura segundos, minutos ou horas?
Existe dor ocular associada? Existem outros sintomas neurológicos associados, tais como a
piora visual com o exercício ou aquecimento do corpo (sinal de Uhthofif), sensação de choque
elétrico na espinha dorsal quando o pescoço é fletido (sintoma de Lhermitte).
O médico deve ter em mente que, por vezes, a descrição de perda súbita da visão pelo
paciente pode ser falsa, explicável pelo reconhecimento da perda que antes não era observa­
da. Alguns pacientes notam o déficit visual ao ocluir um dos olhos, às vezes em decorrência
de algum outro problema (sensação de corpo estranho, conjuntivite, problemas com lentes de
contato etc.) e, no entanto, relatam a perda visual como sendo abrupta. Desse modo deve-se
estar atento a essas possibilidades quando da anamnese e perguntar como foi que notou a
perda visual, em que contexto a deficiência foi observada.
Os distúrbios da visão podem ser permanentes ou transitórios, simples ou complexos,
negativos ou positivos. Pacientes detectam sintomas positivos (cintilações visuais, manchas
vermelhas no campo de visão) com mais facilidade do que sintomas negativos ou depressões
periféricas do campo visual. É importante saber sobre fotopsias, distorções nas imagens (me-
tamorfopsia) ou micropsias, que muitas vezes indicam a presença de afecção retiniana e não
do nervo óptico.
Embaçamento visual é a queixa mais comum de pacientes com alteração da via óptica,
mas, infelizmente, a mais inespecífica, e os pacientes a usam para descrever uma grande diver­
sidade de percepções. Embaçamento, ou perda de definição dos limites do objeto, é produzi­
do por degradação da imagem óptica na retina em alterações refracionais e em opacidades de
meios. As causas ópticas de embaçamento visual devem ser distinguidas de lesões neuroftal-
mológicas. Sintomas associados de perda da visão de cores ou perda de luminosidade podem
auxiliar na distinção.
A palavra escotoma implica uma área circunscrita de escuridão no campo visual. Alguns
pacientes, no entanto, simplificam a queixa referindo que apresentam “visão embaçada”, e só
depois de questionados caracterizam a alteração visual como uma mancha na visão. Escoto-
mas decorrentes de afecções retinianas, particularmente doenças maculares, são muitas vezes
4 I Neuroftalmologia

percebidos como uma mancha central na visão. Por outro lado, nas afecções do nervo óptico
na maioria das vezes o escotoma não é percebido de maneira clara pelo paciente, a não ser
aqueles mais observadores.
Alterações do campo visual (escotomas, hemianopsias, quadrantanopsias) podem ser refe­
ridas pelos pacientes de bom nível mental, mas, na maioria dos casos, só serão evidenciadas
de modo correto durante o exame físico. Mesmo pacientes atentos podem não perceber um
defeito campimétrico periférico, especialmente quando de evolução lenta.
Pacientes com hemianopsia homônima podem ter dificuldade na leitura, particularmente
nos casos de perda no hemicampo direito, uma vez que não conseguem seguir as palavras
durante a leitura. Pacientes com hemianopsia esquerda, por outro lado, podem ler melhor
as palavras, mas perdem o início do texto quando mudam de uma linha para outra durante a
leitura. Muitos pacientes com hemianopsia homônima de um dos lados, quando descrevem a
perda visual, insistem que tiveram perda da visão de um dos olhos. Por exemplo, o paciente
com hemianopsia homônima direita, ao ser questionado, não raro refere que apresenta perda
visual no olho direito. O médico deve ter em mente a possibilidade dessa confusão, que pode
ser percebida quando perguntamos como é que o paciente via os objetos que estava olhan­
do. Desse modo, o relato de que via metade dos objetos (estando com os dois olhos abertos)
deixa claro que estamos diante de uma hemianopsia homônima, e não de perda visual em um
dos olhos.
O examinador deve, ainda, lembrar-se de que o sintoma de visão embaçada também pode
ser referido por pacientes com distúrbios da motilidade ocular (embaralhamento das ima­
gens), que ocorre quando a separação das imagens é próxima, o que confunde a percepção do
indivíduo. O dado semiológico mais importante nesses casos é a informação de que a visão
“borrada” melhora com a oclusão de qualquer um dos olhos.

Sintomas decorrentes de alterações motoras oculares


Sintomas decorrentes da perda da estabilidade e da fusão dos olhos são também importantes
em neuroftalmologia. Embaralhamento visual momentâneo ou diplopia são queixas comuns.
A percepção de visão dupla ocorre quando as imagens dos dois olhos caem em pontos retinia-
nos não correspondentes. As imagens são, portanto, projetadas em locais diferentes no espa-
r

ço. E importante certificar-se de que o paciente percebe o desaparecimento da diplopia quan­


do fecha um dos olhos. Essa informação é de fundamental importância, já que a “diplopia” que
persiste com apenas um dos olhos (diplopia monocular) é relacionada a alterações do globo
ocular (astigmatismo, catarata nuclear etc.) e não a transtornos motores dos olhos. Assim, se
o paciente reconhece que a diplopia desaparece com a oclusão de um dos olhos, a origem é
realmente um distúrbio da motilidade ocular, diferentemente da sensação de visão dupla que
persiste a despeito da oclusão de um dos olhos. A definição de qual é o músculo acometido
nos casos de diplopia pode começar pelo relato do paciente de qual é a posição do olhar que
causa maior separação das imagens. Por exemplo, uma diplopia horizontal cuja separação das
imagens aumenta no olhar à direita e diminui no olhar à esquerda sugere paralisia ou paresia
do nervo abducente à direita. Por outro lado, uma diplopia inclinada ou vertical que aumenta
no olhar para baixo e é minimizada pela torção da cabeça ou abaixamento do queixo sugere
uma parasilia do oblíquo superior.
Anamnese em Neuroftalmologia | 5

A diplopia pode ser horizontal, vertical ou inclinada, constante ou intermitente. Diplopia


francamente intermitente (alguns dias presente, outros dias completamente ausente) é muito
sugestiva de miastenia gravis com acometimento ocular, mas pode também ocorrer em pacien­
tes com descompensação intermitente de forias. Além disso, pacientes com paralisias parciais
podem referir diplopia intermitente que se manifesta dependendo do posicionamento da ca-
r

beça. E frequente o paciente com diplopia apresentar-se ao exame fechando voluntariamente


um olho, com o objetivo de eliminar a diplopia, ou com uma posição viciosa da cabeça em que
o sintoma não está presente.
Devemos lembrar ainda, na anamnese, que alguns pacientes com diplopia (com as imagens
muito próximas e sobrepostas) por vezes referem “embaçamento” ou embaralhamento visual. A
informação de que o “déficit” visual melhora com a oclusão de um dos olhos deve fazer o examina­
dor suspeitar de que se trata de alteração motora, e não de perda visual propriamente dita.
A diplopia pode ter início abrupto ou insidioso e ser vertical, horizontal ou inclinada. A
maioria dos pacientes têm dificuldade de informar se a diplopia tem separação vertical ou
horizontal, mas devem ser cobrados a respeito dessa informação. Verificar também se existe
alguma posição compensatória da cabeça. Por exemplo, o relato de diplopia vertical ou incli­
nada que aumenta no olhar para baixo e diminui com a inclinação da cabeça ou abaixamento
do queixo sugere fortemente uma paralisia troclear. Por outro lado, uma diplopia vertical que
diminui no olhar para baixo e aparece ou aumenta no olhar para cima ocorre, com frequência,
na orbitopatia de Graves, por restrição do músculo reto inferior ao movimento do olho para
cima. Um início abrupto de diplopia horizontal com ptose, pupila dilatada e exotropia, junta­
mente com dor periocular e cefaleia intensa, pode ocorrer por distensão ou sangramento de
um aneurisma da artéria comunicante posterior.
Oscilopsia, a percepção de movimento das imagens, ocorre especialmente em pacientes
com nistagmo e também pode ser uma queixa na anamnese, embora incomum. A oscilopsia
é a sensação falsa do movimento dos objetos de um lado para outro, uma vez que a imagem
não fica estacionária na retina pela instabilidade de fixação. Ocorre nos nistagmos adquiridos
e, mais raramente, na miocimia do oblíquo superior.
Pacientes podem também referir dificuldade na movimentação dos olhos em determinada
direção, como, por exemplo, de olhar para cima, que ocorre na síndrome de Parinaud, e de
olhar para um dos lados, que ocorre na paralisia do olhar conjugado horizontal.

Dor ocular e facial


O sintoma de dor obriga o examinador a uma análise exaustiva de todos os seus elementos:
caráter, topografia, irradiação, duração, fatores agravantes e atenuantes.
A dor potencialmente serve como um guia para a localização da doença e também como
um indicador da resposta à terapia. É um sintoma muito importante na cefaleia em salvas e na
nevralgia do trigêmeo, quando o sofrimento causado pela dor parece desproporcional a qual­
quer lesão tecidual. Por outro lado, a dor discreta de uma paralisia oculomotora compressiva
pode deixar de evidenciar a gravidade potencial de um aneurisma da comunicante posterior
cuja ruptura é eminente e passível de levar ao óbito. Além da nevralgia do trigêmeo, existem
outras síndromes dolorosas menos conhecidas, como a nevralgia do glossofaríngeo, na qual
existe dor em queimação durante a deglutição. Essas dores no território dos nervos cranianos
6 I Neuroftalmologia

geralmente se caracterizam por serem do tipo paroxística, de breve duração e lancinantes.


A dor é descrita como em facada, alfinetada ou choque elétrico. Na nevralgia que ocorre no
herpes-zóster oftálmico, o paciente refere dor em queimação no trajeto do trigêmeo.
O sintoma de dor ocular associada a diplopia obriga a uma série de considerações. Diplopia
acompanhada de dor pode ocorrer nas paralisias oculomotoras isquêmicas, nos aneurismas in­
tracranianos, na síndrome de Tolosa Hunt (oftalmoplegia dolorosa) ou em processos infiltrativos.
Nas paralisias oculomotoras isquêmicas, a dor é autolimitada e geralmente menos intensa, mas
pode simular um aneurisma que também pode apresentar-se com diplopia e dor ocular. Outros
casos de oftalmoplegia dolorosa sugerem uma lesão no ápice da órbita, fissura orbitária superior
ou seio cavernoso, podendo ser uma afecção inflamatória (síndrome de Tolosa Hunt) ou mesmo
tumoral (particularmente, os tumores malignos) dessa região.
A dor pode também auxiliar na determinação da origem da perda visual, como ocorre no
glaucoma de fechamento angular, que é caracterizado por dor ocular, embaçamento visual
com visão de halos coloridos e vermelhidão ocular. Uma dor ocular com duração de alguns
dias, que se acentua com a movimentação ocular, é muito sugestiva de uma neurite óptica,
enquanto a ausência de dor junto com a perda visual é mais indicativa de neuropatia óptica
isquêmica. Dor ocular à movimentação dos olhos também pode ocorrer nas miosites orbitá-
rias quando usualmente o paciente refere também diplopia constante ou intermitente. Dor de
cabeça, particularmente na região da artéria temporal e acompanhada de perda súbita da visão
em indivíduos idosos sugere fortemente o diagnóstico de arterite temporal.
Dor ocular ou supraorbitária do lado contralateral de uma hemianopsia homônima pode
indicar isquemia do lobo occipital e de estruturas durais que circundam o lobo occipital, iner-
vadas por um ramo do trigêmeo. Nesse caso, como em muitas outras situações, a dor ocular se
apresenta como uma dor referida aos olhos decorrente de lesão distante da região orbitária.
Dor referida na região ocular e periocular é também um sintoma frequente em pacientes
com enxaqueca, disfunção da articulação temporomandibular, cefaleia tensional e sinusopa-
tias. Além disso, o oftalmologista deve considerar que alguns pacientes se queixam de dor
facial ou ocular incaracterística, frequentemente bilateral, tendendo a ser constante (e não
paroxística) e sem causa específica. Tal sintoma costuma ocorrer mais em pacientes depressi­
vos ou neuróticos.

ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES, HÁBITOS


E INSPEÇÃO SOBRE OS DIFERENTES APARELHOS

Os antecedentes pessoais são extremamente importantes. Particularmente nas afecções da


criança, é necessário indagar como decorreu a gestação: se houve perdas sanguíneas frequen­
tes nos primeiros meses; se a gestante fez uso de determinados medicamentos com efeitos
teratogênicos; se houve ou não ocorrência de processos infecciosos (rubéola, toxoplasmose),
traumatismos maternos, toxemia gravídica. Interrogar sobre as condições de parto: a termo ou
prematuro; ocorrência de anóxia neonatal, presença de cianose ao nascer, necessidade de em­
prego de manobras de reanimação, choro precoce ou demorado. Indagar sobre a necessidade
de internação hospitalar nos primeiros dias de vida, presença de icterícia neonatal ou crises
convulsivas nos primeiros dias de vida.
Anamnese em Neuroftalmologia

Na idade adulta, deve ser investigada a referência a traumatismos, parasitoses, passado


venéreo (sífilis), manifestações alérgicas, moléstias do sistema nervoso central e do apare­
lho cardiovascular, endócrino, digestivo, respiratório, urinário. Pacientes com quadros neu­
rológicos prévios, como por exemplo, de paralisias ou perdas sensitivas, e que se apresen­
tam com perda visual compatível com neurite óptica podem sugerir fortemente a ocorrência
de uma esclerose múltipla. Pacientes com hipertireoidismo podem apresentar diplopia por
acometimento dos músculos extraoculares, e mesmo perda visual por compressão do nervo
óptico pelos músculos aumentados. Pacientes com diabetes de longa duração não raro po­
dem apresentar diplopia por paralisia de nervos oculomotores. Indagar ainda se o paciente
foi operado e a que tipo de cirurgia se submeteu, e também se já foi submetido a tratamento
de doença maligna.
O questionamento acerca dos antecedentes familiares também é obrigatório quando da
realização da anamnese. Apresenta grande importância a indagação sobre o caráter hereditá­
rio ou familiar de determinadas moléstias: heredodegenerações como a atrofia óptica domi­
nante ou a doença de Leber, miopatias e determinadas doenças metabólicas. Podemos reco­
nhecer moléstias com várias modalidades de transmissão hereditária (dominante, recessiva,
ligada ao sexo, transmissão materna). É importante verificar se existe consanguinidade dos
pais em muitas doenças hereditárias.
Em certos casos, é necessário o exame de membros da família, como, por exemplo, nos ca­
sos de atrofia óptica dominante, em que há grande variação na penetrância do gene, e alguns
familiares podem ser apenas discretamente afetados.
Atividades de trabalho, recreacionais e sociais também podem trazer informações im­
portantes, assim como a história de exposição a toxinas, de tabagismo, alcoolismo e hábitos
nutricionais incomuns. Medicações em uso, cirurgias prévias, traumatismos e doenças no pas­
sado podem estar relacionados ao problema visual atual.
O questionamento a respeito de hábitos tais como tabagismo, ingestão regular de bebida
alcoólica, hábitos alimentares e exposição a substâncias tóxicas (metanol, chumbo, monóxido
de carbono, hidrazida, etambutol, arsénicos, manganês) pode ser muito importante no caso
das neuropatias tóxicas e carenciais, e esses hábitos serão discutidos em mais detalhes no
capítulo correspondente. De grande importância é a obtenção de dados a respeito do alcoo­
lismo, pois a informação acurada é fundamental nesse caso e nem sempre obtida diretamente
do paciente, que muitas vezes, subtrai informações importantes durante a realização da ana­
mnese. Assim, é necessário confrontar os dados obtidos do paciente com aqueles fornecidos
por familiares ou amigos próximo, o que pode melhorar a acurácia das informações.
Por fim, é importante também questionar a respeito de sintomas sistêmicos associados
à perda visual através de um interrogatório sobre os diferentes aparelhos. Por exemplo, em
pacientes com neurite óptica, a informação de episódios prévios de formigamentos nos mem­
bros superiores ou inferiores pode sugerir a existência de esclerose múltipla. Da mesma ma­
neira, em pacientes com neuropatia óptica isquêmica, a história de cefaleia e dolorimento no
couro cabeludo, bem como a dificuldade na mastigação (claudicação da mandíbula) e sintomas
musculares sugestivos de polimialgia reumática reforçam sobremaneira a suspeita de arteri­
te temporal. Sintomas de fadiga muscular são também importantes quando se suspeita de
miopatias oculares ou miastenia gravis. Esses sintomas serão discutidos em mais detalhes no
capítulo correspondente deste livro.
8 I Neuroftalmologia

BIBLIOGRAFIA

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OI

Exame
Neuroftalmológico

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO • LEONARDO PROVETTI CUNHA

INTRODUÇÃO

O exame neuroftalmológico representa uma etapa fundamental para o diagnóstico e tratamen­


to das afecções da via óptica e do controle dos movimentos oculares. Constitui-se num exame
oftalmológico com ênfase maior em alguns dos seus itens, particularmente a anamnese, já
discutida no capítulo anterior, a avaliação da função visual, a avaliação das reações pupilares, a
fundoscopia e o exame do campo visual. Neste capítulo, chamaremos a atenção para os itens
mais importantes do exame neuroftalmológico, que representa a principal etapa do exame
oftalmológico. Além disso, serão discutidos os principais exames complementares oftalmoló­
gicos que podem ser úteis em neuroftalmologia.

INSPEÇÃO E EXAME OCULAR EXTERNO

O exame se inicia pela observação do paciente desde o momento em que ele entra no con­
sultório. Sua maneira de deambular, gestos, o ato de fechar um dos olhos etc., podem dar
sugestões de afecções, tais como perda visual hemianópica, simulação, diplopia. No caso de
crianças, anormalidades no tamanho da cabeça, presença de hipotonia, a maneira pela qual ela
anda ou interage com os pais nos dão informações preciosas.
No exame externo, o aspecto e posição dos supercílios, cílios e presença ou não de prop-
tose devem ser observados. No caso de ptose, deve-se medir a fenda palpebral de cada um
dos lados, bem como desenhar a posição das pálpebras em relação ao olho. Na presença de
proptose, a medida do grau de protrusão do globo ocular deve ser feita pela exoftalmometria,
de preferência com o exoftalmômetro de Hertel. Ao exame ocular externo, observam-se tam­
bém alterações da conjuntiva, córnea, o diâmetro corneano, presença ou não de hiperemia e
ulcerações de córnea, bem como o aspecto da íris. Embora o exame ocular externo deva ser

9
10 | Neuroftalmologia

complementado pela biomicroscopia, em muitos casos fornece informações fundamentais,


particularmente em pacientes hospitalizados e com dificuldade de deambulação. A pupila, seu
aspecto e suas reações serão discutidas mais adiante neste capítulo, e também no Capítulo 12.

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO VISUAL

Especial atenção deve ser dada à estimativa da função visual através da medida da acuidade
visual, da visão de cores, sensibilidade ao contraste e exame de campo visual.

Acuidade visual
A medida da acuidade visual usualmente é o primeiro item avaliado no exame neuroftalmoló-
gico. Embora as alterações sejam inespecíficas, sofrendo grande influência de erros de refra-
ção e opacidades de meios, é também muito importante nas afecções da via óptica. A estima­
tiva da acuidade visual define o menor ângulo visual que permite ao sistema visual perceber
o estímulo. Para a percepção correta da imagem visual, esta deve ser formada sobre a retina
e transformada em impulsos nervosos, os quais são conduzidos ao cérebro. A focalização
depende de vários fatores, em especial da transparência dos meios refrativos e correção do
erro refracional. De preferência, a medida deve ser feita pelo médico, tomando o cuidado de
corrigir eventuais erros refracionais.
A medida da acuidade visual é feita rotineiramente com as tabelas de optotipos coloca­
das a distância apropriada. Geralmente se utiliza a tabela de Snellen. Deve ser lembrado, no
entanto, que esse é um teste psicofísico que exige, além da identificação do estímulo visual, a
sua interpretação e nomeação corretas. Pacientes com agnosia visual podem ter dificuldade na
nomeação da letra, embora possam estar definindo o optotipo com precisão. O médico deve
lembrar dessa possibilidade, quando então será melhor pedir ao paciente que escreva a letra
que vê ou, ainda, medir a acuidade visual com a letra E, pedindo ao paciente que indique para
que lado (ou para cima ou para baixo) essa letra está voltada, da mesma maneira que procede­
mos para pacientes analfabetos.
Em crianças entre 2 e 5 anos, utilizamos também tabelas cujos optotipos são representa­
dos por figuras, como: carro, casa, bolo, animais etc. Apesar de serem bastante úteis, não apre­
sentam a mesma exatidão de construção como as letras das tabelas visuais. No recém-nascido,
a avaliação clínica da visão se baseia, na maioria das vezes, nas respostas oculomotoras a um
estímulo visual. Observa-se a habilidade de cada um dos olhos de fixar e seguir um objeto ou
estímulo luminoso. Deve ser feita a oclusão de cada um dos olhos, o que pode ser difícil em
certos casos pela pobre colaboração, em especial no caso de crianças com retardo do desen­
volvimento neuropsicomotor. Quando uma criança resiste muito à oclusão de um olho, deve-se
r

suspeitar que o outro apresente baixa visual. E importante salientar, no entanto, que a boa
fixação e o seguimento de um objeto luminoso não indicam necessariamente que haja visão
normal, uma vez que é necessária uma acuidade visual bastante reduzida para que o olho não
fixe adequadamente. Por outro lado, deve-se também lembrar que a ausência de seguimento
de um objeto não indica necessariamente déficit na função visual, uma vez que pode ser de­
corrente de uma deficiência na resposta motora ocular.
Exame Neuroftalmológico | 11

Visão de cores
A avaliação da visão de cores também pode ter importância em neuroftalmologia, embora seu
uso rotineiro e a interpretação dos resultados sejam mais difíceis quando comparados com a
acuidade visual e o campo visual. Como se têm três diferentes pigmentos nos cones, os seres
humanos com visão de cor normal são chamados tricromatos. Aqueles que são incapazes de
distinguir corretamente as nuances são descritos como deficientes para cor. Eles têm essa de­
ficiência em um ou mais dos três tipos de cones. Muitos deles aprendem a dar nomes de cores
a objetos familiares.
Doenças adquiridas da via óptica comumente causam alteração na percepção de cores. Os
sintomas refletem uma redução no brilho e saturação das cores, mais observada com relação
ao vermelho, embora possa ocorrer para com todas as cores. Na terminologia de cores, satura­
ção se refere à pureza da cor e dessaturação é o grau no qual a cor é misturada com o branco.
Alguns pacientes caracterizam a sensação como escura, isto é, o vermelho se torna âmbar,
enquanto outros referem que a cor se mostra desbotada ou mais clara, quando o vermelho se
torna mais alaranjado ou amarelado.
Os testes mais comuns para visão de cor são o Ishihara, o teste de Hardy-Rand-Hitter e o
teste de Farnsworth-Munsell D-15 e de 100 tons. Muitas afecções da via óptica se manifestam
por alteração na visão de cores. Acredita-se que as alterações adquiridas na visão de cores
tipicamente envolvem a discriminação do verde-vermelho, nas doenças do nervo óptico, e o
azul-amarelo, nas doenças da mácula. Existem, no entanto, numerosas exceções a essa regra,
que deve ser usada como um guia e não como uma regra rígida. Algumas doenças maculares
são associadas com defeito na discriminação do verde-vermelho, mas são caracterizadas por
alteração na discriminação do azul-amarelo nas fases iniciais. Do mesmo modo, doenças do
nervo óptico que envolvem primariamente o feixe papilomacular e se associam com perda
importante de acuidade visual se associam com defeitos no verde-vermelho, enquanto aque­
las que levam a alterações pericentrais, com preservação da acuidade visual, caracterizam-se
por alteração no azul-amarelo. Exemplos dessas condições que afetam primeiro a região pe­
ricentral incluem o glaucoma, o papiledema, a atrofia óptica dominante e a neuropatia óptica
isquêmica.

Sensibilidade ao contraste
Alterações nas vias ópticas também se traduzem frequentemente por alterações na sensibili­
dade ao contraste, que pode ser avaliada por testes comercialmente disponíveis. A acuidade
visual define o menor detalhe espacial que pode ser diferenciado para estímulos com alto
contraste, mas não especifica as respostas do sistema visual a objetos de diferentes tama­
nhos e contrastes. O grau de visibilidade de uma figura genérica pode também ser alterado,
reduzindo-se o seu contraste até um limite abaixo do qual ela não é mais reconhecida, inde­
pendentemente do seu tamanho.
Frequentemente, a acuidade de leitura de teste de Snellen pode permanecer sem altera­
ções em casos de disfunção do nervo óptico, apesar das reclamações sobre a diminuição da
claridade. Os pequenos optotipos apresentados, com quase 100% de contraste sobre a carta
de acuidade, são de mais fácil interpretação para os pacientes do que os objetos maiores de
12 | Neuroftalmologia

baixo contraste que dominam nosso ambiente visual. A sensibilidade ao contraste é definida
como a habilidade em discernir visualmente tais graus súbitos de contraste. Existem inúmeros
aparelhos para medida da sensibilidade ao contraste que podem ser úteis em várias afecções
da via óptica, particularmente as neuropatias ópticas. Deve ser lembrado, no entanto, que a
redução da sensibilidade ao contraste pode também ocorrer em inúmeras outras afecções
oculares, sendo, portanto, uma alteração relativamente inespecífica.

Prova de deslumbramento (photostress stress test)


É um teste que pode ser útil para diagnóstico de lesões maculares, particularmente quando a
oftalmoscopia é duvidosa (edema macular inicial ou coriorretinopatia central serosa). O teste
auxilia na diferenciação entre lesão macular e afecção do nervo óptico. Avalia-se o tempo de
recuperação da visão, que é dependente da habilidade dos fotorreceptores em ressintetizar
os pigmentos visuais.
No teste, inicialmente, registra-se a acuidade visual com a melhor correção em cada olho.
Ocluindo o olho acometido, expõe-se o olho normal a uma luz potente dirigida para a pupila
durante um tempo determinado (10 s). Cessa-se a estimulação luminosa e pede-se ao paciente
que leia, logo que for possível, a linha precedente imediata dos optotipos (ou seja, se a acuida­
de visual era 0,9, pede-se que leia o 0,8). Cronometra-se e registra-se o tempo de recuperação.
Em seguida, expõe-se o olho enfermo a uma luz intensa durante o mesmo espaço de tempo.
Cessa-se a iluminação e registra-se, igualmente, o tempo de recuperação, ou seja, o tempo
que o paciente leva para voltar à linha imediatamente maior (àquela vista anteriormente) da
escala. Confrontam-se os períodos de recuperação do olho sadio e do olho com déficit visual.
Pacientes com doença macular apresentam um teste geralmente acima de 50 s (algumas vezes,
minutos). Por outro lado, nas afecções do nervo óptico, não se observa prolongamento signi­
ficativo do tempo de recuperação.

O exame do campo visual


Constitui etapa fundamental do exame neuroftalmológico. O campo visual pode ser definido
como o conjunto de pontos no espaço que o olho, teoricamente imóvel, percebe. A périmé­
tria, ou exame do campo visual, é realizada em um olho de cada vez e representa a expressão
clínica do estado funcional das vias ópticas.
Na representação gráfica, o campo visual é dividido em quatro quadrantes, separados por
uma linha horizontal e por uma linha vertical, cuja intersecção coincide com o ponto de fixa­
ção, correspondendo, portanto, com o eixo visual. As medidas do campo visual são realizadas
em relação ao ângulo de visão formado pelo eixo visual e o limite considerado. As extensões
dos campos visuais superior e nasal estão, respectivamente, limitadas pelo rebordo orbitário
superior e pelo nariz, sendo influenciadas por variações anatômicas. O campo visual é tam­
bém dividido em campo central (do ponto de fixação até 30°) e em campo periférico, com os
limites entre 30° até a periferia. A mancha cega representa uma área com ausência absoluta de
sensibilidade visual e corresponde à projeção espacial da papila. Situa-se no campo temporal,
com o centro localizado aproximadamente a 15,5° do ponto de fixação e 1,5° inferiormente
ao meridiano horizontal.
Exame Neuroftalmológico | 13

Para que o exame de campo visual seja bem feito, é necessária uma adequada instrução do
paciente com a correspondente compreensão e cooperação deste, além da ausência de fato­
res de influência. Para evitar esses fatores, devem-se observar a correta posição e a fixação do
paciente, o diâmetro da pupila igual ou maior que 3 mm, a ausência de opacidades dos meios
oculares, a correção da ametropia no campo central e a adaptação à luz de fundo. Também
devem ser considerados o efeito aprendizagem e a fadiga do paciente frente ao exame demo­
rado; portanto, deve ser usada técnica compatível com o grau de compreensão e possibilidade
de interação do paciente.

Métodos de avaliação dos campos visuais


O campo visual pode ser feito através de vários métodos, incluindo o teste de confrontação, a
tela tangente, o perímetro manual de Goldmann e os perímetros computadorizados.

a) Testes de confrontação: é uma forma simples de avaliar os campos visuais de um pacien­


te. Nesse método, o examinador se posiciona na frente do paciente e compara seu campo
visual com o dele. O método de confrontação permite uma avaliação rápida, prática e fácil
dos campos visuais, que pode ser realizada à beira do leito ou no consultório, tanto em
adultos como em crianças. O médico geralmente fica defronte ao paciente a uma distância
aproximada de 60 cm. Após o paciente ocluir um dos olhos, solicita-se que ele fixe o olho
do examinador, que também oclui um dos olhos. Com a mão, o examinador compara os
dois campos (o dele e o do paciente). Em vez de usar a mão como estímulo, podem-se usar
outros objetos, como uma esfera branca na ponta de uma vareta preta. O paciente deve
perceber o objeto de modo semelhante nos quatro quadrantes. Em seguida, pede-se a ele
que conte os dedos apresentados em dois quadrantes simultaneamente. Se um dos qua­
drantes, for ignorado, um defeito discreto pode ser identificado.
b) Tela tangente: trata-se de um método extremamente útil em neuroftalmologia, embora
seja pouco usado na atualidade. É um método barato que permite uma avaliação adequada
dos 30° centrais de visão. Nele, apresentam-se estímulos na frente de uma tela preta, que
representa um fundo homogêneo e permite melhor discriminação dos objetos, geralmen­
te brancos apresentados ao paciente. O paciente deverá ficar sentado a 1 ou 2 m da tela,
com a cabeça posicionada de modo que os olhos fiquem ao nível do centro da tela. Com
um olho tampado, ele deverá fixar um ponto branco situado no centro da tela. Costuma-se
usar como estímulo a ser testado uma bola branca de 1 a 3 mm fixada na ponta de uma va­
reta fina (de cor preta), que se mova da periferia para o centro da tela. Assim que o paciente
a vê, o examinador assinala o local de tal modo a mapear o campo de visão. Com prática,
o examinador consegue identificar e desenhar os defeitos que se situam na região dos 30°
centrais do campo visual.
c) Perímetro manual de Goldmann: estuda-se o campo visual através de aparelho de cúpula
com iluminação de fundo padrão, no qual são apresentados manualmente estímulos de di­
ferentes tamanhos e intensidades. Esses estímulos são apresentados de forma cinética ou
estática.
O perímetro é uma cúpula hemisférica que dispõe de controles onde se pode selecio­
nar o tamanho, brilho e intensidade dos estímulos. O examinador monitora a fixação do
14 I Neuroftalmologia

Fig. 1 Campimetro de Goldmann.

paciente através de um telescópio acoplado à cúpula (Fig. 1). Com um mecanismo de bra­
ços articulados, o examinador movimenta o estímulo luminoso na cúpula. O paciente per­
ceberá ou não o estímulo, que será registrado em forma de gráfico, situado em frente ao
examinador. O método é extremamente útil para localização de defeitos ao longo da via
óptica e permite uma avaliação completa do campo visual. Possui grande versatilidade e
pode ser realizado mesmo em indivíduos idosos ou com afecções neurológicas ou clínicas
que reduzam em parte sua capacidade de concentração. Tem também a vantagem de dese­
nhar todo o campo visual, incluindo o crescente temporal, o que permite uma noção mais
r

exata do defeito campimétrico apresentado. E considerado por muitos como o método


ideal de exame do campo visual em neuroftalmologia. No entanto, sua realização depende
de um examinador experiente, com grande treinamento e experiência na sua execução.
d) Perímetros computadorizados: nesse caso, o exame é feito através de aparelhos automa­
tizados dotados de programas de apresentação dos estímulos, que são pré-estabelecidos e
programados (Fig. 2). Existem diferentes marcas de perímetros automatizados no mercado
r

e variadas estratégias de pesquisa. E um instrumento que testa os defeitos de campo visual


usando localizações de luz fixa (estática).

Fig. 2 Campimetro automatizado Humphrey.


Exame Neuroftalmológico | 15

Atualmente, esse é o aparelho mais utilizado, em especial para o diagnóstico e o acom­


panhamento de pacientes com glaucoma. Entretanto, ele também pode ser útil para o
estudo de outras afecções da via óptica. O exame pode ser difícil em pacientes idosos ou
que tenham dificuldade de concentração. As razões para a maior utilização do perímetro
computadorizado incluem: 1) melhor padronização que facilita a comparação seriada de
campos, 2) melhor sensibilidade, 3) avaliação estatística dos dados do exame, 4) estoque
e transmissão eletrônica de dados e 5) redução na influência subjetiva do examinador.
Além disso, deve ser lembrada a falta de técnicos adequadamente treinados na perimetria
manual.
Embora os perímetros automáticos sejam muito úteis de maneira geral, apresentam
algumas limitações para o seu uso em neuroftalmologia. Os exames são cansativos, parti­
cularmente em pacientes com afecções neurológicas; eles se associam, com muita frequên­
cia, com resultados falso-positivos e, muitas vezes, não permitem uma compreensão total
do campo visual, já que usualmente se limitam a analisar os 24 a 30° centrais. Enquanto no
glaucoma o exame campimétrico é realizado para verificar a existência ou não de defeito e
a sua eventual progressão, em neuroftalmologia, além desses dois objetivos, muitas vezes
necessitamos compreender qual o padrão, ou seja, as características do defeito de campo
visual, que muitas vezes só se consegue quando analisamos simultaneamente o campo vi­
sual central e periférico.
Apesar dessas ressalvas, quando o paciente é capaz de fazer adequadamente o exame, é
uma técnica muito útil nas lesões dos nervos ópticos, no papiledema, nas lesões compres­
sivas do quiasma óptico, além de outras afecções da via óptica. A interpretação não é tão
intuitiva como a da perimetria manual e exige familiaridade com os programas computa­
dorizados e as suas estratégicas de apresentação.

Tipos de defeito de campo visual


Os principais tipos de disfunções da percepção no campo visual são:
a) Hemianopsia: literalmente significa “cegueira de metade do campo visual” . Pode ser uni
ou bilateral; quando unilateral, pode ser temporal, caso em que ocorre perda do campo
temporal, ou nasal, quando há perda do campo nasal. Pode ser ainda denominada hemia­
nopsia altitudinal, quando acomete a metade superior ou inferior do campo visual (Fig. 3).
A hemianopsia altitudinal ocorre particularmente como resultado das neuropatias ópticas
isquêmicas.
As hemianopsias unilaterais são indicativas de lesões anteriores ao quiasma óptico, ao
passo que as hemianopsias bilaterais indicam acometimento do quiasma óptico ou da via
óptica retroquiasmática. As bilaterais podem ser homônimas ou heterônimas. Hemianop­
sias homônimas são aquelas nas quais o defeito ocorre do mesmo lado nos dois olhos
(Fig. 4), ou seja, acomete o campo temporal de um dos olhos e o nasal do olho contralate-
ral, ou vice-versa. Hemianopsias heterônimas são aquelas bilaterais que acometem lados
opostos nos dois olhos, geralmente o setor temporal de cada um deles (Fig. 5).
Hemianopsias homônimas são divididas em congruentes, quando o defeito tem a mes­
ma extensão nos dois olhos, e incongruentes, quando é mais intenso, em um olho do que
no outro.
16 I Neuroftalmologia

Fig. 3 Hemianopsia altitudinal inferior.

Fig. 4 Hemianopsia homônima direita completa.

Fig. 5 Hemianopsia heterônima bitemporal


Exame Neuroftalmológico | 17

b) Quadrantopsia: defeito de campo que literalmente significa “perda de um quadrante do


campo visual” (Fig. 6). Pode ocorrer apenas em um olho ou, o que é mais frequente, em
ambos. Assim como nas hemianopsias, quando o defeito é unilateral, indica lesão anterior
ao quiasma óptico. Quadrantopsias bilaterais podem ser heterônimas ou homônimas, e,
assim como as hemianopsias, podem ser congruentes ou incongruentes.
c) Escotoma: defeito de campo visual que corresponde à área não visível dentro de outra
área visível para o estímulo avaliado (Fig. 7). Em outras palavras, corresponde a uma região
do campo visual que não é visível, mas que se encontra circundada por área visível para
o mesmo estímulo. A mancha cega normal que corresponde à região do nervo óptico re­
presenta um escotoma fisiológico. Este, por sua vez, pode estar aumentado em algumas
afecções, gerando um aumento da mancha cega, que pode também ser designada esco­
toma cecal. Os escotomas geralmente são unilaterais, mas podem também ser bilaterais.
Quando são unilaterais, ou quando bilaterais em regiões não correspondentes em cada um
dos olhos, são indicativos de lesões pré-quiasmáticas. Os escotomas bilaterais situados em

Fig. 6 Quadrantopsia superior direita.

Fig. 7 Escotoma central.


18 I Neuroftalmologia

locais correspondentes (p. ex., no campo visual à direita) nos dois olhos são denominados
escotomas hemianópicos e indicam lesões retroquiasmáticas.
d) Redução concêntrica do campo visual: situação na qual o campo visual se mostra reduzido
igualmente em toda a periferia, podendo chegar a se limitar apenas à visão central. A re­
dução pode afetar também apenas um setor da periferia do campo visual (p. ex., retração
temporal superior). Quando falta a metade do campo visual, a denominação usada deve ser
hemianopsia. A constrição difusa do campo visual é um achado relativamente inespecífico,
mas ocorre com grande frequência nos pacientes com papiledema crônico.

Importância do defeito campimétrico para localização


da lesão ao longo da via óptica
As lesões ao longo da via óptica podem ser localizadas com grande precisão pelos efeitos
que produzem nos campos visuais. Tais alterações campimétricas podem ser divididas em:
alterações pré-quiasmáticas, quiasmáticas e retroquiasmáticas. Lesões anteriores ao quiasma
localizadas nos nervos ópticos usualmente se traduzem por alterações campimétricas unila­
terais. Por outro lado, lesões localizadas no quiasma óptico ou em qualquer das estruturas
retroquiasmáticas produzem alterações campimétricas bilaterais.
As lesões pré-quiasmáticas causam vários tipos de alterações campimétricas, que são: o
escotoma central, o cecocentral ou o paracentral; os defeitos altitudinais (defeitos que res­
peitam o meridiano horizontal); a constrição difusa do campo visual; e as retrações setoriais
do campo. Podem também causar a cegueira completa de um dos olhos. Cada uma delas tem
grande importância no estudo das diversas neuropatias ópticas com as quais estão associadas.
Por exemplo, as neurites ópticas frequentemente se manifestam com um escotoma central ou
cecocentral. As neuropatias ópticas isquêmicas, por outro lado, usualmente se manifestam
com uma hemianopsia altitudinal inferior. Já o papiledema crônico costuma manifestar-se por
retração nasal inferior (Fig. 8) e constrição difusa do campo visual.

Fig. 8 Retração nasal inferior e aumento da mancha cega decorrente de papiledema.


Exame Neuroftalmológico | 19

As fibras da metade nasal de cada uma das retinas cruzam-se no quiasma óptico de modo
que as fibras nos tratos ópticos são aquelas da metade temporal de uma retina e da metade nasal
da outra. Lesões que afetam o quiasma óptico, como os tumores da pituitária, expandindo-se para
fora da sela túrcica, causam predominantemente lesão das fibras de ambas as hemirretinas na­
sais e produzem hemianopsia heterônima. A característica principal das alterações quiasmáti-
cas é, portanto, produzirem elas defeitos de campo bitemporais (Fig. 5). Esses defeitos podem
ser discretos, quadrantopsias ou mesmo hemianopsias temporais em cada olho. Somente ao
nível do quiasma óptico é que podemos ter um defeito bitemporal verdadeiro. No entanto,
é importante lembrar que existem condições que simulam um defeito bitemporal, podendo
causar confusão diagnóstica. Isto ocorre especialmente nas anomalias de papila, em especial
a papila inclinada. O diferencial pode ser feito pelo fato de que o defeito não respeita verda­
deiramente o meridiano vertical.
Os defeitos bitemporais verdadeiros podem ser extremamente assimétricos e devem sem­
pre levantar a suspeita de uma afecção quiasmática. Quando a compressão quiasmática se faz
de baixo para cima, como nos adenomas hipofisários, o defeito bitemporal é mais acentuado
nas porções superiores do campo visual de cada um dos olhos. Quando a compressão quiasmá­
tica ocorre de cima para baixo, usualmente o defeito campimétrico ocorre no setor temporal
inferior do campo visual. Além dos adenomas hipofisários, as síndromes quiasmáticas podem
ser causadas por craniofaringiomas, meningiomas e aneurismas, além de outras causas mais
raras, como metástases, disgerminomas e mesmo processos inflamatórios e desmielinizantes.
Deve ser lembrado, ainda, que lesões quiasmáticas mais avançadas podem produzir defeitos
também nos campos nasais, podendo causar à cegueira completa de um ou dos dois olhos. Isto
é, embora as fibras cruzadas sejam aquelas que predominantemente sofrem o efeito da com­
pressão, as fibras não cruzadas (provenientes da retina temporal e que correspondem ao campo
nasal) podem também ser acometidas nos casos mais graves de compressão quiasmática.
As lesões retroquiasmáticas caracterizam-se por hemianopsias homônimas (Fig. 4) e po­
dem ser causadas por lesões no trato óptico, no corpo geniculado lateral, nas radiações óp­
ticas ou no lobo occipital. A acuidade visual é normal nesses pacientes, uma vez que apenas
um lado do campo visual é acometido. Quando a hemianopsia homônima é completa, ela não
apresenta valor localizatório e será semelhante na lesão de qualquer das estruturas supracita­
das. Já os defeitos incompletos podem ser congruentes (semelhantes nos dois olhos) ou incon­
gruentes (mais acentuados em um dos olhos), o que pode auxiliar na localização.
Lesões retroquiasmáticas parciais anteriores acometendo o trato óptico são bastante incon­
gruentes e manifestam-se também por atrofia óptica nas fases mais tardias. As causas compressivas
geralmente são as mesmas que acometem o quiasma óptico. Acometimento isquêmico no territó­
rio da artéria coroidal anterior também pode ocasionar disfunção no trato óptico.
Lesões que acometem o corpo geniculado lateral são bastante incomuns e também po­
dem ocasionar hemianopsias homônimas, usualmente incongruentes. O defeito pode acome­
ter a região mediana do campo visual, com preservação relativa dos setores superior e inferior
do campo, embora também possa levar a perdas maiores e, até mesmo, a uma hemianopsia
homônima completa.
A presença de defeitos campimétricos homônimos superiores e não congruentes geral­
mente localiza a lesão ao lobo temporal contralateral por acometimento das radiações ópticas
nessa região (alça de Meyer). As alterações campimétricas decorrentes de lesões occipitais
20 I Neuroftalmologia

são extremamente congruentes. Lesões que preservam a área macular e que ocorrem em in­
divíduos sem outros sintomas são características de afecções isquêmicas do lobo occipital. As
lesões isquêmicas são a causa mais comum de hemianopsia occipital. Outras causas incluem
malformações arteriovenosas, traumas, tumores, doença desmielinizante, leucoencefalopatia
multifocal progressiva, doença de Alzheimer etc.
A Figura 9 representa, de forma esquemática, os tipos de alterações de campo visual nas
lesões ao longo da via óptica.

Fig. 9 Campo visual anormal, representação esquemática da via óptica mostrando os lugares de total in­
terrupção das fibras nervosas e os vários campos visuais anormais produzidos por tais interrupções.
1. Nervo óptico - cegueira no lado da lesão; com campo contralateral normal. 2. Quiasma - hemianopsia
bitemporal. 3. Trato óptico - hemianopsia homônima incongruente contralateral. 4. Nervo óptico - junção
do quiasma; cegueira no lado da lesão com hemianopsia temporal contralateral ou escotoma hemianóptico.
5. Trato óptico posterior, corpo geniculado lateral, perna posterior da cápsula interna - hemianopsia homô­
nima contralateral completa ou hemianopsia homônima contralateral incompleta. 6. Radiação óptica; alça
anterior no lobo temporal - hemianopsia homônima contralateral incongruente ou quadrantanopsia supe­
rior. 7. Fibras mediais da radiação óptica - quadrantanopsia homônima inferior contralateral incongruente.
8. Radiação óptica no lobo parietal - hemianopsia homônima contralateral, algumas vezes ligeiramente in­
congruente com preservação mínima. 9. Radiação óptica no lobo parietal posterior e lobo occipital - hemia­
nopsia homônima contralateral congruente com preservação macular. 10. Porção média do córtex calcarino
- hemianopsia homônima contralateral congruente com grande preservação macular e preservação do
crescente temporal contralateral. 11. Extremidade do lobo occipital - hemianopsia contralateral congruente
com escotomas. 12. Extremidade anterior da fissura calcarina - perda contralateral do crescente temporal, às
vezes, com campos visuais normais. (Reproduzida com autorização do Professor Harrington, DO. The visual
fields. A textbook and atlas of clinical perimetry. St. Louis: Mosby, 1981; p. 108.)
Exame Neuroftalmológico | 21

AVALIAÇÃO DAS PUPILAS

Também representa uma etapa fundamental do exame neuroftalmológico. Devem ser pesqui­
sadas a forma, tamanho e reatividade para perto e à luz, e verificadas as reações direta e con­
sensual à luz e a presença ou não de defeito pupilar aferente e eferente. A pesquisa do defeito
pupilar aferente ou sinal de Marcus Gunn, indicativo de um defeito pupilar aferente relativo, é
de grande importância nessa avaliação, pois pode ser um indicador sensível de comprometi­
mento da via óptica anterior, particularmente o que ocorre nas neuropatias ópticas.
A pupila é o orifício circular situado no centro da íris, contornado pelo músculo esfíncter
da pupila e por fibras musculares radiais, o músculo radial da íris. A interação dos dois múscu­
los e do tecido iriano define o diâmetro pupilar. O diâmetro pupilar varia grandemente, desde
1,5 mm até 8 a 9 mm. O diâmetro geralmente atinge o máximo na adolescência e tende a
reduzir-se com a senilidade. O exame das pupilas envolve a análise da função do nervo óptico
(sistema aferente), assim como a do nervo oculomotor e via simpática ocular (eferência). À
inspeção, observamos se as pupilas são isocóricas ou não. Assimetrias no tamanho das pupilas
podem ser fisiológicas, quando pequenas (anisocoria central), ou secundárias à lesão do siste­
ma de controle pupilar eferente.
As reações pupilares à luz devem ser cuidadosamente pesquisadas. A presença de reflexo fo-
tomotor indica integridade da porção aferente do arco reflexo pupilar e que envolve os elementos
da retina, nervo óptico, quiasma óptico e porção anterior do trato óptico e do braço eferente do
reflexo que envolve o nervo oculomotor. Ao se incidir a luz sobre um dos olhos, verifica-se, depois
de curto período de latência, a contração da pupila (miose) do mesmo olho, estimulado (reflexo
fotomotor direto), bem como contração, simultânea e de mesma amplitude, da pupila do olho con-
tralateral não estimulado (reflexo fotomotor consensual). A contração da pupila é mediada pelo im­
pulso luminoso, que é conduzido pela retina, nervo óptico, quiasma, trato óptico, mesencéfalo até
o núcleo parassimpático do oculomotor, que ocasiona a constrição pupilar. A constrição também
ocorre após um esforço na focalização para perto. Já a dilatação pupilar é mediada pelo sistema
nervoso simpático, que leva à estimulação do músculo dilatador da íris.
A maneira mais sensível de avaliar a presença ou não de um defeito pupilar aferente é
através da comparação da reação pupilar à luz dos dois olhos, usando o chamado swinging
flashlight test. Normalmente, ambas as pupilas se contraem quando a luz é apresentada a um
olho. Se um flash de luz é apresentado a um olho e rapidamente movido para o contralateral,
as pupilas devem permanecer aproximadamente do mesmo tamanho ou se contrair levemen­
te. Essa constrição ocorre porque as pupilas se dilatam quando a luz passa de um olho para
o outro. Se uma lesão interfere com a condução de luz de um olho para o outro, a pupila se
dilata quando o foco luminoso se move do olho normal para o anormal.
O exame pupilar deve observar também a presença ou não de anisocoria, que pode ser
causada por lesão da pupila maior (déficit na contração) ou da pupila menor (dificuldade na
dilatação). A anisocoria pode também ser fisiológica, quando a diferença de tamanho das pu­
pilas se mostra semelhante em diferentes níveis de iluminação.
Atenção também deve ser dada ao exame da reação pupilar de acomodação-convergência.
Algumas condições, como a síndrome de Parinaud, provocam déficit da reação pupilar à luz,
embora se mantenha a reação de acomodação-convergência (dissociação luz-perto). As princi­
pais alterações pupilares serão discutidas em capítulo separado.
22 I Neuroftalmologia

EXAME DA MOTILIDADE OCULAR EXTRÍNSECA


0 exame da motilidade ocular se inicia com a inspeção de eventuais movimentos oculares
anômalos. O nistagmo diz respeito a movimentos rítmicos involuntários, que podem estar pre­
sentes na direção vertical, horizontal ou torcional. Podem ser constatados na posição primária
do olhar ou em outras posições. Podem ser decorrentes de baixa visual (nistagmo de fixação)
ou por déficit no controle motor.
Em seguida, devemos analisar os principais tipos de movimentos oculares, que são os mo­
vimentos sacádicos, o movimento de seguimento, o reflexo vestíbulo-ocular e os movimentos
de vergência. Cada um deles tem origem em diferentes regiões do sistema nervoso central. Os
movimentos sacádicos têm origem nos lobos frontais e no córtex parietal posterior. Servem
para redirecionar a linha de visão, trazendo a imagem de interesse para a fóvea. Ocasional­
mente, crianças nascem com incapacidade de gerar movimentos sacádicos, numa condição de­
nominada apraxia oculomotora congênita. O excesso dos movimentos sacádicos pode ocorrer
em condições como o opsoclonus ou o flutter ocular.
Os movimentos de seguimento são movimentos lentos destinados a estabilizar na fóvea a
imagem de pequenos objetos que se movem. Dependem da fixação de objetos pela retina e são
comandados pela região da junção occipitotemporal. São usados sempre que o indivíduo acom­
panha um objeto que se move e são involuntários, não podendo ser gerados por vontade própria
(necessário o seguimento de um objeto). Podem ser afetados por lesões na região e também por
alterações na fixação dos olhos. O reflexo vestíbulo-ocular tem origem no ouvido interno, a partir
dos canais semicirculares, do sáculo e utrículo. Embora os diferentes tipos de movimentos oculares
possam ser avaliados por técnicas sofisticadas de registro dos movimentos oculares, estas são ge­
ralmente de uso restrito à pesquisa. A avaliação clínica, por outro lado, permite, na grande maioria
dos casos, uma análise adequada desses tipos de movimentos oculares.
Outro aspecto extremamente importante é a análise da existência ou não de desvio ocular
(estrabismo). A existência de desvio implica a semiologia oculomotora adequada através do
teste de cover simples ou alternado. Nesse teste, enquanto o paciente fixa um objeto, inicial­
mente ocluímos um dos olhos e observamos o que ocorre no olho contralateral. Em seguida,
retiramos a oclusão do olho e observamos o que ocorre nesse olho que foi descoberto. Quan­
do existe paralelismo entre os dois olhos, não se observa nenhum movimento nas duas mano­
bras citadas. Num indivíduo com desvio preferencial do olho esquerdo, esse olho se movimen­
tará, procurando fixar o objeto, quando o olho direito for ocluído. Nos pacientes com desvio
ocular, o teste do cover é repetido com a introdução de prismas frente aos olhos de forma a
neutralizar o desvio. O poder do prisma, necessário para a neutralização do desvio, representa
a medida do desvio ocular. Cabe ressaltar que, para uma correta avaliação, é necessário que o
exame com prisma e cover seja realizado nas diferentes posições do olhar, como nas posições
laterais e verticais, e não apenas na posição primária do olhar.

EXAME BIOMICROSCÓPICO

Realizado à lâmpada de fenda, deve ser parte integrante do exame neuroftalmológico, sempre
que possível. O exame é importante para afastar a presença de inúmeras afecções oculares.
Além disso, pode também contribuir com sinais oculares que possibilitam diagnósticos, como
Exame Neuroftalmológico | 23

ocorre no caso dos sinais cristalinianos da doença de Wilson, ou na observação, à biomicros-


copia, dos nódulos de Lisch na íris de pacientes com neurofibromatose. A avaliação da presen­
ça de sinais inflamatórios na câmara anterior (celularidade eflare) é fundamental, por exemplo,
nos casos de edema de disco óptico, quando pode auxiliar na diferenciação entre afecções
primárias do nervo óptico que causam edema e o edema de disco óptico secundário a uveítes
posteriores (nos quais, usualmente, há reação inflamatória na câmara anterior).

OFTALMOSCOPIA

O exame fundoscópico constitui etapa fundamental do exame neuroftalmológico. Pode ser feito
com o oftalmoscópio direto, indireto ou com a biomicroscopia de fundo de olho. Para os objetivos
do exame neuroftalmológico, quatro áreas do fundo de olho são importantes. A região da média
periferia deve ser observada para verificar a presença ou não de anormalidades pigmentárias, espe­
cialmente em crianças. A região macular deve ser visibilizada não só para afastar lesões grosseiras,
como cicatrizes de coriorretinites, como também alterações pigmentárias sutis, porém importan­
tes no diagnóstico de afecções maculares que podem confundir-se com afecções do restante da
via óptica. O disco do nervo óptico é a região de maior importância, devendo ser observada a cor
do disco óptico e se existe ou não edema de papila. Por fim, a região da camada de fibras nervosas
retinianas peripapilares também deve ser examinada.
O disco óptico deve ser avaliado quanto à presença de anomalias de papila, que podem ser
causa de baixa visual e também de confusão diagnóstica com outras afecções, como no caso
da drusas de disco óptico. As principais delas serão abordadas no capítulo correspondente às
anomalias congênitas da papila. Atenção especial deve ser dada também à observação de ede­
ma de papila, que pode ocorrer em graus variáveis, associado ou não a exsudatos e hemorra­
gias peripapilares. A cor do nervo óptico deve ser atentamente observada nas suas diferentes
posições, mostrando-se pálida, em graus variáveis, nos casos de atrofia óptica.
A análise da camada de fibras nervosas retiniana (CFNR) é uma etapa fundamental na se­
miologia neuroftalmológica. Pode ser de auxílio na identificação e localização de lesões da via
óptica, já que se altera em lesões anteriores ao corpo geniculado lateral (não se altera em afec­
ções retrogeniculadas). Alterações na CFNR muitas vezes são mais fáceis de observar do que a
palidez do disco óptico, e também servem para valorizar uma palidez papilar duvidosa. Além
disso, determinados padrões de perda da CFNR podem auxiliar no diagnóstico da afecção
neuroftalmológica e podem ser úteis no controle evolutivo de determinadas afecções. A CFNR
é composta, principalmente, de axônios das células ganglionares, astrócitos e componentes
das células de Müller, estimando-se que haja de 700 mil a 2 milhões de células ganglionares
retinianas organizadas em quatro a seis camadas na mácula e duas na periferia.
A organização geral da CFNR tem três características principais: a primeira é que as fibras
do feixe papilomacular contêm as fibras que se originam na área foveal. Aquelas que são do
setor nasal da mácula projetam-se diretamente ao nervo óptico, enquanto aquelas da mácula
temporal arqueiam-se em torno das primeiras. A segunda é que as fibras da retina temporal ar­
queiam-se em torno das fibras maculares que se originam mais cedo no desenvolvimento. Uma
linha de transição ou rafe, não só anatômica mas também funcional, desenvolve-se na retina
temporal, delimitando as fibras que vão arquear-se por cima daquelas que seguirão o trajeto
24 | Neuroftalmologia

inferior à rafe. Essas fibras da retina temporal entram no disco óptico nos polos superior e in­
ferior, onde a CFNR peripapilar é muitas vezes mais espessa do que aquela nos setores nasal e
temporal. A terceira característica é a distribuição radial das fibras que penetram o setor nasal
do disco óptico. A divisão nasotemporal da retina (e do campo visual) é uma linha vertical que
passa pela fóvea e não pelo disco óptico, que é perpendicular à rafe horizontal. As fibras que
se originam das células ganglionares, localizadas nasalmente na fóvea, cruzam no quiasma óp­
tico, enquanto as demais não cruzam. As fibras da retina temporal que não cruzam no quiasma
penetram o disco óptico apenas nos polos superior e inferior, enquanto as fibras originárias na
retina nasal e que cruzam no quiasma penetram o disco óptico em toda a sua volta.
A perda da CFNR pode ser difusa ou focal. A perda focal pode ser na forma de fendas ou de
defeitos em cunha na CFNR. A perda completa e difusa é facilmente detectável devido à expo­
sição dos detalhes da retina e da coroide. Uma perda parcial e uniforme das fibras, por outro
lado, é muito difícil de identificar clinicamente, sobretudo se bilateral e simétrica.
Vários padrões podem ser úteis em neuroftalmologia, como, por exemplo, a perda focal
ou difusa, que pode ocorrer na neurite óptica desmielinizante; a perda do feixe papilomacular,
que ocorre em neuropatias tóxicas, desmielinizantes ou heredodegenerativas; o acometimen­
to preferencial dos feixes superior e inferior, que pode ocorrer nas neuropatias traumáticas
e isquêmicas; a perda da CFNR “em banda” , ou seja, preferentemente nos setores temporal e
nasal do disco óptico, que pode ocorrer nas afecções do quiasma e do trato óptico etc. Desse
modo, a avaliação da CFNR é de importância fundamental na semiologia neuroftalmológica.

PROPEDÊUTICA COMPLEMENTAR

Conforme exposto, a anamnese e o exame oftalmológico, com atenção especial em alguns


dados semiológicos, possibilitam, na grande maioria dos casos, um diagnóstico preciso. Al­
guns métodos complementares, no entanto, quando solicitados de modo apropriado, podem
ser úteis na semiologia complementar. Estes incluem a tomografia de coerência óptica, testes
eletrofisiológicos, como o eletrorretinograma e o potencial visual evocado, e a angiofluo-
resceinografia. Esses exames serão comentados a seguir, com ênfase na sua importância em
neuroftalmologia. Outros exames complementares extremamente importantes, incluindo a
tomografia computadorizada e a imagem por ressonância magnética de crânio e órbita, além
da ultrassonografia, também são importantes, mas não serão aqui abordados. No entanto, os
achados principais observados nas afecções da via óptica aos exames de neuroimagem serão
discutidos nos capítulos correspondentes.

Tomografia de coerência óptica


O exame de tomografia de coerência óptica, usualmente denominado OCT (optical coherence tomo-
graphy), é um instrumento de diagnóstico capaz de fornecer imagens transversais e bidimensionais
das microestruturas oculares internas do polo posterior do olho, incluindo a camada de fibras ner­
vosas da retina (CFNR), o disco óptico e a mácula. As imagens transversais da retina são produzidas
usando-se a tomografia de baixa coerência, uma técnica similar à ecografia, exceto por utilizar um
feixe de luz em vez de ondas sonoras e não depender do contato com a superfície ocular. Esse
aparelho teve grande impacto no diagnóstico de doenças da retina, pela possibilidade de avaliar as
Exame Neuroftalmológico | 25

imagens da região macular de modo semelhante ao usado em cortes histológicos, especialmente


nos aparelhos de última geração. 0 OCT também vem sendo utilizado na avaliação de pacientes
com afecções da via óptica, incluindo o glaucoma, por permitir uma análise quantitativa e reprodu­
tível da CFNR peripapilar, além da análise topográfica do disco óptico.
Em neuroftalmologia, o OCT é uma ferramenta diagnóstica igualmente importante, po­
dendo ser utilizado em um grande número de afecções. As doenças que cursam com edema
de disco óptico podem ser avaliadas pelo OCT. Embora a quantificação do edema seja usual­
mente feita pela oftalmoscopia e documentada pela fotografia do polo posterior do olho, o
OCT pode também ser útil nessa avaliação. O OCT pode ser usado para quantificar o edema
de disco óptico em pacientes com papiledema ou edema de disco de outra etiologia, como as
neuropatias inflamatórias e isquêmicas. As medidas da CFNR peripapilar obtidas pelo OCT es­
tão aumentadas e esse parâmetro pode ser útil no seguimento longitudinal desses pacientes.
A avaliação da perda neural retiniana, nos casos de atrofia óptica, também pode ser feita pelo
OCT. A atrofia óptica é um sinal oftalmoscópico comum a diversas afecções da via óptica anterior.
A perda dos axônios pode ocorrer de modo direto ou indireto, por acometimento dos elementos
gliais ou do suprimento vascular. Uma lesão focal em qualquer local ao longo do trajeto dos axô­
nios resulta em degeneração de todo o axônio e de seu corpo celular, as células ganglionares da
retina. Durante muitos anos, a intensidade da atrofia óptica, visualizada fündoscopicamente como
uma palidez do disco óptico, foi utilizada como marcador de gravidade das neuropatias ópticas.
Geralmente, a estimativa da intensidade da perda axonal é dada pelo grau da palidez, que pode
ser graduada, por exemplo, em leve, moderada e grave, ou, quanto à sua localização, em setorial
ou difusa. Sabemos que esse método de gradação também apresenta limitações óbvias, como ser
dependente do examinador e não quantitativo e, em muitos casos, difícil de ser correlacionado
com a intensidade da perda funcional. Sabemos que a palidez do disco óptico, como mencionado
anteriormente, é resultante da morte das células ganglionares da retina e de seus axônios, sendo
acompanhada e, muitas vezes, precedida pela perda da CFNR peripapilar. Assim, a quantificação da
perda neural pode ser feita, com o auxílio do OCT, através da mensuração da espessura da CFNR
peripapilar, que é um método mais eficaz do que a tentativa de gradação da palidez.
Dessa maneira o OCT pode auxiliar no diagnóstico e contribuir para o acompanhamento
da evolução da doença, como, por exemplo na esclerose múltipla (Fig. 10) ou nas lesões com­
pressivas da via óptica. Pode-se, através do OCT, detectar defeitos localizados ou difusos na
CFNR. Uma séria de afecções podem-se manifestar inicialmente com padrões de perdas localiza­
das na CFNR, como, por exemplo, na neuropatia carencial do alcoólatra (ambliopia tabaco-álcool),
na neurite óptica, na NOIA, nas neuropatias ópticas hereditárias. Além disto, algumas dessas
doenças, já citadas, apresentam preferencialmente um padrão de perda localizada da CFNR
peripapilar. Na neurite óptica, na ambliopia tabaco-álcool, na atrofia óptica dominante, ocorre
uma perda de CFNR predominantemente na região temporal do disco óptico (Fig. 11). Na NOIA
pode ocorrer um padrão de perda que acomete os polos superior ou inferior do disco óptico.
Em pacientes com perda de campo visual bitemporal por doenças compressivas do quiasma
óptico, ocorre, como mencionado anteriormente, uma perda da CFNR predominantemente
nos setores nasal e temporal do disco óptico. Esse padrão de perda recebe o nome de atrofia
em banda do nervo óptico e pode ser demonstrada pelo OCT.
O OCT pode ainda servir para estimar a possibilidade de reversão da perda visual em
várias afecções da via óptica. Em determinadas afecções, pacientes apresentam perda de
26 | Neuroftalmologia

Fig. 10 Tomografia de coerência óptica em paciente com


esclerose múltipla e neurite óptica prévia, obtida com tomó-
grafo de coerência óptica de domínio Fourier (Topcon 3 D
OCT-10009). Medidas em diferentes setores do disco óptico
são indicadas por números e representadas em cores que
correspondem à distribuição normal. Setores em verde indi­
cam valores na faixa normal; em amarelo, valores abaixo do
quinto percentil da normalidade; e, em vermelho, abaixo do
primeiro percentil do normal.

STRATUS OCT ZCISS


RNFL Thickness Average Analysis Report - 4.0.1 (0056)

Mfcrons Mfcrorw

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240


TEMP SUP NAS NF TEMP TEMP SUP NAS NF TEKC

Fig. 11 Exemplo de paciente com neuropatia tabaco-álcool, perda visual bilateral, escotoma cecocentral,
palidez temporal de disco óptico e redução da camada de fibras nervosas peripapilares evidenciada pela
tomografia de coerência óptica, principalmente no setor temporal (seta).

campo visual e há dúvidas se essa perda pode ser revertida ou não. O OCT, nessas situações,
pode ser útil, em especial nas doenças compressivas da via óptica anterior. Por exemplo,
considerando-se um paciente com adenoma de hipófise cujo exame de neuroimagem de­
monstra sinais de compressão ativa do quiasma óptico, caso o exame de OCT não revele
Exame Neuroftalmológico | 27

perda de CFNR, ou se essa perda é discreta comparada à intensidade do defeito de campo


visual, pode-se concluir que as chances de esse paciente recuperar a função visual são gran­
des, se submetido ao tratamento, pois não houve ainda lesão axonal definitiva. Em contra­
partida, caso esse mesmo paciente apresente uma perda da CFNR mais intensa, a perda axo­
nal definitiva já está estabelecida e as chances de recuperação visual com a descompressão
do quiasma óptico são reduzidas.
O OCT pode ainda quantificar a perda axonal retiniana nas afecções da via óptica anterior
através de medidas da espessura macular. Isto é possível porque as células ganglionares da
retina, juntamente com a CFNR, contribuem com aproximadamente 30 a 35% da espessura
retiniana na região macular. As lesões da via óptica anterior resultam na morte das células
ganglionares da retina e perda de CFNR, gerando assim uma redução da espessura macular. De
fato, as medidas da espessura macular têm se firmado como importante método na detecção
do dano neuronal em diversas afecções da via óptica anterior.

Testes eletrofisiológicos
Os testes eletrofisiológicos são métodos diagnósticos que permitem a avaliação objetiva das
respostas provenientes das estruturas retinianas, das vias ópticas e do córtex visual. Podem
ser classificados de acordo com o tipo de resposta evocada e segundo sua origem. As aplica­
ções clínicas desses métodos é ampla, podendo ser utilizados no diagnóstico de doenças reti­
nianas, nas neuropatias ópticas e, também, nos casos de perda visual de origem indetermina­
da. A Tabela I resume os principais testes eletrofisiológicos disponíveis. As doenças retinianas
e do epitélio pigmentado da retina são melhor avaliadas pelo eletrorretinograma (tipo flash) e
eletro-oculograma; entretanto, a abordagem desses dois métodos foge aos objetivos do pre­
sente capítulo. Abordaremos a seguir os principais testes eletrofisiológicos, com ênfase nas
afecções da via óptica, com destaque especial para as afecções da via óptica anterior.

TABELA I Principais testes eletrofisiológicos e sua correlação com as estruturas anatômicas avaliadas

E s tru tu ra a n a tô m ic a T e s te e le tr o f is io ló g ic o

Epitélio pigmentado da retina Eletro-oculograma


Eletrorretinograma (fla sh ERG) onda C
Bastonetes Eletrorretinograma escotópico (fla sh ERG) onda A
Cones Eletrorretinograma fotópico (fla sh ERG) onda A
Flicker 30Hz
Estruturas retinianas intermediárias Resposta limiar escotópica
Eletrorretinograma (fla sh ERG) onda B
Potenciais oscilatórios
Eletrorretinograma de padrão reverso (onda P50)
Células ganglionares da retina Eletrorretinograma de padrão reverso (onda N95)
Trato óptico, radiações e córtex visual Potencial visual evocado

Modificado de Weisinger HS; Vingrys AJ, Sinclair AJ et o i Clin Exp Optom, 1996; 79:50-61.
28 I Neuroftalmologia

Potencial visual evocado


0 potencial visual evocado (PVE) é um teste eletrofisiológico obtido por uma atividade elétrica
captada no córtex visual em resposta a um estímulo visual. 0 registro pode ser realizado por
meio de eletrodos posicionados no couro cabeludo na região occipital. De modo geral, o PVE
é capaz de fornecer valiosas informações a respeito da integridade do sistema visual, desde
sua origem na retina até o córtex occipital estriado (em especial, na área 17).
Os padrões de estimulação podem variar de acordo com a doença a ser investigada ou tipo
de paciente a ser avaliado. Por exemplo, o estímulo do tipo flash pode ser utilizado em crianças,
pacientes com perda visual muito grave, opacidade de meios muito densa ou pobre capacidade
de fixação. De modo geral, o método de estimulação de escolha para a maioria dos pacientes é o
padrão de estímulo reverso (em tabuleiro de xadrez ou em barras brancas e pretas alternantes).
Esse método é mais adequado, pois permite a obtenção de ondas com formato mais confiável e
reprodutível. Os parâmetros avaliados são o formato da onda, sua amplitude e latência.
Diversas condições podem influenciar a amplitude e a forma da onda, como, por exemplo,
estado de atenção, fadiga, tamanho da pupila, luminância de fundo, tamanho do estímulo e
frequência (número de reversões por segundo em Hertz-Hz). Em frequências mais baixas (me­
nor que 6 reversões por segundo), a onda é formada por dois componentes negativos (NI, N2)
e dois positivos (PI, P2). O principal componente de onda a ser analisado é o PI e ocorre ao re­
dor de 100 milessegundos (ms), sendo denominado P I00. Esse padrão de resposta em baixas
frequências é o PVE por padrão reverso do tipo “transitório” . Quando a taxa de alternância é
maior que 6 reversões por segundo, a resposta gerada não é capaz de obter uma recuperação
completa entre as apresentações, e as ondas adquirem um formato sinusoidal. Este é chama­
do de PVE por padrão reverso do tipo estacionário (do inglês steady-state). O PVE por padrão
reverso do tipo transitório é mais utilizado na prática clínica.
Nos últimos anos, houve o surgimento do PVE de padrão reverso multifocal, que apresen­
tou avanços por ser um método capaz de mapear a função visual com boa correlação com os
defeitos de campo visual, sendo útil especialmente nas neuropatias ópticas.
Uma série de afecções da via óptica podem resultar em alterações no PVE, tais como neu-
rite óptica, NOIA, ambliopia tabaco-álcool, atrofia óptica dominante, atrofia óptica de Leber,
hipoplasia do nervo óptico, glaucoma, lesões do lobo occipital, entre outras. Portanto, as alte­
rações no registro das ondas do PVE não são específicas e podem ser secundárias a qualquer
neuropatia óptica. Em geral, nessas afecções podem ocorrer diminuição da amplitude e/ou
aumento da latência das ondas.
Merece destaque a aplicação clínica do PVE em pacientes com esclerose múltipla (EM).
Na presença de neurite óptica, podemos encontrar uma diminuição da amplitude e atraso na
latência de P I00 no PVE de padrão reverso. Alguns estudos demonstraram que essa alteração
pode ser encontrada em pacientes com EM mesmo sem evidências de neurite óptica, sendo
um sensível indicador de acometimento subclínico da via optica anterior nesses pacientes.
Outra utilidade do PVE é na avaliação da integridade visual em crianças, mesmo as pré-es­
colares, quando o exame de campo visual pode ser de difícil realização e interpretação, e nos
casos de perda visual não orgânica (simuladores ou histéricos).
Uma das limitações desse teste eletrofisiológico é a sua incapacidade em determinar o lo­
cal exato da lesão no sistema visual, uma vez que a resposta evocada representa uma resposta
de toda a via óptica, desde sua origem na retina até o córtex occipital.
Exame Neuroftalmológico | 29

Eletrorretinograma de padrão reverso


0 eletrorretinograma de padrão reverso (PERG) é um teste eletrofisiológico durante o qual um
potencial elétrico é gerado quando um estímulo de padrão reverso (semelhante a um tabulei­
ro de xadrez ou barras) com luminância total constante é visto. A resposta é originada pelas
estruturas mais internas da retina, refletindo, em especial, a função das células ganglionares
da retina. 0 dano às células ganglionares da retina e suas fibras nervosas pode ser detectado
pelo PERG em diversas afecções, tais como glaucoma, neurite óptica desmielinizante, NOIA e
doenças compressivas da via óptica anterior.
O PERG do tipo transitório, ou de curta duração, é aquele em que a taxa de reversão é me­
nor que 10 reversões por segundo (< 5 Hz), gerando uma onda onde seus componentes podem
ser analisados de forma individualizada. A sua resposta é constituída por uma onda trifásica, que
consiste em um pequeno componente inicial negativo com o tempo de pico ocorrendo em 35
ms, o N35, que é seguido por um largo componente positivo entre 45 e 60 ms, o P50, que, por
sua vez, é seguido por um largo componente negativo entre 90 e 100 ms, o N95.
Acredita-se que as respostas dos dois principais componentes de ondas do PERG, o P50 e
o N95, são evocadas em diferentes regiões e estruturas da retina, tendo, portanto, significados
clínicos diferentes. O componente P50 estaria afetado nas disfunções retinianas ou maculares,
enquanto o componente N95 seria afetado principalmente nas afecções do nervo óptico.
Portanto, o PERG pode ser um método útil na avaliação das neuropatias ópticas, podendo
ser um detector precoce de disfunção das células ganglionares da retina em diversas afecções
da via óptica anterior.

Angiografia fluoresceínica
A angiografia fluoresceínica permite a análise dinâmica da circulação da coroide, retina e disco
óptico. É amplamente utilizada nas afecções da retina e da coroide, onde seu uso já é consa­
grado. Em neuroftalmologia, apesar de não ser exame rotineiro, pode ser útil como auxílio
diagnóstico em algumas afecções.
Para uma avaliação adequada da circulação na cabeça do nervo óptico, é necessário que
o angiograma seja realizado de modo sequencial e com obtenção de imagens bem precoces
(fases pré-retiniana e retiniana precoce). A observação do enchimento da coroide na região
peripapilar revela a presença de zonas chamadas limítrofes (watershed). Essas zonas represen­
tam um território de transição entre duas áreas irrigadas pelos ramos terminais das artérias
ciliares posteriores curtas. São importantes na compreensão dos mecanismos fisiopatogênicos
de algumas doenças, em especial na neuropatia óptica isquêmica anterior (NOIA), pois essas
zonas representam áreas de maior vulnerabilidade à hipoperfusão arterial.
De modo geral, podemos classificar as alterações do disco óptico ao angiograma em hipo
ou hiperfluorescentes. As lesões hipofluorescentes podem ocorrer por bloqueio da fluorescência
ou por falha na perfusão. No primeiro grupo, temos como exemplo lesões pigmentadas, como
melanocitoma do disco óptico, ou bloqueio ocasionado pela presença de fibras de mielina.
As alterações hipofluorescentes por deficiência de perfusão podem ser encontradas em
pacientes com NOIA. Essa afecção caracteriza-se por comprometimento da perfusão do disco
óptico que ocorre de forma segmentar ou difusa, acometendo suas porções retrolaminar e la­
minar. A forma não arterítica é caracterizada pela hipoperfusão das artérias ciliares posteriores
30 I Neuroftalmologia

curtas, enquanto, na forma arterítica, temos a presença de vasculite oclusiva dessas artérias.
Na fase aguda da NOIA, a angiografia pode revelar atraso do enchimento da coriocapilar peri-
papilar, além de hipofluorescência nas porções laminar e retrolaminar, seguido de hiperfluo-
rescência por impregnação do disco óptico nas fases mais tardias do angiograma.
Quanto às alterações que podem levar a uma hiperfluorescência de disco óptico, geral­
mente são secundárias a um aumento da permeabilidade vascular, quebra da barreira hema-
torretiniana interna ou incompetência vascular, e as principais condições são os edemas de
disco óptico.
O edema de disco secundário a hipertensão intracraniana, denominado papiledema, é uma
condição em que podemos ter hiperfluorescência com padrão de vazamento ao angiograma. Esse
achado pode ser útil no diagnóstico diferencial, em especial nos casos em que o edema de disco é
discreto, auxiliando a diferenciar o papiledema de condições que podem simular edema, como no
caso das drusas de disco óptico, disco óptico congenitamente cheio, por exemplo.
Outra causa de edema de disco óptico, quando também podemos encontrar uma hiper­
fluorescência com padrão de vazamento por aumento da permeabilidade vascular, são as neu-
rites ópticas. Nos quadros de neurorretinite, temos um acometimento da retina secundário
ao acometimento primário do nervo óptico; portanto, a hiperfluorescência com padrão de
vazamento ocorre inicialmente a partir do disco óptico, com edema de retina secundário, mais
evidente nas fases intermediárias e tardias do angiograma.
As drusas de disco óptico são depósitos extracelulares de material amorfo e hialino que po­
dem ser visualizados como concreções ou nódulos localizados na cabeça do nervo óptico. Essas
condições podem simular um edema de disco óptico, sendo o principal diagnóstico diferencial
de pseudoedema de disco óptico. A angiografia fluoresceínica pode ser importante, pois auxilia
na identificação das drusas. Para isto, colocam-se os filtros e barreiras utilizados na realização
do angiograma e, sem a injeção do contraste, registra-se a foto. Pode-se então, por essa técnica,
r

demonstrar a autofluorescência proveniente das drusas. E importante destacar que, diferente­


mente daquilo que ocorre no edema de papila, não ocorre hiperfluorescência com padrão de
vazamento no angiograma, sendo este mais um dado útil na diferenciação diagnóstica.

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Anomalias Congênitas
do Nervo Óptico

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

INTRODUÇÃO

As afecções do nervo óptico representam as lesões mais comuns da via óptica. Dentre elas
devemos mencionar as anomalias congênitas, as neuropatias inflamatórias, isquêmicas, tóxi­
cas, carenciais, compressivas, hereditárias e traumáticas. Deve ainda ser lembrado o edema
de papila que ocorre na hipertensão intracraniana. Essas são as principais moléstias estudadas
em neuroftalmologia e serão discutidas nos capítulos a seguir, iniciando pelas anomalias con­
gênitas do disco óptico.
O disco do nervo óptico ou papila óptica é o principal local de afecções congênitas da via
óptica. Essas afecções são importantes devido à sua frequência e por serem causa comum de
confusão diagnóstica. Além disso, têm importância por poderem associar-se a outras malfor­
mações sistêmicas e intracranianas. As principais anomalias congênitas do nervo óptico são:
a hipoplasia do nervo óptico, a papila inclinada, as drusas de papila, o coloboma de papila e
síndrome de Morning Glory e as fibras de mielina, que serão aqui revisadas.

HIPOPLASIA DO NERVO ÓPTICO (HNO)

Hipoplasia do nervo óptico é uma anomalia congênita na qual o disco óptico é anormalmente
pequeno, com aparência esbranquiçada ou acinzentada, em decorrência de um menor número
de axônios. Pode ser uni ou bilateral, associada ou não a anomalias do sistema nervoso cen­
tral. A anomalia já foi considerada muito rara no passado, quando apenas as formas graves
da doença eram reconhecidas. Atualmente, no entanto, passou a ser reconhecida com maior
frequência, e acredita-se que seja uma das principais causas de cegueira congênita. A sua real
incidência na população, no entanto, não é bem conhecida.

31
32 I Neuroftalmologia

Histologicamente, encontra-se um número reduzido de fibras nervosas em um nervo ópti­


co de tamanho menor que o normal. A camada de fibras nervosas retinianas é reduzida, assim
como o número de células ganglionares.
A patogenia da HNO não é conhecida. A grande maioria dos casos ocorre de modo esporá­
dico embora existam alguns relatos de casos familiares. Fatores como diabetes melito materno,
hipermaturidade e idade materna muito jovem têm sido implicados na sua gênese. Vários agentes
tóxicos também têm sido implicados como possíveis causas de HNO, incluindo: fenitoína, quinina,
dietilamina do ácido lisérgico, fenciclidina e a ingestão de álcool durante a gravidez.
Oftalmoscopicamente, o disco hipoplásico parece um disco anormalmente pequeno, mas
tem tamanho variável, desde quase aplasia do nervo até formas muito sutis, ou mesmo seg­
mentares. Em geral, o disco óptico tem a metade ou um terço do tamanho normal, cor cinza
ou pálida e, frequentemente, é circundado por um halo peripapilar amarelado, bordejado por
um círculo de pigmentação aumentada ou diminuída (o chamado sinal do “duplo anel”), o que
facilita o reconhecimento da anomalia. Os vasos retinianos frequentemente são tortuosos. A
presença de um disco óptico pequeno e o sinal do “duplo anel” são característicos e facilitam
o diagnóstico (Fig. 1). Em casos mais discretos (Fig. 2), o diagnóstico é mais difícil e feito com
base na suspeita clínica associada a evidências de disfunção visual, em especial alterações nos
campos visuais. Nos casos unilaterais discretos, a comparação com o olho contralateral pode
ser útil no estabelecimento do diagnóstico.

Fig. 1 Hipoplasia do nervo óptico.

Fig. 2 Hipoplasia do nervo óptico, forma discreta.


Anomalias Congênitas do Nervo Óptico | 33

Um grande espectro de déficits visuais tem sido descrito, variando desde acuidade visual
normal até ausência de percepção luminosa. Os pacientes afetados podem apresentar nistag-
mo, diminuição da acuidade visual, da visão de cores e do campo visual. Uma vez que a HNO
pode se associar com estrabismo, é importante lembrar que a ambliopia por deprivação pode
também contribuir para a baixa visual. O campo visual pode mostrar alterações como esco-
tomas cecocentrais, defeitos nasais ou temporais, defeitos altitudinais etc. O tipo de defeito
mais comum parece ser a depressão temporal superior e a constrição generalizada. O diag­
nóstico diferencial deve ser feito particularmente com discos pequenos normais (com número
normal de fibras) e com a atrofia óptica.
Além das formas difusas de hipoplasia do nervo óptico, duas formas segmentares mere­
cem destaque: a hipoplasia segmentar superior e a hipoplasia homônima hemianópica. Hipo­
plasia homônima hemianópica é o termo usado para designar uma forma assimétrica de hipopla­
sia segmentar vista em pacientes com lesões cerebrais hemisféricas unilaterais envolvendo a
via visual retroquiasmática. Nesses casos, o disco óptico contralateral à lesão cortical mostra
hipoplasia segmentar envolvendo os setores nasal e temporal do disco óptico, com perda
correspondente das fibras nervosas dessa região. O disco óptico ipsilateral pode variar desde
um aspecto de tamanho normal até francamente hipoplásico. A alteração da forma dos discos
ópticos resulta de degeneração transináptica das fibras do trato óptico, resultante de lesões
hemisféricas congênitas. Outra forma de hipoplasia localizada é a hipoplasia segmentar superior,
associada a defeito campimétrico inferior e que ocorre principalmente, embora nem sempre,
em filhos de mães diabéticas insulino-dependentes.
Pode haver associação da HNO com outras malformações, principalmente nas formas mais
graves de hipoplasia. A principal associação é com a agenesia do septo pelúcido (Fig. 3). Essa
associação entre HNO e agenesia do septo pelúcido é denominada displasia septo-óptica ou
síndrome de Morsier. Nesses pacientes pode haver disfunção hipofisária variável desde alte­
rações subclínicas até pan-hipopituitarismo, podendo ocorrer o nanismo hipofisário. Além do
hormônio de crescimento, pode haver deficiência de outros hormônios, assim como diabetes
insípido em pacientes com displasia septo-óptica. A síndrome da displasia septo óptica con­
siste, portanto, em uma constelação variável de defeitos de estruturas da linha média do cé­
rebro, incluindo: 1) hipoplasia ou ausência do septo pelúcido (mas também do corpo caloso);

Fig. 3 Imagem por ressonância magnética mostrando age­


nesia do septo pelúcido em um paciente com displasia septo
óptica.
34 I Neuroftalmologia

2) hipoplasia dos nervos ópticos; e 3) disfunção hipotálamo-hipofisária (variando desde déficit


isolado de hormônio de crescimento até pan-hipopituitarismo).
É importante obter avaliação endócrina e repor os hormônios quando necessário. A defi­
ciência de hormônio de crescimento é a alteração endócrina mais comum. Hipotireoidismo,
pan-hipopituitarismo, diabetes insípido, e hiperprolactinemia também podem ocorrer. A de­
ficiência de hormônio de crescimento pode ser inaparente clinicamente nos primeiros 3 ou 4
anos de idade e manifestar-se mais tarde. A puberdade pode ser precoce ou retardada, e o hi-
popituitarismo subclínico pode também se manifestar como insuficiência adrenal aguda após
anestesia geral. Crianças com displasia septo-óptica e deficiência de corticotropina têm risco
aumentado de morte súbita durante doença febril.
Além da agenesia do septo pelúcido, outras anomalias intracranianas, como esquizencefalia,
porencefalia, heterotopia cortical, displasia cortical, leucomalacia periventricular e encefalomala-
cia, podem ocorrer. Essa diversidade sugere que a síndrome da displasia septo-óptica possa ser o
resultado final de várias anormalidades genéticas ou lesões intraútero. É importante a obtenção de
exames de neuroimagem, como a tomografia computadorizada (TC) e a imagem por ressonância
magnética (IRM). AIRM é atualmente o método de estudo não invasivo mais indicado para definir a
existência ou não de anomalias intracranianas associadas. Além disso, pode demonstrar afilamento
dos nervos ópticos intracranianos ou do quiasma óptico. A IRM pode também mostrar anomalias
hemisféricas cerebrais e do infündíbulo da hipófise. As anomalias hemisféricas são observadas em
aproximadamente 45% dos casos, e incluem anomalias hemisféricas de migração (esquizencefalia e
heterotopia cortical) ou anomalias por lesão intrauterina ou perinatal (leucomalacia periventricular
e encefalomalacia). A IRM pode também mostrar evidências de lesão perinatal do infündíbulo hi-
pofisário, que é vista como ectopia da pituitária posterior, sendo observada em aproximadamente
15% dos casos. A ocorrência de ectopia da pituitária posterior é praticamente patognomônica de
deficiência hormonal da pituitária, enquanto as anomalias hemisféricas se associam com déficits de
desenvolvimento. A simples ausência do septo pelúcido, por outro lado, não tem maior significado
e é compatível com desenvolvimento normal.

PAPILA INCLINADA

A síndrome da papila inclinada é uma condição bilateral não hereditária em que o disco óptico
é ovalado, com o seu eixo mais longo situado obliquamente, tendo a porção superotemporal
elevada e a porção inferonasal situada posteriormente. Associadamente, observam-se situs
inversus (saída dos vasos retinianos inicialmente em direção ao setor nasal da retina), presença
de afilamento do epitélio pigmentar retiniano no setor inferonasal e crescente naquela região,
que leva a um aspecto denominado coloboma de Fuchs (Fig. 4). Acredita-se que ocorra igual­
mente em homens e mulheres, em 1 a 2% da população, sem um padrão hereditário específico.
A anomalia pode ter diferentes graus de gravidade, desde formas mais discretas até a
síndrome completa com o coloboma de Fuchs e a papila ovalada (Fig. 4). Os pacientes geral­
mente apresentam astigmatismo miópico com o eixo a favor da regra. A causa dessa anomalia
é desconhecida.
A papila inclinada é bastante frequente e pode causar confusão diagnóstica. A anoma­
lia pode-se apresentar com defeito bitemporal de campo visual, simulando uma compressão
Anomalias Congênitas do Nervo Óptico | 35

Fig. 4 Papila inclinada.

quiasmática. O defeito de campo deve-se ao fato de que a retina inferior situa-se posterior­
mente à região superior, ou seja, apresenta-se miópica em relação às demais regiões da retina.
Frequentemente, o defeito de campo melhora ou desaparece com a adição de lentes negati­
vas, repetindo-se o teste no setor temporal superior após a adição destas. O defeito supero-
temporal é caracteristicamente limitado às miras pequenas e médias. A sensibilidade retiniana
pode também se mostrar reduzida na região inferonasal da papila. Sendo assim, o defeito
pode persistir pelo menos em parte, a despeito do uso de lentes corretoras.
Uma característica extremamente importante do defeito de campo causado pela síndrome
da papila inclinada é que este não respeita adequadamente o meridiano vertical, o que o dife­
rencia da síndrome quiasmática verdadeira. Confusões diagnósticas são muito frequentes com
essa anomalia, especialmente nas formas mais discretas, em que o coloboma de Fuchs mostra-se
discreto ou ausente. Deve ser enfatizado, no entanto, que a síndrome da papila inclinada é
uma condição bastante frequente e que, por isso, pode ocasionalmente estar presente em
indivíduos com compressão quiasmática verdadeira, especialmente por tumores da glândula
pituitária. É, portanto, muito importante verificar se o defeito respeita ou não o meridiano
vertical. Em casos de dúvida, deve-se afastar a presença de processo expansivo com uso de
tomografia computadorizada ou imagem por ressonância magnética.

DRUSAS DE PAPILA

Drusas do nervo óptico, também denominadas corpos hialinos ou coloides, são concreções
de material amorfo, laminado, extracelular, de causa desconhecida, situados na região pré-la-
minar do nervo óptico e que podem levar à confusão diagnóstica com papiledema. Essa confu­
são é mais provável de acontecer na infância, quando as drusas são ocultas, situando-se abaixo
da camada de fibras nervosas no disco óptico. As drusas do disco tornam-se mais aparentes
a partir da segunda década de vida, passando a superficializar-se e, portanto, sendo visíveis à
oftalmoscopia.
As drusas ocorrem numa incidência de 3,4 a 24 indivíduos por 1.000 habitantes, depen­
dendo do estudo, e são bilaterais em cerca de 75% dos casos, embora usualmente assimé­
tricas. Predominam em caucasianos (85% dos casos), sem preferência por sexo. Embora uma
36 | Neuroftalmologia

herança autossômica dominante com padrão irregular seja descrita, a maioria dos casos é
esporádica. A baixa prevalência em indivíduos da raça negra pode ser atribuída à variação ra­
cial no tamanho do disco óptico, que é maior nesses indivíduos, enquanto as drusas tendem
a ocorrer em papilas pequenas.
As drusas do disco óptico já foram descritas em associação com retinose pigmentar, es­
trias angioides, enxaqueca, esclerose tuberosa e neurofibromatose. O exame histopatológico
caracteriza-se pelo achado de pequenas concreções globulares homogêneas, que muitas ve­
zes se agrupam em aglomerados maiores e multilobulados. Esses corpos coloides apresentam
reação positiva para corantes de cálcio. As drusas são mais concentradas na região nasal do
disco óptico. De acordo com a maioria dos investigadores, as drusas são compostas de uma
matriz de mucopolissacáride, pequenas quantidades de ácido ribonucleico e, ocasionalmente,
ferro. Corpos amiláceos são frequentemente vistos na lâmina retinalis, consistindo em matriz
de neurofibrilas com agregados de corpos densos e laminados, e mitocôndrias contendo de­
pósitos de cristais de cálcio. A microscopia eletrônica demonstra acúmulo de mitocôndrias
extracelulares com grande quantidade de cálcio, formando corpos calcificados nas vizinhan­
ças das drusas. Alguns autores sugerem que o fator determinante para o desenvolvimento das
drusas seja um canal escleral menor que o tamanho normal, mas o mecanismo exato do seu
desenvolvimento não é conhecido.
A acuidade visual é raramente acometida nas drusas do disco óptico, mas sua eventual
redução pode ser secundária a hemorragias vítreas, retinianas, sub-retinianas, à neuropatia
óptica ou à associação das drusas com degeneração tapetorretiniana. Obscurecimentos tran­
sitórios da visão podem ocorrer. Diminuição permanente da acuidade visual é incomum, mas
pode ocorrer. A patogênese da perda visual, em casos de drusas do disco, ainda não é total­
mente conhecida. Ela pode estar relacionada à anormalidade do fluxo axoplasmático, ocasio­
nando disfunção das fibras do nervo óptico, a compressão das fibras do nervo óptico pelas
drusas ou a isquemia da porção anterior do nervo.
Em um estudo realizado em 92 olhos com drusas de papila identificadas através da oftal-
moscopia e da ultrassonografia, e observou-se que 51 olhos (55%) tinham sintomas visuais;
63% tinham sintomas relativos à baixa de acuidade visual; e 49% apresentaram alteração no
campo visual. A maior parte (86%) mostrava-se anormal à fundoscopia, mas apenas 42% tinham
drusas visíveis. Quarenta e nove (49%) dos olhos tinham defeito de campo visual e 73% tinham
defeito em feixe de fibras.
Neuropatia óptica isquêmica anterior secundária a drusas do disco óptico já foi relatada, ca­
racterizada por perda súbita da visão e por defeitos campimétricos altitudinais ou centrais. O de­
senvolvimento da neuropatia óptica isquêmica anterior em pacientes com drusas do disco ópti­
co pode estar relacionada às alterações estruturais do disco como fator de risco para o processo
isquêmico, principalmente a diminuição ou ausência da escavação fisiológica ocasionada pelas
drusas e a associação das drusas com discos ópticos pequenos e com padrão vascular anômalo.
Defeitos campimétricos são frequentemente encontrados em associação com drusas do
disco óptico. Como seu desenvolvimento é insidioso, os pacientes usualmente adaptam-se a
eles sem notá-los. Nas várias séries publicadas, os defeitos do campo visual têm sido relatados
na frequência de 61 a 87% dos casos, sendo mais comuns nas drusas internas. As anormalida­
des mais frequentemente encontradas são: defeito nasal inferior, aumento da mancha cega,
defeitos setoriais, defeitos arqueados e acentuada contração periférica.
Anomalias Congênitas do Nervo Óptico | 37

A fisiopatologia dos defeitos campimétricos nos casos de drusas do disco óptico ainda
não é bem conhecida, sendo controvertido o papel desempenhado pela compressão direta de
feixes de fibras nervosas pelas drusas e pelos distúrbios circulatórios associados. A associação
de hemorragias no disco, peripapilares ou na retina, pode ser responsabilizada pela presença
de defeitos diversos.
Ao exame fundoscópico, podem ser superficiais ou internas. As drusas superficiais apre­
sentam-se como excrescências refráteis arredondadas, irregulares, branco-amareladas, na su­
perfície do disco ou em sua periferia. Elas variam de tamanho entre puntiformes a 2 a 3 vezes
o diâmetro de um vaso retiniano. Às vezes podem ocupar toda a superfície da papila, mas são
sempre mais conspícuas na periferia do disco, principalmente em sua borda nasal (Fig. 5).
As drusas internas, dentro do tecido do disco, produzem moderada elevação da superfí­
cie do disco e borramento de suas margens, tornando sua diferenciação oftalmoscópica do
papiledema mais difícil (Fig. 6). No entanto, algumas características do disco e da camada de
fibras nervosas servem para diferenciá-las do papiledema, tais como: 1) a ausência de esca­
vação fisiológica; 2) o disco, embora elevado, não se encontra hiperemiado, e não há vasos
dilatados em sua superfície; 3) a porção mais elevada do disco é sua área central, de onde os
vasos emergem; 4) o disco elevado apresenta bordas pregueadas; 5) a elevação está confinada
ao disco, não se estendendo à retina peripapilar, com preservação do reflexo circumpapilar;

Fig. 5 Drusas superficiais do disco óptico.

Fig. 6 Drusas ocultas levando ao aspecto de pseudoedema


de papila.
38 | Neuroftalmologia

6) o disco óptico frequentemente é pequeno; 7) apesar da grande elevação do disco, os vasos


superficiais não se apresentam obscurecidos; 8) pode haver anomalias do padrão vascular na
superfície do disco, como aumento da tortuosidade vascular, alças vasculares ou ramificações
anômalas.
As drusas podem levar a complicações hemorrágicas de três tipos: 1) hemorragias na camada
superficial de fibras nervosas, sobre o disco ou próximo dele, e, em geral, assintomáticas; 2) he­
morragias vítreas, que podem ocasionar perda aguda de visão mas que, em geral, evoluem para
completa resolução sem sequela permanente; 3) hemorragias intrarretinianas, com prognóstico
variável. As hemorragias podem limitar-se ao disco ou às suas vizinhanças, localizando-se na ca­
mada de fibras nervosas ou no interior da retina. Podem ser recorrentes e, ocasionalmente, rom­
pem a membrana limitante interna, atingindo o vítreo. Um segundo tipo de hemorragia intrar-
retiniana pode originar-se numa drusa na borda do disco e estender-se nasal ou temporalmente.
Quando ocorrem temporalmente, as hemorragias estendem-se em direção à mácula. Elas podem
não alcançar a mácula, mas são associadas a efusão serosa macular e originam-se numa drusa
na borda do disco, estendendo-se temporal ou nasalmente. A maculopatia serosa das drusas do
disco óptico pode ocorrer mesmo sem a presença de hemorragias retinianas.
À angiografia fluoresceínica, observa-se que, fotografando-se o disco com a interposição do
filtro de cobalto, antes da injeção do corante as drusas demonstram fenômeno de autofluorescên-
cia (Fig. 7). Na fase tardia do exame, há hiperfluorescência na superfície do disco, frequentemente
com aspecto bocelado das margens da papila. No entanto, a angiografia não é útil em pacientes
com meios opacos e pode não revelar anormalidades nos casos de drusas internas.
A ecografia B é particularmente útil para avaliação de anormalidades da cabeça do nervo
óptico. Nas drusas do disco, há caracteristicamente alta ecogenicidade, com persistência de
sinal mesmo em baixos ganhos. Nas drusas internas, não visíveis clinicamente, a ecografia B
pode demonstrar a presença de calcificação localizada profundamente na substância do nervo
junto à lamina scleralis ou ao nível da esclera posterior.
A tomografia computadorizada pode também detectar calcificações na cabeça do nervo
óptico (Fig. 8), mas essa técnica é mais onerosa e expõe o paciente a radiação ionizante. Além
disto, as drusas podem não ser reveladas por cortes que não passem no exato plano de sua
localização. No entanto, muitos pacientes com drusa e quadro de pseudoedema de papila já

Fig. 7 Autofluorescência de drusas do disco óptico.


Anomalias Congênitas do Nervo Óptico | 39

Fig. 8 Tomografia computadorizada evidenciando drusas


calcificadas em ambos os olhos.

se apresentam após a realização de uma tomografia computadorizada cerebral, e é importante


observar cuidadosamente se existem sinais de drusa de papila. Em várias ocasiões, pudemos
observar calcificações na cabeça do nervo óptico, que não haviam sido observadas pelo radio­
logista, provavelmente mais atento à procura de eventual anormalidade intracraniana.
A comparação dos três métodos supracitados em 21 casos de drusas mostrou que a ecografia
modo B é o método diagnóstico mais eficaz, evidenciando as drusas em todos os 21 olhos com
essa afecção, enquanto a tomografia revelou as drusas em nove olhos e a autofluorescência foi evi­
denciada em 10 casos. No entanto, deve-se salientar que a capacidade de demonstrar drusas pela
ecografia modo B é fundamentalmente dependente da experiência do examinador e de sua habi­
lidade em demonstrá-la. Mais recentemente, a tomografia de coerência óptica foi descrita como
método de identificar a presença de drusas do disco óptico e auxiliar na diferenciação entre drusas
e edema de papila. Embora ainda necessite de validação, estudos recentes sugerem que se trata de
método bastante eficaz para a identificação das drusas.

COLOBOMA DE PAPILA E SÍNDROME DE MORNING GLORY

Colobomas do disco óptico resultam de fechamento incompleto da fissura embrionária. Ob-


serva-se uma escavação branca, bem delimitada, que se situa inferiormente no disco ópti­
co, refletindo a posição da fissura embrionária em relação à papila óptica primitiva (Fig. 9).
A rima neurorretiniana inferior mostra-se afilada ou ausente, enquanto a rima superior é

Fig. 9 Coloboma do disco óptico.


40 I Neuroftalmologia

relativamente poupada. O defeito pode estender-se inferiormente e envolver a coroide e a


retina. Pode-se associar a colobomas da íris e corpo ciliar.
A acuidade visual em olhos com coloboma do nervo óptico varia dependendo do acometi­
mento ou não do feixe papilomacular, e pode mostrar-se discreta ou acentuadamente reduzida.
Colobomas do nervo óptico podem ser uni ou bilaterais, esporádicos ou por herança autossô-
mica dominante. Pode também ocorrer acompanhando outras anomalias sistêmicas, como a
síndrome de Walker-Warburg, síndrome de Aicardi, síndrome de Goldenhar, síndrome do nevo
linear. Pode também fazer parte de duas outras síndromes: Charge syndrome - coloboma, defei­
tos cardíacos, atresia da coana, defeitos em nervos cranianos, anomalias urogenitais, retardo no
crescimento e desenvolvimento, hipoplasia genital e anomalias auditivas, como surdez; e coach
syndrome - coloboma, oligofrenia, ataxia, hipoplasia/aplasia do vérmis cerebelar e fibrocirrose
hepática. Ocasionalmente se acompanha de anomalias oculares, como a microftalmia e a micro-
córnea, além, obviamente, da associação com coloboma de coroide e da íris.
Os colobomas do disco óptico podem associar-se a descolamento de retina, usualmente
do tipo seroso e envolvendo a região macular. Descolamento regmatogênico, por outro lado,
costuma ocorrer quando existe coloboma envolvendo também a retina e coroide.
A síndrome de Morning Glory é uma outra anomalia escavada do disco óptico, que se
caracteriza por apresentar-se muito aumentado, de cor laranja ou rósea, podendo parecer
recuado dentro de uma escavação peripapilar em forma de funil (Fig. 10). Um grande anel
de alteração pigmentária peripapilar circunda o disco óptico dentro da escavação. Os vasos
mostram-se aumentados em número e geralmente saem da periferia do nervo, apresentando
um trajeto radial para a retina peripapilar.
A anomalia geralmente é unilateral, mas pode ser bilateral, e a acuidade visual varia desde
a ausência de percepção luminosa até visão normal. A maioria dos casos, no entanto, situa-se
entre 20 e 200 de conta-dedos. A anomalia ocorre mais em mulheres (2 vezes mais comum) e
é rara em negros.
A síndrome de Morning Glory pode associar-se a defeitos craniofaciais da linha média,
como a encefalocele basal. Nos casos de encefalocele basal envolvendo a região esfenoidal,
podem também ocorrer outras alterações faciais, como hipertelorismo, fenda palatal, depres­
são do dorso do nariz, assim como um defeito ósseo na base do crânio com herniação das

Fig. 10 Síndrome de "Morning Glory".


Anomalias Congênitas do Nervo Óptico | 41

estruturas do eixo hipotálamo-hipofisário. Esses pacientes apresentam um risco maior de pro­


blemas respiratórios, endócrinos e neurológicos. Em um terço dos casos, observa-se ausência
do quiasma em indivíduos com encefalocele basal, e agenesia do corpo caloso e pan-hipo-
pituitarismo também podem ocorrer. A malformação pode também estar associada a várias
alterações oculares, incluindo estrabismo, catarata, nistagmo, cisto de corpo ciliar, coloboma
de cristalino, hemangioma palpebral e drusa de nervo óptico.
Os pacientes com síndrome de Morning Glory podem também desenvolver descolamento
seroso de retina, o que ocorre em aproximadamente 30%dos casos. Tipicamente, é observado
em áreas peripapilares e pode progredir para descolamento total.

FIBRAS DE MIELINA

A mielinização de fibras nervosas no disco óptico e retina peripapilar ocorre em cerca de 0,3
a \% dos indivíduos como uma variação do desenvolvimento normal. A mielina é um produto
de células oligodendrocíticas que, normalmente, estão presentes no nervo óptico apenas até
o nível da lâmina crivosa. A causa das fibras de mielina é desconhecida. Uma das primeiras
teorias era de que um defeito na lâmina cribriforme permite que as fibras mielinizadas passem
para a retina. No entanto, observa-se que, na maioria dos casos, a fibra retiniana mielinizada
não tem continuidade através da lâmina cribriforme, e mostra-se separada da mielina do nervo
óptico. A presença de oligodendrócitos na área mielinizada sugere que as fibras de mielina são
decorrentes da presença de células gliais anormais na retina.
Na grande maioria dos casos, as fibras de mielina estão presentes ao nascimento ou logo após,
e permanecem estacionárias ao longo da vida. O seu desaparecimento ocorre quando existe atro­
fia das fibras nervosas por diversas etiologias, como neurite óptica, neuropatia óptica isquêmica,
oclusão de ramo ou da artéria central da retina. Pode também ocorrer o desaparecimento das fi­
bras de mielina após a realização de vitrectomia pars plana. Provavelmente, a atrofia ou a isquemia
das fibras causada pela cirurgia seja o mecanismo do desaparecimento das fibras de mielina. Um
evento bastante raro e de causa desconhecida é o aparecimento tardio de fibras de mielina, bem
documentado por alguns autores. Nesses casos, especula-se que a ação da micróglia reativa a de­
terminado trauma ou insulto possa levar à remielinização de fibras nervosas retinianas.
As fibras mielinizadas na cabeça do nervo óptico e na retina não apresentam outras alte­
rações morfológicas e funcionam normalmente. Em geral, os olhos afetados são normais em
estrutura e função, exceto pela presença de escotomas de tamanho, local e intensidade variá­
veis, correspondendo à área de opacificação da retina pela mielina. Os escotomas são sempre
menores do que se poderia esperar pelo tamanho da área mielinizada. Aumento da mancha
cega é uma alteração frequentemente encontrada, uma vez que o disco óptico usualmente é
envolvido. Acometimento macular é muito raro, mas pode ocasionar escotoma central. Mieli­
nização perimacular causa o aparecimento de escotomas em anel. Defeitos periféricos no cam­
po visual são menos comuns, mas também podem ocorrer. A maioria dos pacientes apresenta
acuidade visual normal, mas miopia pode estar presente.
A oftalmoscopia demonstra prontamente a presença de fibras nervosas mielinizadas. Elas
aparecem como manchas irregulares ou em chama de vela, brancacentas, densas e brilhantes,
estendendo-se a partir do disco para a retina peripapilar (Fig. 11). Preferencialmente, envol­
vem as porções superior e inferior do disco e obscurecem a trajetória dos vasos retinianos
42 I Neuroftalmologia

Fig. 11 Fibras de mielina peripapilares.

emergentes. Ocasionalmente, no entanto, a mielinização pode afetar toda a superfície do


disco óptico, fazendo-o aparecer como uma massa brancacenta e irregular. Zonas de mielini­
zação na retina periférica podem também ser encontradas. Raramente, o disco óptico pode
estar completamente obscurecido pela mielina. Uma importante característica oftalmoscópica
das fibras mielinizadas é a aparência de sua extremidade periférica em pena, com finas estrias.
O diagnóstico diferencial das fibras mielinizadas no disco óptico e na retina é com tumo­
res intraoculares e com remanescentes da papila de Bergmeister. Áreas periféricas de mieli­
nização podem ser também confundidas com exsudatos moles, mas estes não apresentam as
extremidades com estrias.
Embora a visão geralmente esteja normal, em alguns pacientes, com mielinizações extensas,
observam-se redução da acuidade visual, estrabismo, ambliopia e até nistagmo. O acometimento
macular pelas fibras de mielina explica, em muitos casos, a redução da acuidade visual. A associa­
ção de fibras de mielina extensas com miopia também é bem documentada na literatura.

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44 | Neuroftalmologia

assintomáticas ao exame de imagem por ressonância magnética (IRM) do encéfalo realizada à


época de aparecimento da neurite óptica. Outros fatores de importância na determinação des­
se risco são os genéticos, o sexo e presença de anormalidades do líquido cerebrorraquidiano.
Alternativamente, a neurite óptica pode ser uma manifestação clínica durante o curso da EM.
Em relação ao local de inflamação no nervo óptico, as neurites ópticas podem ser clas­
sificadas em neurites anteriores ou papilites, em que o processo inflamatório envolve a porção
prelaminar do nervo óptico; e neurites ópticas retrobulbares, em que a inflamação acomete o
nervo óptico atrás do globo ocular, podendo então envolver o segmento intraorbitário, intra-
canalicular ou intracraniano do nervo óptico. Nas neurites ópticas anteriores, o exame fun-
doscópico, na fase aguda da doença, demonstra edema do disco óptico. Por outro lado, o
exame fundoscópico, na fase aguda da neurite óptica retrobulbar, não revela anormalidades,
ou, ocasionalmente, mostra apenas discreta hiperemia e elevação do disco quando o processo
inflamatório retrobulbar se situa próximo à lâmina crivosa. Em fases crônicas, em ambos os
tipos de neurite óptica, a fundoscopia mais frequentemente revela palidez do disco, deno­
tando perda axonal irreversível. Dois terços dos casos de neurite óptica desmielinizante são
retrobulbares.
Neurites ópticas recorrentes ou inicialmente bilaterais podem sugerir a possibilidade
diagnóstica de espectro de neuromielite óptica de Devic, relacionada à imunidade contra a aquapo-
rina-4, uma proteína situada nos processos astrocitários na barreira hematoneural, abundante
nos nervos ópticos e considerada como o principal canal de transporte de água no sistema
nervoso central.

ETIOLOGIA

Embora a maioria dos casos ocorra como um fenômeno desmielinizante isolado (síndrome clíni­
ca isolada, com risco de conversão em EM; ou como síndrome de alto risco para neuromielite óptica
de Devic), ou como manifestação de surto de esclerose múltipla já estabelecida, várias outras
doenças de natureza autoimune, infecciosa ou granulomatosa podem envolver o nervo óptico,
acometendo-o na forma de neurite óptica (Tabela 1).

EPIDEMIOLOGIA

Como manifestação de processos inflamatórios de diferentes etiologias, a prevalência e a in­


cidência da neurite óptica são muito variáveis, dependendo da frequência das diversas condi­
ções causais, ocorrendo em diferentes populações. Não há dados epidemiológicos referentes
à população brasileira. Um estudo americano demonstrou taxa de prevalência da NO desmieli­
nizante de 115/100.000 habitantes, e de incidência anual de 5/100.000 habitantes.
Enquanto a neurite óptica desmielinizante ocorre tipicamente em mulheres jovens, com
média de idade entre 30 e 35 anos, as neurites infecciosas predominam no sexo masculino,
manifestando-se tanto em crianças e adultos jovens quanto em pacientes acima de 50 anos. Em­
bora na infância a neurite óptica esteja mais frequentemente associada a processos infecciosos
e parainfecciosos, a neurite desmielinizante também ocorre em crianças na primeira e segunda
décadas de vida. Em um grande estudo multicêntrico norte-americano conduzido pelo ONSG e
Neurites Ópticas | 45

TA B ELA I Principais etiologias das neurites ópticas

N e u n t e s ó p tic a s d e s m ie lin iz a n t e s Neurite óptica desmielinizante isolada


Esclerose múltipla
Espectro de neuromielite óptica
Neurite óptica autoimune
Encefalomielite aguda disseminada
Encefalite periaxial difusa (doença de Schilder)
N e u r it e s ó p t ic a s a s s o c ia d a a d o e n ç a s Lúpus eritematoso sistêmico
a u to im u n e s Guillain-Barré
Miastenia g ra vis
Escleroderma
Artrite reumatoide
Doença de Crohn
Outras
N e u rite s ó p tic a s p a ra n e o p lá s ic a s Câncer de pulmão
Câncer de mama
Outras neoplasias
N e u r it e s ó p t ic a s in f e c c io s a s Caxumba
Herpes-zoster
Herpes simples
HIV
HTLV l-ll
Mononucleose infecciosa
Dengue
Sarampo
Viroses não especificadas
Sífilis
Tuberculose
Borreliose
Bartonelose
Pneumococos
Criptococose
Cisticercose
Toxoplasmose
Toxocaríase
N e u rite s ó p tic a s g r a n u lo m a t o s a s Sarcoidose
Granulomatose de Wegener

denominado Optic Neuritis Treatment Trial (ONTT), compreendendo 448 portadores de neurite
óptica desmielinizante, a idade média foi 31,8 anos, e 11% eram do sexo feminino.
A predominância racial também varia de acordo com a etiologia das neurites ópticas. A
neurite óptica desmielinizante, ocorrendo isoladamente ou no curso da EM, predomina na
raça branca (85% no estudo do ONTTj, enquanto a NO como espectro da neuromielite óptica
é mais comum em pacientes não brancos e em orientais.

FISIOPATOLOGIA

A desmielinização do nervo óptico na neurite óptica ocasiona lentificação e bloqueio de con­


dução do estímulo visual, manifestando-se clinicamente pelo comprometimento das funções
46 I Neuroftalmologia

visuais e, eletrofisiologicamente, pelo prolongamento e atenuação da resposta visual evocada.


Sabe-se que fibras desmielinizadas perdem a capacidade normal de conduzir estímulos em
frequências fisiológicas. Esse fenômeno tem sido relacionado ao bloqueio intermitente da
condução nervosa pela bomba de sódio, que hiperpolariza a membrana celular durante uma
sequência de potenciais de ação. Estudos de IRM evidenciam que, na fase aguda da neurite
óptica, ocorre ruptura da barreira hematoneural, com passagem de gadolínio para o parênqui-
ma do nervo óptico. Estudos de necropsia mostram que lesões desmielinizantes recentes se
caracterizam por desmielinização e inflamação, e que o extravasamento do gadolínio reflete
inflamação. Algumas semanas após o início dos sintomas, coincidindo com a recuperação da
visão e da amplitude do potencial evocado, o extravasamento do contraste cessa, demons­
trando ter havido desaparecimento do processo inflamatório e restabelecimento da barreira
hematoneural.
Com base nos estudos de ressonância magnética e por potencial evocado visual, pode-se
concluir que a desmielinização é um fenômeno precoce e muito importante na neurite óptica,
e que a inflamação é o fator determinante do elemento reversível do bloqueio neural. Por­
tanto, a perda visual na neurite óptica aguda se deve ao bloqueio reversível da condução, e a
melhora visual é secundária ao desaparecimento desse bloqueio. A resolução da inflamação
pode, portanto, contribuir para a rápida fase de recuperação visual após um ataque de neurite
óptica. Há, provavelmente, outros mecanismos de recuperação funcional, principalmente du­
rante as fases mais lentas da recuperação. A remielinização pode ser outro fator importante no
restabelecimento da condução neural, que pode levar muitos meses a se processar.
Estudos de autópsia demonstram que, além da perda axonal significativa no nervo e trato
óptico, há atrofia seletiva dos pequenos neurônios da camada parvocelular do corpo genicu-
lado lateral, consistente com degeneração transináptica e sugerindo maior sensibilidade dos
axônios menores à lesão inflamatória. Essa maior sensibilidade dos axônios menores explica
as frequentes alterações do senso cromático, da sensibilidade ao contraste e da discriminação
espacial nas neurites ópticas. Estudos experimentais demonstram haver alterações ultraestru-
turais típicas de degeneração das células ganglionares da retina, com resultante degeneração
de seus axônios, precedendo as evidências de inflamação e de desmielinização do nervo ópti­
co. A natureza desse processo degenerativo não é conhecida.

SINAIS E SINTOMAS

O quadro clínico é, na maioria dos pacientes, suficientemente típico para se suspeitar o diag­
nóstico. O estudo ONTT caracterizou as manifestações clínicas da neurite óptica desmielini-
zante (Tabela II).
Dor ocular e cefaleia: Mais de 90% dos pacientes com neurite óptica referem desconforto
ou dor ocular, ou na região periocular, precedendo por até 1 semana o início da baixa visual.
Estudos retrospectivos no Brasil encontraram dor precedendo a perda visual ou concomitante a
esta em cerca de 65% dos pacientes. A dor, em geral, é exacerbada com os movimentos do olho
e tende a desaparecer assim que a diminuição da visão se instala. Outros pacientes referem ape­
nas a leve desconforto ocular na região periorbitária. Cefaleia, de leve a moderada intensidade,
é também relatada por alguns pacientes anterior ou concomitante à diminuição da visão.
Neurites Ópticas | 47

T A B E L A II Características clinicas (%) da neurite óptica*

Queixa de embaçamento intermitente 1,3


Queixa de escotoma 40,0
Queixa de perda parcial da visão 44,6
Queixa de perda completa da visão 8,0
Fenômenos visuais positivos 30,4
Dor ocular 92,2
A V n o o lh o a fe ta d o

> 20/20 10,5


20/25 - 20/40 24,8
20/50 - 20/190 28,8
20/200 - 20/800 20,3
Conta-dedos 3,6
Movimentos de mãos 5,6
Percepção luminosa 3,3
Não percepção luminosa 3,1
F u n d o s c o p ia

Disco óptico normal 64,7


Edema de papila 35,3
Hemorragias no disco ou peripapilar 5,6
Exsudatos retinianos 1,8
Células no vítreo (traços) 3,3
Im a g e m p o r re s s o n â n c ia m a g n é t ic a

Normal 40,3
Alterações inespecíficas 11,0
Alterações sugestivas de esclerose múltipla 48,6

* Modificado de Optic Neuritis Study Group. The clinical profile of optic neuritis. Experience of the Optic Neuritis Treatment Trial.
Arch Ophthalmol, 1991; 109:1673-1678.

Fenômenos visuais positivos: Poucos pacientes com neurite óptica queixam-se espon­
taneamente de fotopsias, como flashes de luz, pontos ou linhas luminosas, ou percepção de
“pequenas estrelas” que podem ser precipitadas por movimentos oculares.
Perda visual: A perda visual relatada pelos pacientes com neurite óptica refere-se à com­
binação de alterações das várias funções visuais, como acuidade visual, visão cromática, sen­
sibilidade ao contraste e campo visual. O estudo do ONSG demonstrou que a sensibilidade ao
contraste é a função visual mais frequentemente alterada tanto na fase aguda da neurite óptica
quanto 6 meses após o evento.
Alteração da acuidade visual: A diminuição da acuidade visual varia amplamente em di­
ferentes pacientes, desde discretamente diminuída até a ausência de percepção luminosa. No
estudo ONTT, em cerca de 10% dos casos de neurite óptica desmielinizante, a acuidade visual
48 | Neuroftalmologia

era 20/20; em 25%, variava de 20/25 a 20/40; em cerca de 30%, de 20/50 a 20/190. Apenas 20%
dos pacientes apresentaram acuidade visual entre 20/200 a 20/800, enquanto, em menos de
10%, ela foi de conta-dedos a movimentos de mão. Acuidade visual de percepção luminosa ou
ausência de percepção luminosa ocorreu em cerca de 5% dos pacientes.
Perda de visão mais grave ocorre em portadores de neurite óptica recorrente e como ma­
nifestação do espectro da neuromielite óptica, assim como nas neurites ópticas infecciosas.
Alterações da visão cromática: Poucos pacientes queixam-se espontaneamente de alteração
da percepção das cores, embora os testes específicos demonstrem anormalidades em sua
grande maioria. O estudo do ONSG demonstrou, na fase aguda das neurites ópticas, anormali­
dades das lâminas pseudoisocromáticas de Ishihara em quase 88,8% e do teste de Farnsworth-
Munsell 100-hue em 93,2% dos casos. Embora não haja defeitos cromáticos específicos, a
maioria dos pacientes demonstra defeitos mistos nos eixos verde-vermelho e azul-amarelo. Os
defeitos no eixo azul-amarelo tendem a ser um pouco mais comuns na fase aguda, enquanto
há predominância dos defeitos do eixo verde-vermelho nas fases crônicas. Seis meses após o
início da neurite óptica, cerca de 40% dos pacientes persistem com anormalidades do senso
cromático.
Alterações da sensibilidade ao contraste: Diminuição da sensibilidade ao contraste ocor­
re em quase todos os pacientes com neurite óptica. No estudo do ONSG, a sensibilidade ao
contraste foi avaliada pelo teste de Pelli-Robson, havendo anormalidades em 97,7% dos casos.
Perda de campo visual: O campo visual mostra defeitos característicos, principalmente
os escotomas centrais ou cecocentrais. Outros tipos de defeito, no entanto, também podem
estar presentes, particularmente quando se realiza o exame ao perímetro computadorizado. O
estudo ONTT mostrou que, quando se utiliza esse tipo de perimetria, qualquer tipo de defeito
pode estar presente nos pacientes com neurite óptica, sendo mais comuns os defeitos difusos
(depressão generalizada dos 30° centrais) e defeitos focais. Defeitos altitudinais são menos
comuns e devem levar à consideração do diagnóstico diferencial com neuropatia óptica isquê-
mica. O valor mediano para o Mean Deviation (MD) no ONTT foi -22.88 dB no olho afetado. No
mesmo estudo, novos exames de campo visual foram realizado longitudinalmente no primeiro
ano após o episódio inicial de neurite óptica. Seis meses após a instalação da neurite óptica,
51% dos campos visuais já haviam normalizado e, em 1 ano, 55,9%.
Sintoma de Uhthoff: Episódios transitórios de embaçamento visual ocorrem em 10% dos
pacientes após neurite óptica quando são expostos a aumento da temperatura corporal se­
cundário a exercícios físicos, calor, febre, ou mesmo após fartas refeições ou uso de cigarros.
Mais provavelmente, a diminuição da visão se deve à diminuição da velocidade de condução
na fibra nervosa desmielinizada. O sintoma de Uhthoff é inespecífico, sendo também observa­
do em outras neuropatias ópticas; nas neurites ópticas, ocorre mais frequentemente quando
a neurite óptica está associada a EM.
Exame oftalmoscópico: Em cerca de 35% dos casos de neurite óptica, a oftalmoscopia de­
monstra edema do disco óptico, sugerindo envolvimento inflamatório do segmento anterior
do nervo óptico (neurite óptica anterior ou papilite) (Fig. 1). O edema do disco varia de discreto,
em que há apenas pequena imprecisão de suas bordas, hiperemia e discreta elevação, até a
completa deformidade do disco, com apagamento total de suas bordas, acentuada elevação e
dilatação vascular. A presença de hemorragias e de exsudatos papilares e peridiscais é rara nas
neurites ópticas, sugerindo a possibilidade de papiledema por hipertensão intracraniana, ou
Neurites Ópticas | 49

Fig.1 Edema de disco óptico na neurite óptica (papilite).

de neuropatia óptica isquêmica anterior. Exsudatos retinianos em associação com neurite óp­
tica sugere o diagnóstico de neurorretinite (Fig. 2). Embainhamento de vasos retinianos pode
ser encontrado em alguns pacientes com EM ou doenças granulomatosas do nervo óptico,
como sarcoidose, sendo geralmente discreto e situado na periferia da retina. Presença de al­
gumas células na câmara anterior também pode ser observada nas neurites desmielinizantes,
enquanto maior celularidade sugere outro diagnóstico que não a neurite óptica.
Na grande maioria dos pacientes com neurite óptica, no entanto, o exame oftalmoscópico
na fase aguda da doença não revela anormalidades (neurite retrobulbar). Nas semanas seguin­
tes após o início da neurite óptica, no entanto, em ambas as formas de neurite óptica - tanto
na papilite quanto na neurite retrobulbar - , progressiva palidez do disco óptico vai-se desen­
volvendo, de maneira global ou segmentar, predominando na região temporal do disco óptico.
Defeito pupilar aferente relativo: Um defeito pupilar aferente está quase sempre presente
quando se pesquisa de forma adequada. Sendo assim, a ausência de um defeito pupilar afe­
rente deve levar à suspeita de um outro diagnóstico, como, por exemplo, doenças retinianas
do tipo retinopatia central serosa. O defeito pupilar aferente relativo pode estar ausente tam­
bém quando existe afecção nos dois nervos ópticos (comprometimento simétrico dos nervos
ópticos, que leva a um defeito aferente bilateral). Deve-se lembrar, no entanto, que o defeito
pupilar aferente é inespecífico, denotando apenas assimetria do envolvimento das vias ópticas
anteriores, independentemente de sua etiologia.

Fig. 2 Neurorretinite. Edema de papila com exsudatos reti­


nianos na forma de estrela macular.
50 | Neuroftalmologia

EXAMES COMPLEMENTARES

Embora os dados epidemiológicos e clínicos obtidos através da anamnese e do exame físico


sejam sugestivos do diagnóstico de neurite óptica, alguns exames complementares são impor­
tantes na melhor caracterização da doença, na avaliação de seu prognóstico e, principalmente,
no diagnóstico diferencial. Os exames de neuroimagem são os mais importantes no diagnós­
tico da neurite óptica e no seu diferencial com outras neuropatias. A tomografia computa­
dorizada é útil para afastar lesões compressivas da órbita ou do crânio, mas geralmente não
evidencia a neurite óptica, embora ocasionalmente possa evidenciar espessamento do nervo
óptico e maior captação de contraste. No entanto, no estudo da neurite óptica, tem maior
importância a imagem por ressonância magnética.

Imagem por ressonância magnética (IRM)


O exame de IRM é de grande importância para a avaliação prognóstica da neurite óptica des-
mielinizante e para o estabelecimento do diagnóstico de outras condições neurológicas em
que há envolvimento do nervo óptico. O exame deve ser solicitado sempre que se suspeitar
do diagnóstico de neurite. Anormalidades do sinal na sequência de T2 e FLAIR são observadas
em 84% dos nervos ópticos afetados pela neurite óptica desmielinizante (Figs. 3 e 4) e em 20
a 32% dos olhos contralaterais assintomáticos. Nesses casos, lesões cerebrais assintomáticas
são encontradas em 76% dos pacientes, enquanto lesões na medula espinal em 42%. Caracte-
risticamente, as lesões cerebrais desmielinizantes, em pacientes com maior risco de conversão
futura para EM, são ovoides, maiores que 3 mm e situadas perpendicularmente aos ventrículos

Fig. 3 Imagem por ressonância magnética, em corte axial,


mostrando aumento da intensidade do sinal do nervo óptico
em paciente com neurite óptica (à direita).

Fig. 4 Imagem por ressonância magnética, em corte coro­


nal, em paciente com neurite óptica demonstrando hipersinal
no nervo óptico esquerdo.
Neurites Ópticas | 51

Fig. 5 Imagem por ressonância magnética do encéfalo em


portador de neurite óptica demonstrando típicas lesões
desmielinizantes periventriculares.

laterais (Fig. 5). Redução do diâmetro do nervo óptico visto em cortes transversais nas neu­
rites ópticas correlaciona-se com diminuição da espessura da CFNR, indicando perda axonal.
No entanto, hipersinal em T2 pode indicar de modo inespecífico inflamação, remielinização,
gliose e degeneração axonal, de modo que sequências ponderadas em T2 não servem como
marcadores de neurodegeneração. Hipointensidade persistente em T I , por outro lado, é indi­
cativa de grave degeneração axonal.
Técnicas mais modernas de IRM, como a imagem ponderada em difusão, permitem distin­
guir lesão mielínica de lesão axonal, e as anormalidades do coeficiente de difusão correlacio­
nam-se com a intensidade da atrofia óptica e alterações dos testes de avaliação das funções
visuais e com as alterações do potencial visual evocado.

Potencial evocado visual


O potencial evocado visual por padrão reverso (PEV-PR) mede a resposta cortical à estimulação
dos 30° centrais do campo visual. Nas neurites ópticas desmielinizantes, há caracteristicamen-
te prolongamento da latência e preservação da amplitude e da forma do potencial PlOO, deno­
tando apenas desmielinização. A diminuição de amplitude do potencial sugere a associação
de lesão axonal ao dano da mielina. As anormalidades do PEV-PR podem persistir mesmo por
muitos anos após a recuperação das funções visuais. Alterações do PEV-PR em olhos não afe­
tados sugerem lesões clinicamente silenciosas.
O PEV-PR convencional pode ser insensível a alguns defeitos de campo visual secundários
à neurite óptica, uma vez que ele avalia a função visual central. Para suprir essa falha, o po­
tencial evocado visual multifocal (PEVmf) foi desenvolvido. O PEVmf registra a resposta evocada
a partir de múltiplos setores do campo visual simultaneamente. A vantagem do PEVmf é que
cada setor do campo visual pode ser avaliado e comparado com outros testes retinotópicos,
como a perimetria automatizada. Estudos recentes demonstraram que o PEVmf tem maior
sensibilidade que o PEV-PR convencional para detectar defeitos campimétricos menores e
mais periféricos, principalmente em pacientes que recuperaram a função visual.
52 | Neuroftalmologia

Exame do líquido cerebrorraquidiano (LCR)


A raquimanometria e a análise do LCR podem ser úteis no diagnóstico diferencial das neurites
ópticas e na avaliação de seu risco de conversão em EM. A raquimanometria é de grande im­
portância no diagnóstico da hipertensão intracraniana idiopática, que pode ser um diagnósti­
co diferencial da neurite óptica. Importante lembrar que, na suspeita de hipertensão intracra­
niana a punção lombar deve ser realizada quando os exames de imagem do encéfalo afastam
a existência de processo expansivo intracraniano.
Nas neurites ópticas desmielinizantes, o LCR, em geral, apresenta características normais
ou há pequeno aumento do número de células mononucleares e da concentração proteica.
A pesquisa de bandas oligoclonais pela técnica de focalização isoelétrica (a técnica conven­
cional, de uso comum no Brasil, tem baixa sensibilidade) e o índice de IgG indicam a síntese
intratecal de IgG e são de grande valor na avaliação da neurite óptica desmielinizante e de seu
risco de conversão em EM. Aumento mais acentuado da celularidade, presença de neutrófilos
e de eosinófilos, assim como normalidade do índice de IgG tornam duvidoso o diagnóstico de
neurite óptica desmielinizante como síndrome clínica isolada. Esses achados são mais comuns
nas neurites como síndrome de alto risco para neuromielite óptica, bem como em outras neuro-
patias ópticas.

Avaliação quantitativa da espessura da camada de fibras


nervosas da retina (CFNR)
Até recentemente, as avaliações das estruturas do fundo de olho eram realizadas clínica e
qualitativamente pela fundoscopia ou por fotografias estereoscópicas e com filtros vermelhos
(para avaliação da camada de fibras nervosas da retina). Atualmente, os chamados “oftalmos-
cópios quantitativos”, como a tomografia confocal de varredura a laser (tomografia retiniana de
Heidelberg - HRT), a polarimetria de varredura a laser (GDx) e a tomografia de coerência óptica
(OCT), permitem a mensuração, com alta reprodutibilidade e sensibilidade, de estruturas re-
tinianas, incluindo a CFNR. Todos esses métodos podem ser úteis na quantificação da perda
neural retiniana em várias afecções do nervo óptico, incluindo a neurite óptica.
Embora a avaliação quantitativa da camada de fibras nervosas retiniana possa ser feita
usando-se todos os três equipamentos já mencionados, aquele que apresenta melhores resul­
tados em neuroftalmologia é o OCT, conforme discutido no Capítulo 2. O OCT tem sido usado
no estudo da neurite óptica isolada e no curso da EM. Inicialmente, foi demonstrado que há
diferenças estatisticamente significativas na espessura média da CFNR dos olhos com neurite
óptica comparados aos olhos de indivíduos-controle (46%) e aos olhos contralaterais (26%) aos
afetados. Também não foram encontradas diferenças significativas entre os olhos contralate­
rais aos afetados com neurite óptica e os olhos dos indivíduos-controle, nem entre os pacien­
tes com neurite óptica desmielinizante isolada e pacientes com neurite óptica no curso da
EM. Mesmo após recuperação da função visual, os pacientes com neurite óptica apresentam
redução da espessura da CFNR (Fig. 6). Pacientes com EM, mesmo sem história de neurite óp­
tica, apresentam redução significativa da espessura da CFNR. Vários estudos demonstram que
os valores da espessura média da CFNR estão significativamente diminuídos nos olhos de pa­
cientes com EM em relação aos controles. Olhos com neurite óptica têm CFNR com espessura
Neurites Ópticas | 53

Symmetry
OD - OS

OCT A Kl D 34 OCT A R T Q 30 HR

Within normal limit*

Fig. 6 Tomografia de coerência óptica em paciente com neurite óptica desmielinizante direita demonstran­
do redução da espessura da camada de fibras nervosas da retina no olho no quadrante temporal.

muito reduzida em relação a olhos de pacientes com EM sem neurite óptica. Nos pacientes
com EM, a redução de espessura da CFNR ocorre em todos os quadrantes da retina, sendo
mais acentuada nos quadrantes superior e inferior. A OCT é, portanto, um marcador de perda
axonal na EM mesmo que não tenha havido neurite óptica ou na ausência de sintomas visuais.
Na fase aguda da neurite óptica, mesmo nos casos de neurite retrobulbar, há discreto es-
pessamento da CFNR, até na ausência de aparente edema à fundoscopia. Dois a 4 meses após
o evento já se pode detectar redução da espessura da CFNR. Daí a importância de se conhecer
o intervalo de tempo entre o início da neurite e a realização da OCT.
54 | Neuroftalmologia

Um estudo com seguimento médio de mais de 2 anos mostrou redução de espessura da


CFNR no quadrante temporal 2 meses após a ocorrência de neurite óptica. Após o terceiro mês,
a média global da espessura já se apresentava reduzida. A conclusão é que há uma “janela ótima”
para detecção de anormalidades da CFNR na neurite óptica pela OCT que se situa entre 3 e 6 me­
ses após o evento. O envolvimento mais precoce do quadrante temporal da CFNR sugere que os
axônios desse quadrante são mais susceptíveis aos efeitos inflamatórios da neurite óptica que de
outros quadrantes. A latência para o aparecimento de anormalidades pode significar a existência
de um período de tempo necessário para a ocorrência da degeneração axonal.
A persistência de defeitos campimétricos após a neurite óptica também se correlaciona
com a intensidade da perda axonal na retina, havendo perda de 0,646 dB de sensibilidade para
cada redução de 10 jL/m na espessura da CFNR. Em pacientes com CFNR com espessura supe­
rior a 75 jL/m, os defeitos campimétricos não se correlacionam significativamente com a redu­
ção da espessura da CFNR. Em pacientes com redução da CFNR abaixo de 75 jL/m, uma redução
de 10 jL/m corresponde à perda de 6,46 dB do desvio médio do campo visual, ocorrendo até
18 meses após o episódio de neurite óptica. A espessura de 75 jL/m é o limiar de lesão axonal,
ou seja, a função visual permanece preservada até que esse limiar de espessura seja atingido.
A partir desse ponto, as perdas axonais começam a ser traduzidas em perdas da função visual,
tanto em relação ao campo visual quanto à acuidade visual.
Mais recentemente, o OCT tem sido utilizado também para mensurar a espessura macular
total ou após a segmentação de diferentes camadas da retina. Observa-se redução da espes­
sura macular e, mais especificamente, da CFNR e da camada de células ganglionares na região
macular em olhos de pacientes com EM com ou sem neurite óptica prévia.

A RELAÇÃO NEURITE ÓPTICA - ESCLEROSE MÚLTIPLA

Neurite óptica desmielinizante e EM guardam relação muito próxima. Embora a neurite óptica
possa ser o único episódio clínico desmielinizante, frequentemente ela é o primeiro de uma
série de outros eventos desmielinizantes e recorrentes que caracterizam mais comumente a
evolução da EM. Por outro lado, a maioria dos pacientes cuja EM tem início com outra disfun­
ção neurológica apresentará neurite óptica durante o curso de sua doença.
Estudos de autópsia demonstram anormalidades estruturais nos nervos ópticos em quase
a totalidade dos pacientes com esclerose múltipla. Igualmente testes funcionais da visão e
testes eletrofisiológicos demonstram que portadores de EM, sem história de neurite óptica,
frequentemente apresentam disfunção visual subclínica.
Estudo da história natural da EM no Brasil demonstrou que a neurite óptica foi o sintoma
inicial da doença em 22% dos portadores da doença, e que 55% dos pacientes com esclerose
múltipla apresentaram neurite óptica no curso de sua doença.
Um problema que aflige o médico ao diagnosticar neurite óptica desmielinizante isolada
é a avaliação de seu risco de conversão futura em EM. Essa questão tem sido profundamente
estudada na busca de fatores preditivos que possam levar a medidas profiláticas para redução
desse risco. O ONSG, através do ONTT, estudou o risco cumulativo de conversão de uma co­
orte ao longo de mais de 15 anos.
Os estudos do ONTT demonstraram que, no período inicial de até 2 anos após a neurite
óptica, 14% dos pacientes desenvolveram EM, ocorrendo a doença mais frequentemente no
Neurites Ópticas | 55

grupo de pacientes com neurite óptica tratados com prednisona oral (24%) que no grupo tra­
tado com placebo (20%), ou com metilprednisolona endovenosa em altas doses (14%). Após 5
anos da neurite óptica, 30% dos pacientes já haviam desenvolvido EM, e as taxas de conversão
de neurite óptica para EM já não diferiram nos diferentes grupos estudados. A presença de
lesões cerebrais à IRM foi o fator preditivo mais importante para o desenvolvimento de escle-
rose múltipla (risco cumulativo de 16% para pacientes com IRM inicial normal; 37% para pacien­
tes com 1 a 2 lesões à IRM cerebral; e 51% para pacientes com 3 ou mais lesões à IRM inicial).
Após 10 anos de seguimento, o risco de desenvolvimento de EM foi de 38%. Em 72% dos
casos de EM, a doença iniciou-se nos primeiros 5 anos após a neurite óptica. O risco de conver­
são estava diretamente relacionado à presença de lesões cerebrais à IRM ao início da neurite
óptica. A taxa de conversão foi de 22% quando a IRM inicial era normal, e de 56% quando a IRM
inicial mostrava uma ou mais lesões cerebrais. Após 15 anos de seguimento, foi observado que
o prognóstico em longo prazo da neurite óptica desmielinizante, em relação às funções visu­
ais, é muito favorável, mesmo em pacientes que desenvolvem EM. A probabilidade acumulada
de desenvolvimento de EM 15 anos após a neurite óptica foi de 50% - correlacionando-se for­
temente com a presença de lesões cerebrais à IRM à época da neurite óptica - , sendo 25% nos
casos em que a IRM inicial era normal, e 78% quando havia > 3 lesões à IRM encefálica inicial.
Os mais importantes fatores preditivos de aumento do risco de desenvolvimento da EM
durante o período defollow-up de 15 anos após a neurite óptica foram a presença de lesões
cerebrais à IRM inicial e o número dessas lesões. Quando havia uma ou mais lesões à IRM
inicial, nenhum outro fator preditivo, tanto demográfico quanto clínico, foi encontrado em
adição às anormalidades da IRM. No entanto, quando não havia anormalidades à IRM inicial,
o risco de EM era maior em mulheres, em pacientes brancos, quando havia história de infec­
ção virai precedendo a neurite óptica, quando a neurite óptica era retrobulbar e quando havia
dor ocular associada à neurite óptica. Portanto, pacientes masculinos, negros, com papilite e
sem história de dor ocular apresentam menor risco de desenvolvimento de EM após a neurite
óptica. Nenhum paciente com neurite óptica apresentando acuidade visual de não percepção
luminosa e presença de exsudatos retinianos ou de hemorragias discais ou peridiscais ao exa­
me fundoscópico desenvolveu EM nesse tempo de seguimento.
Embora a taxa de conversão para EM seja maior nos primeiros 5 anos, há aumento pro­
gressivo da taxa acumulada com o aumento do tempo de seguimento. Os pacientes que ainda
se encontravam livres da EM 10 anos após a neurite óptica apresentaram 32% de risco de de­
senvolvimento da doença nos próximos 5 anos, quando a IRM inicial do encéfalo era anormal,
e apenas 2% quando a IRM inicial era normal.
Dois estudos abordaram a relação da neurite óptica desmielinizante isolada com a EM
no Brasil. O primeiro estudo, publicado em 1991, analisou uma coorte de 88 pacientes com
neurite óptica desmielinizante isolada por um período de até 9 anos (mediana de 4,6 anos) de
seguimento. A taxa de conversão da neurite óptica em EM clinicamente definida foi de 14% em
mulheres e 8% em homens. Esse estudo foi realizado na época em que a IRM ainda não estava
amplamente disponível no país. Essas taxas são muito inferiores às relatadas em outros países
ocidentais com população caucasiana e assemelham-se às descritas na população asiática. Um
novo estudo, recentemente realizado no mesmo local, analisou as taxas de conversão em pe­
ríodos de seguimento de 2, 5, 10 e mais que 15 anos, e incluiu dados de IRM do encéfalo. A
taxa de conversão em 15 anos foi de 49%, assemelhando-se portanto, às descritas pelo ONTT.
56 I Neuroftalmologia

TRATAMENTO DA NEURITE ÓPTICA DESMIELINIZANTE

O tratamento da neurite optica desmielinizante foi bem estabelecido no ONTT. Esse estudo co-
laborativo, realizado em 15 centros clínicos nos Estados Unidos, teve como finalidades: 1) definir
com precisão as características clínicas e demográficas dos pacientes com neurite óptica desmieli­
nizante; 2) determinar o valor do tratamento dos corticosteroides no tratamento da neurite óptica;
3) determinar o risco de desenvolvimento de EM após episódio de neurite óptica.
Participaram do estudo 447 pacientes com neurite óptica aguda, randomizados em três
grupos terapêuticos. O primeiro grupo recebeu metilprednisolona, 250 mg por via endoveno­
sa cada 6 horas por 3 dias, seguida por prednisona oral, 1 mg/kg de peso por dia, do 10- ao 14°
dia; o segundo grupo recebeu prednisona oral, 1 mg/kg por dia por 14 dias; enquanto o tercei­
ro grupo recebeu placebo oral no mesmo esquema do grupo que recebeu a prednisona oral.
Pacientes nos grupos 1 e 2 receberam doses de suspensão gradativa da prednisona oral,
sendo 20 mg no 15a dia e 10 mg do 16° ao 18° dia de tratamento. O tratamento foi iniciado
dentro de 8 dias do início dos sintomas visuais. Através de randomização, 151 pacientes fo­
ram colocados no grupo tratado com metilprednisolona endovenosa; 55 no grupo tratado
com prednisona oral; e 148 no grupo que recebeu placebo oral. As avaliações do efeito do
tratamento foram realizadas, primariamente, por medidas da sensibilidade ao contraste e pelo
campo visual e, secundariamente, pela avaliação da acuidade visual e da visão cromática, em
visitas durante o primeiro ano e depois, a intervalos anuais.

Efeito do tratamento na recuperação das funções visuais


Os pacientes que receberam prednisona oral ou metilprednisolona endovenosa apresentaram
recuperação das funções visuais mais rapidamente que os tratados com placebo, a diferença
sendo maior nos primeiros 15 dias defollow-up e diminuindo subsequentemente. A recuperação
de todas as funções visuais foi maior nos pacientes tratados com metilprednisolona endovenosa
que nos outros grupos. A diferença, no entanto, tendeu a diminuir após o 15a dia. Não houve
diferença entre os pacientes tratados com prednisona oral e aqueles tratados com placebo.
Após 6 meses, a acuidade visual já era igual nos três grupos, embora a sensibilidade ao
contraste e o campo visual fossem melhores no grupo tratado com metilprednisolona endo­
venosa. A recuperação da acuidade visual após 6 meses foi muito boa, independentemente
do tratamento realizado. Apenas 5 a 7% dos pacientes apresentavam acuidade visual igual ou
inferior a 20/50.
Após 5 anos, as funções visuais estavam normais ou apenas levemente alteradas nos olhos
afetados, independentemente do tratamento realizado. A acuidade visual era > 20/25 em 87%
dos pacientes; 20/25 a 20/40 em 7%; 20/50 a 20/190 em 3%; e < 2/200 em 3%.
Após 10 anos de follow-up, a acuidade visual dos olhos afetados era > 20/20 em 74%; 20/25 a
20/40 em 18%; < 20/40 a 20/200 em 5%; e < 20/200 em 3%. A função visual era pior em pacientes
que haviam desenvolvido esclerose múltipla, mas, como nos exames de follow-up de 1 ano e de 5
anos, não havia diferenças na função visual comparando os três grupos de tratamento.
Após 15 anos d efollow-up, cerca de 75% dos olhos afetados e 66% dos olhos contralaterais
tinham acuidade visual > 20/20, demonstrando que o prognóstico funcional da neurite óptica
desmielinizante é muito favorável.
Neurites Ópticas | 57

Efeito do tratamento sobre o risco de recorrência da neurite óptica


Pacientes tratados com prednisona oral apresentaram maior taxa de recorrência da neurite
óptica (27%) que os tratados com placebo (20%) ou com metilprednisolona endovenosa (13%).
Em 5 anos, 28% dos pacientes apresentaram recorrência da neurite óptica. As taxas de re­
corrências foram maiores nos pacientes tratados com prednisona oral que nos tratados com
placebo ou com metilprednisolona endovenosa. Metade das recorrências ocorreu no primeiro
ano e 66%nos 2 primeiros anos após a neurite óptica inicial.
Após 10 anos, 35% dos pacientes já haviam apresentado recorrência da neurite óptica. As
recorrências foram 2 vezes mais frequentes em pacientes que desenvolveram esclerose múlti­
pla e em pacientes que haviam recebido prednisona oral (44%) do que naqueles que receberam
placebo (31%) ou metilprednisolona endovenosa (29%).
Esse estudo do ONTT causou grande impacto ao demonstrar que a prática médica em
voga na época, ou seja, do uso de prednisona oral no tratamento da neurite óptica aguda, não
apenas foi ineficaz mas ocasionou aumento do risco de recorrência da neurite óptica e de de­
senvolvimento de EM até 2 anos após o início da neurite óptica. A razão da diferença entre os
efeitos terapêuticos da metilprednisolona endovenosa e da prednisona oral tem sido atribuída
à sua dosagem. É provável que megadoses de corticosteroides tenham efeitos diferentes nos
processos autoimunes. O ONSG fez um alerta aos oftalmologistas e neurologistas condenando
a prescrição de prednisona oral como tratamento isolado da neurite óptica aguda.

NEUROMIELITE ÓPTICA

Neuromielite óptica (NMO) ou doença de Devic é uma doença imunomediada inflamatória e ne-
crosante do sistema nervoso central, em geral recorrente, em que há envolvimento preferencial
dos nervos ópticos e da medula espinal. Tradicionalmente considerada como uma variante da EM,
sabe-se atualmente que a NMO é uma entidade nosológica com mecanismos fisiopatológicos e ex­
pressão epidemiológica, clínica e de neuroimagem distintos. A doença pode se iniciar em qualquer
idade, e a predominância em mulheres é maior na NMO que na esclerose múltipla.
Diferentemente da EM, a reação inflamatória na neuromielite óptica é predominantemen­
te humoral, mediada por complemento e imunoglobulina, ocasionando desmielinização e ne­
crose do tecido neural.
A NMO resulta de ataque à proteína aquaporina-4 (AQP4) - principal transportadora de
água no sistema nervoso, situada nos processos astrocitários na barreira hematoencefálica -
por autoanticorpo. Os nervos ópticos e a medula espinal expressam AQP4 em grande abun­
dância, o que explica a predominância da inflamação nesses locais. Outros sítios de alta ex­
pressividade de AQP4 no sistema nervoso central incluem as regiões subependimárias, o hi-
potálamo e a área postrema na parte dorsal do bulbo, cujo envolvimento ocasiona soluços e
vômitos incoercíveis, uma das manifestações clínicas mais sugestivas da doença.
O anticorpo antiaquaporina-4 (IgG-NMO) tem sido identificado no soro de mais de 70%
dos pacientes - em torno de 50% nas séries brasileiras - e tem especificidade acima de 90%.
Embora a neurite óptica e a mielite transversa longitudinalmente extensa (envolve três ou
mais segmentos medulares) sejam os eventos índices e pilares para o diagnóstico da doen­
ça (Tabela III), a identificação do anticorpo anti-AQP4 no soro de pacientes com a síndrome
58 I Neuroftalmologia

incompleta - apenas neurite optica, ou apenas mielite - sugere que a doença deve ser consi­
derada como um espectro (Tabela IV).
A neurite óptica na NMO é mais frequentemente unilateral (85% dos pacientes soroposi-
tivos e 60% dos soronegativos) e pode preceder ou ocorrer após a mielite. A IRM mostra, em
geral, espessamento do nervo óptico com hipersinal e realce pelo gadolínio (Fig. 6). Neurite
óptica e mielite ocorrem simultaneamente em apenas cerca de 7% dos pacientes soropositivos

TABELA III Critérios diagnósticos da neuromielite óptica (Revisão de 2006)

NMO definida
Neurite óptica
Mielite aguda
Pelo menos dois dos três critérios de apoio:
1. Lesão medular contínua estendendo-se por > 3 segmentos vertebrais à IRM
2. IRM encefálica não preeenchendo critérios diagnósticos para esclerose múltipla
3. Positividade sérica para IgG-NMO
Wingerchuk DM, Lennon VA, Pittock SJ, Lucchinetti CF, Weinshenker BG. Revised diagnostic criteria for neuromyelitis optica. Neuro­
logy, 2006; 66:1485-89.

TABELA IV Espectro da neuromielite óptica

Neuromielite óptica
Formas limitadas de neuromielite óptica
• Mielite longitudinalmente extensa idiopática, monofásica ou recorrente (> 3 segmentos vertebrais à IRM)
• Neurite óptica recorrente ou bilateral simultânea
Esclerose múltipla opticoespinal asiática
Neurite óptica ou mielite longitudinalmente extensa associada a doença autoimune sistêmica
Neurite óptica ou mielite associada a lesões cerebrais típicas de neuromielite óptica (hipotalâmica, corpo
caloso, periventricular ou tronco encefálico)
Wingerchuk DM, Lennon VA, Lucchinetti CF, Pittock SJ, Weinshenker BG. The spectrum of neuromyelitis óptica. Lancet Neurol, 2007;
6:805-15.

e em 33% dos soronegativos. Em 77% dos casos, o ataque de neurite óptica leva a acuidade
visual menor que 20/200. Em geral, pacientes soropositivos sofrem perda mais grave da visão
que os soronegativos. Cerca de 33% dos pacientes têm recuperação visual completa após um
ataque de neurite óptica, enquanto em 20% não há nenhuma melhora, independentemente do
tratamento instituído. As recorrências dos episódios de neurite óptica são comuns, mesmo
antes do aparecimento de um primeiro ataque de mielite. Um estudo recente demonstrou
que, após follow-up prolongado, de mais de 9 anos, cerca de 80% dos pacientes tinham sofrido
ataques de neurite óptica em ambos os olhos.
Caracteristicamente, a mielite na NMO é transversa, longitudinalmente extensa e cen-
tromedular, envolvendo predominantemente a medula cervical e torácica (Figs. 7A e B). Os
ataques de mielite podem ocasionar graves déficits neurológicos, como paraparesia, perda
de sensibilidade e alterações do controle esfmctérico. Em cerca de metade dos pacientes, os
ataques de mielite precedem os de neurite óptica.
O termo “síndrome de alto risco para neuromielite óptica” tem sido empregado para de­
signar a síndrome de NMO incompleta, ou seja, a ocorrência de apenas um dos eventos índices
Neurites Ópticas | 59

Figs. 7 (A-l) Imagem por ressonância magnética demonstrando exemplos de lesões encefálicas típicas de
neuromielite óptica. A. Lesão volumosa edematosa na substância branca cerebral. B. Lesão tumefativa do
lobo frontal. C. Lesão na perna posteriores da cápsula interna bilateralmente. D. Lesão em nuvem com realce
ao gadolínio. E. Lesão hetereogênea extensa no corpo caloso. F. Lesão hipotalâmica. G. Grande lesão mesen-
cefálica. H. Lesão na área postrema na porção posterior do bulbo. I. Lesão central no tronco encefálico. (Re­
produção permitida. Lana-Peixoto MA, Callegaro D. The expanded spectrum of neuromyelitis óptica.
Evidences for a new definition. Arq Neuropsiquiatr, 2012; 70:807-13)

da doença, seja neurite óptica grave, neurite óptica recorrente ou bilateralmente simultânea;
ou, então, apenas mielite longitudinalmente extensa. A neurite como síndrome de alto risco
para neuromielite óptica tem características epidemiológicas, clínicas e de imagem diferentes
da neurite desmielinizante como “síndrome clinicamente isolada” e com risco de conversão
para esclerose múltipla. O OCT demonstra uma redução mais intensa da espessura da camada
de fibras nervosas da retina, da espessura macular central e do volume macular na NMO que
na neurite óptica da esclerose múltipla. Importante salientar que estudos recentes mostram
que pacientes com o espectro da NMO, sem neurite óptica prévia, também podem apresentar
redução da CFNR e da espessura macular de modo semelhante ao que ocorre na EM, e essa
ocorrência não deve ser utilizada na tentativa de diferenciação entre as duas condições.
A 1RM do encéfalo pode ser útil no diagnóstico de NMO, demonstrando, na maioria dos
pacientes, lesões encefálicas, em geral atípicas para esclerose múltipla. Muitas dessas lesões
apresentam características morfológicas, topográficas e de realce ao agente paramagnético
que são atualmente consideradas como lesões típicas de neuromielite óptica (Fig. 7).
6 0 I Neuroftalmologia

Como as sequelas da NMO resultam de dano neural durante os ataques inflamatórios da


doença mais que de um curso progressivo de caráter degenerativo, como na EM, o tratamento
dos ataques e a profilaxia das recorrências devem ser instituídos o mais rapidamente possível.
Embora não haja ainda estudos terapêuticos randomizados para orientar o médico em rela­
ção ao melhor tratamento da doença, há consenso entre os autores de que as crises da NMO
devem ser tratadas com doses diárias de 1.000 mg de metilprednisolona endovenosa por um
mínimo de 3 a 5 dias, seguidos por doses lentamente regressivas de prednisona, até que uma
dose de manutenção seja alcançada e mantida por cerca de 6 meses. Se o paciente não se
recuperar clinicamente durante ou após a corticoterapia, plasmaférese deve ser considerada.
Terapêuticas mais agressivas com fármacos ablativos, como ciclofosfamida endovenosa, têm
demonstrado eficácia. Imunoglobulina humana endovenosa também tem sido usada em al­
guns pacientes, mas sua eficácia é duvidosa.
Tratamentos profiláticos evitam recorrências de neurite óptica e de mielite e levam à esta­
bilização do grau de incapacidade ocasionada pelos ataques. Os agentes imunomoduladores
usados no tratamento da EM são contraindicados, uma vez que, além de ineficazes, podem
ocasionar agravamento da doença. As substâncias que têm demonstrado benefício consistente
no controle das recorrências da NMO são a prednisona, a azatioprina, o rituximabe, o micofe-
nolato de mofetila, o metotrexate e a mitoxantrona.

NEURITE ÓPTICA AUTOIMUNE

Neurite óptica pode ocorrer no curso de doenças autoimunes sistêmicas, principalmente lú­
pus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjógren, artrite reumatoide, síndromes antifosfolipí-
dicas, doenças inflamatórias do intestino, dentre outras. O termo neurite óptica autoimune foi
introduzido por Dutton etal. em 1982, ao descreverem três mulheres com quadro de neurite
óptica retrobulbar associada a evidências sorológicas de um distúrbio autoimune. Os pacien­
tes acometidos apresentavam alterações laboratoriais (fator antinuclear positivo) na ausência
de manifestações clínicas de doença sistêmica. Outras séries foram publicadas descrevendo
a doença como uma neurite com grave perda visual, recorrente, em associação com evidên­
cias clínicas ou laboratoriais de outra doença autoimune sistêmica. Estudos histopatológicos
têm demonstrado a associação de desmielinização com infiltração inflamatória perivascular,
sugerindo um componente isquêmico na fisiopatologia do envolvimento do nervo óptico e ex­
plicando o mau prognóstico funcional em alguns casos. É possível que a neurite óptica autoi­
mune esteja relacionada ao espectro da neuromielite óptica, uma vez que suas características
clínicas são semelhantes e a associação de NMO com outras doenças autoimunes sistêmicas
já está bem estabelecida.
Ampla propedêutica laboratorial para doenças autoimunes sistêmicas e a pesquisa do an­
ticorpo IgG-NMO devem ser requisitadas em casos suspeitos. A biópsia de pele pode demons­
trar infiltração inflamatória perivascular do tecido subcutâneo. O tratamento da neurite óptica
autoimune deve ser iniciado com metilprednisolona endovenosa em altas doses, seguida por
corticosteroides orais em doses de manutenção por longo tempo, capazes de prevenir recor­
rências da perda visual. Agentes imunossupressores podem também ser úteis na profilaxia das
recorrências.
Neurites Ópticas | 61

NEUROPATIA ÓPTICA INFLAMATÓRIA CRÔNICA RECORRENTE

Neurite óptica idiopática recorrente crônica (CRION) foi o termo empregado por Kidd et a i, em
2003, para caracterizar uma forma de neurite óptica subaguda, unilateral ou bilateral, em 15
pacientes que não apresentavam evidências de nenhuma outra disfunção neurológica, sarcoi-
dose ou doenças autoimunes sistêmicas. Em todos os pacientes, havia dor ocular intensa e
persistente após o início da baixa visual; boa e rápida recuperação visual após a introdução
dos corticosteroides sistêmicos, mas recorrências após sua suspensão.
Pacientes com CRION, diferentemente daqueles com neurite óptica desmielinizante, apre­
sentam perda visual grave e frequentes episódios de recorrência, que tendem a envolver os
dois olhos sequencialmente. O exame de 1RM do encéfalo é normal e os nervos ópticos se
mostram-se espessados e com aumento da intensidade do sinal. O exame do LCR em geral é
normal, não demonstrando presença de bandas oligoclonais.
Os sinais e sintomas respondem bem ao tratamento com corticosteroides, e a identifica­
ção dessa forma de neurite óptica é importante, pois geralmente é necessária a manutenção
do tratamento com corticosteroides por longo prazo. Alguns pacientes com recorrência da
neurite após a suspensão dos corticosteroides não obtêm nova recuperação após a reintrodu-
ção do tratamento. A relação da CRION com o espectro de NMO e a utilidade de agentes imu-
nossupressores na profilaxia de novas recorrências não estão ainda definidas, embora alguns
estudos indiquem que a azatioprina, o metotrexate, o micofenolato de mofetila e a ciclofosfa-
mida tenham sido utilizados na prevenção de recidivas.

NEURITES ÓPTICAS INFECCIOSAS

Um grande número de agentes virais, bacterianos, fúngicos e parasitários pode ocasionar infla­
mação nos nervos ópticos. Um trabalho em nosso meio demonstrou que 38% dos casos de infla­
mação nos nervos ópticos têm etiologia infecciosa, cerca de metade deles envolvendo apenas o
nervo óptico e a outra metade com envolvimento retiniano associado (neurorretinite).
As neurites ópticas infecciosas diferem das neurites desmielinizantes em vários aspectos:
1) o predominante envolvimento do segmento anterior do nervo óptico - causando edema de
papila; 2) a distribuição etária, ocorrendo em iguais proporções em crianças, adultos jovens e
pessoas com idade superior a 50 anos; 3) a maior frequência no sexo masculino; e 4) a maior
gravidade da perda visual. A acuidade visual varia amplamente, de 20/20 a ausência de per­
cepção luminosa, porém mais da metade dos pacientes apresenta acuidade pior que 20/200.
A perimetria demonstra predomínio dos defeitos centrais, e, à fundoscopia, os discos ópticos
são normais em menos de 10% dos pacientes. Atrofia óptica e ocasionais hemorragias peripa-
pilares são também observadas. Em cerca de metade dos casos, o envolvimento é bilateral.
A maioria dos casos de neurite óptica infecciosa ocorre em associação com doenças virais
inespecíficas, principalmente envolvendo as vias respiratórias superiores. Algumas vezes, no
entanto, a neurite óptica ocorre durante ou após caxumba, mononucleose infecciosa, varicela
zoster, hepatite, dengue, AIDS, ou infecções por outros vírus do grupo herpes.
Outras vezes, a neurite óptica se instala após infecções virais ou após vacinações, sendo
secundária à reação imunomediada por mimetismo molecular, levando à desmielinização
6 2 | Neuroftalmologia

(neurite óptica parainfecciosa ou pós-vacinal). O processo inflamatório pode ser restrito aos
nervos ópticos ou envolver, de modo mais difuso, o encéfalo e a medula espinal, compon­
do o quadro clínico de encefalomielite aguda disseminada (ADEM). As neurites ópticas pós-
vacinais são mais comuns na infância, mas têm sido relatadas também em adultos seguindo
imunizações variadas, incluindo aquelas contra febre amarela e contra gripe por vírus in-
fluenza e H1N1.
A ADEM ocorre mais frequentemente em crianças e adultos jovens após infecção por
sarampo, caxumba, influenza A ou B, varicela, rubéola, mononucleose, hepatite A ou B, ci-
tomegalovírus, assim como por Mycoplasma pneumoniae, Campilobacter, Chlamydia, Legionella
ou estreptococos. As imunizações que mais comumente ocasionam ADEM são contra a raiva,
difteria-tétano-coqueluche, sarampo e varicela. O quadro clínico característico inclui neurite
óptica bilateral, afasia, déficits motores e sensitivos, ataxia, agitação psicomotora, psicose, so­
nolência, coma e convulsões. A1RM demonstra lesões multifocais volumosas no encéfalo, com
realce ao contraste e edema perilesional envolvendo a substância branca e cinzenta do encéfa­
lo. A maioria dos pacientes se recupera após tratamento com corticosteroides e imunoglobuli-
na endovenosa; no entanto, perda visual e diversas sequelas neurológicas podem permanecer.
Infecções bacterianas que podem estar diretamente relacionadas com neurite óptica in­
cluem infecção por antrax, estreptococos beta-hemolíticos e meningococos, brucelose, doen­
ça da arranhadura do gato, tuberculose, sífilis e doença de Lyme.
Cerca de 33% das crianças com meningoencefalite tuberculosa desenvolvem neurite óptica
unilateral ou bilateral. Tuberculoma do nervo óptico tem sido descrito em raros casos, com
grave perda da visão.
A sífilis pode ocasionar neurite óptica anterior, neurorretinite, perineurite óptica e atro­
fia óptica. A papilite, a neurorretinite e a perineurite óptica são manifestações que ocorrem
no estágio secundário da sífilis, enquanto a atrofia óptica é geralmente uma manifestação da
sífilis terciária. A papilite sifilítica é mais frequentemente bilateral e pode ocorrer durante a
meningite por sífilis ou isoladamente. Já a neurite óptica retrobulbar pode ocorrer durante a
meningite ou osteíte sifilítica, afetando a órbita. O tratamento do acometimento do nervo óp­
tico por sífilis deve ser feito com penicilina cristalina na dose de 4 milhões de unidades por via
endovenosa de 4 em 4 horas, por 14 a 21 dias. Nos pacientes com secundarismo luético, é im­
portante a associação de corticoide por via oral para prevenir a reação de Jarisch-Herxheimer.
A doença de Lyme, causada pela espiroqueta Borrelia, transmitida pela picada do carrapato
do gênero Ixodes, pode causar neurite óptica anterior ou retrobulbar, assim como neurorre­
tinite em pacientes que vivem em áreas endêmicas. O diagnóstico pode ser confirmado pela
serologia, embora reação cruzada e falso-positivos sejam comuns. O tratamento recomendado
nesses pacientes é a ceftriaxona por via endovenosa, 2 mg/dia durante 14 dias. Alternativa­
mente, a doxiciclina (100 mg VO de 12/12 horas), ou tetraciclina (250 mg VO de 6/6 horas),
durante 10 a 30 dias, pode ser usada. O uso associado de corticoide é controverso, mas pode
estar indicado nos pacientes com perda visual grave.
Infecções por Toxoplasma gondii e Toxocara canis podem comprometer o nervo óptico, cau­
sando perda visual. Na toxoplasmose, o envolvimento do nervo óptico mais comumente se
caracteriza como uma retinocoroidite justapapilar, embora possa haver neurite óptica sem co-
riorretinite. O tratamento é semelhante ao das coriorretinites por toxoplasmose. A toxocaríase
ocular acomete principalmente crianças, e a reação inflamatória se caracteriza principalmente
64 | Neuroftalmologia

condição neurorretinite idiopática estrelar de Leber. Há, em geral, dor na região ocular ou periocular,
variável diminuição da acuidade visual, defeitos campimétricos e acentuado edema do disco óp­
tico, com extravasamento de material seroso que se deposita na camada plexiforme interna da
retina, na região perimacular, em forma de estrela. Na fase aguda da perda visual, apenas o edema
do disco é observado à fündoscopia. A formação da estrela macular ocorre 2 ou 3 semanas após
o edema do disco, permitindo então o diagnóstico de neurorretinite. A estrela macular pode ser
completa ou segmentar, acometendo apenas porção da região macular.
A angiofluoresceinografia é útil para demonstrar o edema de disco óptico e o extravasa­
mento do corante a partir da papila e não da região macular.
A neurorretinite usualmente é uma doença autolimitada no tempo, com resolução entre
6 e 8 semanas. No entanto, em alguns pacientes, os exsudatos maculares perduram por longo
tempo. A maioria dos pacientes apresenta boa recuperação da visão, embora perda visual de
variável intensidade possa permanecer. Mais raramente, há grave sequela visual com atrofia
óptica. As recidivas da doença são incomuns.
A neurorretinite com estrela macular é um achado frequente no envolvimento da visão pela
doença da arranhadura do gato, causada pela Bartonella henselae. A doença acomete principal­
mente crianças, é autolimitada e, em geral, benigna, exceto em pacientes portadores de imu­
nodeficiência. Cerca de 90% dos pacientes têm história de contato com gatos, principalmente
filhotes. Provavelmente a pulga é a transmissora e os gatos são reservatórios da bactéria.
Cerca de 75% dos pacientes relatam terem sido arranhados ou mordidos na cabeça, pescoço
ou membros superiores. Entre 25 e 60% dos casos, há pequena lesão na pele (pápula, pústula
ou vesícula). Em 1 a 2 semanas surgem os sintomas típicos da doença, como febre, adinamia,
anorexia, cefaleia, faringite e linfadenopatia dolorosa. A associação de inflamação granulo-
matosa conjuntival e de adenite supurativa pré-auricular (síndrome oculoglandular de Parinaud)
ocorre em 5 a 10% dos casos. Raras manifestações da doença incluem encefalopatia, mielite,
eritema nodoso, púrpura trombocitopênica, artrite, sinovite e pneumonia. O diagnóstico pode
ser confirmado pela reação de imunofluorescência indireta no soro. Vários agentes antibacte-
rianos, como ciprofloxacina, doxiciclina, eritromicina, azitromicina, tetraciclina e trimetoprim-
sulfametroxazol, são eficazes no tratamento.
Outros agentes infecciosos na etiologia das neurorretinites incluem vírus como caxumba,
HTLV 1-11, herpes, citomegalovírus; bactérias como tuberculose, sífilis e borreliose; toxoplas-
mose e parasitoses por neumatoides.
A neurorretinitie subaguda unilateral difusa (DUSN) é uma doença que ocorre predominante­
mente em crianças e adultos jovens, causada por um nematoide. A fase aguda pode ser assin-
tomática ou com sintomas visuais discretos. Pode haver vitreíte, edema de papila e múltiplas
lesões numulares brancacentas na retina. A larva pode ser localizada através de exame biomi-
croscópico junto às lesões retinianas ativas. A doença tem curso recorrente, e sua cronificação
ocasiona atrofia óptica, degeneração retiniana e alterações vasculares com consequente perda
visual grave. Alguns sinais sugestivos do diagnóstico de DUSN são o aumento do reflexo da
membrana limitante interna, a presença de pequenos pontos de calcificação e de “túneis sub-
retinianos” devido à migração da larva. O tratamento inclui a destruição da larva por fotocoa-
gulação e o uso de corticosteroides e de agentes antiparasitários.
O tratamento das neurorretinites inclui o uso de corticosteroides sistêmicos e de fárma-
coa específicos, de acordo com o agente causal.
Neurites Ópticas | 65

PERINEURITE ÓPTICA

Perineurite óptica é uma rara forma de doença inflamatória que envolve preferencialmente as
bainhas do nervo óptico e, ocasionalmente, por contiguidade, o seu parênquima. Devido ao
espessamento do nervo óptico, a doença pode ser confundida com meningioma ou glioma.
A perineurite óptica já foi descrita em pacientes de qualquer idade com queixas frequen­
tes de dor ocular que se exacerba com os movimentos oculares e de alterações visuais, como
discreta turvação ou manchas na visão. Na maioria dos casos, o envolvimento é unilateral. A
acuidade visual é, em geral, preservada, mas alguns pacientes apresentam moderada a grave
perda da visão central. Alterações de campo visual, como defeitos paracentrais, aumento da
mancha cega, defeitos arqueados e contração do campo, são comuns. O exame fundoscópico
mostra, em geral, na fase aguda, edema discreto a moderado do disco; na fase crônica da do­
ença, o disco se apresenta com variável grau de atrofia. Oftalmoparesias, ptose da pálpebra
superior e exoftalmos podem também ser encontrados.
A etiologia da perineurite óptica pode não ser definida, sendo então considerada como uma
inflamação idiopática. Outras vezes ela é secundária a processos inflamatórios orbitários e da base
do crânio, como inflamação orbitária inespecífica, granulomatose de Wegener, tuberculose, sarcoi-
dose, sífilis e cisticercose. O exame de IRM caracteristicamente demonstra espessamento da bai­
nha do nervo óptico (Fig. 8). Pode haver também realce da lesão pelo gadolínio, além de inflamação
da gordura orbitária e espessamento das meninges da fossa anterior do crânio. Propedêutica labo­
ratorial para doenças autoimunes, granulomatosas e infecciosas deve ser requisitada. O exame do
LCR pode demonstrar pleocitose mononuclear e aumento do conteúdo proteico.

Fig. 8 Imagem por ressonância magnética em corte coronal


demonstrando espessamento com hipersinal da bainha dos
nervos ópticos na perineurite óptica.

Em geral, há boa resposta ao tratamento com corticosteroides orais, a maioria dos pa­
cientes relatando imediato desaparecimento da dor ocular e rápida recuperação da função
visual. No entanto, recorrências são comuns quando as doses de prednisona são reduzidas.
Dependendo da etiologia da perineurite óptica, alguns pacientes evoluem com perda visual
moderada a grave após episódios de recorrência. Nos casos com etiologia definida, agentes
terapêuticos específicos devem ser associados aos corticosteroides.

NEURITE ÓPTICA NA INFÂNCIA

Neuntes ópticas na infância são raras e diferem das que acometem adultos em vários aspec­
tos etiopatogenéticos, clínicos e evolutivos. Enquanto as neurites ópticas na vida adulta são,
na maioria dos casos, idiopáticas, unilaterais e retrobulbäres, carregando consigo elevado
risco de conversão para esclerose múltipla, as neurites ópticas que afetam crianças ocorrem
66 I Neuroftalmologia

predominantemente após doenças febris ou vacinações, são mais frequentemente bilaterais


e se associam a edema do disco óptico, apresentando risco muito baixo de conversão futura
para esclerose múltipla. Por sua vez, mais comumente na infância que em adultos, exsudatos
retinianos podem ser encontrados junto a edema do disco óptico (neurorretinites), e a neurite
óptica bilateral pode ser prenúncio de encefalomielite aguda disseminada (ADEM) ao se asso­
ciar a sintomas de encefalopatia difusa.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS NEURITES ÓPTICAS

A neurite óptica deve ser diferenciada de outras afecções oculares e outras neuropatias óp­
ticas. Embora a maioria das neurites ópticas afete o nervo óptico retrobulbar, não demons­
trando, na fase aguda da doença, alterações do disco óptico, cerca de 33% dos pacientes apre­
sentam papilite, devendo esta ser diferenciada de várias condições que ocasionam alterações
morfológicas do disco. Os principais diagnósticos diferenciais são: a neuropatia óptica isquê-
mica, a neuropatia óptica hereditária de Leber, a papilopatia diabética, a papiloflebite (variante
de oclusão de veia central da retina), o edema de papila da hipertensão intracraniana e as neu­
ropatias ópticas compressivas ou infiltrativas. As anomalias congênitas do disco óptico, como
hipoplasia, drusas, papila inclinada e displasias papilares em pacientes com queixas visuais,
dor ocular ou cefaleia, também podem ser confundidas com neurite óptica. Por fim, devemos
lembrar que afecções oculares como as maculopatias, particularmente a retinopatia central se­
rosa e as uveítes, devem também ser incluídas no diagnóstico diferencial das neurites ópticas.

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Neuropatia Óptica
Isquêmica

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

INTRODUÇÃO

A neuropatia óptica isquêmica é a neuropatia aguda mais frequente em pacientes acima de


50 anos de idade. A afecção usualmente acomete a porção anterior do nervo óptico, visível
à oftalmoscopia, sendo denominada neuropatia óptica isquêmica anterior (NOIA). Essa forma
representa 90% dos casos de neuropatia óptica isquêmica. Menos comumente, lesões isquêmi-
cas acometem as porções posteriores do nervo óptico, sendo denominada neuropatia óptica
isquêmica posterior (NOIP).
A NOIA é das afecções mais frequentes do nervo óptico e geralmente leva à perda acen­
tuada da função visual. Representa o infarto do segmento anterior do nervo óptico. Neste
capítulo discutiremos o seu quadro clínico e a orientação terapêutica dessa importante neu­
ropatia óptica.

VASCULARIZAÇÃO DO NERVO ÓPTICO

Para compreensão das alterações clínicas e da fisiopatogenia da NOIA, é importante uma revi­
são da anatomia do nervo óptico, em especial no que se refere ao seu suprimento sanguíneo.
O nervo óptico representa o segmento inicial dos axônios das células ganglionares da retina
e mede cerca de 50 mm de comprimento. Pode ser dividido em quatro partes: a) cabeça ou
porção intraocular, com aproximadamente 1 mm de comprimento por 1,5 mm de diâmetro
vertical; b) segmento intraorbitário, que mede de 20 a 30 mm de comprimento e se estende
do globo ocular até o forame óptico; c) porção intracanalicular; e d) segmento intracraniano.
A cabeça, ou porção intraocular do nervo óptico, é formada por axônios das células gan­
glionares da retina que se dirigem para a lâmina cribriforme. É dividida em três regiões: a
camada superficial da retina, a região pré-laminar e a região da laminar, onde os axônios

67
68 | Neuroftalmologia

penetram nos orifícios da lâmina cribriforme. A superfície mais anterior da cabeça do nervo
óptico, que é visível à oftalmoscopia, é denominada disco ou papila óptica.
O segmento anterior do nervo óptico, representado pela porção bulbar e pelo segmento
orbitário, distai à penetração da artéria central da retina (que ocorre 5 a 15 mm atrás do olho),
é a região mais importante em relação ao desenvolvimento da NOIA. A porção distai do nervo
óptico orbitário recebe suprimento sanguíneo principalmente por ramos piais da artéria oftál­
mica, na região onde a artéria central da retina perfura a dura-máter e penetra o nervo óptico.
Entre essa região e a lâmina cribriforme, o suprimento se dá por ramos centrífugos da artéria
central da retina. As regiões da lâmina cribriforme (laminar) e retrolaminar recebem sangue
das artérias ciliares posteriores curtas, através do círculo de Haller e Zinn, de ramos centrí­
petos de artérias piais e de ramos recorrentes da coroide. O círculo de Haller e Zinn é uma
anastomose arteriolar localizada na junção entre a esclera e o nervo óptico, próximo à lâmina
cribriforme, formada entre as artérias ciliares posteriores curtas medial e lateral. A região pré-
laminar também é irrigada primariamente por ramos das artérias ciliares posteriores curtas.
Por fim, a região da camada de fibras nervosas é suprida principalmente pela artéria central da
retina, embora possa haver contribuições das artérias ciliares posteriores curtas. A cabeça do
nervo óptico é, portanto, suprida pelo círculo anastomótico de Haller e Zinn ou diretamente,
a partir das artérias ciliares posteriores. Já as regiões posteriores do nervo óptico são supridas
pelo plexo piai que circunda o nervo óptico. O resultado da hipoperfusão dessas redes vas­
culares levará à isquemia do nervo óptico, com apresentação clínica variável, dependendo do
segmento do nervo óptico envolvido.
As artérias ciliares posteriores curtas, principais responsáveis pela vascularização do ner­
vo óptico, geralmente são em número de 2 ou 3, embora haja muita variação anatômica. Na
maioria das vezes (48% dos casos), existem duas artérias, uma lateral e outra medial. Em 3%
dos casos, há apenas uma artéria, em 39% três, em 8% quatro e em 2% dos casos cinco artérias,
originando-se da artéria oftálmica. A região entre os territórios de distribuição de artérias
terminais, como as ciliares posteriores curtas, é chamada zona de transição ou zona limítrofe
(watershed zone). O disco óptico pode ser suprido pela artéria ciliar posterior curta medial, pela
lateral ou por uma combinação destas. A região de transição é, portanto, bastante variável de
pessoa para pessoa, e pode situar-se em qualquer ponto entre a fóvea e a coroide peripapi-
lar nasal. Trata-se da região mais vulnerável à isquemia, em especial nos casos de redução da
pressão de perfusão das artérias.

ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO

Em muitos pacientes não se observa nenhuma afecção sistêmica no momento do desenvolvi­


mento da NOIA. Em outros, pode haver uma série de doenças, incluindo vasculopatias, como
hipertensão arterial, arteriosclerose, diabetes melito; vasculites, como arterite temporal, po-
liarterite nodosa, lúpus eritematoso sistêmico e vasculite alérgica; distúrbios hematológicos,
como anemia grave, policitemia vera e anemia falciforme; hipotensão acentuada; embolismo;
doença oclusiva da carótida e enxaqueca.
A NOIA pode ser classificada em dois grandes grupos: NOIA arterítica (NOIA-A), causada
principalmente pela arterite de células gigantes, e NOIA não arterítica (NOIA-NA), de etiologia
Neuropatia Óptica Isquêmica | 69

indeterminada na maioria dos casos. A forma não arterítica pode ainda ser subdividida em
dois grupos: o grupo idiopático, onde a etiologia é indeterminada, e o grupo de causas deter­
minadas, nos quais uma condição patológica pode estar diretamente relacionada com a isque-
mia. Entre essas causas, incluem-se distúrbios hemodinâmicos e hematológicos, como anemia
e hemorragia graves, choque, cirurgias com perda sanguínea, hipertensão maligna, enxaqueca
e vasculopatia por irradiação. Portadores de hipertensão arterial (exceto hipertensão maligna)
e diabetes melito, com NOIA-NA, são geralmente incluídos no grupo idiopático, uma vez que
essas doenças são consideradas como condições associadas a fatores predisponentes, e não
causas diretas da NOIA.

FISIOPATOGENIA

Poucos são os estudos anatomopatológicos em pacientes com NOIA, os quais geralmente fo­
ram realizados em pacientes com arterite temporal. Vários autores demonstraram a presença
de infarto do nervo óptico na região da lâmina cribriforme e retrolaminar, e documentaram
o envolvimento inflamatório das artérias ciliares posteriores curtas, além de outras artérias
orbitárias em pacientes com arterite temporal. McLeod et ai (1980) produziram um quadro
clínico compatível com NOIA em macacos, pela oclusão das artérias ciliares posteriores curtas.
Esses autores observaram a presença de necrose isquêmica das porções laminar e retrolaminar
do nervo, associada ao bloqueio do fluxo axoplasmático das células ganglionares ao nível da
lâmina cribriforme, levando ao desenvolvimento de edema de papila na fase aguda.
A maioria dos autores acredita, portanto, que a NOIA-A seja causada pela oclusão das
artérias ciliares posteriores curtas, que algumas vezes se associa à oclusão da artéria central
da retina. Por outro lado, a fisiopatogenia da NOIA-NA não é conhecida na sua totalidade.
Embora a oclusão das artérias ciliares posteriores curtas por trombo ou êmbolo seja possível,
acredita-se que a hipoperfusão temporária dos vasos nutrientes das porções anteriores do
nervo óptico e coroide peripapilar seja o mecanismo fisiopatogênico mais comum. O mecanis­
mo fisiopatogênico exato, no entanto, permanece desconhecido na NOIA-NA. Postula-se que
uma perfusão diminuída no território das ciliares posteriores curtas resulte em hipoperfusão
e isquemia da cabeça do nervo óptico. A natureza vascular da doença é sugerida pelo início
abrupto, típico de evento isquêmico, pela ocorrência em indivíduos idosos e pela associação
com fatores de risco vasculares clássicos.
Muitos indivíduos com NOIA-NA referem perda visual ao acordar pela manhã. Embora a
hipotensão noturna seja um processo fisiológico, sugere-se que ela possa contribuir para a
lesão da porção anterior do nervo óptico em indivíduos susceptíveis, devido à insuficiência
vascular produzida por fatores predisponentes locais ou sistêmicos. Acredita-se também que
a apneia obstrutiva do sono possa ser um fator desencadeante da NOIA-NA em muitos casos,
e essa condição deve ser assim questionada ou investigada.
Os fatores predisponentes sistêmicos nessa afecção incluem: suprimento sanguíneo redu­
zido; defeito na autorregulação do fluxo sanguíneo na cabeça do nervo óptico; alterações va-
soespásticas; baixa pressão de perfusão na artéria oftálmica; localização das zonas vasculares
de transição das artérias ciliares posteriores curtas em relação ao nervo óptico; presença de
arteriosclerose sistêmica; e diabetes melito. Não existe prova direta de lipoialinose ou oclusão
7 0 I Neuroftalmologia

da vasculatura do disco óptico; no entanto, estudos angiofluoresceinográficos fornecem evi­


dências indiretas de redução do fluxo nos ramos das artérias ciliares posteriores curtas. De
modo similar à doença cerebrovascular de pequenos vasos, o comprometimento da autorregu-
lação da vasculatura do disco óptico também deve ter um papel na fisiopatogenia. Quanto aos
fatores locais, as drusas de papila e a elevação da pressão intraocular podem ser importantes
na fisiopatogenia da N01A-NA.
Uma porcentagem significativa dos pacientes com NOIA-NA apresenta envolvimento do
olho contralateral meses ou anos após o comprometimento inicial, enquanto a recidiva do
processo em um olho já acometido é muito incomum. Muitos desses pacientes apresentam
vasculopatias sistêmicas, incluindo hipertensão arterial, diabetes melito e arteriosclerose. Ou­
tros, no entanto, não têm nenhum desses fatores de risco e, apesar disso, apresentam o aco­
metimento em ambos os olhos por NOIA-NA. Esses fatos indicam que pode existir uma predis­
posição anatômica para o desenvolvimento da doença.
Em 1982, Hoyt chamou a atenção para o fato de que a NOIA-NA, na maioria das vezes,
ocorre em olhos com discos ópticos de tamanho pequeno, na maioria das vezes sem escava­
ção fisiológica. O tamanho pequeno desses discos algumas vezes leva à confusão com pseudo-
edema de papila, com aspecto “apinhado” das fibras nervosas nas margens da papila (crowded
disc) (Fig. 1). Posteriormente, vários autores passaram a analisar os aspectos estruturais do
disco óptico de pacientes com NOIA-NA, avaliando a relação escavação/disco, ou mesmo a área
do disco óptico. Tais estudos indicam que discos ópticos pequenos representam um fator de
risco importante para o desenvolvimento da doença.
Embora seja amplamente conhecida a associação de NOIA-NA com discos ópticos pequenos,
os chamados discos de risco, não se sabe de que maneira tais discos predispõem ao desenvolvi­
mento de NOIA. Indivíduos da raça branca tendem a ter discos ópticos menores do que indivíduos
da raça negra, o que talvez explique a maior ocorrência de NOIA-NA em caucasianos.
Alguns fármacos já foram descritos como possivelmente associadas (mas não comprova­
dos) ao desenvolvimento de NOIA-NA, incluindo aqueles para disfunção erétil (inibidores da
fosfodiesterase-5) e a amiodarona. Uma vez que os inibidores da fosfodiesterase (sildenafil, ta-
dalafil e vardenafil) causam vasodilatação periférica, e em decorrência de relatos de casos que
referem a associação do seu uso com o desenvolvimento da NOIA-NA, supôs-se que pudesse

Fig. i Disco congenitamente cheio {c r o w d e d d is c ).


Neuropatia Óptica Isquêmica | 71

haver uma relação de causa e efeito. No entanto, não existe comprovação dessa associação,
já que em apenas pequeno número de indivíduos foi feita a relação com essa droga utilizada
por muitos milhões de indivíduos. De qualquer modo, é importante discutir essa possibilidade
com os indivíduos que apresentaram NOIA-NA em um olho e com risco de acometimento con-
tralateral, buscando avaliar a real necessidade da medicação e da baixa (mas potencialmente
existente) possibilidade de haver uma relação causal.
No que se refere à amiodarona, deve ser lembrado que é um dos fármacos antiarrítmicos mais
usados, e a população que dela necessita é exatamente aquela mais susceptível ao desenvolvimen­
to de NOLA-NA. Desse modo, embora tenha sido relatada a possível associação, deve-se ter muito
cuidado ao se atribuir à amiodarona a causa de NOLA-NA e, atualmente, não é considerada como
um fator causal da doença. Muitos autores acreditam que possa existir de fato uma verdadeira
neuropatia óptica associada à amiodarona, embora muito incomum e distinta da NOIA, já que leva
a perda visual insidiosa, com redução importante da acuidade, edema bilateral de disco óptico na
maior parte dos casos e melhora após a retirada do medicamento.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

A NOIA-NA é uma condição relativamente frequente, com incidência situando-se entre 2,3 e 10,2
casos por 100.000 habitantes acima de 50 anos. Noventa e cinco por cento dos casos ocorrem em
indivíduos da raça branca. A NOIA acomete indivíduos de ambos os sexos, com idade preferen­
cial entre 45 e 80 anos, embora indivíduos mais jovens também possam ser afetados. A NOIA-NA
ocorre em indivíduos um pouco mais jovens, preferentemente entre 50 e 70 anos, enquanto os
casos decorrentes de arterite temporal tendem a ocorrer em indivíduos mais idosos. Pacientes
com diabetes melito ou enxaqueca podem desenvolver NOIA mais cedo, até na segunda ou ter­
ceira década de vida, enquanto aqueles com NOIA-A geralmente têm mais de 60 anos.
A NOIA-NA presumivelmente é secundária a doença da microcirculação do território das
ciliares posteriores curtas, com hipoperfusão e enfarte da região anterior do nervo óptico. O
diagnóstico é primariamente clínico e, apesar da sua alta incidência, a afecção continua sem
tratamento adequado. Muitas informações acerca da sua história natural foram fornecidas por
um estudo multicêntrico, o Ischemic Optic Neuropathy Decompression Trial (IONDT), realizado na
América do Norte, cujos resultados serão mencionados adiante.
Já a NOIA-A é classicamente causada por arterite temporal, uma vasculite granulomatosa
que afeta artérias de médio e grosso calibres, particularmente nos ramos cranianos do arco
aórtico (temporal superficial, ciliares posteriores, oftálmica e artérias vertebrais extracrania-
nas) e, ocasionalmente, o próprio arco aórtico. A sua diferenciação com a forma não arterítica
da doença é de fundamental importância para prevenir o acometimento do olho contralateral.
Tipicamente, na NOIA, os pacientes se queixam de embaçamento visual súbito e indolor
acometendo a visão central ou partes do campo visual. A perda visual pode variar desde muito
discreta até ausência de percepção luminosa. Alguns pacientes se queixam de manchas, som­
bras, observação de um véu ou uma cortina em partes do campo visual. Sinais premonitórios,
tais como perda transitória da visão ou dor ocular, são muito incomuns na NOIA-NA. Edema
de papila assintomático pode preceder a perda visual na NOIA-NA, embora essa ocorrência
seja rara. Por outro lado, nos casos de arterite temporal, a perda visual pode ser precedida de
7 2 I Neuroftalmologia

perda transitória da visão (30% dos casos) por isquemia do nervo óptico e de diplopia transitó­
ria (10% dos casos) secundária à isquemia dos músculos extraoculares ou de nervos cranianos.
Os indivíduos com NOIA-NA geralmente mantêm uma acuidade visual um pouco melhor, e
31 a 52% dos indivíduos têm acuidade visual melhor que 20/64, enquanto 35 a 54% têm acuidade
visual menor que 20/200. A maioria dos pacientes tem perda súbita, sem sintomas premonitó­
rios, geralmente ao acordar, embora em alguns possa haver progressão do déficit visual nas pri­
meiras 6 semanas. Nos portadores de arterite temporal, no entanto, a perda também é abrupta,
mas pode ser precedida por episódios de obscurecimentos transitórios da visão no olho acome­
tido. Geralmente, na forma arterítica, a perda visual é mais grave do que na NOIA-NA, e muitos
indivíduos têm acuidade visual pior que movimentos de mão. Na arterite temporal, a acuidade
visual inicial situa-se entre conta-dedos e percepção luminosa em 54% dos pacientes comparados
com apenas 26% dos pacientes com NOIA-NA e essa faixa de acuidade visual.
Pacientes com arterite temporal podem também manifestar outros sintomas da doença,
tais como cefaleia, dor no couro cabeludo, dificuldade na mastigação por isquemia dos mús­
culos da mastigação (claudicação da mandíbula), polimialgia reumática etc. Por outro lado, é
importante lembrar da ocorrência da forma oculta de arterite temporal, em que não há ne­
nhum sintoma sistêmico da doença. A obtenção de exames laboratoriais, como velocidade
de hemossedimentação, e a confirmação da doença por biópsia de artéria temporal é extre­
mamente importante nesses casos. A perda visual na arterite temporal pode ser decorrente
de NOIA, por oclusão da artéria central da retina e, até mesmo, por acometimento occipital.
Além da perda visual, alguns pacientes podem apresentar diplopia e oftalmoplegia por acome­
timento dos músculos extraoculares, dos nervos oculomotor, troclear e abducente, e até por
acometimento do tronco encefálico.
O exame de campo visual mostra defeitos em praticamente todos os casos, embora possa
ser difícil detectá-los em casos leves. Os defeitos altitudinais ocorrem na grande maioria dos
pacientes, sendo observados em 58 a 80% dos casos. O mais frequente é o defeito altitudinal
inferior (Fig. 2). Outros tipos de alterações incluem os escotomas centrais, defeitos arqueados,
defeitos quadrânticos, constrição generalizada do campo ou uma combinação destes.

Fig. 2 Defeito de campo visual altitudinal completo.


Neuropatia Óptica Isquêmica | 7 3

Ao exame do fundo de olho, observa-se, na fase aguda, edema de papila usualmente asso­
ciado a hemorragias peripapilares (Fig. 3). O edema de papila pode ser difuso (Figs. 3 e 4) ou
focal (Fig. 5), discreto ou bastante acentuado, podendo simular um aspecto de papiledema.
Quando o edema é focal, geralmente se observa uma correspondência com o defeito campi-
métrico.

Fig. 3 Edema de papila difuso, de coloração pálida e com


hemorragias peripapilares.

Fig. 4 Edema difuso e pálido de papila.

Fig. 5 Edema de papila focal mais acentuado no polo supe­


rior. Observe hemorragia peripapilar nesse setor.
7 4 I Neuroftalmologia

0 edema de papila na N01A pode ser pálido ou hiperêmico (Figs. 3 e 4), embora o edema
pálido seja mais frequente, sobretudo nos pacientes com perda visual grave. Na maioria dos
casos, observam-se hemorragias em chama de vela na região peripapilar ou no disco óptico.
Exsudatos algodonosos podem também estar presentes, e exsudatos duros, com aspecto de
estrela macular parcial, podem mais raramente ocorrer. As arteríolas retinianas geralmente
mostram estreitamento arteriolar, que pode ser difuso ou focal, neste último caso geralmente
na região peripapilar.
A angiofluoresceinografia mostra atraso no enchimento do disco óptico, embora não mos­
tre atraso no enchimento da coroide nos indivíduos com NOIA-NA. Esses achados, no entanto,
são observados apenas na fase aguda da doença e é importante ressaltar que, para sua visibili-
zação, é necessária a realização de fotos nas fases iniciais do exame. Nos olhos acometidos por
NOIA-A, por outro lado, as alterações angiofluoresceinográficas são muito mais acentuadas,
caracterizadas por atraso importante no enchimento do disco óptico e da coroide.

ARTERITE TEMPORAL

A arterite temporal representa uma condição importante, que deve ser lembrada frente a todo
paciente com neuropatia óptica isquêmica. Também denominada arterite de células gigantes,
é uma vasculite da pessoa idosa, com inúmeras manifestações clínicas, sendo a principal de­
las a perda visual. Quando não tratada, pode levar a cegueira irreversível em mais de 50% dos
casos, o que geralmente pode ser evitado com o tratamento adequado. Representa, portanto,
uma condição cujo diagnóstico e tratamento devem ser estabelecidos em caráter de urgência.
Apesar de cursar com inúmeras manifestações sistêmicas, muitas se associam com queixas
inespecíficas, difíceis de valorizar num primeiro momento pela maioria dos médicos. Além
disso, tais manifestações podem ser de curta duração ou estar ausentes. Por outro lado, as
manifestações neuro-oftalmológicas, especialmente a NOIA, são muito sugestivas da doença e
permitem levantar a suspeita diagnóstica de imediato.
A arterite temporal parece reconhecida desde a Antiguidade. Modernamente, mais especifi­
camente na literatura de língua inglesa, a doença foi descrita pela primeira vez por Huctchinson,
em 1890, e bem estabelecida como entidade nosológica, através da descrição do curso clínico
característico e do relato anatomopatológico, por Horton, em 1932. Apesar de tão antiga, a do­
ença ainda tem sua fisiopatogenia pouco conhecida. Acomete quase que exclusivamente pacien­
tes idosos, sendo a idade média de início dos sintomas em torno de 70 anos. Raros são os relatos
da afecção abaixo dos 50 anos de idade, e muito deles questionáveis, possivelmente decorrentes
de outras vasculites sistêmicas (que não a arterite temporal) envolvendo a artéria temporal. Do
ponto de vista prático, portanto, a doença deve ser considerada apenas em indivíduos acima dos
50 anos, e, em alguns casos, acima dos 60 anos de idade.
A incidência da doença situa-se entre 15 e 30 casos por 100.000 habitantes acima de 50
anos. Acredita-se que exista variação na incidência da afecção, dependendo da população
estudada, sendo mais frequente em brancos de origem escandinava do que em africanos. De
qualquer modo, a incidência aumenta muito com o avançar da idade. Alguns autores relataram
uma incidência de 2,3 por 100.000 habitantes na sexta década devida, que subiu para 44,7 por
100.000 habitantes na nona década de vida. Em pacientes acima de 80 anos, a prevalência da
Neuropatia Óptica Isquêmica | 75

afecção chega a 1%, o que é sugerido por estudos de autópsia. A maioria das séries estudadas
mostra uma predominância da afecção no sexo feminino.

Fisiopatogenia
A arterite de células gigantes é uma doença inflamatória sistêmica que acomete preferente­
mente artérias de médio e grosso calibres de qualquer parte do organismo, mas principal­
mente aquelas que são ramificações de artérias originárias do arco da aorta. Em pacientes
que faleceram na fase aguda da doença, foi observada inflamação mais frequentemente nas
artérias temporal superficial, vertebrais, oftálmica e ciliares posteriores curtas e, com menor
frequência, na carótida interna e externa e artéria central da retina. Outros estudos mostram
envolvimento da aorta proximal e distai, da subclávia, das coronárias, da braquial, da pulmo­
nar e de artérias abdominais, como a renal e a mesentérica.
As artérias são acometidas por infiltrados inflamatórios focais compostos de linfócitos T
CD4+ e macrófagos que acometem todas as camadas arteriais. Células gigantes multinucle-
adas ocorrem em graus variáveis e, geralmente, situam-se próximo à lâmina elástica interna,
que mostra fragmentações. O foco principal da doença é a camada média das artérias, mas ela
também se estende para a íntima e adventícia. O infiltrado inflamatório tende a ser segmentar,
embora longos trechos das artérias possam se mostrar envolvidos. Embora não se saiba ao
certo, vários dados sugerem que se trate de uma doença autoimune que resulta de uma res­
posta a antígeno situado na parede arterial dos vasos. A doença pode ser familiar, mostrando
uma predisposição genética para tal.

Quadro clínico da arterite temporal


As manifestações clínicas podem ter início abrupto ou insidioso, e os sintomas sistêmicos po­
dem estar presentes várias semanas ou meses antes de o diagnóstico ser suspeitado. Como se
trata de uma vasculite sistêmica, os sintomas não oftalmológicos podem ser bastante diver­
sos, e incluem:
1. Cefaleia.
2. Sensibilidade dolorosa no couro cabeludo; hiperemia na região da artéria temporal.
3. Dificuldade à mastigação por claudicação dos músculos da mandíbula.
4. Sintomas constitucionais: anorexia, perda de peso, febre, mal-estar.
5. Polimialgia reumática.
6. Manifestações neurológicas: sintomas decorrentes de estenose, oclusão ou embolização a
partir das artérias carótidas, vertebrais ou basilares e neuropatias periféricas.
7. Angina pectoris, insuficiência cardíaca congestiva ou enfarte do miocárdio por comprometi­
mento das coronárias.
8. Insuficiência circulatória em outras regiões, como os membros inferiores, os rins e o intestino.

A cefaleia é o sintoma mais importante e está presente em quase todos os pacientes. Ge­
ralmente é intensa e tende a localizar-se na região das artérias do couro cabeludo. Pode ser
de intensidade suficiente para impedir os pacientes de dormir. No entanto, pode também ser
76 I Neuroftalmologia

mais discreta, transitória e, algumas vezes, manifestar-se através de formas atípicas como dor
na região da orelha, da articulação temporomandibular ou mesmo uma cefaleia inespecífica,
o que pode confundir o diagnóstico. Muitos pacientes apresentam sensibilidade dolorosa ao
toque na região do couro cabeludo, o que fica particularmente evidente ao pentear o cabelo.
A claudicação da mandíbula, que se caracteriza por fadiga e dor na região da mandíbula ao
mastigar, é um dos sintomas mais importantes por ser relativamente específico para a doença.
Decorre da isquemia dos músculos da mastigação e, quando presente, reforça muito a suspei­
ta de arterite temporal. Os sintomas gerais do tipo anorexia, perda de peso, febre e mal-estar
estão presentes em cerca de 50% dos casos, mas são muito inespecíficos e, por si sós dificil­
mente levam à suspeita diagnóstica. As manifestações neurológicas são menos comuns e re­
sultam do comprometimento das artérias carótidas e vertebrais. Tal comprometimento pode
ser causa de morte, do mesmo modo que o envolvimento das artérias coronárias. A polimial-
gia reumática tem uma associação bem conhecida com a arterite temporal e caracteriza-se por
dor e enrijecimento dos músculos da região do pescoço, quadris e membros. Essa condição
pode ocorrer sem arterite temporal e nesse caso, responde a doses baixas de corticoide. Em
uma pequena proporção, em torno de 10% dos pacientes, a polimialgia reumática se associa
com arterite temporal.
Apesar dos inúmeros sintomas supramencionados, é de fundamental importância enfati­
zar que muitos deles podem ser discretos, transitórios e bastante inespecíficos; assim, a sus­
peita diagnóstica pode não ser feita mesmo quando o paciente já está sendo acompanhado
por um médico clínico, como já pudemos observar em várias ocasiões. Outro dado importante
a ser considerado pelo oftalmologista é que, em alguns pacientes, os sintomas sistêmicos são
de fato ausentes, o que foi denominado forma oculta da arterite temporal.
As principais manifestações oftalmológicas da arterite temporal são:
1. Neuropatia óptica isquêmica
2. Perda transitória da visão
3. Oclusão da artéria central da retina
4. Diplopia e oftalmoplegia
5. Outras menos comuns: uveíte isquêmica, isquemia do segmento anterior do olho, hipoto-
nia, pupila tônica, conjuntivite, alucinações visuais.

A NOIA representa a manifestação mais comum da doença e também uma das manifes­
tações mais características da afecção. Acredita-se que, nesses casos, resulte do comprometi­
mento vasculítico das artérias ciliares posteriores curtas, o que leva à isquemia do nervo óp­
tico e coroide. A perda visual é súbita e, geralmente, bastante grave. Quando não tratada, há
acometimento do olho contralateral em mais da metade dos casos, muitas vezes nas primeiras
2 semanas após o envolvimento do primeiro olho. Muitos pacientes acabam apresentando ce­
gueira completa em ambos os olhos.
Embora a NOIA deva sempre levar à suspeita de arterite temporal, deve ser lembrado que a
maior parte dos indivíduos apresenta a forma não arterítica da doença (apenas 5 a 10% dos ca­
sos de NOIA são causados por arterite temporal), e a maior parte dos casos apresenta NOIA-NA.
Algumas características clínicas podem auxiliar na diferenciação entre NOIA-A (mais grave e
de tratamento mais urgente) e NOIA-NA. A perda visual costuma ser muito mais grave na NOIA-A
Neuropatia Óptica Isquêmica

do que na NOIA-NA. A perda visual na NOIA-NA costuma manifestar-se pela manhã, ao acordar
(acredita-se que a hipotensão noturna tenha um papel na sua gênese), enquanto, na NOIA-A, não
há essa preferência. Esta última, por sua vez, pode ser precedida de perda transitória da visão, o
que é incomum na NOIA-NA. O disco óptico dos pacientes com NOIA-NA geralmente é pequeno
(disco congenitamente cheio), uma vez que, nessa afecção, geralmente há um fator predispo-
nente local do disco óptico, enquanto a NOLA-A ocorre em qualquer tipo de disco óptico. Esses
dados podem servir para reforçar ainda mais a suspeita de arterite temporal, que, no entanto,
deve estar presente em todos os indivíduos com neuropatia óptica isquêmica.
A perda visual na arterite temporal pode também decorrer de neuropatia óptica isquêmica
posterior (sem edema de papila na fase aguda), por oclusão da artéria central da retina ou por
síndrome ocular isquêmica. A neuropatia óptica isquêmica posterior é muito menos comum
do que a anterior, mas também deve levar à suspeita de arterite temporal, uma vez que rara­
mente é causada por outra afecção. A oclusão da artéria central da retina também deve levar
à suspeita de arterite temporal em todo paciente idoso.
Perda transitória da visão pode preceder a NOIA ou a oclusão da artéria central da retina.
Portanto, a arterite temporal deve sempre ser incluída no diagnóstico diferencial com amau-
rose fugaz no idoso.
Diplopia e oftalmoplegia devem levar à suspeita de arterite temporal no idoso, embora
seja uma manifestação menos comum da doença. A etiologia da diplopia pode ser a isquemia
dos músculos extraoculares na órbita, dos nervos oculomotor, troclear e abducente ou a is­
quemia do tronco encefálico.

Diagnóstico
O diagnóstico deve ser suspeitado em todos os pacientes com mais de 50 anos e que apre­
sentem as queixas visuais supramencionadas, e particularmente naqueles que têm neuropatia
óptica isquêmica. Cefaleia, dor na região temporal, claudicação da mandíbula e história de
diplopia passageira e perda transitória da visão, bem como as demais queixas sistêmicas já
mencionadas, reforçam muito a suspeita diagnóstica.
Alguns exames laboratoriais são muito importantes no diagnóstico e devem ser solicita­
dos de imediato, colhidos antes da introdução da terapêutica com corticosteroides. A veloci­
dade de hemossedimentação (VHS) caracteristicamente se mostra elevada na doença. É difícil
estabelecer um valor normal para a VHS no idoso. O método mais aceito é o que divide a ida­
de do paciente por 2 para se obter o limite superior do valor normal. Nos indivíduos do sexo
feminino, acrescenta-se 10 à idade e, em seguida, divide-se por 2. Outros autores sugerem
diferentes valores como o limite superior. Hayreh (1997) sugeriu que o valor limite do normal
foi de 33 mm para homens e 35 mm para as mulheres. Usando esses valores em um grande
número de casos de arterite temporal, observou que a VHS tem uma sensibilidade de 92% e
uma especificidade também de 92%. Os pacientes com arterite temporal geralmente apresen­
tam valores muito elevados, mas deve ser lembrado que a VHS pode também ser normal nessa
doença, especialmente nas suas fases iniciais. Assim, uma VHS normal não deve servir para
excluir definitivamente o diagnóstico num paciente com características clínicas da doença.
A proteína C reativa (PCR) é outro exame que pode ser útil na suspeita de arterite tempo­
ral. Normalmente presente em quantidades baixas no indivíduo normal, eleva-se quando há
78 I Neuroftalmologia

dano tissular. Hayreh et a i (1997) acreditam que a PCR é mais sensível (100%) do que a VHS
(92%) e que a combinação de ambos foi o que levou a maior especificidade (97%) no diagnós­
tico da afecção.
Os exames laboratoriais podem ainda demonstrar uma anemia moderada, elevação do
fibrinogênio sérico e da proteína alfa-2. Habitualmente, solicitamos para os pacientes suspei-
r

tos: hemograma completo, VHS, PCR e eletroforese de proteínas. E importante salientar que
é preferível o método Westergreen da VHS, uma vez que pode evidenciar melhor a elevação
da VHS (os dados supramencionados referem-se à VHS por esse método). Outra observação
é que, em nosso meio, alguns laboratórios ainda utilizam a determinação da VHS de 2 horas,
enquanto os valores já citados se referem à VHS de 1 hora, de acordo com quase todos os
trabalhos nessa afecção. Com relação à PCR, deve-se salientar que ela é considerada positiva
quando se mostra acima de 0,5 mg/dl. No trabalho de Hayreh et al. (1997), esse valor foi utili­
zado (o que levou à sensibilidade de 100% ao teste), mas, utilizando-se esses valores, a espe­
cificidade da PCR foi de 83% nas mulheres e 79% nos homens. No entanto, quando analisou os
dados, observou que um valor acima de 2,45 mg/dl é que foi considerado muito sugestivo da
doença. Em decorrência disto, é interessante obter a PCR em laboratório que forneça a sua
dosagem (alguns determinam apenas se é positiva ou negativa), tanto no diagnóstico como na
monitoração do tratamento dos pacientes com arterite temporal.
A biópsia da artéria temporal deve ser realizada em todos os pacientes suspeitos da doen­
ça (Fig. 6). Alguns sugerem o diagnóstico apenas com base nos dados clínicos, o que não nos
parece a conduta mais adequada. A confirmação diagnóstica com estudo anatomopatológico
é importante para justificar a colocação do paciente em um regime terapêutico prolongado,
com efeitos colaterais possíveis. O achado de artérias normais (sem espessamento, dor ou
vermelhidão) ao exame clínico também não deve servir para afastar o diagnóstico de arterite
temporal nem para evitar a biópsia, que é sensível em 95% dos casos em 100% específico para
a doença. O procedimento é simples e pode ser perfeitamente realizado pelo oftalmologista,
o que agiliza grandemente a orientação diagnóstica e terapêutica da doença. A biópsia deve
ser realizada no lado que houver a dor na região temporal, e, se possível, no local doloroso.
Quando não há dor nessa região, a biópsia inicialmente deve ser feita do lado da perda vi­
sual. Quando a biópsia for negativa e ainda se suspeita fortemente do diagnóstico, ela pode
ser repetida do lado contralateral ou até em um local diferente da artéria do mesmo lado já
operado. É importante a remoção de um fragmento adequado, de pelo menos 2,5 cm (se pos­
sível, 4 cm ou maior) para aumentar as chances de positividade do estudo anatomopatológi­
co. Quando o paciente apresenta biópsia negativa e persiste com VHS elevada, é importante

Fig. 6 Biópsia de artéria temporal.


Neuropatia Óptica Isquêmica | 79

considerar outras causas para essa elevação, como neoplasias, infecções ou outras doenças
do tecido conjuntivo.
É também fundamental a interpretação correta dos achados da biópsia, por patologista
experiente, conhecendo-se as alterações relacionadas à idade, além do fato de que nem sem­
pre os achados clássicos de arterite com células gigantes estão presentes.

Tratamento
A corticoterapia é o único tratamento comprovadamente eficaz no controle da arterite tem­
poral. A medicação deve ser iniciada assim que o diagnóstico é suspeitado e após a colheita
de sangue para os exames laboratoriais, em especial a VHS e a PCR. Não se deve esperar a
realização nem o resultado da biópsia de artéria temporal, pois o objetivo é a prevenção da
perda visual, especialmente quando um olho já foi acometido. Além disso, sabe-se que as le­
sões anatomopatológicas estarão presentes por algumas semanas após o início do tratamento
e, sendo assim, a biópsia pode ser realizada alguns dias após a sua introdução.
Deve ser enfatizado que, quando a perda visual ocorre por oclusão da artéria central da reti­
na ou neuropatia óptica isquêmica, ela é quase sempre irreversível e o objetivo principal do tra­
tamento é prevenir o acometimento do olho contralateral e a ocorrência de outras complicações
sistêmicas. O benefício do corticoide para prevenir a perda visual e outras complicações é bem
r

conhecido. E importante lembrar, no entanto, que a perda visual pode ocorrer mesmo quando se
utiliza o tratamento adequado, geralmente nos primeiros dias de tratamento.
A confirmação do diagnóstico através de biópsia da artéria temporal deve ser realizada assim
que possível, mas não pode retardar a introdução do corticosteroide. Acredita-se que a biópsia se
manterá positiva mesmo após 1 a 2 semanas com corticoide e, portanto, a biópsia não pode ser
também postergada por muito mais tempo, sob pena de se perder esse elemento diagnóstico.
O tratamento pode se prolongar por vários meses, por vezes anos, e deve ser feito con­
juntamente com o médico clínico, uma vez que o uso prolongado de corticoide em paciente
idosos pode ter complicações. A dosagem deve ser mantida até que os sintomas sistêmicos
desapareçam e que a VHS se normalize, e, a partir de então, reduzida progressivamente, acom­
panhando-se o valor da VHS e da PCR. Os sintomas geralmente melhoram em 2 a 3 dias, mas a
VHS demora mais para normalizar. Mesmo quando a normalização é rápida, deve-se manter a
dose inicial alta por, pelo menos, 2 a 4 semanas para então iniciar a redução gradual. A redução
da dose deve ser lenta, não maior que 10% da dose total a cada 1 ou 2 semanas.
A doença geralmente tem um curso autolimitado que dura de 1 a 2 anos. Em alguns casos,
pode ser mais curta e, em outros, permanecer ativa por muitos anos. Em decorrência disto,
deve-se monitorar o paciente clínica e laboratorialmente por 6 a 12 meses após a interrupção
do tratamento, visando certificar-se de que a doença não apresenta recidiva. A medida perió­
dica da VHS é particularmente útil nesse sentido, pois a sua elevação muitas vezes precede as
manifestações clínicas.

EVOLUÇÃO DA NOIA NÃO ARTERÍTICA (NOIA-NA)

Embora a maioria dos pacientes com NOIA-NA tenham perda visual abrupta e que se man­
tém inalterada, pode haver deterioração da acuidade visual e do campo visual alguns dias ou
80 | Neuroftalmologia

mesmo semanas após o início do quadro. A piora visual pode ser registrada tanto na acuidade
visual como no campo visual. No passado, essa progressão era pouco conhecida e considerada
um evento incomum. Atualmente se acredita que possa ocorrer em uma frequência variando
entre 22 e 37% dos casos. No IONDT, 45% dos pacientes relataram piora subjetiva da função
visual após o início do quadro, e 29% tiveram uma piora documentada da acuidade visual. A
piora da função visual geralmente ocorre durante as primeiras 4 a 6 semanas da afecção, no
período em que ainda existe edema de papila.
Após o episódio agudo, o edema de papila progressivamente diminui e é substituído por
atrofia óptica, que pode ser setorial ou difusa. Ocorre também acentuação do estreitamento
das arteríolas retinianas (Fig. 6).
Em geral, os pacientes com NOIA têm mau prognóstico quanto à recuperação visual. No
passado, acreditava-se que a perda visual na NOIA-NA era irreversível, sem possibilidades de
melhora. Nos últimos anos, tem-se reconhecido a possibilidade de alguma melhora visual es­
pontânea, geralmente discreta. No estudo do IONDT, a acuidade visual melhorou pelo menos
3 linhas da tabela de Snellen em 31% dos pacientes após 2 anos de seguimento. Em torno de
31 a 41% dos pacientes têm acuidade visual final pior que 20/200 e, em 21 a 53%, a acuidade
visual é superior ou igual a 20/40.
r

E rara a recidiva da NOIA-NA em um olho previamente acometido pela afecção. Poucos


são os casos descritos na literatura por diversos autores, e acredita-se que essa ocorrência
esteja presente em menos de 5% dos casos. O acometimento do olho contralateral, por outro
lado, não é incomum. Estima-se que o risco de acometimento do olho contralateral se situa
em torno de 12% em 2 anos e de 19% em 5 anos. O estudo realizado no IONDT observou que,
em um seguimento de 1 a 3 anos, 12% dos pacientes desenvolveram acometimento do olho
contralateral.

TRATAMENTO E PROFILAXIA DA NEUROPATIA ÓPTICA ISQUÊMICA

Neuropatia óptica isquêmica associada à arterite temporal


O tratamento da NOIA associada à arterite temporal deve ser considerada uma emergência
médica. A boa resposta ao corticoide e a melhora da evolução com o tratamento precoce
tornam o início imediato e agressivo do tratamento como o objetivo a ser atingido após a
realização do diagnóstico. A história natural da doença mostra que o acometimento do olho
contralateral ocorre em 25 a 50% dos pacientes alguns dias ou semanas após o envolvimento
do primeiro olho, se o tratamento adequado não for iniciado ou se este for suspenso enquan­
to a doença ainda está em atividade.
Corticosteroides por via oral, habitualmente a prednisona, na dosagem de 60 a 120 mg/dia
(1 a 2 mg/kg/dia), deve ser iniciado de imediato, assim que se suspeita do diagnóstico e logo
após a colheita dos exames laboratoriais (principalmente, a VHS e a PCR). A confirmação atra­
vés da biópsia da artéria temporal deve ser realizada assim que possível, mas não deve retar­
dar a introdução do corticoide. O tratamento é feito na tentativa de evitar a perda visual no
olho contralateral e deve-se prolongar por vários meses, por vezes anos, e feito conjuntamen­
te com o médico clínico, uma vez que o uso prolongado de corticoide em pacientes idosos
Neuropatia Óptica Isquêmica | 81

pode ter complicações. Nos casos em que a perda é bastante recente, alguns autores preconi­
zam o uso de pulsoterapia com corticoide endovenoso (metilprednisolona 1.000 mg/dia) por 3
dias, seguido de prednisona por via oral. Alguns autores observaram reversão do déficit visual
após esse tipo de tratamento. Essa melhora, no entanto, é a exceção e, na grande maioria das
vezes, o tratamento visa apenas prevenir a perda visual contralateral.
Nos últimos anos, observa-se uma tendência à utilização mais generalizada de corti-
costeroides por via endovenosa para pacientes com perda visual (1 a 2 g/dia por 2 a 3 dias)
seguidos de corticoide por via oral em altas doses, embora nenhum estudo prospectivo te­
nha sido realizado comparando a eficácia desse regime terapêutico com o uso de corticoide
por via oral. Alguns autores preconizam esse tipo de tratamento mesmo para casos menos
graves, no sentido de reduzir a dose cumulativa proporcionando menor iatrogenia e resis­
tência da doença aos corticosteroides, mas essa conduta não é usual. Nós particularmente,
utilizamos a pulsoterapia corticoide em casos com perda visual recente (horas) na tentativa
de reverter a perda visual (embora isso seja raro) ou em pacientes com perda visual em um
olho e perda transitória da visão ou sintomas indicativos de acometimento inicial no olho
contralateral.
A introdução de tratamento de ataque para profilaxia do acometimento do olho contra­
lateral geralmente é eficaz; no entanto, a progressão da perda visual no segundo olho ocasio­
nalmente ocorre a despeito do tratamento adequado com altas doses de corticoide. Quando
isso ocorre, geralmente se dá nos primeiros 5 dias após o início da terapia.
É importante salientar que o tratamento não visa à recuperação visual do olho afetado,
embora esta possa ocorrer. A resposta aos sintomas sistêmicos geralmente é rápida e dra­
mática, com alívio da cefaleia e do mal-estar em 24 horas. Infelizmente, apenas 4 a 15% dos
pacientes com NOIA-A apresentam melhora da função visual com o tratamento. Alguns relatos
recentes documentam que a melhora pode ocorrer, embora geralmente persistam defeitos
campimétricos importantes.
A terapia de manutenção deve ser mantida em doses de 1 a 2 mg/kg/dia por, pelo menos,
4 a 6 semanas, até a normalização dos sintomas sistêmicos e dos marcadores laboratoriais, e
seguido de uma redução gradual ao longo de 12 a 18 meses, de início reduzindo-se aproxi­
madamente 10 mg por mês e, depois, 5 mg por mês até atingir a dose de 10 a 15 mg/dia. Pos­
teriormente, a redução deve ser muito lenta, sempre monitorada pelos exames laboratoriais
VHS e PCR. A recidiva dos sintomas ou elevação da VHS e/ou PCR ocorrem em mais da metade
dos pacientes quando o corticoide é reduzido. Nesses casos, geralmente retornamos a dose
do corticoide para o valor anterior àquele que foi associado com a recidiva, já que, mesmo sem
os sintomas sistêmicos, a perda visual pode recidivar nesses casos.
As complicações do corticoide em uso prolongado representam um problema comum
no tratamento de indivíduos com arterite temporal. Os pacientes devem receber suplemen-
tação de cálcio e vitamina D para reduzir o risco de osteoporose. Quando as complicações
ocorrem, outros agentes podem ser utilizados, incluindo metotrexate, azatioprina, ciclos-
porina e agentes antifator de necrose tumoral, embora com poucos estudos a respeito.
Alguns estudos abordaram o uso conjunto de metotrexate, mas os resultados foram confli­
tantes. Pessoalmente, no entanto, observamos em vários pacientes o efeito complementar
do metotrexate em pacientes com arterite temporal que apresentaram recidivas durante a
redução do corticoide. Acreditamos que essa é uma arma terapêutica que pode servir como
82 | Neuroftalmologia

coadjuvante, no sentido de possibilitar uma redução maior do corticoide do que se conse­


guiria sem o seu uso.
Alguns estudos sugeriram que o efeito anti-inflamatório da aspirina pode ser benéfico
para resultado visual final; no entanto, tais estudos não foram prospectivos e o assunto ainda
carece de uma melhor evidência científica para o seu uso.

Neuropatia óptica isquêmica não arterítica


Quanto ao tratamento da NOIA não arterítica, poucas são as evidências de que o tratamento
clínico seja eficaz. Inúmeros agentes terapêuticos foram tentados sem sucesso comprovado,
sendo o uso de corticoide aquele que mais se discute. Hayreh recomenda que os pacientes se­
jam tratados com prednisona por via oral enquanto existir edema de papila. Esse autor avaliou
uma série extensa de pacientes que foram tratados com corticoide por via oral na fase aguda e
comparou-os com outro grupo que não recebeu a medicação. Observou uma diferença signifi­
cativa entre os grupos, com melhor evolução daqueles tratados com relação à acuidade visual
e ao campo visual. No entanto, tratou-se de um estudo não randomizado, o que levou a ou­
tros autores questionar os resultados. Apesar disso, muitos autores seguem a recomendação
para o uso de corticoide na fase aguda, desde que não exista contraindicação clínica. A dose
habitual é de 1 mg/kg/dia, mas é importante salientar que, se for usado, o corticoide deve ser
administrado apenas enquanto houver edema de papila.
Mais recentemente, alguns autores sugeriram o uso de medicações intravítreas, como o
corticoide e o bevacizumab, no tratamento da NOIA-NA na fase aguda mas os resultados até o
momento não comprovam sua eficácia.
Sergott et al. (1989) sugeriram que a descompressão da bainha do nervo óptico poderia
levar à melhora visual em pacientes com NOIA-NA na sua forma progressiva, que foi utilizada
também por outros autores. O estudo 10NDT, no qual os pacientes eram operados até 14 dias
da perda visual, não confirmou o efeito benéfico da cirurgia e concluiu que o procedimento
cirúrgico não melhora e, sim pode até piorar o prognóstico da doença. Observou-se que mui­
tos pacientes com NOIA-NA apresentaram melhora visual (geralmente discreta) espontânea.
Essa melhora visual espontânea, que, até o estudo de Sergott et a/., era pouco conhecida, foi
a responsável pela impressão inicial de melhora com a cirurgia.
Não existe uma profilaxia adequada para a NOIA-NA. Embora a aspirina tenha efeito com­
provado na redução da incidência de acidente vascular cerebral, o seu papel na prevenção
do olho contralateral ainda é incerto e não existe comprovação de sua eficácia. Dois estudos
sugerem que a aspirina possa ter algum efeito na redução do acometimento contralateral,
mas deve-se salientar que nenhum dos dois estudos obedeceu a um protocolo padronizado, e
esses resultados não podem ser considerados conclusivos.
Habitualmente, os pacientes devem ser avaliados quanto a fatores de risco para arte­
riosclerose, incluindo diabetes, hipertensão arterial, hipercolesterolemia etc. Embora nenhum
estudo tenha comprovado a redução no acometimento do olho contralateral em indivíduos
com essas condições, é prudente proceder à sua avaliação clínica e tratamento. É importante
orientar o clínico no sentido de evitar tratamento agressivo da hipertensão arterial, especial­
mente com medicações que possam provocar hipotensão noturna, uma vez que vários autores
acreditam que esse possa ser um dos eventos desencadeantes da NOIA-NA.
Neuropatia Óptica Isquêmica | 8 3

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Neuropatias Ópticas
Compressivas

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO • ALEXANDRE CHATER TALEB

INTRODUÇÃO

As neuropatias ópticas compressivas podem ocorrer na órbita, no canal óptico ou, ainda, na
porção intracraniana do nervo. Na órbita, as compressões podem ser causadas por tumores
extrínsecos ao nervo óptico, por doenças orbitárias que causem compressão do nervo ópti­
co ou por tumores do nervo, como o glioma e o meningioma. Ao nível do canal óptico, as
compressões podem ser causadas por tumores, doenças ósseas ou dos seios paranasais que
provocam compressão, enquanto, ao nível do nervo óptico intracraniano, a compressão pode
ser decorrente de tumores benignos ou malignos ou, ainda, lesões vasculares como os aneu­
rismas de grande dimensões que acometem a porção intracraniana dos nervos ópticos. Neste
Capítulo discutiremos, inicialmente, o quadro clínico que sugere a presença de uma neuropa-
tia óptica compressiva e, em seguida, as formas mais comuns dessas neuropatias, nos diversos
segmentos do nervo óptico.

QUADRO CLÍNICO

Caracterização da perda visual e achados associados


As neuropatias ópticas compressivas caracterizam-se por perda visual de evolução lenta. Na
maior parte das vezes, o paciente tem dificuldade em informar exatamente quando foi o início
do quadro, já que a evolução muito lenta dificulta a percepção da cronologia exata da perda
visual. Muito menos comumente, a perda visual pode ocorrer de forma aguda ou subaguda,
como no caso da compressão por aneurismas da artéria oftálmica ou, ainda, na compressão
que pode ocorrer da orbitopatia distireoidiana. A perda visual pode também ter evolução mais
rápida em processos compressivos/infiltrativos, como, por exemplo, as lesões linfoproliferati-
vas que acometem o nervo óptico.

85
86 | Neuroftalmologia

Os defeitos campimétricos são muito variáveis nas neuropatias compressivas, podendo


ser de qualquer tipo, já que existe uma diversidade muito grande de lesões nesse grupo de
afecções. Não é incomum os pacientes apresentarem ausência de percepção luminosa, o que
auxilia na diferenciação de outras formas de neuropatia nas quais essa ocorrência é menos co­
mum. O acometimento é usualmente unilateral nos tumores da órbita, mas pode ser bilateral,
particularmente no caso da orbitopatia distireoidiana, nos casos em que tumores orbitais são
bilaterais, como pode ocorrer no glioma óptico associado a neurofibromatose, ou quando a
compressão ocorre ao nível do nervo óptico intracraniano.
As neuropatias ópticas compressivas podem apresentar-se com outros sinais e sintomas
(que não a perda visual), incluindo a proptose e as alterações da motilidade ocular extrínseca.
Quando a compressão do nervo ocorre na órbita, geralmente se associa a proptose, que pode
ser discreta ou acentuada. Nesses casos, o paciente pode também, ocasionalmente, apresentar
diplopia ou alteração da movimentação ocular, seja por comprometimento muscular, seja pelo
acometimento dos nervos oculomotor, troclear e abducente ao nível do ápice da órbita. Esses
dados devem ser cuidadosamente observados durante o exame clínico, já que auxiliam não só
na suspeita diagnóstica, como também na localização da lesão na via óptica anterior.
Quanto aos achados fundoscópicos, as neuropatias compressivas podem ser divididas em
anteriores, quando existe edema de papila, e posteriores, quando não existe edema de papila
(o fundo de olho normal ou com atrofia óptica).

Neuropatias compressivas com edema de disco óptico


Neuropatias compressivas podem apresentar edema de papila e dobras de coroide (Fig. 1). Esses
achados, caracteristicamente, são observados quando a compressão ocorre ao nível da órbita ante­
rior (próximo ao globo ocular), embora o edema de papila possa ocorrer mais raramente também
em lesões mais profundas na órbita. No entanto, é importante lembrar que a maioria das lesões
compressivas do nervo óptico não causa edema de disco óptico. Exemplos de lesões que compri­
mem o nervo óptico proximal e produzem edema de disco óptico incluem: hemangiomas, linfan-
giomas, gliomas, meningiomas e tumores malignos, como o carcinoma e o linfoma. O edema de
disco também pode ocorrer na neuropatia óptica distireoidiana.
Uma apresentação incomum nas neuropatias compressivas é a do edema de disco sem
perda visual. Assim, embora a perda visual seja um achado frequente e que costuma definir a

Fig. 1 Edema de papila e dobras de coroide em paciente


com neuropatia óptica compressiva.
Neuropatias Ópticas Compressivas | 8 7

existência da neuropatia, ocasionalmente pode haver edema de disco óptico com a acuidade
visual e, mesmo, o campo visual preservados. Essa ocorrência é encontrada particularmente
no hemangioma cavernoso ou linfangioma adjacentes ao disco óptico e, mais raramente, no
meningioma da bainha do nervo óptico. Trata-se, no entanto, de uma ocorrência incomum e,
na maioria dos casos, o exame cuidadoso do campo visual ou da visão de cores revela defeitos
discretos, mesmo quando a acuidade visual é normal.
Outra apresentação incomum nas lesões compressivas é a perda transitória da visão, mas
pode ocorrer em lesões orbitárias associadas à movimentação ocular. Ocasionalmente, tal sin­
toma pode também ocorrer sem relação com a movimentação ocular.

Neuropatias compressivas sem edema de disco óptico


Quando a compressão ocorre nas porções posteriores do nervo óptico, particularmente no
segmento intracraniano do nervo, o edema de disco óptico está ausente. Mesmo em tumores
situados mais anteriormente, o edema de disco óptico pode não estar presente. Os pacientes
podem se apresentar com fundo de olho normal ou com atrofia óptica instalada em graus va­
riáveis. Além disso, tumores de longa duração podem se manifestar, inicialmente, com edema
de disco óptico nas fases iniciais, que é substituído por atrofia óptica nas fases mais avança­
das, quando ocorre a atrofia das fibras nervosas retinianas. Ocasionalmente, as neuropatias
compressivas podem se apresentar com atrofia óptica associada a escavação do disco óptico,
podendo haver confusão diagnóstica com glaucoma.

Exames de neuroimagem
Os exames de neuroimagem desempenham papel fundamental no diagnóstico e tratamento
das neuropatias compressivas. Os mais importantes são a tomografia computadorizada (TC) e
a imagem por ressonância magnética (IRM), embora a ultrassonografia também possa ser de
auxílio nas lesões situadas na órbita anterior. É de fundamental importância a obtenção de
exames de alta resolução, particularmente no caso de lesões discretas, como os meningiomas
da bainha do nervo óptico, ou, ainda, pequenos tumores que acometem o nervo ao nível do
canal óptico, ou mesmo do segmento intracraniano do nervo.

NEUROPATIAS COMPRESSIVAS CAUSADAS POR LESÕES


INTRACRANIANAS

O nervo óptico, no segmento intracraniano, pode ser comprimido por vários tipos de lesões
tumorais, incluindo os adenomas hipofisários, os meningiomas (Fig. 2), os craniofaringiomas,
os aneurismas, os gliomas ópticos, além de infiltrações meníngeas por linfomas ou tumores
metastáticos.
Os adenomas hipofisários são os tipos mais comuns de tumores intracranianos, sem predi­
leção por sexo e acometendo indivíduos mais comumente entre 30 e 40 anos de idade. Mais
comumente, tais lesões comprimem o quiasma óptico, levando a defeito bitemporal de campo
visual. No entanto, podem ocasionar acometimento de um dos nervos ópticos no segmento
intracraniano, com perda visual unilateral, ou, ainda, acometer a junção de um dos nervos
ópticos com o quiasma óptico.
88 I Neuroftalmologia

Fig. 2 Meningioma esfenoidal ocasionando perda visual


por neuropatia compressiva, acomentendo o segmento intra­
craniano do nervo óptico.

Meningiomas suprasselares representam 3 a 10% de todos os meningiomas. Acometem mais


mulheres com idade entre 30 e 60 anos. A maioria dos pacientes apresenta perda progressiva
e assimétrica da acuidade visual. Alguns pacientes apresentam-se com sintomas unilaterais
de perda visual, mas na realidade apresentam também perda visual no olho contralateral de
forma mais discreta.
Craniofaringiomas manifestam-se predominantemente na infância e representam uma por­
centagem significativa dos tumores na criança. Na verdade, sua incidência é bimodal, sendo mais
comuns abaixo dos 18 anos, mas também entre os 50 e 70 anos. As crianças e adolescentes em
geral desenvolvem sintomas de aumento da pressão intracraniana e distúrbios hormonais por
interferência no eixo hipotálamo-hipofisário, tais como deficiência no crescimento, obesidade,
diabetes insípido e hipogonadismo. A maioria dos pacientes desenvolve perda visual progressiva
e defeitos de campo visual, sendo os mais comuns os defeitos bitemporais, hemianopsias ho­
mônimas incongruentes e defeitos indicativos de lesão dos nervos ópticos bilaterais (escotomas
centrais, cecocentrais, paracentrais e arqueados e retrações nasais do campo visual).
Aneurismas da artéria carótida interna, da artéria comunicante anterior ou da junção da
carótida com a artéria oftálmica podem comprimir a porção intracraniana do nervo óptico e
causar uma neuropatia óptica unilateral lentamente progressiva. Observam-se redução pro­
gressiva da acuidade visual e defeitos de campo visual, geralmente do tipo escotoma central
ou cecocentral, ou ainda defeitos periféricos no setor nasal inferior. Ocasionalmente, no en­
tanto, apresentam-se como neuropatia óptica de instalação rápida, o que geralmente é atribuí­
do a sangramento do aneurisma dentro do nervo óptico.
Todos esses tumores (e outros tipos mais raros de compressão, como metástases e infiltra­
ções meníngeas), quando na região suprasselar, podem acometer os nervos ópticos intracra­
nianos e/ou o quiasma óptico. Quando o nervo óptico é acometido na sua porção intracrania­
na, tipicamente não se observa edema de papila, sendo o fundo de olho normal ou com atrofia
óptica, dependendo do tempo de evolução da perda visual. Os pacientes, caracteristicamente,
apresentam perda progressiva da visão do olho acometido. É fundamental o exame de cam­
po visual do olho acometido e, também, do olho contralateral. Em casos de acometimento
do nervo óptico na junção com o quiasma óptico, ocorre uma combinação característica de
Neuropatias Ópticas Compressivas | 8 9

defeito de campo indicativo de lesão do nervo óptico de um lado (p. ex., um escotoma central)
e um defeito de campo temporal superior no olho contralateral (por acometimento de fibras
do olho contralateral que trafegam na região do joelho de Wilbrand ou, ainda, por lesão de
fibras do olho contralateral já no quiasma óptico). A esse quadro sindrômico, usualmente de­
nominamos síndrome juncional (Fig. 3).
Outros tipos de alterações visuais menos comuns podem ocorrer nas lesões compressivas
intracranianas. Em raras ocasiões, perda visual monocular súbita pode ocorrer por compro­
metimento (direto ou devido à interrupção do suprimento vascular) do nervo óptico intracra­
niano secundário a apoplexia pituitária, a meningioma que apresente crescimento rápido e a
ruptura de aneurisma. Quando esse quadro se associa a dor ocular, pode levar a confusão diag­
nóstica com neurite óptica, principalmente nos casos que apresentam melhora inicial após tra­
tamento com corticosteroide. No entanto, deve ser salientado que a perda visual de evolução
rápida é incomum nas neuropatias compressivas.
Outra situação incomum é a ocorrência de defeito altitudinal ou de hemianopsia nasal nas
lesões compressivas pré-quiasmáticas. O defeito perimétrico altitudinal pode ocorrer quando
os nervos ópticos são comprimidos inferiormente, produzindo defeito superior. Hemianopsia
nasal respeitando o meridiano vertical pode ser causada por lesões que crescem entre os ner­
vos ópticos e os empurram contra a artéria cerebral anterior ou carótida interna, acometendo
as fibras temporais, uni ou bilateralmente. Esse tipo de apresentação da neuropatia intracra­
niana compressiva é muito infrequente, embora já tenha sido relatada associada a aneurisma
suprasselar, artéria carótida interna dolicoectásica, aracnoidite optoquiasmática, adenoma pi­
tuitário e meningioma.
Atrofia óptica em um olho e edema de papila no outro podem ocorrer por compressão
assimétrica dos nervos ópticos ou, classicamente, por compressão direta do tumor em um dos
nervos ópticos e papiledema no outro, por aumento da pressão intracraniana. Esse quadro,
conhecido por síndrome de Foster Kennedy, podem ocorrer nos tumores de lobo frontal e nos
meningiomas da goteira olfatória, e pode associar-se a anosmia.

Fig. 3 Campo visual evidenciando escotoma central no olho direito e defeito temporal no olho esquerdo
indicativo de lesão na junção do nervo óptico direito com o quiasma óptico (síndrome juncional).
9 0 I Neuroftalmologia

As lesões acometendo o nervo óptico na porção intracraniana são identificadas através de


exames de neuroimagem, principalmente a TC e a 1RM. O tratamento de tais lesões depende
do diagnóstico específico, sendo na maioria das vezes a remoção cirúrgica.

NEUROPATIAS ÓPTICAS POR COMPRESSÃO DO NERVO ÓPTICO


NO SEGMENTO INTRACANALICULAR
O nervo óptico, no segmento intracanalicular, pode ser acometido por afecções ósseas como
a displasia fibrosa e a osteopetrose, por tumores primários benignos e malignos ou metastáti-
cos e por mucoceles do seio etmoidal ou esfenoidal.
Displasia fibrosa é uma doença óssea não hereditária, de origem desconhecida, que leva
à anomalia do mesênquima, a qual se manifesta como um defeito na diferenciação e matura­
ção óssea. Pode ocorrer na forma de uma lesão única (forma monostótica) ou múltipla (for­
ma poliostótica). Manifesta-se mais comumente entre 3 e 15 anos. Entre 10 e 50% dos casos,
ocorre na forma craniofacial, na qual o crescimento anormal do osso no canal óptico pode
levar à neuropatia óptica compressiva. A perda visual é usualmente lenta, em decorrência do
acometimento de ossos adjacentes ao canal óptico (osso etmoide e asa menor do esfenoide)
(Fig. 4). Perda visual súbita ou com rápida evolução pode ocorrer quando a anomalia óssea
se associa com mucocele, hemorragia ou cisto hemorrágico. Perda visual gradual ocorre por
comprometimento direto do nervo óptico por estenose do canal óptico. O disco óptico pode
parecer normal ou evidenciar atrofia óptica. Quando existe perda progressiva da visão, pode
ser necessária a cirurgia descompressiva do canal óptico.
Osteopetrose é uma doença hereditária rara caracterizada pelo impedimento dos osteo-
clastos em reabsorver osso, resultando em fragilidade óssea a despeito do aumento da massa
óssea, insuficiência de hematopoiese e compressão de pares cranianos como resultado da es­
tenose dos forames da base do crânio. A perda visual na osteopetrose comumente se instala
de modo gradual e pode ser devida a essa estenose localizada no canal óptico ou ao aumento
da pressão intracraniana e papiledema secundário à estenose do forame magno.
Meningioma da bainha do nervo óptico, na região intracranalicular, comumente represen­
ta extensão deste, localizado na órbita posterior, ou invasão do meningioma periforaminal,
localizado na clinoide anterior ou tubérculo selar. Embora seja pouco frequente, o meningio­
ma intracanalicular apresenta relevância clínica devido à dificuldade diagnóstica que acarreta,
sendo necessário exame de imagem de alta resolução para sua identificação, e é discutido em
mais detalhes a seguir.

Fig. 4 Displasia fibrosa acometendo a região do canal ópti­


co e provocando perda visual por lesão compressiva do nervo
óptico.
Neuropatias Ópticas Compressivas | 91

Tumores malignos de seios paranasais são lesões relativamente infrequentes que ocorrem
predominantemente em homens na sexta década; dentre estas, o carcinoma de células esca­
mosas é a mais frequente. A localização mais típica dessas neoplasias é o seio maxilar, seguido
do seio etmoidal e, raramente, do seio esfenoidal. Assim, devido a esse padrão de localização
do tumor, a perda visual ocorre menos comumente do que outras disfunções de pares cra­
nianos, como diplopia e paralisia facial. Entretanto, quando ocorre perda visual, esta pode se
instalar de forma subaguda e, rapidamente, evoluir para grave acometimento da função visual.
Mucoceles são expansões císticas dos limites ósseos dos seios paranasais devido à obstru­
ção do óstio de drenagem. Mucocele esfenoidal ou etmoidal posterior (esfeno-etmoidal) pode
se expandir lateralmente e acometer o canal óptico adjacente. Comumente, a perda visual é
lentamente progressiva e unilateral, embora instalação súbita e acometimento bilateral pos­
sam ocorrer e levar a confusão diagnóstica com apoplexia hipofisária, ou mesmo com neurite
retrobulbar. Os pacientes usualmente se apresentam com dor fronto-orbital, perda visual e
paresias de nervos cranianos, envolvendo o oculomotor ou abducente. Aos exames de neuroi-
magem, as mucoceles esfenoidais têm aspecto cístico com alta intensidade do sinal. A muco­
cele pode também acometer a órbita, causando oftalmoplegia restritiva e, mesmo, proptose.
O tratamento é cirúrgico e, quando realizado precocemente, leva à recuperação importante
da função visual. Se a cirurgia não for realizada logo após a perda visual, poderá haver recupe­
ração incompleta da visão.

NEUROPATIAS ÓPTICAS POR COMPRESSÃO OU INFILTRAÇÃO


NO SEGMENTO ORBITÁRIO DO NERVO ÓPTICO

No segmento orbitário, o nervo óptico pode ser acometido por neuropatias infiltrativas, cau­
sadas por tumores primários do nervo óptico, como os gliomas e os meningiomas, ou secun­
dários por infiltrações do nervo óptico. Podem ainda ser acometidos por tumores orbitários
extrínsecos que comprimem o nervo óptico.

Glioma do nervo óptico


Gliomas ópticos são tumores gliais que envolvem a via visual anterior, ou seja, os nervos óp­
ticos, o quiasma e/ou os tratos ópticos. São tumores benignos compostos primariamente por
astrócitos pilocíticos. São relativamente raros, respondendo por 1%de todos os tumores intra­
cranianos e aproximadamente 3 a 5% dos tumores cerebrais na infância. Ocorrem preponde­
rantemente na infância, com cerca de 70% dos casos incidindo até os 10 anos de idade, e 90%
nas duas primeiras décadas de vida.
A maioria dos tumores é de ocorrência esporádica, mas há uma associação clara com a
neurofibromatose tipo 1 (NF1). A incidência de NF1 em pacientes com glioma óptico varia
entre 10 e 70% em diversas séries, dependendo da extensão da investigação a que são sub­
metidos e do tipo de paciente avaliado em diferentes instituições. A estimativa é também
influenciada pela idade da população avaliada, já que as características da neurofibromatose
se tornam mais aparentes com o aumento da idade. Em pacientes com NF1 submetidos a exa­
mes de neuroimagem, os tumores são detectados em cerca de 15%, e podem ser assintomáti-
cos. Gliomas confinados a um nervo óptico representam em torno de 25% dos gliomas da via
9 2 | Neuroftalmologia

óptica, e os demais acometem o quiasma óptico, os tratos ópticos ou os dois nervos ópticos.
Tumores bilaterais do nervo óptico são quase sempre associados a NF1. Os tumores isolados
ocorrem com igual incidência nos dois sexos, mas estudos recentes sugerem uma preponde­
rância (67%) no sexo feminino nos gliomas associados a NF1.
O principal achado clínico nos gliomas da via óptica é a perda visual, presente em tor­
no de 90% dos pacientes. Ocorre perda de acuidade e de campo visual caracterizada por
escotomas centrais e cecocentrais, defeitos altitudinais, contração periférica e hemianopsia
temporal. A perda de acuidade visual é variável; mais da metade dos pacientes se apresenta
com acuidade visual de 20/300 ou pior. Defeito pupilar aferente relativo pode ser observado
em, pelo menos, 75% dos indivíduos acometidos. Outros sintomas dependem da localização
do tumor. Tumores que envolvem a órbita podem apresentar manifestações orbitárias, en­
quanto aqueles confinados à região intracraniana podem estar associados a sintomas neu­
rológicos. A duração dos sintomas antes do diagnóstico é geralmente de 2 a 12 meses, mas
pode ser muito mais longa.
Nos tumores que envolvem a órbita, pode-se observar proptose axial, edema de papila,
dobras de coroide, palidez papilar e estrabismo. De acordo com uma revisão da literatura de
383 pacientes, a atrofia óptica foi o achado fundoscópico em 66% dos casos, e o edema de dis­
co em um terço. Pode haver também restrição mecânica da motilidade ocular. A perda visual e
a proptose geralmente são lentamente progressivas, mas podem ser de evolução rápida quan­
do há hemorragia espontânea dentro do tumor. A dor habitualmente está ausente.
Deve-se enfatizar que nem todos os gliomas do nervo óptico são sintomáticos e que al­
guns são compatíveis com função visual clinicamente normal. Os tumores situados no quiasma
óptico não apresentam proptose e, tipicamente, apresentam defeito de campo bitemporal.
Nistagmo ocorre em 23% dos pacientes com glioma óptico e geralmente sugere o acometi­
mento intracraniano do tumor. Os tumores situados na região quiasmática podem também
apresentar distúrbios endócrinos sugestivos de disfunção hipotalâmica decorrente de exten­
são do tumor, e podem também apresentar hipertensão intracraniana e hidrocefalia.
O diagnóstico do glioma do nervo óptico pode ser confirmado à TC e à 1RM. A TC de alta
resolução mostra um nervo com alargamento fusiforme, margens bem definidas e membrana
durai intacta. Eventualmente, o nervo pode se apresentar espessado de uma maneira unifor­
me. Observam-se, com frequência, tortuosidades aumentadas do nervo que são decorrentes
de redundância do nervo óptico, melhor evidenciadas à IRM em cortes sagitais. O tumor tem
a mesma densidade do cérebro e capta pouco contraste. À tomografia, podem ser observadas
áreas de baixa densidade dentro do nervo, provavelmente decorrentes de degenerações cís­
ticas, com acúmulo de mucina. Calcificações são raras nos gliomas. O canal óptico frequente­
mente está alargado. Quando o glioma acomete o quiasma óptico, a imagem é de um aumento
bem delimitado deste, como uma massa arredondada ou globular de tamanho variável. Pode
existir aumento tubular dos nervos ópticos intracranianos ou mesmo dos tratos ópticos asso­
ciados à lesão do quiasma.
A IRM é o exame que oferece a melhor resolução e sensibilidade na visibilização dos
gliomas da via óptica anterior. O tumor aparece como uma lesão isointensa ou discretamente
hipointensa em T l, quando comparada com o nervo óptico normal e ao cérebro. Em T2, a
imagem é hiperintensa. A impregnação com o contraste paramagnético é variável. A IRM nos
permite definir com maior precisão a extensão da lesão, pois algumas vezes é difícil saber
Neuropatias Ópticas Compressivas | 9 3

com a tomografia computadorizada até onde vai o glioma, na sua porção mais distai na órbita
(Fig. 5). Deve ser obtida com sequências baseadas em TI e em T2 após a administração de
contraste. Na região orbitária, é importante também a obtenção de sequências com densidade
de prótons ou fluid-attenuated inversion recovery (FLAIR). Desse modo o padrão de gliomatose
perineural, presente em muitos tumores, aparece como uma lesão sólida e pode ser diferen­
ciada do aspecto que simula a presença de fluido, visto nas sequências baseadas em TI e T2.
AIRM permite também observar sinais característicos do glioma associado a NF1. Essas carac­
terísticas são: a bilateralidade, o alongamento do nervo e um alargamento tubular com dupla
intensidade de sinal à IRM, característico da gliomatose aracnoide perineural. Outro sinal im­
portante da associação com neurofibromatose é a extensão posterior do tumor em direção ao
quiasma e trato ópticos. Lesões hiperintensas em T2, localizadas no globo pálido, cerebelo,
cápsula interna e tronco encefálico, também podem ser vistas em pacientes com NF1. O as­
pecto aos exames de neuroimagem associado aos dados clínicos geralmente é suficiente para
o diagnóstico, e a biópsia não se justifica a não ser em casos excepcionais, principalmente em
tumores grandes e atípicos na região quiasmática.
Os achados histopatológicos mostram uma lesão benigna. Gliomas ópticos são astrocito-
mas pilocíticos juvenis, classificados pela OMS como tumores grau I. São caracterizados pela
presença de fibras de Rosenthal e corpos granulares eosinofílicos. Observa-se proliferação de
astrócitos pilocíticos. Astrócitos geminocísticos podem estar presentes, mas são raros. Na
maioria dos tumores, encontram-se espaços microcísticos com ácido mucopolissacáride, que
são atribuídos à degeneração mucinoide de astrócitos e elementos neuronais. Dois padrões
histopatológicos distintos podem ser observados: um padrão de crescimento perineural, que
é mais associado à NF1, e um padrão de crescimento intraneural, mais comum nos casos es­
porádicos.
A história natural dos gliomas mostra que a maioria dos tumores não se altera substan­
cialmente em tamanho e forma ao longo dos anos. Ocasionalmente, no entanto, aumentam
de tamanho, o que pode ser atribuído não só a um crescimento neoplásico (geralmente muito
lento), mas também a hiperplasia aracnóidea na periferia do tumor e degeneração cística no
interior da lesão, com acúmulo de material polissacáride. Todos esses fatores podem contri­
buir para a leão axonal por compressão das fibras. Perda visual rápida pode ocorrer, mas geral­
mente não é por crescimento neoplásico e, sim, por degeneração cística e hemorragia dentro
do tumor. Pode também haver redução espontânea do tumor, com diminuição do seu tamanho
e, mesmo, melhora visual, principalmente nos tumores associados a NF1, como documentado
em um série de 13 pacientes descritos por Parsa et al.

Fig. 5 Imagem por ressonância magnética de paciente com


glioma óptico.
9 4 | Neuroftalmologia

0 tratamento dos gliomas do nervo óptico é objeto de controvérsia. O crescimento da le­


são pode existir em decorrência de proliferação celular, hiperplasia aracnoide reativa ao tumor
ou acúmulo de material extracelular secretado pelo tumor. Crescimentos mais rápidos geral­
mente são devidos a degeneração cística e hemorragia dentro da lesão. No entanto, em geral
o crescimento é muito lento, e a maiorias dos tumores tem um prognóstico relativamente bom
(considerando-se a localização da lesão), mesmo do ponto de vista visual. Em revisão de 300
casos de glioma da via óptica anterior, Borit e Richardson, observaram que apenas 21% dos
tumores não tratados ou ressecados parcialmente evidenciaram progressão ou recidiva em um
seguimento de 10 anos. Em outro estudo de 62 pacientes com gliomas unilaterais do nervo
óptico não tratados ou submetidos a ressecção parcial, apenas 19%apresentaram crescimento
tumoral em um seguimento de 7 anos. Contrastando com essa evolução, existem relatos de
evolução desfavorável e crescimento tumoral significativo.
Parece então haver dois grupos de pacientes: um deles, muito mais numeroso, com cres­
cimento muito lento; e outro, menos comum, com progressão da lesão e que pode necessi-
r

tar tratamento. E claro que a remoção completa do tumor, sempre que possível, confere um
prognóstico bastante bom aos pacientes. Por outro lado, muitos casos existem, especialmente
quando associados a NF1, nos quais o tumor atinge o quiasma óptico e a sua remoção comple­
ta é impossível sem sacrificar a visão. Em outras eventualidades com evolução desfavorável,
é, por vezes, difícil saber se representam extensão real do tumor ou crescimento de células
tumorais preexistentes na região intracraniana. Não há dúvida também, de que pacientes com
proptose intensa e desfigurante podem beneficiar-se da remoção do tumor, mesmo que in­
completa, objetivando uma melhora do aspecto estético.
A conduta frente aos gliomas ópticos deve, portanto, ser individualizada conforme o local
e extensão do tumor. Pacientes com tumor localizado na órbita e visão ainda relativamente
preservada devem ser acompanhados apenas com observação, já que a cirurgia para remoção
usualmente leva à perda completa da visão e não se sabe de início se existirá de fato progres­
são da lesão. O mesmo se aplica a casos de tumores que acometem o quiasma ou o trato óp­
tico em pacientes com boa visão.
A piora progressiva é a maior indicação para tratamento dos gliomas, mas a análise deve
basear-se nos dados clínicos, e não apenas no aspecto aos exames de imagem. O tratamento
cirúrgico dos tumores restritos à órbita teria o objetivo de evitar a progressão do tumor em
direção intracraniana. Essa não é uma ocorrência comum, e alguns autores acreditam que
seja extraordinária a invasão intracraniana em gliomas ópticos infantis inicialmente restritos
à órbita, com o que concordamos. Assim, deve-se analisar com cuidado a possível indicação
da cirurgia nesses casos, particularmente nos indivíduos com visão ainda útil, já que a cirurgia
usualmente leva à cegueira por remoção do nervo óptico. Em casos raros, nos quais existe
hiperplasia aracnoide perineural importante, pode ser feita a abertura da cápsula tumoral e
remoção por aspiração do tumor com preservação e até melhora na visão, como foi recente­
mente documentado por Chen et a/., embora essa seja uma situação bastante incomum.
Nos pacientes com tumor limitado à órbita, já com a visão muito comprometida ou cegueira
completa, e nos quais a remoção cirúrgica pode ser realizada com segurança, a cirurgia é indi­
cada, particularmente quanto existe proptose significativa. Por outro lado, pacientes com tumo­
res orbitais que já têm extensão, atingindo o quiasma óptico, não devem ser operados, a não
ser que exista indicação cosmética para tratamento da proptose. Os pacientes com visão ainda
Neuropatias Ópticas Compressivas | 9 5

preservada e tumores restritos ao nervo óptico podem ser seguidos com avaliações periódicas da
função visual e através dos métodos de imagem, em especial a IRM. Se houver evidências conclu­
sivas de crescimento do tumor na direção intracraniana, a cirurgia pode ser indicada. Quando da
remoção cirúrgica, deve-se ter cuidado ao se abordar a região do ápice da órbita, particularmente
a região do anel de Zinn, uma vez que pode causar grande deformidade cosmética, muitas vezes
de difícil reabilitação. No caso de tumores que acometem o quiasma, a remoção cirúrgica pode
levar a cegueira completa e deve ser evitada. Alguns autores sugerem redução do volume tumo-
ral ou de eventuais componentes exofíticos da lesão quiasmática. Tumores intracranianos podem
também requerer cirurgia quando causam complicações, como hipertensão intracraniana.
Outras opções terapêuticas para os gliomas são a radioterapia e quimioterapia, mas o
seu uso também é motivo de controvérsia. Geralmente, essas modalidades de tratamento são
consideradas em tumores que se estendem ao quiasma óptico, ao hipotálamo ou ao nervo óp­
tico contralateral e que evidenciam progressão. A radioterapia foi mais utilizada no passado e
existem estudos indicando regressão tumoral significativa, enquanto outros estudos falharam
em confirmar qualquer benefício na acuidade visual e na sobrevivência em longo prazo. Para
tumores quiasmáticos, um estudo mostrou que 80% dos pacientes tratados com radioterapia
de 4.500 cGy a 5.500 cGy tiveram estabilização ou redução do tumor aos estudos radiológicos.
Por outro lado, nos estudos de Hoyt e Baghdassarian e de Glaser etal. o resultado visual não foi
correlacionado com a realização ou não de radioterapia, e também não houve diferença em ou­
tros parâmetros analisados entre pacientes tratados e os que não receberam o tratamento. De
qualquer modo persiste a sugestão de que a radioterapia pode retardar a progressão da doen­
ça, particularmente em lesões quiasmáticas. No entanto, deve-se ter em mente os efeitos adver­
sos potenciais da radioterapia sobre o sistema nervoso central de crianças, particularmente as
oclusões vasculares induzidas pela radioterapia, sempre que se pensar nessa forma alternativa
de tratamento. A radioterapia pode ainda causar alterações nas funções cognitivas, hipopitui-
tarismo e, também, um aumento na incidência de tumores secundários, particularmente em
pacientes com NF1. É possível que novas técnicas de radioterapia que possibilitem atingir mais
especificamente o tumor, seja na forma fracionada, seja na forma de radiocirurgia, melhorem os
resultados da radioterapia, mas estudos bem controlados ainda são necessários para uma me­
lhor definição, e o uso da radioterapia, no momento, fica limitado a tumores intracranianos de
evolução desfavorável com outras modalidades de tratamento e em crianças acima de 5 anos.
Nos últimos anos, muita atenção tem sido dada à quimioterapia nos gliomas ópticos.
Até o momento, não há evidências que suportem o seu uso em gliomas confinados a um dos
nervos ópticos, mas o tratamento é o preferido quando o glioma acomete o quiasma óptico e
necessita de tratamento. Muitos autores sugerem que, mesmo sem ser curativo, o tratamento
pode estabilizar ou reduzir a taxa de crescimento do tumor. A quimioterapia é geralmente fei­
ta com vincristina e carboplatina. Packer et al. relataram estabilização da doença em 75% dos
casos após 2 anos e 68% após 3 anos. No entanto, outros estudos mostraram taxas de sucesso
mais variáveis. Fisher et al. relataram estudo retrospectivo de 115 pacientes com glioma da
via óptica associados a NF1 tratados de janeiro de 1997 a dezembro de 2007 em diferentes
instituições nos Estados Unidos. Dezessete tinham tumores limitados ao nervo óptico, 27 ao
quiasma, 16 no hipotálamo e 55 tinham lesões no trato óptico/radiação óptica. A indicação
para tratamento foi a piora da acuidade visual e a progressão do tumor. Oitenta e oito pacien­
tes (168 olhos) puderam ser avaliados no seguimento. Após o tratamento, a acuidade visual
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melhorou em 32% dos indivíduos, permaneceu estável em 40% e piorou em 28%. Grande parte
dos pacientes, no entanto, tinha menos de 5 anos no início da quimioterapia, e é possível que
isso tenha influenciado na avaliação da função visual. O estudo ressalta a falta de consenso
a respeito das indicações da quimioterapia para esses tumores e a necessidade de novos es­
tudos controlados para melhor definir tais indicações. De qualquer modo, a quimioterapia é
o tratamento indicado nos casos de glioma que atinjam o quiasma óptico e que evidenciem
piora progressiva e crescimento tumoral.
A mortalidade relacionada com os gliomas ópticos limitados ao nervo óptico é muito bai­
xa. Por outro lado, tumores intracranianos que envolvem o quiasma e o trato óptico têm um
prognóstico pior, com taxa de mortalidade em torno de 21% no casos de tumores quiasmáticos
e em torno de 50% nos tumores mais posteriores.
Todas essas considerações relativas ao aspecto histológico, quadro clínico, evolução e trata­
mento dos gliomas não se aplicam a uma variante muito rara, denominada glioma maligno do adulto.
Essa é uma condição totalmente diferente do glioma habitual da via óptica e tem quatro característi­
cas principais, descritas por Hoyt etal. em 1973:1) ocorrência em homens de meia-idade ou idosos;
2) sintomas iniciais que simulam uma neurite óptica, com perda visual de evolução rápida; 3)
progressão para cegueira em 5 a 6 semanas; e 4) morte em alguns meses. Outros estudos mos­
traram que a idade média de acometimento é de 52 anos e que o tumor maligno também pode
ocorrer em mulheres e, muito raramente, na população pediátrica. Esses tumores malignos são
astrocitomas de alto grau, também chamados glioblastomas multiformes. Não há evidência de
que tais tumores possam originar-se de gliomas benignos, e as duas condições são consideradas
totalmente distintas. Portanto, embora aqui mencionados para maior clareza do tema, deve-se
ter em mente que é uma condição muito distinta do glioma óptico aqui discutido, e a sua exis­
tência não pode ser motivo para confundir o manejo dos gliomas ópticos habituais.

Meningioma da bainha do nervo óptico


Os meningiomas orbitários podem ser provenientes das meninges do nervo óptico intra-
orbitário (meningioma da bainha do nervo óptico) ou de extensão orbitária de meningioma
que se origina no canal óptico, asa do esfenoide e goteira olfatória. Muito raramente, podem
ser originários de células aracnóideas ectópicas na órbita. Representam 1,3% de todos menin­
giomas e cerca de 5,7% dos tumores orbitários primários.
Os meningiomas da bainha do nervo óptico (MBNO) originam-se das meninges do nervo
óptico, constituem aproximadamente 2% dos tumores orbitários e podem surgir da porção in-
traorbitária ou intracanalicular do nervo. A idade média de início da doença está em torno dos
40 anos, e cerca de 60% dos pacientes acometidos são do sexo feminino. No entanto, a afecção
já foi descrita em pessoas com a idade variando entre 3 e 80 anos. A lesão tipicamente tem
crescimento lento, mas, quando ocorre na infância, pode ter um comportamento mais agressi­
vo, com maior taxa de crescimento e de invasão intracraniana. O tumor pode também apresen­
tar uma maior tendência a crescimento durante a gravidez. A lesão é tipicamente unilateral,
embora 5% dos casos possam ser bilaterais. Tumores bilaterais ocorrem mais comumente em
pacientes com neurofibromatose tipo 2, que constitui um fator predisponente para a afecção.
Os MBNO originam-se de células meningoteliais localizadas no nervo óptico intraorbi-
tário ou intracanalicular. Interferem na função do nervo óptico pelo efeito de massa e no
Neuropatias Ópticas Compressivas | 9 7

suprimento vascular piai do nervo, que leva a alterações isquêmicas. Os tumores tendem a
crescer de forma circunferencial ao redor do nervo, o que os torna irressecáveis sem com­
prometer a função visual. Do ponto de vista histológico, podem apresentar o padrão menin-
gotelial, no qual células policlonais estão dispostas em camadas separadas por trabéculas; o
padrão fibroblástico, no qual células fusiformes em disposição paralela estão entremeadas
com colágeno e reticulina; e o padrão transicional, no qual células ovais ou fusiformes estão
dispostas em espirais, frequentemente com um centro hialinizado e com deposição de cálcio
(corpos psamomatosos). Figuras de mitose são pouco frequentes no MBNO.
Quase a totalidade dos pacientes com MBNO se apresenta com uma perda visual lenta­
mente progressiva e indolor (presente em 96% dos casos). Em uma revisão realizada por Dut­
ton, 45% dos pacientes com MBNO tinham acuidade visual de 20/40 ou melhor, enquanto 25%
tinham acuidade muito ruim (de conta-dedos, percepção luminosa ou ausência de percepção
luminosa). Outras manifestações encontradas são: discromatopsia, defeito pupilar aferente,
escotomas e obscurecimentos transitórios da visão. A maioria (cerca de 80%) tem distúrbios
de campo visual, geralmente dos tipos: constrição periférica, escotoma central e paracentral,
defeitos altitudinais e aumento da mancha cega. Proptose é encontrada no exame inicial de
65% dos pacientes, podendo ser discreta, a moderada (2 a 5 mm). A limitação da motilidade
ocular é pouco frequente e discreta, e ocorre apenas nos tumores maiores.
Edema de papila é um achado precoce em 50% dos pacientes, por vezes precedendo a baixa
da acuidade visual. Caracteristicamente, ocorre nos casos em que o tumor se estende até junto
ao globo ocular. A atrofia óptica é um achado mais tardio, observado em 66% dos casos na épo­
ca do diagnóstico da doença. Embora ocorram em somente 33% dos casos, a presença de veias
optocoroidais no disco óptico é considerada um achado importante no diagnóstico do MBNO
(Fig. 6). Apesar de ocorrer em outras condições, quando associados à perda progressiva da visão
e palidez de papila, constitui-se numa tríade de achados virtualmente diagnóstica do MBNO.
ATC demonstra um alargamento do nervo óptico, geralmente começando na região apical. O
alargamento geralmente tem um padrão tubular difuso, mas eventualmente pode apresentar-se
de forma globular ou fusiforme. O tumor frequentemente é hiperdenso, apresentando realce
com a injeção intravenosa de contraste. Um sinal característico, mas não patognomônico, dos
MBNO é a formação do sinal em “trilho de trem”, um sinal radiográfico no qual a bainha densa

Fig. 6 Edema pálido de papila e vasos optocoroidais no dis­


co óptico em paciente com meningioma da bainha do nervo
óptico.
9 8 I Neuroftalmologia

e espessada do nervo óptico delimita uma área central hipodensa, que representa o nervo óp­
tico residual (Fig. 7). Na fase com contraste ocorre um realce periférico que varia de moderado
a intenso. Hiperostose de ossos adjacentes, achado comum nos meningiomas intracranianos, é
menos frequente nos MBNO. Calcificação é um achado importante à TC, pois, ocorrendo entre
20 e 50% dos casos, auxilia no diagnóstico diferencial com os gliomas do nervo óptico.
A 1RM é o método mais sensível para detectar o MBNO e definir a sua extensão, incluindo
a capacidade de visibilizar o tumor dentro do canal óptico e de eventual extensão intracra­
niana. É considerado o exame de escolha, já que permite uma melhor definição da presença e
extensão do tumor. Para a melhor definição do tumor, é importante a utilização de contraste
paramagnético e de técnicas capazes de fazer a subtração da gordura. Do mesmo modo que
os meningiomas intracranianos, o MBNO é uma lesão que realça com contraste. O exame
demonstra um espessamento do nervo e da bainha, sendo isointenso em TI e T2 em relação
ao cérebro. O tumor mostra aumento do sinal com realce importante ao se administrar gado-
línio, o que permite uma boa definição da lesão, quando comparada com o nervo normal, e
da delimitação de sua extensão (Fig. 8). A imagem em “trilho de trem” também é evidenciada
à IRM e consiste em um nervo espessado com sinal aumentado na parte periférica e um ner­
vo menos intenso no meio. No entanto, apesar da superioridade da IRM, a TC pode ser útil

Fig. 7 Tomografia computadorizada de órbita com con­


traste mostrando espessamento do nervo óptico com realce
periférico (sinal em "trilho de trem").

Fig. 8 Meningioma da bainha do nervo óptico. Acima, ima­


gem por ressonância magnética evidenciando o tumor.
Abaixo, tomografia computadorizada revelando calcificação
na região do tumor.
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demonstrando a calcificação no tumor, o que não pode ser visto à IRM (Fig. 8). O formato mais
comum é de uma lesão tubular que se estende até o ápice da órbita, até o globo ocular, ou,
ainda, apresenta-se em apenas um segmento do nervo.
Algumas outras lesões do nervo óptico podem simular a aparência do MBNO e devem ser
consideradas no diagnóstico diferencial, e incluem: o pseudotumor inflamatório da órbita (na
forma de perineurite óptica), a sarcoidose, os tumores metastáticos ao nervo óptico, o glioma
óptico, o hemangiopericitoma e o hemangioblastoma do nervo óptico.
Os MBNO são tumores benignos com crescimento muito lento ao longo de vários anos.
Tipicamente são unilaterais e raramente se estendem para dentro do crânio. A perda da visão
de um dos olhos é, portanto, a sua morbidade principal, e muitos pacientes mantêm uma vi­
são relativamente boa por muitos anos. Em estudo de Egan e Lessel, 56% de 16 pacientes com
MBNO seguidos por 10 anos tiveram a acuidade visual de 20/30 ou melhor. Por outro lado,
estudos de Kennerdell et al. e Turbin et al. indicam que 85% dos pacientes apresentam piora
progressiva da visão. No estudo de Saeed et a/., 35% dos pacientes mantiveram acuidade visual
de 20/50 ou melhor, durante um período de seguimento de 5,2 anos.
O objetivo do tratamento dos MBNO é o controle do crescimento tumoral e a preservação
da visão. Devido à história natural, que muitas vezes é de evolução relativamente benigna, nos
casos confinados à órbita e com visão preservada a melhor conduta é a observação apenas
com exames periódicos da função visual e exames de imagem para avaliar se existe ou não
crescimento tumoral. A cirurgia radical para remoção do tumor deve ser evitada nos casos
com boa visão e crescimento lento, já que leva à perda completa da visão na maior parte dos
casos. Nos pacientes que apresentam piora progressiva da visão com extensão intracraniana
documentada aos exames de imagem, mas ainda com visão útil, a radioterapia é o tratamento
de escolha no sentido de preservar a visão e reduzir as chances de crescimento do tumor. A
biópsia da bainha do nervo óptico é raramente necessária, já que o diagnóstico é usualmente
feito com bases clínicas associadas aos exames de imagem. A despeito da noção histórica de
que os meningiomas em geral são radiorresistentes, a estabilização, ou mesmo melhora da
visão, já foi observada por vários autores. Dutton revisou a literatura (1992) quanto aos casos
tratados com radioterapia e observou que a acuidade visual melhorou em 75% dos casos, per­
maneceu estável em 8% e piorou em 17% dos pacientes tratados. No entanto, o tratamento não
ganhou aceitação geral pelo medo de apresentar efeitos colaterais. Turbin et al. relataram 64
pacientes com MBNO nos quais as lesões foram conduzidas com a observação apenas, cirurgia
isolada, cirurgia com radioterapia no pós-operatório ou radioterapia isolada, e concluiu que
o tratamento com a radioterapia isolada é o que leva a melhor resultado visual. No entanto,
33% dos pacientes desenvolveram complicações da radioterapia convencional, incluindo reti-
nopatia da irradiação, oclusão vascular retiniana, irite persistente e atrofia do lobo temporal.
Avanços tecnológicos permitiram reduzir a exposição dos tecidos vizinhos à irradiação,
e possibilitaram um tratamento mais certeiro à lesão com melhora na segurança e eficácia da
radioterapia no tratamento do MBNO. Várias técnicas estão disponíveis, e, em essência, utili­
zam recursos que permitem uma maior precisão em relação à forma da lesão a ser irradiada,
as chamadas radioterapias conformais e que, no caso do MBNO, devem ser fracionadas em do­
ses. Usando tais técnicas, é possível administrar uma dose suficiente de radioterapia ao MBNO
com um feixe mais focalizado, poupando os tecidos vizinhos da irradiação e minimizando os
efeitos colaterais. Berman e Miller resumiram, em 2006, os dados de 7 séries de pacientes com
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MBNO que foram tratados com radioterapia conformai fracionada (um total de 75 pacientes)
e encontraram o controle da doença em 94,6% e a melhora visual em 54,7% dos casos nos pri­
meiros 3 meses após o tratamento. Nenhum dos pacientes apresentou crescimento tumoral
após o tratamento. As complicações incluíram cefaleia, náuseas, eritema local, alopecia focal e
retinopatia da irradiação. Em outros trabalhos, complicações tardias com disfunção pituitária
e doença de pequenos vasos cerebrais já foram relatadas em até 10% dos pacientes submeti­
dos a esse tipo de tratamento.
Mais recentemente, Bloch et al. revisaram os trabalhos que utilizaram radioterapia fracio­
nada, com atenção para os avanços recentes das técnicas de radioterapia e o seu impacto no
tratamento desses tumores. Observaram que a taxa de controle da doença se aproxima de 100%,
com mais de 80% de preservação ou melhora da visão com o tratamento. As diversas variações de
técnicas de radioterapia modernas parecem não influenciar significativamente o controle da do­
ença, contanto que uma dose total de 50 a 54 Gy seja administrada ao tumor e a dose fracionada
seja menor que 2 Gy em cada sessão. A radiocirurgia (administração de uma só vez de radiote­
rapia localizada) não é utilizada no tratamento do MBNO devido à toxicidade ao nervo óptico.
O tratamento com exérese cirúrgica ou com biópsia da lesão já foi utilizado no passado,
mas é associado a grande morbidade visual e cegueira na maiorias dos casos. Assim, a cirurgia
para pacientes com visão útil não é utilizada na atualidade, e as biópsias da lesão foram aban­
donadas a não ser em casos muito atípicos. Uma vez instalada a cegueira, a extirpação cirúr­
gica pode estar indicada nos casos em que o tumor apresente sinais de expansão em direção
ao espaço intracraniano e para o alívio de proptose desfigurante, de dor orbitária ou de com­
plicações intraoculares. No entanto, mesmo nos casos de cegueira completa, a conduta pode
ser conservadora ou pela radioterapia (quando se procura reduzir as chances de crescimento
intracraniano), uma vez que a cirurgia para remoção completa da lesão, e principalmente da
porção do tumor junto ao ápice orbitário, pode levar a complicações estéticas importantes.
O prognóstico de vida para os portadores de meningiomas da bainha do nervo óptico é
excelente, situando-se a mortalidade diretamente relacionada à doença em torno de 0,2%. Por
outro lado, o prognóstico para a função visual não é bom. Mesmo com o controle da doença,
muitos pacientes permanecem com déficit visual significativo e alguns evoluem para cegueira
no olho afetado.

Neuropatias infiltrativas da órbita decorrentes de tumores malignos


A infiltração do nervo óptico pode ocorrer em uma porcentagem pequena de pacientes com
linfoma não Hodgkin e, mais raramente, no linfoma de Hodgkin. Quando o linfoma acomete
o sistema nervoso central, por outro lado, a incidência de acometimento ocular é maior, em
torno de 20 a 25% dos casos. A perda visual geralmente ocorre em pacientes com diagnóstico
já estabelecido dessas afecções, mas pode também ser o sinal de apresentação. A perda vi­
sual pode ser lentamente progressiva ou, ocasionalmente, ter evolução aguda, dependendo,
em grande parte, do local de acometimento do nervo, e do tipo de linfoma. O fundo de olho
pode ser normal, no caso do acometimento de porções posteriores do nervo, ou apresentar-se
com edema de papila nos acometimentos mais anteriores. Pode também haver acometimento
sub-retiniano e uveíte associada. Os exames de imagem geralmente mostram aumento da es­
pessura e hiperintensidade do nervo óptico.
Neuropatias Ópticas Compressivas | 101

O nervo óptico pode ainda ser acometido por infiltração leucêmica, bem como por lesões
metastáticas de tumores originários em outras regiões do corpo. Em torno de 4% das crianças
com leucemia aguda têm evidência de infiltração do nervo óptico. O acometimento do nervo
óptico por metástases pode ocorrer tanto na região intracraniana do nervo como na órbita.
Aproximadamente 30% dos pacientes com meningite carcinomatosa apresentam perda visual,
e em torno de 15% têm acometimento do nervo óptico. Os tumores metastáticos mais comuns
que acometem o nervo óptico são os adenocarcinomas mamários, pulmonares e intestinais.
O acometimento do nervo óptico usualmente ocorre em pacientes já portadores de lesões
tumorais conhecidas em outras regiões do corpo. Mais raramente, a perda visual precede o
diagnóstico do tumor primário, o que dificulta sobremaneira o diagnóstico. Nos casos de in­
filtração leucêmica ou de tumores metastáticos, é de fundamental importância a obtenção de
exames de imagem, a TC e a 1RM que mostram aumento da espessura do nervo.

Neuropatia compressiva na orbitopatia distireoidiana


A orbitopatia distireoidiana é uma afecção imunomediada que é reconhecida clinicamente
por proptose, retração palpebral, limitação dos movimentos oculares, quemose e hiperemia
conjuntiva. Estudos histopatológicos demonstram alargamento dos músculos extraoculares
devido a fibrose, infiltração perivascular de linfócitos e plasmócitos e deposição de mucopolis-
sacarídeos. Ocorre também aumento do tecido adiposo orbitário, que se acredita decorrente
da diferenciação do fibroblasto orbitário em tecido adiposo. A orbitopatia ocorre em torno
de 40% dos pacientes com hipertireoidismo decorrente da doença de Graves. A doença é mais
comum em mulheres jovens, porém costuma ser mais grave quando acomete homens com
idade mais avançada.
A complicação mais séria é a perda visual, causada por uma neuropatia óptica compressi­
va que pode manifestar-se por perda da acuidade visual, da visão de cores e do campo visual,
além de um defeito pupilar aferente. Embora a maioria dos pacientes apresente hipertireoidis­
mo no momento da perda visual, menos frequentemente podem ter nível normal dos hormô­
nios tireoidianos ou até hipotireoidismo.
A neuropatia óptica, em pacientes com orbitopatia de Graves, é uma das complicações
mais importantes da afecção. Ocorre em torno de 5% dos casos de orbitopatia, mais comu-
mente nos indivíduos com restrição da motilidade ocular. Os pacientes se queixam de emba-
çamento ou escurecimento visual. A perda visual em geral é lentamente progressiva e, mais
comumente, bilateral. Ao exame, a acuidade visual pode ser quase normal ou bastante redu­
zida. Observa-se, com frequência, uma discromatopsia importante, predominantemente no
eixo verde-vermelho, sendo melhor evidenciada com o uso do teste de Farnsworth-Munsell, e
alterações no campo visual, que incluem: escotomas paracentrais, aumento da mancha cega,
constrição generalizada, escotomas centrais, defeitos arqueados e altitudinais (Fig. 9). Ao fun­
do de olho, pode-se observar papila normal ou edema de papila. Nos casos mais antigos, pode
haver atrofia óptica. Observa-se defeito pupilar aferente relativo nos casos unilaterais ou bila­
terais e assimétricos. O potencial visual evocado é também sensível para detectar a presença
de neuropatia óptica. Embora, em muitos pacientes, o diagnóstico seja óbvio, em outros pode
ser mais difícil, sobretudo nos pacientes sem proptose importante e sem sinais congestivos
óbvios da orbitopatia de Graves.
1 0 2 | Neuroftalmologia

A neuropatia óptica da orbitopatia de Graves é devida à compressão do nervo óptico no


ápice orbitário, causada pelo grande espessamento dos músculos extraoculares. A restrição da
elevação e da abdução do olho está presente em mais de 70% dos casos, devido ao aumento
dos músculos reto inferior e reto medial (Fig. 9). A TC, a IRM e até mesmo a ultrassonografia
podem documentar esse espessamento. A grande maioria dos pacientes tem grande aumento
de volume dos músculos no ápice da órbita (crowding apical). A evolução da doença pode ser
aguda ou crônica. A neuropatia óptica ocorre mais frequentemente em pacientes idosos, do
sexo masculino, com doença tireoidiana de aparecimento mais tardio e associada a diabetes.
O tratamento deve ser instituído rapidamente. A primeira alternativa é usar corticoste-
roides por via oral. Em geral, usa-se prednisona, 80 a 120 mg/dia como dose inicial, com re­
dução gradual dependendo da melhora clínica. A melhora inicial geralmente é evidente em
2 semanas ou menos. Quando se obtém melhora, a dosagem deve ser reduzida lentamente,
monitorando-se a função visual, principalmente pela acuidade, campo visual e visão de cores.
Nos casos de perda visual muito grave, ou naqueles que não apresentam melhora visual nas
doses já citadas, pode-se utilizar a pulsoterapia corticoide, por via endovenosa, com 1.000 mg
de metilprednisolona por dia, por 3 a 5 dias.
Quando o paciente responde ao tratamento, inicia-se a redução do corticoide, que deve
ser lenta. Se houver piora da função visual com a redução do corticoide, pode ser utilizada
a radioterapia orbitária, na dose de 2.000 cGy em 10 sessões, como um tratamento auxiliar.
Alguns autores sugerem o uso da radioterapia como tratamento inicial para a orbitopatia
congestiva da doença de Graves. No entanto, como o seu efeito geralmente demora algumas
semanas, usualmente o tratamento inicial é com corticosteroides e seguido da radioterapia,
quando não se obtém uma resposta satisfatória, ou, ainda, quando, apesar da melhora inicial,

Oft/ X \ \ 1 / \ VI
A . X iX \ y , / V e

*-

Fig. 9 Neuropatia óptica compressiva na orbitopatia disti-


reoidiana. Acima, campo visual mostrando retração impor­
tante das isópteras inferiormente. Abaixo, imagem por
ressonância magnética demonstrando espessamento dos
músculos extraoculares, com compressão do nervo óptico no
ápice orbitário.
Neuropatias Ópticas Compressivas | 1 0 3

não se consegue reduzir a dosagem da medicação. Pode também ser utilizada a radioterapia
nos pacientes que apresentem contraindicação para o uso do corticoide. Quando falham as
tentativas terapêuticas com corticoide e radioterapia, está indicada a descompressão orbitá-
ria. É importante descomprimir em especial o ápice da órbita, particularmente a região me­
dial, uma vez que existe relação importante do reto medial espessado com o desenvolvimento
da neuropatia óptica distireoidiana. As vias de acesso podem ser a transconjuntival medial, a
transantral ou transetmoidal externa ou a endonasal.
Recentemente surgiram alternativas terapêuticas para o tratamento da neuropatia óptica
distireoidiana, particularmente o rituximab, fármaco antilinfocitário que pode ser útil em ca­
sos resistentes ao corticoide e não responsivos à cirurgia, como demonstrado recentemente
por Khanna et al. A sua validade para o uso mais comum, no entanto, ainda necessita de con­
firmação em novos estudos.

Neuropatias ópticas compressivas por outras afecções orbitárias


O nervo óptico pode ainda ser comprimido na órbita por vários outros tumores, incluindo:
hamartomas, como os hemangiomas e os linfangiomas; coristomas, como o cisto dermoide;
ou tumores malignos, como os carcinomas, linfomas ou sarcomas.
Na maioria dos pacientes ocorrem perda progressiva da visão e proptose; contudo, em
muitos pacientes, a acuidade visual pode permanecer normal e praticamente não há sinais
externos de doença orbitária, apesar da presença de edema de papila. Em alguns pacientes
com tumores orbitais que comprimem o nervo óptico, pode ocorrer perda transitória da visão.
Acredita-se que a pressão direta sobre o nervo óptico, ou a interrupção do suprimento sanguí­
neo do nervo óptico, seja o fator causal da perda transitória da visão.

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Neuropatias Ópticas causadas
por Medicamentos, Substâncias
Tóxicas e Irradiação
MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO • ADALMIR MORTERÁ DANTAS

INTRODUÇÃO

Neuropatias ópticas podem ser causadas por medicamentos, uma série de substâncias tóxicas quí­
micas ou como complicação de tratamento radioterápico. Representam um grupo heterogêneo
de neuropatias com gravidade variável e com uma relação clara com a exposição ao agente causal.
Quando decorrentes de medicamentos e substâncias tóxicas, geralmente são bilaterais e relativa­
mente simétricas. A neuropatia induzida pela irradiação, por outro lado, pode ser uni ou bilateral.
Nem sempre a associação entre esses agentes e a neuropatia óptica pode ser estabelecida com
certeza, sendo necessária a exclusão de outras afecções oculares e do nervo óptico.
Neste capítulo serão discutidas as principais neuropatias decorrentes de medicamentos e
substâncias tóxicas, e também a neuropatia secundária a tratamento radioterápico.

ETIOLOGIA

Em muitas das neuropatias por medicamentos ou substâncias tóxicas, o estabelecimento de


relação causal entre a deficiência e a neuropatia é apenas presuntivo. Por outro lado, existem
neuropatias ópticas de causa considerada idiopática que podem ser relacionadas a efeitos de
fármacos ainda não bem conhecidos. Para essas neuropatias, é importante a identificação do
contato do indivíduo com uma substância que tenha toxicidade ao nervo óptico comprovada,
quando utilizada pela mesma via de exposição. O tempo entre a exposição ao agente e a neu­
ropatia óptica não deve ser muito longo, e a alteração visual não deve preceder a exposição.
A demonstração de recuperação parcial ou total após o fim da exposição e a piora do quadro
com a reexposição ao agente auxiliam sensivelmente o diagnóstico. Quando possível, a con­
firmação da intoxicação por testes laboratoriais ou através de manifestações sistêmicas é im­
portante para caracterizar a condição.

105
106 | Neuroftalmologia

As principais substâncias relacionadas ao desenvolvimento de neuropatia óptica tóxica


são: etambutol, isoniazida, dissulfiram, cloranfenicol, linezulida, hidroquinonas halogenadas
(amebicidas), vincristina, cisplatina e amiodarona. As principais substâncias tóxicas são: o me­
tanol, o etileno glicol, o tolueno e os organofosforados. Tratamento radioterápico para doen­
ças oculares, sinusais ou intracranianas são os principais tipos de radioterapia associados ao
desenvolvimento de neuropatia óptica.
Uma importante neuropatia óptica é aquela que ocorre em pacientes alcoólatras, muitas
vezes associadas ao tabagismo, a chamada neuropatia tabaco-álcool. Embora essa neuropatia
muitas vezes seja descrita como uma possível neuropatia tóxica, o conceito atual é que se
trata de neuropatia óptica decorrente da carência nutricional que acompanha o alcoólatra.
Desse modo essa neuropatia é descrita no capítulo seguinte, que trata das neuropatias ópticas
carenciais.
Os agentes químicos, sejam, eles substâncias tóxicas ou medicamentos, podem provocar
lesões por dois mecanismos: 1) ação direta sobre células ou interstício, por meio de transfor­
mações moleculares que resultam em degeneração ou morte celular, alterações do interstício
ou modificações no genoma induzindo transformação maligna (efeito carcinogênico). Quando
atuam na vida intrauterina, podem determinar erros do desenvolvimento (efeito teratogêni-
co); 2) ação indireta, atuando como antígeno (o que é muito raro) ou como hapteno, induzin­
do resposta imunitária humoral ou celular responsável pelo aparecimento de lesões (Pereira,
2006) .
Independentemente de ser um medicamento ou uma substância tóxica, o efeito do agente
químico sobre o organismo depende de várias circunstâncias: dose, vias de penetração e ab­
sorção, transporte, armazenamento, metabolização e excreção.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

A suspeita do diagnóstico de neuropatia óptica tóxica repousa em alguns argumentos clínicos


fundamentais. O sintoma de perda visual bilateral, simétrica e indolor é bastante característico
desse grupo de neuropatias. O quadro pode ser de evolução insidiosa, como ocorre na toxi­
cidade de vários medicamentos, ou ter início abrupto e evolução muito rápida, como ocorre
na toxicidade pelo metanol ou por solventes. Diante de uma possível neuropatia tóxica, o
interrogatório serve para pesquisar uma intoxicação, voluntária ou não, ou de carência, que
possa gerar a lesão do nervo; é de fundamental importância confirmar o contato prévio com o
agente tóxico. A anamnese será completada pelo exame oftalmológico, além de exame clínico
e neurológico, com a pesquisa de distúrbios motores ou sensitivos associados.
Alguns pacientes podem observar de início uma alteração na visão de cores, seguida de
embaçamento e turvação visual. Podem também perceber dificuldade na visibilização de cer­
tas cores, como o vermelho, e outros mencionam uma perda generalizada do brilho das co­
res. Essa alteração na visão de cores frequentemente é desproporcional à perda de acuidade
visual. Tipicamente, um olho é acometido inicialmente, mas, em seguida, o outro também se
torna sintomático. Ocorre então diminuição da acuidade visual de intensidade variável, quase
sempre de forma lenta, mas também pode ser rápida, como já mencionado em algumas neu­
ropatias tóxicas. A perda de acuidade visual na maioria das vezes começa na fixação e então
Neuropatias Ópticas causadas por Medicamentos, Substâncias Tóxicas e Irradiação | 1 0 7

progride, geralmente ficando na faixa de 20/40 a 20/200. Pode haver cegueira completa mas
é incomum, a não ser na intoxicação por metanol, que pode chegar à ausência de percepção
luminosa. A visão periférica geralmente é relativamente preservada.
Não costuma haver assimetria do reflexo fotomotor, mas a reação pupilar à luz é, em ge­
ral, lenta. Entretanto, em caso de início unilateral ou de baixa visual assimétrica, pode haver
assimetria do reflexo fotomotor, o que é evidenciado à pesquisa do defeito pupilar aferente
relativo comparando-se a reação à luz de cada olho estimulado alternadamente.
O fundo de olho pode ser normal, evidenciar edema de disco óptico em algumas neuro­
patias tóxicas, ser normal ou, ainda, com palidez do disco óptico por atrofia progressiva das
fibras nervosas. Hemorragias na região do disco podem também ocorrer quando há edema de
papila na fase aguda.
Em muitas neuropatias tóxicas, é necessária a exclusão de outros diagnósticos possíveis.
Assim, a obtenção de exames, como a imagem por ressonância magnética e a tomografia com­
putadorizada, são importantes para exclusão de outras etiologias. Outros exames laborato­
riais, em especial o exame do líquor, também são úteis no diagnóstico diferencial sempre que
a associação entre a neuropatia óptica e o agente causal não esteja clara.

NEUROPATIAS ÓPTICAS DE ORIGEM MEDICAMENTOSA

Os medicamentos reconhecidos como tóxicos para o nervo óptico são muito numerosos. Em
muitos outros casos, a associação entre o medicamento e a neuropatia não é clara, e relação
de causa e efeito não é estabelecida com certeza. Uma lista extensa inclui antimicrobianos
(etambutol, isoniazida, linezolida, cloranfenicol e estreptomicina), imunomoduladores e imu-
nossupressores (ciclosporina, interferon-alfa), quimioterápicos (clorambucil, cisplatina, 5-flu-
orouracil, metotrexate, tamoxifeno, ciclofosfamida) e outros fármacos (amiodarona, clorpro-
mazina, citrato de clomifênio, dissulfiram, infliximabe, quinina). Embora trabalhos descrevam
a associação desses fármacos com o desenvolvimento de neuropatia óptica, sabe-se da difi­
culdade em estabelecer claramente essa associação. Idealmente, para estabelecer a associa­
ção de causa e efeito entre um fármaco e a doença, sete critérios deveriam ser obedecidos,
incluindo: 1) há uma associação temporal, ou seja, a neuropatia ocorre proximamente ao uso
do fármaco; 2) há uma relação entre a dose da medicação e a intensidade da afecção; 3) ocorre
melhora com a retirada da medicação; 4) há uma recidiva da afecção, com padrão semelhante
ao anterior, quando a medicação é reintroduzida; 5) há uma explicação plausível para o meca­
nismo de ação que levaria ao efeito colateral; 6) efeitos colaterais semelhantes ocorrem com
fármacos da mesma classe; e 7) não há uma outra explicação plausível para o efeito colateral
(Fraudenfelder e Fraudenfelder, 2007).
Na grande maioria dos casos, não se pode atender a todos esses itens, o que torna incerta
a associação entre fármacos e perda visual. Por exemplo, quando são fármacos utilizados para
tratamentos de neoplasias ou infecções do sistema nervoso central, ou mesmo para o trata­
mento de alcoolismo, é muitas vezes difícil saber se a neuropatia óptica é decorrente do fár­
maco utilizado, da condição de base ou, ainda, de outras afecções que possam simplesmente
estar associadas à doença de base. Desse modo, é preciso muito cuidado no estabelecimento
da associação, incluindo a exclusão de outras afecções não relacionadas. Em muitos casos, no
1 0 8 I Neuroftalmologia

entanto, existe uma associação bem estabelecida ou evidências muito claras da associação en­
tre a neuropatia óptica e a medicação, e são estas que serão discutidas a seguir.

Etambutol
Esse fármaco é usado como um agente antituberculoso no tratamento de infecções por Mycobac­
terium tuberculosis e Mycobacterium avium. Trata-se de uma das medicações de primeira escolha
no tratamento da tuberculose, muitas vezes necessária devido ao desenvolvimento de formas
da doença resistentes a outras alternativas terapêuticas. Representa a causa mais bem estudada
de toxicidade ao nervo óptico decorrente de medicamentos. A tuberculose ainda é muito pre-
valente em todo o mundo, e cerca de 50% dos casos recebem etambutol no tratamento inicial.
A relação do etambutol com o desenvolvimento de neuropatia óptica é bem estabelecida,
desde as descrições iniciais na década de 1960. A perda visual é o efeito colateral mais im­
portante da medicação, e é considerado pouco frequente (estima-se que em torno de 2% dos
pacientes) quando doses usuais da medicação são administradas. Podem ocorrer então tan­
to neuropatia óptica anterior (com edema de disco óptico) como formas retrobulbares, com
fundo de olho inicialmente normal. Outros efeitos colaterais incluem: neuropatia periférica,
reações cutâneas (urticária, exantema etc.), trombocitopenia e toxicidade hepática.
O mecanismo da toxicidade não é bem conhecido. Estudos em animais demonstram to­
xicidade do fármaco às células ganglionares da retina, possivelmente pelo efeito quelante
do zinco do etambutol e de seus metabólitos. O etambutol levaria a acúmulo de zinco nos
lisossomos, ocasionando aumento da permeabilização da membrana lisossomal. A alteração
lisossomal causaria a liberação de enzimas proteolíticas capazes de desencadear disfunção e
ativação de caspases, uma família de proteases que desempenham um importante papel na
apoptose. Desse modo haveria aumento da apoptose das células ganglionares da retina. Além
disso, acredita-se que o etambutol, como um quelante de metais, age na fosforilação oxidativa
das mitocôndrias, ao interferir com as enzimas do complexo IV que contêm cobre. Como a
mitocôndria é a fonte principal de ATP para os neurônios e o transporte axonal é altamente
dependente de energia, as células ganglionares da retina são suscetíveis à toxicidade pelo
etambutol. As células localizadas no feixe papilomacular, por terem calibre menor, seriam ain­
da mais suscetíveis à toxicidade.
A toxicidade ocular está relacionada à dose, pois a neuropatia óptica mais provavelmente
ocorre com doses superiores a 25 mg/kg/dia, embora se acredite que não exista dose total­
mente segura e a perda visual tenha sido documentada com doses menores, consideradas
dose-padrão de 15 a 25 mg/kg/dia. A neuropatia óptica geralmente se desenvolve 1,5 a 12 me­
ses após o início do tratamento, mas já foi descrita poucos dias após o início da terapia. Em
um estudo de 89 pacientes acometidos, Lee et al. observaram que a toxicidade ocorreu, em
média, 7 meses após o início do tratamento. A dose média dos pacientes foi de 18 mg/kg/dia.
Maior suscetibilidade para o desenvolvimento da neuropatia óptica ocorre em pacientes com
tuberculose renal, pois o fármaco é excretado através dos rins. Outros fatores que parecem
predispor à neuropatia do etambutol são: o diabetes e o consumo de álcool e tabaco. Traba­
lhos recentes sugerem que mutações mitocondriais associadas à doença de Leber e à atrofia
óptica dominante podem contribuir para o desenvolvimento da neuropatia óptica associada
ao etambutol.
Neuropatias Ópticas causadas por Medicamentos, Substâncias Tóxicas e Irradiação | 1 0 9

As características clínicas são: 1) redução da acuidade visual bilateral e insidiosa; 2) campo


visual demonstrando: escotoma central, defeitos de campo bitemporais ou, mais raramente,
constrição periférica; 3) alteração na visão de cores, que é preferencial no eixo azul-amarelo;
e 4) nervo óptico: inicialmente normal, seguido de atrofia óptica na maioria dos casos. No
entanto, também pode ocorrer edema de disco óptico nas fases iniciais. A atrofia óptica que
se desenvolve pode vir acompanhada de aumento da escavação do disco óptico. As alterações
pupilares podem ser sutis, já que o acometimento é usualmente bilateral e simétrico. O po­
tencial visual evocado pode ser útil para confirmar o diagnóstico. A sensibilidade ao contraste
também pode ser útil na detecção de acometimento subclínico do nervo óptico.
A toxicidade do etambutol é classicamente descrita como reversível ao se descontinuar o
uso do medicamento, e a visão pode recuperar-se em semanas ou meses. No entanto, lesões
permanentes podem ocorrer em muitos pacientes, com recuperação apenas incompleta da
visão. Alguns trabalhos descreveram, inclusive, a ausência de melhora ou mesmo a progressão
da perda visual, a despeito da interrupção do tratamento, e em um período de seguimento
de 6 meses a 3 anos. Nenhum fator de risco foi claramente identificado para essa ocorrência,
embora outro estudo tenha sugerido um pior prognóstico para pacientes acima de 60 anos.
A conduta deve ser a interrupção imediata do etambutol, quando a toxicidade é reconhe­
cida, e encaminhar o paciente para avaliação oftalmológica. Essa é a única medida efetiva que
pode deter a progressão ou levar à recuperação visual, e a continuidade do tratamento deve
ser feita com outros agentes antituberculosos. Quando a perda visual é muito grave, reco­
menda-se que tanto o etambutol como a isoniazida sejam descontinuados. Se não for feita
a retirada imediata da isoniazida, esta deve ser interrompida, caso não haja melhora visual 6
semanas após a suspensão do etambutol.
Nos pacientes nos quais o medicamento necessita ser usado, a recomendação é a avalia­
ção periódica da função visual para detectar precocemente a neuropatia, de tal modo a redu­
zir as chances de perda visual permanente. Os pacientes devem ser avaliados pela acuidade
visual, visão de cores, sensibilidade ao contraste, fundoscopia e campo visual. A tomografia de
coerência óptica também pode ser útil para identificar alterações na camada de fibras nervo­
sas em pacientes em uso de etambutol quando usado conjuntamente com os dados clínicos.

A isoniazida pode causar neuropatia óptica em adultos, com ou sem edema de disco óptico
na fase aguda, causando escotomas centrais ou cecocentrais, além de defeitos de campo bi­
temporais. Acredita-se que a insuficiência renal possa aumentar o efeito neurotóxico da me­
dicação. A visão melhora quando se interrompe o uso. A piridoxina (25 a 100 mg/dia) parece
auxiliar na estabilização ou reversão da toxicidade, embora isso não seja definitivamente com­
provado e o mecanismo exato da neuropatia óptica não seja conhecido.
A isoniazida frequentemente causa uma neuropatia periférica reversível com piridoxina,
mas a associação do fármaco com a perda visual é muito menos comum e, muitas vezes, difícil
de ser comprovada. Em muitos casos, a isoniazida é administrada em associação ao etambu­
tol, e pode ser difícil estabelecer qual dos dois é o agente causal da neuropatia. Outros casos
descritos eram de pacientes com tuberculose meníngea, havendo a possibilidade de que o
acometimento do nervo fosse pela própria doença. De qualquer modo, considera-se que a
1 1 0 I Neuroftalmologia

toxicidade é possível, embora muito menos bem estabelecida do que aquela em relação ao
etambutol. Assim, é preciso muito cuidado nos pacientes que estejam recebendo etambutol e
isoniazida para tratamento da tuberculose; é mais provável que a toxicidade seja decorrente
do etambutol. No entanto, quando este é suspenso, deve-se considerar a possibilidade de que
a neuropatia possa também ter a contribuição da isoniazida.
O tratamento é a descontinuação da medicação. Da mesma forma que o etambutol, os
pacientes devem ser monitorados (acuidade visual, visão de cores, sensibilidade ao contraste
e campo visual) para se detectar precocemente a neuropatia, aumentando assim as chances
de recuperação.

Cloranfenicol
Uma neuropatia óptica associada ao cloranfenicol foi descrita em crianças com fibrose cística
do pâncreas que receberam o fármaco e que desenvolveram perda visual de evolução rápida,
discromatopsias e com escotomas cecocentrais. A perda visual parece ser reversível, e os pa­
cientes recuperam parcial ou totalmente a visão com a retirada da medicação.

Dissulfiram
O dissulfiram, usado para tratamento de alcoolismo crônico, interfere com o metabolismo do
acetaldeído, um metabólito do etanol. O dissulfiram é um inibidor da aldeído desidrogenase
usado para produzir uma reação aversiva ao etanol. A neuropatia óptica pode ocorrer em pa­
cientes que se abstiveram do álcool e continuaram a tomar dissulfiram. A perda visual pode
ser subaguda ou crônica, com escotomas centrais ou cecocentrais bilaterais. O fundo de olho
de início é normal e, mais tarde, pode haver palidez do disco. A neuropatia óptica geralmen­
te melhora alguns meses após a interrupção do medicamento. O mecanismo da neuropatia é
desconhecido.

Amiodarona
A neuropatia óptica induzida pela amiodarona foi atribuída à administração sistêmica desse
fármaco para arritmia cardíaca. A causa exata da neuropatia óptica não é conhecida. A redução
da visão, insidiosa no início, é lentamente progressiva na medida em que o medicamento é
usado. Muita controvérsia existe ainda a respeito da associação de perda visual com a amio­
darona. A maior parte das descrições de neuropatia e uso de amiodarona parece, na verdade,
ser casos de neuropatia óptica isquêmica ocorrendo em pacientes em uso da medicação mas
não relacionadas a ela. Deve ser lembrado que a amiodarona é um dos fármacos antiarrítmi-
cos mais usados, e a população que dela necessita é exatamente aquela mais suscetível ao de-
r

senvolvimento de neuropatia óptica isquêmica não arterítica (N01A-NA). E preciso, portanto,


muito cuidado ao se atribuir à amiodarona a causa de NOIA-NA, na qual tipicamente existem
perda súbita da visão, edema de disco unilateral e defeito de campo altitudinal.
Apesar da controvérsia, acredita-se que uma verdadeira neuropatia óptica da amiodarona
exista, embora bastante incomum. As suas características são bastante diferentes da NOIA-NA
comum e incluem: 1) perda visual insidiosa (alguns pacientes podem ter edema de disco
Neuropatias Ópticas causadas por Medicamentos, Substâncias Tóxicas e Irradiação | 111

assintomático), 2) acuidade visual reduzida, geralmente não pior que 20/200; 3) existe edema
bilateral de disco óptico na maior parte dos casos; 4) defeito de campo visual. Após a retirada
do fármaco, a maior parte dos pacientes apresenta melhora.
Em muitos casos é difícil fazer a distinção entre a neuropatia óptica induzida pela amioda-
rona, uma condição muito rara, e a neuropatia óptica isquêmica não relacionada ao fármaco.
Um fator importante que pode auxiliar na diferenciação entre as duas é o tempo de resolução
do edema do disco óptico. Na NOIA-NA, o edema do disco resolve em 6 ou 8 semanas, enquan­
to na neuropatia óptica induzida pela amiodarona ele levará muito mais tempo para resolver.
O tratamento consiste na retirada do fármaco.

NEUROPATIAS TÓXICAS POR AGENTES QUÍMICOS

Metanol
O metanol (álcool metílico) é amplamente usado como solvente. O envenenamento é geral­
mente uma consequência de sua ingestão como inebriante barato ou adulterante de bebida
alcoólica. Pode também resultar da ingestão acidental ou suicida de produtos contendo meta­
nol. Quando ocorre na indústria, a absorção é geralmente através da pele e pulmões.
O metanol é metabolizado no fígado pela enzima álcool desidrogenase, sendo transforma­
do via formaldeído até ácido fórmico, sendo este último o responsável pelas reações adversas.
A toxicidade se desenvolve por um efeito combinado da acidose metabólica e da toxicidade
intrínseca do formaldeído e do ácido fórmico. As manifestações de toxicidade aguda são re­
tardadas por 6 a 12 h, até que o metanol seja metabolizado para formar o formaldeído e o
ácido fórmico. Os pacientes desenvolvem cefaleia, dor abdominal, náuseas, vômitos e fraque­
za generalizada. A intoxicação grave pode causar delírio, convulsões, coma, parada cardiorres-
piratória e morte. A perda da visão é uma complicação comum, geralmente permanente. No
início, há flashes de luz seguidos de escotomas e cintilações. A perda visual parece ser devida
à interrupção da função da mitocôndria no nervo óptico. O fundo de olho pode evidenciar
edema bilateral do disco óptico.
Na intoxicação crônica (muito mais rara) aparecem escotomas centrocecais e atrofia do
disco óptico, blefaroptose e paralisia dos músculos extraoculares. Esta pode ser observada
como enfermidade profissional, pela aspiração de álcool metílico nas fábricas de vernizes, in­
dústria de borracha, colas etc. A dose tóxica varia de indivíduo para indivíduo.
O diagnóstico definitivo da toxicidade pelo metanol exige a confirmação do aumento do
nível sérico de metanol por cromatografia a gás (> 20 mg/dl). Os picos séricos são atingidos
60 a 90 minutos após a ingestão, mas não são um bom indicador do prognóstico. O pH arterial
parece correlacionar-se melhor com os níveis de formaldeído (quando abaixo de 7,2, indica
intoxicação grave).
O tratamento compreende medidas de suporte e correção de distúrbios hidro-eletrolí-
ticos. A lavagem gástrica é útil apenas nas primeiras 2 horas após a ingestão. Deve ser feito
o uso de bicarbonato de sódio para corrigir a acidose metabólica e introduzir um antídoto
para inibir o metabolismo do metanol para o seu metabólito tóxico, o ácido fórmico. Se ne­
cessário, pode-ser fazer a hemodiálise para corrigir melhor a acidose e remover o metanol e o
1 1 2 I Neuroftalmologia

formaldeído. O uso de antídotos é destinado a retardar a metabolização do metanol, até que


seja eliminado naturalmente ou por diálise. Pode ser obtido com o uso de etanol ou fomepi-
zole. O etanol também é metabolizado pela enzima álcool desidrogenase, que tem afinidade
10 a 20 vezes mais alta em relação ao metanol. O fomepizole também é metabolizado por essa
enzima e tem a vantagem de não causar depressão do sistema nervoso central, ao contrário
do etanol. No entanto, é um fármaco menos disponível e mais caro. Desse modo, o etanol é o
fármaco mais comumente utilizado, por via endovenosa, como uma solução a 10% em dextro­
se a 5%. A dose de ataque é de 0,6 g/lcg dada em infusão na velocidade de 0,07 a 0,16 g/kg/h.
O uso de corticosteroides endovenosos em altas doses também pode ser ministrado e parece
auxiliar na recuperação da visão pelo seu efeito anti-inflamatório.

Etilenoglicol
O etilenoglicol é um ingrediente em substâncias utilizadas para evitar o congelamento de radiado­
res de automóveis, e pode ser consumido acidentalmente ou em tentativas de suicídio. Causa in­
toxicação, que pode levar a perda visual associada a sintomas semelhantes àqueles da intoxicação
com metanol, como náuseas, vômitos, dor abdominal e parada cardíaca. A perda visual é, no entan­
to, menos comum do que na intoxicação com metanol. Os nervos ópticos de início apresentam-se
normais, seguindo-se pelo desenvolvimento de atrofia óptica. O diagnóstico pode ser confirmado
pela presença de cristais de oxalato na urina e acidose metabólica. O tratamento é semelhante
àquele da intoxicação por metanol, e inclui o uso de bicarbonato, etanol e hemodiálise.

Tolueno
O tolueno (metilbenzeno) é um líquido incolor, encontrado em colas, pinturas e produtos
industriais. É solúvel em lípides e rapidamente absorvido pelos pulmões. A exposição prolon­
gada, por razões ocupacionais ou por inalação proposital, pode levar a uma neuropatia óp­
tica tóxica, causando perda visual bilateral. A substância é veiculada no vapor produzido por
colas (especialmente na cola de sapateiro), e o uso frequente, particularmente em indivíduos
viciados em cheirar cola, pode levar à sua intoxicação, que causa cefaleia, náuseas, zumbidos,
ataxia, perda auditiva e, menos comumente, confusão, alucinações visuais e convulsões. Morte
súbita pode também ocorrer decorrente de arritmia cardíaca. A substância leva também a alte­
rações na substância branca encefálica, que, além da perda visual, produz ataxia, déficits corti-
cospinais e demência. Em um estudo de 15 pacientes acometidos, a acuidade visual foi menor
que 0,1 em 5 casos, e entre 0,1 e 1,0 em 10 casos. O potencial visual evocado foi indetectável
em ambos os olhos de 11 pacientes, e mostrou latência de PI 00 prolongada em 3 casos. Ape­
nas 1 paciente tinha o exame normal. A interrupção da exposição pode levar à melhora das
alterações visuais e neurológicas, enquanto a continuidade leva a déficits permanentes.

NEUROPATIA ÓPTICA INDUZIDA PELA IRRADIAÇÃO

A neuropatia óptica induzida pela radiação é um processo isquêmico, ocorrendo geralmente


vários meses após radioterapia. Essa neuropatia óptica geralmente ocorre em pacientes com
Neuropatias Ópticas causadas por Medicamentos, Substâncias Tóxicas e Irradiação | 1 1 3

tumores intracranianos, na base do crânio ou dos seios paranasais, que sofreram terapia por
radiação, quando a via óptica está incluída no campo irradiado. Os locais de acometimento
mais comum são os nervos ópticos e o quiasma, mas os tratos ópticos e as radiações também
podem ser acometidos. O risco de acometimento aumenta com a dose total de irradiação
maior que 50 Gy, ou doses fracionadas maiores que 2 Gy no caso da radioterapia fraciona­
da. Radiocirurgias, quando se usam doses maiores que 8 Gy, também aumentam o risco de
neuropatia da irradiação. Pacientes com diabetes melito ou aqueles recebendo quimioterapia
concomitante têm um risco maior de desenvolvimento da afecção, e acredita-se que possam
desenvolver a neuropatia mesmo com doses menores de radioterapia.
O mecanismo exato desse processo não é conhecido, mas presume-se que a lesão induzi­
da pela radiação ocorra nas células endoteliais vasculares, resultando, em seguida, em oclusão
vascular e necrose. Geralmente se apresenta como uma neuropatia óptica isquêmica retrobul-
bar; raramente pode se apresentar como uma neuropatia óptica anterior, com edema do nervo
óptico (papilopatia da irradiação).
A perda visual pode ser grave e progredir até a perda da maior parte da visão, ou da visão
total, em um ou em ambos os olhos. Ocorre, em média, 18 meses após terapia por radiação,
mas pode ocorrer no primeiro ano, e há relatos da ocorrência após 20 anos. Os pacientes tipi­
camente apresentam perda indolor de um ou de ambos os olhos, que, quando bilateral, pode
ser simultânea ou sequencial. Os sintomas podem progredir em semanas ou meses desde
perda discreta até cegueira completa. De maneira geral, o prognóstico é ruim, com acuidade
visual final de 20/200 ou pior em 85% dos olhos acometidos.
Os principais sinais são: 1) redução da acuidade visual; 2) defeitos de campo visual do
nervo óptico ou de origem quiasmática; 3) inicialmente, aparência normal dos discos ópticos,
que se tornam pálidos algumas semanas depois. Pode também haver edema de disco óptico na
fase aguda, nos casos de neuropatia óptica anterior. Nessa situação, além do edema de disco,
é frequente a ocorrência de exsudatos retinianos peripapilares.
O diagnóstico é estabelecido clinicamente em paciente que recebeu a quantidade apro­
priada de radiação e que teve excluídas outras causas da perda visual. O diagnóstico diferen­
cial inclui: recorrência do tumor inicial; síndrome da sela vazia com prolapsos do nervo óptico
e quiasmático; tumor parasselar induzido por radiação; e aracnoidite.
Os exames da tomografia computadorizada são normais, e não há realce com o contras­
te. Entretanto, o exame de imagem por ressonância magnética enfatizando TI realçada com
gadolínio mostra aumento da intensidade do sinal dos nervos ópticos, do quiasma óptico ou
dos tratos ópticos. O realce resolve quando a função visual se estabiliza. As imagens TI e T2
sem realce geralmente não mostrarão anormalidades. Quase 50% dos pacientes apresentarão
um resultado visual final de falta de percepção da luz, apesar de várias tentativas de tratamen­
to. Os que mantiverem alguma visão terão uma acuidade visual pior que 20/200. Recuperação
espontânea pode ocorrer, mas é incomum.
O tratamento da neuropatia óptica da radiação é controverso. Corticosteroides podem ser
administrados, mas não há provas de sua eficácia. Algumas evidências sugerem que a terapia
com oxigênio hiperbárico pode auxiliar no tratamento, devendo este ser administrado assim
que ocorrer a perda visual. O tratamento consiste em torno de 30 sessões de 90 minutos de
oxigênio a 100% a uma pressão mínima de 2,4 atmosferas. Não há, no entanto, provas da eficá­
cia desse tratamento, costuma ser indicado apenas como tentativa de melhora visual.
114 I Neuroftalmologia

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Neuropatias Ópticas
Nutricionais

LEONARDO PROVETTI CUNHA • MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

INTRODUÇÃO

As neuropatias ópticas nutricionais ou carenciais são afecções dos nervos ópticos decorrentes de
carência de nutrientes, em especial das vitaminas BI 2 (cobalamina), BI (tiamina), B3 (nicotinamida)
e ácido fólico. Podem decorrer da falta de ingestão dos nutrientes ou de condições que levem à de­
ficiência de absorção destes, como a deficiência de fator intrínseco que ocorre na anemia pernicio­
sa e nas síndromes de má-absorção intestinal. Outras deficiências já foram implicadas, como a de
vitamina E e de zinco. Em alguns pacientes, há suspeita não confirmada da deficiência nutricional
específica, e uma combinação de deficiências pode contribuir para a neuropatia.
A deficiência nutricional pode ser geral, para vários nutrientes, ou específica, para deter­
minado nutriente. Em alguns casos, esse déficit pode ser acompanhado de história de abuso
no consumo de álcool e deficiência na ingestão de nutrientes. As neuropatias ópticas caren­
ciais podem acometer pacientes de qualquer idade e sexo; entretanto, alguns grupos são
de maior risco, como pacientes etilistas e tabagistas, vegetarianos, além de populações com
baixo nível socioeconômico e assoladas pela fome e guerra. Neste capítulo serão discutidas
as principais neuropatias nutricionais, enfatizando as principais características clínicas e os
achados aos exames complementares.

QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

Do ponto de vista causal, as neuropatias ópticas nutricionais podem ser divididas em qua­
tro tipos: 1) a neuropatia óptica carencial do alcoólatra (também chamada ambliopia tabaco
álcool); 2) a neuropatia óptica que ocorre por deficiência específica da absorção de vitamina
BI 2 (anemia perniciosa); 3) as neuropatias óptica carencial associada a síndromes de má-absor­
ção intestinal; e 4) neuropatias ópticas nutricionais epidêmica e tropical.

115
116 | Neuroftalmologia

Considerações gerais sobre o quadro clínico


0 quadro clínico é de uma perda visual bilateral, geralmente simétrica, indolor, lentamente
progressiva. A discromatopsia é um achado precoce, referida como perda de brilho e dessa-
turação de algumas cores. A gravidade da perda visual é variável, mas raramente a acuidade
visual é pior que 20/400.
O exame de campo visual geralmente demonstra um escotoma central ou cecocentral bi­
lateral e simétrico, com preservação da periferia (Fig. 1). Por causa dessa simetria e bilaterali-
dade, a presença de defeito pupilar aferente relativo é um achado incomum. Nas fases iniciais,
o exame fundoscópico pode ser normal ou revelar apenas uma discreta hiperemia de ambos
os discos ópticos. A atrofia óptica pode ocorrer em casos mais crônicos e, tipicamente, é mais
evidente no setor temporal do disco associada à perda da camada de fibras nervosas da retina,
preferencialmente na região do feixe papilomacular, mas acometendo também outras regiões
do nervo óptico (Fig. 2).

Fig. 1 Campo visual evidenciando escotoma cecocentral bilateral em paciente com neuropatia carencial do
alcoólatra.

Fig. 2 Retinografia de paciente com neuropatia carencial, evidenciando palidez temporal do disco óptico
em ambos os olhos.
Neuropatias Ópticas Nutricionais | 117

Neuropatia óptica carencial do alcoólatra


A neuropatia óptica do alcoólatra, também chamada ambliopia tabaco-álcool, é na verdade
considerada uma neuropatia nutricional. Embora um efeito tóxico associado do tabaco, e mes­
mo do álcool, possa ter papel na patogênese, as evidências sugerem que essa entidade seja
causada por deficiência nutricional, pelo déficit de vitaminas do complexo B, em especial a
tiamina. Múltiplos fatores podem participar na gênese dessa doença, afetando mais comumen-
te homens idosos com dieta pobre em proteínas e vitaminas do complexo B, algumas vezes
associada a problemas de absorção de vitamina B12, consumo de crônico de álcool, hábito
de fumar cigarros e, em especial, charutos e cachimbo. Em muitos casos, a suplementação de
tiamina é capaz de promover melhora do quadro clínico, mesmo que o consumo de álcool e
tabaco continue.
r

E importante ressaltar que os pacientes etilistas costumam não informar de modo correto
a quantidade diária de álcool consumida, e informações provenientes de familiares ou amigos
podem ser mais confiáveis, incluindo também detalhes sobre a dieta. A observação cuidadosa
do paciente durante o exame clínico é fundamental; mesmo que o paciente negue o consumo
de álcool, por vezes, durante o exame clínico, pode-se detectar a presença de hálito etílico.
A presença de um escotoma cecocentral bilateral simétrico, com preservação da periferia,
é a manifestação funcional clássica nessa afecção. A acuidade visual pode estar comprometida
de modo variável, podendo ser desde perdas discretas até mais acentuadas, podendo chegar
a 20/200 (0,1). O exame fundoscópico pode ser normal ou mostrar alterações discretas, como
edema de disco leve e hemorragias sobre o disco ou peripapilares superficiais. Nas fases mais
avançadas, a palidez de disco no setor temporal, associada à perda da camada de fibras nervo­
sas da retina na região do feixe papilomacular, é um achado importante na doença.
Vale destacar que a perda visual e as alterações campimétricas características podem ante­
ceder alterações hematológicas, em especial a anemia macrocítica, que também pode ocorrer
na deficiência de vitamina do complexo B. Apesar de a deficiência de vitamina BI ser o déficit
nutricional mais comum, deficiência concomitante de folatos e vitamina B I2 pode ocorrer.
Apesar de a deficiência nutricional de vitaminas do complexo B, em especial BI (tiamina), ser
considerada como o principal fator responsável pela gênese da neuropatia óptica carencial do
alcoólatra, alguns autores sugerem que a toxicidade relacionada ao consumo do tabaco tenha
um papel importante. Ela decorre dos elevados níveis séricos de tiocianato e cianeto associa­
dos ao consumo de charutos e cachimbos. Entretanto, a relação direta entre a toxicidade pro­
movida pelo consumo de tabaco e a neuropatia óptica induzida ainda é controversa.
O prognóstico quanto à recuperação visual é bom na maioria dos casos, exceto naqueles
tardios que se apresentam ou que evoluem com atrofia óptica. O tratamento, que será aborda­
do com mais detalhes a seguir, consiste na implementação de uma dieta balanceada e suple­
mentos vitamínicos do complexo B.

Neuropatia por deficiência de vitamina BI 2


A deficiência de vitamina BI 2 é uma das causas mais importantes de neuropatia óptica caren­
cial. Ao contrário de outras deficiências, a de vitamina BI2 em geral não está relacionada a pro­
blemas dietéticos, exceto nos casos de vegetarianos restritos. Outras causas incluem: cirurgias
gastrointestinais que envolvam ressecção gastroileal, cirurgias bariátricas e doenças intestinais
118 | Neuroftalmologia

inflamatórias. Entretanto, a principal causa de deficiência de vitamina B12 é a anemia perniciosa.


Essa afecção é uma desordem autoimune que promove um prejuízo na reabsorção de vitami­
na BI 2 no íleo pela deficiência do fator intrínseco produzido nas células parietais da mucosa
gástrica. Acomete, preferencialmente, adultos de meia-idade e idosos brancos. Esses pacientes
podem apresentar, além do comprometimento visual, parestesias e fraqueza nas extremidades
dos membros, perda de sensibilidade vibratória, espasticidade com hiperatividade dos joelhos e
tornozelos, assim como das respostas dos extensores plantares e demência.
É importante destacar a cirurgia bariátrica como uma das causas importantes de deficiên­
cia de vitamina B12. Nos últimos anos, especialmente com o aumento da prevalência de obe­
sos nos países desenvolvidos, o número de pacientes submetidos a cirurgia bariátrica aumen­
tou de forma considerável. Esse procedimento invasivo como opção para o tratamento de
pacientes com obesidade mórbida é utilizado com a finalidade de reduzir a quantidade de
alimento ingerido ou aquele que é absorvido no trato gastrointestinal. Tem como principais
benefícios a perda e a manutenção do peso, controle das doenças associadas e consequente
melhora da qualidade de vida. Entretanto, esses pacientes podem desenvolver, nas fases mais
tardias do pós-operatório, uma série de complicações, como, por exemplo, osteoporose, des­
nutrição proteico-calórica, absorção comprometida de cálcio, ferro e vitaminas, em especial a
BI 2. Possíveis fatores que contribuem para essa deficiência incluem acloridria, consumo redu­
zido de BI 2 devido à intolerância a alimentos, como carne e leite (principais fontes de BI 2),
e redução na secreção do fator intrínseco necessário à sua absorção. Portanto, em pacientes
com suspeita de perda visual por neuropatia carencial, a história prévia de cirurgia bariátrica
deve ser sempre questionada.

Neuropatia óptica nas síndromes de má-absorção


Várias síndromes de má-aborção intestinal podem levar à neuropatia óptica carencial, em es­
pecial aquelas relacionadas a distúrbios na absorção das vitaminas do complexo B. A tiamina
é absorvida pela porção mais proximal do duodeno, enquanto a vitamina B I2 é absorvida no
íleo terminal; portanto, condições como doença inflamatória intestinal, em especial doença
de Crohn, ressecções gastrointestinais, cirurgias de bypass intestinal, doença celíaca, isquemia
mesentérica, entre outras, podem levar a um quadro de neuropatia carencial.

Neuropatias ópticas nutricional epidêmica e tropical


As neuropatias ópticas nutricionais denominadas epidêmicas são aquelas que acometem gran­
des grupos populacionais, geralmente associadas a épocas de fome generalizada por alguma
situação ambiental, social ou em situações de guerra. Existem alguns exemplos na história
recente, como as que afetaram um grupo de prisioneiros americanos feitos reféns pelos japo­
neses na II Guerra Mundial e de prisioneiros políticos em Cuba no início da década de 1990,
do século passado. A perda visual aparece geralmente após 4 meses de privação alimentar.
Sintomas como ceratopatia, perda auditiva, dor e parestesias de extermidades podem estar
associados. Não foi possível, nesses casos, identificar a deficiência específica de um único
nutriente, sendo provavelmente por deficiência múltipla. Na grande maioria dos casos, houve
recuperação visual com suplementação de uma dieta adequada.
Neuropatias Ópticas Nutricionais | 119

As chamadas neuropatias ópticas tropicais representam um grupo de afecções que têm em


comum o fato de afetarem populações situadas nos trópicos, e também ocorrem de modo es­
porádico. Um episódio ocorreu na Jamaica, levando a perda visual bilateral, dormência e dores
nas mãos e pés, perda auditiva e sinais de perda de peso. Entretanto, não foi comprovado que
a causa dessa desordem era nutricional. Outra condição de origem inexplicada é um quadro de
r

neuropatia óptica bilateral em indivíduos negros expatriados do Oeste da índia. Além da perda
visual bilateral comum nas neuropatias carenciais, surdez pode estar presente, e os indivíduos
são adultos bem nutridos. Também, nessa condição, não está claro se a origem é nutricional
ou tóxica. Outra condição caracterizada por perda visual grave, chegando a cegueira em gran­
de número de casos, foi descrita na Nigéria. Além da dieta pobre, foi aventada a possibilidade
de intoxicação por cianeto pelo consumo excessivo de mandioca, mas o mecanismo exato
dessa condição ainda não foi esclarecido.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial deve ser feito com condições que apresentem, em comum, perda visu­
al bilateral, com acometimento do campo visual central. Dentre estas, destacam-se as seguintes
afecções: neuropatias ópticas por fármacos e substâncias tóxicas, as neuropatias ópticas here­
ditárias (doença de Leber e atrofia óptica dominante), as neuropatias ópticas inflamatórias, as
neuropatias ópticas infiltrativas, as neuropatias ópticas compressivas, em especial as que com­
prometam o quiasma óptico, e algumas maculopatias, em especial a distrofia de cones. Essas
afecções podem apresentar em comum, além da perda visual central, palidez de disco no setor
temporal, o que pode confundir com o diagnóstico de neuropatia nutricional. Nas neuropatias
tóxicas e induzidas por fármacos, deve ser interrogado o uso de medicações e substâncias tó­
xicas, em especial o consumo de metanol. A neuropatia óptica de Leber deve ser lembrada em
casos de perda visual grave de evolução subaguda e indolor que afete ambos os olhos simultânea
ou sequencialmente, enquanto, na neuropatia óptica dominante, a perda visual é mais insidiosa,
ocorrendo ao longo de muitos anos. As maculopatias, que podem evoluir com leve palidez da
rima temporal do disco óptico, podem ser afastadas pela presença de alteração macular eviden-
ciável ao exame fundoscópico, pelas alterações à angiofluoresceinografia e alterações eletror-
retinográficas típicas, como no caso da distrofia de cones e da retinose pigmentar. A doença
compressiva do quiasma óptico deve ser lembrada em pacientes que apresentam um padrão de
atrofia óptica típica, caracterizada por palidez da rima neural, tanto no setor temporal quanto
no nasal (atrofia em banda ou em gravata de borboleta), além de defeito de campo visual acome­
tendo ambos os hemicampos temporais, que respeitem a linha média.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é feito com base na história clínica detalhada, enfatizando a história de desnu­
trição, restrições dietéticas, vegetarianismo, etilismo, cirurgias prévias do aparelho digestivo,
cirurgias para tratamento de obesidade mórbida, doenças intestinais e história de anemia. Os
achados clínicos são característicos, porém não patognomônicos; portanto, outras condições,
como as citadas nos diagnósticos diferenciais, devem ser excluídas.
1 2 0 | Neuroftalmologia

Testes laboratoriais, como hemograma completo, dosagem sérica de vitamina B12 e ácido
fólico, podem ser úteis. O achado típico em pacientes com deficiência de vitamina B12 e ácido
fólico é a presença de anemia megaloblástica (anemia macrocítica com aumento do volume
corpuscular médio, sendo caracterizada por glóbulos vermelhos grandes, imaturos e disfun-
cionais - megaloblastos - na medula óssea e também por neutrófilos hipersegmentados).
Importante lembrar que, em alguns casos, pode não ser possível identificar uma deficiên­
cia nutricional específica.
O exame de campo visual é fundamental, pois permite a caracterização do acometimento
que, tipicamente, afeta a região central. Os defeitos típicos são os escotomas centrais, para-
centrais e cecocentrais. Além disto, o exame de campo visual é importante no monitoramento,
permitindo determinar se o tratamento está sendo eficaz ou não em reverter a perda visual.
A tomografia de coerência óptica (OCT) pode ser útil em auxiliar na identificação do pa­
drão de perda axonal nesses pacientes (preferencial no setor temporal do disco), assim como
na quantificação da perda axonal. Esse exame pode ser uma importante ferramenta para es­
tabelecermos prognóstico. Por exemplo, pacientes com perda visual, mas sem atrofia óptica,
têm mais chances de apresentar uma recuperação visual completa, enquanto naqueles casos
onde o OCT já demonstra a existência de uma perda axonal significativa, provavelmente terão
recuperação visual incompleta da visão.

TRATAMENTO

Nas neuropatias ópticas carenciais associadas a desnutrição, apesar de, até o presente mo­
mento, nenhuma deficiência nutricional específica ter sido identificada, o tratamento é feito
com a implementação de uma dieta equilibrada e uso de suplementos polivitamínicos.
Nos casos de deficiência de vitamina B I2, é recomendada a realização de injeção intra­
muscular de hidroxicobalamina. O esquema utilizado é 1.000 mg/dia, IM ou SC por 7 dias,
seguidos de 1.000 mg/semana, IM ou SC; após, 1.000 mg/mês, indefinidamente, se a condição
não puder ser corrigida, ou até remissão completa. Em muitos casos, o tratamento de manu­
tenção mensal deve ser realizado por toda a vida.
Nos casos de deficiência de vitamina B l, o tratamento recomendado é 100 mg de tiamina
via oral 2 vezes ao dia.
Na presença de anemia megaloblástica por deficiência de ácido fólico, a sua reposição (5
mg/dia por via oral) deverá ser mantida indefinidamente, se a condição não puder ser corrigi­
da, ou até remissão completa.
Pacientes etilistas inveterados devem ser tratados, muitas vezes com abordagem multidis-
ciplinar, enfatizando também a suplementação nutricional e de vitaminas.

EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO

As neuropatias carenciais devem ser diagnosticadas precocemente, já que a perda visual geral­
mente pode ser revertida quando identificada nas fases iniciais e tratada de modo adequado.
A maioria dos pacientes pode recuperar pelo menos parcialmente a visão, algumas vezes sem
Neuropatias Ópticas Nutricionais | 121

sequelas. Entretanto, nos casos mais arrastados, de longa evolução e com perda visual acom­
panhada de atrofia óptica, a recuperação visual pode ser incompleta ou mesmo ausente. Por
esse motivo, o diagnóstico e conduta precoces são de fundamental importância nesses casos.

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Neuropatias Ópticas
Hereditárias

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO • CARLOS FILIPE CHICANI

INTRODUÇÃO

As neuropatias ópticas hereditárias representam um grupo de afecções do nervo óptico dire­


tamente relacionadas à herança genética, seja por dados clínicos, seja por comprovação labo­
ratorial. Devem ser sempre consideradas entre as causas de perda visual bilateral, insidiosa,
simétrica e progressiva por afecção do nervo óptico. Podem ser divididas em três grupos prin­
cipais: 1) as neuropatias ópticas isoladas; 2) aquelas associadas a outros sinais neurológicos
e sistêmicos; e 3) aquelas nas quais a neuropatia óptica é apenas uma manifestação de uma
doença neurológica degenerativa.
As neuropatias ópticas isoladas caracterizam-se como neuropatias ópticas metabólicas,
que dividem várias características clínicas e fisiopatológicas em comum. A maioria delas envol­
ve desarranjos que afetam a mitocôndria e a fosforilação oxidativa. Nesse grupo, encontram-se
a neuropatia óptica hereditária de Leber (NOHL), a atrofia óptica dominante (AOD) e a atrofia
óptica congênita recessiva (AOR), esta última muito rara. No segundo grupo existem várias
síndromes que associam atrofia óptica com outros achados, como surdez, ataxia, diabetes
melito, diabetes insípidos, degeneração opticococleodentata, polineuropatia etc. No terceiro
grupo se incluem várias doenças degenerativas que cursam com acometimento do nervo ópti­
co, como, por exemplo, as mucopolissacaridoses e as lipidoses.
O oftalmologista deve estar familiarizado com as características clínicas e o diagnóstico
das neuropatias ópticas hereditárias, particularmente aquelas isoladas, no sentido de diferen­
ciá-las de outras neuropatias ópticas. Além disso, deve estar atento para excluir também dege­
nerações primárias da retina que podem apresentar o achado final comum de atrofia óptica. As
alterações retinianas podem ser sutis, como, por exemplo, na distrofia de cones, o que pode
levar a confusão diagnóstica com as neuropatias heredodegenerativas.

123
1 2 4 | Neuroftalmologia

A seguir serão apresentadas as características clínicas das principais neuropatias ópticas


hereditárias, particularmente a NOHL e a AOD. Discutiremos, ainda, algumas outras neuro­
patias ópticas hereditárias que se mostram associadas a outras manifestações sistêmicas e
neurológicas.

NEUROPATIA ÓPTICA HEREDITÁRIA DE LEBER (NOHL)

Em 1871, Leber descreveu uma forma distinta de neuropatia óptica caracterizada por perda
visual grave, bilateral e de evolução rápida, acompanhada de escotomas centrais densos. A
afecção é conhecida como neuropatia óptica hereditária de Leber (NOHL) e ocorre geralmente
em indivíduos do sexo masculino, com idade preferencial da segunda à quarta década de vida,
e pode levar à perda da visão central de ambos os olhos.
A afecção é de transmissão exclusivamente maternal, com penetrância incompleta. A sua
real incidência é desconhecida, mas acredita-se que a prevalência na Inglaterra seja em torno
de 3,2 por 100.000 habitantes. Na Austrália, a doença responde por aproximadamente 2% dos
casos de cegueira legal abaixo dos 65 anos. Os homens são acometidos com maior frequência
que as mulheres. A predominância pelo sexo masculino varia entre 80 e 90% na maioria dos
pedigrees relatados na América do Norte, Europa e Austrália. O início da perda visual ocorre
tipicamente entre as idades de 15 e 35 anos, embora possa ocorrer mais cedo ou mais tarde
na vida.
A perda visual geralmente se inicia de forma indolor em um dos olhos. O segundo olho é
afetado semanas ou meses depois. Nikoskelainen etal. (1996) avaliaram o tempo de acometi­
mento entre um e outro olho, e observaram que 40% dos pacientes não têm certeza do inter­
valo de acometimento entre os olhos, que o intervalo foi de menos de 2 meses em 23% dos
casos, entre 2 e 6 meses em 32% e maior que 6 meses em apenas 6% dos casos. Raramente, o
acometimento pode ser bilateral simultâneo. Quase todos os pacientes terão o acometimento
do segundo olho em um período de 1 ano. Geralmente, a progressão da perda visual é subagu-
da, com deterioração da função visual ao longo de semanas ou meses, até a sua estabilização.
A acuidade visual varia desde ausência de percepção luminosa até 20/20, embora a maior
parte dos pacientes tenha acuidade visual pior que 20/200. A visão de cores também é afetada,
mas geralmente junto com a perda de acuidade visual. As reações pupilares mostram um defei­
to pupilar aferente, embora possam estar relativamente preservadas, quando se compara com
o acometimento em outras neuropatias. Os defeitos de campo visual geralmente são do tipo
escotoma central ou cecocentral. O escotoma pode ser relativo nas fases iniciais da doença,
mas logo se torna denso e absoluto. Não é incomum que o escotoma se abra para a periferia,
especialmente no setor nasal superior.
Na fase aguda, o exame fundoscópico pode mostrar edema na camada de fibras nervo­
sas, hiperemia do disco óptico com pseudoedema de papila e vasos telangiectásicos na retina
peripapilar. Esse aspecto é bastante típico e caracteriza-se pela presença de microangiopatia
telangiectásica peripapilar associada a edema da camada de fibras nervosas, mas com ausên­
cia de extravasamento de contraste na angiofluoresceinografia. Comunicações arteriovenosas
em graus variáveis podem ser vistas à angiofluoresceinografia. Tais achados estão presentes
na fase sintomática da doença, nas primeiras semanas ou meses, tendendo a desaparecer em
Neuropatias Ópticas Hereditárias | 1 2 5

seguida. A microangiopatia peripapilar também ocorre na fase pré-sintomática e em um gran­


de número de olhos assintomáticos. No entanto, a presença da telangiectasia não é garantia
para o desenvolvimento de perda visual. Além disso, alguns indivíduos com perda visual nunca
desenvolvem tais achados, mesmo que na fase aguda da doença. Sadun et al. (2006) descre­
veram outros sinais presentes na fase pré-sintomatica da doença, dentre eles alterações no
campo visual, visão de cores, na tomografia de coerência óptica, entre outros. Esses sinais em
exames seriados em portadores assintomáticos da doença podiam aparecer e desaparecer,
levando-os a concluir que existe uma forma mais crônica da doença, mesmo que assintomáti-
ca. Depois de semanas ou meses de evolução a partir da perda visual, surge perda progressiva
da camada de fibras nervosas e a atrofia óptica se desenvolve (inicialmente temporal). Na fase
crônica, pode também ocorrer escavação do disco óptico, o que pode levar a confusão com
neuropatia óptica glaucomatosa.
Na maioria dos pacientes com NOHL, a perda visual permanece grave e fica permanente.
No entanto, alguns indivíduos podem apresentar recuperação visual, que pode ser importante,
mesmo meses ou anos após a perda visual. A recuperação pode ser na forma de uma melhora
muito gradual da visão central, às vezes restrita a uma pequena ilha central de recuperação
da visão. Essa recuperação geralmente é bilateral, mas pode ser unilateral e parece ocorrer de
forma mais substancial nos indivíduos cuja perda visual ocorreu em uma idade mais precoce.
O tipo de mutação também é importante, uma vez que a recuperação visual ocorre com maior
frequência em algumas do que em outras mutações mitocondriais.
A NOHL é uma doença de herança materna, causada por mutações pontuais no DNA mi-
tocondrial situado no citoplasma celular. Tanto homens como mulheres podem herdar a ano­
malia, mas apenas as mulheres a transmitem para as gerações subsequentes. Uma vez que o
espermatozóide perde o citoplasma ao penetrar o óvulo, o material genético presente fora
do núcleo celular provém exclusivamente da mãe. Como o material genético presente nas
mitocôndrias se situa no citoplasma, pode-se compreender que as mutações genéticas nele
presentes sejam herdadas apenas da mãe.
Embora a transmissão seja exclusivamente materna, tanto homens como mulheres, como
já dissemos, podem herdar a anomalia. Apesar disso, observa-se que a doença se manifesta
com muito maior frequência nos homens do que nas mulheres portadoras da anomalia. A ra­
zão para essa propensão é desconhecida.
Três mutações são denominadas primárias e respondem por, pelo menos, 95% dos casos
de NOHL. Estas são aquelas localizadas nas posições 11778 (69% dos casos), 3.460 (13% dos
casos) e 14484 (14% dos casos), respectivamente nas subunidades genéticas ND4, ND1 e ND6
do complexo 1, o qual é responsável pela fosforilação oxidativa na mitocôndria. Acredita-se
que a disfunção na cadeia respiratória leve a depleção de energia e dano axonal, acometendo
as células ganglionares da retina. Outras mutações também já foram implicadas, mas com nú­
mero menor de pacientes descritos.
Embora a maioria dos pacientes com NOHL seja normal, a não ser pela alteração visual,
alguns apresentam defeitos cardíacos de condução, e alguns casos bem documentados apre­
sentaram alterações neurológicas, tais como distonia, espasticidade, ataxia, episódios en-
cefalopáticos e alterações psiquiátricas. A NOHL pode também ser associada a uma doença
semelhante à esclerose múltipla; nesse caso é denominada doença de Leber “plus”, e ocorre
particularmente em homens com a mutação 11778. É possível, no entanto, que a associação
126 I Neuroftalmologia

entre as duas doenças não seja maior do que a que ocorre ao acaso, mas que a presença da
mutação para a doença de Leber piore o prognóstico da neurite óptica em pacientes com
esclerose múltipla. A tomografia computadorizada e a imagem por ressonância magnética
tipicamente são normais nos pacientes com NOHL. O grau de simetria, a ausência de melhora
na maioria dos casos, o início indolor e a aparência típica do disco óptico na fase aguda au­
xiliam a diferenciar a NOHL da neurite associada à esclerose múltipla. No entanto, a imagem
por ressonância magnética pode ser utilizada para afastar doenças desmielinizantes, nas quais
existem alterações características no nervo óptico e na substância branca periventricular, di­
ferentemente da NOHL.
O desenvolvimento da análise genética permitiu a verificação de que o espectro de pa­
cientes com NOHL é maior do que se pensava. Vários casos são observados sem nenhuma
história familiar, alguns deles até mesmo em mulheres, e mesmo sem o aspecto típico da mi-
croangiopatia observada na NOHL. Desse modo, o diagnóstico da NOHL deve ser considerado
em qualquer caso que tenha perda visual sem explicação por neuropatia óptica bilateral, não
importando a idade de início, o gênero, a história familiar ou o aspecto fündoscópico. Na sus­
peita da afecção, quando os dados clínicos e a história familiar não permitirem o diagnóstico,
devemos solicitar a pesquisa das mutações mitocondriais associadas à NOHL, já disponível em
alguns laboratórios do Brasil e do exterior.
Não há um tratamento comprovadamente eficaz para a NOHL. Melhora espontânea pode
ocorrer mais frequentemente (até 35 a 40% dos casos) nos portadores da mutação 14484 que
apresentam perda visual antes da idade de 20 anos. Nas outras mutações ocorre melhora es­
pontânea da visão menos frequentemente; na 3460, em aproximadamente 20% dos pacientes
afetados; e, na 11778, por volta de 5% dos afetados. Devido à ocorrência de melhora espontâ­
nea em alguns pacientes com NOHL, os relatos ocasionais de tratamento seguido de melhora
visual devem ser analisados com cuidado. É importante salientar que a melhora visual, quando
ocorre, pode evidenciar-se meses após a perda visual, mesmo quando já existe algum grau de
atrofia óptica.
Não há nenhuma medida terapêutica realmente efetiva conhecida para a NOHL, embora o
succinato e a coenzima Q, fatores importantes para o funcionamento da função mitocondrial,
possam ser usados. Outros fatores, como 1-carnitina, vitaminas K l, K3, C, B I2, folato e tiamina,
também já foram descritos como possíveis agentes da disfunções mitocondriais, porém sem
evidência comprovada. Medicações destinadas a aumentar a produção de energia da mito-
côndria, com capacidade antioxidantes, como a idebenona, alfa-tocotrienol quinona (EP1-743)
ou vitaminas (hidroxicobalamina), também têm sido estudadas para o tratamento de NOHL.
Klopstocket al. (2011) realizaram ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego, con­
trolado por placebo. Seguiram 85 pacientes com NOHL por 24 semanas, recebendo idebenona
na dose de 900 mg diários, e concluíram que a medicação era segura e bem tolerada. Em nove
pacientes afetados e com visão baixa (12 olhos) de 36 pacientes afetados incluídos (61 olhos)
recebendo idebenona, observou-se melhora visual de pelo menos uma linha na tabela de acui­
dade visual (20%). Por outro lado, no grupo-controle, em nenhum dos 26 pacientes recebendo
placebo observou-se melhora da acuidade visual. A medicação já é aprovada na Europa para
tratamento de NOHL. Nos EUA, há um ensaio clínico em andamento em Fase 2 (RHODOS), con­
trolado pelo NIH (Instituto Nacional de Saúde) para avaliar a eficácia, segurança e tolerabilida-
de da Idebenona no tratamento de NOHL. Chicani et al. (2013), estudando outra medicação de
Neuropatias Ópticas Hereditárias | 1 2 7

mecanismo de ação semelhante à idebenona, um metabólito da vitamina E, a alfa-tocotrienol


quinona (EPI-743), com potente ação contra o estresse oxidativo e envelhecimento, acompa­
nharam 12 pacientes portadores de NOHL de diferentes mutações por 24 meses e observaram
melhora visual parcial em 33% deles.
Recentemente, técnicas de terapia gênica têm sido testadas em modelos de animais verte­
brados que se assemelham à degeneração do nervo óptico observada na NOHL, trazendo-nos
esperança de um tratamento efetivo e durador para a doença no futuro (Lam et a i, 2010).
Muito importante também é a observação de que fatores ambientais podem ter certo pa­
pel como desencadeantes da doença, sendo os mais implicados o uso de tabaco e de álcool.
Essas substâncias, por induzirem o estresse oxidativo e diminuírem a capacidade produtora de
energia mitocondrial, devem, portanto, ser evitadas nos indivíduos com a anomalia genética
responsável pela doença de Leber.

ATROFIA ÓPTICA DOMINANTE

A atrofia óptica dominante (AOD), também denominada doença de Kjer, é a forma mais comum
de neuropatia óptica hereditária, com incidência entre 1:10.000 e 1:50.000 nascimentos vivos.
Foi inicialmente descrita como uma anomalia hereditária, caracterizada pelo aparecimento de
atrofia óptica bilateral. Embora a afecção tenha sido descrita há muitos anos, apenas recente­
mente foi possível a identificação das alterações genéticas causadoras dessa neuropatia. Tal
identificação propiciou um grande avanço na compreensão das características clínicas e do
espectro de manifestações da neuropatia.
O quadro clínico se caracteriza por início insidioso, ocorrendo na maioria dos casos antes
dos 10 anos de idade, embora em geral os pacientes não sejam capazes de dizer com exatidão
quando começou a afecção. Muitas vezes, a perda visual é percebida como um achado de exa­
me, evidenciando o caráter de início lento e, não raro, imperceptível da doença. Geralmente,
há piora lenta e progressiva da acuidade visual com a idade. A doença é bilateral, caracterizada
por redução da acuidade visual, leve a moderada (em torno de 20/60), podendo variar de 20/20
a conta-dedos. A história típica é a de uma visão apenas discretamente reduzida, observada
na infância, mas não suficiente para impedir as atividades escolares, com pouca restrição para
o trabalho, mas que geralmente é causa de reprovação no exame para carta de habilitação. A
perda visual geralmente é reduzida de forma semelhante nos dois olhos, e a grande maioria
dos casos permanece com acuidade visual melhor que 20/200. Existe, no entanto, uma grande
variabilidade no grau de perda visual entre famílias diferentes e, até mesmo, entre os membros
de uma mesma família.
O exame clínico característico inclui ainda a redução na visão de cores, a presença de es-
cotomas no campo visual e a palidez temporal ou difusa do nervo óptico na AOD. Acredita-se
que o defeito na visão de cores mais característico da AOD seja a tritanopia, embora discroma-
topsia generalizada, com acometimento tanto do eixo azul-amarelo como do verde-vermelho,
também possa ocorrer. O campo visual mostra escotomas centrais, paracentrais ou cecocen-
trais geralmente pequenos. Por vezes, a sua identificação à perimetria é difícil, particularmen­
te nos indivíduos com acuidade visual melhor que 20/50. Ao fundo de olho, observa-se pali­
dez de papila, que pode ser discreta no setor temporal ou ser mais difusa e acentuada. Pode
1 2 8 | Neuroftalmologia

haver escavação da papila, geralmente temporal, em forma de “cunha” (wedge shaped), ocasio­
nalmente causando confusão com glaucoma. Estudos eletrofisiológicos mostram redução da
onda N95 no eletrorretinograma de padrão reverso, indicando disfunção da célula ganglionar
da retina.
Existe uma grande heterogeneidade de expressões fenotípicas, tanto dentro das famílias
como entre diferentes famílias, resultando em membros com acuidade visual variando desde
normal (assintomáticos) até perda visual muito grave.
A AOD geralmente ocorre de forma isolada. No entanto, a surdez neurossensorial pode
ocorrer em algumas famílias, podendo ser grave ou discreta. A perda auditiva pode ser grave
ou subclínica, necessitando audiometria para sua detecção. A audiometria deve, portanto, ser
sugerida a esses pacientes e seus familiares, mesmo que assintomáticos.
A AOD representa provavelmente uma degeneração das células ganglionares. Em alguns
estudos histopatológicos, o principal achado foi a degeneração das células ganglionares, com
atrofia ascendente do nervo óptico. Em 2000, dois grupos de pesquisadores independentes
identificaram mutações no cromossomo 3q28 como causadoras da AOD. Esse gene foi deno­
minado gene OPA-1. Entre 30 e 90% das famílias apresentam diferentes mutações no gene ci­
tado, localizado na porção telomérica do braço longo do cromossomo 3. Posteriormente, dois
outros éxons (4b e 5b) foram identificados, representando mutações variantes. Mais tarde,
ainda inúmeras outras mutações no gene OPA-1 foram descritas e, assim, a fisiopatogenia da
afecção permanece desconhecida. Todos esses genes são responsáveis por proteínas mitocon-
driais estruturais. Além do OPA-1, outras mutações nos genes OPA-4 e nos genes OPAs foram
descritas, respectivamente mapeadas nas regiões 3q e 18q. Devido ao grande número de mu­
tações causais da AOD, um teste de DNA rápido ainda não é possível nas famílias suspeitas.
Quando a AOD foi descrita, acreditava-se que a sua penetrância seria quase completa. No
entanto, a identificação do gene OPA-1 e a disponibilidade posterior de teste molecular reve­
laram que a penetrância verdadeira era muito menor. Acredita-se, hoje, que a penetrância do
gene varia entre 43 e 62%. Em alguns casos, a AOD se manifesta mais tardiamente do que nas
primeiras duas décadas.
O produto do gene OPA-1 é direcionado à mitocôndria e parece exercer sua função na
biogênese e estabilização da integridade da membrana mitocondrial. Parece que essa altera­
ção na regulação pode ser importante na apoptose da célula ganglionar. Interessante citar que
estudos usando análise de ligação evidenciaram associação de glaucoma de baixa pressão com
polimorfismos na região do gene OPA-1. No entanto, a manifestação clínica da AOD é muito
diferente da neuropatia glaucomatosa, acometendo a região central e preservação do campo
periférico, diferentemente do acometimento glaucomatoso. De qualquer modo essa anomalia
enfatiza o papel crucial que a mitocôndria pode ter na fisiopatologia da célula ganglionar reti-
niana. A herança é autossômica dominante.
Para o diagnóstico da AOD, devem ser descartadas doenças do sistema nervoso central,
daí ser necessário investigação através de exames de neuroimagem. Johnston et a i (1999)
refinaram os critérios diagnósticos avaliando oito famílias, nas quais o diagnóstico foi con­
firmado por análise genética. Noventa e dois indivíduos das oito famílias foram classificados
como diagnóstico definido ou possível de acordo com o exame oftalmológico antes da análise
genética. Clinicamente, 43 indivíduos foram identificados como “definitivamente afetados”,
4 como “possivelmente afetados” e 45 como “não afetados”. A acuidade visual dos afetados
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variou de 20/20 a conta-dedos e declinou com a idade. Os critérios usados para considerar um
indivíduo como “definitivamente afetado” foram: diminuição da AV e/ou diminuição acentua­
da da visão de cores, palidez temporal ou difusa dos discos ópticos em família com herança de
padrão autossômico dominante. Cinquenta e oito por cento desses indivíduos apresentaram
sintomas antes de 11 anos, 26% entre 11 e 20 anos, 9% acima de 21 anos e 7% não observa­
ram nenhum sintoma visual. Mais da metade (55%) dos indivíduos observou perda visual pro­
gressiva. Quarenta e seis por cento dos indivíduos “defmitivamente afetados” apresentavam
escotoma central ou cecocentral, 24% apresentavam incapacidade para ver um alvo vermelho,
enquanto o exame de campo visual foi normal em 30%. A visão cromática estava afetada em
todos os indivíduos “defmitivamente afetados” . Os critérios usados para classificar um indiví­
duo como “possivelmente afetado” foram: AV normal, defeitos cromáticos discretos e palidez
temporal ou difusa dos discos ópticos em paciente com história familiar positiva. Esse estudo
demonstrou que o início da diminuição da visão nem sempre ocorre antes dos 8 anos de ida­
de; a AV é muito variável, podendo haver perda progressiva da visão em alguns pacientes; e,
em membros de uma família afetada, discretos defeitos cromáticos e discreta atrofia óptica
podem ser indicativos da doença, mesmo na presença de AV normal.
No diagnóstico da AOD, além dos achados clínicos, muitas vezes lançamos mão do exame
de familiares, mesmo que a história familiar seja aparentemente negativa. A pesquisa de ano­
malia genética, embora realizada em centros de pesquisa, ainda não se encontra disponível
para uso clínico.
Hipóteses atuais sugerem que mutações no OPA-1 podem desorganizar as redes mitocon-
driais e a distribuição de energia ao longo da célula, comprometendo o transporte axonal no
nervo óptico. Outra hipótese sugere que as mutações poderiam desestabilizar a membrana
mitocondrial e interferir com a função de complexos respiratórios, reduzindo a quantidade de
energia produzida e aumentando a quantidade de espécies reativas ao oxigênio.
Ainda não existe tratamento comprovado para essa afecção. Assim como na NOHL, vários
agentes foram testados, mas nenhum foi considerado eficaz até este momento. No entanto,
geralmente podemos tranquilizar os pacientes quanto ao fato de que a perda da função visual
geralmente não é muito acentuada, e que eles, embora com alguma limitação, geralmente
não apresentam disfunção visual muito grave. O prognóstico visual é considerado bom. Não
se sabe ao certo se fatores ambientais exercem alguma influência nessa patologia. A esses pa­
cientes deve ser oferecido aconselhamento genético.

ATROFIA ÓPTICA RECESSIVA (AOR)

A AOR é uma doença autossômica recessiva, a mais rara forma de doença hereditária do nervo
óptico. Geralmente é diagnosticada nos primeiros 3 ou 4 anos de vida e se caracteriza-se por
perda visual grave, frequentemente associada a nistagmo. A acuidade visual varia entre ausên­
cia de percepção luminosa (SPL) e 20/400. Existe atrofia óptica difusa, geralmente com atenu­
ação das arteríolas retinianas, similar àquela observada nas degenerações tapetorretinianas.
Assim, o diagnóstico diferencial dessa entidade deve ser feito com as afecções retinianas, de
modo mais importante do que com outras doenças hereditárias do nervo óptico. O eletrorre-
tinograma é de extrema importância no diagnóstico diferencial entre AOR e as degenerações
1 3 0 | Neuroftalmologia

tapetorretinianas, retinose pigmentar ou amaurose congênita de Leber, sendo normal na AOR


e drasticamente afetado nas degenerações retinianas.
O gene ou cromossomo responsável pela AOR ainda não foi identificado. Existem várias
descrições de casos de consanguinidade associados a essa condição autossômica recessiva.
Até este momento, não existe tratamento disponível.

NEUROPATIAS ÓPTICAS HEREDITÁRIAS ASSOCIADAS


A ALTERAÇÕES NEUROLÓGICAS OU SISTÊMICAS

Atrofia óptica associada a diabetes melito, diabetes insípidos e perda


auditiva (síndrome de Wolfram)
A neuropatia óptica hereditária pode também ocorrer associada a outras manifestações neu­
rológicas ou sistêmicas. Isto ocorre, por exemplo, na síndrome de Wolfram, que é bastante
rara. Em 1938, Wolfram relatou a ocorrência combinada de diabetes melito e atrofia óptica em
quatro irmãos, uma associação que, posteriormente, foi denominada síndrome de Wolfram.
Essa condição se caracteriza pela associação de diabetes melito juvenil e perda progressiva da
visão com atrofia óptica, com início habitual na infância. Quase sempre existe também diabe­
tes insípido e surdez neurossensorial. A síndrome também é conhecida pela sigla D1DMOAD
(do inglês diabetes insipidus, diabetes mellitus, optic atrophy, deafness). A herança é autossômica
recessiva embora existam casos esporádicos. A prevalência da afecção é desconhecida, mas
estimada em 1: 770.000 no Reino Unido.
Os sintomas de diabetes melito geralmente ocorrem na primeira ou na segunda década de
vida e geralmente precedem a atrofia óptica. O diagnóstico do diabetes insípido geralmente é
feito entre 5 e 10 anos depois do diabetes melito. A perda auditiva só é detectada por audiome­
tria antes dos 20 anos, sendo, portanto, mais tardia. Nas fases mais avançadas, a perda visual
torna-se grave, geralmente pior que 20/200. O campo visual mostra constrição generalizada
e escotomas centrais. A atrofia óptica pode ser grave. A surdez e o diabetes insípido também
podem ser graves. A palidez da papila não está diretamente relacionada ao grau de retinopatia
diabética e pode ocorrer sem a retinopatia.
O exame histopatológico de pacientes com síndrome de Wolfram revelou alterações neu-
ropatológicas difusas sem correlação clínica em alguns pacientes. Estas incluem alterações
atróficas e gliose do cerebelo e tronco encefálico. Também ocorre atrofia dos bulbos olfató-
rios, dos nervos ópticos, trato óptico e quiasma óptico, além de perda de neurônios no corpo
geniculado lateral, colículo superior, cerebelo e núcleo coclear. A imagem por ressonância
magnética pode mostrar atrofia acentuada no tronco cerebral, especialmente a ponte e o me-
sencéfalo.
As quatro características fundamentais da síndrome de Wolfram podem ser acompanha­
das de uma grande variedade de alterações, afetando o sistema nervoso central, o trato uriná­
rio e as glândulas endócrinas. As alterações neurológicas relatadas incluem ataxia, nistagmo,
vertigem, disartria, disfagia, retardo mental, convulsões, alterações psiquiátricas, retinopatia
pigmentária, hiposmia, tremores, distonia, pupila tônica, hiporreflexia e bexiga neurogênica.
A alteração do trato urinário mais característica é a atonia muscular, com o desenvolvimento
de hidronefrose e hidroureteres. Alterações endócrinas incluem atraso na maturação sexual,
Neuropatias Ópticas Hereditárias | 131

retardo no crescimento, hipotireoidismo e atrofia testicular. Por causa dessas alterações, a


sobrevida média dos pacientes é de 30 anos, a maioria falecendo de insuficiência respiratória
centrais com atrofia do tronco encefálico.
Como muitas das anormalidades que foram relatadas como associadas à síndrome de
Wolfram são encontradas em pacientes com doenças mitocondriais, especialmente as síndro-
mes de oftalmoplegia crônica externa progressiva, aventou-se a hipótese de que o fenótipo
da síndrome de Wolfram pudesse não ser específico e refletir uma grande variedade de ano­
malias genéticas. No entanto, em várias famílias com herança presumivelmente autossômica
recessiva, o gene de Wolfram foi localizado no braço curto do cromossomo 4 (4pl6.1). Por
outro lado, esse locus não responde por todos os pedigrees da doença. O gene da síndrome de
Wolfram foi designado WFS1, e nele foram identificadas várias mutações e deleções.

Atrofia óptica hereditária infantil complicada (síndrome de Behr)


Em 1909, Behr descreveu uma síndrome de atrofia óptica hereditária começando na infância
e associada a sinais de acometimento dos tratos piramidais em grau variável, ataxia, retardo
mental, incontinência urinária e pés cavus. Todos os casos descritos eram do sexo masculino,
mas estudos subsequentes indicaram que a condição não tem preferência pelo sexo. O início
ocorre na primeira década de vida e progride por alguns anos até a estabilização. A palidez do
disco óptico tende a ser temporal, o nistagmo está presente em 50% dos casos, e o estrabismo
em 66% deles. A doença é de herança autossômica recessiva. Considera-se que a atrofia óptica
recessiva complicada de Behr possa representar uma forma de transição entre a atrofia óptica
hereditária simples e a ataxia cerebelar hereditária do tipo Marie. A atrofia óptica é associada
com alterações neurológicas, incluindo nistagmo, espasticidade, ataxia e retardo mental.
Alguns casos de síndrome de Behr foram submetidos a estudos de autópsia, e os achados
incluíram atrofia óptica moderada dos nervos e tratos ópticos com degeneração extensa do
corpo geniculado lateral e leve alteração das radiações, mas córtex estriado normal. Algumas
famílias de indivíduos afetados com atrofia óptica do tipo Behr foram descritas em indivíduos
com excreção urinária elevada de ácido 3-metilglutacônico. Também, nos casos de atrofia óp­
tica complicada, deve-se lembrar da ocorrência da associação de atrofia óptica e neuropatia
axonal motora e sensorial de herança presumivelmente autossômica. Outras associações são
com disautonomia autossômica recessive e com a síndrome PEHO (encefalopatia progressiva,
edema subcutâneo de membro, hipsarritmia e atrofia óptica), que se caracteriza por convul­
sões intratáveis e hipotonia infantil associada a uma atrofia cerebelar e óptica autossômica
recessiva.

Atrofia óptica associada a outras doenças neurodegenerativas


Outras doenças hereditárias com envolvimento neurológico primário ou com manifestações
sistêmicas também podem cursar com atrofia óptica, tipicamente como uma manifestação
secundária. Essas afecções incluem as ataxias hereditárias, as polineuropatias hereditárias,
paraplegias espásticas hereditárias, distrofias musculares hereditárias, doenças de depósito e
outras degenerações cerebrais da infância. Muitas dessas afecções, mesmo com herança men-
deliana, apresentam uma via final comum de disfunção mitocondrial, e talvez isso explique
1 3 2 I Neuroftalmologia

o acometimento do nervo óptico. Por exemplo, no caso da ataxia de Friedrich, a evidência


de neuropatia óptica está presente em 66% dos casos, embora a perda visual grave seja inco-
mum. Essa é uma alteração autossômica recessiva ligada ao braço longo do cromossomo 9,
envolvendo um gene que codifica uma proteína reguladora do nível sérico na mitocôndria. De
forma similar, muitos pacientes com ataxia espinocerebelar e doença de Charcot-Marie-Tooth
também podem cursar com atrofia óptica. Não se sabe se essas afecções também têm uma via
final comum de disfunção mitocondrial.
Existe uma grande superposição de vários tipos de síndromes que combinam atrofia óp­
tica com degeneração cerebelar, sinais piramidais e surdez. Além disso, as polineuropatias
progressivas do tipo Charcot-Marie-Tooth também podem associar-se com atrofia óptica. A as­
sociação com degenerações espinocerebelares, neuropatia bulbospinal neuronopática, ataxia
cerebelar e surdez neurossensorial e disautonomia familiar também é conhecida. Disfunção do
nervo óptico também é documentada na ataxia espástica hereditária e na ataxia de Friedreich.
A superposição frequente das degenerações espinocerebelares, ataxias hereditárias, neuropa-
tias motoras e sensoriais, surdez e atrofia óptica sugere um complexo genético contínuo, no
qual não se pode fazer distinções claras. A associação de atrofia óptica pode ainda ocorrer em
outras doenças degenerativas do sistema nervoso central, como a encefalopatia necrotizante
subaguda de Leigh, a epilepsia mioclônica com fibras ragged red, a encefalopatia mitocondrial,
a acidose lática com episódios tipo AVC (MELAS) e a oftalmoplegia crônica externa progressi­
va, com ou sem a síndrome de Kearns-Sayre.
A transmissão nessas afecções pode ser dominante, como na polineuropatia de Charcot-
Marie-Tooth e em alguns casos de ataxia de Friedreich ou recessiva, como na maioria dos casos
de doença de Marie, ou ainda pode não seguir a herança mendeliana, do tipo mitocondrial.

BIBLIOGRAFIA

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Traumatismos do
Nervo Óptico

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

INTRODUÇÃO

Os traumatismos do nervo óptico (NO) são lesões graves que, frequentemente, se acompa­
nham de perda grave da função visual. Podem ser classificados em traumatismos diretos e in­
diretos. As lesões diretas são decorrentes do impacto sobre o nervo ou suas bainhas, causado
por corpos estranhos ou objetos que penetram o globo, a órbita ou o crânio. As lesões indire­
tas são aquelas nas quais o nervo não é atingido diretamente, mas sofre os efeitos da onda de
choque determinada pelo trauma. Esse tipo de lesão é uma complicação incomum de trauma
craniano e facial, com uma ocorrência relatada de 0,5 a 5% dos casos. Enquanto os traumas
diretos geralmente ocorrem ao nível da órbita, no trauma indireto a lesão se dá, na maioria
das vezes, na altura do canal óptico. A lesão direta do NO é menos comum do que a indireta
devido à proteção oferecida pela órbita óssea.
A perda visual nos traumatismos do NO é geralmente imediata, no momento do impacto,
embora perda visual tardia também possa ocorrer. Indivíduos acometidos permanecem com
déficit visual permanente em cerca de 50% dos casos. Neste capítulo discutiremos o quadro
clínico, fisiopatogenia, diagnóstico diferencial e tratamento dos principais tipos de neuropa-
tias ópticas traumáticas.

TRAUMATISMOS DIRETOS DO NERVO ÓPTICO

O NO pode ser afetado por lesões incisionais ou perfurantes da órbita que o atingem
diretamente. As mais frequentes são as lesões perfurantes, que podem ser por objetos
pontiagudos, ou as lesões lacérantes causadas por objetos de ponta romba, forçados para
dentro da órbita.

135
136 I Neuroftalmologia

As lesões orbitárias por objetos de ponta romba habitualmente causam grande dano aos
tecidos. As pálpebras apresentam-se laceradas; a lesão do globo ocular é frequente. Costuma
haver ocorrência associada de fraturas das paredes orbitárias e, portanto, o envolvimento do
nervo óptico constitui-se apenas em uma entre várias lesões orbitárias. O mesmo ocorre nos
traumatismos orbitários por ferimentos por arma de fogo, em que a lesão do nervo óptico
geralmente está associada a outras lesões do globo ocular e anexos. Uma exceção é quando
o projétil penetra a órbita lateralmente; nesses casos, o envolvimento do NO pode ser a lesão
predominante e o acometimento do nervo pode ser até bilateral.
Quanto às lesões causadas por objetos pontiagudos, geralmente são mais discretas, em­
bora possam lesar completamente o NO. Podem ser causadas por diferentes objetos, tais
como faca, estiletes, caneta, pedaço de madeira pontiaguda, chave de fenda etc. Nesses casos,
o dano causado aos tecidos orbitários é comparativamente menor do que aquele causado
por objetos de ponta romba. O olho pode não ser atingido e, geralmente, ocorre hemorragia
orbitária imediata, o que leva a hematoma e proptose. O NO pode ser lesado isoladamente
ou junto com os músculos extraoculares e vasos orbitários. Pode haver secção completa do
nervo, especialmente quando o objeto é cortante como faca.
Os traumatismos por objetos cortantes geralmente causam lesões mais extensas, que não
apresentam dificuldade diagnóstica. No entanto, deve ser lembrado que o NO pode também
ser lesado por objetos pontiagudos finos, como estiletes, cujo orifício de entrada é muito
pequeno e pode até não ser percebido. Ocasionalmente, encontramos traumatismos por ob­
jetos do tipo antena de rádio, ponta de ferro fixo a algum objeto nos quais os sinais externos
deixados após o acidente não nos dão a ideia clara da profundidade atingida pelo estilete. No
momento do trauma, a perfuração pode ocorrer pela pálpebra superior, ou mesmo pelo canto
interno, indo até o ápice orbitário, com lesão do NO, sem deixar pistas óbvias da profundidade
da penetração.
Geralmente, não há tratamento específico para os traumatismos diretos do NO, mas pode-se
tentar o uso de corticoides por via oral ou endovenosa em altas doses (pulsoterapia), e até
mesmo descompressão do nervo óptico. Vários autores já relataram melhora visual em pacien­
tes com traumatismos diretos do nervo óptico seja de forma espontânea, seja após o uso de
corticoide em altas doses por via endovenosa; isto mostra que vários mecanismos atuam no
traumatismo direto do nervo óptico e que pode haver melhora da visão até mesmo quando a
perda visual é de início muito grave.

TRAUMATISMOS INDIRETOS DO NERVO ÓPTICO

São lesões decorrentes de traumas contusos, em que o NO não é atingido diretamente por um
corpo estranho, mas tem sua lesão causada pela transmissão da onda de choque determinada
pelo trauma. São produzidos por forças transmitidas em diferentes níveis no momento do
trauma craniano fechado. Tais traumatismos podem ainda ser divididos em traumas indiretos
anteriores do nervo óptico, em que se observam alterações ao exame de fundo de olho, e
traumas indiretos posteriores, onde o fundo de olho se apresenta inicialmente sem alterações
(mais tarde a atrofia óptica se desenvolve). O local mais comum de traumatismo indireto do
nervo óptico é o canal óptico.
Traumatismos do Nervo Óptico | 1 3 7

Trauma indireto anterior


0 trauma indireto anterior do nervo óptico decorre do envolvimento da porção intrao­
cular do nervo, ou seja, da papila óptica, e caracteriza-se por alterações oftalmoscópicas, tais
como: oclusão da artéria central da retina, palidez papilar, arteríolas estreitadas e mancha
vermelho-cereja na mácula. Pode ocorrer também uma neuropatia óptica isquêmica, levando
ao edema de papila por comprometimento da circulação das artérias ciliares posteriores. O
grau máximo de lesão no traumatismo indireto anterior do nervo óptico é a avulsão (Fig. 1) e
a ruptura do nervo óptico. Tais lesões geralmente decorrem de traumas contusos que atingem
também o globo ocular e geralmente se acompanham de outras lesões traumáticas oculares,
como, por exemplo, hemorragia vítrea, o que torna o diagnóstico da lesão do NO mais difícil.
O mecanismo da ruptura e avulsão do nervo óptico é controverso. É possível que alguns
casos sejam devidos à ruptura da lâmina crivosa pelo impacto do trauma no olho. Há ainda
a possibilidade de o trauma ocorrer numa posição de rotação extrema, o que possibilitaria a
ruptura de um lado do anel escleral. Um traumatismo da região óssea periocular pode fazer
com que o olho seja forçado para frente e o nervo óptico estirado ao nível da papila. O qua­
dro clínico varia conforme a gravidade da lesão. Em rupturas marginais, pode haver apenas
uma hemorragia nas margens da papila. Nas avulsões parciais, o disco pode parecer dividido
em dois, uma parte sendo deprimida e escura com aspecto sugerindo um coloboma do nervo
óptico. Na avulsão completa, os vasos retinianos estão fechados e observa-se uma massa irre­
gular de tecido fibroso sobre a região do disco óptico (Fig. 1). Geralmente não há tratamento
para as lesões indiretas anteriores do NO.

Fig. 1 Fundo de olho de paciente com avulsão do nervo


óptico.

Trauma indireto posterior


O trauma indireto posterior do nervo óptico é o tipo de traumatismo mais frequente do NO
e ocorre ao nível do canal óptico. O trauma craniano geralmente é grave, quase sempre com
outras lesões sistêmicas ou neurológicas associadas. Perda da consciência ocorre em 40 a 72%
dos pacientes com neuropatia óptica traumática.
A gravidade da perda visual inicial em pacientes com trauma indireto posterior do nervo
óptico varia desde ausência de percepção luminosa até 20/20 com defeito de campo visual.
1 3 8 | Neuroftalmologia

Estudos mais antigos indicavam uma maior incidência de casos graves, que referiam, em torno
de 70% dos pacientes, visão inicial de percepção luminosa ou ausência de percepção luminosa.
É possível que apenas os casos mais graves tenham sido incluídos nessas casuísticas, já que
estudos mais recentes indicam uma incidência entre 43 e 56% de perda inicial grave da visão.
O trauma indireto do NO geralmente é causado por uma desaceleração brusca do nervo
decorrente de um impacto tipicamente na testa do lado ipsilateral ao nervo. Acidentes auto­
mobilísticos são a causa mais frequente, representando 17 a 63% dos casos. Indivíduos vítimas
de acidentes com motocicleta são particularmente vulneráveis ao trauma. Quedas também são
causas importantes, produzindo 14 a 50% dos casos, mas inúmeras outras causas também são
apontadas como impacto de objetos, pancadas etc.
Geralmente, o trauma indireto posterior do nervo óptico ocorre quando a cabeça desace­
lera rapidamente devido a um impacto na testa, região dos supercílios ou na região temporal.
A onda de choque é transmitida até a região do ápice orbitário e canal óptico, provocando
lesão do nervo óptico intracanalicular. Embora o trauma craniano que ocasiona traumatismo
do nervo óptico seja usualmente importante, levando à perda da consciência, alguns pacientes
podem apresentar tal lesão após traumas triviais na região frontal.
Tipicamente, o trauma indireto posterior do NO ocorre em pacientes jovens vítimas de
acidente automobilístico, agressão, quedas de bicicletas ou outros tipos de traumatismo. Ao
exame radiológico, realizado de preferência com a tomografia computadorizada (TC) de alta
resolução, pode-se observar, em alguns casos, fratura nas paredes orbitárias ou no canal óp­
tico. Por vezes, uma espícula óssea pode ser observada (Fig. 2), mas, em grande número de
pacientes, a TC é inteiramente normal, a despeito da perda acentuada da função visual.
Estudos de autópsia ou observações realizadas durante o ato cirúrgico revelam que o
aspecto do nervo óptico varia bastante nesse tipo de lesão, podendo ser observado um ner­
vo óptico de aspecto normal, adesões na aracnoide, hemorragias na bainha do nervo ou nas
fibras nervosas, compressão direta por fragmentos ósseos ao nível do canal ou da clinoide
anterior e até a laceração parcial ou completa do nervo óptico intracanalicular. As lesões pa­
tológicas podem ser classificadas em primárias e secundárias. As lesões primárias ocorrem no
momento do impacto, e incluem: a) hemorragias nas bainhas do nervo; b) rupturas no nervo
e necrose de contusão. As lesões secundárias ocorrem algum tempo depois do impacto, e
incluem: a) edema do nervo; b) necrose por compressão vascular local ou déficit circulatório
sistêmico; e c) infarto do nervo óptico relacionado à obstrução vascular.

Fig. 2 Tomografia computadorizada evidenciando espícula


óssea no canal óptico.
Traumatismos do Nervo Óptico | 1 3 9

Assim, múltiplos fatores estão envolvidos na perda visual. Sabe-se que a lesão mecânica
pode ser ocasionada pelo movimento brusco do cérebro, provocando alterações como esti­
ramento, ruptura e torção de o nervo ao nível do canal óptico. Esse tipo de lesão é devido,
principalmente, ao fato do nervo óptico ser imóvel dentro do canal e possuir liberdade de mo­
vimentos tanto na região intracraniana como na órbita. Além disso, a deformação pode pro­
vocar fraturas das estruturas ósseas em torno do canal, que podem resultar em compressão
ou laceração do nervo. Pode haver grande deformação do canal óptico mesmo sem fratura,
quando a onda de choque é transmitida após um trauma frontal. Outro mecanismo importante
para a perda visual é a insuficiência vascular. Fatores anatômicos tornam o suprimento vascu­
lar do nervo óptico intracanalicular muito vulnerável ao trauma, especialmente pelo fato de
o nervo ser firmemente aderido ao periósteo do canal óptico. A ruptura de pequenos vasos
penetrantes devido ao movimento do nervo óptico pode ser um dos fatores responsáveis pela
insuficiência vascular do nervo. Concussão e contusão são também mecanismos de perda vi­
sual. Concussão é definida como a interrupção imediata e transitória da função neural devido
a forças mecânicas. Contusão é definida histologicamente como uma alteração no tecido neu­
ral caracterizada por extravasamento de sangue e morte celular. Hemorragia dentro do nervo
pode também ser um fator importante.
Observa-se, portanto, que uma grande variedade de fatores podem ser responsáveis pela
lesão do nervo óptico que ocorre após um trauma craniano fechado, e mais de um deles pode
estar presente ao mesmo tempo. Por exemplo, uma fratura do canal óptico pode levar a insu­
ficiência vascular e edema do nervo, que, por sua vez, pode comprometer ainda mais o supri­
mento vascular do nervo óptico, estendendo a área de infarto.
A avaliação do paciente com trauma indireto do nervo óptico deve começar com uma his­
tória completa e detalhada. Os detalhes podem ser obtidos de familiares ou amigos no caso
de o paciente ter perdido a consciência no momento do trauma. Ao exame, o paciente carac-
teristicamente apresenta perda da visão no olho afetado, defeito pupilar aferente e um exame
oftalmoscópico normal na fase aguda. De 3 a 5 semanas depois, começa a desenvolver palidez
de papila e perda da camada de fibras nervosas da retina, em graus variáveis, dependendo da
gravidade da lesão. O exame do paciente pode ser difícil, pois, na fase aguda, ele em geral se
apresenta acamado, às vezes em unidades de terapia intensiva e com outras lesões associadas.
A perda da acuidade pode variar desde déficits discretos até a ausência de percepção lumino­
sa. A avaliação das reações pupilares constitui-se numa etapa extremamente importante do
exame. Observa-se um defeito pupilar aferente relativo no olho acometido. Em alguns casos,
esse exame pode ser dificultado pela presença associada de um defeito pupilar eferente (le­
são oculomotora ou no gânglio ciliar). O exame de campo visual deve ser feito sempre que
possível, e os defeitos apresentam uma grande variação. Não existe um defeito característico.
Defeitos altitudinais, centrais, paracentrais, cecocentrais, hemianópicos e constrição genera­
lizada podem ocorrer.
Quando a avaliação da função visual se mostra prejudicada devido à perda de consciência
do paciente, pode-se utilizar o potencial visual evocado por flash, para auxiliar na avaliação
da função do nervo óptico. Esse exame pode, portanto, documentar a presença de alteração
na transmissão do impulso nervoso e, juntamente com a avaliação pupilar, pode ser utilizado
no paciente com rebaixamento do nível de consciência. No paciente colaborativo, no qual se
podem aferir a acuidade e o campo visual de forma adequada, no entanto, o potencial visual
1 4 0 | Neuroftalmologia

evocado, embora possa ser utilizado como mais um parâmetro indicativo da neuropatia, não
oferece vantagem significativa comparado àqueles métodos semiológicos.
O exame complementar mais importante é a TC de alta resolução, com cortes finos, en­
fatizando tanto partes moles como as estruturas ósseas. Esse exame pode mostrar fraturas
nas proximidades do canal óptico, ou mesmo neste, e, ocasionalmente, e ocasionalmente
espículas ósseas nessa região (Fig. 2). Quanto à imagem por ressonância magnética, embora
possa ser útil na demonstração de hematomas e espessamentos do nervo, apresenta a desvan­
tagem de não evidenciar adequadamente a parte óssea. Deve-se, no entanto, enfatizar que o
indivíduo pode ter perda completa da visão sem que haja nenhuma fratura na região do canal
óptico, mesmo após estudo cuidadoso com a TC.
O tratamento do trauma indireto posterior do NO é bastante controverso. Isto se deve
ao fato de que múltiplos fatores fisiopatogênicos entram em ação nesse tipo de lesão. Além
disso, existe grande variação na gravidade da lesão. Dois tipos de tratamento têm sido pro­
postos: a descompressão do nevo óptico no seu canal e o uso de corticosteroides sistêmicos.
Não há, no entanto, evidências claras de eficácia, e a possibilidade de recuperação espontânea
torna a avaliação dos tratamentos difícil. Algumas séries mostram que um 25 a 50% dos pa­
cientes não tratados melhoram espontaneamente, o que contribui para dificultar a avaliação
da eficácia de qualquer tratamento.
A indicação da descompressão baseia-se no fato de que ela pode reduzir a sequela de
compressão por hemorragia ou por edema do nervo óptico, impedindo que comprometam
ainda mais o suprimento arterial do nervo, principalmente quando existe fratura óssea e a
presença de um fragmento contribuindo para a compressão do nervo. Não há, no entanto,
uma tendência clara para melhora visual com esse tratamento, que geralmente é realizado na
fase aguda do traumatismo. A presença de espícula óssea próxima ao nervo óptico, ou de um
hematoma na bainha do nervo, é considerada por muitos como indicação cirúrgica. No entan­
to, esse parâmetro também não é adequado, e já tivemos a oportunidade de acompanhar um
paciente que apresentava perda visual e uma espícula óssea, na região do canal óptico (Fig. 2),
que recuperou quase completamente a visão sem que fosse realizada a cirurgia, o que também
já foi observado por outros autores.
Muitos autores advogam o uso de corticosteroide sistêmico por via oral ou endovenosa
no tratamento do trauma indireto posterior do nervo óptico. Anderson, Panje e Gross (1982)
utilizaram megadosagem de corticoide (dexametasona 1 mg/kg/dia) por via endovenosa e ob­
servaram melhora visual em alguns casos. Nenhum dos três pacientes que não tiveram respos­
ta ao corticoide apresentou qualquer recuperação quando submetido à descompressão do ca­
nal óptico. Os autores sugeriram que o corticoide deva ser usado e a descompressão reservada
para pacientes que tenham perda da visão depois do trauma e que não tenham obtido melhora
após 12 h de megadosagem de corticoide. Seiff (1990) usou megadosagem de corticoide em
21 pacientes e observou melhora em 62% dos casos, comparada com uma melhora em apenas
33% de 15 pacientes não tratados, sugerindo eficácia desse tipo de tratamento.
Existe ainda controvérsia quanto ao uso de doses ainda maiores de corticoide endoveno­
so para o tratamento da neuropatia óptica. A vantagem da megadosagem de corticoide sobre
as doses habituais foi estabelecida em estudos randomizados realizados em pacientes com
trauma agudo da medula espinal. Alguns autores extrapolaram as conclusões desses estudos
e recomendaram um tratamento com corticoide que se inicia com uma dose de ataque de
Traumatismos do Nervo Óptico | 141

metilprednisolona (30 mg/kg) seguidas nas 2 h subsequentes, de 15 mg/kg via endovenosa


a cada 6 h. As doses elevadas de corticoide limitariam o edema pós-traumático e teriam um
efeito antioxidante, protegendo o dano neural que ocorreria pela liberação de radicais livres
tóxicos formados após o trauma. Baseados nesses estudos em pacientes com trauma espinal,
Levin e Baker sugeriram, em caso de trauma indireto do nervo óptico, num paciente atendido
no primeiro dia após o trauma, o uso de metilprednisolona em dose de ataque de 30 mg/kg,
seguida de dose de 5,4 mg/kg/h endovenosa por 48 h, juntamente com o uso de protetores da
mucosa gástrica. Outros autores, no entanto, questionam essa conduta e salientam que exis­
tem diferenças importantes entre as lesões da medula espinal e do nervo óptico. Steinsapir,
Seiflf e Goldberg enfatizam que a medula espinal é formada de uma mistura de substância cin­
zenta e substância branca, enquanto o nervo óptico é formado apenas por substância branca,
já que o corpo celular das células ganglionares se situa na retina.
Muitos autores sugerem o uso da descompressão do nervo óptico para tratamento da
neuropatia traumática. O grande problema da escolha desse tratamento, assim como das de­
mais modalidades terapêuticas para o trauma indireto do nervo óptico, é a falta de estudos
bem controlados nessa afecção. Joseph et al. realizaram descompressão do canal óptico por
via transesfenoidal em 14 pacientes e observaram melhora em 11. Esse resultado foi compa­
rado com uma série anterior da mesma instituição, quando então foi observado melhora em
apenas 1 de 25 pacientes não tratados e de 1 em 4 pacientes tratados com corticosteroides
por via oral. Esse estudo sugeriu eficácia da descompressão do nervo óptico quando realizada
por cirurgiões com experiência. No entanto, todos os pacientes descomprimidos receberam
também corticoide endovenoso.
Um estudo multicêntrico foi realizado com o objetivo de melhor definir o tratamento ci­
rúrgico da neuropatia óptica traumática. O trabalho foi inicialmente conduzido como um estu­
do randomizado, comparando a descompressão do canal óptico com o tratamento corticoide
em altas doses. No entanto, após 2 anos de coleta de casos, observou-se que o número de
casos seria insuficiente para tal, e o estudo foi transformado em um estudo observacional ape­
nas, para verificar o resultado dos diferentes tipos de tratamento. Foram estudados 133 pa­
cientes com neuropatia traumática em diferentes centros do mundo. Com base no tratamento
que receberam nos primeiros 7 dias após o traumatismo, os pacientes foram divididos em três
subgrupos: 1) os não tratados (9 casos); 2) os que receberam corticoides em altas doses (85
casos); e 3) os que se submeteram à descompressão do canal óptico (33 casos). A dosagem do
corticoide variou de 60 mg de prednisona a 7 gr de metilprednisolona, e a cirurgia foi realizada
por diferentes vias de acesso (intracraniana, transetmoidal, endonasal, sublabial e outras). O
estudo avaliou basicamente a acuidade visual e não observou benefício claro seja na cortico-
terapia, seja na descompressão do canal óptico. Os autores ressaltam que houve várias falhas
no estudo, que foi prejudicado especialmente pelo fato de os casos terem sido estudados por
muitos autores diferentes (poucos casos de cada autor, diferentes dosagens de corticoide e
diferentes técnicas cirúrgicas). Acreditam, no entanto, que foi suficiente para excluir um be­
nefício óbvio seja do tratamento corticoide, seja da descompressão do canal óptico. Efeitos
benéficos mais discretos, particularmente em subgrupos específicos de pacientes, no entanto,
podem não ter sido avaliados adequadamente, e deve-se ressaltar que o grupo operado apre­
sentava um número maior de casos sem percepção luminosa. Os autores concluem que nem
o corticoide em altas doses nem a descompressão do canal óptico podem ser considerados
1 4 2 I Neuroftalmologia

como tratamento padrão para esses casos. Sugerem que a decisão de tratar ou não o paciente
deve ser decidida caso a caso.
Apesar de toda a controvérsia existente e baseados nos resultados dos estudos discutidos
aqui, acreditamos que, sempre que não houver contraindicação para o seu uso, o corticoide
endovenoso deva ser introduzido na fase aguda do trauma. Quando o paciente for examinado
nas primeiras 8 horas, metilprednisolona, em dose de ataque de 30 mg/kg, seguida de dose
de 5,4 mg/kg/h endovenosa por 48 h pode ser usada. Quando o paciente é examinado após
esse período, dexametasona, na dose de 1 mg/kg/dia, ou metilprednisolona, na dose de 1 g/
dia, podem ser usadas, por 3 a 5 dias, seguidas de corticoide por via oral. Não há, no entanto,
evidências conclusivas do benefício dessa terapia, em grande parte pela ausência de um estu­
do multicêntrico bem conduzido a respeito. Desse modo, o risco do uso da medicação deve
ser avaliado, sobretudo em pacientes com outras complicações neurológicas ou sistêmicas do
trauma.
Quando não há melhora com o uso de corticoide, ainda na primeira semana após o trau­
ma, pode ser considerada a opção de descompressão do canal óptico. A cirurgia menos trau­
mática é aquela feita por via etmoidal endoscópica. A cirurgia descompressiva do canal pode
também ser oferecida a pacientes com perda visual muito grave e que já vão ser submetidos a
intervenção cirúrgica para tratamento de fraturas, ou naqueles nos quais, após a perda visual
inicial, exista evidência de deterioração progressiva da visão. Se o traumatismo tiver ocorrido
há mais de 1 semana, especialmente quando a perda visual tiver sido imediata e completa ou
muito importante, a cirurgia não deve ser recomendada.

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Papiledema (Edema de Papila
da Hipertensão Intracraniana)

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

INTRODUÇÃO

Papiledema é definido como o edema de papila resultante do aumento da pressão intracra­


niana. O termo deve ser utilizado apenas para descrever casos de edema de papila por hiper­
tensão intracraniana, e não para outras causas de edema de papila, como a neurite óptica, a
neuropatia óptica isquêmica etc. Todas elas devem ter uma designação específica sem a utili­
zação do termo papiledema.
A patogenia do papiledema não é totalmente conhecida, mas os estudos experimentais de
Hayreh em macacos permitiram demonstrar que o papiledema se desenvolve na hipertensão
intracraniana, quando o espaço subaracnóideo perióptico é patente e permite a transmissão
da pressão intracraniana ao longo da bainha do nervo óptico. O bloqueio desse espaço por
aderências ou tumor impede a transmissão da pressão e o desenvolvimento do papiledema.
Do mesmo modo, quando se faz uma abertura na bainha do nervo óptico que impede a trans­
missão da pressão até a cabeça do nervo óptico, o papiledema não se desenvolve. Além disso,
o papiledema só se desenvolve quando existem células ganglionares presentes, uma vez que
o bloqueio do fluxo axoplasmático dessas fibras é etapa fundamental do seu desenvolvimen­
to. Quando existe atrofia óptica, o papiledema não se desenvolve mesmo que a hipertensão
intracraniana seja transmitida ao nervo óptico, uma vez que não existem fibras nervosas para
levar ao desenvolvimento do edema. Portanto, para o desenvolvimento do papiledema, é ne­
cessário que exista hipertensão intracraniana, que esta seja transmitida até a cabeça do nervo
óptico e que existam fibras das células ganglionares íntegras na cabeça do nervo óptico.

ACHADOS CLÍNICOS

Clinicamente, o papiledema pode ser inicial, bem desenvolvido, crônico ou atrófico (Figs. 1
a 4). No papiledema inicial, observa-se hiperemia do disco óptico, borramento da camada de

143
1 4 4 | Neuroftalmologia

Fig. 1 Papiledema inicial.

Fig. 2 Papiledema bem desenvolvido.

Fig. 3 Papiledema crônico.

Fig. 4 Papiledema atrófico.


Papiledema (Edema de Papila da Hipertensão Intracraniana) | 1 4 5

fibras nervosas peripapilares e edema do disco óptico, que se inicia geralmente no polo infe­
rior, seguido do superior, do bordo nasal e, por fim, do setor temporal da papila. Observam-se,
além do edema, velamento das margens da papila e outros sinais, como hemorragias no disco
óptico e suas margens e ausência do pulso venoso espontâneo.
A observação do pulso venoso, embora muito difundida, em especial entre os neurologis­
tas, é na verdade pouco útil no diagnóstico do papiledema. Acredita-se que o pulso venoso
espontâneo desapareça quando a pressão intracraniana excede 200 mm de água. Se o pulso
estiver presente, a pressão intracraniana deve estar abaixo desse nível. No entanto, deve ser
lembrado que pode haver grande flutuação nos níveis da pressão intracraniana em grande
número de afecções, e que o pulso venoso pode estar presente em uma dessas flutuações, a
despeito da existência do papiledema. Além disso, o pulso venoso não é observado em todos
os indivíduos normais, podendo estar ausente em torno de 20% destes. Por essas razões, na
grande maioria das vezes a pesquisa do pulso venoso não auxilia grandemente no diagnóstico
diferencial do papiledema. No entanto, o desaparecimento do pulso venoso que previamente
era observado pode ser sugestivo de aumento da pressão intracraniana.
No papiledema bem desenvolvido, o edema do disco óptico fica mais óbvio. As veias
tornam-se ingurgitadas e várias hemorragias em chama de vela podem ocorrer. Mais tarde,
pode haver formação de microaneurismas e dilatação capilar na sua superfície. O velamento
das margens torna-se óbvio e os vasos superficiais ficam obscurecidos ao cruzarem as mar­
gens do disco. Além das hemorragias, podem existir exsudatos algodonosos, que representam
pequenas áreas de enfarte na retina peripapilar, e os vasos retinianos tornam-se tortuosos.
Em casos mais graves, dobras retinianas circunferenciais (linhas de Paton) podem ser obser­
vadas, e exsudatos duros e hemorragias podem ocorrer na região macular. As hemorragias e
os exsudatos duros geralmente são mais importantes quando a hipertensão intracraniana se
desenvolve rapidamente. Nesses casos, até mesmo hemorragias sub-hialóideas ou intravítreas
podem ocorrer. Outras complicações possíveis são as dobras de coroide, as neovasculariza-
ções e as hemorragias sub-retinianas peripapilares.
Quando o papiledema se torna crônico, as hemorragias e os exsudatos geralmente desa­
parecem e ele se torna mais arredondado (Figs. 2 e 3). A escavação fisiológica central torna-se
obliterada e pequenos exsudatos duros podem aparecer na superfície do disco, com aspecto
que lembra pequenas drusas. Quando o papiledema persiste por muito tempo, o disco óptico
passa a ser atrófico e ocorrem estreitamento e embainhamento dos vasos retinianos. A palidez
da papila começa a se tornar evidente e ocorre redução no edema devido à redução das fibras
nervosas (Fig. 4).
Além das características clínicas já descritas, o papiledema pode ser diferenciado de ou­
tras formas de edema de papila pelo fato de ser bilateral e preservar a visão (nas fases iniciais),
quando comparado com outras afecções do nervo óptico causadoras de edema de papila. No
entanto, é importante mencionar que o papiledema pode também ser unilateral ou muito as­
simétrico. A existência de atrofia óptica em um dos lados pode impedir o desenvolvimento do
papiledema por falta de fibras para edemaciar. Na síndrome de Foster Kennedy, por exemplo,
pacientes com tumores na região frontal desenvolvem atrofia óptica em um olho e papilede­
ma no olho contralateral. O papiledema é unilateral provavelmente pela perda de fibras do
lado atrófico e pelo fato de que a compressão do espaço subaracnóideo pelo tumor impede
a transmissão da hipertensão do lado da atrofia. O papiledema pode também ser unilateral
146 | Neuroftalmologia

mesmo em pacientes que não têm atrofia óptica em um dos olhos. A razão pela qual alguns
pacientes com hipertensão intracraniana desenvolvem papiledema em apenas um dos lados
é desconhecida.
Dobras de coroide também podem ser observadas em associação com papiledema, prova­
velmente decorrentes do achatamento do polo posterior do olho pelo nervo óptico com suas
bainhas distendidas pelo aumento da pressão no espaço subaracnóideo perióptico (Fig. 5).
Muito raramente, as dobras de coroide podem ocorrer em indivíduos com hipertensão intra­
craniana mas sem papiledema ou com papiledema discreto. Usualmente, no entanto, as do­
bras de coroide ocorrem associadas a papiledema importante (Fig. 5).
A avaliação da função visual também é um elemento importante na diferenciação do pa­
piledema e outras formas de edema de papila. Numa fase inicial, ou seja, no papiledema re­
cente, a função visual caracteristicamente está preservada, observando-se apenas aumento
da mancha cega ao exame campimétrico e acuidade visual normal. Quando questionados,
ou mesmo espontaneamente, muitos pacientes referem obscurecimento transitório da visão
com duração de alguns segundos, mas, de início, não existe déficit visual permanente. Esses
obscurecimentos são descritos como episódios breves de visão acinzentada, esbranquiçada
ou, ainda, enfumaçada. A acuidade visual usualmente está preservada, assim como as reações
pupilares e a visão de cores.
No entanto, quando o papiledema persiste por um tempo prolongado, ou ainda quando a
elevação da pressão intracraniana é muito acentuada, pode haver perda importante da função
visual. Isto ocorre especialmente na síndrome do pseudotumor cerebral, em que a hiperten­
são intracraniana é bem tolerada por períodos prolongados. Em um estudo de 58 olhos de 29
pacientes com pseudotumor cerebral, observamos alterações campimétricas em 72,4% deles,
sendo a perda da função visual muito grave em 25,8% dos olhos. Esses dados servem para en­
fatizar que o papiledema pode também causar perda da função visual, o que pode levar à con­
fusão com outras neuropatias. Quando isto ocorre, o exame campimétrico é extremamente
importante. Além do aumento da mancha cega, observam-se contração difusa das isópteras e
retração nasal inferior, além de escotomas arqueados (Fig. 6). O aumento da mancha cega, na
presença de papiledema, geralmente tem um componente refracional, ou seja, o aumento da
mancha cega diminui com a adição de lentes positivas durante o exame. Quanto aos outros de-
r

feitos já mencionados, traduzem perda de fibras do nervo óptico. E importante salientar tam­
bém que a perda de acuidade visual é uma alteração tardia e que esses pacientes devem ser

Fig. 5 Angiofluoresceinografia de indivíduo com papilede­


ma associado a dobras de coroide peripapilares, principal­
mente na região inferior e temporal ao disco óptico.
Papiledema (Edema de Papila da Hipertensão Intracraniana) | 1 4 7

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IV 2

Fig. 6 Campo visual manual evidenciando constrição difusa das isópteras, aumento da mancha cega e re­
tração mais acentuada no setor nasal inferior.

monitorados com campos visuais periódicos. Os defeitos campimétricos são usualmente bila­
terais e assimétricos; desse modo, é frequente o encontro de defeito pupilar aferente relativo.
Os sintomas clássicos da hipertensão intracraniana usualmente estão presentes nos pa­
cientes com papiledema. Um dos principais sintomas é a cefaleia, que pode ser diária e persis­
tir por horas, usualmente piorando com a manobra de Valsalva, como quando o paciente tosse
ou aumenta a pressão torácica. Usualmente é associada a rigidez de nuca, náuseas e vômitos.
Zumbidos pulsáteis, usualmente unilaterais, também podem ser um sintoma de hipertensão
r

intracraniana. E importante lembrar, no entanto, que esses sintomas de hipertensão intracra­


niana podem estar ausentes ou desaparecer, apesar da manutenção do quadro, e que o pacien­
te com papiledema pode não mais apresentar tais sintomas quando procura o atendimento.
Desse modo a sua ausência não pode servir para excluir a possibilidade de papiledema.

ETIOLOGIA

O papiledema pode ser causado por qualquer condição que leve a hipertensão intracraniana,
incluindo lesões tumorais, inflamatórias, infecciosas, hidrocefalia etc. A cavidade craniana é
praticamente rígida e preenchida por tecido nervoso, líquor e sangue. Qualquer condição que
ocasione o aumento de uma ou mais dessas estruturas poderá levar a hipertensão intracrania­
na e desenvolvimento de papiledema. Além dos processos expansivos tumorais, hipertensão
intracraniana pode também ser causada por alterações na composição e drenagem do líquido
1 4 8 I Neuroftalmologia

cefalorraquidiano, meningites e encefalites, trauma, craniossinostoses, obstruções de seios


venosos cranianos, malformações arteriovenosas e lesões extracranianas.
O papiledema se desenvolve em mais da metade dos casos de tumores intracranianos. Aqueles
localizados abaixo do tentório (infratentoriais) produzem papiledema com maior probabilidade do
que os tumores supratentoriais. Os tumores intracranianos mais comuns que produzem hiperten­
são intracraniana incluem o glioblastoma multiforme, os astrocitomas e os meningiomas.
A estenose do aqueduto é uma causa importante de hipertensão intracraniana em crian­
ças. Pode ser congênita ou adquirida, decorrente de infecções, podendo causar hidrocefalia. A
estenose pode também ocorrer no adulto, apresentando-se com cefaleia, síndrome do mesen-
céfalo dorsal, meningite, hemorragia e distúrbios endócrinos.
O papiledema pode ainda ser causado por várias outras condições, incluindo hematomas
subdurais agudos e crônicos, hematoma epidural, abscesso cerebral, malformações arterio­
venosas, hemorragia subaracnóidea, trauma, meningite séptica e asséptica, encefalite, me­
ningite linfomatosa e carcinomatosa, gliomatose leptomeníngea, síndrome de Guillain-Barré,
polineuropatia inflamatória, mucopolissacaridoses, craniossinostoses etc.
Uma das causas mais importantes é a síndrome da hipertensão intracraniana idiopática ou
pseudotumor cerebral. Essa é uma condição que pode ser benigna do ponto de vista neuroló­
gico, mas que pode levar a complicações visuais importantes.

SÍNDROME DO PSEUDOTUMOR CEREBRAL

A síndrome do pseudotumor cerebral (SPC) é uma afecção de causa geralmente desconhecida


que se caracteriza por elevação da pressão intracraniana com os seus sinais e sintomas asso­
ciados, em um paciente sem alteração no nível de consciência e sem sinais neurológicos loca-
lizatórios. A denominação SPC na realidade refere-se a dois grupos de pacientes: aqueles sem
nenhuma causa identificável, denominada hipertensão intracraniana idiopática (HII), embora
possam ter fatores desencadeantes, como fármacos; e aqueles com hipertensão intracraniana
sem processo expansivo dilatação ventricular e com constituição liquórica normal mas secun­
dários a hipertensão dos seios venosos durais.
A HII ocorre numa frequência aproximada de 1 caso por 100.000 habitantes. Quando se
restringe a análise apenas a mulheres obesas, na faixa etária de 20 a 44 anos, a prevalência é
de 19,3 casos por 100.000 habitantes por ano. De início, utilizou-se o termo hipertensão in­
tracraniana benigna para descrever essa alteração. Posteriormente, vários autores mostraram
a ocorrência de perda visual grave nesses pacientes, e o termo benigno passou a ser inadequa­
do, sendo preferível a denominação HII. Já nos pacientes com SPC secundária, esta pode ser
decorrente de oclusões de seios venosos ou da hipertensão desses seios, como, por exemplo,
em casos de fístulas durais com arterialização dos seios venosos. A SPC, particularmente a HII,
acomete pacientes em uma ampla faixa etária. O pico de incidência da doença parece ocorrer
na terceira década de vida, com uma preponderância de mulheres de 2 para 1 em relação a ho­
mens, em alguns estudos, chegando até a 8 para 1, segundo outros autores. Crianças também
podem, mais raramente, ser afetadas.
Embora benigna do ponto de vista neurológico, a SPC pode levar a inúmeras alterações
oftalmológicas, acarretando perda visual em uma porcentagem bastante alta de indivíduos.
Papiledema (Edema de Papila da Hipertensão Intracraniana) | 1 4 9

0 conhecimento do seu quadro clínico e das suas principais manifestações oftalmológicas é,


portanto, de fundamental importância para o oftalmologista, que, muitas vezes, tem uma par­
ticipação importante no diagnóstico e tratamento dessa afecção.
Como já mencionado, a SPC pode ser idiopática, desencadeada por inúmeros agentes
farmacológicos ou, ainda, causada por condições que levam à hipertensão no sistema venoso
de drenagem cerebral, tais como oclusão de seio venoso cerebral, fístulas arteriovenosas etc.
Johnson et al. (1991) classificam a SPC em tês tipos: primária, secundária e atípica. Essa é uma
classificação que utiliza o termo SPC de modo mais amplo, englobando várias alterações que
causam aumento da pressão intracraniana em pacientes sem alterações do nível de consciên­
cia e sem sinais neurológicos localizatórios, e é a mais aceita na atualidade. Assim, dividimos
a SPC em primária (ou HI10 e secundária. Johnson et al. (1991) ainda mencionam um terceiro
tipo, que denominaram SPC atípica. Esses seriam pacientes raros, nos quais existe o quadro
da SPC mas a P1C se mostra normal, ou ainda pacientes com P1C elevada e sem papiledema.
A HII é a forma mais comum de SPC, na qual não existe nenhuma causa detectável para a
elevação da pressão intracraniana e que predomina na maior parte dos grupos estudados. Vá­
rias tentativas já foram feitas no sentido de detectar a causa da condição, todavia sem sucesso.
A fisiopatologia do desenvolvimento da hipertensão intracraniana nesses casos permanece
desconhecida. A definição exata da HII evoluiu com a experiência clínica e com os avanços dos
métodos de neuroimagem. Atualmente, a HII pode ser diagnosticada apenas se os seguintes
critérios estiverem preenchidos:
1. Sinais e sintomas atribuídos a aumento da pressão intracraniana (PIC) ou papiledema.
2. Aumento da PIC registrada durante a punção lombar na posição de decúbito lateral.
3. Composição do líquor normal.
4. Ausência de ventriculomegalia ou causa estrutural para o aumento da PIC, tais como: anor­
malidade no parênquima cerebral, nas meninges ou no sistema venoso de drenagem.
5. Nenhuma outra causa identificável de HIC, tal como o uso de certas medicações.

Vários fármacos já foram implicados no desenvolvimento da HII, incluindo: tetraciclinas,


ácido nalidíxico, nitrofurantoína, sulfametoxazol, corticoides e contraceptivos orais, clorpro-
mazina, carbonato de lítio, amiodarona, indometacina etc. Alguns distúrbios metabólicos e
nutricionais também já foram implicados na gênese da HII. Entre eles devem ser lembradas
as deficiências enzimáticas de galactoquinase, a hipervitaminose A, a deficiência de vitamina
D e a fibrose cística. As alterações endócrinas incluem: a deficiência cortisônica na síndrome
de Addison, o excesso de corticoide na síndrome de Cushing, doenças tireoidianas e da para-
tireoide. Em muitas dessas condições não existe uma relação claramente estabelecida. No en­
tanto, acredita-se que o uso excessivo de vitamina A, ciclosporina, contraceptivos orais, bem
como a administração ou a retirada de corticoide após uso prolongado, esteja associado ao
desenvolvimento da SPC, embora se desconheça o mecanismo exato.
A SPC pode ser decorrente de obstruções ou dificuldades no sistema de drenagem venosa
craniana, ou de alterações na composição do líquor. Com o advento da imagem por resso­
nância magnética, trombose dos seios venosos cranianos tem sido demonstrada com maior
frequência do que no passado, resultando muitas vezes em um quadro de SPC secundário.
Atribui-se a vários fatores a dificuldade no sistema venoso de drenagem, incluindo a obstrução
1 5 0 | Neuroftalmologia

dos seios venosos, seja de causa idiopática, seja devida a estados hipercoaguláveis; trauma­
tismos, tumores, doença crônica do ouvido interno, doença de Behçet, lúpus eritematoso ou
cirurgias intracranianas. A hipertensão venosa pode ainda decorrer de acometimento das veias
jugulares (compressão ou oclusão), malformações arteriovenosas durais ou intraparenquima-
tosas, ligadura dos seios sigmoides, insuficiência cardíaca ou doença respiratória crônica. A
importância da otite média e mastoidite como causa de trombose do seio lateral na criança é
bem conhecida, e deve-se estar atento a essa possibilidade.
A trombose dos seios venosos cerebrais pode apresentar-se de várias formas, sendo a
SPC apenas uma delas. Outras formas de apresentação incluem: defeitos neurológicos focais,
convulsões parciais, encefalopatia subaguda difusa e oftalmoplegia dolorosa (no caso de trom­
bose do seio cavernoso). O diagnóstico deve ser suspeitado clinicamente e confirmado pelos
r

métodos de imagem. E importante ressaltar a necessidade de obter exames de imagem especí­


ficos para estudar os seios venosos, incluindo a angiorressonância venosa, a angiotomografia
ou mesmo a angiografia convencional. O tratamento deve ser iniciado assim que o diagnóstico
é estabelecido, com anticoagulantes. No entanto, a hipertensão intracraniana também deve
ser controlada com diuréticos e, se necessário, também com tratamento cirúrgico.
Existe também uma série de condições, nas quais a anormalidade da composição do líquor
deveria ser suficiente para excluí-lo do diagnóstico de pseudotumor; no entanto, a sua apre­
sentação clínica pode ser indistinguível daqueles casos. Isto pode ocorrer em pacientes com
pseudotumor associado a meningite idiopática crônica, síndrome de Guillain-Barré, tumores
da medula espinal, brucelose crônica e meningite criptocócica. Acredita-se que, nesses casos,
a alteração da composição do líquor de certa forma impede a absorção deste por obstrução
celular ou macromolecular dos canais existentes nos vilos aracnóideos.

Características clínicas
Os sintomas da SPC são aqueles da hipertensão intracraniana, sendo o mais comum a cefaleia.
Num estudo prospectivo realizado com 50 pacientes, Wall e George (1991) encontraram ce­
faleia em 94% dos pacientes, obscurecimentos transitórios da visão em 68%, ruídos pulsáteis
intracranianos em 58%, fotopsias em 54% e dor retrobulbar em 44%. Menos frequentes foram:
diplopia, observada em 38%; perda visual, em 30%; e dor à movimentação ocular, em 22% dos
casos.
A cefaleia é muito frequente nos pacientes com pseudotumor que são vistos por neuro­
logistas, como na série supracitada; no entanto, pode estar ausente em 10 a 20% ou mais dos
indivíduos que procuram atendimento oftalmológico devido a perda visual, diplopia ou obscu­
recimentos transitórios da visão. Em outros casos, a cefaleia, embora presente, é de curta du­
ração, manifestando-se apenas nas primeiras semanas do desenvolvimento da síndrome. Em
casos mais típicos, a dor de cabeça é diária, descrita como pulsátil, podendo ser acompanhada
de náuseas e vômitos e, algumas vezes, acordando o paciente à noite.
Obscurecimentos transitórios da visão são episódios de embaçamento visual que geral­
mente duram menos de 30 segundos, com recuperação completa da visão, e ocorrem em
grande parte dos indivíduos com pseudotumor cerebral. Os ataques são uni ou binoculares, e
podem ocorrer após mudanças posturais ou mesmo com o paciente parado. Acredita-se que
sejam decorrentes de isquemia transitória da cabeça do nervo óptico. Embora tais sintomas
Papiledema (Edema de Papila da Hipertensão Intracraniana) | 151

ocorram associados a perda visual definitiva, alguns autores acreditam que sejam indicação
para tratamento cirúrgico do pseudotumor; outros, porém, não acreditam que, por si sós, es­
tejam associados a um prognóstico visual pior.
Ruídos intracranianos pulsáteis também são comuns em indivíduos com pseudotumor ce­
rebral. O som geralmente é unilateral, sem um lado predominante, e melhora com a redução
da pressão intracraniana ou com a compressão ipsilateral da veia jugular. Diplopia é quase
sempre horizontal, raramente vertical, e é geralmente devida ao acometimento do nervo ab-
ducente pela hipertensão intracraniana.
O papiledema é o sinal oftalmoscópico característico do pseudotumor cerebral, podendo
ser discreto ou acentuado (Figs. 1 a 3), com sinais de cronicidade, e mesmo ser um papiledema
atrófico, quando então se observa palidez de papila associada (Fig. 4). Embora quase sempre
presente, o papiledema, em casos raros, pode ser unilateral, ou mesmo estar ausente nos dois
olhos. O edema de disco é a causa da perda visual em grande número de casos.
A paralisia ou paresia do nervo abducente é o segundo sinal neuroftalmológico em ordem
de frequência. Pode ser uni ou bilateral e representa um sinal não localizatório da hipertensão
intracraniana, presente em 10 a 20% dos pacientes. Alterações oculomotoras outras, como
desvios verticais, embora possíveis são muito raras, e o diagnóstico de pseudotumor deve ser
questionado em indivíduos com alterações motoras que não sejam aquelas relacionadas ao
abducente.
A acuidade visual de início é normal em pacientes com pseudotumor cerebral, mas pode
reduzir-se quando a condição é de longa duração. Em alguns indivíduos em que a acuidade
visual é reduzida precocemente, isto pode ser devido a edema macular, mas a perda visual
definitiva geralmente é por disfunção do nervo óptico. Quando a perda visual ocorre precoce­
mente na evolução da doença, o prognóstico visual geralmente é pior. Em casos de longa du­
ração, pode sim haver perda de acuidade visual. Em um estudo sobre a história natural da HII,
observou-se que, em 26% dos casos de longa duração, havia acuidade visual pior que 20/200
em um dos olhos.
A avaliação da sensibilidade ao contraste revela alteração em 50 a 75% dos olhos estuda­
dos, que pode acometer a frequência espacial baixa, média ou alta. A alteração na visão de
cores avaliada com placas pseudoisocromáticas está presente em 20% dos casos. O defeito
pupilar aferente relativo está presente nos casos de acometimento assimétrico e ausente nos
casos sem perda visual ou com perda visual simétrica.
Alterações no campo visual são extremamente comuns em pacientes com pseudotumor
cerebral. Os defeitos mais comuns observados ao perímetro de Goldmann são: a constrição
generalizada e a perda no setor nasal inferior (Fig. 6), seguidas dos defeitos arqueados, en­
quanto, à perimetria automatizada, geralmente se observa uma constrição difusa periférica
(Fig. 7). Outra alteração comum no papiledema e já mencionada é o aumento da mancha cega.
A porção anterior do nervo óptico é o local geralmente responsável pelas alterações cam-
pimétricas na SPC. Provavelmente, o edema de papila leve a defeitos de condução das fibras
ganglionares devido ao bloqueio do fluxo axoplasmático que nelas ocorre. Esse mecanismo
pode explicar a reversibilidade dos defeitos numa fase inicial da doença. Nos casos crônicos,
acaba havendo uma perda progressiva das fibras das células ganglionares.
Outro mecanismo que explica a perda visual é a extensão de edema desde o disco óptico
até a mácula. Hemorragias retinianas ou sub-retinianas maculares ou peripapilares, alterações
1 5 2 | Neuroftalmologia

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Fig. 7 Campo visual computadorizado evidenciando constrição difusa e importante em paciente conr
papiledema.

pigmentares retinianas, o desenvolvimento de membrana neovascular peripapilar e a presença


de dobras de coroide com desalinhamento dos fotorreceptores maculares também podem ser
responsáveis pela perda visual.

Tratamento
Devemos enfatizar a importância do seguimento oftalmológico durante o tratamento da SPC. Como
já foi mencionado, a medida da acuidade visual e o potencial visual evocado não são adequados
no seu seguimento. Medidas da pressão intracraniana, embora úteis, podem ser enganosas, uma
vez que a pressão intracraniana flutua bastante durante o dia e nem sempre se correlaciona com o
quadro clínico. É extremamente importante a participação ativa do oftalmologista no seguimento
desses indivíduos, o que deve ser feito através do exame periódico do campo visual e, se possível,
através de fotografias seriadas do papiledema. Deve-se também tomar cuidado quanto a resulta­
dos falso-positivos decorrentes de múltiplos obscurecimentos transitórios da visão durante a reali­
zação do exame perimétrico, especialmente quando realizados no campímetro computadorizado.
Pacientes com quadros obstrutivos dos seios venosos intracranianos devem ser tratados
de acordo com o diagnóstico primário, seja com anticoagulantes, nos quadros de trombose de
seios venosos, seja com procedimentos neurorradiológicos ou neurocirúrgicos, nos casos de
malformações arteriovenosas ou lesões outras que provoquem hipertensão do sistema venoso
de drenagem cerebral.
Nos pacientes com Hll, nem todos necessitam tratamento. Após o estabelecimento do diag­
nóstico, indivíduos assintomáticos com função visual normal e papiledema discreto podem ser
monitorados quanto ao desenvolvimento de sintomas e deterioração visual. Pacientes com obs­
curecimento transitório da visão com função visual normal podem também ser observados, a não
ser que o papiledema seja muito importante. Alguns pacientes com cefaleia e sintomas visuais
mínimos (alteração campimétrica limitada a aumento da mancha cega) também podem ser subme­
tidos ao manejo conservador. Já os pacientes com perda de acuidade ou campo visual, papiledema
moderado ou grave ou cefaleia persistente necessitam de tratamento.
Papiledema (Edema de Papila da Hipertensão Intracraniana) | 153

A orientação dietética e a perda de peso é uma etapa fundamental no tratamento da HII,


quando a obesidade está presente, e deve ser a primeira medida terapêutica a ser instituída.
Vários autores já demonstraram melhora/desaparecimento da hipertensão intracraniana ape­
nas com a redução de peso. Em casos de obesidade mórbida, o uso de cirurgia bariátrica para
redução de peso pode ser uma alternativa no tratamento da SPC, particularmente nos casos
em que há perda visual.
Punções lombares de repetição já foram usadas no tratamento da hipertensão intracrania­
na idiopática; no entanto, levando-se em consideração os dados que indicam que o volume do
liquor é restituído em 1 ou 2 horas e a resistência dos pacientes na sua utilização, esse trata­
mento tem sido cada vez menos utilizado. Além disso, é um procedimento doloroso, por vezes
tecnicamente difícil; geralmente ocasiona cefaleia e também pode ter outras complicações. Não
obstante, é um recurso que pode ser usado em situações especiais, tais como pacientes grávidas
ou que tenham perda visual de evolução rápida, como tratamento temporário.
O uso de inibidores da anidrase carbônica é uma das etapas principais no tratamento da
HII. A acetazolamida é considerada, de maneira geral, a primeira medicação a ser tentada para
abaixar a PIC em pacientes com HII. A sua ação inibidora da anidrase carbônica reduz a secre­
ção de liquor pelo plexo coroide. A dose habitual é de 1 a 2 g/dia e alguns sugerem aumentar
para a dose máxima tolerada, podendo chegar até a 4 g/dia.
Corticosteroides também já foram muito utilizados na HII. No entanto, podem ocorrer vá­
rios efeitos colaterais (aumento de peso, retenção de fluido, hiperglicemia), especialmente em
pacientes obesos, e não são recomendados, de maneira geral, no tratamento da HII. Os corti­
costeroides podem, no entanto, ser úteis como tratamento adjuvante, sobretudo em pacientes
com quadros de evolução muito rápida ou enquanto se providencia um tratamento cirúrgico. A
retirada do corticoide pode também ser associada à recidiva do quadro hipertensivo.
A cefaleia que acompanha a HII é tratada com medicações habituais para profilaxia e tra­
tamento desse sintoma. A redução da PIC com o tratamento clínico supramencionado pode
também auxiliar na melhora da cefaleia. Deve-se atentar para o fato de que muitas medica­
ções para controle de cefaleia, como os antidepressivos tricíclicos, inibidores da serotonina,
valproato de sódio etc., podem levar a aumento de peso, que é indesejável nos pacientes com
HII. Muitos pacientes com HII também têm enxaqueca ou cefaleia tensional, que devem ser
controladas de maneira apropriada.
Quando se observa piora da função visual, a despeito do tratamento clínico máximo, ou
quando este não pode ser mantido por muito tempo devido a intolerância medicamentosa,
pode-se recorrer ao tratamento cirúrgico. Outras indicações aceitas para o tratamento cirúrgi­
co são: perda visual grave ou de evolução muito rápida e papiledema muito grave, causando
edema e exsudatos maculares com redução da acuidade visual. Atualmente, os mais utilizados
são a descompressão da bainha do nervo óptico e a derivação lomboperitoneal ou ventriculo­
peritoneal. Existe ainda controvérsia acerca de qual é o procedimento mais eficaz, e a escolha
de um ou de outro depende da experiência cirúrgica disponível no momento do tratamento.
A taxa de sucesso é comparável entre os procedimentos cirúrgicos.
O tratamento cirúrgico consegue reverter em parte a perda visual e proteger o nervo óp­
tico quanto à deterioração visual. Analisamos os resultados de 24 olhos de 17 pacientes com
SPC nos quais foi realizada a descompressão da bainha do nervo óptico por via medial, com a
técnica de Galbraith e Sullivan (1973) modificada por Sergottet al. (1988). Obtivemos melhora
1 5 4 I Neuroftalmologia

visual em 15, enquanto houve piora visual em 1, e a visão permaneceu inalterada em 8 olhos.
Dos pacientes nos quais o procedimento foi realizado em apenas 1 olho, obtivemos melhora
visual em 5 olhos contralaterais. A piora visual foi observada em apenas 1 olho, de uma pacien­
te operada quando apresentava perda visual rapidamente progressiva e muito grave da visão,
já com edema pálido de papila. Houve resolução do papiledema em todos os olhos operados.
Nossa casuística inclui um número muito grande de pacientes operados em fase final da doen­
ça, o que serve para salientar a necessidade de um diagnóstico precoce da afecção.
A descompressão da bainha do nervo óptico é geralmente o tratamento de escolha quan­
do existe perda visual progressiva em pacientes com cefaleia discreta ou facilmente contro­
lável com medicação, embora 50% dos pacientes apresentem melhora da cefaleia após a rea­
lização desse procedimento. O mecanismo de ação é ainda controverso, mas acredita-se que
haja a formação de uma fístula com drenagem do liquor no espaço retrobulbar. Sabe-se que
o procedimento se mantém funcionante por muito tempo. O mecanismo de ação, em longo
prazo, pode ser através da fístula que se mantém funcionante ou pelo fechamento do espaço
subaracnóideo perióptico, o que impediria o desenvolvimento do papiledema. Em casos mui­
to graves de perda visual por derivações lomboperitoneais com funcionamento inadequado a
descompressão, pode ser realizada como uma proteção adicional ao nervo óptico, mesmo em
pacientes já derivados. Por outro lado, nos casos de cefaleia muito intensa, a derivação lom-
bo-peritoneal ou ventriculoperitoneal parece ser o tratamento de escolha.
Embora a melhora visual em olhos com papiledema atrófico seja possível, a maior ênfase
no tratamento clínico e cirúrgico da SPC deve ser no sentido de prevenir ou estabilizar a perda
visual. É fundamental, portanto, a participação ativa do oftalmologista tanto no diagnóstico
como no monitoramento e tratamento dessa afecção.
Diversas modalidades de procedimentos de derivação do liquor podem ser úteis no tra­
tamento do pseudotumor cerebral. Tais procedimentos tratam a HII através da redução da
pressão intracraniana. A derivação lomboperitoneal é o procedimento mais utilizado, já que a
colocação de válvulas ventriculoperitoneais é difícil por não existir ventriculomegalia nesses
pacientes. Embora efetiva no controle da hipertensão intracraniana, pode-se complicar com
oclusão ou deslocamento da válvula, dor ciática e infecção. Devido à alta taxa de complica­
ções, o uso da derivação lomboperitoneal tem diminuído, embora ainda seja uma alternativa
possível em casos graves. A necessidade de revisão da válvula mostra-se presente entre 38
e 64%, em média 52%. Acredita-se que, em média, cada paciente necessite 3,9 revisões dos
shunts, variando entre 9 e 27 meses depois de implantada pela primeira vez. Em decorrência
dessas complicações, nos últimos anos tem havido tendência à maior utilização da derivação
ventriculoperitoneal em lugar da lomboperitoneal no tratamento da SPC. No entanto, a deriva­
ção ventriculoperitoneal também não é isenta de complicações, sobretudo porque a colocação
do cateter é relativamente complexa em indivíduos sem dilatação ventricular, como ocorre na
SPC. De qualquer modo em mãos experientes, trata-se de alternativa cirúrgica que pode ser
muito útil para evitar a piora da função visual.

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Afecções do
Quiasma Óptico

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO • PAULO MITSURO IMAMURA

INTRODUÇÃO

A região optoquiasmática é uma interseção anatômica situada na parte anterior e mediana


da fossa média, onde se cruzam as fibras da via óptica, num total de aproximadamente 2,4
milhões de axônios. Representa uma região extremamente importante em neuroftalmologia,
uma vez que o quiasma óptico pode ser acometido por uma série de lesões compressivas
potencialmente tratáveis. Isso ocorre devido à relação dos nervos ópticos (segmento intracra­
niano) e do quiasma óptico com as estruturas da região basal das fossas anterior e média do
crânio, que podem ser acometidas por lesões incluindo: adenoma hipofisário, meningioma,
craniofaringioma e aneurisma gigante da artéria carótida. Neste Capítulo, revisaremos breve­
mente a anatomia da região quiasmática e, em seguida, apresentaremos o quadro clínico e as
principais causas de síndrome quiasmática.

ANATOMIA DO QUIASMA ÓPTICO

O quiasma está situado na cisterna aracnoide suprasselar e forma o assoalho anterior do ter­
ceiro ventrículo. É uma lâmina quadrilátera de substância branca, em forma de xis grego (x),
achatada de cima a baixo e alongada transversalmente. Mede, em média, 13 mm no sentido
transversal e 6 mm no sentido anteroposterior. Sua espessura é de 3 a 4 mm (Fig. 1). Tem for­
ma oblíqua embaixo e adiante, fazendo com a horizontal um ângulo de 15 a 35°. Dorsalmente,
o quiasma é ligado ao assoalho do terceiro ventrículo e, caudalmente, ao tuber cinéreo e aos
tratos ópticos. Seu aspecto rostral e ventral está voltado para o espaço subaracnoide. Ventral-
mente, está localizado acima das sólidas estruturas do corpo do esfenoide e da dura-máter do
diafragma da sela. As artérias carótidas estão situadas lateralmente ao quiasma óptico. Acima
de seu ângulo rostral, formado pelos nervos ópticos, estão as porções caudais dos giros retos.

157
1 5 8 I Neuroftalmologia

Fig. 1 Peça anatômica mostrando o quiasma óptico. Obser­


ve as relações laterais com as artérias carótidas.

A hipófise encontra-se alojada na sela turca e o diafragma da sela é composto pela dura-
máter, estendendo-se das clinoides anteriores até as posteriores. Os nervos ópticos e quiasma
encontram-se acima do diafragma, e o quiasma situa-se na região anteroinferior do terceiro
ventrículo. Existem variações anatômicas quanto ao posicionamento do quiasma óptico em
relação à glândula pituitária, o que tem implicações nos padrões de perda de campo visual.
Na maioria dos casos, ele se projeta sobre o dorso selar, enquanto, em 12% dos casos, situa-se
sobre a glândula; em 5%dos casos, é anteriorizado (quiasma pré-fixo) e, em 4%, mais posterior
à glândula hipófise (quiasma retrofixo) (Fig. 2).

Fig. 2 Variações normais na relação topográfica entre o quiasma, a hipófise e a sela turca. SQ. sulco quias-
mátiro; I. infundíbulo; H. hipófise; QO. quiasma óptico; DS. dorso selar; ACI. artéria carótida interna. TS, tubér­
culo selar; NO. nervo oculomotor; LF. Limboesfenoidal; 1. 5%, quiasma acima do tubérculo selar; 2. 12%,
quiasma sobre o diafragma selar; 3. 79%. borda superior acima do dorso selar; e 4.4% quiasma acima e atrás
do dorso selar. (Reproduzida deG.L. Schweinitz.The Bowman Lecture, 1923. Concerning certain ocular central
and peripheral hemianopic fields defects. Opth SocTrans, 43:1923,12-109.)
Afecções do Quiasma Óptico | 1 5 9

0 quiasma é formado, anteriormente, pela convergência dos nervos ópticos e divide-se,


posteriormente, formando os tratos ópticos. Lateralmente, o quiasma tem relação com as arté­
rias carótidas, após emergirem estas do seio cavernoso. O terceiro ventrículo e o hipotálamo,
incluindo os corpos do infundíbulo e mamilar, estão situados posterior e superiormente. A cis­
terna interpeduncular fica abaixo, exatamente anterior ao mesencéfalo. Acima do quiasma, estão
as artérias cerebral anterior e a comunicante anterior e, acima destas, as faces mediais dos lobos
frontais. A relação mais importante é com a hipófise, localizada inferiormente, repousando na
sela turcica e separada do quiasma pelo diafragma da sela e a cisterna suprasselar.
O quiasma óptico dorsal é suprido por várias ramificações do segmento Al das artérias
cerebrais anteriores e, também, das artérias comunicante anterior e carótida interna. O quias­
ma ventral recebe ramificações das carótidas internas, talvez com alguma contribuição das
artérias comunicante posterior, cerebral posterior e basilar. O grande suprimento colateral
existente na região do quiasma explica por que as lesões isquêmicas do quiasma são raras.
À medida que os nervos ópticos se aproximam do quiasma, as fibras maculares que pe­
netram no nervo temporalmente assumem uma localização mais central. A localização dos
axônios periféricos espelha suas origens retinianas (ou seja, fibras da retina inferior trafegam
inferiormente; fibras da retina nasal, medialmente). Os axônios da retina temporal atravessam
a parte lateral do nervo óptico intracraniano e passam, sem se cruzarem, através da borda la­
teral do quiasma. Os axônios da retina nasal cruzam-se com as fibras nasais superiores na face
superior (dorsal) do quiasma e com as fibras nasais inferiores no quiasma inferior (ventral).

MANIFESTAÇÕES NEUROFTALMOLÓGICAS DAS SÍNDROMES


QUIASMÁTICAS

A maioria das síndromes quiasmáticas é causada por lesões compressivas, por tumores extrín­
secos ao quiasma óptico, como o adenoma hipofisário, o meningioma, o craniofaringioma e
o aneurisma gigante. Com raras exceções, tais lesões produzem alteração visual de evolução
lenta e progressiva. Em grande número de casos, os pacientes têm dificuldade em relatar o
tipo de alteração visual, já que os campos visuais periféricos são os primeiros a serem afeta­
dos. Menos comumente, as síndromes quiasmáticas podem ter evolução aguda, o que ocorre
particularmente na apoplexia hipofisária ou em casos incomuns de acometimento do quiasma
óptico por lesões desmielinizantes.
Classicamente, a cefaleia é o sintoma inicial mais frequente (70%) de um indivíduo acometido
por um tumor quiasmático, levando-o a procurar uma avaliação neurológica. Os sintomas neuroftal-
mológicos são também extremamente importantes, possibilitando o diagnóstico em muitos casos.

Alterações do campo visual


As fibras da metade nasal de cada uma das retinas cruzam-se no quiasma óptico de modo a se
unirem, nos tratos ópticos, às fibras temporais da retina do olho contralateral. Lesões com­
pressivas que afetam o quiasma óptico, como os tumores da pituitária, são predominantes nas
fibras de ambas as hemirretinas nasais e produzem hemianopsia heterônima, bitemporal (Figs.
3 e 4). A característica principal das alterações quiasmáticas é, portanto, produzir defeitos de
campo bitemporais. Os defeitos podem ser discretos, quadrantopsias ou mesmo hemianop­
sias temporais completas em cada olho (Figs. 3 a 5). Somente ao nível do quiasma óptico é que
1 6 0 I Neuroftalmologia

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Fig. 3 Hemianopsia bitemporal completa ao perímetro computadorizado Humphrey.

Fig. 4 Hemianopsia bitemporal ao perímetro Goldmann, sendo o defeito completo em um olho e quase
completo no outro.

Fig. 5 Defeito hemianópico bitemporal discreto


Afecções do Quiasma Óptico | 161

podemos ter um defeito bitemporal verdadeiro. No entanto, é importante lembrar de condi­


ções que simulam um defeito bitemporal e que podem causar confusão diagnóstica. Isto ocor­
re sobretudo nas anomalias de papila, em especial a papila inclinada. 0 diferencial se explica
pelo fato de que o defeito, quando causado pelas anomalias, não respeita verdadeiramente o
meridiano vertical.
Os defeitos bitemporais verdadeiros podem ser extremamente assimétricos e devem sem­
pre levar à suspeita de uma afecção quiasmática. Quando a compressão quiasmática se faz de
baixo para cima, como nos adenomas hipofisários, o defeito bitemporal é mais acentuado nas
porções superiores do campo visual de cada um dos olhos; quando ocorre de cima para baixo,
usualmente o defeito campimétrico ocorre no setor temporal inferior do campo visual.
A preferência pelo acometimento das fibras decussadas poderia ser explicada por uma teoria
vascular que considera um duplo suprimento sanguíneo (superior e inferior) para as fibras tempo­
rais não decussadas, um único suprimento sanguíneo (inferior) para as fibras nasais decussadas e
a ausência de anastomoses entre as circulações das fibras cruzadas e não cruzadas. No entanto, o
mais provável é que o acometimento preferencial pelas fibras que cruzam seja decorrente de um
fenômeno mecânico, considerando-se que a força de uma compressão externa é inversamente
proporcional à área sobre a qual a força é aplicada. Nesse caso, a suscetibilidade preferencial das
fibras cruzadas pode ser explicada pela menor área de contato entre elas, comparada à maior área
de contato entre as fibras não cruzadas. Além disso, é possível que as fibras cruzadas, por se en­
trelaçarem umas às outras, fiquem mais vulneráveis à compressão do que as não cruzadas. Como
são entrelaçadas, têm menor possibilidade de se desviarem, ao passo que as fibras não cruzadas
conseguem desviar-se acompanhando o deslocamento do quiasma pelo tumor.
Deve ser lembrado, ainda, que lesões quiasmáticas mais avançadas podem produzir de­
feitos também nos campos nasais, que pode chegar à cegueira completa de um ou de ambos
os olhos. Isto é, embora as fibras cruzadas sejam aquelas que predominantemente sofrem o
efeito da compressão, as fibras não cruzadas (provenientes da retina temporal e que corres­
pondem ao campo nasal) podem também ser acometidas nos casos mais graves de compres­
são quiasmática.
Um quadro sindrômico importante a ser conhecido é a chamada síndrome juncional ante­
rior. Quando o tumor acomete a junção do nervo óptico com o quiasma, pode levar a um esco-
toma central ou paracentral em um dos olhos, com redução da acuidade visual pelo compro­
metimento do nervo, e a um defeito temporal, no olho contralateral, pelo comprometimento
do quiasma óptico (Fig. 6). É um tipo de defeito na verdade mais comum nos meningiomas
e nos aneurismas gigantes da região quiasmática, mas que também pode ocorrer nos ade­
nomas hipofisários. Os achados decorrem da compressão de um nervo óptico na sua porção
intracraniana (o que resulta em um defeito campimétrico indicativo de lesão de nervo ópti­
co, do tipo escotoma central). A perda visual no olho contralateral é limitada ao hemicampo
temporal superior, e acredita-se que seja decorrente de compressão das fibras da retina nasal
inferior do outro olho, que trafegam o nervo óptico comprimido (joelho de Willbrand). Nos
últimos anos, a existência do joelho de Willbrand foi questionada por estudos anatômicos
em macacos. No entanto, a síndrome clínica do defeito juncional existe, e pode também ser
explicada pelo acometimento contíguo do nervo óptico intracraniano (levando ao escotoma
de um lado) e da porção anterior do quiasma óptico (levando ao defeito temporal superior no
olho contralateral).
1 6 2 | Neuroftalmologia

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Fig. 6 Defeito juncional anterior. Observe escotoma central no olho direito e defeito temporal superior no
olho esquerdo.

Acuidade visual
A acuidade visual, em regra, diminui tardiamente nas lesões do quiasma óptico. Embora seja
um teste fundamental no exame oftalmológico, este não é o item mais importante nas sín-
dromes quiasmáticas. Isto porque é um teste extremamente inespecífico, podendo sofrer in­
terferência de inúmeras outras alterações oculares como erro refracional, opacidade de meio
etc. Além disso, a perda da acuidade visual representa uma alteração relativamente tardia na
maioria dos casos de compressão quiasmática. Isto porque os adenomas tendem a acometer
primeiro o setor temporal do campo visual e, com o campo nasal remanescente, o paciente
consegue apresentar boa acuidade visual. Sendo assim, observamos diminuição da acuidade
visual geralmente nos estágios mais avançados da doenç, quando há comprometimento dos
dois hemicampos de um mesmo olho.
Algumas vezes, a presença de um defeito hemianópico pode ser suspeitada durante a
medida da acuidade visual. Ao ler as letras, o paciente acaba errando ou não consegue ver
aquelas que estão no setor temporal dos dois ou de um dos olhos, o que nos leva a suspeitar
de uma síndrome quiasmática. O examinador deve estar atento a esse fato e, também, lem­
brar que o paciente deve ser estimulado a procurar as letras, movendo o olho ou a cabeça,
de modo a verificar quais as letras consegue “achar” . Quando não enfatizamos a procura das
letras, frequentemente encontramos determinações muito díspares de um exame a outro, o
que confunde muito a interpretação do caso clínico.

Outras alterações visuais


A sensibilidade ao contraste e a visão de cores também podem ser acometidas nas síndromes
quiasmáticas, embora os achados sejam relativamente inespecíficos.

Alterações pupilares
Esses distúrbios dependem da intensidade da lesão quiasmática. Habitualmente existe de­
feito pupilar aferente que acompanha a perda de campo visual. Nos casos de perda visual
Afecções do Quiasma Óptico | 163

assimétrica, identifica-se um defeito pupilar aferente relativo ao swinging flashlight test. No


entanto, como em muitos casos a perda de campo visual é bilateral, o defeito aferente relativo
pode não estar presente. Nesses casos, como o defeito aferente é bilateral, ambas as pupilas
se contraem pouco à luz, e menos ao estímulo para perto.
A pupila pode também ser acometida nos casos de crescimento tumoral em direção ao
seio cavernoso. Desse modo, poderemos ter defeito pupilar eferente, seja pelo acometimento
do nervo oculomotor, seja por lesão do nervo simpático ocular.

Alterações fundoscópicas
O aspecto do nervo óptico e da camada de fibras nervosas retinianas no fundo do olho tam­
bém é importante para a avaliação das síndromes quiasmáticas. Nas fases iniciais, o aspecto
do nervo óptico pode ser normal. Caso a compressão seja duradoura, há o desenvolvimento
de atrofia do nervo óptico por lesão e degeneração retrógrada das fibras comprimidas. A
presença de palidez, portanto, dá uma ideia da cronicidade da compressão da via óptica e da
capacidade ou não de reversão do déficit visual caso se obtenha a descompressão do quiasma.
Embora muito importante, a observação não deve ser limitada à análise da coloração do
nervo óptico. Nos últimos anos, grande atenção tem sido dada à observação oftalmoscópica
da camada de fibras nervosas retinianas (CFNR), uma vez que esta mostra alterações antes do
aparecimento de palidez do nervo óptico e torna-se um método semiológico mais confiável no
julgamento da possibilidade ou não de recuperação visual. Do ponto de vista oftalmológico,
a melhor maneira de diferenciar uma compressão atual e potencialmente reversível da via óp­
tica de uma sequela de compressão antiga é o estudo da camada de fibras nervosas retiniana,
sendo esta uma etapa de fundamental importância na avaliação do indivíduo com compressão
quiasmática.
O padrão de perda da CFNR em pacientes com hemianopsia temporal por lesão quiasmá­
tica é bastante específico. Lesões extensas que envolvem a região mediana do quiasma e afe­
tam as fibras que se cruzam no quiasma óptico, causando hemianopsia bitemporal completa,
ou quase completa, e preservação do hemicampo nasal, apresentam-se com alterações muito
características nas fibras nervosas. As fibras que se cruzam no quiasma, cujos axônios se ori­
ginam de células na hemirretina nasal e que penetram o disco óptico em todos os setores,
são lesadas sem que haja acometimento das fibras não cruzadas que penetram o disco óptico
nos feixes das arcadas temporais superior e inferior. A perda da CFNR observada clinicamen­
te ocorre, portanto, predominantemente nos setores nasal e temporal do disco óptico (que
não recebem fibras da hemirretina temporal remanescente). Esse padrão de perda de fibras
é identificado oftalmoscopicamente como atrofia “em banda” da CFNR e representa um sinal
importante para o diagnóstico e acompanhamento das lesões quiasmáticas, geralmente de
natureza compressiva (Fig. 7).
A avaliação da camada de fibras nervosas retinianas pode ser feita pela oftalmoscopia
direta, especialmente com filtros de luz verde e iluminação de boa intensidade, com o oftal-
moscópio indireto ou com a biomicroscopia de fundo de olho. Muitos avanços semiológicos
foram obtidos nos últimos anos, no que concerne à avaliação instrumental da camada de
fibras nervosas, e atualmente existem aparelhos, particularmente a tomografia de coerência
óptica, que podem quantificar adequadamente a perda axonal nas síndromes quiasmáticas,
1 6 4 I Neuroftalmologia

Fig. 7 Fotografia de fundo de olho esquerdo de um pacien­


te mostrando atrofia em banda grave e defeito temporal com­
pleto ao campo visual. Observe a perda da camada de fibras
nervosas nos setores nasal e temporal, com preservação rela­
tiva das fibras arqueadas da retina temporal.

como pudemos documentar em uma série de trabalhos. Indivíduos com perda de campo visual
mas com preservação da CFNR têm mais chances de recuperação visual com a descompressão
quiasmática.

Distúrbios motores oculares


Distúrbios motores podem acompanhar lesões quiasmáticas, notadamente quando há uma
lesão expansiva que cresce lateralmente ao quiasma óptico. Poderá ocorrer lesão dos nervos
abducente, oculomotor e troclear. Nistagmo pode ocorrer, particularmente o nistagmo em
gangorra (seesaw).
As alterações da motilidade ocular extrínseca são muito menos frequentes que as altera­
ções da via óptica nos tumores hipofisários, a causa mais comum de síndrome quiasmática.
Em uma revisão extensa, identificaram-se paralisias de um ou mais nervos em 4,6% de 1.000
pacientes com adenoma hipofisário (Hollenhorst e Younge). Na grande maioria dos casos, a
alteração oculomotora acompanha-se de alterações sensoriais, embora possam ser isoladas.
O mecanismo do desenvolvimento de paralisias oculomotoras é, na grande maioria dos casos,
provocado pela extensão lateral do tumor ao nível do seio cavernoso.
Paralisias completas são bastante raras nos tumores hipofisários, a não ser quando ocor­
rem no contexto de uma apoplexia hipofísária, ou então quando são causados por adenomas
invasivos (Fig. 8). Nesse caso, a paralisia pode ser completa e até bilateral, e geralmente é
acompanhada de déficit visual. Na grande maioria dos casos, o comprometimento da mus­
culatura ocular extrínseca é discreto. O nervo mais afetado é o oculomotor, mas pode haver
acometimento do abducente, troclear, além de outros nervos que passam pelo seio cavernoso
como a divisão oftálmica do trigêmeo e o simpático ocular.
Outra manifestação pouco frequente, mas que pode ser encontrada, é o nistagmo em gan­
gorra. Esse tipo de nistagmo é resultante de lesões no quiasma e/ou terceiro ventrículo, po­
dendo ser visto em pacientes com hemianopsia bitemporal. É caracterizado por movimentos
alternantes dos olhos, com um olho em elevação e intorção, enquanto o outro se apresenta
com abaixamento e extorção.
Afecções do Quiasma Óptico | 165

Fenômeno do deslizamento do hemicampo


Um defeito campimétrico bitemporal, geralmente grave, pode ocasionar outros sintomas vi­
suais como deficiência de estereopsia e diplopia causada pelo fenômeno conhecido como
fenômeno do deslizamento do hemicampo (hemifield slide phenomenon). Nesse caso, a perda
dos hemicampos temporais leva a uma dificuldade (ou incapacidade) de fusão dos dois he-
micampos nasais remanescentes (que ficam sem os campos temporais correspondentes nos
olhos contralaterais). Isto leva a uma perda da fusão binocular e, consequentemente, à ausên­
cia da representação cortical dos pontos correspondentes do campo visual de cada olho. Tais
pacientes apresentam vários sintomas visuais, caracterizados por duplicação de objetos que
observam ou desaparecimento de parte dos objetos que visibilizam.
Esse fenômeno leva a queixas de dificuldades em várias tarefas que exigem visão binocu­
lar. Na prática, esses pacientes apresentam dois hemicampos (um em cada olho) nasais que
não se fundem. Deslizamento desses hemicampos leva à sobreposição de imagens (quando os
dois hemicampos se superpõem) ou falhas em imagens panorâmicas que não são reais (região
não visibilizada quando os dois hemicampos se afastam).

Distúrbios neuroendócrinos
Tumores hipofisários ou que acometem o diencéfalo muitas vezes se manifestam por distúrbios
neuroendócrinos. Podem ocorrer: a) distúrbios sexuais: diminuição da libido, amenorreia; b) dis­
túrbios dos cabelos, pelos, unhas e da pele; c) distúrbios do crescimento do tipo gigantismo ou
acromegálico; d) distúrbios vasomotores; e) distúrbios do sono; f) distúrbios metabólicos: diabetes
insípido, hiperglicemia, distúrbios de termogênese; g) distúrbios psíquicos.
Os adenomas da hipófise podem apresentar-se com acromegalia ou gigantismo, devido ao
excesso de GH; síndrome de Cushing, devido ao excesso de ACTH; com amenorreia, galactorreia
ou impotência, devido ao excesso de PRL; ou com hipertireoidismo, devido ao excesso de TSH.
Podem ocorrer alterações pelo efeito de massa do tumor, levando a dor de cabeça, compressão
do quiasma óptico, lesões dos nervos cranianos, compressão do hipotálamo e hipopituitarismo.
Os tumores podem também comprimir o pedúnculo hipofisial e, assim, comprometer o transpor­
te do fator inibitório da prolactina para a adeno-hipófise, resultando num nível elevado de PRL,
porém as concentrações de PRL raramente excedem 200 mg/1 nessas circunstâncias.
Os tumores hipofisários podem apresentar hemorragia e necrose em seu interior, situação
denominada apoplexia hipofisária e que pode levar a aumento rápido do tamanho tumoral.
Existem também causas não neoplásicas de apoplexia da hipófise, particularmente a hemorra­
gia hipofisária pós-parto, que pode ocorre na chamada síndrome de Sheehan.
Os prolactinomas estão comumente presentes em mulheres jovens como microadenomas,
porque a amenorreia é um efeito hormonal precoce. Tendem a ser maiores e apresentam uma
maior incidência de invasão durai nos homens e em mulheres mais idosas, uma vez que, nes­
tes, as disfunções hormonais são menos evidentes, retardando assim o diagnóstico. Resultam
em aumento de concentrações séricas de prolactina, que estão relacionadas com o tamanho
dos adenomas.
Os adenomas de célula ACTH resultam em concentrações séricas de ACTH e cortisol, que
estão pouco relacionadas com seu tamanho. Ocasionalmente estão clinicamente silenciosos,
apesar de classificados como anticorpos para ACTH.
1 6 6 I Neuroftalmologia

Os exames de neuroimagem são extremamente importantes nas síndromes quiasmáticas.


Atualmente, a radiografia simples tem uso muito restrito pela sua baixa resolução. Apesar dis­
so, em casos de tumores na região selar, podem ser observadas alteração no assoalho selar e
calcificações suprasselares. A tomografia computadorizada permite visualizar as partes moles
normais e patológicas, como também proporciona, no mesmo exame, uma visualização do
setor ósseo. O exame permite, na maioria dos casos, documentar a presença do tumor supras-
selar. No entanto, as relações do tumor com o quiasma óptico não são vistas de maneira tão
nítida quanto com a imagem por ressonância magnética. Esta é a melhor técnica de neuroima­
gem e permite demonstrar adequadamente o tumor e suas relações com o quiasma óptico, na
maioria dos casos (Figs. 8 e 9).

Fig. 8 Imagem por ressonância magnética em corte coro­


nal, que evidencia grande adenoma hipofisário invadindo o
seio cavernoso lateralmente.

Fig. 9 Imagem por ressonância magnética em corte coro­


nal, que evidencia tumor hipofisário com deslocamento do
quiasma óptico superiormente.

PRINCIPAIS CAUSAS DAS SÍNDROMES QUIASMÁTICAS

As principais causas das síndromes quiasmáticas são lesões tumorais das regiões selar e supras-
selar. As principais lesões são o adenoma pituitário, o meningioma parasselar, o craniofaringio-
ma, aneurismas gigantes da carótida parasselar e o glioma do quiasma. Outras lesões possíveis
são as metástases, a síndrome da sela vazia, malformações vasculares, germinoma, tumores der­
moides e epidermoides, cisto de Radhke, cisto aracnoide, histiocitoses, sarcoidose etc.
Afecções do Quiasma Óptico | 1 6 7

Muitas afecções não tumorais incluídas na relação citada também podem comportar-se
como massas intrasselares ou intra e extrasselares, e podem assemelhar-se aos adenomas hi-
pofisários, que são as lesões mais comuns. Portanto, deve-se atuar com muita prudência antes
de definir um diagnóstico dessa natureza, embora em princípio se pense nos adenomas pela
alta frequência com que se apresentam.

Adenomas hipofisários
Os tumores hipofisários são as causas mais comuns de compressão quiasmática. São responsá­
veis por aproximadamente 50% das afecções localizadas na região quiasmática. Os adenomas
hipofisários dividem-se em micro ou macroadenomas. Os microadenomas apresentam-se com­
pletamente dentro da sela túrcica, mostram fácil diferenciação da glândula normal adjacente e
medem 10 mm ou menos de diâmetros. Os macro-adenomas são tumores com mais de 10 mm.
Os macroadenomas hipofisários podem estender-se para fora da sela em qualquer direção. A
invasão superior é mais frequente devido à fraca resistência exercida pelo diafragma selar. A
forma de apresentação clínica do tumor dependerá do grau e da direção da sua extensão.
O adenoma hipofisário pode acometer indivíduos de qualquer idade, com incidência máxi­
ma entre a terceira e quarta décadas de vida; entretanto, é incomum na infância. Pode manifes­
tar-se por alterações endócrinas e/ou visuais. As manifestações endócrinas mais comuns são:
amenorreia, galactorreia, impotência sexual e infertilidade e dependem do tipo de hormônio
secretado. As manifestações oftalmológicas são associadas à compressão da via óptica ante­
rior, particularmente o quiasma óptico, além das associadas ao comprometimento dos nervos
oculomotores (111, IV e VI pares cranianos) devido à invasão dos seios cavernosos. Perda visual,
defeito campimétrico e atrofia óptica são os sinais oftalmológicos mais comuns nos pacientes
acometidos por adenoma hipofisário. Hollenhorst e Young revisaram 1.000 pacientes da Clíni­
ca Mayo, portadores de tumores hipofisários e encontraram alterações visuais em 70% deles.
No entanto, estudo posterior na mesma instituição mostrou uma redução significativa desse
percentual para 32% dos pacientes com perda visual, demonstrando que, atualmente, o diag­
nóstico costuma ser feito antes da perda visual.
Ocasionalmente, os adenomas hipofisários podem apresentar-se com quadro hemorrági­
co no seu interior, a conhecida apoplexia pituitária, um quadro agudo, com risco de morte,
geralmente acompanhado de cefaleia grave, náuseas, alterações da consciência, com diplopia
e perda visual. A expansão abrupta do tumor na direção do seio cavernoso pode comprimir
os nervos oculomotor, troclear, trigêmeo e abducente, sendo o oculomotor o mais acometi­
do. A extensão superior pode levar a perda visual por compressão do quiasma. As alterações
endócrinas agudas decorrentes podem levar a crise adrenal, e o quadro deve ser reconhecido
prontamente e tratado como emergência.

Tipos de adenomas hipofisários


De acordo com a produção de hormônios, os adenomas podem ser divididos em não sécré­
tantes e secretantes ou funcionais. Os adenomas não secretantes caracterizam-se por não pro­
duzir hormônios. Geralmente não dão manifestações clínicas até estágios avançados, diferen­
temente do que ocorre com os adenomas funcionais. Quando se expandem suficientemente,
1 6 8 | Neuroftalmologia

produzem compressões extrasselares e hipopituitarismo; ao crescerem para cima, afetam as


vias ópticas e produzem uma hemianopsia bitemporal. Embora esses adenomas não tenham
secreção hormonal, podem provocar uma ação funcional pela atrofia ou pela destruição do
tecido hipofisário, que leva ao hipopituitarismo.
Os adenomas secretantes ou funcionais são de vários tipos. Dos seis tipos de células se-
cretantes da adeno-hipófise, cinco podem desenvolver adenomas. O único tipo celular que
não os desenvolve é o produtor de hormônio estimulante do melanócito (MSH). Os adenomas
funcionais se expressam por uma sintomatologia dependente dos hormônios segregados; isso
determina que o paciente procure antecipadamente a consulta médica.
Os adenomas secretantes de prolactina, ou prolactinomas, são os mais frequentes de to­
dos. Podem aparecer em homens, porém são muito mais obserevados em mulheres de 20 a 40
anos. O quadro clínico habitual na mulher é o seguinte: amenorreia secundária, galactorreia
bilateral, hipogonadismo e infertilidade; também pode haver amenorreia isolada, sem galac­
torreia, ou galactorreia com dismenorreia ou oligomenorreia. Quando o adenoma se apre­
senta antes da menarca, produz amenorreia primária e, às vezes, galactorreia e ginecomastia.
Os adenomas prolactínicos do homem podem produzir impotência sexual, diminuição da
libido, ginecomastia e galactorreia.
O tamanho que alcançam os adenomas prolactínicos é variável: desde muito pequenos,
não excedendo o tamanho da hipófise normal e muito menos o da sela turca, até grandes,
que invadem as estruturas extrasselares, em particular as superiores, e produzem transtornos
visuais. Os mais frequentes são os pequenos, e existem provas clínicas indicadoras de que a
maioria deles não tem tendência a crescer e a converter-se em grandes adenomas.
Os adenomas secretantes do hormônio do crescimento são frequentes, e são formados
por células eosinófilas. Manifestam-se desde a adolescência até a velhice. Nos jovens, o hor­
mônio produzido em excesso pelo tumor estimula as cartilagens de crescimento (que se en­
contram abertas) e provoca gigantismo. Nos adultos, cujas cartilagens de crescimento estão
fechadas por ossificação, é produzida uma acromegalia que se caracteriza por prognatismo,
aumento dos seios frontais, mãos e pés; cifose dorsal, hipogonadismo, diabetes etc. É mais
frequente que os adenomas hipofisários secretantes do hormônio do crescimento que se ma­
nifestam nos adultos.
Os adenomas secretantes de adrenocorticotrofma são adenomas de células basófilas, que
produzem a síndrome de Cushing pela ação estimulante da ACTH sobre as glândulas suprar-
renais. Nesses casos, observam-se hiperplasia adrenal bilateral, obesidade com abundante de­
senvolvimento do tecido gorduroso, hipertensão arterial, hiperglicemia, múltiplas alterações
cutâneas etc.
Os adenomas hipofisários secretantes de ACTH frequentemente são muito pequenos e
não produzem alterações radiológicas nas partes ósseas e moles. Alguns adenomas produto­
res de ACTH são diagnosticados anos após uma adrenalectomia bilateral, motivada pela exis­
tência de uma síndrome de Cushing que, presumivelmente, obedecia a uma hiperplasia pri­
mária das glândulas suprarrenais. Nesse caso, o adenoma hipofisário é de rápido crescimento,
diferenciando-se assim por isso dos adenomas restantes, produtores de ACTH.
Os adenomas secretantes de tireotrofma e de hormônios folículo-estimulantes e luteini-
zantes são raros, de pequeno tamanho, e produzem um quadro endócrino relacionado com a
secreção hormonal, segundo cada caso.
Afecções do Quiasma Óptico | 1 6 9

Quanto ao tamanho, os adenomas podem ser divididos em microadenomas e macroade-


nomas. Podem ainda ser chamados de adenomas invasivos e adenomas gigantes. Os microa­
denomas são aqueles nos quais o maior não excede 10 mm. Os adenomas desse tamanho que
são diagnosticados correspondem ao grupo secretor. São todos intrasselares e não excedem
os limites da fossa da hipófise. O diagnóstico radiológico nem sempre é possível, e baseia-se
na demonstração de microlesões ósseas nas paredes selares, através de radiografias simples e
tomografias, e na imagem hipodensa do adenoma em relação ao resto da glândula hipofisária,
na tomografia computadorizada.
Os macroadenomas são aqueles que excedem 10 mm e podem expandir-se extrasselar-
mente até a cisterna quiasmática e o seio esfenoidal (Figs. 8 e 9); sempre estão rodeados pela
dura-máter, que parece normal, a despeito do tamanho alcançado pelo tumor.
O diagnóstico é mais sensível que nos microadenomas e, assim como nestes, baseia-se
nas lesões ósseas selares e na visão direta do tumor; porém, nesse caso, os sinais patológicos
são mais evidentes.
Os macroadenomas podem ser ou não funcionais. No caso positivo, quase sempre são pro-
lactínicos ou produtores de somatotrofma: raramente alcançam esse tamanho os adenomas
que segregam adrenocorticotrofma e produzem a síndrome de Cushing.
Os adenomas chamados invasivos são aqueles que alcançam um tamanho grande e ex­
cedem a fossa hipofisária, expandindo-se suprasselarmente e dentro do seio esfenoidal. A
dura-máter está fragmentada e só engloba parcialmente o tumor, que se converte em uma
lesão intradural; em geral são produzidas erosões importantes das paredes ósseas selares. A
maioria desses adenomas é cromófora e não funcional, por isso o paciente chega tardiamente
à consulta. O diagnóstico radiológico é simples, feito por meio das radiografias simples, da
tomografia computadorizada e da ressonância magnética.
Os exames de neuroimagem são importantes no diagnóstico dos adenomas hipofisários.
Embora a radiografia simples e a tomografia computadorizada tragam informações diagnós­
ticas úteis, o exame ideal é a imagem por ressonância magnética, que mostra claramente o
tumor e suas relações com as estruturas vizinhas.

Craniofaringioma
Craniofaringiomas são tumores intracranianos que se originam do tecido remanescente do due­
to craniofaríngio embrionário, este também conhecido como bolsa de Rathke. Os craniofarin­
giomas representam aproximadamente 3% dos tumores intracranianos na população geral, e 8 a
13% desses tumores na infância. Embora possam ocorrer em qualquer faixa etária, há evidências
de que essas neoplasias apresentam incidência etária bimodal, com o primeiro pico na infância e
o segundo na vida adulta, entre 40 e 70 anos de idade. Ambos os sexos são igualmente afetados.
Os craniofaringiomas localizam-se frequentemente na cisterna suprasselar (75%), mas podem
ocorrer concomitantemente nas regiões supra e infrasselar (21%) e, ocasionalmente, na região in-
trasselar (4%). Os nervos ópticos, o quiasma e os tratos ópticos podem ser afetados isoladamente
ou em conjunto, dependendo do grau e da direção da extensão tumoral. Além das manifesta­
ções associadas à síndrome quiasmática, os pacientes com craniofaringiomas frequentemente
apresentam sintomas e sinais de envolvimento do eixo hipotálamo-hipofisário, incluindo bai­
xa estatura, atraso do desenvolvimento sexual, obesidade e diabetes insípido. Cefaleia, defeito
1 7 0 I Neuroftalmologia

perimétrico e perda visual foram os sintomas de apresentação mais frequentes em uma série de
121 pacientes com craniofaringioma (64, 55 e 39%, respectivamente).
Apresentam um pico de incidência em crianças de 5 a 10 anos, mas também ocorrem em
adultos. Apresentam sintomas e sinais causados por aumento da pressão intracraniana, com­
pressão das vias ópticas (causando disfunção visual) e compressão do hipotálamo ou pituitária
(causando disfunção endócrina). São recorrentes em 10 a 20% dos pacientes.
O quadro clínico e a sintomatologia dependem do lugar de origem, da direção do crescimen­
to e do tamanho alcançado; os craniofaringiomas que comprimem o quiasma ou outro setor das
vias ópticas produzem diminuição da acuidade e do campo visual, podendo chegar à cegueira.
Ao afetarem o hipotálamo, originam sua disfunção, que se traduz por sonolência, hipotermia,
obesidade, atraso na maturação sexual e diabetes insípido nas crianças e adolescentes. Pode
comprimir e lesionar a hipófise, produzindo um hipopituitarismo global ou parcial, hipotireoi-
dismo ou insuficiência adrenocortical. Nas mulheres, pode interferir com os centros inibidores
da secreção de prolactina hipofisária e produzir uma síndrome de amenorreia. Quando o tumor
cresce lateralmente, comprime a porção interna dos lóbulos temporais, provocando crises unci-
nadas; os de crescimento posterior comprimem o tronco cerebral, dando origem a síndromes de
pares cranianos; os que alcançam grande tamanho produzem hipertensão endocraniana e, ainda,
hidrocefalia; no cavum atuam como uma massa ocupando o espaço etc.
O craniofaringioma precisa ser distinguido de várias lesões suprasselares císticas: os cistos
epidermoides e dermoides, o astrocitoma pilocítico e o cisto da fenda de Rathke.
Os cistos epidermoide e dermoide: 1) o cisto epidermoide é caracterizado por um epitélio
contendo grânulos ceratoialinos proeminentes e uma maturação ordenada de células escama-
tosas com formação de flocos de queratina; e 2) o cisto dermoide é muito raro na região da
fossa pituitária e contém estruturas dermais anexas.
O astrocitoma pilocítico: 1) a astrocitose reativa florida e as fibras de Rosenthal em biópsia
de um craniofaringioma podem simular um astrocitoma pilocítico; 2) fendas de colesterol ou
células gigantes sugerem um craniofaringioma; e 3) áreas microcísticas (que contribuem para
uma arquitetura bifásica), células astrocíticas livremente organizadas e as características nu­
cleares atípicas e degenerativas sustentam o diagnóstico de astrocitoma pilocítico.
O cisto da fenda de Rathke: 1) os achados radiológicos e operatórios podem ajudar, por­
que os craniofaringiomas papilares raramente contêm grandes cistos; e 2) o cisto da fenda de
Rathke não possui a arquitetura papilar do craniofaringioma papilar, sendo mais provável que
tenha um epitélio com cílios e células calciformes.
O quadro radiológico dependerá, como o clínico, da localização, do tamanho e das carac­
terísticas patológicas do craniofaringioma. Podem ser produzidas mudanças na parte óssea
selar e calcificações nas partes moles suprasselares. A sela turca pode ser normal, com erosão
parcial ou muito grande. Os craniofaringiomas suprasselares, que são os mais frequentes, po­
dem causar erosão da parte superior do dorso selar, que diminui; também podem aumentar os
diâmetros da fossa hipofisária. Os de localização intrasselar comportam-se como adenomas in­
vasores, causando erosão das paredes selares; podem chegar a produzir grandes destruições.
Quando o tumor cresce no corpo do osso esfenoidal e no cavum, provoca uma grande des­
truição óssea, geralmente acompanhada por importantes erosões selares, principalmente do
assoalho. Por último, os que crescem no III ventrículo e comprimem os orifícios de Monro pro­
vocam hidrocefalia e hipertensão endocraniana, que habitualmente repercutem na sela turca.
Afecções do Quiasma Óptico | 171

As calcificações dos craniofaringiomas são quase sempre suprasselares e, menos frequen­


temente, intrasselares.
Na tomografia computadorizada, a maioria dos tumores aparecem, no exame sem con­
traste, como tumores suprasselares ou intrasselares e suprasselares, situados sobre a linha
média sagital. Por sua densidade, que geralmente é maior ou menor que a do tecido cerebral
- conforme predominem os setores sólidos ou císticos - , os craniofaringiomas diferenciam-se
do tecido nervoso e são espontaneamente visíveis. Além disso, quando há depósitos tumorais
de cálcio, o tumor pode ter forma arredondada, ovalada ou policíclica, e, como assinado an­
teriormente, pode ser formado por setores sólidos e císticos combinados ou com predomínio
r

de um deles. E frequente a tomografia mostrar uma massa totalmente cística, com um anel
periférico calcificado que pode ser contínuo ou descontínuo e delgado ou grosso. Nos adultos
e em algumas crianças ou adolescentes, os craniofaringiomas podem ser predominantemente
sólidos e apresentar ou não depósitos calcários.
Com o contraste iodado, o tecido tumoral se impregna, e é mais acentuado quando os
componentes císticos e as calcificações são escassos; assim, o tumor fica mais evidente na to ­
mografia computadorizada reforçada.
Os craniofaringiomas de localização alta comprimem e deformam o III ventrículo e, ainda,
os cornos frontais dos ventrículos laterais, provocando uma hidrocefalia por compressão dos
orifícios de Monro.
Por último, pode ocorrer que o tumor não seja visível na tomografia computadoriza­
da convencional, com e sem contraste, e, sem dúvida, o quadro clínico, em particular os
problemas da visão, obriga a continuar com uma cisternografia com metrizamida e tom o­
grafia computadorizada, cujo contraste iodado envolve a massa que produz o defeito de
enchimento.
O diagnóstico diferencial varia com a idade do paciente. Nas crianças, deve ser estabele­
cido com os gliomas do quiasma óptico, os gliomas hipotalâmicos, os hamartomas, os histio-
citomas etc. Nos adultos, com os adenomas hipofisários, os meningiomas suprasselares, os
gliomas hipotalâmicos, os germinomas, os aneurismas carotídeos etc. Nas crianças e adoles­
centes, nos quais os craniofaringiomas são tão frequentes e de registro tão característico, o
diagnóstico diferencial é mais simples; em compensação, é difícil nos adultos, pois, nestes, os
craniofaringiomas podem dar imagens similares às de outros processos.
À imagem por ressonância magnética, os craniofaringiomas apresentam hipersinal iden­
tificado nas sequências pesadas em TI observadas na porção cística; decorre de produtos
de degradação da hemoglobina (meta-hemoglobina), de proteínas, colesterol e triglicérides;
todavia, o sinal desses tumores é bastante variável, podendo ser semelhante ao do líquor. A
porção sólida pode apresentar hipossinal em T2, devido à hemossiderina e à queratina, e, ge­
ralmente, realce após a administração de contraste isolado ou paramagnético. A tomografia
computadorizada é mais sensível na detecção de calcificações, e a ressonância magnética é
melhor na avaliação da extensão tumoral.

Meningioma
Meningiomas intracranianos são neoplasias benignas que surgem das células meningoteliais
da aracnoide. Representam cerca de 13 a 18% dos tumores intracranianos primários na maioria
172 I Neuroftalmologia

dos estudos, e são comumente detectados em indivíduos de meia-idade, com predominância


para o sexo feminino (3:1). Meningiomas intracranianos podem acometer pacientes jovens e
comumente se comportam de modo mais agressivo nesses indivíduos. A presença de dois ou
mais meningiomas no mesmo paciente não é rara e sugere associação com neurofibromatose
tipo I. A localização do meningioma determina a forma de apresentação clínica, e, entre as lo­
calizações mais comuns e de maior importância oftalmológica, estão: o tubérculo selar, o seio
cavernoso, a asa maior do esfenoide e a bainha do nervo óptico. Meningiomas do tubérculo
selar (ou simplesmente meningiomas selares) são tumores que se originam das granulações
aracnoides adjacentes à dura-máter do tubérculo selar. Devido à sua relação anatômica íntima
com os nervos ópticos intracranianos e o quiasma óptico, esses tumores comumente se ma­
nifestam por sintomas e sinais neuroftalmológicos, como perda visual, defeitos campimétri-
cos (entre eles, hemianopsia temporal), paralisias oculomotoras e atrofia em banda do nervo
óptico.
De acordo com sua localização, os meningiomas da região selar podem ser divididos em:
1) suprasselares, que se originam no diafragma selar, no quiasma e nos nervos ópticos; 2) pa-
rasselares, que nascem relacionados com as meninges do seio cavernoso e da parte interna
da asa maior do esfenoide; e 3) pré-selares, que podem ser originados em relação com o tu­
bérculo selar, com o sulco quiasmático, com o plano esfenoidal e com a parte interna das asas
menores do esfenoide.
Os meningiomas, quando justasselares, têm origem na região do tubérculo selar, no dia­
fragma selar, no plano esfenoidal ou no seio cavernoso. A proximidade dos meningiomas jus­
tasselares com o quiasma e nervos ópticos leva ao aparecimento de sintomas visuais, enquan­
to os meningiomas que envolvem o seio cavernoso produzem paresia oculomotora e perda
sensorial no ramo oftálmico do nervo trigêmeo. Os meningiomas apresentam-se à tomogra-
fia computadorizada como massa bem definida, com hipo ou hiperatenuação, e em 20% dos
casos, observa-se calcificação. Após administração de contraste iodado, nota-se comumente
realce intenso e homogêneo. No osso adjacente ao meningioma pode ser identificada hipe-
rostose, tanto na tomografia computadorizada como na ressonância magnética; porém, esse
achado é mais evidente na tomografia computadorizada. Na ressonância magnética, a apre­
sentação típica é de massa com isossinal em TI (em relação ao parênquima cerebral) e iso ou
hipersinal em T2 associado a realce intenso e homogêneo após administração de gadolínio
(Fig. 10). O sinal na ressonância magnética pode ser heterogêneo na existência de calcificação,
hemorragia ou degeneração cística. A ressonância magnética é superior à tomografia com­
putadorizada na determinação da relação do tumor com o quiasma óptico, hipotálamo, seio
cavernoso e estruturas vasculares adjacentes.

Glioma do quiasma óptico


São tumores que podem apresentar-se em crianças e adultos. Com frequência se associam
com uma neurofibromatose de von Recklinghausen. Quando entram em contato com o osso,
podem produzir uma erosão na porção pré-selar do corpo esfenoidal. Se penetrarem no canal
óptico, provocam seu alargamento, mantendo o contorno redondo e liso.
A tomografia computadorizada destaca o glioma em suas localizações suprasselares, no
interior do canal óptico e na parte posterior da cavidade orbitária.
Afecções do Quiasma Óptico | 173

Fig. 10 Meningioma suprasselar: à esquerda corte coronal: à direita, corte sagital. Observe a impregnação
da lesão com gadolínio e a base larga de implantação do tumor na dura-máter.

O tumor é fortalecido moderadamente com a substância de contraste, tornando-se mais


evidente quando afeta um ou ambos os nervos ópticos, e estende-se por estes em direção
orbitária; nesse caso, a tomografia mostra o nervo dilatado, deformado e, habitualmente,
relacionado com uma massa retro-ocular. Quando a imagem suprasselar se presta a dúvidas e
a sintomatologia visual é positiva, deve-se recorrer a uma cisternografia suprasselar com me-
trizamida e tomografia computadorizada. Nesses casos, o tumor produz um defeito de enchi­
mento com o líquido cerebrospinal obtido da cisterna quiasmática.
O glioma de via óptica pode afetar qualquer segmento da via óptica retrobulbar, incluindo
os nervos ópticos, quiasma, tratos ópticos, corpos geniculados laterais e radiações ópticas.
O glioma é o tumor primário mais comum do quiasma óptico em crianças, podendo ter sua
histologia de baixo ou alto grau, variando da forma de astrocitoma pilocítico até a forma mais
anaplásica de glioblastoma multiforme. Nos gliomas de nervo óptico, a tomografia computa­
dorizada mostra uma lesão hipoatenuante (em relação ao parênquima cerebral) com variável
realce após administração de contraste iodado. A ressonância magnética demonstra uma lesão
com hipo a isossinal em TI e, geralmente, hipersinal em T2, com impregnação homogênea ou
irregular pelo contraste paramagnético (Fig. 11).

Fig. 11 Glioma do quiasma óptico.


174 | Neuroftalmologia

Outros tumores selares e suprasselares


Tumores malignos da hipófise, sejam eles carcinomas ou sarcomas, são muito raros, e, do pon­
to de vista radiológico, confundem-se com outros tumores mais frequentes, em particular com
adenomas hipofisários. Os carcinomas são considerados adenomas hipofisários que evoluíram
para a malignidade. Os sarcomas aparecem exclusivamente após tratamentos radioterápicos
instaurados para o tratamento de adenomas hipofisários benignos. Seu comportamento radio­
lógico é similar ao dos outros tumores intrasselares, e a diferenciação se estabelece através da
anatomia patológica do material tumoral extraído cirurgicamente.
Tumores metastáticos podem instalar-se na hipófise e desenvolverem-se intrasselarmente,
ou, ainda, na região suprasselar, no hipotálamo e no setor ósseo. A radiologia, nesses casos,
não é específica, e o diagnóstico diferencial com as restantes neoformações corresponde à
anatomia patológica. O tumor que mais frequentemente produz metástases na hipófise é o
carcinoma de mama.
Germinomas, tumores epidermoides e hamartomas podem ocorrer na região suprasselar.
Todos eles são raros, de origem congênita, e radiologicamente não diferenciáveis de outras mas­
sas de localização suprasselar. Raramente produzem alterações ósseas, e sua demonstração se
realiza através da tomografia computadorizada e da imagem por ressonância magnética.
Os germinomas hipotalâmicos representam 33% de todos os germinomas. Esses tumo­
res ocorrem nas duas primeiras décadas; iniciam-se com diabetes insípido, invadem a região
quiasmática, produzindo distúrbios visuais, e crescem no assoalho do III ventrículo. Na resso­
nância magnética, aparecem como massas com iso ou hipersinal, que realçam intensamente
com o contraste paramagnético.
Existem ainda tumores que invadem a região selar a partir de regiões vizinhas. Desde a
parte inferior para a frente, a região selar pode ser invadida por tumores do cavum, seio es-
fenoidal, etmoide, coanas e órbitas. Em sua maioria são carcinomas originados nas referidas
regiões relacionadas com a base do crânio. A orientação diagnóstica poderá realizar-se pelo
quadro clínico e pelos exames radiológicos simples e de tomografia computadorizada, que
devem abranger a totalidade da cabeça e do endocrânio. Os mucoceles do seio esfenoidal
e do etmoide podem invadir a região selar, produzindo imagens radiológicas similares aos
carcinomas. Os osteotomas, condromas e condrossarcomas do corpo do esfenoide produzem
imagens bem características. Da parte posterior para cima, a região selar pode ser invadida
por cordomas e pinealomas.
Na região selar podem ser encontrados dois tipos de cistos: 1) os que são originados em
resíduos da bolsa de Rathke; e 2) os cistos aracnoides. Além destes contam-se apenas os cis­
tos tumorais, os quais constituem uma forma evolutiva particular que pode apresentar-se em
alguns adenomas e craniofaringiomas.
Os resíduos embrionários da bolsa de Rathke, que dão origem a formações císticas, lo­
calizam-se na adeno-hipófise; por esse motivo, esses cistos são intrasselares, e, quando ad­
quirem tamanho suficiente, lesionam por compressão a glândula e cursam com insuficiência
hipofisária (hipopituitarismo). São cistos verdadeiros, com uma parede cuja superfície interna
é coberta por epitélio frequentemente ciliado e que segrega o muco contido na cavidade císti­
ca. Quando o cisto alcança um tamanho suficiente, produz, nas paredes selares, erosões cujas
imagens radiológicas não diferem das produzidas pelos adenomas hipofisários. A tomografia
Afecções do Quiasma Óptico | 1 7 5

computadorizada mostra uma imagem hipodensa intrasselar, similar à produzida pelo des­
censo da cisterna suprasselar, porém sem o sinal do infundíbulo. Diferentes dos craniofarin-
giomas, também originados na bolsa de Rathke, os cistos são habitualmente intrasselares e
raramente suprasselares. O diagnóstico por tomografia computadorizada e ressonância mag­
nética é importante.
O cisto de Rathke é uma lesão de linha média localizada na porção anterossuperior da
cavidade selar, ou suprasselar, deslocando a haste hipofisária para a frente; a atenuação na
tomografia computadorizada e o sinal na ressonância magnética dependem do seu conteú­
do, que pode ter características semelhantes às do liquor ou hiperatenuação na tomografia
computadorizada, hipersinal nas sequências pesadas em TI e hipossinal em T2, por causa da
secreção mucoide com conteúdo rico em colesterol; essa lesão pode apresentar, em alguns
casos, componente sólido.
Os cistos aracnoides apresentam uma parede formada pela referida membrana meníngea
e um conteúdo de liquor. A origem desses cistos é difícil de estabelecer: alguns são congêni­
tos, outros se relacionam com traumatismos e com meningite da base do encéfalo. Habitual­
mente são suprasselares, não ocasionam alterações na sela turca e, inclusive, a tomografia
computadorizada pode ser normal; quando a presença do cisto produz sintomatologia visual
ou hipotalâmica, o passo diagnóstico posterior é a tomografia computadorizada ou a resso­
nância magnética. Quando a localização ou expansão do cisto é mais baixa, pode produzir
erosões selares; e, se é introduzido na fossa pituitária, comporta-se, nas radiografias simples,
de modo similar a todas as tumorações supra e intrasselares; na tomografia convencional,
apresenta uma imagem semelhante à denominada sela turca “vazia”. Apesar de não serem
raros, os cistos de aracnoide raramente provocam alterações visuais por lesão quiasmática.

Síndrome da sela turca "vazia"


Com a denominação de sela turca “vazia”, abrange-se um conjunto de situações cujo denomi­
nador comum é a ocupação de uma parte da fossa hipofisária pela cisterna suprasselar, que,
nesse local, corresponde à cisterna quiasmática. Ocorre, portanto, uma extensão do espaço
subaracnóideo para dentro da sela turca. A sela pode estar aumentada e é ocupada pelo liquor,
estando a glândula pituitária achada, mas presente na sela turca. O termo mais adequado, por­
tanto, seria sela parcialmente vazia.
Segundo sua origem, as selas “vazias” podem dividir-se em primárias, congênitas ou es­
pontâneas, e secundárias ou adquiridas. Desse modo, em cada um dos casos, o grau de des­
censo pode se limitar ao terço superior da fossa, à sua metade superior ou à quase totalidade
dela (com todas as variantes intermediárias); nesta última circunstância, a hipófise ocupa uma
franja estreita sobre o assoalho selar.
As selas turcas “vazias” primárias são aquelas em que o descenso do assoalho da cister­
na se deve à existência de meninges complacentes pela ausência ou deiscência do diafragma
selar, por abertura excessiva do orifício que dá passagem ao infundíbulo da hipófise ou, sim­
plesmente, por uma frouxidão exagerada do diafragma selar e da aracnoide, que formam o
assoalho do espaço suprasselar e que separam o líquido cerebrospinal do conteúdo selar.
As selas turcas “vazias” , secundárias ou adquiridas, apresentam um descenso da cister­
na suprasselar provocado por um vazio intrasselar que se deve à involução ou diminuição
1 7 6 | Neuroftalmologia

de dimensões de uma hipófise fisiológica ou patologicamente aumentada de tamanho. Os


pacientes podem ser portadores de selas turcas grandes e manifestar sintomatologia clínica
quando a causa primária perdura parcialmente. A causa mais comum das selas turcas vazias se­
cundárias é o aumento pituitário produzido nas mulheres com diversas situações fisiológicas,
principalmente a gravidez e a pré- menopausa. Nas mulheres jovens, um fenômeno similar,
porém claramente patológico, é produzido na síndrome de Sheehan, na qual a hipófise involui
bruscamente por uma necrose espontânea pós-parto.
As hipertensões intracranianas, cujas causas são muito variadas, podem provocar um des­
censo do espaço subaracnóideo suprasselar e, inclusive, um aumento do tamanho da sela tur­
ca, rarefação e erosão do dorso etc.
Por último, temos as involuções dos adenomas hipofisários, que podem ser acompanha­
dos de aumento selar. A involução tumoral pode ser produzida por uma intervenção cirúrgica,
por uma terapêutica radiante e, mais raramente, por uma necrose espontânea do tumor. Nes­
ses casos, o adenoma pode desaparecer total ou parcialmente.
As radiografias simples e a tomografia convencional mostram um aumento selar e, em al­
guns casos, a deformação das paredes da sela, quando se trata de descensos cisternais secun­
dários a processos expansivos hipofisários prévios - tumores ou não - e à hipertensão intra­
craniana. Ao contrário, quando se trata de variações anatômicas sem significado patológico,
os exames simples são normais.
O diagnóstico diferencial mais importante e frequente é o que se realiza entre uma sela
turca “vazia” e um adenoma hipofisário. As mulheres geralmente cursam com clínica positiv;
nelas, os resultados de laboratório não são duvidosos e a sela turca parece moderamente au­
mentada e deformada nos exames radiológicos simples.
Embora muito difundida, a ocorrência de perda visual na síndrome da sela vazia é inco-
mum. No caso da sela vazia primária, a perda visual quase nunca ocorre. Por outro lado, selas
vazias secundárias (após tratamento de tumores ou cistos hipofisários) podem, sim, asso­
ciar-se a perda visual por herniação do quiasma óptico para dentro da região selar.

Aneurisma
Os aneurismas que se instalam no sifão carotídeo e, mais concretamente, na porção intraca-
vernosa da referida artéria são os que mais frequentemente produzem lesões ósseas selares.
Ao alcançarem tamanho suficiente, comportam-se como massas parasselares e, em alguns
casos expandem-se para a linha média, tornando-se intrasselares. As radiografias simples e as
tomografias convencionais mostram habitualmente erosões e deformações lateralizadas, que
afetam o canal do seio cavernoso e o setor vizinho da sela turca. As lesões ósseas raramente
abrangem a totalidade da sela; frequentemente são observadas calcificações que podem ser
puntiformes ou granulares, como em alguns adenomas ou craniofaringiomas, ou tendem a
adotar uma posição curvilínea ou circular. As calcificações encontram-se habitualmente latera­
lizadas, exceto nas raras expansões intrasselares.
Os aneurismas da porção supracavernosa, como os da porção intracavernosa de tamanho
considerável, causam a erosão do processo clinoide anterior do lado enfermo ou produzem
uma imagem radiológica de elevação desta, resultante da erosão de sua parte inferior e do
descenso do assoalho selar e do canal do seio cavernoso.
Afecções do Quiasma Óptico | 1 7 7

A tomografia computadorizada mostra uma lesão espontaneamente hiperdensa, de con­


tornos comumente calcificados, reforçada com o contraste iodado endovenoso, exceto nos
raros casos de uma trombose completa do saco aneurismático. Aqui também a localização
lateral da tumoração é o sinal mais orientador, embora possa corresponder a um tumor como
o meningioma. O diagnóstico definitivo é dado pela ressonância magnética e arteriografia.
Na angiografia, detecta-se a porção patente do aneurisma. Na tomografia computadoriza­
da, os aneurismas gigantes têm atenuação variável, dependendo da presença ou não do trom­
bo; com frequência, causam erosão óssea e apresentam realce intenso após administração
de contraste. Ocasionalmente, podem ser detectadas calcificações curvilíneas na tomografia
computadorizada. Na ressonância magnética, os aneurismas gigantes parcialmente trombo-
sados revelam sinal heterogêneo, com área de ausência de sinal devido ao fluxo rápido da
porção não trombosada associada a áreas de hipersinal em TI por fluxo lentificado e trombos
subagudos; em T2 podem ser identificados, no trombo, focos de hipossinal decorrentes de
hemossiderina e ausência de sinal devido ao fluxo sanguíneo na porção não trombosada do
aneurisma. Angiografia por ressonância magnética demonstra a porção não trombosada do
aneurisma de maneira não invasiva.
Os aneurismas suprasselares raramente produzem alterações ósseas, à semelhança dos
aneurismas do tronco basilar que podem afetar o dorso selar.

Outras causas mais raras


A sarcoidose é uma doença granulomatosa de origem indeterminada, com manifestações
neurológicas em cerca de 5% dos casos. O envolvimento do sistema nervoso central pode-se
evidenciar por comprometimento meníngeo, neuropatia de nervos cranianos e do eixo hipo-
tálamo-hipofisário, podendo acometer quiasma, tratos e nervos ópticos, causar hidrocefalia
e apresentar lesões parenquimatosas. A associação de diabetes insípido e disfunção quiasmá-
tica é comum, e reflete a predileção dos granulomas da neurossarcoidose pelas cisternas da
base, onde geralmente ocorrem. As lesões parenquimatosas da neurossarcoidose podem-se
expressar como múltiplos nódulos ou massa. A tomografia computadorizada e a ressonância
magnética podem detectar realce meníngeo focal ou difuso, especialmente ao nível das cister­
nas da base. Na ressonância magnética, após a injeção endovenosa de gadolínio, observam-se,
em alguns casos, além do realce das meninges da base, espessamento do hipotálamo, haste
hipofisária do nervo, quiasma ou trato óptico. Esses achados, entretanto, não são específicos,
e podem ser encontrados em outras doenças, como tuberculose, sendo necessária a realização
de biópsia para confirmação do diagnóstico de sarcoidose.
O principal diagnóstico diferencial da sarcoidose, no nosso meio, é a neurotuberculose.
A entrada do Mycobacterium tuberculosis no sistema nervoso central dá-se através da via hema-
togênica, a partir de fonte primária, nos pulmões ou no trato gastrointestinal. Granulomas
que se formam nas leptomeninges podem-se romper para o espaço subaracnoide, causando
meningite tuberculosa, especialmente ao nível das cisternas da base. Como complicações da
meningite tuberculosa, podem ser vistas hidrocefalia e arterite, com consequentes infartos is-
quêmicos ou hemorrágicos, especialmente nos territórios irrigados pelas artérias lenticuloes-
triadas. Na tomografia computadorizada e na ressonância magnética, as cisternas da base cos­
tumam ser iso-atenuantes e isointensas ao liquor, respectivamente. Depois da administração
1 7 8 I Neuroftalmologia

do contraste, o realce é intenso nas cisternas da base, tanto na tomografia computadorizada


como na ressonância magnética. Meningites crônicas que invadem as cisternas anteriores po­
dem comprometer as vias ópticas e os nervos oculomotores. Por vezes, mesmo com biópsia
de meninge, pode não ser feito o diagnóstico etiológico dessas meningites, mas causas como
a neurocisticercose e as neuromicoses têm que ser afastadas.
A síndrome de Tolosa-Hunt é causada por um processo inflamatório não específico aco­
metendo o seio cavernoso, com manifestação clínica de oftalmoplegia dolorosa recorrente,
com ou sem envolvimento do nervo óptico e responsivo à corticoterapia. O acometimento
pode estender-se além do seio cavernoso para a fissura orbitária superior ou ápice orbitário.
Na tomografia computadorizada e na ressonância magnética, observa-se aumento de um dos
seios cavernosos, que, na ressonância magnética, é isointenso em TI e realça intensamente
após administração de contraste. Nota-se resolução da lesão depois de tratamento com altas
doses de corticosteroides.
As doenças desmielinizantes podem atingir o quiasma óptico. As doenças desmielinizan-
tes no quiasma óptico são mais frequentes em mulheres da terceira à quinta década de vida.
A neurite óptica pode ser uma das manifestações da esclerose múltipla. A lesão do quiasma
pode ou não estar associada a outras lesões desmielinizantes no neuroeixo. Na ressonância
magnética, o nervo apresenta-se aumentado de volume, com hipersinal nas sequências pesa­
das em T2. Na fase aguda, pode surgir realce após administração de gadolínio.
Nas histiocitoses hipotalâmicas que se apresentam em crianças, a tomografia computado­
rizada mostra uma massa suprasselar que se reforça irregularmente com o contraste iodado.
O diagnóstico da doença, que em sua localização hipotalâmica cursa com diabetes insípido, é
realizado pelas alterações esqueléticas geralmente presentes.
Lesões vasculares, como hemangioma cavernoso, malformações arteriovenosas e angioma
venoso, também podem ser primárias do quiasma óptico. O hemangioma cavernoso, ou caver­
noma, é uma malformação vascular constituída de espaços sinusoidais revestidos por células
endoteliais. Essa malformação vascular é mais frequentemente encontrada na faixa etária en­
tre 20 e 50 anos, e pode ser múltipla, especialmente em sua fórmula familiar. Na tomografia
computadorizada, costuma apresentar calcificações e, na ressonância magnética, geralmente
é uma lesão heterogênea, pois contém produtos de degradação da hemoglobina em diversas
fases, podendo exibir hipo ou hipersinal em TI e área central de hipersinal com halo periférico
de hipossinal em T2. Pode ou não ocorrer realce após administração de contraste iodado ou
paramagnético. Quando na região parasselar, os hemangiomas cavernosos podem ter realce
muito intenso e simular um meningioma. Na ressonância magnética, é indicado o uso de se­
quências gradiente eco, que têm maior sensibilidade para detecção de angiomas cavernosos
devido ao efeito de suscetibilidade magnética da hemossiderina.

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Lesões da Via Óptica
Retroquiasmáticas

MÁRIO TERUO SATO • MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

INTRODUÇÃO

As lesões retroquiasmáticas representam um grupo heterogêneo de afecções que acometem


a via óptica após o quiasma óptico. Podem ser divididas em lesões do trato óptico, do corpo
geniculado lateral, das radiações ópticas, do córtex occipital e alterações nas funções visuais
superiores. Neste capítulo revisaremos a anatomia, as principais manifestações clínicas e os
principais tipos de lesões da via óptica retroquiasmática.

CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS

Inicialmente é importante uma revisão da anatomia das estruturas da via óptica situadas pos­
teriormente ao quiasma óptico, incluindo o trato óptico, o corpo geniculado lateral, as radia­
ções ópticas e o córtex occipital, que se encontram esquematizadas nas Figuras 1 e 2.

O trato óptico
O trato óptico tem sua origem no ângulo posterior do quiasma e termina no corpo geniculado
lateral. Está livre no seu início, numa extensão de 1 ou 2 cm, e seus 4/5 posteriores transcor­
rem em íntimo contato com o pedúnculo cerebral, cuja face inferior torna-se estriada, sendo
coberta até a parte externa pelo lobo temporal.
Sua forma, no início quase ovoide, torna-se aos poucos nivelada no sentido vertical, par­
ticularidade que lhe deu o nome, pois assemelha-se a um trato. Assim, distinguem-se duas
faces, superior e inferior, e duas bordas, medial e lateral, o que facilita a descrição de suas
relações anatômicas. Sua face superior está em estreito contato com o pedúnculo cerebral.
Sua face inferior, apoiada sobre o plano ósseo da base do crânio, é atravessada pela artéria

181
1 8 2 | Neuroftalmologia

Fig. 1 Via óptica: vista inferior do encéfalo. Foram removidos parte do tronco cerebral e os hemisférios
cerebrais. A linha tracejada foi modificada e acrescentados o nervo óptico e o globo ocular artificialmente,
em relação à figura original, para dar a ideia de toda a via óptica (retina ao córtex visual). 1. Nervo óptico;
2. quiasma óptico; 3. trato óptico; 4. corpo geniculado lateral; 5. readiações ópticas - alça anterior no lobo
temporal; 6. radiações ópticas no lobo parietal; e 7. córtex visual. Nota-se a relação do nervo óptico com o
trato olfatório, bulbo olfatório e o lobo frontal acima. Está Figura é importante para a correlação anatômica
com a interpretação da neuroimagem em corte axial. (Figura adaptada a partir do original gentilmente cedi­
da pelo Prof. Adalmir Morterá Dantas.)

comunicante posterior, que une a carótida interna com a cerebral posterior. Essa relação é de
capital importância. A borda medial do trato, sempre espessa, contorna o tuber cinereum e o
pedúnculo cerebral, enquanto a borda lateral, muito mais delgada, está bem próxima do lobo
temporal, relação que é também muito importante e que explica a repercussão que têm sobre
o trato óptico os processos expansivos desse lobo.
O trato óptico divide-se em dois braços, um medial e outro lateral, que terminam cada
um no corpo geniculado correspondente. Porém, devemos salientar que somente o corpo
geniculado lateral é parte integrante da via óptica; todas as fibras nervosas que conduzem as
sensações visuais terminam no corpo geniculado lateral.
A disposição das fibras nervosas no interior do trato óptico pode ser considerada como
bem estabelecida. Cada trato contém: 1) fibras diretas ou temporais, periféricas (superiores
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 183

Fig. 2 Trajeto da via óptica: vista lateral do encéfalo. 1. Nervo óptico; 2. quiasma óptico; 3. trato óptico;
4. radiações ópticas - alça anterior no lobo temporal; 5. trato geniculocalcarino; 6. alça occipital no ventrícu­
lo lateral; e 7. córtex visual; e 8. lobo occipital. Tem-se relação com o lobo parietal, corpo caloso, ventrículo
lateral e terceiro ventrículo, importante na interpretação da neuroimagem em corte sagital. (Figura modifi­
cada de Glaser JS, Sergott RC Neuro-Ophthalmology. //rTasman W, Jaeger EA (eds.). Duane's Clinical Ophthal­
mology. Philadelphia: Lippincott, 1989 (Revised edition), V. 2.

e inferiores); 2) fibras diretas ou temporais, maculares (superiores e inferiores); 3) fibras cru­


zadas ou nasais, periféricas (superiores e inferiores); 4) fibras cruzadas ou nasais, maculares
(superiores e inferiores). Essas fibras se acondicionam do seguinte modo: ao ingressarem no
trato, os feixes nasais procuram a borda medial, que o ocupam por completo, ultrapassando
o trato e estendendo-se também nas duas superfícies superior e inferior, nas porções mais
próximas à referida borda medial; os feixes nasais deixam para cima e para fora um espaço
côncavo, onde se acomodam as fibras temporais. Nos terços anterior e médio do trato, a dis­
posição das fibras é bem definida. Assim, as fibras nasais superiores periféricas e as temporais
superiores periféricas - as primeiras até a borda medial e as segundas até a borda superior
- rodeiam as fibras maculares superiores, nasais e temporais, que ocupam uma posição mais
central em relação ao eixo do trato. Nessa sistematização das fibras, foi possível estabelecer,
também, que as fibras superiores e inferiores, nasais ou temporais, são separadas para cima e
para baixo em forma homogênea, em correspondência com o sítio da retina de onde provêm.
Em resumo, podemos dizer que, na parte mais inicial do trato óptico, as fibras nervosas
mantêm a organização na qual elas se distribuem do quiasma com as fibras temporais late­
ralmente, as fibras nasais (cruzadas) medialmente e fibras maculares não cruzadas e cruzadas
centralmente. Entretanto, ocorre uma rápida reorganização, com a formação de quatro gru­
pos que não apresentam evidência de uma fusão. Das fibras periféricas, as temporais supe­
riores (não cruzadas) e nasais superiores (cruzadas) alojam-se na área dorsomedial; as fibras
temporais inferiores e as nasais inferiores, na área ventrolateral; e, nessa disposição, as fibras
retinianas mais periféricas mantêm sua posição superficial, de modo que as fibras unioculares
1 8 4 I Neuroftalmologia

(cruzadas) da retina nasal periférica extrema se situam ao longo da borda ventromedial do


trato; as da retina nasal superior, abaixo da área dorsomedial; e as da retina nasal inferior,
abaixo da área ventrolateral. As fibras maculares (não cruzadas e cruzadas) situam-se no seg­
mento dorsolateral do trato, e as fibras superiores parecem estar localizadas dorsalmente em
relação às inferiores. Não há evidência de qualquer superposição entre as faixas dorso-medial
e ventromedial, mas, dentro de cada uma, as fibras cruzadas e não cruzadas se fundem em
fascículos alternados e bem definidos, uma intimidade em surpreendente contraste com sua
segregação no corpo geniculado lateral.
Ao chegarem ao corpo geniculado lateral, as fibras nervosas penetram de uma forma
específica, podendo ser seguidas nessa disposição até o limite entre o quarto superior e os
três quartos posteriores da superfície inferior do corpo geniculado. São assim dispostas: 1) as
fibras nasais periféricas inferiores abaixo da camada 5, em sua parte mais medial; 2) os feixes
temporais superiores, tanto maculares como periféricos, situam-se na superfície medial do
corpo geniculado; 3) os feixes maculares nasais terminam diretamente no espaço das camadas
1 e 3. A essa descrição, devemos acrescentar que o polo frontal do corpo geniculado começa
para frente - onde entra em contato, primeiro, com o trato - na forma de vários espaços, pelos
quais penetram as fibras maculares no corpo geniculado, fibras que ocupam no trato uma si­
tuação central em relação às periféricas. Esses espaços se introduzem no centro e parte supe­
rior da porção temporal do trato. Portanto, as fibras maculares terminam nessa parte oral do
corpo geniculado. As fibras que constituem as faces periféricas nasais e temporais fazem um
percurso mais extenso e terminam mais longe na porção caudal do corpo geniculado.
O suprimento sanguíneo para o trato óptico provém da rede piai, formada pelos ramos
das artérias coróidea anterior, cerebral média, comunicante posterior e cerebral posterior. A
drenagem venosa se faz pela veia basal.

Corpo geniculado lateral


O corpo geniculado lateral, a rigor, não é um núcleo, pois é formado de camadas concêntricas
de substâncias branca e cinzenta. Recebe pelo trato óptico fibras provenientes das retinas
homo e heterolaterais. Projeta fibras pela radiação óptica para a área visual do córtex, situada
nas bordas do sulco calcarino. O corpo geniculado lateral é um relais para a via óptica, entre
a retina e o córtex visual. Pode ser comparado com o tálamo no seu comportamento nas vias
exteroceptivas da cabeça, tronco e membros.
Estudos anatômicos em animais evidenciaram que existe separação entre as fibras cruza­
das e não cruzadas no corpo geniculado lateral. Quanto à sistematização de fibras no corpo
geniculado lateral, pode-se dizer que em, secção coronal, este é composto de seis camadas
de células, sendo cada camada separada da próxima por uma lâmina de fibras nervosas. As
camadas celulares são numeradas de 1 a 6 de dentro para fora (ventral para dorsal). As fibras
retinianas diretas terminam nas camadas 2, 3 e 5, e as fibras retinianas cruzadas terminam nas
camadas 1 ,4 e 6. As fibras nervosas da radiação óptica originam-se de todas as seis camadas
de células. As camadas 1 e 2 são denominadas de magnocelulares (núcleos grandes) e 3, 4, 5 e
6 de parvocelulares (núcleos pequenos) (Fig. 3).
A arquitetura topográfica do corpo geniculado lateral só pode ser compreendida se for
lembrado que, no desenvolvimento filogenético, o núcleo sofreu uma rotação lateral de 90°
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 1 8 5

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Corpo geniculado lateral
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Córtex ■esr^f^
visual
Camada IV

Corpo geniculado lateral

Fig .3 Retina, corpo geniculado lateral e projeções ao nível da área estriada (área 17). (Figura reproduzida
com autorização dos Profs. Y. Keravel M, Djindjian M, Louarn F. Vues anatomiques commentées des voies vi­
suelles. Encycl Med Chir, Paris: Neurologie, Paris: Masson, 1991;4.8, 10,17001, F10.)

pela qual a superfície lateral original vai se localizar ventralmente; em seguida, as fibras supe­
riores e inferiores da retina se situam medial e lateralmente, em vez de dorsal e ventralmente.
A linha de divisão que corresponde ao diâmetro horizontal da retina, em vez de se situar hori­
zontalmente como até esse ponto, faz um corte anteroposterior atravessando o topo da crista
dorsal e a base do hilo ventral; a metade lateral do corpo geniculado está, portanto, relaciona­
da com a parte da retina abaixo do diâmetro horizontal, e a metade medial, com a parte acima.
A área que recebe as fibras da mácula é representada por um grande setor mediano situ­
ado numa posição dorsocentral limitada aos dois terços posteriores do núcleo e aumentando
consideravelmente em sua extremidade caudal, onde se estende em toda a sua largura; a área
forma uma pirâmide invertida, com uma base convexa formando uma crista arqueada em seu
aspecto dorsal. No seu interior, as fibras da metade inferior da mácula passam para a metade
1 8 6 I Neuroftalmologia

lateral do núcleo, as da metade superior passam medialmente, enquanto a propria área foveal,
no homem, está localizada na margem caudal arredondada do núcleo. Como vimos, a área de
projeção macular apresenta seis lâminas celulares.
As áreas que recebem fibras da retina periférica são representadas em três partes do nú­
cleo. A área de projeção da periferia inferior da retina ocupa todo o corno lateral, um segmen­
to da área macular marcado por um sulco; enquanto a da periferia superior da retina ocupa o
tubérculo medial e parte do terço rostral adjacente do núcleo. Essas duas áreas possuem uma
estrutura laminar, embora o padrão no lado medial seja menos definido do que no lateral, pos­
sivelmente devido ao rompimento do primeiro pela entrada das fibras do trato óptico.
A área de projeção das fibras de apenas um olho ocupa uma faixa estreita ao longo da ex­
tremidade anterior da parte ventral do núcleo, e a representação da parte inferior dessa zona
retiniana situa-se lateralmente à da parte superior.
A vascularização sanguínea do corpo geniculado lateral está em estreita relação com a do
trato; por essa razão, foram reunidas na mesma descrição. O trato recebe o aporte sanguíneo
da artéria coroidiana anterior; o corpo geniculado tem uma irrigação dupla, dependente dessa
mesma artéria e da cerebral posterior.
A artéria coroidiana anterior nasce no tronco da carótida interna, entre os pontos de ori­
gem da comunicante posterior e a cerebral média; às vezes, nasce da mesma cerebral média.
Em qualquer dos casos, segue depois um trajeto paralelo da cerebral média, em imediata
vizinhança com a substância nervosa. Situada, em seu início, por fora do quiasma e do trato,
cruza-o da sua borda lateral à sua borda medial, que contorna a pequena distância do pe­
dúnculo cerebral. Durante esse percurso, a coroidiana anterior emite pequenos ramos com
diversos destinos. Em sua porção mais anterior, irriga a cabeça do núcleo caudal e a borda
posteromedial da comissura anterior; e um pouco mais atrás, o uncus e a parte posterome­
dial do núcleo amigdaliano, parte anteroinferior do hipocampo e faseia denteada. Um pouco
mais para trás, alguns ramos nascidos da coroidiana anterior perfuram o trato e passam à
base do cérebro, para irrigar os dois terços posteriores do braço posterior da cápsula inter­
na, a parte medial do segmento médio do núcleo lenticular, o início da radiação óptica e,
provavelmente, também o início da radiação acústica e, no último extremo, a parede lateral
do corno descendente do ventrículo lateral. No que se refere ao próprio trato, sua irrigação
é obra de pequenos ramos da artéria coroidiana que passam entre ele e o pedúnculo, se­
guindo, respectivamente, a borda medial e a face dorsal. Em sua última porção, a coroidiana
anterior chega à face ventral do corpo geniculado, onde emite numerosas e pequenas cola­
terais que penetram em seu hilo e três ramos mais importantes, as artérias geniculadas late­
ral, média e medial, que são flanqueadas por suas veias correspondentes, quase sempre em
número de duas. Seguindo depois seu curso até a face dorsal do pedúnculo, em cujo nível
se anastomosa com ramos da comunicante posterior e cerebral, penetra na fenda cerebral
de Bichat, para participar finalmente, junto com a coroidiana posterior, da irrigação do plexo
coroide e irrigar também a substância negra, o corpo subtalâmico e a parte mais superficial
do núcleo ventrolateral do tálamo.
Porém, o corpo geniculado lateral, além das três artérias geniculadas descritas, recebe
um considerável aporte sanguíneo por intermédio da cerebral posterior, que lhe envia vários
ramos, com a denominação de “artérias do corpo geniculado”; são ramos longos que se co­
locam entre as geniculadas interna e média, já citadas, encurvando-se depois para trás, para
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 187

expandir-se finalmente na superfície do pulvinar. As lesões na via óptica posterior ao corpo


geniculado lateral, ou retrogeniculadas, não alteram os reflexos pupilares e nem há alterações
do disco óptico no fundo de olho, devido ao fato de as fibras oriundas na retina de ambos os
nervos ópticos terem o seu término e fazerem sinapse no corpo geniculado lateral.

Radiação óptica
A radiação óptica (trato geniculocalcarino) é a última parte da via óptica antes de chegar ao cór­
tex (Figs. 1 e 2) e está situada na espessura do cérebro. As fibras da radiação apresentam-se
em forma de leque. Estas estendem-se desde os centros ganglionares da base até o córtex
das faces interna e lateral do hemisfério cerebral, constituindo a parte terminal da via óptica.
Meyer descreveu que as fibras ventrais da radiação efetuam uma curva para diante em
pleno lobo temporal - a “alça temporal” de Meyer. A radiação óptica está formada dos seg­
mentos dorsal, lateral e ventral. Desses três segmentos, somente os dois primeiros se dirigem
diretamente para trás, indo terminar no córtex occipital; o ventral faz a citada “alça temporal” ,
rodeando o corno inferior do ventrículo lateral, chegando às fibras mais ventrais bem mais
adiante, praticamente até a ponta do corno ventricular, para encurvar-se depois para trás e
terminar seu trajeto na parte mais anterior do lábio inferior do sulco calcarino.
Dentro do lobo occipital, a radiação óptica se espalha em uma direção dorsoventral, de
modo que sua margem inferior permaneça perto da superfície inferior. A margem superior
fica um tanto dorsalmente na parte média de seu curso, porém nenhuma das fibras estende-se
acima do nível horizontal do sulco lateral. Em geral, as fibras deixam a radiação abruptamen­
te, em ângulos retos, e correm medialmente na substância branca da área estriada, acima
ou abaixo do sulco calcarino, antes de entrarem na substância cinzenta para atingir suas
terminações.
Contrárias à parte anterior do sulco, as fibras da parte superior da lâmina descem sobre a
borda superior do polo posterior do ventrículo lateral, enquanto aquelas do segmento inferior
correm medialmente, de modo que ambos os grupos atingem o lábio inferior do sulco mais
posteriormente; aquelas da parte superior da radiação seguem em direção ao lábio superior
do sulco, enquanto as da parte inferior buscam as áreas correspondentes do lábio inferior;
aquelas do segmento intermediário passam diretamente ao longo da parede lateral do ventrí­
culo, indo terminar atrás das outras na parte posterior da área calcarina e sua extensão até as
superfícies posterior e lateral do polo occipital.
As fibras que saem do corpo geniculado lateral apresentam uma sistematização inte­
ressante: as mais superiores dirigem-se diretamente para trás, passando pela parte supe­
rior da parede externa do corno posterior do ventrículo lateral; as fibras inferiores, em
troca, fazem uma incursão no lobo temporal (alça de Meyer), dirigindo-se primeiramente
para diante e para fora e, em seguida, para baixo, aplicadas à parte anterior do corno in­
ferior do ventrículo lateral, para se dirigirem, por último, para trás, unindo-se então com
as superiores na parte externa do corno posterior do ventrículo lateral. As fibras atingem
o lobo occipital, onde se encontra o centro receptor visual disposto nas margens do sulco
calcarino (área 17 de Brodmann).
O suprimento sanguíneo para a radiação óptica deriva da: 1) artéria coróidea anterior; 2)
artéria cerebral posterior, principalmente no seu ramo calcarino; e 3) artéria cerebral média.
1 8 8 | Neuroftalmologia

Córtex occipital
O córtex estriado ou área 17 de Brodmann é conhecido também como área VI ou córtex visual
primário (Figs. 1 e 2). As fibras oriundas do corpo geniculado lateral (CGL), através das radiações
ópticas, projetam-se na camada 4 de V I . São seis as camadas que compõem o córtex visual pri­
mário, numeradas da superfície para o interior: 1,2, 3, 4, 5 e 6. A camada 4 ou lâmina granularis
interna é dividida em três outras: 4A, 4B e 4C (está ultima é conhecida como linha de Gennari).
O córtex visual, também conhecido como área estriada, recebe fibras da radiação óptica, pro­
venientes do corpo geniculado lateral, condutoras de impulsos do lado nasal heterolateral. Isto
acontece por causa da decussação parcial das fibras dos nervos ópticos ao nível do quiasma.
A área 17 corresponde ao fundo e aos lábios do sulco calcarino, porém ultrapassa-o por
cima e por baixo em uma extensão de 5 mm. Ocupa, portanto, a face medial e o polo do lobo
occipital. Na parte anterior, estende-se mais sobre o lábio inferior do que sobre o superior. Por
detrás, contorna o pólo posterior, ocupando um setor mais ou menos amplo da face externa
do lobo occipital. Sua extensão aproximada é de 30 cm2.
As áreas 18 e 19 de Brodmann são denominadas de córtex visual extraestriado, ou córtex
secundário, e compreendem cinco áreas distintas para o processamento da visão. Essas áreas
são denominadas de V2, V3, V3a, V4 e V5; são mapeadas com precisão em macacos e encon­
tram as suas correlatas no córtex visual de humanos. V3 está no lobo parietal posterior e rece­
be projeção de V I; V3, posteriormente, envia projeções para o gânglio basal (pulvinar) e para
o mesencéfalo. Células nessa área provavelmente são responsáveis pela integração visual. V3a,
identificada como tendo uma representação retinotópica separada, recebe projeção de V3. Cé­
lulas nessa região são direcionadas binocularmente e são sensíveis ao movimento e direção.
V4, localizada no giro lingual e fiisiforme, parece ser sensível a cores. Anterior e lateral a V4,
encontra-se V5 (posterior e no giro subangular e sulco temporal superior); essa área é sensível
também ao movimento e à direção.
A área V5 corresponde à região mediotemporal (MT), e recebe projeção de V I, mas tam­
bém direto da camada magnocelular do CGL. Os neurônios nessa região codificam a velocida­
de e a direção do estímulo em movimento. Essa área parece ser também a origem dos movi­
mentos persecutórios.
A área 19 ou periestriada rodeia, por sua vez, a área 18. Sobre a superfície lateral do he­
misfério, ocupa a parte anterior dos três giros occipitais, invadindo, em certas ocasiões, a par­
te posterior do lobo parietal. Na face inferior, ocupa o quarto giro occipital e parte do quarto
giro temporal. Na face medial do lobo, ocupa, na altura, o resto do cúneo, sem ultrapassar o
sulco parietoccipital. Em resumo, podemos dizer que a área 17 é um isocórtex heterotípico
granular, e as áreas 18 e 19 são do tipo isocórtex homotípico.
O córtex visual parece ter uma vasta atribuição de funções. Reorganiza os impulsos do
corpo geniculado lateral de forma a tornar linhas e contornos os estímulos mais importantes.
Isso constitui o primeiro passo para a generalização perceptual, resultando da resposta de cé­
lulas corticais à orientação de um estímulo, qualquer que seja sua exata posição retiniana. O
movimento é também um fator importante do estímulo. Sua velocidade e direção devem ser
especificadas para que uma célula seja efetivamente orientada.
A área 17 está ligada, mediante fibras de projeção, com a área 18; e esta, por sua vez,
com a área 19. A área 17 é o lugar da projeção e da recepção das sensações visuais (centro
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 1 8 9

das sensações primárias ou analisador cortical), enquanto as outras duas áreas (18 e 19) efe­
tuam os processos de integração e resposta motora. Nelas se efetua a síntese das sensações
visuais, que são relacionadas com outras sensações proprioceptivas procedentes, sobretudo,
dos músculos dos olhos, pescoço e tronco, com conceitos intelectuais e com o resultado de
experiências e conceitos hereditários. A área 18 é a zona visomotora do córtex cerebral, isto
é, controla a resposta oculomotora que implica o ato visual. É ponto de reflexão de reflexos
visovisuais e assegura a afixação e a fusão das imagens. Nessa área, encontramos o centro
oculogiro occipital, cuja estimulação, idêntica à da área 8, produz os movimentos conjugados
dos olhos. Os centros oculogiros frontais parecem funcionar independentemente. Contudo,
os dois centros occipitais estão unidos pelo corpo caloso e parecem inibir-se reciprocamente.
A área 19 é o lugar das percepções visuais. Coordenando sensações visuais, elabora as per­
cepções visuais, permitindo-nos reconhecer a natureza dos objetos que olhamos. Porém, não
somente nos permite reconhecer objetos, letras e cores, como também o tamanho, a forma e
distância dos objetos no espaço.
A área visual está localizada no córtex, que constitui as paredes do sulco calcarino e por­
ções adjacentes do cúneo e giro occipitotemporal medial. As fibras maculares terminam na ex­
tremidade posterior do lobo occipital, e as dos quadrantes superiores e inferiores, nos lábios
superior e inferior do mesmo lado. Da área 17 (estriada), partem fibras que fazem sinapses
com a área 18 (periestriada) e com a 19 (paraestriada). As fissuras calcarina e pós-calcarina
representam a junção entre as metades dos campos visuais superiores e inferiores. O lábio
superior da fissura recebe impulsos dos quadrantes superiores correspondentes de ambas as
retinas, que são associadas com o quadrante inferior do campo binocular no lado oposto. O
lábio inferior está relacionado ao quadrante superior do campo binocular no lado oposto. A
mácula está representada posteriormente por uma área extensa do córtex visual. Em um gran­
de número de cérebros humanos, a fissura pós-calcarina estende-se ligeiramente na face pos-
terolateral do lobo occipital. A periferia da retina está representada anteriormente. O campo
monocular está representado mais anteriormente e, provavelmente, encontra-se em frente à
junção das fissuras parietoccipital e calcarina. Finalmente, pode-se dizer que há uma perfeita
“localização” no córtex occipital, isto é, cada par de pontos correspondentes na retina está
representado por uma área específica no córtex visual do hemisfério cerebral.
O córtex visual recebe irrigação da artéria cerebral posterior, através dos ramos calcarino,
temporal posterior e parietoccipital. A artéria cerebral média pode contribuir para o supri­
mento sanguíneo da área visual. Os vasos formam uma rica rede na pia-máter, e seus ramos
curtos passam à substância cinzenta, enquanto ramos maiores atingem a substância branca. A
área macular do córtex visual é uma linha de divisão com respeito ao suprimento sanguíneo.
O córtex visual “macular” é vascularizado por ramos terminais das artérias cerebrais posterior
e média.
O córtex visual recebe fibras do campo medioperiférico e periférico, e é vascularizado
apenas pela artéria cerebral posterior. A área é suprida por um vaso mais proximal (não é
terminal). Portanto, quando houver obstrução do fluxo através da artéria cerebral posterior,
o córtex visual macular ipsilateral pode ser preservado, devido ao suprimento de sangue for­
necido pelas ramificações terminais da artéria cerebral média. Esta pode ser uma explicação
para a “preservação macular” . Entretanto, quando ocorre um estado de hipoperfusão genera­
lizada (p. ex., hipotensão intraoperatória, parada cardíaca), a primeira área do córtex visual a
1 9 0 I Neuroftalmologia

ser afetada é exatamente aquela suprida pelas ramificações terminais, ou seja, o córtex visual
macular, resultando num comprometimento da área mais central do campo visual.
Há duas vias para a percepção de movimento, profundidade, forma e cores no córtex vi­
sual (Fig. 4). A primeira é a via parvocelular, que recebe projeções da camada parvocelular (nú­
cleo pequeno) do CGL, a qual recebe projeções das células P da retina; é denominada também
de via ventral, e processa informações do córtex temporal inferior. Da camada parvocelular do
CGL, partem projeções de neurônios para a camada 4C beta em V I; e deste para a região das
bolhas e entre as bolhas nas camadas 2 e 3 de V I , da região das bolhas partem sinais que pas­
sam pela região das faixas finas em V2 e que projetam posteriormente para V4; da região entre
as bolhas, saem sinais que atravessam a região entre as faixas em V2, daí terminando em V4.
Da região das bolhas também partem sinais diretos para V4. Essa via é responsável pela visão
de cores e resolução espacial fina. V4 é responsável pela visão de cores e de formas coloridas.
A segunda é a via magnocelular, com início nas células M da retina, que projeta para a
camada magnocelular ou M do CGL, assim chamada por conter células grandes. Essa via tam­
bém é chamada devia dorsal, porque processa as informações para o córtex parietal posterior.

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Fig. 4 Vias da percepção no córtex visual. Células seletivas e comprimento de ondas na região das bolhas
(Ib lo b s ) em V1 enviam sinais para a área V4. Visão de forma em associação com cores depende da conexão
entre a região entre as bolhas em V I, as região entre as faixas de V2 e área V4. Células na camada 4B de V1
enviam sinais paraV3 eV5 diretamente e também através das faixas grossas de V2. Essas conexões dão origem
à percepção do movimento e de formas dinâmicas. (Reproduzido de Zeki S. The visual image in mind and
brain. Mind and brain: readings from scientific american magazine. New York: Freeman, 1993; p. 27-39.)
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 191

Da camada magnocelular do CGL, partem projeções para a camada 4C alfa em V I, que proje­
ta para a camada 4B também em V I; a partir de V I, os sinais atravessam a região das faixas
grossas em V2 e terminam em V3 e V5; V3 e V5 recebem também sinais diretos da camada 4B
de V I . Essa via é responsável pela detecção de movimentos, estereopsia e sensibilidade ao
contraste de baixa frequência espacial. V3 detecta informações de formas dinâmicas, como,
por exemplo, forma de objetos em movimento ou pessoas andando; V5 detecta movimentos.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DAS SÍNDROMES RETROQUIASMÁTICAS

As lesões retroquiasmáticas caracterizam-se por hemianopsias homônimas e podem ser causa­


das por lesões no trato óptico, no corpo geniculado lateral, nas radiações ópticas ou no lobo
occipital. A acuidade visual é normal nesses pacientes, uma vez que apenas um lado do campo
visual é acometido. É claro que, nos casos de lesões bilaterais, a acuidade visual poderá ser
reduzida. Embora lesões bilaterais sejam muito incomuns nas afecções dos tratos ópticos,
corpo geniculado lateral e radiações ópticas, ela pode ocorrer ao nível dos lobos occipitais (p.
ex., lesões occipitais por hipoperfusão cerebral que podem acometer bilateralmente os lobos
occipitais).
Sem dúvida, o campo visual é o exame que melhor auxilia na identificação das lesões
retroquiasmáticas, já que estas causam hemianopsias homônimas completas ou incompletas
(Fig. 5). Quando a hemianopsia homônima é completa, ela não apresenta valor localizatório e
será semelhante na lesão de qualquer das estruturas já citadas aqui. Já os defeitos incompletos
podem ser congruentes (semelhantes nos dois olhos) ou incongruentes (mais acentuados em
um dos olhos), e isto pode auxiliar na localização.
Na interpretação do campo visual e suas alterações, é fundamental que o exame seja con­
fiável e analisado observando-se os dois olhos em conjunto (particularmente nas lesões retro­
quiasmáticas, é importante dispor os dois campos visuais lado a lado, colocando o campo do
OD à direita e o do OE à esquerda). Toda a interpretação é baseada no conhecimento da ana­
tomia da via óptica. Tendo relacionado o tipo de defeito e a provável localização anatômica,
esses achados devem ser correlacionados com os demais dados clínicos. Segue-se a obtenção
de exames de neuroimagem (particularmente a imagem por ressonância magnética) orienta­
dos de acordo com a suspeita clínica.
Lesões retroquiasmáticas parciais anteriores acometendo o trato óptico são geralmente
incongruentes e manifestam-se também por atrofia óptica nas fases mais tardias. As causas
compressivas geralmente são as mesmas que acometem o quiasma óptico. Acometimento is-
quêmico no território da artéria coroidal anterior também pode ocasionar disfunção no trato
óptico. Estudo publicado em 2007 mostra que, especialmente nas lesões isquêmicas, as lesões
parciais do trato óptico podem também ocasionar defeitos de campo visual congruentes. No
entanto, de maneira geral, as lesões do trato óptico na maioria dos casos são incongruentes.
Lesões que acometem o corpo geniculado lateral são bastante incomuns e também po­
dem ocasionar hemianopsias homônimas, usualmente incongruentes. O defeito pode acome­
ter a região mediana do campo visual, com preservação relativa dos setores superior e inferior
do campo, embora também possa levar a perdas maiores e, até mesmo, a uma hemianopsia
homônima completa.
1 9 2 I Neuroftalmologia

Fig. 5 Campo visual anormal, representação esquemática da via óptica mostrando os lugares de total inter­
rupção das fibras nervosas e os vários campos visuais anormais produzidos por tais interrupções. 1. Nervo óp­
tico - cegueira no lado da lesão; com campo contralateral normal. 2. quiasma - hemianopsia bitemporal.
3. trato óptico - hemianopsia homônima incongruente contralateral. 4. nervo óptico - junção do quiasma; ce­
gueira no lado da lesão com hemianopsia temporal contralateral ou escotoma hemianóptico. 5. trato óptico
posterior, corpo geniculado lateral, perna posterior da cápsula interna - hemianopsia homônima contralateral
completa ou hemianopsia homônima contralateral incompleta. 6. radiação óptica; alça anterior no lobo tem­
poral - hemianopsia homônima contralateral incongruente ou quadrantanopsia superior. 7. fibras mediais da
radiação óptica - quadrantanopsia homônima inferior contralateral incongruente. 8. radiação óptica no lobo
parietal - hemianopsia homônima contralateral, algumas vezes ligeiramente incongruente com preservação
mínima. 9. radiação óptica no lobo parietal posterior e lobo occiptal - hemianopsia homônima contralateral
congruente com preservação macular. 10. porção média do córtex calcarino - hemianopsia homônima contra­
lateral congruente com grande preservação macular e preservação do crescente temporal contralateral.
11. extremidade do lobo occipital - hemianopsia contralateral congruente com escotomas. 12. extremidade
anterior da fissura calcarina - perda contralateral do crescente temporalcom, às vezes, campos visuais normais.
(Reproduzida com autorização do Professor Harrington, D. O. The visual fields. A textbook and atlas of clinical
perimetry. St. Louis: Mosby, 1981, p. 108.)

A presença de defeitos campimétricos homônimos superiores e não congruentes geral­


mente localiza a lesão ao lobo temporal contralateral por acometimento das radiações ópticas
nessa região (alça de Meyer). As alterações campimétricas decorrentes de lesões occipitais
são extremamente congruentes. Lesões que preservam a área macular e que ocorrem em in­
divíduos sem outros sintomas são características de afecções isquêmicas do lobo occipital. As
lesões isquêmicas são a causa mais comum de hemianopsia occipital. Outras causas incluem
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 193

malformações arteriovenosas, traumas, tumores, doença desmielinizante, leucoencefalopatia


multifocal progressiva, doença de Alzheimer etc.
Lesões retroquiasmáticas podem também se manifestar por alterações nas funções visuais
superiores, particularmente levando à falta de reconhecimento do que se vê ou falta de in­
terpretação da imagem. Tais alterações, genericamente designadas de agnosia visual, serão
discutidas mais adiante neste capítulo. A seguir serão detalhados os achados clínicos mais
específicos das lesões de cada uma das estruturas da via óptica retroquiasmática.

LESÕES DO TRATO ÓPTICO

Características clínicas
O trato óptico representa a continuação da via óptica após o quiasma antes de chegar ao cor­
po geniculado lateral. Apenas o hemicampo contralateral é representado no trato óptico. As
lesões do trato óptico inicial são muito semelhantes àquelas que causam síndrome quiasmá-
tica, incluindo lesões compressivas decorrentes de craniofaringiomas e tumores hipofisários.
A atrofia óptica consecutiva a uma lesão do trato é sinal de lesão pré-geniculada.
O padrão específico da camada de fibra nervosa da retina resulta em padrões específicos da ca­
mada de fibra nervosa e de atrofia óptica em pacientes com perda visual causada por lesões ópticas
quiasmáticas e pré-geniculadas retroquiasmáticas. Em pacientes com lesões quiasmáticas, como já
vimos, os defeitos de campo temporal são refletidos pela perda de fibras das células ganglionares
nasais à fóvea. A atrofia é mais evidente nos setores nasal e temporal ao disco, uma vez que o feixe
de fibras nervosas arqueadas superiores e inferiores é composto de fibras das células ganglionares
temporais e nasais à fóvea. Assim, os feixes arqueados são relativamente preservados em compara­
ção com outras áreas. Portanto, a palidez óptica é, em princípio, nasal e temporal, com preservação
superior e inferior. Essa atrofia em faixa (em banda) ou em “gravata-borboleta” é característica da
perda de campo temporal. Desse modo, pacientes com síndromes ópticas quiasmáticas e defeitos
de campo hemianópticos bitemporais apresentam atrofia óptica em faixa e atrofia da camada de
fibra nervosa característica em ambos os olhos.
Em pacientes com hemianopsia homônima por lesão no trato óptico, o olho contralate­
ral à lesão (olho da hemianopsia temporal) apresenta o padrão de atrofia de fibra nervosa do
nervo óptico já descrito, com perda de campo temporal. Por sua vez, o olho ipsilateral à lesão
apresenta uma perda de campo nasal completa, com perda de células ganglionares temporais
à fóvea. Como as fibras nervosas dessas células ganglionares em princípio abrangem os feixes
arqueados superior e inferior, essas regiões apresentam grande perda de fibras nervosas, em­
bora a atrofia do disco seja generalizada. As características dos fundos desses indivíduos são
de atrofia em “gravata-borboleta” ou em faixa no olho da hemianopsia temporal (contralateral
à lesão do trato óptico), e relativa ausência dos feixes arqueados de fibras nervosas superiores
e inferiores no olho ipsilateral. Pacientes com lesão no trato óptico podem, portanto, apresen­
tar atrofia óptica bilateral, com palidez temporal ipsilateral e atrofia óptica em banda contra­
lateral (no olho da hemianopsia temporal).
Além disso, lesões do trato óptico podem ocasionar alterações nas reações pupilares. Na
presença de uma hemianopsia homônima, pode-se pesquisar a reação hemiópica de Wernicke;
1 9 4 I Neuroftalmologia

nesse caso, o reflexo fotomotor funciona quando se ilumina a metade integral da retina, e está
abolido ou reduzido quando se ilumina a metade cega. Essa reação hemiópica é um sinal de
lesão situada nos dois terços internos do trato, na qual passam as vias do reflexo fotomotor
(fibras pupilares) antes de deixarem o trato para o corpo geniculado lateral. De fato, essa rea­
ção é difícil de pesquisar e interpretar, e sua falta, nas hemianopsias homônimas, não permite
afirmar o lugar pré-geniculado da lesão.
Mais comum é a presença de um defeito pupilar aferente relativo, observado ao swinging
flashlight test. Nesse caso, observa-se defeito aferente relativo no olho que tiver o maior defeito
de campo visual, já que muitas vezes o defeito campimétrico é incongruente, afetando mais um
dos olhos. No caso de hemianopsia homônima completa causada por lesão do trato óptico, ain­
da assim observamos um defeito pupilar aferente relativo. Isto porque, no olho que apresenta a
hemianopsia temporal, haverá uma perda maior de aferência do que no olho que tiver a hemi-
nanopsia nasal (ou seja, haverá um defeito aferente relativo no olho da hemianopsia temporal).
Essa diferença decorre do fato de que um número maior de fibras é representado por fibras
cruzadas, quando comparadas às não cruzada; assim, o olho que perdeu o campo temporal (cor­
respondente às fibras cruzadas) terá uma maior perda de aferência do que o olho que perdeu
o campo nasal. A presença de um defeito pupilar aferente relativo em um paciente com hemia­
nopsia homônima é um sinal muito importante e auxilia no diagnóstico topográfico, já que, nas
demais estruturas da via óptica retroquiasmática, essas lesões não estarão presentes.

Principais lesões do trato óptico


O trato óptico é vulnerável às mesmas lesões por massas que comumente envolvem a região
basal do cérebro, incluindo o quiasma óptico. Lesão no trato óptico posterior resulta em uma
hemianopsia homônima completa contralateral (Figs. 5 e 6). Tais hemianopsias não são locali-
zatórias apenas pela perimetria, já que hemianopsias completas podem ocorrer em lesões de
qualquer estrutura retroquiasmática. No entanto, como já mencionado, tais lesões podem ser
diagnosticadas clinicamente pelo defeito pupilar aferente relativo (no olho da hemianopsia
temporal) e também pela atrofia óptica que os acompanha, diferente das lesões retrogenicu-
ladas, em que onde não há atrofia.

Fig. 6 Hemianopsia homônima completa.


Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 1 9 5

As alterações no campo visual nas lesões do trato são mais comuns do tipo hemianopsias
homônima parcial do que hemianopsias completa, e, em regra, são altamente incongruentes.
Como todos os defeitos de campo visual retroquiasmático, hemianopsia do trato óptico
unilateral não causa baixa da visão, a menos que a porção posterior do quiasma seja também
envolvida. A acuidade visual é normal mesmo em pacientes com hemianopsia homônima com­
pleta, embora os pacientes tenham, muitas vezes, que “procurar” as letras situadas do lado da
hemianopsia (pela “divisão da fixação”).
Síndromes puras do trato óptico são incomuns, devido à proximidade com o quiasma óp­
tico, hipotálamo, lobo temporal e tronco cerebral.
O envolvimento do trato ocorre nos adenomas da hipófise, aneurismas da artéria caróti­
da interna, craniofaringiomas, gliomas do quiasma óptico e, ocasionalmente, em lesões que
ocupam o espaço periquiasmático. O trato óptico pode ser especialmente vulnerável quando
o quiasma é pré-fixado ou quando o tumor se expande posteriormente em direção à região su-
prasselar. Na prática, os diagnósticos diferenciais da síndrome do trato óptico são os mesmos
da síndrome quiasmática. Síndromes do trato óptico de natureza traumática ocasionalmente
acontecem, bem como decorrentes de lesões desmielinizantes, que podem ser encontradas
em autópsias em pacientes com esclerose múltipla, e que raramente são identificadas na clíni­
ca. Doenças degenerativas, vasculares e desordens tóxicas não são consideradas importantes
etiologias.
Os pacientes com suspeita de lesões no trato óptico requerem investigações neurorradio-
lógicas, tais como a tomografia computadorizada ou a imagem por ressonância magnética de
crânio, ambas com a utilização de contraste. Esses exames na maioria das vezes irão mostrar
a extensão e a natureza das lesões. Arteriografia da artéria carótida ou vertebral e análise do
líquor são também necessárias em alguns casos.

LESÕES DO CORPO GENICULADO LATERAL

Lesões que acometem o corpo geniculado lateral (CGL) são as mais raras entre as afecções da via
óptica. A suspeita dessas lesões baseia-se no tipo de defeito campimétrico apresentado associa­
do ao padrão de perda da camada de fibras nervosas retinianas (CFNR) observado à oftalmosco-
pia, aos achados no exame das pupilas e aos achados neurológicos associados, como será apre­
sentado. O estudo de imagem pela tomografia computadorizada ou pela ressonância magnética
tem a importante função de localizar a lesão e confirmar o diagnóstico. Entretanto, quando os
achados aos exames de imagem são discretos, tais como ocorre em pequenas lesões isquêmicas
do CGL, o diagnóstico pode ser difícil e a interpretação de achados aos exames de neuroimagem
pode depender fundamentalmente dos achados clínicos, incluindo o tipo de defeito campimétri­
co. Lesões isoladas do CGL são raras, provavelmente devido à sua peculiar localização.
A identificação clínica da lesão do CGL baseia-se no tipo de defeito campimétrico, na
ausência de alteração nas reações pupilares e na identificação de perda da camada de fibras
nervosas da retina. Não há alteração nos reflexos pupilares, uma vez que as fibras envolvidas
no arco reflexo da pupila deixam a via óptica ao nível do trato óptico para estabelecer sinap-
ses com neurônios situados no mesencéfalo. No campo visual, além da hemianopsia homô­
nima completa que pode ocorrer nas lesões mais graves, pode haver setoranopsia horizontal
1 9 6 I Neuroftalmologia

homônima, setoranopsia quádrupla homônima e defeito em “ampulheta” (hourglass-shaped de­


fect) em ambos os campos visuais.
0 estudo neurorradiológico corrobora na confirmação do diagnóstico anatômico das afec-
ções da via óptica. O CGL pode ser acometido por infartos, tumores, mielinose extrapontina
central e trauma. Todavia, devido a seu tamanho e localização, a demonstração neurorradioló-
gica do CGL e de suas lesões pode ser dificultada, como ocorre, por exemplo, em lesões isquê-
micas. Especial atenção deve ser prestada nos exames de neuroimagem para a identificação da
localização correta do corpo geniculado lateral.

LESÕES DAS RADIAÇÕES ÓPTICAS

As radiações ópticas podem ser danificadas por lesões em diferentes locais, incluindo a cáp­
sula interna, os lobos temporal e parietal. A cápsula interna é composta por todas as fibras
nervosas, que saem ou entram no córtex cerebral. O componente mais posterior da cápsula
interna é a radiação óptica. Interrupção nessa área causa hemianopsia homônima completa
contralateral, que é associada à hemianestesia contralateral pelo dano nas fibras talamocor-
ticais no braço posterior da cápsula interna. Outros achados incluem o desvio transitório dos
olhos para o lado da lesão e fraqueza dos músculos frontal e orbicular dos olhos contralateral
à hemiplegia. As causas mais comuns de lesões nessa área são as vasculares.
No lobo temporal, as fibras mais anteroinferiores formam a alça de Meyer, a qual contém
projeções das fibras retinianas inferiores que se espalham em direção ao polo do lobo tempo­
ral. Lesão nessa região produz quadrantopsia homônima superior incongruente, contralateral
à lesão com preservação da fixação, que é denominada pie in the sky (Fig. 7). Danos no lobo
temporal anteriores à alça de Meyer não causam déficit visual. Lesões posteriores à alça pro­
duzem um defeito hemianópico homônimo estendendo-se inferiormente.
Lesões vasculares no lobo temporal raramente produzem defeitos isolados, ao contrário das
lesões no córtex occipital. As radiações ópticas anteriores podem ser envolvidas por infarto na área
de irrigação da artéria coroidal anterior. Infarto no território da artéria cerebral posterior envolvem
o lobo temporal basal medial e tendem a afetar a memória temporária ou permanentemente; as
radiações ópticas são geralmente preservadas nesses casos. Na oclusão da artéria cerebral média
(usualmente por êmbolos), há dano generalizado nas radiações ópticas, e é difícil identificar um
componente do lobo temporal. Com a oclusão na artéria cerebral média esquerda, os pacientes
são afásicos e apresentam compreensão pobre, o que dificulta na realização do campo visual. Um
defeito hemianópico homônimo pode ser o único achado de exame nesses pacientes.
Manifestações não visuais por lesões no lobo temporal são comuns. Lesões bilaterais no
giro transverso de Heschel podem causar surdez cortical, usualmente associada a afasia; le­
sões unilaterais podem causar distúrbio na audição e discriminação de sons contralaterais à
lesão. Se a lesão é no lobo temporal dominante, o paciente pode ter dificuldade para memo­
rizar uma série de palavras faladas; se a lesão é no lobo temporal não dominante, o paciente
pode apresentar agnosia de audição.
Os tumores mais frequentes no lobo temporal são os gliomas primários, frequentemente cau­
sando convulsões, que são tipicamente caracterizadas por mudança transitória do estado emo­
cional, humor e no comportamento; são denominadas de crises parciais complexas ou epilepsia
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 197

Fig. 7 Quadrantanopsia homônima superior discretamente incongruente em paciente com tumor no lobo
temporal evidenciado à imagem por ressonância magnética (abaixo).

psicomotora. Outros sintomas incluem alucinação gustatória (quando afeta o giro uncinado), aluci­
nações visuais formadas, afasia e sensação de déjà vu. As alucinações visuais do tipo formadas são
animadas (pessoas, animais) ou inanimadas (flores, árvores, prédios), e são quase sempre produ­
zidas no hemicampo homônimo afetado. Esses pacientes podem apresentar uma quadrantopsia
superior (Fig. 8), congruente ou incongruente, ou uma hemianopsia homônima completa (Fig. 6).
Lesões no lobo parietal tendem a envolver as fibras superiores, resultando em uma qua­
drantopsia homônima inferior contralateral ou pie on the floor. Lesões mais extensas envolvem
também o campo visual superior, mas o campo inferior é o mais afetado. Tais defeitos são mais
congruentes do que as lesões do lobo temporal. Lesões amplas podem produzir hemianopsia
homônima completa com divisão macular (Figs. 5 e 6), devido ao fato de todas as radiações
ópticas passarem através desse lobo.
Lesões no lobo parietal causam um defeito na atenção. No teste de confrontação simultâ­
neo, há o fenômeno da extinção, ou seja, ao apresentarem-se simultaneamente dois estímu­
los, por exemplo, movimentos dos dedos das mãos, os estímulos não são visíveis no CV afe­
tado, mas previamente, com o teste de confrontação simples, esse mesmo objeto era visível
nesse mesmo campo afetado.
Os achados neuroftalmológicos, além das alterações de campo, incluem o sinal de Cogan,
que é o desvio conjugado dos olhos para cima e lateralmente, para o lado oposto da lesão,
1 9 8 I Neuroftalmologia

Fig. 8 Quadrantopsia homônima superior.

com o fechamento forçado das pálpebras. E encontrada também uma resposta anormal do
nistagmo optocinético, quando o alvo é movido em direção à lesão, havendo uma diminuição
ou ausência da resposta. A presença de uma resposta normal do nistagmo opctocinético e uma
hemianopsia homônima não é compatível com lesão no lobo parietal. Um distúrbio no reflexo
de fixação é suficiente para interferir na habilidade do paciente para ler e pode ocorrer antes
de outros sintomas. Esse distúrbio manifesta-se na realização do campo visual, onde o pacien­
te não consegue manter a fixação, apesar das seguidas instruções e do aparente entendimento
destas. Outros tipos de distúrbio incluem negligência visual, agnosia visual e dificuldade de
reconhecimento das palavras.
A negligência visual é a não consciência da perda do campo visual, fenômeno que ocorre
mais comumente quando afeta o hemisfério cerebral não dominante (usualmente, o lobo pa­
rietal direito), mas também pode ocorrer em pacientes com lesões no lobo parietal dominan­
te. Lesões no lobo parietal dominante podem causar afasia, apraxia, agnosia, acalculia e agra-
fia. Lesões nesse lobo envolvendo o giro angular podem produzir a síndrome de Gerstmann
(agnosia dos dedos, desorientação direita-esquerda, agrafia e acalculia) em associação com
hemianopsia homônima à direita. Lesões no lobo parietal não dominante podem causar défi­
cit na habilidade construcional, discalculia, inatenção e negligência. Lesões no lobo parietal
frequentemente afetam o senso espacial; o paciente pode estar desorientado em ambientes
previamente familiares ou na tentativa de ler mapas.
Oclusões vasculares na distribuição da artéria cerebral média são responsáveis por um
vasto número de síndromes do lobo parietal; outras causas frequentes são os tumores, espe­
cialmente os gliomas, meningiomas e metástases.
Danos focais no lobo parietal ocorrem nos infartos, tumores metastáticos ou primários,
malformações arteriovenosas, feridas penetrantes e hipóxia.

LESÕES DOS LOBOS OCCIPITAIS

As fibras das radiações ópticas, ao se aproximarem do lobo occipital, tornam-se mais pró­
ximas, devido a essa proximidade anatômica entre as partes correspondentes entre as duas
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 1 9 9

retinas. Lesões no lobo occipital são quase exclusivamente homônimas, e a congruência é


maior quanto mais posterior for a lesão.
Lesões unilaterais do lobo occipital posterior causam defeitos quase sempre homônimos;
lesões na ponta do lobo occipital causam um escotoma central homônimo altamente con­
gruente (Fig. 9). Escotoma hemianópico homônimo congruente tende a ser de forma setorial,
preenchendo uma área triangular do quadrante; o ápice aponta para a fixação. Esse tipo de
campo é relacionado ao dano no polo occipital.
Lesões unilaterais no lobo occipital anterior produzem um defeito monocular na extrema
periferia temporal contralateral à lesão; o defeito é em forma de crescente, estendendo-se hori­
zontalmente de 60 a 90°, e detectado somente pelo perímetro manual de Goldmann; esse tipo
de defeito é chamado de crescente temporal ou síndrome da meia-lua. Isto ocorre devido à dis­
paridade entre as fibras cruzadas e não cruzadas, ou seja o campo visual temporal é maior que
o campo nasal; dessa maneira, as fibras da periferia temporal não encontram as suas correlatas
nasais, não havendo o pareamento através das vias ópticas pós-quiasmáticas. Ao encontrar esse
tipo de defeito campimétrico, é importante descartar a presença de lesões na periferia nasal da
retina. Lesões no córtex estriado posterior tendem a preserva a crescente temporal.
Preservação macular é quando a porção central do campo visual em cada olho é preserva­
da, como resultado do desvio do meridiano vertical entre a metade com função e a sem função
do campo em uma hemianopsia homônima. Nos pacientes com hemianopsia homônima com
preservação macular, a localização da lesão é quase sempre occipital, e a causa na maioria das
vezes é resultado do infarto no território da artéria cerebral posterior.
Lesões bilaterais do lobo occipital podem ocorrer simultânea ou consecutivamente. Es­
sas lesões são neurologicamente assintomáticas, exceto as queixas visuais, em pacientes com
lesões unilaterais causando uma hemianopsia homônima. Esses pacientes podem não estar
conscientes de seu déficit até que algo chame a sua atenção, como um exame oftalmológico
rotineiro ou um acidente automobilístico, ou quando um evento similar aconteça do lado
oposto, produzindo um déficit de campo mais extenso.
Uma hemianopsia homônima dupla pode ocorrer com um evento simples; nesse caso, há
uma completa perda da visão, que é usualmente transitória, durando de minutos a dias, segui­
da por melhora em uma ou em ambas as metades do campo homônimo; a causa mais comum
é a vascular.
Mais comumente, a hemianopsia homônima bilateral ocorre por um evento consecutivo, in­
variavelmente de causa vascular. Nesse caso, o paciente apresenta uma hemianopsia homônima

Fig. 9 Escotoma hemianópico em paciente com lesão occipital de natureza isquêmica.


2 0 0 I Neuroftalmologia

aguda com ou sem preservação macular; posteriormente, após semanas ou anos, o paciente
desenvolve uma hemianopsia súbita no lado oposto. Após esse segundo evento, o paciente
torna-se amaurótico ou tem somente um campo visual central pequeno em torno da fixação.
Nos defeitos hemianópicos bilaterais, o campo visual parece gravemente constrito, e pode ser
confundido com uma doença retiniana ou do nervo óptico bilaterais, ou mesmo com uma perda
de campo não orgânica; para a diferenciação, o campo visual deve ser realizado, testando-se com
cuidado o meridiano vertical; os defeitos homônimos respeitam o meridiano vertical.
Um defeito homônimo quadrântico cruzado ocorre quando os pacientes desenvolvem um
defeito bilateral quadrântico, que afeta o lobo occipital superior acima da fissura calcarina,
de um lado, e o lobo occipital inferior abaixo da fissura do outro lado, e ocorrem com pouca
frequência, quase sempre por infartos consecutivos ou simultâneos.
Outras causas, como tumor, trauma, infarto ou, raramente, tumores afetando o lobo oc­
cipital, podem produzir defeitos de campo altitudinal superior ou inferior bilaterais; causa
vascular produzem defeitos superiores e inferiores, e ferimento por arma de fogo, usualmente
defeito altitudinal inferior bilateral.
Cegueira cortical indica perda da visão em ambos os olhos por danos no córtex visual.
Cegueira cerebral indica que esse dano ocorre em qualquer parte das vias ópticas retrogeni-
culadas; então, a cegueira cortical é uma forma de cegueira cerebral.
Os achados essenciais são: 1) perda de visão em ambos os olhos; 2) presença do reflexo
pupilar à luz e da convergência (resposta para perto); 3) fundo de olho normal; e 4) movimen­
tos extraoculares normais, a menos que haja dano nas estruturas oculares motoras.
Hipóxia ou anóxia envolvendo o lobo occipital é a causa principal de cegueira cortical.
Mais comumente, há um infarto no território da artéria cerebral posterior bilateral; inicialmen­
te, o paciente não está consciente desse déficit, mas uma hemianopsia silenciosa contribui
para uma cegueira cortical completa, quando ocorre uma lesão contralateral. O mecanismo
mais comum de infarto cerebral é por êmbolos, provenientes do coração ou vaso proximais do
sistema vertebrobasilar. Hipotensão prolongada pode causar cegueira cerebral pelo infarto na
junção parietoccipital, devido à circulação terminal bilateral e sem colaterais (zonas watershed
ou “divisoras de água”) nessa área.
Cegueira cerebral é observada em várias outras circunstâncias, provavelmente devido à
insuficiência vascular. Essas circunstâncias são: endocardite bacteriana, transfusão sanguínea,
doença de Creutzfeldt-Jakob, doença da substância branca (adrenoleucodistrofia, leucodis-
trofia metacromática, leucoencefalopatia progressiva multifocal, doença de Schilder, doença
de Pelizaeus-Merzbacher), epilepsia, exposição ou ingestão de toxinas (ciclosporina, etanol,
chumbo, mercúrio, interferon, metotrexate, óxido nítrico, vincristina etc.), hipoglicemia, hi­
pertensão maligna, elevação ou redução súbita da pressão intracraniana, toxemia gravídica,
meningite neoplásica ou infecciosa, trauma, uremia e ventriculografia.
Em certas situações, a cegueira cerebral é transitória, e isto ocorre nos pacientes com
insuficiência vascular no sistema vertebrobasilar, restabelecimento da pressão na crise hiper-
tensiva, remoção dos agentes tóxicos citados anteriormente e após o trauma.
A relação entre a cegueira cerebral e o potencial evocado visual (PEV) é confusa; pelo me­
nos em adultos, o PEV não parece ser útil para estabelecer o diagnóstico ou o prognóstico.
O PEV em crianças com disfunção da função cerebral permanece controverso; alguns estudos
demonstram correlação e outros não.
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 201

Não é incomum que os pacientes com cegueira cortical neguem a sua cegueira; isto é
denominado de anosognosia ou síndrome de Anton. Essa síndrome acontece também em pa­
cientes cegos por catarata, retinopatias ou atrofia do nervo óptico.
Lesões occipitais podem ainda ocasionar quadros sindrômicos incomuns, como a acroma-
topsia cerebral e a acinetopsia cerebral. Acromatopsia cerebral é um defeito incomum para
a percepção da visão de cores grave, causada por dano no córtex visual. Quando o paciente
retém alguma sensação residual para cores, é denominada de discromatopsia cerebral. Ambas
as situações podem ser sintomas presentes durante a recuperação da cegueira cortical. A cau­
sa mais comum é a isquemia vertebrobasilar afetando a irrigação da artéria cerebral posterior
para o lobo occipital. Outras causas incluem encefalite por herpes simples, metástase cerebral,
ataques focais recorrentes e demência com envolvimento do córtex visual. Acromatopsia tran­
sitória pode ocorrer como parte da aura da enxaqueca.
Exames de neuroimagem funcionais (tomografia por emissão de positrons e ressonância
magnética funcional) indicam que o setor ventromedial do lobo occipital no giro lingual e fusi-
forme é atingido nos pacientes com acromatopsia. Essa região é equivalente à área V4.
Ambos os hemisférios cerebrais processam as cores; então, para haver uma acromatopsia
completa, deve haver lesões de ambos os hemisférios. Lesões unilaterais produzem alterações
na visão de cores no hemicampo homônimo contralateral; nessas situações, é denominada de
hemiacromotopsia cerebral. A acromatopsia cerebral pode estar associada à quadrantopsia
homônima superior, agnosia visual e alexia adquirida.
Acinetopsia cerebral é o termo usado para descrever a completa perda da percepção para
movimentos, por uma lesão cerebral adquirida. A acinetopsia cerebral requer lesões bilaterais
afetando o córtex lateral temporoccipital, que é similar à área V5; defeitos sutis e assintomá-
ticos da percepção de movimentos podem ocorrer em lesões cerebrais unilaterais. A hemia-
cinetopsia não pode ser comumente detectada por causa do obscurecimento da percepção
do movimento, causada por uma hemianopsia homônima por danos nas radiações ópticas ou
córtex visual.
r

E rara na literatura, havendo somente dois casos bem descritos; a causa de um dos pacien­
tes foi trombose do seio sagital superior, por infarto bilateral envolvendo o aspecto lateral das
áreas 18, 19 e 39 de Brodmann (occipital lateral, temporal média e giro angular). No segundo
paciente, a causa foi hemorragia hipertensiva aguda com lesões bilaterais na região occipito-
temporolateral.

ALTERAÇÕES NAS FUNÇÕES VISUAIS SUPERIORES (AGNOSIA VISUAL)

Agnosia visual é uma condição rara caracterizada pela falha do paciente em reconhecer os
objetos que vê. Pacientes com agnosia visual deixam de reconhecer objetos com os quais an­
teriormente eram familiarizados e não têm a capacidade de aprender a identificar novos obje­
tos usando apenas a visão. O conceito a respeito de agnosia visual existe desde 1877, quando
Munk relatou os efeitos da ablação parcial do córtex visual em cachorros e observou que os
animais se comportavam como se pudessem ver, mas com incapacidade de reconhecer os ob­
jetos ao seu redor. Munk denominou a isso “cegueira da mente”. Alguns anos depois, Lissauer
observou um paciente vítima de acidente vascular cerebral que tinha grande dificuldade em
2 0 2 | Neuroftalmologia

reconhecer objetos e faces além de uma hemianopsia direita. Assim que informações não vi­
suais eram dadas ao paciente, no entanto, ele era capaz de fazer as identificações de maneira
adequada. Esse autor sugeriu que a “cegueira da mente” descrita por Munk pudesse ocorrer
em humanos. Algum tempo depois, Freud introduziu o termo agnosia, e, depois disso, a deno­
minação agnosia visual foi aplicada à condição descrita por Lissauer.
Reconhecimento é a capacidade de extrair significado para uma sensação. Classicamen­
te, as habilidades de reconhecimento podem ser separadas em percepção, a capacidade de
formar uma representação fiel do estímulo, e gnosis, a capacidade de ligar significado a essa
representação. Lissauer distinguiu entre defeitos no reconhecimento aperceptivos, nos quais
a percepção é defeituosa, e associativos, nos quais a percepção adequada do estímulo ocorre;
mas as conexões para associação no córtex eram danificadas, de tal modo que a percepção
visual não se relaciona com experiências passadas e, portanto, não tem sentido e não é reco­
nhecida.
Embora esse conceito de classificar os pacientes com defeitos de reconhecimento (agno-
sias) nos dois tipos supradescritos seja válido, alguma superposição entre as formas de agnosia
aperceptiva e associativa quase sempre existe. É frequente, por exemplo, que pacientes com
defeitos associativos não tenham uma percepção visual completamente normal. Acredita-se
que a agnosia visual ocorra pela lesão do córtex visual de associação ou das conexões na
substância branca entre córtex visual de associação e outros centros corticais relacionados à
memória e linguagem.
O termo agnosia visual é utilizado de forma relativamente ampla, indicando a dificuldade
na interpretação pelo indivíduo de uma imagem que ele é capaz de ver. Esta pode ser dividida
em várias condições específicas, sendo as principais a alexia sem agrafia, a prosopagnosia e a
simultaneognosia.

Alexia sem agrafia


Alexia é a perda da capacidade de entender palavras escritas. Deve ser diferenciada das dislexias,
que são dificuldades no aprendizado da leitura. Pacientes com alexia são aqueles que já aprende­
ram a ler, mas uma lesão adquirida do sistema nervoso central afetou-lhes tal habilidade.
Devemos recordar os eventos que ocorrem quando um indivíduo aprende a ler. Ele vê um
conjunto de letras que lhe foram ensinadas a associar a sons e imagens específicos. A imagem
das letras é transmitida da retina para o córtex visual. Em seguida, é processada nos dois lobos
occipitais, nas áreas 18 e 19. Nos indivíduos destros, o próximo passo ocorre na área do cór­
tex visual de associação, na confluência dos lobos temporal, parietal e occipital. Essa área do
córtex, denominada giro angular, recebe estímulos dos dois lobos occipitais, sendo a conexão
do lobo occipital esquerdo e a do lobo occipital direito feitas passando pelo esplênio do corpo
caloso. O giro angular contém os elementos neurais que permitem a transformação da figura
das palavras em uma forma auditiva e, provavelmente, vice-versa.
Alexia sem agrafia provavelmente representa uma desconexão entre o córtex visual e a
área da linguagem na região parietal esquerda. A informação verbal obtida visualmente não
pode ser compreendida porque nunca atinge a área da linguagem, de tal modo que o pa­
ciente é incapaz de ler. No entanto, uma vez que o córtex visual está intacto, o paciente é
capaz de ver muito bem. Além disso, como a área da linguagem está intacta, o paciente pode
Lesões da Via Óptica Retroquiasmáticas | 2 0 3

compreender as palavras faladas, pode escrever normalmente e não é afásico. Apenas a cone­
xão entre a área visual e a área da linguagem é que se mostra alterada.
O quadro típico da alexia sem agrafia é o do paciente que é capaz de ver e ler as letras indi­
viduais, mas não as palavras. Portanto, lendo cada uma das letras, o paciente consegue visibi-
lizar rapidamente até mesmo optotipos muito pequenos. Alexia sem agrafia mais comumente
decorre de enfartes no território da artéria cerebral posterior, embora outras causas também
possam estrar implicadas. Geralmente ocorre junto com hemianopsia homônima direita, em­
bora muito raramente possa ocorrer em pacientes com campo visual normal.

Prosopagnosia
A agnosia visual pode afetar a identificação de todas as classes de objetos, mas existem formas
mais restritas de agnosia, sendo a mais importante delas a prosopagnosia, na qual os pacien­
tes não são capazes de reconhecer as faces de pessoas previamente familiares e nem de apren­
der a reconhecer faces novas. A sua manifestação mais impressionante é aquela do paciente
que não é capaz de reconhecer a própria face no espelho. Como a capacidade de reconhecer
faces é muito importante na vida diária, a prosopagnosia representa um handicap social consi­
derável, e os pacientes geralmente têm consciência da sua deficiência.
Prosopagnosia ocorre quase sempre devido a lesões extensas e bilaterais do córtex occipi­
tal mesial, geralmente resultante de acidente vascular cerebral, hipóxia ou trauma.

Simultaneognosia
Simultaneognosia é um termo usado para se referir a uma condição na qual o paciente é
incapaz de reconhecer ou abstrair sentido de um conjunto de estímulos (p. ex., uma figura)
embora os detalhes (elementos individuais) sejam vistos de maneira correta. O paciente com
simultaneognosia pode reconhecer e descrever elementos específicos que compõem o estí­
mulo, mas não pode integrar tais elementos para obter o reconhecimento da figura. A condi­
ção envolve um defeito na atenção visual e é vista algumas vezes em combinação com o que
é chamado de paralisia psíquica do olhar, uma condição na qual existe uma incapacidade de
olhar voluntariamente para a periferia do campo visual. Pode também ocorrer juntamente com
o que se chama ataxia óptica, uma dificuldade ou incapacidade de responder manualmente
a estímulos visuais, o que resulta em localização errônea quando aponta ou tenta pegar um
alvo visual. Os três defeitos, simultaneognosia, paralisia psíquica do olhar e ataxia óptica, são
chamados em conjunto de síndrome de Balint. Embora os três tendam a ocorrer em conjunto,
podem também ocorrer separadamente.
Nos pacientes com simultaneognosia, os campos visuais podem ser normais quando
testados através da perimetria normal. Embora seja um evento raro, a síndrome de forma com­
pleta é significativa por ser um dos melhores exemplos da agnosia aperceptiva.

Avaliação clínica do paciente com agnosia visual


Quando o exame oftalmológico habitual deixa de explicar queixas persistentes, pode ser que
elas reflitam alterações visuais de ordem mais alta, incluindo a agnosia visual. Nesses casos, o
2 0 4 I Neuroftalmologia

exame rotineiro, incluindo acuidade visual, oftalmoscopia e exame do campo visual, deve ser
suplementado com algumas manobras simples, tais como:
1. Ler um parágrafo de um jornal. Essa tarefa servirá para detectar a maioria dos pacientes com
alexia.
2. Copiar um desenho linear. Desse modo, a maioria das alterações perceptuais serão evidenciadas.
3. Pedir para fazer uma descrição detalhada daquilo que o paciente vê quando explora um objeto ou
cena. Essas tarefas evidenciarão melhor uma alteração na percepção.
4. Identificarfotos de personagens famosos. Isto irá evidenciar a maior parte dos prosopagnósicos.

Quando esses testes de screening dão uma sugestão de que uma alteração de alta ordem
está presente, o paciente deve ser melhor avaliado por um neurologista, neuroftalmologista
ou neuropsicólogo. Embora a cura muitas vezes seja difícil nesses casos, o diagnóstico correto
pode trazer grande alívio e melhor compreensão do problema de tal modo a reduzir os cons­
trangimentos do paciente.

BIBLIOGRAFIA

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ro-Ophthalmology, 1998; Vol. 1,Chap. 9, p. 387-483.
Alterações Pupilares

MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO • ANTONIO LUIZ ZANGALLI

INTRODUÇÃO

Neste capítulo será feita uma breve revisão da anatomia, fisiologia e farmacologia da pupila,
em seguida abordada a semiologia da pupila e, por fim, apresentadas as principais anormali­
dades pupilares.

ANATOMIA E FISIOLOGIA

A pupila é o orifício circular situado no centro da íris e contornado pelo músculo circular (es-
fíncter da pupila) e por fibras musculares radiais (o músculo radial da íris). Esses dois músculos
são derivados do ectoderma neural. O músculo dilatador insere-se na raiz da íris, de onde se
estende até uma área a aproximadamente 2 mm da margem pupilar. Já o esfíncter da íris tem
fibras circunferenciais, é mais superficial no estroma iriano e ocupa uma área de 2 a 4 mm
da margem pupilar. A interação dos dois músculos e do tecido iriano define, a cada momen­
to, o diâmetro pupilar. A excursão da pupila pode ser muito grande. Quando contraída ao
máximo, o diâmetro pupilar pode ser menor do que 1 mm; quando dilatada ao máximo, por
outro lado, pode ser maior do que 9 mm. O diâmetro da pupila tende a aumentar duran­
te a infância, atingindo o máximo na adolescência para depois, diminuir progressivamente
na velhice.
A pupila é um indicador dinâmico tanto da função motora da íris como da função visual,
incluindo a retina e a via óptica. Os mecanismos neurais que controlam sua reatividade são
altamente complexos e incluem os controles eferente e aferente.
O reflexo pupilar à luz é mediado por fotorreceptores indistinguíveis dos cones e basto-
netes que fornecem a visão. Não se sabe se os axônios que fazem o arco reflexo pupilar são
os mesmos que fornecem a informação visual ou se são diversos. A sensibilidade retiniana ao

205
2 0 6 I Neuroftalmologia

estímulo luminoso é paralela àquela da visão, sendo um estímulo mais intenso o produzido na
retina central em relação à retina periférica. As fibras relacionadas ao reflexo pupilar prosse­
guem na via óptica até o trato óptico, quando então o deixam para estabelecer sinapse com a
via eferente situada no mesencéfalo.

Via eferente parassimpática pupilocontritora


A função das fibras pupilares parassimpáticas é assegurar a constrição do esfíncter, enquanto a
da musculatura ciliar é controlar a curvatura da lente. É constituída de duas cadeias de neurô­
nios. O corpo celular do primeiro neurônio efetor está situado no núcleo de Edinger-Westphal,
na parte superior e interna do núcleo do nervo oculomotor. Cada axônio eferente junta-se ao
tronco do nervo oculomotor até o gânglio ciliar, onde faz sinapse com o corpo celular do se­
gundo neurônio efetor. O segundo axônio entra na constituição dos nervos ciliares curtos, dos
quais o efetor é o músculo esfíncter da pupila, mais precisamente na musculatura ciliar que
controla a curvatura da lente.

Via eferente simpática pupilo-dilatadora


A função da via eferente simpática é assegurar a dilatação da pupila. Essa via é constituída
de três cadeias de neurônios. O corpo celular do primeiro neurônio central está situado na
região hipotalâmica. O axônio faz sinapse com o segundo neurônio no centro cilioespinal de
Budge, na junção cervicodorsal da medula espinal (ao nível de C8-T2), onde ocorre sinapse. Os
axônios do segundo neurônio abandonam a medula, transitam nas vizinhanças do ápice pul­
monar e caminham pela cadeia simpática cervical até o gânglio cervical superior, onde formam
sinapse com o terceiro neurônio. Desse gânglio parte um terceiro axônio, que segue a carótida
interna, penetra na cavidade intracraniana, depois passa pelo seio cavernoso, penetra na órbi­
ta, passa pelo gânglio ciliar sem sofrer sinapse e, através dos nervos ciliares longos, atinge o
músculo radial da íris. A estimulação do simpático provoca midríase. Alguns ramos nervosos
simpáticos atravessam o gânglio ciliar e vão inervar o músculo de Müller, contribuindo para a
abertura da pálpebra.

Via do reflexo pupilar fotomotor


Ao se estimular um dos olhos com a luz, observa-se, após pequeno período de latência, a
contração da pupila do olho estimulado (reflexo fotomotor direto) e também a contração da
pupila do olho contralateral não estimulado (reflexo fotomotor consensual). Nesse caso, a via
nervosa percorre os seguintes elementos: estimulação dos cones e bastonetes, em seguida
as células bipolares e ganglionares da retina, a camada de fibras nervosas retiniana, passando
pelo nervo óptico, quiasma, trato óptico e mesencéfalo dorsal. Essa sequência de elementos
constitui o braço aferente do reflexo, ou seja, dos elementos neurais que fazem a conexão
entre a retina e o núcleo pré-tectal no mesencéfalo.
O segundo neurônio conecta cada núcleo pré-tectal (neurônios intercalares) a ambos os
núcleos de Edinger-Westphal. Assim, no mesencéfalo, há estimulação dos neurônios inter­
calares do mesmo lado e do lado contralateral. O braço eferente do reflexo se inicia com o
Alterações Pupilares | 2 0 7

terceiro neurônio, que conecta o núcleo de Edinger-Westfal do nervo oculomotor, passando


em seguida pelo nervo oculomotor, gânglio ciliar, onde existe sinapse. Daí saem os nervos
ciliares (quarto neurônio), os quais vão inervar o músculo esfíncter iriano e o músculo ciliar.
A incidência dos raios luminosos sobre a pupila leva à modificação do diâmetro destas.
Esse reflexo pupilar à luz produz o mesmo efeito que a adaptação automática do diafragma da
máquina fotográfica: protege a retina e os fotorreceptores contra a exposição excessiva aos
raios luminosos, além de tornar mais nítida a imagem óptica de um objeto que se projeta so­
bre a retina. O arco reflexo não envolve o córtex cerebral; portanto, as reações pupilares não
se tornam conscientes.
As fibras aferentes do arco reflexo acompanham o nervo óptico, quiasma e trato óptico,
deixando este próximo ao corpo geniculado lateral, para formar o trato geniculado interno, o
qual prossegue até o colículo superior, terminando nos núcleos da área pré-tectal. Os neurô­
nios intercalares estabelecem a ligação com os núcleos parassimpáticos de Edinger-Westphal
de ambos os lados, de modo que o reflexo à luz se torna consensual. Desse modo, quando os
raios luminosos incidem em um dos olhos, provocam a contração do esfíncter da pupila tam­
bém no olho oposto que não está exposto aos raios luminosos (Fig. 1).

Esquerdo
Mesencéfalo

Reflexo pupilar motor

Fig. 1 Representação diagramática da via neural para o reflexo pupilar à luz. A porção sensorial (na parte
superior) inclui o nervo óptico (NO), quiasma (Q), trato óptico (TO), corpo geniculado lateral (CGL). No início
do arco motor (parte inferior), encontram-se o núcleo de Edinger-Westphal (EW, ou núcleo acessório do ner­
vo oculomotor) seguido pela substância negra (SN), núcleo rubro (NR), pedúnculo cerebral (PC), nervo ocu­
lomotor (III), gânglio ciliar (GC) e nervos ciliares curtos (NCC). (Reproduzido com autorização do Prof. John A.
McCrary. Assessment of pupillary abnormalities. In : Glaser JS, Smith JL. Neuro-Ophthalmology. St. Louis:
Mosby, 1997; 8(12):237.
2 0 8 I Neuroftalmologia

Reflexo de perto (sincinesia acomodação - convergência)


A aproximação progressiva de um objeto fixado pela visão central desencadeia o reflexo de per­
to (convergência e acomodação). Ocorrem então três fenômenos diferentes: 1) convergência: os
dois músculos retomediais são inervados simultaneamente, de maneira que os eixos de ambos
os olhos convergem sobre o objeto. Esse processo faz com que as imagens do objeto se projetem
exatamente sobre as áreas correspondentes das retinas, ou seja, sobre as áreas de maior acuidade
visual; 2) acomodação: a contração do músculo ciliar leva o cristalino a tomar uma forma mais arre­
dondada. Graças a esse mecanismo, a imagem retiniana de um objeto que se aproxima permanece
focalizada durante o tempo todo; e 3) contração das pupilas: a contração das pupilas faz com que a
imagem retiniana do objeto continue apresentando contornos nítidos.
Essas três reações podem ser desencadeadas pela fixação voluntária do olhar sobre um
objeto próximo. Elas se instalam de maneira reflexa, toda vez que um objeto distante se apro­
xima subitamente. Os impulsos aferentes dirigem-se da retina ao córtex calcarino. Nessa área
têm origem os impulsos eferentes, os quais passam pela área pré-tectal, dirigindo-se a uma
área do núcleo oculomotor. Os impulsos procedentes desses grupos de núcleos demandam os
neurônios que inervam os dois músculos retos mediais (responsáveis pela convergência dos
olhos) e os núcleos de Edinger-Westphal, prosseguindo daí até o músculo ciliar via gânglio ci­
liar (acomodação) e até o músculo esfíncter pupilar (contração das pupilas).

SEMIOLOGIA DA PUPILA

A pupila é o orifício circular situado no centro da íris, contornado pelo músculo esfíncter da
pupila e por fibras musculares radiais, o músculo radial da íris. A interação dos dois músculos
e do tecido iriano define o diâmetro pupilar. O diâmetro pupilar varia sensivelmente, desde
1,5 mm até 8 a 9 mm. O diâmetro geralmente atinge o máximo na adolescência e tende a
reduzir-se com a senilidade. O exame das pupilas envolve a análise da função do nervo óptico
(sistema aferente), assim como a do nervo oculomotor e via simpática ocular (eferência). À
inspeção, observamos se as pupilas são isocóricas ou não. Assimetrias no tamanho das pupilas
podem ser fisiológicas, quando pequenas (anisocoria central), ou secundárias a lesão do siste­
ma de controle pupilar eferente.
A semiologia da pupila pode ser clínica ou auxiliada por equipamentos que permitem estu­
dos minuciosos das funções pupilares: os pupilômetros. Na clínica diária, no entanto, utilizamos
um foco de luz adequada (de preferência, o transiluminador escleral), exame em diferentes níveis
de iluminação do consultório, instrumento de medição do diâmetro pupilar (régua milimetrada
ou tabela com pupilas de diferentes tamanhos para comparação) e o exame à lâmpada de fenda.
Podem ser também muito úteis o exame de fotos antigas do paciente e o uso de máquinas foto­
gráficas, particularmente aquelas que tiram fotografia sob iluminação infra-vermelha.
Os dados de anamnese são importantes, especialmente nos casos de midríase. Deve ser
questionado o contato com substâncias que possam ter ação parassimpatolítica, ocasionando
midríase. O exame de fotos antigas pode ser necessário, especialmente quando se quer com­
provar a existência de anomalia pupilar antiga.
As pupilas devem ser examinadas em diferentes níveis de iluminação (claro, luz de mé­
dia intensidade e na obscuridade). Também devem ser avaliadas as reações pupilares direta e
Alterações Pupilares | 2 0 9

consensual à luz. Para o exame do reflexo pupilar à luz, pedimos ao paciente para fixar ao longe,
e então o foco de luz é dirigido à pupila. Uma pupila com resposta intacta irá responder de for­
ma consistente cada vez que a pupila é iluminada. É importante registrar o tamanho da pupila
e anota-lo separadamente para cada olho. Em seguida, proceder à avaliação da presença ou não
de defeito pupilar aferente relativo. Esse item da semiologia é extremamente importante. Após
a verificação da reação à luz, alterna-se o foco de luz de um olho para o outro (também chamado
“swinging flashlight test”). Desse modo, observa-se a contração alternada das duas pupilas, com­
parando-se a aferência de cada uma delas. A presença de contração menor, quando se estimula
um dos olhos, indica a presença de um defeito pupilar aferente relativo (do olho acometido em
relação ao olho normal). O defeito aferente relativo geralmente é graduado em cruzes, mas pode
também ser quantificado de maneira mais acurada com o uso de filtros de densidade neutra.
As reações pupilares à luz devem ser cuidadosamente pesquisadas. A presença de reflexo
fotomotor indica integridade da porção aferente do arco reflexo pupilar e que envolve os ele­
mentos da retina, nervo óptico, quiasma óptico, bem como da, porção anterior do trato óptico
e do braço eferente do reflexo que envolve o nervo oculomotor. Ao se incidir a luz sobre um
dos olhos verifica-se, depois de curto período de latência, a contração da pupila (miose) do
mesmo olho estimulado (reflexo fotomotor direto), assim como contração, simultânea e de
mesma amplitude, da pupila do olho contralateral não estimulado (reflexo fotomotor consen­
sual). A contração da pupila é mediada pelo impulso luminoso, o qual é conduzido pela retina,
nervo óptico, quiasma, trato óptico, mesencéfalo até o núcleo parassimpático do oculomotor,
que ocasiona a constrição pupilar. A constrição também ocorre após um esforço na focalização
para perto. Já a dilatação pupilar é mediada pelo sistema nervoso simpático que leva à estimu­
lação do músculo dilatador da íris.
A maneira mais sensível de avaliar a presença ou não de um defeito pupilar aferente é
através da comparação da reação pupilar à luz dos dois olhos, usando o “swinging flashlight
test". Normalmente, ambas as pupilas se contraem quando a luz é apresentada a um olho. Se
um flash de luz é apresentado a um olho e rapidamente movido para o contralateral, as pupi­
las devem permanecer aproximadamente do mesmo tamanho ou se contrair levemente. Essa
constrição ocorre porque as pupilas se dilatam quando a luz passa de um olho para o outro. Se
uma lesão interfere com a condução de luz de um olho para o outro, a pupila se dilata quando
o foco luminoso se move do olho normal para o anormal.
Quando a resposta pupilar ao estímulo para perto (sincinesia acomodação-convergência)
é pesquisada, os pacientes devem ser solicitados para fixar um ponto distante, e logo em se­
guida, um objeto próximo ou o próprio dedo situado a aproximadamente 15 cm do nariz. De­
vido à sensação proprioceptiva da própria extremidade, a resposta para perto pode ser obtida
mesmo em pacientes que são cegos ou têm baixa visão. Quando a resposta pupilar ao estímulo
para perto é rápida e a pupila reage pobremente à luz, dizemos que existe uma dissociação
luz-perto. Por outro lado, o oposto, ou seja, a pupila contrair melhor à luz do que ao estímulo
para perto, não tem significado maior, uma vez que a resposta para perto é muito dependente
do esforço e cooperação do paciente.
O exame pupilar deve observar também a presença ou não de anisocoria, que pode ser
causada por lesão da pupila maior (déficit na contração) ou na pupila menor (dificuldade na
dilatação). A anisocoria pode também ser fisiológica, quando a diferença de tamanho das pu­
pilas se mostra semelhante em diferentes níveis de iluminação.
2 1 0 | Neuroftalmologia

ANORMALIDADES PUPILARES

Pupila com defeito aferente relativo (pupila de Marcus Gunn)


A pupila de Marcus Gunn, também chamada pupila com defeito aferente relativo, pode ser
determinada com o “swingingflashlight test” . Nos pacientes com lesão do braço aferente do re­
flexo pupilar, como por exemplo, decorrente de neurite óptica à direita, teremos uma situação
em que as pupilas são de igual tamanho (isocóricas) mas apresentam anormalidade na reação
à luz. No olho com a neurite óptica, o reflexo fotomotor direto estará diminuído, assim como
o fotomotor consensual do olho esquerdo. Por outro lado, a estimulação fotomotora do olho
esquerdo dará resultados normais. Se estimularmos repetidas vezes um olho alternadamente
com o flash de luz, observaremos que a pupila normal contrai rapidamente, enquanto a pupila
anormal pode até se dilatar mesmo ao receber o flash de luz.
O teste supradescrito (denominado “swinging flashlight test” , ou teste do balanço do flash
luminoso, descrito por Levatin) é muito sensível para detectar assimetrias de aferência, sendo,
portanto, muito útil nas lesões unilaterais ou assimétricas do nervo óptico e retina. Da mesma
maneira lesões quiasmáticas assimétricas também podem ser detectadas. No caso das lesões
bilaterais e simétricas, por outro lado, o teste não evidencia defeito aferente relativo. Nesse
caso, observamos que as contrações das pupilas dos dois olhos têm amplitudes pequenas,
tanto de um olho como do outro. A contração pupilar à sincinesia acomodação-convergência
mostra-se maior do que ao estímulo luminoso.
Defeito pupilar aferente ocorre particulamente nas lesões do nervo ópticos, mas pode
ocorrer também nas lesões extensas da retina, nas lesões quiasmáticas (particularmente com
defeito campimétrico assimétrico) e nas lesões do trato óptico.
Defeitos pupilares aferentes relativos podem ser graduados em cruzes (1 a 4 cruzes) e até
quantificados com o uso de filtros de densidade neutra colocados na frente do olho normal de tal
modo a “balancear” ou neutralizar a assimetria das respostas pupilares durante o “swingingflashli­
ght test”. Colocam-se filtros de densidade neutra progressivamente mais densos até que as respos­
tas das duas pupilas sejam simétricas quando temos a quantificação do defeito do olho acometido.
Um defeito pupilar aferente relativo pode ser avaliado até mesmo quando uma das pupilas
está não reativa, devido ao uso de midriáticos, trauma ou paralisia oculomotora. Nesses casos,
quando se faz a alternância da iluminação entre as duas pupilas, a resposta direta e consensual do
olho que ainda tem reação (não midriática) é comparada. A resposta direta reflete a função aferente
do olho ipsilateral, enquanto a resposta consensual reflete a função aferente do olho contralateral.
É claro que, nessas condições, a pesquisa do defeito aferente relativo não se mostra tão sensível
quando em condições normais, com as duas pupilas sendo capazes de exibir contração.

Pupila amaurótica
Um olho com pupila amaurótica não tem função visual, ou seja, não existe percepção à luz. É
importante reconhecer uma pupila amaurótica porque, em muitos casos, pode haver discre­
pância entre a visão informada pelo paciente e outras características do exame oftalmológi­
co. Uma pupila amaurótica tem que preencher os seguintes critérios: 1) a pupila não reage
ao estímulo direto da luz; 2) quando a luz e apresentada ao olho afetado, não há resposta
Alterações Pupilares | 211

consensual à luz e a pupila do olho contralateral não se contrai; 3) quando a luz é dirigida ao
olho contralateral, existe uma resposta direta à luz normal; 4) quando a luz é apresentada ao
olho contralateral, o olho com a pupila amaurótica mostra boa resposta e constrição normal
da pupila. Essas características garantem que o defeito pupilar é aferente e não há acometi­
mento do sistema de controle eferente da pupila.

Anisocoria essencial
Certa proporção de indivíduos normais apresenta anisocoria. A incidência de anisocoria é va­
riável, dependendo do método de exame utilizado. Desse modo a incidência varia, chegando
a atingir 20 a 40% dos indivíduos quando se examina a pupila com pupilômetros. A anisocoria
fisiológica costuma ser pequena, ou seja, menor que 0,5 mm. Caracteristicamente, a anisocoria
se mantém em diferentes níveis de iluminação, ou seja, a pupila maior se mantém proporcional­
mente maior no escuro ou no claro (Figs. 2 A-D). Da mesma maneira, a pupila maior continuará
proporcionalmente maior durante a sinsinecia acomodação-convergência. Os reflexos fotomoto-
res são normais, assim como o exame da motilidade ocular e da posição palpebral. A anisocoria
pode ocasionalmente oscilar ao longo dos dias, desaparecer e reaparecer num mesmo indivíduo
e inverter entre os olhos. Desse modo a anisocoria fisiológica ou central deve ser identificada
facilmente devido ao fato de as reações à luz e para perto serem normais, além de não haver

Figs. 2 (A-D) Anisocoria central ou fisiológica. A. Pupila em


luz ambiente normal. B. Em iluminação intensa e após estí­
mulo luminoso no olho direito. C. Na obscuridade. D. Após
esforço de acomodação-convergência.
212 | Neuroftalmologia

alterações nos movimentos oculares. A diferença relativa entre as pupilas é constante em dife­
rentes níveis de iluminação, diferentemente da síndrome de Horner, quando a anisocoria aumen­
ta na penumbra. Apesar disso, quando o paciente apresenta discreta ptose por outra causa (p.
ex., ptose senil), a ocorrência de anisocoria fisiológica pode causar confusão com síndrome de
Horner. Quando a distinção é difícil, pode ser feito o teste farmacológico usando agentes do tipo
colírio de cocaína para separar a anisocoria fisiológica da lesão do simpático ocular.
Alguns pacientes com anisocoria fisiológica antiga, podem descobrir a sua presença de
maneira ocasional. Nesses casos, o exame de fotos antigas (com magnificação) pode auxiliar
na determinação da sua existência prévia.

Pupila de Argyll-Robertson
Condição observada tipicamente na tabes dorsalis e, menos frequentemente, em outras formas
de neurossífilis (sífiles terciária). É bastante rara nos dias de hoje, e tipicamente se mostra as-
sintomática. Também foi descrita em várias outras doenças, incluindo a encefalite, esclerose
múltipla, tumores infiltrantes do mesencéfalo e diabetes.
As pupilas de Argyll-Robertson verdadeiras são pequenas, geralmente desiguais e sem
uma resposta à luz. Nos casos típicos, elas respondem à acomodação, embora a reação possa
ser tão discreta a ponto de ser difícil observá-la. Apresenta, portanto, dissociação luz-perto, já
que não responde à luz e contrai de forma adequada para perto. A visão é tipicamente normal.
A pupila de Argyll-Robertson se dilata pouco ou nada na escuridão e com o uso de midriáticos.
A anomalia é mais comumente bilateral, embora tenham sido encontrados casos unilaterais.
Ocasionalmente, também se encontram pupilas não reativas dilatadas em pacientes luéticos;
a rigor, elas não são tipicamente de Argyll-Robertson e talvez seja melhor designá-las simples­
mente como “pupilas luéticas”. Não se sabe ao certo a patogenia da pupila de Argyll-Robertson,
provavelmente; a lesão responsável é rostral ao núcleo oculomotor.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causas de dissociação luz-perto, in­
cluindo casos com neuropatia óptica ou retinopatia grave bilateral, a síndrome de Parinaud e
a pupila tônica de Adie bilateral.

Pupila na paralisia oculomotora


Na lesão completa do nervo oculomotor, encontramos ptose palpebral, exotropia, dificulda­
de na adução, elevação e abaixamento do olho, midríase e paralisia de acomodação. A pupila
midriática não responde a nenhum estímulo fotomotor direto ou consensual nem à sincinesia
acomodação-convergência. As alterações podem também ser parciais, com midríase incom­
pleta do mesmo modo que a paralisia oculomotora. Nesses casos, a pupila midriática decorre
de lesão do braço eferente da pupila, sem acometimento da porção aferente do arco reflexo.

Pupila tônica de Adie (pupila de Holmes-Adie)


Trata-se de uma condição geralmente unilateral, embora possa também ser bilateral. Acomete
mais comumente mulheres jovens. Os pacientes notam embaçamento visual sobretudo para
perto, mas a condição também pode ser assintomática. Nesses casos, a alteração pupilar pode
ser observada pelo paciente ou por outra pessoa, tipicamente um familiar. Pode ainda ser
Alterações Pupilares | 2 1 3

observada em um exame oftalmológico ou neurológico realizado por outro motivo, e, nesses


casos, pode levar a confusão diagnóstica.
Ao exame, a pupila é dilatada e irregular sem reação ou com reação mínima à luz. A pupila
geralmente apresenta contração lenta ao estímulo de convergência (Figs. 3 A-D). A redilatação
(quando solicitamos ao paciente para olhar novamente ao longe) é tipicamente lenta, eviden­
ciando uma contração tônica da pupila. Na escuridão, a pupila geralmente se dilata. Além dis­
so, responde adequadamente aos colírios midriáticos.
A pupila tônica pode se desenvolver agudamente e, em alguns casos, torna-se bilateral.
Reage à instilação de agentes colinérgicos fracos, como por exemplo, a pilocarpina a 0,125%,
o que evidencia a existência de hipersensibilidade. Essa hipersensibilidade, no entanto, pode
não estar presente logo após o desenvolvimento de uma pupila tônica, demorando algumas
semanas para se desenvolver.
Pacientes com pupila tônica de Adie com frequência apresentam reflexos tendinosos pro­
fundos (joelhos e tornozelos) ausentes. A pupila acometida, que de início se mostra midriática,
pode se tornar menor com o passar do tempo.
Acredita-se que a lesão responsável pela pupila tônica está situada no gânglio ciliar. A etio­
logia pode ser idiopática, traumática (fraturas de órbita com lesão do gânglio ciliar), infecções
como no herpes-zóster, diabetes, neuropatias autonômicas etc.
A pupila tônica idiopática pode ser isolada ou estar associada, desordens autonômicas a como
a síndrome de Riley-Day (disautonomia familiar) ou síndrome de Shy-Drager. Pode ainda ocorrer
associada a anidrose segmentar no tronco, quando usamos a denominação de síndrome de Ross.
Ao exame, observa-se reação pobre à luz e melhor ao estímulo de acomodação-convergência.
Ao se examinar a pupila à lâmpada de fenda, iluminando-a com luz forte, ela se contrai lentamente

Figs. 3 (A-D) Pupila tônica. A. Pupila em luz ambiente nor­


mal. B. Após estímulo luminoso direito. C. Após esforço de
acomodação-convergência. D. Após instilação de pilocarpina
a 0,1 % em ambos os olhos.
2 1 4 | Neuroftalmologia

e de maneira irregular. A contração da pupilas geralmente é segmentar, e a presença de áreas da


pupila contráteis alternadas com não contráteis ocasiona o aspecto de movimentos vermiformes
da pupila.
O teste da hipersensibilidade deve ser feito com pilocarpina diluída. Pede-se ao paciente
para fixar para longe e medimos a pupila de cada olho. Após a instilação de pilocarpina 0,125%
(ou metacolina 2,5%) em cada olho, observamos o que ocorre após 10 a 15 min. Durante esse
período, o paciente não deve estimular para perto. A pupila tônica se contrai significativamen­
te, mais do que a contralateral, na síndrome de Adie.
O tratamento nem sempre é necessário, mas pode ser usada a pilocarpina a 0,125% 2 ou 4
vezes por dia para efeito cosmético e para ajudar na acomodação. Uso de óculos escuros em
ambientes muito iluminados também pode ser necessário.

Pupila nas lesões mesencefálicas (síndrome de Parinaud)


Em anormalidades mesencefálicas que causam a síndrome de Parinaud, frequentemente ocorre
dissociação luz-perto. Essa condição ocorre devido ao acometimento seletivo das fibras pupilo-
motoras dorsais que interferem com o arco reflexo à luz (reduzindo ou abolindo o reflexo pupilar
à luz). Como as fibras que medeiam a reação para perto (sincinesia acomodação-convergência)
são mais ventrais, elas podem não ser afetadas de início. Desse modo a pupila reage melhor para
perto do que à luz, sendo esse elemento diagnóstico parte integrante da síndrome de Parinaud
(juntamente com paralisia do olhar conjugado vertical e nistagmo convergente-retratório na ten­
tativa de olhar para cima) em muitos casos (Fig. 4).

Fig. 4 Síndrome de Parinaud. Acima, paciente tentando


olhar para cima, incapaz de realizar a elevação. Ao centro, pu­
pila não reagente à luz. Abaixo, contração intensa da pupila
após estímulo para perto.
Alterações Pupilares | 215

Síndrome de Horner (Claude-Bernard-Horner)


Decorre da lesão em qualquer local da via simpática ocular. Como já discutido, a inervação
simpática para o olho apresenta três neurônios. O primeiro começa no hipotálamo posterior e
desce, sem cruzamento, pelo tronco encefálico para terminar no centro cilioespinal de Budge
(entre C8 e T2). O segundo neurônio passa para o gânglio cervical superior, onde ocorre a si-
napse. Nesse trajeto, está em relação com a artéria subclávia, ápice da pleura, onde pode ser
lesado por tumores brônquicos (tumor de Pancoast) ou durante uma cirurgia no pescoço. O
terceiro neurônio ascende ao longo da artéria carótida interna e entra no crânio, onde se une
à divisão oftálmica do nervo trigêmeo. As fibras simpáticas atingem o corpo ciliar e o músculo
dilatador da pupila, via nervo nasociliar e nervos ciliares longos (Fig. 5).
A síndrome de Horner se caracteriza por achados clínicos, que são a queda da pálpebra
(blefaroptose) de grau moderado (geralmente de 2 mm) devido à paralisia do músculo de Mül-
ler, uma elevação da borda palpebral inferior devido a uma paralisia do músculo liso ligado
à placa tarsal inferior (“ptose inversa”), um pseudoenoftalmo, devido ao estreitamento da
fenda palpebral e miose por paralisia do músculo dilatador da pupila (Fig. 6). Pode ainda ha­
ver diminuição da sudorese na parte ipsilateral da fase, se a lesão estiver abaixo do gânglio
cervical superior (isto ocorre porque o terceiro neurônio para as glândulas sudoríferas da face
segue o curso da artéria carótida externa, e, assim, a sudorese estará diminuída se a lesão

Hipotálamo

Fig. 5 Vias oculossimpáticas. Essa via de três neurônios projeta-se do hipotálamo à coluna intermédio-la­
teral da medula espinal. Depois, atinge o gânglio cervical superior simpático, a pupila, o músculo liso das
pálpebras, as glândulas sudoríparas da cabeça e face. (Reproduzido com autorização do Prof. Robert O. Mes­
sing. Nervous system disorders. In : McPhee SJ e t o l . A. Orlando: Lange Medical Book. Pathophysionecticut:
Prentice-Hall International, 1995; p. 89.)
2 1 6 | Neuroftalmologia

Fig.6 Síndrome de Horner.

estiver abaixo do gânglio cervical superior); heterocromia da íris em lesões congênitas ou na


infância e aumento da amplitude de acomodação, que pode estar presente devido à ação do
parassimpático.
Ocorre então anisocoria, que é maior em condições de pouca iluminação (especialmente
durante os primeiros segundos após a luz do ambiente ter sido reduzida) devido a uma pupila
que não dilata tão bem quanto a pupila normal, de tamanho maior. As reações pupilares à luz
e para perto são normais.
A localização exata da lesão pode ser detectada pela presença ou falta de lesões neuro­
lógicas e de sudorese. Pode ser ainda auxiliada pelo uso de colírios. O colírio de cocaína a 5%
serve não para localizar a lesão, mas sim para confirmar a existência de síndrome de Horner,
já que a pupila normal se dilata com esse colírio e aquela com lesão da via simpática (em qual­
quer ponto) não se dilata com a cocaína. Já o colírio de hidroxianfetamina a \%dilatará a pupila
se a lesão for pré-ganglionar (primeiro ou segundo neurônio da via), porém não dilatará uma
lesão pós-ganglionar.
Existem inúmeras causas de síndrome de Horner, que variam bastante conforme o local
de lesão da via simpática. Nas lesões do primeiro neurônio (hipotalâmico), as causas principais
são: o acidente vascular cerebral ou tumores. Nas lesões do segundo neurônio, as principais
causas são: tumores (como o carcinoma de ápice de pulmão, tumores metastáticos, tumores
da tireoide). Nas crianças, devem ser considerados os diagnósticos de neuroblastoma, linfoma
ou metástase.
As lesões de terceiro neurônio podem ser causadas por síndromes dolorosas como a cefa-
leia em cluster, a síndrome paratrigeminal de Raeder e doenças da carótida como dissecção da
artéria carótida interna, glomus carotídeo etc.
Deve ainda ser lembrada que a síndrome de Horner pode ser congênita, de causa idiopá-
tica ou por traumatismo durante o parto afetando a via simpática.
Ao exame, se houver dúvida diagnóstica quanto ao diagnóstico de síndrome de Horner,
podemos utilizar uma gota de colírio de cocaína a 10%. Após 15 a 30 min, observamos que a
pupila normal se dilata e aquela com síndrome de Horner não se dilata ou dilata menos do
que o normal. Como anteriormente mencionado, o colírio de hidroxianfetamina a 1% pode
ser utilizado na tentativa de localizar a lesão. A ausência de dilatação pupilar indica lesão do
terceiro neurônio da via simpática.
Após a identificação correta da síndrome de Horner e, se possível, da localização da lesão,
prossegue-se na investigação para as diferentes causas. Geralmente são realizadas tomografia
computadorizada de tórax para estudar o ápice do pulmão e imagem por ressonância mag­
nética do crânio e pescoço. Além disso, pode ser necessária angiorressonância magnética,
Alterações Pupilares | 217

angiotomografia e exame de Doppler da carótida para afastar lesões carotídeas, particular­


mente a dissecção da carótida. Em certos casos, pode ser necessário arteriografia para confir­
mação diagnóstica.

Síndromes de dissociação luz-perto


Normalmente, se existe uma reação boa para a luz, a resposta para perto deverá estar presente
(a não ser por falta de cooperação do paciente ou pesquisa inadequada). A ausência de res­
posta pupilar à luz e para perto, num paciente sem alterações oculomotoras, deve levar à hi­
pótese de um bloqueio farmacológico das pupilas ou doenças locais da íris, como rupturas de
esfíncter iriano, sinequias etc. Por outro lado a dissociação luz-perto, ou seja, reação pupilar
melhor para perto do que ao estímulo luminoso, pode ocorrer em várias situações, incluindo a
pupila de Argyll Robertson, a síndrome de Parinaud e a pupila tônica. Outra causa importante
de dissociação luz-perto ocorre quando o paciente tem baixa visual em ambos os olhos. Desse
modo existe um defeito aferente bilateral que ocasiona redução na reação pupilar à luz sem
interferir na constrição pupilar para perto (que deve ser pesquisada pedindo-se ao paciente
que olhe para o próprio dedo, de tal modo a não depender unicamente do estímulo visual),
sendo, portanto, também uma causa de dissociação luz-perto.

DIFERENCIAL DA ANISOCORIA

Existem várias condições que podem causar anisocoria. Além de alterações locais da íris, como
rupturas de esfíncter iriano, sinequias e atrofias irianas, a diferença no tamanho das duas pupi­
las pode decorrer em três situações principais: 1) anisocoria fisiológica ou essencial; 2) aniso­
coria por lesão parassimpática pré-ganglionar (nervo oculomotor) ou pós-ganglionar (pupila de
Adie, bloqueio medicamentoso); ou 3) anisocoria por paralisia simpática (síndrome de Horner).
Na anisocoria fisiológica ou central, como já mencionado, a diferença entre as pupilas é
geralmente pequena (menor que 0,5 mm) e se mantém proporcionalmente em diferentes ní­
veis de iluminação. Assim, por exemplo, o olho com a pupila maior, sob iluminação normal da
sala, permanece maior na obscuridade e sob iluminação intensa. Além disso, são normais as
funções visuais, as reações pupilares à luz e a sincinesia acomodação-convergência. Também
são normais o posicionamento palpebral e os movimentos extrínsecos dos olhos.
Na anisocoria por paralisia parassimpática, a pupila maior é a anormal. Dessa maneira a
anisocoria aumenta no claro (quando a ausência de resposta à luz se mostra evidente). A pu­
pila não responde a nenhum estímulo fotomotor nem à sincinesia acomodação-convergência.
No caso da lesão pré-ganglionar, por acometimento do nervo oculomotor, observamos outros
sinais, como ptose, paresia de adução, elevação ou abaixamento (que podem ser completos
ou incompletos). Na lesão pós-ganglionar (pupila tônica) ocorrem midríase e deficiência na
acomodação. A anisocoria varia em diferentes níveis de iluminação. A pupila anormal quase
não reage à luz e é muito lenta ao se contrair para o estímulo de acomodação-convergência.
r

E também muito lenta para se redilatar após a retirada do estímulo para perto. A pupila se
mostra hipersensível a colírios colinérgicos fracos. Na anisocoria por paralisia parassimpática
decorrente de bloqueio medicamentoso, o paciente pode saber do uso do colírio e, nesse
2 1 8 I Neuroftalmologia

caso, o diagnóstico é fácil. No entanto, certas vezes o indivíduo desconhece a substância que
contaminou sua mão ou o agente que utilizou, e a anisocoria pode surgir como um problema
diagnóstico. A pupila não responde a nenhum estímulo e a acomodação está comprometida.
Não há alteração palpebral nem da motilidade ocular. O uso de colírios colinérgicos fracos, ou
mesmo a pilocarpina a 0,5%, não provoca contração pupilar devido ao bloqueio pelo agente
midriático. Depois de algumas horas ou dias, o efeito desaparece, a não ser que a atropina
tenha sido utilizada, quando a midríase pode durar muitos dias.
Na anisocoria por paralisia oculossimpática ocorrem miose e discreta ptose palpebral. A
anisocoria aumenta na penumbra (uma vez que a pupila acometida não se dilata bem no es­
curo). A pupila responde a todos os estímulos luminosos e a acomodação-convergência, mas
tem redilatação lenta após a retirada do estímulo luminoso. Em casos de dúvida, pode ser
utilizado o colírio de cocaína, que evidencia a síndrome de Horner, uma vez que a pupila aco­
metida não se dilata adequadamente após a instilação desswa medicação.

BIBLIOGRAFIA

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Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkins, 1998; vol. 2, chap. 15, p. 1-28.
Stanley Thompson H, Miller NR. Disorders of pupillary fnction, accommodation, and lacrimation. In: Miller NR, Newman
NJ (eds.) Walsh and Hoyt's Clinical Neuro-Ophthalmology, 5th ed. Baltimore: William & Wilkins, 1998; vol. 1,chap. 24, p.
961-1040.
Thompson JS, Corbett JJ, Cox TA. How to measure the relative afferent papillary reflex. Suv Ophthalmol, 1981 ; 26:39.
try

Sistema Visual Eferente.


Alterações Supra, Inter e
Infranucleares do Olhar
ADALMIR MORTERÁ DANTAS • ANTONIO LUIZ ZANGALLI
MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

INTRODUÇÃO

As alterações do sistema visual eferente representam grupo de afecções de grande impor­


tância em Neuroftalmologia. O sistema visual eferente pode ser dividido em via supranuclear
e via infranuclear. Essa distinção é importante uma vez que quase todas alterações supranu-
cleares acometem os dois olhos de modo semelhante, enquanto as alterações infranucleares
acometem diferentemente cada um dos olhos e geralmente se manifestam por diplopia. Neste
Capítulo, inicialmente revisaremos os tipos e funções dos movimentos oculares e a anatomia
do controle motor dos olhos. Em seguida discutiremos a semiologia e as principais alterações
patológicas do sistema visual eferente, divididas em alterações supra, inter e infranucleares do
olhar. Ao final do capítulo serão ainda discutidos os nistagmos.

TIPOS E FUNÇÕES DOS MOVIMENTOS OCULARES

Os movimentos oculares são necessários para auxiliar o sistema visual aferente a obter a me­
lhor visão possível do meio ambiente. Essa função é propiciada pelos movimentos oculares,
que são: o movimento de seguimento, o movimento sacádico, o reflexo vestíbulo-ocular e o
movimento de vergência. Existe ainda o chamado reflexo optocinético, que também pode ser
considerado um tipo de movimento ocular.
As imagens devem ser mantidas estáveis na retina quando movimentamos a cabeça. A fun­
ção de neutralizar movimentos rápidos da cabeça é feita pelo reflexo vestíbulo-ocular (RVO).
O RVO faz com que os olhos se movam simultaneamente na direção oposta e, numa mesma
proporção, do movimento de cabeça.

219
220 | Neuroftalmologia

O reflexo optocinético é outro meio pelo qual o sistema nervoso compensa os movimen­
tos de cabeça. Esse reflexo mantém uma imagem estável, quando os movimentos de cabeça
são lentos, e o impulso sensorial para o reflexo é fornecido pelo sistema visual. O sistema op­
tocinético pode ser ativado quando um indivíduo visualiza um tambor rotativo pintado com
tiras verticais.
Outras funções importantes dos movimentos oculares são aquelas de redirecionar a
linha de visão e manter o objeto de interesse na fovea. Uma vez que a imagem é vista com
melhor resolução na fovea, é necessário que os olhos se movam de tal forma a direcionar
a linha de visão propiciando que a imagem seja formada na fovea e possibilitando que ela
se mantenha nessa região. Isso é feito com os movimentos sacádicos, de seguimento e de
vergência.
Um movimento rápido é um movimento ocular estereotipado que permite que um alvo
visual seja centralizado sobre a fovea. Os movimentos rápidos podem ser feitos voluntaria­
mente, ou podem ser uma parte de vários reflexos. A velocidade de um movimento rápido
é muito rápida para o processamento visual. Assim, nenhum feed-back visual ocorre durante
o movimento. Os movimentos rápidos são corrigidos por movimentos rápidos menores que
ocorrem após uma grande mudança inicial na posição do olho.
O movimento de seguimento lento enseja que os olhos permaneçam fixos num alvo visual
em movimento, embora a cabeça possa estar parada.
O sistema de vergência permite que os dois olhos convirjam ou divirjam, permitindo a
fixação dos olhos sobre objetos próximos ou distantes e sobre objetos que se aproximam ou
se movem para longe. Durante os movimentos de convergência, ocorrem a constrição pupilar
e a acomodação da lente para a visão próxima.
Os movimentos oculares podem ser classificados em conjugados ou não conjugados e rá­
pidos ou lentos. Os movimentos conjugados rápidos são representados pelos movimentos sa­
cádicos e pela fase rápida do nistagmo optocinético. Os movimentos conjugados lentos são os
movimentos de seguimento e o reflexo vestíbulo-ocular. Os movimentos não conjugados são
os movimentos de vergência. Existem diferentes tipos de movimentos sacádicos, que podem
ser intencionais, reflexos ou espontâneos. As sacadas intencionais e reflexas podem ainda ser
subdivididas em tipos diferentes, como pode ser resumido no Quadro 1, a seguir, que lista os
principais movimentos oculares.
Cada um dos diferentes tipos de movimentos oculares tem controles em áreas distintas
do sistema nervoso central, que serão discutidas a seguir. Esses centros de controle, por sua
vez, projetam impulsos para estruturas do tronco encefálico que são os centros do olhar con­
jugado vertical e horizontal. A partir desses centros, a informação atingirá, por diferentes vias,
os núcleos dos nervos oculomotor, abducente e troclear para então, após passar pela junção
mioneural, inervar os músculos extraoculares e propiciar o movimento dos olhos.
Alterações do sistema visual eferente são divididas em alterações supra-nucleares, inter-
nucleares e infranucleares. As alterações supranucleares acometem os centros de controle aci­
ma dos núcleos dos nervos oculomotor, troclear e abducente, e as infranucleares são as que
acometem ao nível desses núcleos, nos nervos, na junção neuromuscular, ou nos músculos
extraoculares. A oftalmoplegia internuclear por sua vez, caracteriza-se pelo acometimento
do sistema visual eferente entre os núcleos dos nervos abducente e oculomotor, ou seja, uma
lesão que acomete o fascículo longitudinal medial.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 221

QUADRO 1 Classificação dos movimentos oculares

Movimentos conjugados Movimentos sacádicos intencionais Sacadas à procura de um alvo


rápidos (com causa interna, tendo um Sacadas "de memória"
(mudança da linha de visão) objetivo) Sacadas preditivas
Sacadas intencionais guiadas
visualmente
Sacadas intencionais auditivas
Sacadas sob comando
Sacadas reflexas (com causa externa) Sacadas reflexas guiadas visualmente
Sacadas reflexas auditivas
Sacadas espontâneas (com causa Em repouso durante uma outra
interna sem objetivo) atividade motora
Fases rápidas do nistagmo Nistagmo optocinético (fase rápida)
NV (fase rápida)
Movimentos lentos Movimento de seguimento Seguimento foveal
(estabilizar a imagem) Seguimento em campo amplo (fase
lenta do nistagmo optocinético)
Reflexo vestíbulo-ocular Reflexo oculocefálico
Nistagmo vestibular (fase lenta)
Movimentos não conjugados Movimento de vergência

(Modificado de: Pierrot-Deseilligny, C. Saccade and Smooth-pursuit impairment after cerebral hemispheric lesions. Eur Neurol., 1994;
34;121-134).

ANATOMIA DO CONTROLE MOTOR DOS OLHOS

Estruturas supranucleares
Os movimentos oculares depedem de estruturas corticais, dos gânglios da base, do tálamo e
do colículo superior. Dependem ainda de centros de controle dos movimentos conjugados si­
tuados no tronco encefálico, do sistema vestíbulo-ocular e do cerebelo. Diferentes estruturas
estão envolvidas no controle dos movimentos sacádicos, do seguimento lento e do reflexo
vestíbulo-ocular.

Sistema sacádico
Um importante centro de controle sacádicos situa-se no lobo frontal, que rege os movimentos
oculares voluntários executados espontaneamente ou sob ordem. Está situado na área oculo-
motora frontal: áreas 8, a P 5, parte inferior da área 6 e parte posterior da área 9 (Fig. 1). Exis­
te uma relação importante entre a área 8, o colículo superior e o sistema reticular do tronco
encefálico.
Na área 8 situa-se o chamado campo ocular frontal (frontal eye fields), uma importante área
de controle dos movimentos sacádicos. Existe ainda, na região, frontal, outra área envolvida
com os movimentos sacádicos, que são os campos oculares suplementares (supplemental eye
fields), localizados na região dorsomedial do giro frontal superior e que recebem impulsos do
2 2 2 I Neuroftalmologia

Fig. i Face superolateral de um hemisfério cerebral. Áreas de localização funcional. Os números estão to­
mados do mapa citoarquitetônico de Brodmann.

campo ocular frontal. A resposta mais frequente à estimulação do campo ocular frontal consis­
te no desvio conjugado dos olhos para o lado oposto (o paciente olha para o lado oposto da
área de estimulação), mostrando sua importância no controle desses movimentos.
Os movimentos sacádicos são movimentos complexos e de vários tipos. O seu controle
neural não é completamente conhecido. Acredita-se que os campos oculares frontais sejam
responsáveis pelas sacadas voluntárias e os campos oculares suplementares auxiliem na pro­
gramação das sacadas já conhecidas, ou seja, aqueles referentes a movimentos previamente
aprendidos. As estruturas neurais corticais frontais projetam impulsos para o colículo superior,
os gânglios da base e outras estruturas do tronco encefálico envolvidas na geração das saca­
das. Assim, os movimentos rápidos dos olhos originam-se na área 8 contralateral e dirigem-se
por vias corticofugais complexas que se decussam no mesencéfalo e atingem a formação re­
ticular do tronco encefálico, no mesencéfalo e na ponte, onde estão situados importantes
agrupamentos celulares, que são os centros do olhar conjugado vertical (no mesencéfalo) e
horizontal (na ponte).
Projeções corticais para o colículo superior relacionadas às sacadas também surgem do
córtex parietal posterior, outra área envolvida no controle dos movimentos sacádicos e que se
acredita serem importantes nas sacadas reflexas, guiadas pelo olhar.
Os movimentos oculares rápidos, originários dos lobos frontais, encontram-se sob contro­
le voluntário. São utilizados para alterar a fixação para outro objeto ou para reaver a fixação,
caso esta tenha sido perdida por algum motivo. Normalmente, são muito exatos, sobretudo se
esses movimentos rápidos centram novamente os olhos a partir de uma posição excêntrica. Os
movimentos rápidos são testados de modo mais adequado quando se coloca um objeto cen­
tralmente e outro a 30° excentricamente, à direita, à esquerda, para cima e para baixo. Esses
movimentos apresentam uma latência de 200 ms e uma velocidade de 700°/s.
Embora os centros de controle corticais tenham a mesma origem, a via final comum para
a geração de sacadas difere para os movimentos verticais ou horizontais. Assim, a via final
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 2 3

comum para o olhar vertical (olhar para cima e para baixo) situa-se na região pré-tectal do me-
sencéfalo, e lesões nessa área afetam o olhar vertical voluntário e reflexo. Um agrupamento
de células da formação reticular do tronco encefálico, denominado núcleo rostral do fascículo
longitudinal medial, contém neurônios fásicos (burst neurons) para os movimentos verticais, e
representa o centro do olhar conjugado vertical. Por outro lado, um agrupamento de células
no núcleo do nervo abducente e na formação reticular pontina paramediana (FRPP) representa
o centro do olhar conjugado horizontal (Fig. 2).
Do ponto de vista biomecânico, sabe-se que os movimentos sacádicos comandados pelas
estruturas supra mencionadas consistem em impulsos neurais formados por um “pulso” e um
“degrau.” Para modificar a posição do olho, o centro do olhar emite uma sequência rápida de
sinais nervosos (o pulso), resultando em deslocamento rápido do olho para a nova posição.
Esse sinal rápido é integrado no gerador de pulsos e degraus (um complexo neuronal locali­
zado dentro do centro do olhar), resultando em aumento de descarga tônica (o degrau) capaz
de manter o olho na nova posição. Resposta semelhante ocorre no agonista do olho oposto,
enquanto o relaxamento dos antagonistas é promovido por impulsos recíprocos. Essas altera­
ções são reveladas pelo traçado eletromiográfico dos diversos nervos. O gerador de pulsos e
degraus (pulse-step generator) é um mecanismo fisiológico que existe no centro do olhar conju­
gado horizontal ao nível da ponte.

Campo ocular
frontal esquerdo Olhar
voluntário
para a
\ direita

Reto medial Reto lateral

Nervo oculomotor —
Núcleo do nervo
oculorrçotor
f

t
Fascículo longitudinal
medial X
/
/
Formação reticular
pontina paramediana
r
V
\ Nervo
V
N: abducente
V
\ Núcleo
do nervo
abducente

Fig. 2 Vias neuronais para o olhar horizontal. (Figura reproduzida com autorização do Prof. Robert O. Mes­
sung. Nervous System Disordens. In : McFhee SJ e t a l . Phathophysiology of disease. An introduction to clinical
Medicine. London: Prentice-Hall International Inc. Appleton & Lange, 1995; p. 88.)
2 2 4 | Neuroftalmologia

0 pulso é gerado por neurônio de excitação rápida ou fásica (burst neurons). Para os mo­
vimentos horizontais rápidos, os neurônios de excitação rápida estão localizados, como já
mencionado, na FRPP. Os neurônios para os movimentos verticais rápidos estão localizados no
núcleo rostral intersticial do fascículo longitudinal medial (considerado o centro do olhar con­
jugado vertical), localizado no teto do mesencéfalo, rostral ao núcleo do nervo oculomotor.
Esse sistema de controle neural das sacadas exibe ainda uma maior complexidade, já que
existem ainda outros tipos neuronais envolvidos. Assim, os neurônios de fase rápida (burst
neurons) são mantidos em repouso pelos neurônios de pausa (pause neurons) localizados na
linha mediana na parte caudal de ponte. Quando um movimento rápido é liberado em sinal
de “gatilho” , inibe os neurônios de pausa, liberando assim os neurônios de fase rápida para
criar o pulso. A descarga da fase é gerada do pulso por um integrador neural que “integra”, no
sentido matemático, o pulso. O integrador neural para o olhar horizontal está localizado no
núcleo vestibular medial e no núcleo prepositus hypoglossi, o qual se localiza medialmente aos
núcleos vestibulares. O integrador para o movimento vertical dos olhos localiza-se no núcleo
intersticial de Cajal, localizado caudalmente ao núcleo intersticial rostral do fascículo longitu­
dinal medial (FLM), no mesencéfalo.

Movimento de seguimento lento


Os centros de controle do seguimento lento se situam na região occipito-temporal. Tais movi­
mentos possibilitam que se mantenha a fixação precisa do olhar sobre o objeto que se desloca.
Esse tipo de movimento não se encontra sob o controle voluntário e tentativas de realizá-los
sem um alvo de fixação resultam, na verdade, em pequenas sacadas, ou seja, pequenos abalos
do tipo rápido. Clinicamente, são melhor avaliados por meio do uso de um alvo de fixação que
se move como um pêndulo que vai e vem de um lado para outro, ou para cima e para baixo.
Durante o movimento de seguimento, a incapacidade de acompanhá-lo provocará um movi­
mento rápido de procura do objeto. Quando isso se repete, pode resultar em um aspecto de
roda denteada denominado seguimento sacádico.
Como o movimento de seguimento lento é gerado nos hemisférios posteriores, na região
occipitotemporal, lesões dessa região cerebral podem causar movimentos de busca defeituo­
sos ipsilaterais à lesão. Em geral, anormalidade bilateral do movimento de busca relaciona-se
com falta de atenção, fadiga, fármacos ou distúrbio da consciência. Os movimentos de segui­
mento são involuntários e apresentam uma latência de 125 a 150 ms e uma velocidade de 40
ou 507s.

Tronco encefálico
Os centros de controle corticais das sacadas e do seguimento atingem, por diferentes vias,
incluindo o colículo superior e os gânglios da base, estruturas do tronco encefálico que sinte­
tizam o controle dos movimentos conjugados verticais e horizontais.
De modo geral, o mesencéfalo está envolvido com o controle dos movimentos verticais,
e a ponte, como o dos horizontais. As estruturas que contêm neurônios pré-motores envol­
vidos com o movimento rápido horizontal estão na formação reticular pontina paramediana
(FRPP). Neurônios pré-motores para o movimento rápido vertical estão na formação reticular
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 2 5

mesencefálica (FRM), especialmente no núcleo intersticial rostral do FLM. O núcleo intersticial


de Cajal parece participar, mas o seu papel, em relação a esse controle, não está muito esclare­
cido. A formação reticular toma todo o tegmento do tronco encefálico, preenchendo os espa­
ços entre os núcleos dos nervos cranianos, assim como entre os tratos de fibras ascendentes
e descendentes, com seus grupos de neurônios e axônios (Fig. 3).
Apesar da complexidade do sistema, acredita-se que, de modo geral, o núcleo intersticial
rostral do FLM representa o pulso gerador para movimento rápido, e que uma lesão congênita
ou adquirida nessa área leva à perda dos movimentos rápidos verticais.
A formação reticular dorsomedular apresenta também um grupo de neurônios burst
pré-motores inibitórios que servem para relaxar os músculos oculares horizontais antagonis­
tas. Esse grupo de neurônios está localizado na linha média caudal, no núcleo do abducente e,
também, fora dele, na formação reticular paramediana da ponte.
Desse modo essa é a região considerada o centro do olhar conjugado horizontal. Importan­
te considerar, portanto, que, no núcleo do nervo abducente, existem neurônios cuja função é
comandar a abdução do olho ipsilateral e neurônios destinados ao olhar conjugado horizontal

nriFLM

Fig. 3 Vista esquemática sagital da formação reticular do tronco encefálico no macaco, para demonstrar a
localização anatômica de algumas estruturas envolvidas na formação de movimentos sacádicos. Neurônios
ommipause estão localizados ao nível das radículas do abducente, na FRPP caudal da área preta; logo a seguir,
a região branca, na formação reticular medular (FR Med), marca da localização das unidades de saída (burst
units) de inibição horizontal. Abreviaturas: III. núcleo oculomotor; IV. núcleo troclear; VI. núcleo abducente;
iC. núcleo intersticial de Cajal; ci. colículo inferior; nriFLM (rostral), núcleo intersticial do FLM; cm. corpo ma-
milar; FR Med. formação reticular medular; FLM. fascículo longitudinal medial; FRM. formação reticular me­
sencefálica; NHL nervo oculomotor; N IV. nervo troclear; N VII. nervo facial; nD. núcleo de Darkschewitsch; CP.
comissura posterior; FRPP. formação reticular pontina; cs. colículo superior; nv. núcleo vestibular. (Figura re­
produzida com autorização do Prof. J A Büttner-Ennever. Anatomy of the ocular motor nuclei. In : Kennard C,
Clifford Rose F. Physiology aspects of clinical Neuro-Opthalmology. London: Chapman and Hall, 1998; p. 203.)
2 2 6 | Neuroftalmologia

(enviando impulsos para o reto medial oposto no sentido de comandar a adução do olho contra-
lateral). Com relação à inibição de motoneurônios verticais, não se sabe, ainda, a sua localização.
Os neurônios da pausa, denominados omnipause neurons, são encontrados na linha média
caudal da formação reticular pontina paramediana. Sua atividade espontânea é interrompida
antes de cada movimento rápido. O núcleo interpositus da rafe (N1R) ou o grupo omnipause re­
cebem impulsos do colículo superior e dos campos frontais. Desordens desses núcleos levam
também a desordens, como opsoclono,flutter ocular e apraxia oculomotora.

Sistema vestibular e os músculos profundos do pescoço


Essas estruturas estão relacionadas com os deslocamentos oculares reflexos, entre os quais se
distinguem:
■ Os desvios oculares de compensação e as mudanças de posição da cabeça em relação ao
corpo, que têm dupla origem: os labirintos, onde os receptores saculares e, sobretudo, os
utriculares são a origem do reflexo tônico labiríntico que representa as vias vestibulares; e os
receptores proprioceptivos dos músculos do pescoço que relacionam as vias cérvico-oculares
e, assim, mantêm a fixação ocular, as mudanças de posição do corpo e, sobretudo, a orienta­
ção no espaço.
■ Os movimentos oculares provocados pelos movimentos de rotação da cabeça e do corpo,
que têm sua origem nos dutos semicirculares e utilizam as vias vestibulares. Eles permitem
a adaptação do sistema oculomotor aos deslocamentos da cabeça e a permanência do cam­
po visual. Três principais fontes de informação são utilizadas pelo sistema nervoso com o
propósito de manter o equilíbrio: os olhos, as terminações sensitivas distribuídas no corpo
e a porção vestibular do ouvido interno.

O encarregado de estabelecer uma harmonia total das funções, a fim de que isto suceda,
é o cerebelo e, especificamente, os núcleos do tronco encefálico colocados ao longo do fascí­
culo longitudinal medial (FLM).
O aparelho vestibular periférico forma-se de duas partes que diferem em certas estruturas
e aspectos funcionais. O labirinto estático, representado pelo utrículo e pelo sáculo, assinala
a posição da cabeça no espaço e tem influência capital na distribuição do tônus muscular em
todo o corpo. O labirinto cinético, formado pelos três duetos semicirculares, assinala o mo­
vimento da cabeça e tem uma especial relação com os movimentos oculares, de maneira que
mantém a orientação visual.
O sistema vestibular compreende o labirinto, o nervo vestibular e as vias vestibulares
centrais. O labirinto localiza-se no interior da parte petrosa do temporal, sendo formado pelo
utrículo, pelo sáculo e pelos três duetos semicirculares. O labirinto é um órgão membranoso e
está separado do labirinto ósseo por um espaço estreito, o qual contém a perilinfa.
Os três duetos semicirculares dispõem-se em três planos diferentes de cada lado. Os due­
tos anteriores estão dispostos perpendicularmente em relação ao eixo da parte petrosa, en­
quanto os posteriores ocupam o plano paralelo a esse eixo e os laterais dispõem-se horizontal­
mente em relação ao eixo da parte petrosa. Esta apresenta inclinação de 45° para adiante, de
modo que o dueto anterior de um lado situa-se no mesmo plano com o duto posterior do lado
oposto, e vice-versa. Os duetos horizontais de ambos os lados localizam-se no mesmo plano.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 2 7

Os órgãos receptores, destinados a manter o equilíbrio do corpo, localizam-se no utrícu-


lo, no sáculo e nas ampolas dos dutos semicirculares. Os órgãos receptores tanto no utrículo
como no sáculo são as máculas estáticas. A mácula do utrículo localiza-se no assoalho desse
órgão, paralelamente à base do crânio. A mácula do sáculo localiza-se na parede interna do
sáculo, ocupando posição vertical. As células ciliadas de cada mácula estão recobertas por
uma membrana de consistência gelatinosa que contém os otólitos (cristais de carbonato de
cálcio). Elas estão entremeadas com as células de sustentação. Os receptores encaminham os
impulsos estáticos aos órgãos centrais e fornecem informações relativas à posição da cabeça
no espaço. Esses impulsos também influenciam o tônus dos músculos.
Os três duetos semicirculares comunicam-se com o utrículo. Cada um deles termina por
um alargamento chamado ampola, o qual contém o receptor, a crista ampolar. As células cilia­
res de cada crista ampolar são revestidas por uma camada de substância gelatinosa, em forma
de cúpula elevada; essa cúpula não contém otólitos. As células ciliares da crista são sensíveis
ao deslocamento da endolinfa contida nos duetos semicirculares. Trata-se de receptores ciné­
ticos. Os impulsos provenientes dos receptores dos labirintos representam os estímulos para
os arcos reflexos que coordenam a ação dos músculos dos olhos, do pescoço e do tronco, as­
segurando o equilíbrio, independentemente da posição e dos movimentos da cabeça.
O gânglio vestibular localiza-se no interior do meato acústico interno e suas células são do
tipo bipolar (neurônio I). Todas as suas fibras periféricas comunicam-se com os receptores do
aparelho vestibular. As fibras centrais formam o nervo vestibular. O nervo vestibular, juntamen­
te com o nervo coclear, passa através do meato acústico interno, dirigindo-se ao ângulo pon-
tocerebelar, onde penetra no tronco encefálico ao nível da junção pontobulbar, em demanda
dos núcleos do nervo vestibular (neurônio II), que se situam no assoalho do quarto ventrículo.
O complexo vestibular compreende: o núcleo vestibular superior (núcleo de Bechterew); o nú­
cleo vestibular lateral (núcleo de Deiters); o núcleo vestibular medial (núcleo de Schwalbe); e
o núcleo vestibular inferior (núcleo de Roller) (Fig. 4).

Corpo justarretiforme
Fibra fastígio-vestibular
Núcleo fastigial Núcleo do nervo oculomotor

Núcleo do nervo troclear

Fascículo longitudinal medial


Nódulo
Núcleo do nervo abducente

Flóculo
Fascículo vestibulocerebelar Núcleo vestibular superior
Parte vestibular do
nervo vestibulococlear Núcleo vestibular lateral
Gânglio vestibular Núcleo vestibular medial

Núcleo vestibular inferior


Trato vestibuloespinhal

Fascículo longitudinal medial

F ig .4 Núcleos e vias vestibulares. (Figura reproduzida com autorização do Prof. Angelo B. M. Machado.
Neuroanatomia funcional. 2- ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1993; p. 173.)
2 2 8 | Neuroftalmologia

A porção vestibular do cerebelo, ou arquicerebelo (via inconsciente), forma-se do lobo fio-


culonodular, da região adjacente (úvula) do vérmis inferior e dos núcleos fastigiais. O arquicere­
belo recebe fibras dos núcleos vestibulares superior, medial e inferior, bem como um pequeno
número de fibras diretamente do nervo vestibular. Em direção oposta, as fibras do arquicerebelo
terminam no complexo nuclear vestibular. O papel do arquicerebelo (manutenção do equilíbrio)
executa-se por via dos núcleos vestibulares aos neurônios motores inferiores e através das co­
nexões reticuloespinais. O córtex do paleocerebelo influencia o tônus muscular e a locomoção,
projetando-se aos núcleos fastigial, globoso e emboliforme do cerebelo. O paleocerebelo exerce
também influência na musculatura através do complexo vestibular nuclear e do núcleo rubro. O
aporte aferente ao arquicerebelo e a produção eferente estão mediados através das fibras nervo­
sas no corpo justarretiforme da porção medial do pedúnculo cerebelar inferior.
Do ponto de vista neuroftalmológico, o sistema vestibular apresenta dois tipos de vias
importantes: vias vestíbulo-oculares e fascículo longitudinal medial e vias cervicooculares (fi­
bras originadas dos receptores proprioceptivos dos músculos do pescoço penetram na 2a, 3a
e 4a raizes cervicais posteriores para se juntarem à via espinocerebelar na medula cervical e
a influência proprioceptiva dos músculos do pescoço sobre a motilidade ocular far-se-á prin­
cipalmente pelo cerebelo). Há relatos de fibras ascendentes que se conectam com os núcleos
vestibulares inferiores.

Outras estruturas importantes no controle da motilidade ocular


Cerebelo
Pode-se comparar o cerebelo com um complexo computador. Sua função é controlar a
execução dos movimentos. Para isto, deve integrar e organizar toda a informação que chega
por várias aferências, sejam músculos, tendões, articulações, sistema visual, auditivo ou vesti­
bular. Essa informação, por sua vez, é acoplada a outra, que chega do córtex cerebral. Uma vez
terminado esse processo, que se realiza no córtex cerebelar, o resultado obtido transmite-se,
através das únicas células aferentes do córtex, as de Purkinje, aos núcleos cerebelares subja­
centes. Desse ponto, a informação passa por várias conexões aos diferentes níveis motores,
desde o córtex cerebral até a medula, controlando, assim, os movimentos desde o lugar onde
se concebem até onde se executam.
O cerebelo é responsável pelo sinergismo muscular por todo o corpo. Coordena a ação de
grupos musculares e marca a sua contração de tal modo que os movimentos realizam-se preci­
sa e suavemente. Os movimentos voluntários podem continuar sem a existência do cerebelo,
porém são rústicos e desorganizados.
O cerebelo tem um papel importante na coordenação dos movimentos oculares voluntá­
rios, automáticos e reflexos. A partir de informações proprioceptivas e exteroceptivas (auditi­
vas e visuais), ele controla os movimentos oculares. As conexões do cerebelo com os núcleos
oculomotores são de dois tipos: diretas e indiretas.
As conexões diretas processam-se com o núcleo do oculomotor: as fibras do núcleo den­
teado terminam no núcleo do oculomotor. As conexões indiretas processam-se sobretudo por
intermédio das estruturas vestibulares: 1) fibras vestibulocerebelares que terminam no lobo
floculonodular e 2) fibras cerebelovestibulares que, após a decussação parcial nos núcleos fas­
tigiais, vão terminar nos núcleos vestibulares.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 2 9

Estudos levam a acreditar que o floculus e o vermis exercem uma função importante no con­
trole dos movimentos lentos (seguimento) nos primatas. Por outro lado, parece que o cerebelo
não é essencial para a produção de movimentos rápidos (sacadas) dos olhos.

Sistema extrapiramidal
Denominam-se, geralmente, gânglios basais as massas nucleares de substância cinzenta
que derivam do colículo ganglionar do telencéfalo embrionário. Os núcleos da base, impro­
priamente chamados também de gânglios da base, são:

Corpo estriado Núcleo caudado


Núcleo lentiforme Putâmen — Striatum

Claustrum Globo pálido


Corpo amigdaloide

Dois outros núcleos subcorticais, o núcleo subtalâmico e a substância negra, não são parte
específica dos núcleos da base de per si, porém estão, quanto à função, intimamente relacio­
nados a eles.
O sistema extrapiramidal compreende as seguintes estruturas da massa cinzenta: o núcleo
caudado, o putâmen, o globo pálido, o núcleo subtalâmico, substância negra e o núcleo rubro.
Pouco ainda se sabe sobre os sistemas de fibras que ligam os gânglios basais entre si e
com as outras zonas nucleares do sistema extrapiramidal.
Os núcleos da base regulam movimentos intencionais simples que, em regra, levamos a
cabo inconscientemente, e ainda regulam o tônus muscular.
Apesar de numerosas observações clínicas, o modo de ação do sistema extrapiramidal
sobre a motilidade ocular é ainda pouco conhecido. Parece que fibras originadas dos núcleos
estriados e do pálido fazem sinapses nos núcleos de Cajal e de Darkschewitsch, que enviam
fibras aos núcleos oculomotores pelo fascículo longitudinal medial.
O núcleo intersticial de Cajal é uma pequena coleção de neurônios multipolares em forma
e menores do que os neurônios somáticos do núcleo do nervo oculomotor. Está localizado
lateralmente ao núcleo do nervo oculomotor e ao fascículo longitudinal medial. O comporta­
mento do núcleo intersticial de Cajal, que se coloca imediatamente caudal ao núcleo rostral
intersticial do fascículo longitudinal medial, ainda não é conhecido.

Nervos motores oculares


Incluem os nervos oculomotor, troclear e abducente. Os dois primeiros se originam no mesen-
céfalo, enquanto o nervo abducente tem origem pontina.

Núcleo e nervo oculomotor


O nervo oculomotor é o maior e mais complexo dos três nervos motores oculares. Contém
fibras motoras somáticas e viscerais, cerca de 15.000 axônios. As fibras motoras somáticas
2 3 0 I Neuroftalmologia

distribuem-se pelos músculos retos superior, inferior e medial, oblíquo inferior e levantador
da pálpebra superior. As fibras motoras viscerais (parassimpáticas) distribuem-se pelos múscu­
los ciliar e esfíncter da pupila.
O núcleo do nervo oculomotor consiste em uma alongada massa de células localizada na
substância cinzenta periaquedutal inferior do mesencéfalo. Sua parte rostral estende-se até
a comissura posterior, e sua parte caudal, até o núcleo do nervo troclear. A organização dos
motoneurônios no núcleo do nervo oculomotor foi, em certa parte, modificada. Em 1953,
Warwick, utilizando a técnica de degeneração, identificou os subnúcleos do nervo oculomo­
tor. Büttner-Ennever (1988) utilizou novas técnicas de estudo e acrescentou e modificou a
esquematização dos subnúcleos do núcleo do nervo oculomotor (Fig. 5).
Os neurônios motores para os músculos extraoculares têm uma representação multifocal.
Há um grupo dorsomedial de neurônios para os retos mediai e inferior, um grupo da linha
média para o reto superior e oblíquo inferior e um subnúcleo único na linha média para o le­
vantador da pálpebra superior bilateral.
A porção fascicular do nervo oculomotor origina-se do núcleo do nervo oculomotor e
passa através do núcleo rubro, penetrando na parte medial do pedúnculo cerebral. Emerge de

Fig. 5 Esquema dos quatros níveis do núcleo oculomotor do macaco, mostrando a organização de grupos
de motoneurônios dos cinco músculos (RM, 01, RS, RI e LP). No desenho superior, a organização dos moto­
neurônios com grande diâmetro celular > 22 mm, está tracejada; os desenhos inferiores mostram a localiza­
ção dos motoneurônios pequenos em torno do perímetro do núcleo oculomotor clássico e não estão
misturados com os motoneurônios grandes. Abreviaturas dos músculos extraoculares: 01. oblíquo inferior;
RI. reto inferior; LP. levantador da pálpebra; RL. reto lateral; RM. reto mediai; OS. oblíquo inferior; RS. reto su­
perior. (Figura reproduzida com autorização do Prof. J. A. Büttner-Ennever. Anatomy of the ocular motor
nuclei. In : Kennard C e Clifford R F. Physiology aspects of clinical Neuro-Ophthalmology. London: Chapman
and Hall, 1988; p. 201.)
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 231

ambos os lados da fossa interpeduncular, constituindo dois grossos troncos e formando então
o nervo oculomotor, que é formado por axônios de calibre maior para os músculos extraocula-
res e axônios de calibre menor para os músculos ciliar e esfíncter da pupila. O nervo caminha
para baixo, para frente e, lateralmente, através da cisterna subaracnóideo. Logo após deixar
o mesencéfalo, o nervo passa entre as artérias cerebelar superior e cerebral posterior (Fig. 6).
No seio cavernoso, o tronco do nervo oculomotor está localizado acima do nervo troclear
(Fig. 7) e, anteriormente, no seio cavernoso, o nervo oculomotor, aparentemente, recebe fi­
bras simpáticas do tronco carotídeo. O nervo oculomotor penetra na fissura orbital superior já

Fig. 6 Preparação anatômica do tronco encefálico: 1. quias-


ma óptico; 2. nervo oculomotor; e 3. nervo troclear.

Fig. 7 Preparação da região do seio cavernoso. 1. nervo oculomotor. 2. nervo troclear. 3 e 3'. nervo abdu-
cente. 4. nervo oftálmico (cortado). 5 e 5'. artéria carótida interna. 6. nervo óptico.
2 3 2 | Neuroftalmologia

dividido em dois troncos, um superior e outro inferior. Esses dois troncos penetram através do
anulo tendíneo comum. 0 ramo superior perde-se nos músculos reto superior e levantador da
pálpebra superior e o ramo inferior, nos músculos reto medial, reto inferior e oblíquo inferior.
O ramo inferior também leva fibras parassimpáticas para o gânglio ciliar (raiz motora).

Núcleo e nervo troclear


O nervo troclear é o mais delgado dos nervos motores do olho. Contém cerca de 2.100 axô-
nios e inerva o músculo oblíquo superior. Os neurônios do núcleo do troclear estão locali­
zados na substância cinzenta no assoalho do aqueduto cerebral, logo abaixo do complexo
nuclear do nervo oculomotor. O núcleo de cada lado coloca-se em posição dorsal e medial ao
adjacente fascículo longitudinal medial.
O fascículo do nervo troclear é representado por axônios que emergem do núcleo passan­
do, lateralmente, a uma curta distância, abaixo do aqueduto cerebral. Logo depois, curva-se
dorsocaudalmente até convergir e decussar sobre o tecto do aqueduto no véu medular ante­
rior. Nesse ponto, encontra-se caudal no colículo inferior e deixa a substância do tronco en­
cefálico. Assim, os axônios de cada núcleo inervam o músculo oblíquo superior contralateral.
O nervo troclear caminha anteriormente, ao redor do mesencéfalo, entre as artérias ce­
rebral posterior e cerebelar superior. No seio cavernoso, encontra-se adjacente e inferior ao
nervo oculomotor (Fig. 7). Deixa o seio cavernoso e passa através da fissura orbital superior,
acima do ânulo tendíneo comum. Na órbita, penetra no músculo oblíquo superior.

Núcleo e nervo abducente


Inerva o músculo reto lateral, produzindo abdução do olho ipsilateral. Cada núcleo do nervo
abducente encontra-se abaixo do teto do quarto ventrículo e lateral à linha média da ponte na
junção com a medula oblonga. O núcleo do nervo abducente mantém íntima relação com o
joelho do nervo facial e, desse modo, forma, no assoalho da fossa romboide do IV ventrículo, o
colículo do facial. O colículo do facial é determinado por fibras do nervo facial ao contornarem
estas o núcleo do nervo abducente. Adjacente e medial a cada núcleo está o fascículo longitu­
dinal medial. Um grupo de motoneurônios produz abdução do olho ipsilateral, e outro grupo
ascende pelo fascículo longitudinal medial contralateral, participando do sistema internuclear
para controle dos movimentos conjugados horizontais (Fig. 8).
A porção fascicular do nervo abducente caminha ventral, lateral e caudalmente através
da ponte, passando medial ao núcleo olivar superior para emergir no sulco entre a ponte e a
medula oblonga. O nervo abducente emerge do tronco encefálico entre a ponte e a medula
oblonga, imediatamente cranial às pirâmides. Tem seu trajeto para cima ao longo da base da
ponte e lateral à artéria basilar. Passa entre a ponte e a artéria cerebelar inferior anterior. Com
um tronco ou mais, o nervo abducente ascende através do espaço subaracnóideo ao longo
da face do clívus e perfura a dura do clívus cerca de 1 cm abaixo da crista da parte petrosa do
temporal. O tronco passa sob o ligamento petroclinoideo ou ligamento de Gruber e entra no
seio cavernoso (Fig. 7). No seio cavernoso, estabelece relação com a artéria carótida interna,
onde, então, recebe fibras pós-ganglionares simpáticas, pericarotídeas e do nervo oftálmico.
Na órbita, finalmente, no interior do ânulo tendíneo comum, penetra na fissura orbital supe­
rior, atingindo a parte posterior do músculo reto lateral.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 3 3

Quarto ventrículo
colículo facial

Núcleo do nervo abducente (VI)

Núcleo do trato solitário


Pedúnculo
cerebelar médio

Núcleo salivatório
superior

Núcleo motor do
nervo facial (VII)

Corpúsculos
gustativos
dos 2/3 anteriores
da língua

Raízes do
Glândulas nervo facial
salivar PONTE
e lacrimal « •
* , / * • « / • »
* • . * I 4 « ■
I . 1»
4•* •

Músculos
da expressão facial MEDULA OBLONGA

Nervo abducente (VI)

PIRÂMIDE

Fig.8 Núcleos e nervos associados com a área do complexo do nervo facial. (Figura reproduzida com au­
torização do Prof. Joan K. Werner. Neuroscience. A clinical perspective. Philadelphia: Saunders, 1980, p. 101.)

SEMIOLOGIA

Para a interpretação da motilidade ocular anormal, é importante entender a maneira como


o cérebro controla normalmente os movimentos oculares. Para isto, deve-se conhecer os pa­
drões normais de inervação para: mover adequadamente os olhos, mudar o olhar e manter
os olhos fixos, manter o olhar sobre um objeto de interesse. Uma avaliação racional da clínica
dos movimentos oculares é essencial para que o examinador não confunda os achados. As­
sim, cada função deve ser sistematicamente avaliada de forma separada, vertical e horizon­
talmente.
O primeiro passo no exame do paciente sempre deve ser a observação da estabilidade dos
olhos. O examinador está interessado em saber se o nistagmo está presente, mas também de­
vem ser notados distúrbios da capacidade de manter initerruptamente uma fixação constante.
Flutuação ocular intermitente ou movimentos ondulares transversais podem facilmente passar
despercebidos se o paciente, sentindo alguma anormalidade, pisca por um breve período de
instabilidade ocular. Assim, deve-se solicitar que o paciente olhe continuamente sempre para
o ponto de fixação (p. ex., um pequeno foco luminoso) e que não pisque por um período de
15 s de observação. As anormalidades descobertas durante esse teste serão descritas mais
tarde, nas lesões supranucleares do olhar e na seção sobre nistagmo.
2 3 4 | Neuroftalmologia

Em seguida, devemos analisar os principais tipos de movimentos oculares, que são os


movimentos sacádicos, o movimento de seguimento, o reflexo vestíbulo-ocular, o nistagmo
opto-cinético e os movimentos de vergência. Uma classificação funcional dos movimentos
oculares que devem ser avaliados é mostrada no Quadro 2.

Q U A D R O 2 Tipos de movimentos oculares e suas funções

T ip o s d e m o v im e n t o s o c u la r e s P r in c ip a is f u n ç õ e s

Vestibular - reflexo vestíbulo-ocular manter imagens do mundo visual firmes sobre a retina durante
rotação transitória da cabeça
Optocinético manter imagens do mundo visual firmes sobre a retina durante
rotação sustentada da cabeça
Fases rápidas de nistagmo dirigir a fóvea na direção da cena visual seguinte durante
autorrotação; ajustar os olhos durante rotação prolongada
Movimentos rápidos colocar imagens de objetos de interesse sobre a fóvea
Movimento lento manter a imagem de um alvo em movimento sobre a fóvea
Vergência mover os olhos em direções opostas para que as imagens de
um único objeto sejam colocadas em ambas as fóveas

Como já mencionado, cada um deles tem origem em diferentes regiões do sistema ner­
voso central. Os movimentos sacádicos têm origem nos lobos frontais e no córtex parietal
posterior. Servem para redirecionar a linha de visão, trazendo a imagem de interesse para a
fóvea. Encontram-se sob controle voluntário e são executados quando o paciente é solicitado
a “olhar para a direita”, por exemplo. São utilizados para alterar a fixação para um outro obje­
to ou para reaver a fixação, caso esta tenha sido perdida por algum motivo. Normalmente, são
muito exatos, sobretudo se as sacadas centram novamente os olhos a partir de uma posição
excêntrica. As sacadas são melhor testadas quando se coloca um dedo centralmente e outro a
30 graus excentricamente, à direita, esquerda, para cima, para baixo. Solicita-se que o paciente
olhe de um dedo para outro, ao comando do examinador.
Os movimentos lentos não se encontram sobre controle voluntário. Clinicamente, são me­
lhor avaliados através do uso de um alvo de fixação que se move como um pêndulo que vai e
vem, e, então, para cima e para baixo. A velocidade do movimento deve iniciar-se lentamente
e tornar-se mais rápida, para sobrecarregar o sistema de busca. Podemos pedir para o paciente
seguir um objeto se movendo horizontalmente ou verticalmente.
A vergência é um movimento lento disjuntivo que permite o alinhamento dos olhos so­
bre alvos de fixação a distâncias variáveis e corrige pequenos erros no alhinhamento ocular.
Ligados neurofisiologicamente com a acomodação e contração pupilar como o “reflexo para
perto” , a convergência é testada solicitando-se ao paciente que olhe para seu próprio dedo,
enquanto ele o move em direção ao seu nariz. Pacientes mais idosos podem necessitar do
auxílio de suas lentes bifocais para que consigam focalizar o alvo e estimular a convergência.
Como na busca, a convergência normal requer um paciente alerta e as anormalidades são difí­
ceis de avaliar se a atenção do paciente não é ideal.
Os movimentos oculares reflexos sensoriais não visuais desempenham um papel nos mo­
vimentos oculares reflexos, mas a informação vestibular é o teste mais consistente e fácil.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 3 5

A manobra oculocefálica ou manobra dos olhos de boneca é realizada rodando-se, rapidamen­


te, a cabeça do paciente para um lado e para o outro, para a frente e para trás, observando-se
a rotação reflexa dos olhos na direção oposta. Numa pessoa normal e consciente, a fixação é
dominante sobre a influência vestibular, mas, se a fixação e a informação ou estímulo vestibu­
lar levam os olhos a se moverem na mesma direção, obtém-se o mesmo resultado: os olhos
rolam para o lado oposto ao movimento da cabeça.
O teste calórico é outra maneira de testar o movimento reflexo dos olhos e tem particular valor
em situações nas quais um movimento rápido da cabeça não pode ser efetuado. Junto ao leito do
paciente são injetados 10 a 20 ml. de água fria no conduto auditivo externo, com a cabeça inclinada
30° acima da horizontal. Uma de várias respostas pode ser observada: 1) desvio tônico lento para o
lado da estimulação (se bilateral, prova a integridade das vias oculógiras pontinas; 2) nistagmo com
fase rápida oposta ao lado da estimulação (indicando integridade do sistema rostral de saccades);
3) nenhum desvio (lesão vestibular ou extensa lesão pontina); 4) movimento puramente vertical
(lesão pontina com mesencéfalo relativamente intacto), e 5) movimento ocular disjuntivo (paralisia
de nervo craniano, oftalmoplegia internuclear).
Outro aspecto extremamente importante da semiologia motora é a análise da existência
ou não de desvio ocular. O exame deve incluir a análise das duções e versões oculares. A exis­
tência de desvio implica na semiologia oculomotora adequada através do teste de “cover” sim­
ples e alternado. Nesse teste, enquanto o paciente fixa um objeto, inicialmente ocluímos um
dos olhos e observamos o que ocorre no olho contralateral. Em seguida, retiramos a oclusão
do olho e observamos o que ocorre nesse olho que foi descoberto. Quando existe paralelis­
mo entre os dois olhos, não se observa nenhum movimento nas duas manobras citadas. Num
indivíduo com desvio preferencial do olho esquerdo, esse olho se movimentará, procurando
fixar o objeto, quando o olho direito for ocluído. Nos pacientes com desvio ocular, o teste
do “cover” é repetido com a introdução de prismas frente aos olhos de modo a neutralizar o
desvio. O poder do prisma, necessário para a neutralização do desvio, representa a medida do
desvio ocular. Cabe ressaltar que, para uma correta avaliação, é necessário que o exame com
prisma e “cover” seja realizado nas diferentes posições do olhar, como nas posições laterais
e verticais e não apenas na posição primária do olhar. A semiologia do paciente com diplopia
pode ainda incluir o teste do filtro vermelho e o teste do duplo Maddox, particularmente nos
casos de desvios torsionais. Nos casos de diplopia de causa restritiva, tem ainda importância
o teste da dução forçada.

PATOLOGIA

Lesões supranucleares
As lesões ou paralisias supranuclerares são distúrbios dos centros superiores, envolvendo movi­
mentos que unem os dois olhos como um órgão visual único que realiza movimentos uniformes
no espaço. Podem ser agrupadas em alterações da estabilidade ocular, disfunções dos movi­
mentos sacádicos, do seguimento lento, do reflexo vestíbulo-ocular, do nistagmo opto-cinético
e das vergências e as paralisias do olhar conjugado. Existe ainda um tipo especial de lesão
supranuclear que provoca um desbalanço no paralelismo vertical dos olhos, que é o chamado
desvio skew.
2 3 6 I Neuroftalmologia

Alterações da estabilidade ocular


As anormalidades da estabilidade do olhar incluem os nistagmos, que serão discutidos adiante, e
alterações dos movimentos sacádicos que provocam instabilidade no olhar e que são denominadas
intrusões sacádicas (saccadic intrusions). Tais movimentos se diferenciam dos nistagmos, pois são
formados apenas por sacadas, não apresentam uma fase lenta do movimento e, sim, sequências
de pequenas fases rápidas do movimento. São de curta duração, rápidos e usualmente de pequena
amplitude. As intrusões sacádicas geralmente ocorrem em pacientes com paralisia supranuclear
progressiva e doenças cerebelares. Ocorrem também em pacientes com esclerose múltipla e atrofia
olivopontocerebelar, embora possam ocorrer também em outras condições.

Alterações dos movimentos sacádicos


As alterações das sacadas podem ser na iniciação das sacadas, na velocidade e na acurácia
delas. Alterações na velocidade e acurácia das sacadas podem ser compreendidas em termos
de alterações do pulso, do degrau de inervação, ou ainda um desbalanço entre os dois. Como
já mencionado, os movimentos sacádicos dos olhos são iniciados por ação dos neurônios fá-
sicos (burst) que, rapidamente, aceleram o olho na direção escolhida através de um pulso de
inervação. Essa posição é depois mantida por aumento dos neurônios tônicos, que provocam
um degrau de inervação. Os neurônios fásicos (burst) estão localizados nos centros do olhar
horizontal (na ponte) e vertical (no mesencéfalo)
Uma alteração da amplitude do pulso de inervação leva a uma sacada errada que vai além
ou aquém do alvo. Essa dismetria de sacadas ocorre em lesões do vérmis cerebelar. Quando
existe uma redução do pulso de inervação, as sacadas se tornam lentificadas. Isso ocorre em
lesões difusas do tronco encefálico que acometem os burst neurons, como, por exemplo, na
atrofia olivopontocerebelar. Sacadas lentas no sentido vertical ocorrem em lesões que acome­
tem tais células situadas no mesencéfalo, na paralisia supranuclear progressiva e em algumas
lipidoses. Sacadas lentas podem também ocorrer na doença de Parkinson, doença de Hunting-
ton e outras degenerações cerebelares.
Um exemplo importante de disfunção das sacadas ocorre na iniciação do movimento, na
chamada apraxia oculomotora congênita (apraxia oculomotora de Cogan). Nessa condição, os
pacientes tem incapacidade de iniciar uma sacada, sendo obrigados a jogar a cabeça para po­
der mudar a posição do olhar; assim, executam movimentos bruscos da cabeça (head thrusting).
Não se sabe o local da lesão nessa condição, mas a condição pode ter boa evolução quando
representa apenas um atraso da maturação do sistema sacádico. Acomete mais o movimento
horizontal, sendo os movimentos verticais relativamente preservados, bem como a conver­
gência. Embora possa ser de etiologia benigna (atraso da maturação das sacadas), a apraxia
oculomotora, congênita pode ser associada a várias condições raras, como a ataxia telangiec­
tasia, a síndrome de Joubert e algumas lipidoses.
A apraxia oculomotora pode também ser adquirida em condições como a doença de Hun­
tington, a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer e em lesões hipóxicas bilaterais dos
centros corticais de controle das sacadas na região frontral e parietal.
Alterações no sistema sacádico podem também ser o resultado de lesões das células da
pausa. Como já descrito, os neurônios fásicos (burst) originam estímulos rápidos que são toni-
camente inibidos pelos neurônios da pausa. Os neurônios da pausa, denominados omnipause
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 3 7

neurons, são encontrados na linha média caudal da formação reticular pontina paramediana.
Sua atividade espontânea é interrompida antes de cada movimento rápido. Desordens dos
neurônios da pausa ocorrem em alterações como o flutter ocular e o opsoclono. Essas condi­
ções se caracterizam como alterações nas quais ocorrem sacadas na sequência, ou seja sem
um intervalo entre elas. No flutter ocular, as sacadas ocorrem apenas no plano horizontal e
geralmente não se mantêm. No opsoclono as sacadas são multidirecionais e mantidas. Essas
desordens das células da pausa ocorrem em encefalites do tronco encefálico e como efeito
remoto de neuroblastoma ou outros tumores.

Alterações do seguimento ocular


Distúrbios do seguimento lento geralmente são decorrentes de alteração na amplitude do movi­
mento. Seguimento de amplitude lenta ou inadequado são achados relativamente frequentes e
inespecíficos. Ocorrem como efeitos de sedativos e anticonvulsivantes, em doenças cerebelares,
na doença de Parkinson ou na parasilia supranuclear progressiva. Ocorrem também em pacientes
idosos sem uma causa aparente. Nesses pacientes, o movimento de seguimento não consegue
acompanhar o movimento do objeto, o que leva à correção por pequenas sacadas. O movimento
de seguimento será então interrompido por pequenas sacadas corretivas (seguimento sacádico).

Alterações do reflexo vestíbulo-ocular (RVO) e do nistagmo optocinético


Alterações do RVO podem se desenvolver por lesões periféricas ou centrais das estruturas
vestibulares. Lesões destrutivas unilaterais agudas dos núcleos ou nervos vestibulares produ­
zem um desbalanço tônico entre a taxa de descargas em repouso para a direita e para a es­
querda. Esse desbalanço pela lesão vestibular leva a um desvio dos olhos para o lado da lesão
vestibular, o que é seguido de um movimento sacádico corretivo para o outro lado. Isso leva,
portanto, a um nistagmo de origem vestibular, os olhos se desviam lentamente para o lado da
lesão e a fase rápida do nistagmo ocorre como um movimento corretivo para o lado contrário.
Lesões labirínticas bilaterais abolem o RVO, e qualquer movimento da cabeça levará à sen­
sação de oscilopsia, que é a sensação ilusória de movimento do olho devido ao movimento
das imagens na retina.
Alterações do RVO decorrem não só de lesões do sistema vestibular como também de le­
sões do tronco encefálico caudal que acometem não só os núcleos vestibulares, mas também
de suas conexões, como ocorre na síndrome lateral da medula (síndrome de Wallemberg).

Alterações da vergência
As alterações da convergência podem ser classificadas em paralisia ou insuficiência de conver­
gência, espasmo de convergência e paralisia ou insuficiência de divergência.

Insuficiência de convergência
Na paralisia ou insuficiência de convergência, não há estrabismo nem diplopia na visão de lon­
ge. Os movimentos das versões são normais em todas as direções. No olhar para perto não há
convergência, ou esta é deficiente e há diplopia horizontal cruzada.
2 3 8 | Neuroftalmologia

Doenças neurológicas que estão associadas com insuficiência de convergência incluem a


paralisia supranuclear progressiva, a doença de Parkinson e os traumatismos cranianos.

Espasmo de convergência
Ocorre geralmente em pacientes jovens com ansiedade e, usualmente, de causa não orgânica.
No entanto o espasmo de convergência pode ocorrer na síndrome de Parinaud, em lesões ta-
lamomesencefálicas, em doenças cerebelares, na encefalopatia de Wernicke e na malformação
de Arnold-Chiari.

Insuficiência de divergência
r

E um estrabismo convergente adquirido, moderado e comitante, que aumenta no olhar para


longe e diminui no olhar para perto. Ocorre diplopia horizontal homônima na visão de longe,
que desaparece na visão de perto. A alteração pode simular uma paresia bilateral do nervo
abducente, com a qual deve ser diferenciada.
Pode ser uma condição benigna, mas também ser causada por tumores e lesões na junção
cervicomedular, como a malformação de Arnold-Chiari, e, ainda, ocorrer em doenças cerebelares.

Paralisias do olhar conjugado


A paralisia do olhar conjugado é a inabilidade de olhar em certa direção, isto é, para o lado,
para cima, para baixo. Como exemplo, na paralisia do movimento conjugado horizontal para
a direita, os músculos reto lateral direito e reto medial esquerdo não funcionam na tentativa
de olhar para a direita. Se esses músculos são testados individualmente ou em conexão com
um diferente tipo de movimento (p. ex., convergência ou divergência), eles aparecem intac­
tos. Falham apenas se chamados a atuar dentro da função do movimento conjugado lateral.
Pacientes que apresentam dificuldade de mover ambos os olhos em uma ou mais direções não
experimentam diplopia, desde que cada olho retenha fixação. Consequentemente, suas quei­
xas são, geralmente, incaracterísticas e descritas como dificuldade na leitura, visão borrada ou
esforço ocular. Só raramente, os pacientes identificam a base de seu problema como paralisia
do olhar. As paralisias do olhar conjugado podem ser completas ou incompletas, quando são
melhor chamadas de paresia do olhar conjugado.
As paralisias oculares dos movimentos conjugados podem ser classificadas:
■ Quanto à orientação dos movimentos deficientes
• Do olhar lateral (para direita e/ou para esquerda).
• Do olhar vertical (para cima e/ou para baixo).
■ Quanto ao modo de inicitação dos movimentos deficientes:
• Paralisias absolutas
Todas as variedades de movimentos (voluntários, psico-ópticos, optocinéticos e vesti­
bulares) estão deficientes em uma ou mais direções, ainda que tais movimentos sejam
normais em outras direções.
• Paralisias seletivas
Acometem alguns e não todos os tipos de movimentos oculares.

Clinicamente é importante separar as paralisias do olhar conjugado horizontal, usualmen­


te por lesões pontinas das paralisias do olhar conjugado vertical por lesões mesencefálicas.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 3 9

Etiologia das paralisias do olhar conjugado


Podem ser causadas por uma grande diversidade de lesões do tronco encefálico incluindo:
• Desmielinização.
• Infarto, hemorragia.
• Neoplasia.
• Doenças degenerativas (p. ex., atrofia olivopontocerebelar, paralisia suparanuclear pro­
gressiva)
• Lipidoses como as doenças de Tay-Sachs, Gaucher e Niemann-Pick.
• Doenças infecciosas como a síndrome de imunodeficiência adquirida, a doença de Whi­
pple, a tuberculose.

Doenças neuromusculares periféricas podem simular uma paralisia ou paresia do olhar


conjugado, embora o quadro clínico usualmente possa permitir a sua identificação.

Paralisia do olhar conjugado horizontal


A paralisia do olhar conjugado horizontal é decorrente de lesão do centro do olhar conju­
gado pontino que se situa no núcleo do nervo abducente, bem como na formação reticular
paramediana da ponte próxima ao núcleo do abducente. Na paralisia do olhar lateral, ocorre
a incapacidade para os movimentos conjugados uni ou bilaterais. Essa paralisia pode ocorrer
devido às lesões supranucleares ou pontinas. A distinção entre ambas baseia-se no fenôme­
no dos “olhos de boneca” (que verifica a movimentação dos olhos através do movimento
da cabeça, ou seja, pelo reflexo vestíbulo-ocular) ou na aplicação de estímulos térmicos no
ouvido. A possibilidade de estimular o olhar lateral com auxílio dessas provas depende da
integridade das vias pontinas, as quais serão poupadas na presença de lesão supranuclear.
Paralisias do olhar conjugado de origem supranuclear são menos comuns e, geralmente, não
são persistentes enquanto nas lesões pontinas, a paralisia ou paresia é melhor caracterizada e
frequentemente persistente. Na paralisia completa, o indivíduo não olha para a direita (Fig. 9)
ou para esquerda, enquanto, nas paresias, o movimento de lateralidade é parcialmente aco­
metido. Lesões pontinas podem também ser bilaterais, acometendo o olhar conjugado para a
direita e para a esquerda. Importante lembrar que, nas lesões pontinas, a deficiência no olhar
conjugado pode ser evidenciada com os movimentos oculares sacádicos, de seguimento ou o

Fig. 9 Paralisia do olhar conjugado horizontal à direita. Aci­


ma, paciente tentando olhar à direita. Ao meio, após esforço
de convergência. Abaixo, lagoftalmo paralítico por lesão as­
sociada do facial à direita.
2 4 0 | Neuroftalmologia

reflexo vestíbulo-ocular. No entanto, a convergência usualmente está preservada, já que o seu


comando não passa pelo centro do olhar conjugado pontino. Por exemplo, num indivíduo com
paralisia do olhar conjugado à direita, nenhum dos olhos olha para a direita ao ser solicitada
uma sacada, um movimento de seguimento ou o RVO, ao passo que o olho esquerdo se movi­
mente à direita da linha média quando se solicita a convergência do paciente (Fig. 9). Devido
à proximidade do nervo facial no seu trajeto pontino com o núcleo do nervo abducente e a
formação reticular paramediana da ponte, é comum que pacientes com paralisia do olhar con­
jugado horizontal tenham paralisia facial do mesmo lado.

Paralisia do olhar conjugado vertical (síndrome de Parinaud)


Na paralisia vertical do olhar, também denominada síndrome de Parinaud, podem-se observar
incapacidade para os movimentos verticais do olhar, abolição do reflexo pupilar à luz, preser­
vação relativa do reflexo para perto e nistagmo de retração durante a tentativa de elevação dos
olhos (Fig. 10). Observa-se ainda a retração palpebral, que na verdade é uma pseudorretração
da pálpebra superior, também denominado sinal de Collier (Fig. 11). Essa é a forma completa
da síndrome, com paralisia do olhar para cima, para baixo, dissociação luz-perto, nistagmo
convergente-retratório e (pseudorretração) palpebral.
Importante considerar que a síndrome pode ser incompleta. É comum que a paralisia seja
apenas do olhar para cima (com preservação do olhar para baixo) associada a alguma deficiên­
cia no reflexo fotomotor e discreto nistagmo convergente-retratório na tentantiva de olhar
para cima. Formas mais discretas existem ainda nas quais a paralisia do olhar para cima é ape­
nas quando se estimula o movimento sacádico e o seguimento lento, mas não é incomum a
preservação do olhar para cima quando se abaixa a cabeça, estimulando desse modo o RVO.
Existe ainda uma forma menos comum na qual o paciente apresenta paralisia do olhar para
baixo com preservação do olhar para cima (Fig. 12).

Fig. 10 Paralisia do olhar conjugado vertical para cima e


para baixo.

Fig. 11 Sinal de Collier. Elevação da pálpebra superior em


paciente com paralisia do olhar conjugado vertical e incapa­
cidade de olhar para cima.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 241

Fig. 12 Paralisia do olhar conjugado vertical para baixo. Na


foto de cima, o paciente consegue elevar os olhos. Abaixo,
paciente tentando olhar para baixo.

A paralisia do olhar conjugado vertical indica lesão mesencefálica que pode ter várias
etiologias, já mencionadas, como lesões desmielinizantes, tumorais, infecciosas etc. Deve-se
ainda lembrar da associação da paralisia desta paralisia com hidrocefalia.

Desvio skew
r

E um alteração supranuclear do olhar que, diferente das anteriores, causa desbalanço entre
os dois olhos, levando a um estrabismo vertical. Essa alteração resulta de uma lesão das pro­
jeções dos utrículos situados nos labirintos para o núcleo intersticial de Cajal. As projeções
excitatórias de um utrículo decussam na porção rostral da ponte e ascendem para o núcleo de
Cajal contralateral. Este mantem inervação tónica dos neurônios motores que comandam os
músculos extraoculares atuando nos eixos vertical e torcional.
O desvio skew é um desequilíbrio vertical adquirido e que deve ser considerado nos pacientes
com diplopia e estrabismo vertical por lesão na fossa posterior acometendo o tronco encefálico e
o cerebelo. Deve ser diferenciado com cuidado de paralisias do IV nervo, o que pode ser feito com
a medida do desvio nas diferentes posições do olhar e a medida da torção ocular.

Lesões internucleares
Oftalmoplegia internuclear (OIN) é uma alteração do controle motor ocular causada pela lesão
do fascículo longitudinal medial (FLM), um feixe de fibras que une o centro do olhar conju­
gado horizontal na ponte, de um lado, ao subnúcleo do reto medial no mesencéfalo, do lado
oposto. A lesão se caracteriza clinicamente pela paralisia ou paresia da adução de um olho
associada a nistagmo em abdução no olho contralateral. O paciente apresentará paralisia ou
apenas lentidão no movimento sacádico na adução de um dos olhos nas lesões unilaterais ou
de ambos os olhos, no caso das lesões bilaterais.
O olho com o déficit de adução pode ter uma amplitude de excursão dos olhos normal, no
caso de lesões discretas, ou apresentar limitação da adução do olho no olhar lateral. Os mús­
culos retos mediais, no entanto, podem ter função normal durante a convergência, no caso de
lesões do FLM situadas na ponte, ou ter comprometimento da convergência no caso de lesões
mesencefálicas (Fig. 13). O olho, em abdução apresenta nistagmo, e o olho ipsilateral à lesão
é, usualmente, mais alto do que o outro. Esse desvio vertical é devido a presença de um desvio
skew que, frequentemente, se associa com a OIN.
2 4 2 | Neuroftalmologia

Fig. 13 Oftalmoplegia internuclear. Hipertensão arterial.

Os pacientes com OIN geralmente se queixam de diplopia, que pode ser horizontal ou
oblíqua. As causas mais comuns de OIN são lesões desmielinizantes em pacientes com escle-
rose múltipla ou acidente vascular cerebral. Nos casos de lesões desmielinizantes, a OIN geral­
mente é bilateral (embora possa ser assimétrica), enquanto nos acidentes vasculares cerebrais
a OIN é mais comumente unilteral.

Lesão do olhar conjugado unilateral combinado com oftalmoplegia


internuclear (síndrome"uma vez e meia")
Nesse caso, o paciente apresentará uma lesão combinada do núcleo do abducente ou formação
reticular pontina paramediana (FRPP) e do fascículo longitudinal medial (FLM) ipsilateral (Fig. 14).
Desse modo apresenta-se com paralisia (ou paresia) do olhar conjugado horizontal do mesmo lado
da lesão pontina. No entanto, como a lesão acomete também o FLM do lado da lesão do centro do
olhar conjugado, o paciente não conseguirá realizar a abdução do olho do lado da lesão no olhar
conjutado horizontal contralateral. Assim, o único movimento ocular horizontal preservado é a ab­
dução do olhar contralateral à lesão (Fig. 15), porém com nistagmo no olho que executa a abdução.

Fig. 14 As lesões do FLM (Fascículo Longitudinal Medial). 1. Síndrome"um e meio" [u n e t d e m i de Ficher).


2. Oftalmoplegia internuclear. (Figura reproduzida com autorização dos Profs. P. Larmande e A. Larmande.
Neuro-Ophtalmologie. Paris: Masson, 1991; p. 170.)
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 4 3

Fig. 15 Síndrome uma vez e meia por lesão pontina acome­


tendo o centro do olhar conjugado e o fascículo longitudinal
à direita. Acima, paralisia completa do olhar à direita. Abaixo,
apenas o olho esquerdo se move no olhar à esquerda.

Durante o repouso, quando os olhos estão situados em posição mediana, a convergência


está preservada. Por outro lado, nos casos de OIN que acometem também a convergência,
o paciente pode apresentar uma exotropia (exotropia pontina paralítica) quando olha para
frente.

Lesões nucleares, fasciculares, tronculares da junção mioneural e miopatias


Lesão do nervo oculomotor
Formas topográficas
Congênita
É uma paralisia congênita de adução com divergência sinergística (anomalia de inervação peri­
férica). O paciente pode apresentar paralisia congênita unilateral de adução e abdução bilate­
ral na tentativa do olhar para o campo de ação do músculo reto medial parético.
■ Síndrome de retração vertical
O paciente pode apresentar limitação do movimento do olho afetado na elevação ou de­
pressão associada à retração do olho e estreitamento da rima palpebral. Está associada a
esotropia ou exotropia, mais marcada na direção do campo de ação vertical restrito, e o
reto superior é usualmente mais afetado que o inferior. Há inervação oculomotora anômala
dos retos verticais do olho envolvido.
■ Lesão oculomotora com espasmo cíclico (lesão oculomotora cíclica)
O paciente apresenta uma alteração unilateral e presente ao nascimento. Há lesão do nervo
oculomotor com blefaroptose, midríase, diminuição da acomodação e oftalmoplegia. A cada 2
min, contudo, a pálpebra com blefaroptose eleva-se, o olho começa a aduzir, a pupila reage e a
acomodação aumenta. Esse espasmo dura de 1 a 30 segundos. A síndrome persiste por toda a
vida. Durante o sono, porém, a amplitude é reduzida e poderá ocorrer ambliopia.

Adquirida
■ Lesão nuclear
O paciente apresenta paralisia oculomotora unilateral (RM, RI e OI), paralisia do reto superior bi­
lateral mais acentuada contralateral e normalidade do levantador da pálpebra superior bilateral,
2 4 4 I Neuroftalmologia

porém, quando a lesão atinge a parte caudal do núcleo (subnúcleo único na linha média), ocor­
rerá blefaroptose bilateral e simétrica. Há também função pupilar unilateral normal, porém,
quando a lesão ocorre no subnúcleo dorsolateral, existe alteração pupilar.
■ Lesão fascicular: traduz-se em síndromes clínicas de Weber, Benedikt e Nothnagel.
Na síndrome de Weber ocorrem paralisia dos músculos inervados pelo oculomotor, parali­
sia facial do tipo central e hemiplegia contralateral.
Na síndrome de Benedikt ocorrem paralisia dos músculos inervados pelo oculomotor,
tremores e movimentos coreoatetósicos.
Na síndrome de Nothnagel ocorrem paralisia dos músculos inervados pelo oculomotor
e hemiataxia cerebelar.
■ Lesão no espaço subaracnóideo
A midríase pode raramente ser a única manifestação de lesão do nervo oculomotor no
espaço subaracnóideo pelo acometimento dos músculos intrínsecos inervados pelo oculo­
motor. Na maior parte das vezes, no entanto, existe também associadamente paralisia dos
músculos extrínsecos inervados pelo oculomotor.
Pode também haver lesão com ausência de midríase, quando ocorre apenas paralisia dos
músculos extrínsecos inervados pelo oculomotor.
■ Lesão na sua entrada na dura-máter
Os músculos extrínsecos e intrínsecos inervados pelo oculomotor ficam paralisados. Nes­
sa região, o nervo oculomotor pode ser acometido pela pressão decorrente de tumor ou
hematoma subdural supratentorial que comprime o nervo oculomotor quando ele atra­
vessa a margem livre do tentório do cerebelo; as fibras pupilares (eferente visceral geral)
encontram-se na porção superomedial e periférica do nervo oculomotor e, assim, são pri­
meiramente afetadas, sem envolvimento das outras partes do nervo (eferente somático); e
o pedúnculo cerebral ipsilateral é comprimido ao mesmo tempo e são observados sinais de
midríase e hemiparesia contralateral) (Fig. 16).
■ Lesão no seio cavernoso
Nessa região, é importante estudar as síndromes do seio cavernoso que podem ocorrer
devido a uma grande variedade de causas (Quadro 3).

Q U A D R O 3 As síndromes do seio cavernoso

S ín d r o m e s to p o g rá fic a s C lín ic a E tio lo g ia s p r in c ip a is

Síndromes Posteriores VI +V total (V!+V2+V3) Aneurisma da carótida


VI + V total + síndrome de Claude Carótidas dilatadas
Bernard-Horner = síndrome Tumores do C a vu m
paratrigeminal de Raeder Metástases
Síndromes Médias Oftalmoplegia + V!+V2 Aneurisma da carótida
Tumores da hipófise
Fístula carotidocavernosa
Tumores do C a vu m
Metástases
Síndromes Anteriores ou Síndrome Oftalmoplegia + Vj + Exoftalmia Traumatismo
da Fissura Orbital Superior ou Oftalmoplegia +V t + Exoftalmia + Tumores
Síndrome do Ápice da Órbita Diminuição da acuidade visual Aneurisma da carótida
Infecções
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 4 5

Fig. 16 Lesão troncolar do nervo oculomotor esquerdo. Aneurisma de comunicante posterior. Observa-se
que a paciente apresentava uma lesão incompleta. À direita, observa-se o aneurisma.

■ Lesão na órbita
Síndrome de Rochon-Duvignaud - caracteriza-se por oftalmoplegia extra e intraocular, com
blefaroptose e transtornos sensitivos no território do nervo oftálmico.
Síndrome de Rollet - quando a síndrome de Rochon-Duvignaud se associa com diminuição
da agudeza visual.
■ Lesão isolada do nervo oculomotor

Formas clínicas
As lesões tronculares do nervo oculomotor serão estudadas da seguinte maneira:
■ Lesão total do nervo oculomotor
• Blefaroptose completa.
• Diplopia cruzada quando a pálpebra está elevada.
• Estrabismo divergente.
• Paralisia de elevação.
• Midríase.
• Paralisia de acomodação.
■ Lesão incompleta ou dissociada do nervo oculomotor
As paralisias incompletas do nervo oculomotor são aquelas que interessam à totalidade ou
quase totalidade das funções desse nervo. As paralisias dissociadas do nervo oculomotor
são aquelas que interessam a uma ou duas funções desse nervo.
■ Paralisia do reto superior
É frequente e ocorre diplopia vertical, máxima no olhar para cima. Há atitude viciosa de
cabeça: elevação do mento, rotação da face do lado paralisado, seguida de ligeira inclinação
2 4 6 | Neuroftalmologia

da cabeça sobre o ombro bom. Existe desvio em posição primária: o olho paralisado está
em hipotropia. No exame das ducções e versões, existe uma limitação de elevação do olho
paralisado. 0 teste de Hess-Lancaster indica uma deficiência do reto superior paralisado e
uma hiperação do oblíquo inferior oposto.
■ Paralisia do reto inferior
Quando isolada, ocorre na fratura do assoalho da órbita. Ocorre diplopia vertical, máxima
no olhar para baixo, e há atitude viciosa da cabeça. Ela se associa a um abaixamento do
mento e a uma rotação da face do lado lesado. Existe desvio em posição primária: hipertro-
pia do olho paralisado. No exame da motricidade, há limitação do abaixamento.
O teste de Hess-Lancaster apresenta uma deficiência do reto inferior paralisado e uma
hiperação do oblíquo superior contralateral.
■ Paralisa do reto medial
Quando isolada, é rara e há diplopia horizontal e cruzada, máxima quando o olho tenta se
colocar em adução. A atitude viciosa da cabeça pode se encontrar de duas maneiras: a face
pode estar virada para o lado são, ou a cabeça é projetada para trás, para facilitar a conver­
gência no olhar para baixo.
No desvio em posição primária, existe uma divergência do olho paralisado. O exame da
motricidade indicará uma paralisia ou uma limitação de adução do olho lesado.
No teste de Hess-Lancaster, há uma deficiência do reto medial paralisado e uma hipera­
ção do reto lateral contralateral.
■ Paralisia do oblíquo inferior
É difícil ocorrer no estado isolado, e a diplopia ocorre no olhar para cima e para dentro. O
paciente reclama pouco. Em uma atitude viciosa da cabeça, o mento é elevado, a cabeça
fica inclinada sobre o ombro do lado lesado e a face, virada em direção ao lado bom. O
desvio é pouco evidente. Não há desvio do olho lesado ou, por vezes, ocorre uma ligeira
hipotropia. No exame de motricidade, a limitação da elevação é nítida.
Com o teste de Hess-Lancaster, percebe-se uma deficiência do oblíquo inferior paralisado
e uma hiperação do reto superior contralateral.
■ Midríase paralítica
A midríase paralítica pode estar isolada. É preciso procurar um sinal discreto de lesão do
nervo oculomotor (ligeira blefaroptose) e uma paralisia de acomodação.
■ Blefaroptose isolada
No caso, deve-se procurar uma lesão do nervo oculomotor.

Etiologia
■ Nuclear
• Hipoplasia.
• Infarto.
• Tumor.
• Trauma.
• Infecção.
■ Fascicular
• Infarto.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 4 7

• Hemorragia.
• Desmielinização.
■ Espaço subaracnoideo
• Aneurisma.
• Meningites.
• Infarto.
• Complicações neurocirúrgicas.
■ Na margem tentorial
• Hérnia uncal.
• Pseudo-tumor cerebral.
• Hidrocefalia.
• Trauma.
■ Seio cavernoso e fissura orbital superior
• Aneurisma da artéria carótida interna.
• Fístula carotidocavernosa.
• Trombose do seio cavernoso.
• Tumor.
• Infarto pituitário (apoplexia).
• Infarto do nervo.
• Sinusite esfenoidal e mucocele.
• Herpes-zóster.
• Síndrome de Tolosa-Hunt.
■ Orbital
• Trauma.
• Mucormicose e outras infecções fúngicas.
• Tumor e outros infiltrados.
■ Localização incerta
• Associação com infecção virai.
• Enxaqueca.
• Após anestesia dentária.

Lesão do nervo trodear


Formas topográficas
Congênita
Pode ocorrer de duas maneiras: 1) bases uni ou bilaterais e 2) na síndrome de Goldenhar-Gorlin
com aplasia dos núcleos dos nervos troclear e abducente.

Adquirida
■ Lesão nuclear
A lesão pode ocorrer uni ou bilateral e acompanhada da síndrome de Horner.
■ Lesão no espaço subaracnoideo
Ocorrerá comprometimento unilateral.
2 4 8 I Neuroftalmologia

■ Lesão no seio cavernoso


Nessa região, é importante estudar as síndromes do seio cavernoso que já foram descritas.
■ Lesão na órbita
Síndrome de Rochon-Duvignaud - Ocorrem oftalmoplegia extra e intraocular com blefaropto-
se e transtorno sensitivo no território do nervo oftálmico.
Síndrome de Rollet - Ocorrem síndrome de Rochon-Duvignaud, diminuição da agudeza visual.
■ Lesão isolada do nervo troclear.

Formas clínicas
■ Lesão unilateral do nervo troclear
• Diplopia vertical, máxima no olhar para baixo e para dentro. O paciente tem dificuldade
para leitura e descer escadas. Podem ocorrer, ainda, cefaleia e vertigens durante o tra­
balho de perto.
• Atitude viciosa da cabeça: ela está inclinada para o ombro do lado oposto da paralisia.
Assim, em uma paralisia do oblíquo superior direito, a cabeça está inclinada sobre o om­
bro esquerdo (para compensar a exciclotropia), a face virada para a esquerda (para colo­
car o olhar para a direita) e o mento abaixado (para dirigir o olhar para o alto). Porém, se
existir uma hiperação importante do oblíquo inferior, o mento ficará elevado.
• Desvio ocular: falta ou é discreto e em posição primária. Existe uma hipertropia do olho
paralisado.
• Exame da motricidade: existe uma limitação da excursão do olho paralisado no olhar
para baixo e, sobretudo, para baixo e para dentro.
• Teste de Bielschowsky
Consiste na manobra da inclinação da cabeça sobre os ombros. Serve para diferenciar
uma paresia ou paralisia do músculo oblíquo superior com a paresia ou paralisia do seu
antagonista contralateral, o músculo reto superior.
O teste baseia-se no fenômeno da compensação torcional dos olhos oriundos do apa­
relho otolítico quando se inclina a cabeça sobre os ombros.
A identificação do músculo afetado fundamenta-se no antagonismo de supra e infraver-
são e no sinergismo na exciclo e inciclotorção dos músculos retos verticais e oblíquos.
Ao inclinar a cabeça sobre o ombro direito, o oblíquo superior direito e o reto su­
perior direito realizam a inciclotorção do olho direito, porém, na ação vertical, um é
depressor e o outro, elevador. Na paralisia do oblíquo direito, ao se inclinar a cabeça
para a direita, a inciclotorção é feita somente pelo reto superior direito, que, não tendo
oposição do oblíquo superior parético na ação vertical, exacerba o desvio vertical com a
elevação do olho. O olho acentua-se com a inclinação da cabeça sobre o ombro direito,
em comparação com a inclinação da cabeça sobre o ombro esquerdo.
Execução do teste: paciente fixa um ponto a 6 m e/ou 33 cm e, então, inclina a cabeça
sobre o ombro direito e, em seguida, sobre o ombro esquerdo; compara-se então a mag­
nitude do desvio nessas duas porções.
Em resumo, as paresias dos músculos oblíquos seriam facilmente demonstráveis nas
inclinações laterais da cabeça (Figs. 17 e 18).
O desvio vertical acentuar-se-ia na inclinação para a direita por deficiência do OSD ou
do OTE e, na inclinação para a esquerda, por deficiência do OSE ou do OID.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 4 9

Fig. 17 Manobra de Brielschowsky positiva, em caso de paralisia do nervo troclear direito. (Figura reproduzida
com autorização dos Profs. P. Larmande, A. Larmande. Neuro-Ophtalmologie. Paris: Masson, 1991; p. 120.)

Fig. 18 Paralisia bilateral do nervo troclear. (Figura reproduzida com autorização dos Profs. P. Larmande, A.
Larmande. Neuro-Ophthalmologie. Paris: Masson, 1991; p. 120.)

Diagnóstico, também, dos retos verticais, na inclinação para a direita, solicitaria os inci-
clodutores do OD (RSD e OSD) e os exciclodutores do OE ( OlE e R1E), e, na inclinação para a
esquerda, os inciclodutores do OE (SER e OSE) e os exciclodutores do OD (OID e RID).
A ação ciclodutora dos oblíquos é mais importante que a dos retos verticais, assim
como a ação vertical destes é maior que a dos oblíquos.
• Teste de Hardesty-Parks
r

E um teste complementar ao teste de Bielschowsky e compõe-se de três etapas:


I a etapa - identificar qual é o olho hipertrópico através do teste de cobertura.
2a etapa - identificar a lateroversão que mais acentua a hipertropia.
3a etapa - identificar o lado da inclinação da cabeça que mais acentua a hipertropia.
• Teste de Bicas
É um teste para avaliar os desequilíbrios cicloverticais com medidas de desvios nas po­
sições diagnósticas associadas às inclinações da cabeça.
Nesse teste, cada músculo recebe duplo estímulo: um estímulo voluntário, através da
fixação nas posições cardinais, e um involuntário (reflexo), induzido pela inclinação da
cabeça e que se expressa pela torção ocular.
A interpretação é que “a diagonal horizontal de maior incomitância aponta o par
muscular afetado dos oblíquos ou dos retos” , enquanto “o maior desvio ou incomitância
dentro do par identifica o músculo afetado”.
Ao inclinar a cabeça para o lado do olho hipertrópico, testam-se os músculos oblíquos
e, para o lado do olho hipotrópico, os músculos retos verticais.
• Teste de Hess-Lancaster
Há uma deficiência do oblíquo superior paralisado, uma hiperação do oblíquo inferior,
antagonista homolateral, e uma hiperação do reto inferior do olho são, músculo sinér-
gico oposto.
2 5 0 I Neuroftalmologia

■ Lesão bilateral do nervo troclear


• Diplopia em todas as posições do olhar, mas predomina no olhar para baixo.
• Atitude viciosa da cabeça: pode ser de uma paralisia unilateral ou do tipo que o paciente
abaixa o mento em direção ao peito.
• Desvio mínimo em posição primária ou inexistente, mas existe uma hipertropia direita
no olhar para a esquerda e uma hipertropia esquerda no olhar para a direita. Os fenôme­
nos de torsão são maiores.
• O teste de Bielschowsky é positivo na inclinação da cabeça sobre cada olho.
• O teste de Hess-Lancaster é característico.

Etiologia
■ Nuclear e fascicular
• Aplasia.
• Infarto ou hemorragia encefálica.
• Tumor e outras lesões infiltrativas.
• Malformação arteriovenosa.
• Trauma.
• Desmielinização.
• Complicações neurocirúrgicas.
■ Espaço subaracnóideo
• Trauma.
• Tumor.
• Hidrocefalia.
• Pseudotumor cerebral e aumento da pressão intracraniana.
• Complicações neurocirúrgicas.
• Mastoidites.
• Meningites (infecciosa e neoplásica).
• Seguido de punção lombar ou anestesia espinhal.
■ Seio cavernoso e fissura orbital superior
• Tumor.
• Síndrome de Tolosa-Hunt.
• Herpes-zóster.
• Aneurisma da carótida interna.
■ Orbital
• Trauma.
• Tumor e outros infiltrados.
■ Localização incerta
• Infarto.
• Congênita.
• Idiopática.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 251

Lesão do nervo abducente


Formas topográficas
Congênita
Poderá ocorrer nos seguintes casos: 1) lesão isolada do nervo troclear levando a uma paralisia
do músculo reto lateral; 2) lesão nuclear levando a uma paralisia dos movimentos conjugados
horizontais; e 3) associadas às síndromes de Goldenhar-Gorlin, de Moebius, de Stilling-Turk-
Duane e de Klippel-Feil.

Adquirida
■ Lesão nuclear
Ocorrem paralisia ipsilateral dos movimentos conjugados horizontais, paralisia bilateral
dos movimentos conjugados horizontais e paralisia facial.
■ Lesão fascicular
Síndrome de Millard-Gübler - Ocorrem na paralisia do músculo reto lateral, paralisia facial
periférica e hemiplegia contralateral.
Síndrome de Raymond Cestan - Paralisia do músculo reto lateral e hemiplegia contralateral.
■ Lesão no espaço subaracnóideo
Ocorrem, paralisia do músculo reto lateral unilateral e paralisia do músculo reto lateral
bilateral.
■ Lesão na porção extradural
Ápice da parte petrosa do temporal: ocorre somente paralisia do músculo reto lateral ou,
ainda, a síndrome de Gradenigo-Lannois, que leva à paralisia do músculo reto lateral, dor
na face e olho e paralisia periférica.
■ Lesão no seio cavernoso
Nessa região, é importante estudar as síndromes do seio cavernoso e, também, a classifica­
ção das fístulas arteriovenosas do seio cavernoso.
■ Lesão na órbita
Síndrome de Rochon-Duvignaud - Ocorrem oftalmoplegia extra e intraocular com blefaropto-
se e transtornos sensitivos no território do nervo oftálmico.
Síndrome de Rollet
Síndrome de Rochon-Duvignaud, com diminuição da agudeza visual.
Lesão isolada do nervo abducente: pode ocorrer por trauma.

Formas clínicas
A lesão troncular do nervo abducente pode ser uni e bilateral. O quadro clínico poderá apre­
sentar: diplopia homônima e horizontal; atitude viciosa da cabeça, que se encontra virada para
o lado paralisado; o olho paralisado está em adução (convergência). O teste de Hess-Lancaster
indica deficiência em abdução a do olho paralisado e hiperação do reto medial do lado são
(Fig. 19).
2 5 2 I Neuroftalmologia

Fig. 19 Lesão do nervo abducente direito. Hipertensão arterial.

Etiologia
■ Nuclear (caracterizada por uma paralisia do olhar horizontal)
• Síndrome de Mobius.
• Paralisia do olhar congênita ou hereditária.
• Síndrome de Duane (alguns casos).
• Infarto.
• Tumor.
• Síndrome de Wernicke-KorsakofF.
• Trauma.
• Histiocitose X.
■ Fascicular
• Infarto.
• Desmielinização.
• Tumor.
■ Espaço subaracnóideo
• Compressão.
• Hemorragia subaracnóideo.
• Trauma.
• Meningite (infecciosa e neoplásica).
• Tumor do Clivus.
• Tumores do ângulo pontocerebelar.
• Schwannoma trigeminal.
• Tumores do nervo abducente.
• Complicações neurocirúrgicas.
■ Parte petrosa do temporal
• Infecção da mastoide ou da ponta da parte petrosa.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 5 3

• Trombose do seio petroso inferior.


• Trauma.
• Deslocamento para baixo do tronco encefálico por uma massa supratentorial.
• Após punção lombar.
■ Seio cavernoso e fissura orbital superior
• Aneurisma da carótida.
• Trombose do seio cavernoso.
• Fístula carotidocavernosa: direta e durai.
• Tumor.
• Síndrome de Tolosa-Hunt.
• Herpes-zóster.
■ Orbital
• Tumor e outros infiltrados.
■ Localização incerta
• Infarto.
• Enxaqueca.
• Associação com infecções virais.
• Paralisia transitória em recém-natos.
• Tóxica.
• Iatrogenia.

Desordens da junção neuromuscular


Botulismo
O botulismo é resultante da intoxicação pela toxina botulínica. Esta é produzida anaerobica-
mente pelo Clostridium botulinum e aparece com mais frequência em alimentos preservados
(conservas) incompletamente esterilizados. Quando esse tipo de alimento é ingerido, apare­
cem náuseas, vômitos e dor abdominal, seguidos de borramento da visão (particularmente
da visão “de perto”) e paralisia generalizada, incluindo os músculos da deglutição, respiração
e contração pupilar. A forma botulínica bloqueia a liberação da acetilcolina das terminações
sinápticas.
O diagnóstico baseia-se na história de ingestão de alimentos em conserva, paralisia ge­
neralizada, rapidamente progressiva, com preservação da consciência, sensibilidade normal e
falta de resposta a agentes anticolinesterásicos. O diagnóstico é confirmado através da com­
provação laboratorial de toxina botulínica nos alimentos ou no soro do paciente.

Síndrome de Lambert-Eaton
A síndrome miastênica de Lambert-Eaton surge devido a um defeito na liberação de acetilcoli­
na secundária a uma desordem autoimune afetando zonas ativas da terminação nervosa. Está,
usualmente, associada ao carcinoma, que pode estar oculto. Sintomas típicos são fraqueza e
fatigalidade dos músculos periféricos e oculares.
2 5 4 | Neuroftalmologia

Miastenia gravis
■ Achados sistêmicos
É uma doença autoimune causada por anormalidade da junção neuromuscular e afeta mulhe­
res entre 20 e 40 anos. Ocorre excessiva fadigabilidade dos músculos esqueléticos. Os mús­
culos faciais, orofaríngeos e extraoculares, também são afetados. Receptores para anticorpos
antiacetilcolina estão presentes em 90% dos pacientes.
■ Achados oculares
• Blefaroptose
Pode ser uni ou bilateral e assimétrica. O sinal de Cogan (sinal do “Lid Twitch”) pode ser
induzido pedindo ao paciente que, rapidamente, mova seu olhar, que se encontrava para
baixo, em direção à posição primária. A pálpebra superior contrai-se para cima e, depois,
lentamente, para a sua posição com blefaroptose (Fig. 20).
• Diplopia
A paralisia dos músculos extraoculares não segue nenhum padrão, porém o movimento
para cima é afetado em primeiro lugar. Todos os músculos podem estar afetados, pa­
recendo uma paralisia do olhar supranuclear, uma oftalmoplegia internuclear ou uma
paralisia isolada do músculo extraocular.
■ Testes especiais para investigação
No teste do Tensilon, injeta-se, na veia, brometo de edrofônio e observa-se a melhora do
paciente. Faz-se intravenosa, 1 ml contendo 10 mg em uma seringa de tuberculina. O teste é
feito com 0,2 ml (2 mg) injetados na veia antecubital. Se, após 60 s, o paciente não mostrar
sinais de hipersensibilidade (p. ex., salivação excessiva, sudorese ou lacrimejamento), o res­
tante de 0,8 ml será injetado. Efeitos importantes ocorrerão em 30 a 60 s, porém não dura­
rão mais do que 5 min. A blefaroptose e as paralisias dos músculos extraoculares melhoram.
A eletromiografia pode ser feita com ou sem Tensilon.

Fig. 20 Paciente com miastenia g r a v is .


Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 5 5

Miopatias
Miopatias mitocondriais
Esse grupo de miopatias caracteriza-se por um aumento do número de mitocôndrias na fibra
muscular, um aumento de tamanho ou a existência de inclusões cristalinas anormais nessas
mitocôndrias.
O exame histoquímico ao microscópio revela um padrão de cores nas fibras musculares
que resultam de um acúmulo de mitocôndrias aumentadas de tamanho. Ao se fazer exame de
mancha tricrômica, as fibras coram-se de azul, enquanto as mitocôndrias da periferia coram-se
de vermelho forte. Temos, então, o aspecto chamado ragged red fibers.
A alteração histológica é associada a um leque variado de síndromes clínicas e não há uma
aparente correlação entre as alterações mitocondriais e os sintomas clínicos.
Essas modificações são encontradas em pacientes de duas miopatias oculares distintas,
que são oftalmoplegia externa progressiva crônica e síndrome de Kearns-Sayre.
A oftalmoplegia externa progressiva crônica é uma desordem rara, caracterizada por ble-
faroptose simétrica insidiosa e imobilidade do bulbo ocular. Devido ao envolvimento simé­
trico dos músculos extraoculares, não se observa diplopia, mesmo em casos avançados. Essa
síndrome acomete, principalmente, indivíduos do sexo feminino entre 55 e 80 anos de idade.
Biópsias musculares realizadas em portadoras dessa síndrome mostraram quantidade exa­
gerada de material granular ao redor do sarcolema e no centro das fibras. Essas fibras, chama­
das ragged red fibers, como se relatou anteriormente, contêm mitocôndrias anormais, sendo a
alteração mais comumente observada as inclusões cristalinas.
Quando se observa, em indivíduos do sexo feminino com idade acima de 50 anos, quadro
de blefaroptose e o diagnóstico de miastenia gravis é afastado, a oftalmoplegia externa pro­
gressiva crônica parece ser a melhor opção diagnóstica.
A síndrome de Kearns-Sayre é a segunda miopatia ocular, caracterizada histopatologica-
mente como uma miopatia mitocondrial. Ela se caracteriza por uma tríade de oftalmoplegia
progressiva, degeneração pigmentar retiniana e defeitos da condução cardíaca.
Os principais achados clínicos da síndrome de Kearns-Sayre são: oftalmoplegia externa
progressiva crônica; deposição pigmentária retiniana; bloqueio cardíaco; estatura pequena;
perda da audição (distúrbio vestibular); ataxia cerebelar; nistagmo pendular; sinais do trato
corticospinal; intelecto normal; fraqueza dos músculos cranianos (face, palato, pescoço); neu-
ropatia periférica e “miopatia” que afeta os músculos esqueléticos (ragged-red fibers).
No diagnóstico diferencial, pode-se relatar a paralisia supranuclear progressiva que apre­
senta essa desordem e lembra a oftalmoplegia externa progressiva crônica; contudo, a para­
lisia supranuclear progressiva afeta primeiro o olhar para baixo e está associada à rigidez do
pescoço e tronco. Os movimentos dos olhos podem ser provocados pela manobra da cabeça
de boneca e pela estimulação calórica, indicando a natureza supranuclear da síndrome. Pode
ocorrer, também, demência.

Distrofia miotônica
Os achados sistêmicos dessa distrofia são: muitas partes do corpo são afetadas; excessiva con-
tratilidade e dificuldade de relaxamento dos músculos esqueléticos; hipogonadismo; calvície
e anomalias cardíacas.
2 5 6 I Neuroftalmologia

Os principais achados oculares são: blefaroptose com fraqueza dos músculos da face (face
triste); envolvimento dos músculos extraoculares, que pode parecer oftalmoplegia externa
progressiva crônica; mudanças pigmentares envolvendo a mácula; dissociação luz-perto da
pupila e catarata pré-senil.

Doença de Graves
A orbitopatia de Graves pode levar a alteração motora por comprometimento da musculatura
ocular extrínseca. As alterações musculares ocorrem, na grande maioria das vezes, na tireo-
toxicose causada pela doença de Graves. No entanto, podem ocorrer também em indivíduos
com doença de Graves sem hipertireoidismo clínico ou laboratorial e, mais raramente, podem
ocorrer em pacientes com tireoidite de Hashimoto ou hipotireoidismo primário.
Várias observações clínicas, experimentais e histopatológicas já documentaram a nature­
za autoimune da doença de Graves. Há um aumento no volume dos músculos extraoculares e
tecido conjuntivo da órbita; os músculos extraoculares ficam edematosos devido à produção
aumentada de glicosaminoglicans, que são hidrofílicos no tecido orbitário; há infiltração in­
tensa de células imunocompetentes, que são predominantemente linfócitos T e macrófagos,
mas também de linfócitos B. Estudos histopatológicos mostram que os músculos extraocula­
res podem estar aumentados de 2 a 8 vezes e que mostram numerosas células inflamatórias
(linfócitos, neutrófilos e plasmócitos), infiltrado de mucopolissacarídeos e edema.
■ Manifestações clínicas
As manifestações clínicas da orbitopatia distireoidiana são devidas a inflamação, edema e
alterações fibróticas nos músculos extraoculares. O aumento de volume, processo inflama­
tório e alterações congestivas levam a proptose, edema e retração palpebral, hiperemia e
quemose conjuntival, ceratite ou úlcera de córnea por exposição, distúrbios da motilidade
ocular extrínseca e, menos comumente, neuropatia óptica compressiva.
A frequência dos diferentes sinais orbitários nos indivíduos afetados varia conforme a
população estudada. Acredita-se que 90% dos pacientes apresentem retração palpebral, 62%
exoftalmia, 43% miopatia extraocular restritiva e 6% disfunção do nervo óptico. O sintoma
ocular mais frequente é a dor, presente em 30% dos indivíduos. Outros sintomas foram di­
plopia, lacrimejamento, fotofobia e embaçamento visual.
■ Miopatia restritiva
O comprometimento dos músculos extraoculares leva também a desequilíbrios na motilida­
de ocular extrínseca e é uma causa muito comum de diplopia. Os músculos mais afetados,
em ordem de frequência, são: o reto inferior, o reto mediai e o complexo reto superior
elevador da pálpebra. A alteração mais comum é a limitação da elevação do globo ocular,
que resulta em hipotropia e diplopia no olhar para cima. A segunda alteração em ordem de
frequência é a limitação do músculo reto mediai, seguido pelo envolvimento do complexo
reto superior-elevador da pálpebra e, por último, o envolvimento do reto lateral. O dese­
quilíbrio na motilidade ocular decorre do não relaxamento do músculo extraocular envolvi­
do, que impede a contração do seu antagonista.
Trata-se de uma condição relativamente frequente, sendo considerada a causa mais co­
mum de diplopia espontânea em pessoas de idade média ou início da senilidade. O acha­
do mais comum é a fibrose do músculo reto inferior, que impede a elevação do olho. O
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 5 7

acometimento pode ser discreto ou acentuado e, geralmente, é bilateral, embora, em mui­


tos casos, assimétrico. A apresentação mais comum é de uma hipotropia do olho afetado,
mas muitos casos podem também apresentar esotropia. A hipotropia e esotrofia podem si­
mular paralisias do reto superior e reto lateral, respectivamente, sendo no, entanto, causa­
da pela contratura dos músculos reto inferior e medial acometidos. Mais raramente, pacien­
tes apresentam acometimento do reto superior que se apresenta como uma hipertropia e
dificuldade no abaixamento do olho. Não é incomum pacientes com limitação bilateral da
elevação dos olhos, necessitando da elevação do queixo para a fixação.
O diagnóstico da miopatia restritiva da orbitopatia de Graves geralmente é feito utilizan­
do os dados clínicos associados, como a presença de retração palpebral e proptose. Os exa­
mes de imagem, como a tomografia computadorizada e a imagem por ressonância magné­
tica, também podem ser úteis para evidenciar o espessamento dos músculos extraoculares.
O teste da ducção forçada também pode ser útil, já que auxilia demonstrando a presença
de restrição do movimento ocular permitindo a diferenciação com paralisias e com a oftal-
moplegia crônica externa progressiva, na qual a restrição não está presente.
O acometimento da musculatura ocular extrínseca na orbitopatia de Graves quando
ocorre na fase congestiva da doença, pode melhorar com tratamento mediante corticoste-
roides ou radioterapia. No entanto, quando isso não ocorre, deve-se esperar pelo menos 6
meses de estabilidade do desvio para um tratamento cirúrgico. Em muitos casos podem ser
usados prismas para alívio da diplopia seja de uma forma temporária, enquanto se aguarda
o tratamento cirúrgico, seja de uma forma permanente, no caso de desvios residuais peque­
nos que sejam sintomáticos. Quando se faz necessário o tratamento cirúrgico, de maneira
geral se empregam os retrocessos musculares.

Nistagmo
Conceito
O nistagmo consiste em oscilações rítmicas e involuntárias dos olhos, independentemente
dos movimentos normais.

Meios de estudo
A olho nu
O nistagmo é estudado, na maioria dos casos, a olho nu. Os otologistas colocam diante dos
olhos do paciente lentes de 20 dioptrias (óculos de Bartels). Dessa maneira, os movimentos
tornam-se mais nítidos, porém o caráter do nistagmo pode aparecer modificado.

À lâmpada de fenda ou ao oftalmoscópio


Os movimentos nistagmiformes podem ser observados.

Nistagmografia
Na realidade, o melhor método de estudo é a nistagmografia, visto que apresenta a vanta­
gem de possibilitar a obtenção de um documento que pode ser estudado, reproduzido e
2 5 8 | Neuroftalmologia

comparado. Baseia-se no registro do potencial corneorretiniano de repouso com eletrodos


colocados ao redor do olho. A cada movimento, o polo anterior positivo e o polo posterior
negativo do bulbo ocular mudam de posição em relação aos eletrodos, criando uma diferen­
ça de potencial que, amplificada e transcrita, dará uma representação gráfica do movimento.

Análise semiológica
Sinais objetivos
■ Tipos do nistagmo
• Pendular
Esse é caracterizado por movimentos dos olhos que são de igual velocidade em cada
direção, podendo ser horizontais, oblíquos ou rotatório.
• Mola
Esse é caracterizado por um componente lento em uma direção e um rápido em outra
direção. A direção do nistagmo é definida pela direção da fase rápida. Esse tipo de nis­
tagmo pode ser para direita, esquerda, para cima, para baixo ou de caráter rotatório. A
fase rápida é controlada pelo sistema rápido de movimentos dos olhos (sacádico), e a
fase lenta, pelo sistema lento de movimento dos olhos (pursuit).
• Misto
Os movimentos pendulares estão presentes na posição primária, e os movimentos em
mola apresentam-se quando os olhos se tornam desviados lateralmente. Esse tipo de
nistagmo pode ser rápido ou lento, grosseiro ou leve, manifesto ou latente.
■ Orientação do nistagmos
• Nistagmos simples são os retilíneos (horizontal, vertical ou diagonal) e os rotatórios.
• Nistagmos compostos ou mistos.
■ Natureza dos movimentos conjugados
• Os olhos deslocam-se paralelamente.
• Os olhos deslocam-se em sentido contrário.
• Os olhos deslocam-se em planos diferentes.
■ Grau que atinge os dois olhos
• Nistagmo congruente.
• Nistagmo incongruente.
■ Amplitude do nistagmo
• Pequena: de 5o (1 mm).
• Média: de 5o a 15° (1 a 3 mm).
• Forte: superior a 15o (superior a 3 mm).
■ Frequência do nistagmo
• Lenta: de 60 oscilações por minuto.
• Média: de 60 a 120 oscilações por minuto.
• Rápida: superior a 120 oscilações por minuto.
■ Ritmo do nistagmo
• Regular.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 5 9

• Irregular.
• Anárquico.
• Alternante periódico.

Sinais associados
O nistagmo está associado, na clínica, a certo número de outras anomalias.
■ Aos movimentos de oscilação da cabeça, cuja função é compensar o nistagmo.
■ À baixa de acuidade visual, que é, sobretudo, nítida nos nistagmos congênitos, mas se en­
contra em todos os nistagmos.
Isso mostra bem o fato de que, quando o nistagmo desaparece em certas posições do
olhar, o indivíduo tende a tomar uma posição compensadora para melhorar sua acuidade
visual.
■ A oscilospsia dos objetos reais com sensação de tremor dos objetos (como no cinema) é
inconstante. Quando ocorre, afirma-se que o nistagmo é adquirido.
■ As vertigens de tipo rotatório só são observadas nos nistagmos em mola e traduzem uma
lesão labiríntica.
Enfim, a diplopia não é excepcional. Trata-se de uma diplopia monocular que denota, quase
sempre, um nistagmo de tipo central.

Tipos clínicos
Fisiológico
■ Nistagmos na posição extrema do olhar
É um nistagmo em mola leve de moderada frequência, encontrado quando os olhos estão
nas posições extremas do olhar.
■ Nistagmo optocinético
r

E um nistagmo em mola, induzido por movimentos repetitivos de um estímulo visual atra­


vés do campo visual. A fase lenta é um movimento lento no qual os olhos seguem um alvo,
e a fase rápida é um movimento rápido na direção oposta como se os olhos estivessem
fixando um próximo alvo. É útil para testar a acuidade visual em crianças.
Se o tambor optocinético é movido da direita para a esquerda, a região parieto-occipital
esquerda controla os movimentos lentos (pursuit) para a esquerda, e o lobo frontal esquer­
do, a fase rápida (“sacádica”) para a direita.
■ Nistagmo vestibular
r

E um nistagmo em mola causado por um impulso alterado dos núcleos vestibulares para os
centros de olhar horizontal. A fase lenta é iniciada pelos núcleos vestibulares, e a rápida,
pelo tronco encefálico e via frontomesencéfalica.
O nistagmo rotatório é causado por lesões no sistema vestibular. O teste calórico é feito
da seguinte maneira: 1) quando se usa água fria na orelha direita, o paciente desenvolve um
nistagmo em mola para a esquerda (fase rápida para a esquerda); e 2), quando se usa água
quente na orelha direita, o paciente desenvolve um nistagmo em mola para a direita (fase
rápida para a direita).
260 I Neuroftalmologia

Nistagmo sensorial
r

E devido a um defeito aferente no controle do sistema neural de fixação ocular. A catarata congênita,
a hipoplasia macular, o albinismo e a amaurose congênita de Leber são causas desse tipo de nistagmo.

Nistagmo motor
Esse é devido, teoricamente, a um defeito primário no mecanismo eferente, e pode ser de
diversos tipos:
■ Nistagmo congênito
r

E, usualmente, do tipo em mola e horizontal. Aparece ao nascimento, é neutralizado


pela convergência e não está presente no sono. Os movimentos da cabeça diminuem
com o tempo, ou podem persistir. Podem ainda ocorrer estrabismo e diminuição da
acuidade visual.

■ Spasmus nutans
É um nistagmo assimétrico, pendular, leve e rápido, e pode ser horizontal, vertical ou ro­
tatório. Há uma posição anormal da cabeça, ou seja, encontra-se inclinada. Desenvolve-se
entre o 4- e \ 2- meses de vida e, usualmente, melhora aos 3 anos.

■ Nistagmo latente
É um nistagmo em mola e ocorre em fixação uniocular. Quando um olho é ocluído, ambos
os olhos desenvolvem nistagmo, com a fase rápida em direção ao descoberto. É encontrado
em crianças com esotropia congênita.
Ocasionalmente, um elemento do nistagmo congênito é superposto ao nistagmo mani­
festo. Nessa condição, quando um olho é coberto, a amplitude do nistagmo aumenta.

■ Nistagmo atáxico
Ocorre no olho abduzido associado à oftalmoplegia internuclear.
■ Nistagmo em downbeat
Nesse tipo de nistagmo, a fase rápida é para baixo e é patognomônico da lesão na junção
cervicomedular no forame magno.

■ Nistagmos “upbeat”
Nesse tipo, a fase rápida é para cima e uma causa comum é a intoxicação por fenitoína;
também,está associado a lesões da fossa posterior.

■ Nistagmo em retração-convergência
É um nistagmo em mola em que a fase rápida traz os dois olhos para a convergência. É uma
associação com retração do olho na órbita. Esse tipo de nistagmo é causado por cocontra-
ção dos músculos extraoculares, particularmente os retos mediais. Ocorre em lesões da
área pré-tectal, tais como acidentes vasculares e pinealomas. Quando associado à paralisia
do olhar vertical, dissociação luz-perto das pupilas, retração palpebral, espasmo de acomo­
dação e outros sinais mesencefálicos, constitui a síndrome de Parinaud.

■ Nistagmo em see-saw
Acontece quando um olho se encontra com elevação e intorção, enquanto o outro se apre­
senta com abaixamento e extorção.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 261

■ Nistagmo alternante periódico


É uma condição rara, caracterizada por um nistagmo em mola que sofre mudanças rítmicas
em amplitude e direção. Pode estar associado a doenças desmielinizantes ou vasculares do
tronco encefálico.

Estudo anatomoclínico dos nistagmos


Nistagmo optocinético
0 nistagmo optocinético é uma reação optomotora fisiológica que aparece quando o indiví­
duo olha uma sucessão de objetos passando rapidamente diante dos seus olhos. É um nistag­
mo em mola de natureza reflexa. Pode aparecer espontaneamente (nistagmo do trem), ou ser
induzido experimentalmente. Seu estudo apresenta interesse considerável em clínica e em
fisiologia.
Existem vários aparelhos capazes de induzir o nistagmo optocinético. Os mais frequentes
utilizam faixas pretas sobre um fundo branco ou objetos pretos sobre um fundo branco, estan­
do as faixas colocadas em torno de um tambor ou sobre uma fita sem fim.

Nistagmo vestibular
0 elemento fisiológico estimulante dos canais semicirculares é o deslocamento da endolinfa
dentro do canal, a resposta ao estímulo.
0 nistagmo provocado é produzido no plano do canal estimulado. Sua oscilação lenta é
orientada no sentido da corrente endolinfática.
Dentro dos canais horizontais, a estimulação ampulípeta é superior à estimulação ampu-
lífuga. 0 inverso ocorre nos canais verticais.
Partindo dessas constatações, foram definidas normas para provocar o nistagmo labirínti­
co. Pode-se, então, apreciar a qualidade da resposta obtida. Os processos mais utilizados são
as provas térmicas e rotatórias.
■ Prova térmica
Princípios: a injeção de água fria no conduto auditivo externo provoca uma paralisia do labi­
rinto do mesmo lado, enquanto a injeção de água quente, uma excitação. Lembrando que
os dois labirintos estão normalmente em equilíbrio, a injeção de água fria vai evidenciar,
assim, a ação do labirinto oposto, que não é mais contrabalançado, enquanto a injeção de
água quente, ao contrário, provoca a atividade do lado irrigado.
Técnica: injeção dentro do ouvido, em 20 s, de 50 cm3 de água a 30° (fria) e, depois, a 44°
(quente). A irrigação fria gera um nistagmo, cuja oscilação rápida está orientada para o lado
oposto. A irrigação quente provoca um nistagmo, com oscilação rápida orientada para o
lado irrigado.
■ Prova rotatória que utiliza o estímulo fisiológico e a corrente endolinfática
A técnica clássica é a técnica de Barany: rotação rápida numa cadeira giratória, 10 voltas em
10 s, seguidas de parada brusca.
É o nistagmo pós-rotatório que é estudado. A cupulometria, porém, é cada vez mais uti­
lizada. Consiste em estudar a duração do nistagmo e da sensação vertiginosa observada em
2 6 2 I Neuroftalmologia

cada parada de uma cadeira girando com velocidades progressivas crescentes. Consegue-se,
assim, uma curva que dá conta do valor do sistema cupuloendolinfo.

Nistagmo sensorial
É devido a um defeito aferente no controle do sistema neural de fixação ocular. Poderá ocorrer
em casos de catarata congênita, hipoplasia macular, albinismo e amaurose congênita de Leber.

Nistagmo congênito
r

Aparece ao nascimento e é usualmente do tipo em mola e horizontal. E neutralizado pela con­


vergência e não está presente no sono. Os movimentos da cabeça diminuem com o tempo, ou
podem persistir. Podem, ainda, ocorrer estrabismo e diminuição da acuidade visual.

Sp a sm u s n u tan s
r

E um nistagmo que acomete uma criança de tenra idade. Acompanha-se de um nistagmo da


cabeça e cura-se espontaneamente. Aparece entre 6 meses e 1 ano e comporta:
■ Um nistagmo da cabeça com movimentos anteroposteriores (movimentos de saudação),
mas também movimentos laterais (movimentos de negação). Esses movimentos são rá­
pidos, fugazes e lábeis, bem nítidos em posição sentada, desaparecendo, na maioria dos
casos, em posição deitada.
■ Um nistagmo ocular, na maioria dos casos horizontal e assimétrico. É um nistagmo pendu­
lar rápido e de amplitude fraca.
■ Uma posição viciosa de cabeça inconstante.
A evolução para a cura, em geral, ocorre em menos de 1 ano.
Etiologia é muito discutida.

Nistagmo latente
É um nistagmo congênito provocado por oclusão de um olho. Não existe, então, com os dois
olhos abertos. Quando um ou outro olho está ocluído, aparece um nistagmo bilateral “em
mola” , na maioria dos casos, horizontal, desigual na sua amplitude e ritmo. O nistagmo latente
é frequentemente acompanhado de um estrabismo associado a uma ambliopia unilateral em
mais de 50% dos casos. A acuidade visual medíocre em visão monocular por causa do nistagmo
é, muitas vezes, subnormal quando os dois olhos estão abertos.

Nistagmo retratório
É uma sucessão ritmada de deslocamento dos globos oculares em função do eixo anteropos­
terior. Na maioria dos casos, é desencadeado pelos movimentos de elevação ou de convergên­
cia. Aparece, então, uma sucessão dos movimentos rápidos de retração com estreitamento da
rima palpebral e dos movimentos lentos de protrusão com alargamento. Acredita-se em uma
contração rítmica das pálpebras. Esse nistagmo retratório é, frequentemente, associado: a) à
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 6 3

síndrome de Parinaud; b) a uma retração da pálpebra superior; c) a alterações pupilares, às


vezes de tipo Argyll Robertson; e d) a paralisias oculomotoras.
Traduz um acometimento da parte posterosuperior do mesencéfalo por tumor (glioma,
ependimoma, pinealoma), em 60% dos casos por lesões vasculares, traumatismos, encefalite
(brucelose entre outras) e esclerose em placa.

Paranistagmos
■ Miorritmias oculares
As miorritmias oculares fazem parte de um quadro clínico bem individualizado, caracteri­
zado pela existência de movimentos involuntários, rítmicos e sincrônicos nos territórios
musculares da cabeça, pescoço e tórax.
Os movimentos mioclônicos extraoculares atingem o palato (elevação e abaixamento),
faringe, laringe, cordas vocais, assoalho da boca, comissura labial, músculos da face, mus­
culatura do pescoço, músculos intercostais e diafragma.
As miorritmias oculares aparecem em 50% dos casos, em geral, alguns meses após o início
dos movimentos do palato. Essas mioclonias oculares são, quase sempre, perfeitamente conju­
gadas, rotatórias, horizontais ou verticais. São movimentos pendulares de amplitude variável e
ritmo rápido (50 a 200 ciclos). Elas, habitualmente, são conscientes, provocando uma sensação
de movimento do ambiente. É interessante notar que os barbitúricos, embora não tenham efei­
to sobre as mioclonias do palato, diminuem ou anulam as oculares.
A etiologia das mioclonias oculovelofaringodiafragmáticas é múltipla. Em ordem de fre­
quência, aparecem, em primeiro lugar, os acidentes vasculares que atingem o cerebelo e
tronco encefálico; em segundo, os tumores e, mais raramente, as encefalites, esclerose em
placas, meningites etc. Acredita-se que esses processos provoquem as miorritmias à medi­
da que acometam a oliva bulbar e/ou o núcleo denteado do cerebelo.
■ Dismetria ocular
Esse fenômeno ocorre em qualquer mudança de fixação. Embora a dismetria ocular seja obser­
vada, na maioria das vezes, nos movimentos horizontais, ela já foi evidenciada no olhar vertical,
e mesmo na convergência. Trata-se de uma série de movimentos conjugados pendulares, de
amplitude decrescente, que ocorrem durante a mudança de fixação. A análise das oscilações
mostra que, na maioria dos casos, os olhos executam um movimento exagerado, ultrapassando
o objeto de fixação (hipermetria) e, em seguida, executam uma série de oscilações denominadas
de retificações negativas, com o objetivo de corrigir o posicionamento ocular. O inverso tam­
bém já foi relatado, isto é, o movimento inicial não alcança o objeto (hipometria), sendo, então,
corrigido por oscilações denominadas de retificações positivas.
A amplitude da hipermetria é variável (5 a 10°), e a duração das oscilações raramente
excede 1 s.
A dismetria pode ser bidirecional, aparecendo tanto à direita, como à esquerda ou unidi-
recional, ocorrendo no lado da lesão. É interessante notar que, a despeito de ser essencial­
mente uma alteração do sistema sacádico, ela também aparece nos movimentos de pour-
suite. De fato, se o teste em movimento for bruscamente imobilizado, há uma hipermetria
seguida de oscilações compensadoras de amplitude decrescente.
A patogenia da dismetria é, ainda, hipotética e, segundo Orzechowski, tratar-se-ia de
uma anomalia cerebelar.
2 6 4 I Neuroftalmologia

■ Flutter ocular
Essas oscilações aparecem espontaneamente nas mudanças de fixação e podem se iniciar
ao final do ou durante este movimento. Embora ocorram em qualquer posição do olhar, em
certos pacientes são mais frequentes em determinadas posições especificas.
As crises de “flutter” iniciam-se e terminam bruscamente, provocando uma alteração tem­
porária da visão. Elas se mantêm a despeito da oclusão palpebral e parecem aumentar de
frequência com a excitação, fadiga ou emoção.
Clinicamente, os sinais neurológicos associados ao flutter são, essencialmente, de natu­
reza cerebelar e podem assumir a forma de uma ataxia aguda.
A etiologia é variável ao flutter, podendo ocorrer nas seguintes condições: heredodegenera-
ções, processos encefalíticos, esclerose em placas, tumores cerebelares e malformações.

■ Opsoclono
O opsoclono constitui uma manifestação clínica bem característica, observada nas encefa-
lites que atingem o tronco cerebral e se acompanham de mioclonias.
Trata-se de movimentos binoculares anormais, em geral conjugados, de ritmo e inten­
sidade irregulares. Com efeito, em alguns pacientes, as oscilações tomam um aspecto ca­
ótico praticamente sem ritmo. Os movimentos, às vezes violentos, são quase constantes,
fazendo com que os globos oculares permaneçam num estado contínuo de agitação. Algu­
mas vezes, entretanto, o opsoclono pode ter um caráter paroxístico, aparecendo em salvas
irregulares, separadas por curtas pausas. Nesses casos, as oscilações são precipitadas pela
movimentação ocular, em especial a convergência.
Segundo a direção do movimento, podem-se distinguir dois tipos de opsoclonos: aque­
les em que os olhos se deslocam somente no plano horizontal e os que apresentam movi­
mentação ocular em todos os planos. Os doentes com opsoclono podem apresentar uma
sintomatologia variada, que inclui: visão borrada, oscilopsia, espasmos de convergência,
retração palpebral, mioclonias esqueléticas etc.
Clinicamente, o opsoclono pode aparecer como um sinal secundário de um quadro neu­
rológico grave ou, ao contrário, ser a manifestação primordial de uma encefalite benigna.
A etiologia do opsoclono é múltipla. De fato, ele tem sido relatado em casos de ence-
falites epidêmicas ou não, poliomielite, síndrome paraneoplásica com atrofia do cerebelo,
neuroblastomas, insuficiência vertebrobasilar e intoxicação pelo DDT.
Existe um consenso de que o fenômeno deve-se ao acometimento do tronco cerebral e/
ou cerebelo e é uma verdadeira mioclonia da musculatura extrínseca ocular.

■ O bobbing ocular
O bobbing ocular é uma alteração oculomotora e trata-se de movimentos conjugados verti­
cais de vaivém, que aparecem bruscamente em indivíduos comatosos com lesão extensa da
ponte, apresentando uma paralisia do olhar horizontal.
O movimento comporta duas fases: um abaixamento brusco de ambos os olhos, de 2
a 5 mm de excursão, seguindo-se ou não a uma pausa, e um retorno mais lento à posi­
ção mediana. O fenômeno é normalmente transitório, pois frequentemente os pacientes
morrem rapidamente é acompanhado de paralisia do olhar horizontal ou do VI par. A
etiologia, normalmente é vascular, havendo quase sempre um extenso infarto hemorrá­
gico intra-protuberancial.
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 6 5

Resumo dos principais tipos de nistagmo (Quadro 4)

QUADRO 4 Resumo dos principais tipos de nistagmo.

NISTAGMO

FISIOLÓGICO CONGÊNITO

I
Ponto extremo Motor Sensorial Latente
(idiopático) (defeito da visão)

Induzido

Fármacos Calórico

Rotacional
Optocinético

ADQUIRIDO

Retração Olhar parético Músculo parético


em convergência

Vestibular See-saw

Cerebelar Espasmo nutans

Alternante periódico
Dismetria
F lu tte r

Opsoclonus

Horizontal
Rotatório
Vertical

Nistagmo: sinal localizado de lesão neuroanatômica


O nistagmo é comum na prática clínica de um oftalmologista ou neurologista. Pode definir-se
como um movimento oscilatório involuntário, rítmico, de um ou ambos os olhos, em posição
primária ou nas várias direções do olhar. De um modo mais simples, como um movimento
oscilatório rítmico dos olhos. Reflete, na maior parte dos casos, uma disfunção central ou pe­
riférica; contudo, alguns padrões de nistagmo permitem uma localização neuroanatômica da
lesão em causa.
2 6 6 | Neuroftalmologia

Nistagmo basculante (see-saw nystagmus) é um nistagmo pendular torsional-rotativo,


com dissociação vertical, ou seja, um olho sobe e faz intorsão, enquanto o outro desce e
faz um movimento de extorsão. Os movimentos torsionais surgem, na generalidade dos ca­
sos, em todas as direções do olhar, enquanto os movimentos verticais estão normalmente
restritos à posição primária e, mais frequentemente, infraducção. A maioria dos casos é de
origem adquirida, estando no entanto descritos see-saw nystagmus de origem congênita. Es­
tes apresentam a particularidade de a sequência torsional ser inversa à daqueles de origem
adquirida. Assim, o olho que sobe faz a extorsão, enquanto o que desce faz a intorsão. A
forma adquirida reflete, na maior parte dos casos, a presença de uma massa na região an­
terior do III ventrículo ou uma insuficiência vascular afetando a mesma área. Esses doentes
apresentam, concomitantemente, uma diminuição da acuidade visual e uma hemianopsia
bitemporal.
As principais causas são: 1) adenomas hipofisários, 2) craniofaríngioma, 3) tumores epi-
dermoides suprasselares, 4) glioma quiasmático, 5) desmielinizantes, 6) insuficiência vascu­
lar (AVC da região anterior do III ventrículo), 7) traumatismos cranianos e 8) cirurgia este-
reotáxica.
Nistagmo de sacada superior (upbeat nystagmus) é um nistagmo em sacada com um com­
ponente rápido para cima (um nistagmo sacádico é definido pela direção do seu componente
rápido). Só muito raramente terá origem hereditária, sendo a maior parte dos casos de origem
adquirida.
Esses são, na maioria dos casos, consequência da ingestão de fármacos, particularmente,
sedativos e tranquilizantes. A frequência das situações de abuso de ingestão dessas medi­
cações, obriga-nos a eliminar previamente essa causa antes de procurarmos qualquer outra
origem. O nistagmo upbeat de causa não medicamentosa pode apresentar-se com um dos três
padrões, qualquer deles refletindo localizações distintas.

Tipo I - Nistagmo de grande amplitude em posição primária, aumentando em supraducção e


diminuindo no sentido inverso.

Tipo II - Nistagmo em posição primária de pequena amplitude, diminuindo em supraducção e


aumentando no sentido inverso, contrariando a lei de Alexandre. Surge normalmente associa­
do a lesões bulbares intrínsecas.

Tipo III - Forma intermédia; nistagmo que, em posição primária, excede 5o (tipo I), mas que
se comporta como o do tipo II na resposta aos movimentos oculares. Tipicamente, essa forma
evolui para o tipo II característico e revela, na maior parte dos casos, uma encefalopatia de
Wernicke (déficit de tiamina).

Nistagmo de sacada inferior (downbeat nystagmus) é um nistagmo em sacada vertical, tal


como o upbeat, mas cujo componente rápido é para baixo, em posição primária. Essa forma de
nistagmo é altamente sugestiva de lesões da região do foramen magnum, junção cervicobulbar
ou, possivelmente, região do núcleo vestibular. A maior parte das causas são potencialmente
curáveis, pelo que esses doentes devem ser submetidos a um cuidadoso exame neurorradioló-
gico da zona cervicobulbar. Quando a causa é uma malformação de Arnold-Chiari, o nistagmo
apresenta uma grande amplitude em posição primária, o que provoca oscilopsia. Surge, por
Sistema Visual Eferente. Alterações Supra, Inter e Infranucleares do Olhar | 2 6 7

vezes, associado com um nistagmo periódico alternante, que também traduz uma alteração
na junção cervicobulbar.
Nistagmo de convergência-retração, como o seu nome indica, em posição primária o do­
ente apresenta um nistagmo que provoca movimentos de convergência e retração dos globos
oculares, que são exagerados por sacadas de elevação. Em situações muito tênues, a retração
pode ser exagerada pela colocação de alvos optocinéticos em posição inferior. Essa forma de
nistagmo apresenta uma localização neuroanatômica precisa, a área cinzenta periaqueductal.
Aparece associado com sinais de disfunção mesencefálica, como paralisia da elevação, disso­
ciação convergência-luz e retração palpebral. É essencial o seu reconhecimento, pois algumas
das causas são curáveis: 1) pinealomas, 2) gliomas de mesencéfalo, 3) aneurismas da grande
veia de Galeno, 4) malformação arteriovascular (no mesencéfalo) e 5) acidente vascular cere­
bral (mesencéfalo-substância cinzenta periaquaductal).
Nistagmo periódico alternante é um nistagmo sacádico horizontal e que, periodicamente,
muda de direção, persistindo continuamente enquanto o indivíduo permanece desperto, po­
dendo ocorrer durante o sono. O padrão básico em cada doente permanece geralmente cons­
tante. Ainda que múltiplas causas tenham sido implicadas na gênese dessa forma de nistagmo,
deve prestar-se particular atenção à eventual patologia que envolva a junção craniocervical.
Devem esses doentes ser submetidos ao estudo detalhado das estruturas da fossa posterior,
com recurso, se necessário à TAC, angiografia carotídea ou encefalografia gasosa. Por último,
a frequente associação dessa forma com o downbeat nystagmus, faz pressupor uma localização
lesionai semelhante.
Spasmus nutans é uma forma de nistagmo em sacadas (± 10°), geralmente bilateral, com
amplitudes diferentes em cada olho, podendo ser monocular, quando representa 98% dos
nistagmos monoculares, e com direção tanto vertical como horizontal ou rotativa. Apresen­
ta uma amplitude pequena e frequência elevada e, além de ser assimétrico, tende a variar
também com a direção do olhar. Agrava, geralmente, no olhar para a esquerda e bloqueia
para a direita. Surge, habitualmente, acompanhado de movimentos de cabeça e torcicolo,
numa tentativa de abolir os movimentos oculares. Surge na infância e desaparece por volta
dos 3 anos, sem sequelas. Essa forma não estaria incluída nessa descrição se não fosse o fato
de poder estar associada a um glioma das vias ópticas, tornando-se necessária a elimina­
ção dessa hipótese de diagnóstico, com recurso, se necessário, à TAC. Quando uma criança
apresenta um nistagmo monocular, devem colocar-se as seguintes hipóteses de diagnóstico:
1) spasmus nutans, 2) estrabismo, 3) ambliopia, 4) anisometropia, 5) glioma das vias ópticas
e 6) cegueira unilateral. O diagnóstico de spasmus nutans é um diagnóstico por exclusão dos
demais.
Nistagmo da oftalmoplegia internuclear é a existência de um nistagmo sacádico no olho
em abdução associado a um déficit na adução do outro olho, caracteriza uma oftalmoplegia
internuclear. Essa entidade está ligada a uma lesão do feixe longitudinal medial, desde que
tenham sido excluídas eventuais causas periféricas (p. ex., miasteniagrav/s). De um modo mais
preciso, a lesão do feixe localiza-se entre a protuberância bulbar (zona média) e os núcleos
oculomotores (do tronco cerebral). Como causas mais frequentes temos, no adulto jovem, a
esclerose múltipla e, no idoso, a doença vascular oclusiva. Raramente, pode colocar-se a hipó­
tese de um tumor comprimindo o tronco cerebral.
2 6 8 I Neuroftalmologia

BIBLIOGRAFIA

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Alterações das Pálpebras

ANTONIO LUIZ ZANGALLI • ADALMIR MORTERÁ DANTAS


MÁRIO LUIZ RIBEIRO MONTEIRO

ANATOMIA E FISIOLOGIA DAS PÁLPEBRAS

As pálpebras são dobras musculofibrosas que cobrem a parte anterior do bulbo ocular, haven­
do distinção entre a pálpebra superior, mais móvel, e a pálpebra inferior.
A face anterior da pálpebra inferior é convexa em toda a sua extensão, e a pálpebra supe­
rior só o é em sua parte inferior. A rima palpebral é a abertura limitada pelas pálpebras superior e
inferior. A face posterior é côncava e amolda-se, perfeitamente, ao bulbo ocular. A borda livre
é dividida pelo ponto lacrimal em duas partes: lacrimal e ciliar. A lacrimal está desprovida de
cílios e a ciliar apresenta-se com cílios. As glândulas ciliares, nas proximidades, são do tipo
sudorípara e sebácea. Finalmente, a borda aderente da pálpebra superior corresponde à borda
anterior do osso frontal, que é separado pelo sulco orbitopalpebral.
A pele é fina e apresenta numerosos pelos de véus anexos às glândulas sebáceas. A tela
subcutânea é formada de tecido conjuntivo frouxo, pobre em gorduras, que se deixa infiltrar
facilmente. A camada muscular inclui porções dos músculos orbicular do olho e levantador
da pálpebra superior. O orbicular do olho é um esfíncter fino, plano e elíptico que circunda o
ádito da órbita. Consiste em três partes: orbital, palpebral e lacrimal.
A parte orbital está fixada na margem medial da órbita por um tendão que apresenta
duas partes: uma direta, que se prende ao lábio anterior do dueto nasolacrimal, e outra
reflexa, que se une ao lábio posterior do mesmo canal. Entre os dois, encontra-se o saco
lacrimal. No ângulo lateral da órbita, os feixes musculares entrecruzam-se e terminam na
pele da região.
A parte palpebral está contida nas pálpebras. Suas fibras nascem do ligamento palpebral
medial e dirigem-se, lateralmente, em posição ventral à placa tarsal e ao septo orbital de cada
pálpebra. As fibras pré-tarsais das duas pálpebras formam um tendão comum, ligamento pal­
pebral lateral, que está fixado na eminência orbital do osso zigomático.

269
2 7 0 I Neuroftalmologia

A parte lacrimal situa-se dorsalmente ao osso lacrimal. Origina-se na crista lacrimal pos­
terior, passa através do tarso de cada pálpebra e insere-se, na maioria das vezes, no septo
palpebral lateral.
A parte palpebral une as pálpebras levemente, como no pestanejar e no sono. O fe­
chamento forçado das pálpebras efetua-se pela cooperação da parte orbital. Considera-se
a parte lacrimal do orbicular como um dilatador do saco lacrimal, mas alguns autores sus­
tentam que, ao contrário, ela o comprime. O músculo orbicular do olho é inervado pelo
facial.
O levantador da pálpebra superior inicia-se na órbita da asa menor do esfenoide, acima
do canal óptico. Suas fibras dirigem-se para frente, terminando na pálpebra superior por duas
lâminas: uma superficial, que é praticamente conjuntiva, passa por entre os feixes do músculo
orbicular do olho, terminando no meio e na face anterior do tarso superior, e outra profunda,
constituída por fibras musculares lisas, formando o músculo társico superior, que termina na
borda superior do tarso superior. O levantador, inervado pelo oculomotor, é antagonista do
orbicular do olho. Sua ação é atuar sobre a pálpebra, levando-a para cima, sendo influenciado
pelo reto superior, já que não se pode levar a córnea para cima (ação do reto superior) estando
a pálpebra fechada.
A camada conjuntival submuscular apresenta-se com as mesmas características da tela
subcutânea.
A camada fibrosa compreende o septo orbital e o tarso. O septo orbital é uma delgada
membrana fibrosa, presa em toda a borda da órbita, onde se fixa na periorbita. Estende-se até
o levantador da pálpebra superior até o tarso, na pálpebra inferior. Lóbulos de gordura podem
herniar da órbita através do septo orbital.
Os tarsos são formados de elementos conjuntivos, que se condensam de modo particu­
lar, e, também, de fibras elásticas. O tarso superior tem a forma semilunar, e o inferior, de um
largo retângulo. Unem-se as duas extremidades à base da órbita pelos ligamentos palpebral
medial e lateral.
Os músculos társicos superior e inferior são pequenas lâminas de músculos lisos encontra­
das nas pálpebras superior e inferior, respectivamente. O társico superior une o levantador da
pálpebra superior à borda superior do tarso. O músculo társico inferior é pouco desenvolvido.
Ambos são inervados por fibras simpáticas.
Cada tarso é extensamente escavado pelas glândulas társicas de tipo sebáceo. A mucosa
está representada pela conjuntiva palpebral.
As pálpebras são nutridas, principalmente, pelas artérias palpebrais mediai e lateral, ra­
mos da oftálmica e lacrimal, respectivamente. Essas artérias formam arcos nas pálpebras su­
perior e inferior. As veias drenam para a oftálmica e para as veias da fronte e da têmpora. Os
linfáticos apresentam a mesma distribuição das veias.
Os nervos são motores que provêm do nervo facial - sensitivos, do supra-orbital, supra-
trolear, lacrimal, infraorbital - e simpáticos, provenientes do simpático cervical.
Na fisiologia palpebral, consideram-se: 1) músculos que abrem as pálpebras: a) músculos que
levantam a pálpebra superior: o levantador da pálpebra superior, o músculo társico superior e
o músculo frontal; e b) músculos que abaixam a pálpebra inferior: o músculo társico inferior;
e 2) músculos que fecham as pálpebras: a) o músculo orbicular do olho; e b) músculos acessórios
e o músculo corrugador do supercílio e o músculo prócero.
Alterações das Pálpebras | 271

SEMIOLOGIA
Os movimentos das pálpebras são controlados pelos nervos oculomotor e facial e pelo sistema
oculossimpático, sendo todos eles controlados por sistemas supra-nucleares.
No núcleo do nervo oculomotor, o subnúcleo para o levantador da pálpebra superior é
ímpar e mediano. Está situado no complexo caudal nuclear e assegura a inervação dos dois
levantadores das pálpebras superiores. Esse núcleo recebe aferências corticobulbares
e extra-piramidais bilaterais. É possível, por estimulação a nível das áreas frontal, temporal e
occipital, obter abertura das pálpebras acompanhada de movimento da cabeça e do tronco.
A estimulação a nível da área 8 frontal obtém uma abertura isolada dos olhos, predominante­
mente do olho contralateral à estimulação.
Uma lesão cerebral frontal ou temporal e do giro angular pode ser acompanhada de uma
blefaroptose, geralmente bilateral e discreta.
O sistema oculossimpático inerva o músculo társico superior ou músculo de Müller. Cada
músculo recebe, exatamente, a mesma inervação, que é agonista homóloga contralateral. As­
sim, assegura a perfeita sinergia dos movimentos palpebrais e, desse modo, obedecem à lei
de Sherrington ou lei da inervação recíproca.
O músculo de cada olho é ativado pelo orbicular do olho e é acompanhado por uma inibi­
ção do levantador, e vice-versa.
Assim, devem ser estudados a abertura e o fechamento das pálpebras. O piscar pode ser
automático, reflexo e voluntário. O fenômeno de Charles Bell existe e é uma ascensão (10°) e
rotação externa do olho a um esforço do fechamento forçado das pálpebras.

PATOLOGIA

Anomalias do fechamento palpebral


Paralisias faciais
Considerações anatomofisiológicas
Com relação à motricidade palpebral, é importante o conhecimento do centro cortical, do nú­
cleo do nervo facial, do nervo facial e do músculo orbicular do olho.
Na via da secreção lacrimal, têm-se a considerar: o núcleo lacrimomuconasal, o nervo
facial e gânglio genicular, o nervo petroso maior, o nervo do canal pterigoideo, o gânglio
pterigopalatino, o nervo maxilar e a glândula lacrimal.
Outras funções do nervo facial são a inervação do músculo estapédio, a sensibilidade gus­
tativa dos dois terços anteriores da língua e a inervação das glândulas salivares e sublingual.

Formas clínicas
Do ponto de vista do estado estático, a paralisia facial periférica completa unilateral pode
ser estudada observando-se os seguintes aspectos: o olho aberto; a sobrancelha abaixada; a
pálpebra superior ligeiramente mais alta do lado são por retração do levantador da pálpebra
que não encontra oposição habitual de seu antagonista, o orbicular; o ectrópio da pálpebra
inferior e a fenda palpebral alargada.
2 7 2 | Neuroftalmologia

Do ponto de vista dinâmico, na paralisia facial periférica completa unilateral observa-se


que: a oclusão voluntária total é impossível; o piscamento espontâneo é mais breve que o do
lado sadio e é incompleto; ocorre presença do sinal de Charles Bell; há o desaparecimento das
rugas do frontal e da dobra nasogeniana e desvio da boca em direção ao lado são, e o doente
não pode nem assoviar, nem encher as bochechas.
Nas formas frustras, diversos sinais permitem pô-las em evidência: 1) sinal de Cestan e
Dupuy-Dutemps: quando o doente abaixa a cabeça e, depois, fecha os olhos, constata-se uma
elevação do globo e da pálpebra do lado atingido; 2) sinal de Froment: o fechamento palpebral
é mais lento do lado lesado que do lado são; 3) sinal de Collet: a inclusão palpebral só aparece
no fechamento repetido das pálpebras; 4) sinal de Révillard e Vulpian: se o olho atingido não
é o olho fixador, o piscamento voluntário do lado atingido é impossível, enquanto que aconte­
cem a oclusão dos dois olhos e o piscamento voluntário do olho sadio; e 5) sinal de Souques:
quando ocorre o fechamento forçado das pálpebras, os cílios do lado atingido retraem-se me­
nos do que os do lado sadio e são mais aparentes.
As consequências da paralisia do orbicular do olho são as seguintes: 1) uma ausência do
filme lacrimal pela pálpebra superior com raridade do piscamento e fonte de evaporação au­
mentada; 2) uma estenose inflamatória do meato; 3) microtraumatismos; 4) ceratite; 5) úlcera;
e 6) perfuração.

Formas topográficas
As formas centrais são as lesões cortical e subcortical.
As formas periféricas são: 1) a lesão pontina inferior: paralisia facial periférica, paralisia
do olhar associado e hemiplegia contralateral; 2) lesão no ângulo ponto-cerebelar: diminuição
da secreção lacrimal, hiperacusia dolorosa, diminuição da secreção salivar, ageusia dos dois
terços anteriores da língua, déficit muscular do rosto, comprometimento de outros nervos
cranianos e, às vezes, hipertensão craniana; 3) lesão no canal do facial a nível do gânglio ge-
nicular em que ocorre o comprometimento de todas as funções do nervo facial; 4) lesão entre
o gânglio genicular e a origem do nervo do músculo do estapédio ocorrendo o comprometi­
mento de todas as funções do nervo facial, salvo a secreção lacrimal; 5) lesão entre a origem
do músculo do estapédio e a corda do tímpano levando ao comprometimento de todas as
funções do nervo facial, salvo a secreção lacrimal e audição; e 6) perto da corda do tímpano,
uma lesão resulta apenas no déficit muscular da face.

Diplegias
As principais diplegias são: síndrome de Moebius (lesão do nervo facial bilateral e do nervo
abducente bilateral); diplegias centrais (no caso de síndrome opercular, elas apresentam uma
paralisia faciolaringofaringiana) e diplegias periféricas (em caso de síndrome de Guillain-Barré
ou de traumatismo).

Etiologias das paralisias periféricas


Observa-se a lesão nuclear nas lesões inflamatórias, tumorais, vasculares e degenerativas.
As lesões infecciosas podem ocorrer em: herpes-zóster (síndrome de Ramsay-Hunt), her-
pes simples, mononucleose infecciosa, parotidite epidêmica, hepatite virai, poliomielite, le­
pra, sífilis, tétano, sarcoidose, periarterite nodosa e doença de Wegener.
Alterações das Pálpebras | 2 7 3

As lesões no ângulo pontocerebelar podem acontecer em: neurinoma do acústico, menin­


giomas, colesteatomas, neurinoma do trigêmeo, metástases, gliomas ou neoplasma extenso
da base do crânio, levando a uma síndrome de Garcin e aneurisma vertebrobasilar.
A lesão da parte petrosa do temporal é comum no traumatismo; a da parótida, na sarcoi-
dose (síndrome de Heerfordt); e a de ramos terminais, muito comum no traumatismo.

Diagnóstico diferencial
Deve ser feito com: retração do levantador da pálpebra superior em caso de doença de Base­
dow; retrações cicatriciais; miopatias e miasteniagraWs.

Blefarospasmos
Descrição e formas clínicas
O blefarospasmos pode ser bilateral ou apenas um hemiespasmo, sendo mais comum no sexo
feminino. O blefarospasmo essencial é limitado à região orbitopalpebral e bilateral.
A síndrome de Meige estende-se até os músculos orbiculares e superficiais da face e ocorre
bilateralmente. É uma distonia craniocervical. São contrações involuntárias dos músculos or­
biculares dos olhos por espasmos que se estendem aos músculos superficiais da face, da man­
díbula, da língua, da faringe, da laringe, do esôfago e do pescoço.
O hemiepasmo facial estende-se aos músculos orbiculares dos olhos e superficiais da face,
e ocorre unilateralmente.
A distonia generalizada observa-se na doença de Wilson, em encefalites, miopatias e na
síndrome de Halleworden-Spatz.

Etiologia
O blefarospasmo pode ser voluntário ou involuntário. O blefarospasmo essencial é caracteri­
zado por uma contração idiopática bilateral involuntária dos músculos orbiculares dos olhos.
Frequentemente, os músculos corrugadores dos supercílios são afetados, causando o enruga-
mento das sobrancelhas. Além disso, podem ser vistos movimentos distônicos da musculatura
facial inferior. Nos estágios iniciais da desordem, muitas vezes os pacientes são diagnosticados
erradamente e podem até ser dispensados, como se apresentassem um problema funcional.
O blefarospasmo pode também ser identificado em condições neurológicas, tais como doença
de Parkinson.
O hemiespasmo facial é caracterizado por contrações irregulares intermitentes involuntá­
rias e unilaterais dos músculos de expressão facial. O músculo orbicular do olho é geralmente
o primeiro músculo facial a ser envolvido. Esse hemiespasmo pode ser primitivo ou secundário
à paralisia facial periférica.

Retração palpebral
Retração palpebral é o termo usado para designar a elevação excessiva da pálpebra superior
que, geralmente, produz a ilusão de proptose do indivíduo que a apresenta. Quando em graus
discretos, é difícil de caracterizar, uma vez que a posição da pálpebra superior é influenciada
2 7 4 | Neuroftalmologia

por muitos fatores, incluindo a idade, o estado de atenção do indivíduo e a direção do olhar.
A posição normal da margem palpebral superior é 1 a 2 mm abaixo do limbo esclerocorneano.
Considera-se que existe retração palpebral superior quando esta se situa acima do limbo, espe­
cialmente quando existe exposição da esclera entre a margem da pálpebra superior e o limbo
esclerocorneano, estando o paciente com os olhos na posição primária do olhar. Na pálpebra in­
ferior, considera-se que existe retração palpebral quando esta se situa 1 a 2 mm abaixo do limbo.
Existem várias condições que causam a retração da pálpebra superior, sendo a doença
tireoidiana dos olhos a mais frequentemente encontrada. As causas não neurológicas adicio­
nais são: a instilação de fármacos simpaticomiméticos, o uso prolongado de corticoesteroides
sistêmicos, a cicatrização da pálpebra superior e a contratura ou encarceramento do músculo
reto inferior.
A retração palpebral pode ser uni ou bilateral e resultar de hiperatividade do músculo
levantador da pálpebra ou do músculo de Miiller, ou de condições que produzam contratura
ou encurtamento do levantador. Desse modo, as retrações palpebrais podem ser classificadas
como neurogênicas, miogênicas e mecânicas.
Pseudorretração palpebral ocorre na maioria das vezes em pacientes com ptose do olho con-
tralateral. Quando um olho apresenta ptose, o contralateral se retrai pela ação do frontal bilateral­
mente, no intuito de melhorar a posição da pálpebra ptótica. Nesses casos, quando corrigirmos a
ptose, a retração palpebral contralateral desaparece. Alguns desses pacientes causam grande con­
fusão diagnóstica e são submetidos a investigação extensa e desnecessária da “retração palpebral”,
quando, na verdade, a afecção verdadeira é a ptose do olho contralateral.
Retração palpebral verdadeira pode ser de causa neurogênica como ocorre na síndrome de
Parinaud, na regeneração aberrante do nervo oculomotor, na hiperatividade simpática e no fe­
nômeno de Marcus Gunn (piscar da mandíbula), entre outras. A retração bilateral da pálpebra
superior é uma descoberta comum em lesões dorsais do mesencéfalo rostral, na síndrome de
Parinaud (nesse caso, a retração palpebral é também denominada sinal de Collier). Os sinais
neuroftalmológicos associados consistem em dissociação pupilar luz-perto, paralisia do olhar
para cima e nistagmo de convergência-retração na tentativa de olhar para cima. Acredita-se,
também, que a hidrocefalia na infância produz retração da pálpebra superior através do envol­
vimento do mesencéfalo rostral.
Causas miogênicas incluem a retração palpebral congênita e a orbitopatia distireoidiana.
Causas mecânicas incluem as lesões cicatriciais das pálpebras, remoção excessiva de tecido
cutâneo em blefaroplastias e proptoses axiais acentuadas.
A retração palpebral (sinal de Dalrymple) constitui-se no sinal mais importante do acome­
timento orbitário na doença de Graves e está presente em cerca de 90% dos indivíduos com
essa afecção. Além da retração, vários outros sinais palpebrais podem auxiliar na caracteri­
zação da orbitopatia distireoidiana, incluindo principalmente o uIag palpebral” (sinal de von
Graeffe), o movimento palpebral denteado no olhar para baixo (sinal de Boston), o edema da
pálpebra superior (sinal de Enroth), e a dificuldade na eversão palpebral (sinal de Gilford). Na
orbitopatia distireoidiana, a retração palpebral superior pode ser uni ou, mais comumente,
bilateral. Muitas vezes a pálpebra inferior também é acometida e, nesse caso, a retração é
definida em relação ao limbo inferior, uma vez que, nas pessoas normais, a pálpebra inferior
geralmente tangencia o limbo na porção inferior da córnea. Assim, a retração palpebral em
milímetros representa o quanto de esclera existe entre a margem palpebral e o limbo inferior.
Alterações das Pálpebras | 2 7 5

Blefaroptose
Conceituação e fundamentos
Ptose palpebral ou blefaroptose é a condição em que a margem da pálpebra superior está
situada em um nível mais baixo que o normal, na posição primária do olhar, cobrindo mais de 2
mm superiores da córnea. Pode ser causada por inúmeras condições neurológicas e neuromus-
culares, além de processos locais e anomalias congênitas. A blefaroptose pode afetar todos
os grupos de idade e ser congênita ou adquirida. Suas causas são numerosas. É importante
reconhecer que a própria blefaroptose é meramente um sinal físico e, antes de serem tomadas
decisões terapêuticas, é essencial fazer todo o esforço para determinar a causa básica.
Antes de discutir o diagnóstico diferencial das ptoses, é importante relembrar algumas consi­
derações anatômicas e fisiológicas importantes, já discutidas no início deste Capítulo. A fenda pal­
pebral mede em torno de 9 a 10 mm no adulto, e é determinada pela interação dos músculos que
abrem e daqueles que fecham as pálpebras. A abertura da pálpebra é feita pelo elevador palpebral
auxiliado por dois músculos acessórios; o músculo de Müller e o músculo frontal. O elevador da
pálpebra é inervado pelo oculomotor, com fibras que se originam no subnúcleo deste, o qual que
está situado caudalmente no núcleo do oculomotor. As fibras seguem pelo nervo oculomotor e,
ao nível do seio cavernoso, prosseguem pela sua divisão superior. O subnúcleo do elevador sofre
influência de controles supranucleares que se localizam nos lobos frontais, no giro angular e no
lobo temporal. Esses controles explicam por que as pálpebras ficam mais ou menos abertas, depen­
dendo do estado de alerta. Quando se olha atentamente para algo, as pálpebras chegam a abrir até
2 mm e, ao contrário, quando se está sonolento, elas caem.
No entanto, na sua maior parte, a influência inervacional sobre o subnúcleo do oculo­
motor destinado ao elevador da pálpebra se faz por controles reflexos mais baixos. Um dos
reflexos mais básicos é a coordenação do controle das pálpebras um com o outro. Todos os
movimentos de uma e outra pálpebra, no indivíduo normal, são virtualmente idênticos. Além
disso, a inervação simétrica dos dois olhos através da lei de Hering também funciona nas pál­
pebras. Quando um olho apresenta ptose, o contralateral se retrai na tentativa de melhorar. Se
corrigirmos a ptose, a retração palpebral desaparece.
A atividade do elevador da pálpebra é ligada diretamente à dos outros músculos extra-
oculares. Um tônus inervacional semelhante entre o elevador da pálpebra e o reto superior
existe. Quando se olha para cima, os dois são inervados. Quando se olha para baixo, os dois
são inibidos, até a inibição máxima na parte inferior. Uma relação inversa de inervação entre o
reto superior e o oculomotor existe quando se fecha a pálpebra com força ou durante o sono.
Parece também haver uma pequena sincronia entre o elevador da pálpebra e os músculos ho­
rizontais. Já se observou atividade do elevador em abdução e adução em uma certa porcenta­
gem de indivíduos. Há também uma sincinesia entre o elevador da pálpebra e a abertura da
boca. Muitos indivíduos, quando solicitados a abrir os olhos, abrem a boca, e vice-versa. Com
relação à sincinesia entre elevador e orbicularis, observamos que, durante o piscar voluntário
ou periódico, o tônus do elevador se extingue, ao passo que o orbicularis se contrai.

Pseudoblefaroptose
A pseudoblefaroptose refere-se a uma condição que imita a verdadeira blefaroptose. É im­
portante considerar que diversas condições podem simular uma ptose palpebral. O termo
2 7 6 | Neuroftalmologia

pseudoptose refere-se a uma aparente ptose não relacionada com alterações neurais, miopáti-
cas ou neuromusculares. Uma das causas mais importantes de pseudoptose é a existência de
estrabismo vertical. Quando um olho se situa abaixo do outro, a pálpebra do olho hipotrópico
acompanha esse olho de tal modo que se posiciona também abaixo do nível do olho normal
contralateral, simulando uma ptose. A simples oclusão do olho normal permite o diagnóstico,
uma vez que o olho hipotrópico se eleva, normalizando a posição da pálpebra. Pseudoptose
pode ocorrer também por falta de suporte do globo ocular para a pálpebra no enoftalmo, na
microftalmia congênita e na atrofia do globo ocular. O enoftalmo pode ocorrer em casos de
atrofia da gordura orbitária e fraturas de assoalho da órbita e até na síndrome de Duane. Nessa
síndrome, quando ocorre adução do olho, existe uma cocontração dos músculos retos medial
e lateral (por anomalia inervacional), levando a enoftalmo e queda da pálpebra por falta de
suporte do globo ocular.
Dermatocálase é um achado comum que também pode simular, ou mesmo mascarar, uma
ptose. Essa condição resulta de um excesso de pele na pálpebra superior que leva a dobrar-se
sobre a margem palpebral. Da mesma maneira, o edema palpebral, em processos inflamatórios
da pálpebra, ou mesmo da conjuntiva tarsal superior, pode simular uma ptose. Pseudo-ptose
pode também originar de hiperatividade involuntária do músculo orbicularis. Quando está pre­
sente em apenas um lado, uma irritação local deve ser suspeitada, como, por exemplo, uma
ceratite ou um corpo estranho. Do mesmo modo pode ocorrer em quadros iniciais de blefa-
rospasmo que podem ser confundidos com a ptose decorrente de miastenia gravis. A hiperati­
vidade do orbicularis pode também ser voluntária em casos de pseudoptose funcional. Outras
considerações importantes no diagnóstico diferencial das ptoses são a retração palpebral ou
exoftalmia no olho contralateral. Nos dois casos, dependendo da conformação facial e do
aspecto prévio do pacientes, pode existir confusão, quando se considera a pálpebra normal
como apresentando ptose pela comparação com o olho contralateral anormal. Por fim, deve­
mos lembrar como causas de pseudoptose o epicanto, a assimetria facial e a atrofia de gordura
da pálpebra superior levando à elevação do sulco orbitopalpebral.
Quanto à blefaroptose verdadeira, esta pode resultar de desordens neurológicas, de falhas
específicas na inervação do músculo levantador da pálpebra superior, ou de desordens que
afetam o próprio músculo levantador e que ocorrem por falhas na aponeurose do levantador
ou na junção da aponeurose com o tarso, ou por fatores mecânicos que restringem o movi­
mento normal da pálpebra. Esses mecanismos etiológicos podem ser encontrados em todos
os grupos etários, mas com frequência variada. A blefaroptose pode ser dividida em congênita
e adquirida.

Blefaroptose congênita
Trata-se uma das anomalias palpebrais mais comuns. Embora ocasionalmente a ptose congê­
nita seja neuropática, como em pacientes com paralisia oculomotora ou síndrome de Horner
congênita, na grande maioria dos casos a ptose congênita é miopática, causada por falta de
desenvolvimento do músculo elevador da pálpebra e seu tendão.
A ptose congênita responde por 60 a 70% das ptoses e é bilateral em 25% dos casos. Pode
ser uma anomalia isolada ou associada a outros defeitos, como epicanto, anormalidades do
ponto lacrimal, catarata congênita, anisometropia e, particularmente, estrabismo e ambliopia.
Alterações das Pálpebras | 2 7 7

Defeitos sistêmicos, como alterações esqueléticas e auditivas, podem também se associar à


ptose congênita.
A ptose congênita frequentemente se associa a limitação da elevação do olho acometido.
A gravidade da ptose varia bastante entre os indivíduos afetados. Em alguns casos, a ptose é
muito discreta, enquanto, que em outros, é muito grave levando à baixa visual e elevação do
queixo do paciente na tentativa de posicionar o eixo visual na fenda palpebral. Na maioria dos
casos a ptose se mantém estacionária ao longo da vida. Nos casos mais severos com risco de
ambliopia ou naqueles esteticamente ruins a cirurgia corretiva se mostra indicada.
A ptose congênita pode também se associar à inervação anômala da pálpebra, sendo
a associação mais comum aquela do fenômeno de Marcus Gunn. Esse fenômeno (sincinesia
trigêmeo-motora congênita) é um padrão inervacional anômalo central entre os nervos ocu-
lomotores e os trigêmeos. O fenômeno é caracterizado pela sincinesia da pálpebra com movi­
mento do queixo. Caracteristicamente, uma blefaroptose unilateral de grau variável é notada
logo após o nascimento. Nota-se a blefaroptose ao abrir e fechar a boca, enquanto a criança
se alimenta.
A diferenciação com outras formas de ptose faz-se pela anamnese cuidadosa, observação
de fotos antigas e a observação de que não existe evidência de comprometimento pupilar nem
de outros músculos inervados pelo oculomotor, a não ser o reto superior, que muitas vezes se
mostra acometido juntamente com a ptose.

Blefaroptose adquirida
Quanto à ptose adquirida, ela pode ser dividida em: 1) ptose de origem neurogênica por altera­
ção no nervo oculomotor ou no simpático ocular; 2) ptose por alteração na junção neuromus­
cular; 3) ptose por alteração miogênica, e 4) ptose por alterações locais da pálpebra (mecânica).

Blefaroptose adquirida neurogênica


Ptose de origem neurogênica na grande maioria dos casos ocorre por lesão do nervo oculo­
motor ou da via simpática ocular. No entanto, em raras ocasiões, pode também resultar de
alterações supranucleares, quando estão se usa a denominação ptose “cerebral” ou “cortical”.
Ptose unilateral resultante de uma lesão em um hemisfério cerebral é um achado bastante
raro, ocorrendo do lado oposto da lesão; geralmente é tão discreta que pode não ser diagnos­
ticada, sobretudo em pacientes sonolentos. Hoyt (1969) refere uma paciente com epilepsia
temporal focal que sempre começava do lado da ptose e na qual alterações ao eletroencefalo­
grama foram observadas do lado oposto da lesão. Nessa paciente, fotografias antigas permiti­
ram confirmar que a ptose era adquirida. Casos como esse, nos quais o diagnóstico de ptose
supranuclear parece justificado, são, no entanto, bastante incomuns. Da mesma maneira, em­
bora possível, a ocorrência de ptose bilateral por lesões supranucleares é também incomum.
O substrato anatômico para esse tipo de ptose não é bem definido. Essa ocorrência já foi re­
latada com lesões unilaterais do lobo temporal ou temporoccipital e em lesões bilaterais que
ocorrem nos lobos frontais.
A lesão do núcleo, do fascículo ou do nervo oculomotor, por outro lado, representa
uma causa muito mais comum de ptose neurogênica. O subnúcleo que inerva os músculos
2 7 8 I Neuroftalmologia

elevadores é uma estrutura única na linha média que se localiza na porção caudal do núcleo do
oculomotor no mesencéfalo. As lesões que acometem essa região produzem ptose, que é bi­
lateral e associada a outras disfunções oculomotoras, como exotropia, limitação da elevação,
adução, elevação ou depressão do olho, de acordo com o acometimento de outros subnúcleos
do oculomotor. Nesses casos, geralmente também ocorrem outros sinais mesencefálicos, tais
como paralisia do olhar conjugado vertical, lesão do nervo troclear e desvio skew, embora, em
alguns casos, a ptose bilateral possa ser o achado predominante. As lesões mesencefálicas que
podem causar ptose por acometimento do núcleo do elevador são inúmeras e incluem lesões
isquêmicas, desmielinizantes, inflamatórias, infiltrativas e compressivas. Raramente esse tipo
de ptose pode ser congênito por aplasia ou displasia do núcleo do oculomotor.
A ptose por lesão do fascículo ou do nervo oculomotor é quase sempre unilateral. O diag­
nóstico é estabelecido pela observação do acometimento de outros músculos extraoculares,
levando a limitação da adução, elevação e abaixamento do olho acometido (Fig. 1). O acometi­
mento pupilar é bastante frequente, embora não seja obrigatório e esteja ausente em algumas
condições, em especial nas vasculopatias. É importante observar que o acometimento de ou­
tros músculos extraoculares e da pupila pode ser muito discreto e deve ser objeto de pesquisa
cuidadosa. Deve ser avaliado o alinhamento ocular pela oclusão alternada dos olhos, com o
paciente fixando determinado objeto e colocando-se nas diversas posições do olhar, uma vez
que, em alguns casos, a limitação da motilidade ocular pode ser bastante discreta. A medida
do desvio ocular com o uso de lentes prismáticas é muitas vezes fundamental para estabelecer
o diagnóstico de uma paralisia oculomotora nos casos em que a limitação da movimentação
ocular é discreta. É importante também a observação da ptose palpebral no que se refere à
pesquisa de sinais de regeneração aberrante do nervo oculomotor, que se manifesta especial­
mente no olhar para baixo e para dentro quando se observa elevação (anormal) da pálpebra. A
regeneração aberrante do oculomotor pode ocorrer após a recuperação de paralisias causadas
em especial por lesões traumáticas, e é um sinal diagnóstico importante em muitos casos.

Fig. 1 Ptose palpebral por paralisia oculomotora. Observe


midríase do lado da ptose e limitação da adução do olho
acometido (abaixo).
Alterações das Pálpebras | 279

Mais importante ainda é a observação de regeneração aberrante primária em que os sinais de


regeneração anômala ocorrem junto com o desenvolvimento da ptose e da paralisia oculomo-
tora. Trata-se de um sinal bastante sugestivo de lesão compressiva de longa duração ao nível
do seio cavernoso, em especial os meningiomas do seio cavernoso.
A lesão cíclica do nervo oculomotor é um fenômeno raro, caracterizado pela paresia alter-
nante e pelo espasmo dos músculos extraoculares e intraoculares. Esses fenômenos cíclicos
são, geralmente, observados na infância e podem ser evidentes ao nascimento.
Uma lesão do nervo oculomotor pode ser causada por lesões neoplásicas, inflamatórias,
vasculares ou traumáticas. Qualquer uma delas pode afetar o nervo em seu curso do mesencé-
falo para a órbita. Sinais e Sintomas associados ajudam a localizar a lesão básica.
Ptose é também um sinal importante nas lesões da via simpática destinada aos olhos (sín-
drome de Horner). Observa-se ptose parcial, geralmente discreta, variável e associada à miose
ipsilateral (Fig. 2). A miose pode passar despercebida se ambas as pupilas forem pequenas e
se o paciente não for examinado com pouca iluminação. Pode-se observar também elevação
discreta da pálpebra inferior, e o enoftalmo é apenas aparente. Anidrose na face ipsilateral
nem sempre está presente e não se observa diplopia, diferentemente de várias outras causas
de ptose. Essas características surgem devido à interferência, com suprimento, do sistema
simpático; ao músculo de Müller, na pálpebra superior, e à sua contraparte muscular plana,
na pálpebra inferior, e ao músculo dilatador da pupila. A anisocoria resultante é acentuada
numa iluminação escura. O enoftalmo aparente é devido à diminuição do tamanho da abertura
palpebral.
Na síndrome de Horner, a ptose geralmente não causa sintoma e é observada por algum
r

parente do paciente ou representa um achado durante o exame. E importante estabelecer


se a ptose é parte da síndrome de Horner ou de representa uma pseudoptose associada a
uma anisocoria fisiológica. Na síndrome de Horner, a pupila não se dilata após a instilação de
colírio de cocaína a 5% e esse teste pode auxiliar grandemente o diagnóstico. Estabelecido
o diagnóstico de síndrome de Horner, podemos usar o colíro de hidroxianfetamina a 1%, que
auxilia na diferenciação do nível da lesão ao longo da via do simpático ocular. Se não houver
dilatação pupilar à hidroxianfetamina, a lesão ocorreu no último neurônio da via, enquanto na
lesão do primeiro ou segundo neurônio, a pupila mostra dilatação após a instilação do colírio.
É importante diferenciar entre síndrome de Horner pré-ganglionar de pós-ganglionar, porque
as lesões que resultam desta são geralmente benignas, em contraste com as resultantes da­
quela. Outro sinal que pode ser útil é a heterocromia da íris, que, no entanto, está presente
geralmente apenas na síndrome de Horner congênita.
A síndrome de Horner pode ser causada por uma lesão que interrompe o curso dos neu­
rônios simpáticos em qualquer parte da origem, no hipotálamo, até a órbita. Existem três

Fig. 2 Ptose parcial na síndrome de Horner.


2 8 0 | Neuroftalmologia

neurônios que carregam a inervação simpática para a órbita. O primeiro (central) começa no
hipotálamo e faz sinapse com o segundo, na coluna de célula intermediolateral no cordão
espinal cervical inferior e torácico superior. O segundo neurônio (pré-ganglionar) atravessa
do tórax ao pescoço da primeira costela e ascende por trás da bainha da carótida, fazendo
sinapse com o terceiro neurônio no gânglio cervical superior, que se localiza em frente à
massa lateral do atlas e do axis. O terceiro neurônio (pós-ganglionar) estende-se ao longo
da artéria carótida interna para inervar o músculo liso das pálpebras superior e inferior, o
músculo dilatador da pupila e as glândulas sudoríparas e os vasos sanguíneos da cabeça e
do pescoço.

Blefaroptose adquirida por lesão na junção neuromuscular


Alterações na junção neuromuscular frequentemente causam ptose e incluem a miastenia
gravis, a síndrome de Eaton-Lambert e o botulismo. A miastenia gravis representa uma causa
importante de ptose, sendo esse o sinal de apresentação em muitos casos. A miastenia gravis
é uma desordem autoimune causada por anticorpos aos receptores acetilcolínicos da junção
mioneural do músculo voluntário. Os anticorpos bloqueiam o acesso de acetilcolina neuro-
transmissor para os receptores. As características principais da desordem são fraqueza muscu­
lar variável e fadiga nos exercícios. A miastenia pode ser generalizada e ameaçar os músculos
da respiração, ou pode ser ocular. Aproximadamente 30% dos pacientes com miastenia gravis
reclamam, primeiro, de problemas oculares (blefaroptose ou diplopia), enquanto 80 a 90% de
pacientes com miastenia têm sinais oculares no momento do diagnóstico. Se os sinais e sinto­
mas permanecerem confinados aos olhos por 3 anos, o progresso para miastenia generalizada
será improvável.
Geralmente, a ptose na miastenia gravis ocorre de modo súbito em um olho, mas logo
se torna bilateral, embora geralmente predomine em um dos lados. Com muita frequência, a
ptose alterna de um olho para o outro, sendo esse um sinal patognomônico da miastenia. Os
pacientes referem também que a ptose geralmente se acentua no final da tarde e varia bas­
tante em intensidade durante o dia.
O diagnóstico da ptose decorrente de miastenia gravis depende, em parte, da obser­
vação de que não existem outros sinais indicativos de lesão no nervo oculomotor ou do
simpático ocular. É particularmente importante observar a ausência de acometimento pupi­
lar. Quanto à movimentação ocular, esta pode também estar presente juntamente com a
ptose, mas é importante observar que não existe uma paresia com características indicati­
vas de acometimento do nervo oculomotor. No diagnóstico é extremamente importante a
anamnese, observando a tendência a acometimento bilateral, alternância de acometimento
de cada olho e variabilidade grande da ptose durante o dia ou de um dia para outro. Um
teste muito importante no exame de tais pacientes é a observação da fadigabilidade palpe-
bral. Observa-se que a ptose aparece ou se acentua quando solicitamos ao paciente que olhe
para cima por aproximadamente 2 min. (Fig. 3). Outro sinal importante é a observação do lid
twitch, descrito por Cogan (sinal de Cogan). Quando pedimos ao paciente que olhe de baixo
para cima, a pálpebra muitas vezes executa um movimento exagerado, além do necessário
para o movimento ocular correspondente, para em seguida cair um pouco, o que levou esse
autor a usar a designação mencionada. O diagnóstico pode também ser auxiliado pelo teste
Alterações das Pálpebras | 281

Fig.3 Miastenia G ra v is . Acima, paciente sem ptose palpe-


bral. Abaixo, após 2 minutos olhando para cima observe a
ptose evidenciando a fadiga palpebral.

do cloreto de edrofônio (Tensilon), por via endovenosa, que geralmente mostra melhora
importante da ptose logo após a injeção, sendo positivo em torno de 80 a 95% dos casos.
O diagnóstico pode ainda ser auxiliado pelo uso da piridostigmina ou neostigmina por via
intramuscular, ou através da eletromiografia, que mostra sinais característicos da miastenia.
A blefaroptose é a manifestação clínica mais comum da miastenia. Ela pode ser uni ou bila­
teral. O exercício do levantador da pálpebra superior ou o olhar sustentado para cima podem
provocar ou piorar a blefaroptose. Pode ocorrer uma fraqueza associada do músculo orbicular
do olho, e o fenômeno de Bell pode ser leve.
O diagnóstico da miastenia deve ser feito em qualquer paciente com uma blefaroptose
adquirida e pupilas normais. Como já mencionado, o diagnóstico pode ser auxiliado pelo teste
de Tensilon (cloreto de edrofônio). O Tensilon é um agente anti-colinesterásico de curta dura­
ção que, quando aplicado intravenosamente, aumenta a quantidade de acetilcolina disponível
na junção mioneural. Na maioria dos pacientes, ele superará, temporariamente, a fraqueza
muscular da miastenia. Entretanto, em caso de falha, o diagnóstico fica excluído. Outros testes
podem ser feitos, tais como um ensaio de anticorpos receptores de acetilcolinia, ou eletromio­
grafia repetitiva de estimulação, mostrando respostas diminuídas. Devem ser tomadas certas
precauções antes de aplicar-se o teste Tensilon. O equipamento de ressuscitação deve estar
disponível e ser colocada uma cânula intravenosa para acesso venoso. O monitoramento dos
sinais vitais deve ser executado antes e no decorrer do teste. A atropina deve estar disponível
para combater quaisquer efeitos colinérgicos sistêmicos adversos. Uma pequena dose intrave­
nosa do teste de Tensilon (2 mg) deve ser aplicada, observando-se a resposta. Se não houver
nenhuma melhora dos sinais miastênicos ou nenhum efeito colateral adverso, os 8 mg restan­
tes devem ser injetados lentamente.
Na síndrome de Eaton-Lambert, a ptose geralmente é discreta, bilateral e não representa
uma queixa significativa do paciente. Quanto ao botulismo, também pode causar ptose em
torno de 33% dos casos. Nessas duas condições, existem outros sinais clínicos que, geralmente
permitem, com facilidade o diagnóstico da ptose.
2 8 2 I Neuroftalmologia

Blefaroptose adquirida de origem miogênica


Ptose miogênica geralmente é bilateral e desenvolve-se insidiosamente ao longo de vários
anos. Os pacientes tendem a se adaptar ao déficit e geralmente se queixam apenas em está­
gios mais avançados da doença. O exame de fotografias antigas permite muitas vezes docu­
mentar a progressão da afecção ao longo de vários anos. Em alguns pacientes, a ptose é isola­
da, mas muitas vezes faz parte de um acometimento sistêmico mais amplo.
Clinicamente, observa-se ptose bilateral, que não apresenta os sinais de fadigabilidade da
miastenia, nem alterações musculares indicativas de paralisia oculomotora. A ptose pode ser
isolada ou associada a oftalmoplegia externa, com comprometimento da musculatura ocular
extrínseca. Não há envolvimento pupilar. A miopatia ocular ou oftalmoplegia crônica externa
progressiva consiste em uma variedade de alterações que têm evolução lentamente progres­
siva, muitas vezes assimétrica, sendo a ptose o sinal inicial. Além da ptose, observa-se envol­
vimento da musculatura extraocular, com limitação da excursão dos olhos em todas as dire­
ções. Em decorrência do acometimento bilateral, geralmente os pacientes não se queixam de
diplopia. Algumas vezes o acometimento ocular se associa a acometimento sistêmico, como
bloqueio de ramo cardíaco, e a retinose pigmentária, como na síndrome de Kearns-Sayre. O
diagnóstico da miopatia muitas vezes requer biópsia muscular, de preferência analisada à mi-
croscopia eletrônica. A idade de apresentação e a progressão podem variar bastante; a forma
ocular pura com ptose e limitação da elevação dos olhos geralmente se inicia mais precoce­
mente do que aquela em que existe extensão para os músculos proximais dos membros. Uma
herança autossômica dominante ocorre em 15 a 30% dos casos.
A distrofia miotônica é um processo miopático raro que pode estar associado com um
leve grau de blefaroptose simétrica, com um grau de razoável a baixo de função do levanta-
dor (Fig. 4). Ela é caracterizada por oftalmoplegia externa simétrica e progressiva, por mio­
patia com atrofia que afeta a musculatura da face, do pescoço e dos membros, e por cataratas.
A última consiste em pequenas opacidades cristalinas coloridas ou opacidades posteriores
sub-corticais. Classicamente, os pacientes apresentam miotonia, um relaxamento retardado
pós-contração, que é mais notável no aperto de mão. Os homens podem apresentar calví­
cie frontal e atrofia testicular. Tipicamente, os pacientes afetados apresentam um fenômeno
de Bell deficiente. Outros sinais oculares de distrofia miotônica incluem dissociação pupilar
luz-perto, hipotonia ocular, olhos secos e degeneração pigmentária retiniana. O acompanha­
mento da blefaroptose é similar àquele da miastenia complicada por blefaroptose.
A miopatia oculofaríngea é uma doença de herança dominante, geralmente começando
em torno de 50 anos de idade com ptose bilateral progressiva sem oftalmoplegia, e acompan­
hada mais tarde de disfagia. Tanto a ptose como a disfagia podem se tornar bastante graves.

Fig. 4 Ptose palpebral parcial em paciente com distrofia


miotônica.
Alterações das Pálpebras | 2 8 3

Outra condição que pode causar ptose miogênica é a distrofia miotônica, na qual a ptose bila­
teral e simétrica é comum, embora possa ser ausente em casos de início tardio. O fechamento
ocular também é comprometido e a diplopia é incomum, embora restrição simétrica da movi­
mentação ocular possa estar presente.
A oftalmoplegia externa progressiva crônica é uma condição caracterizada por paralisia simé­
trica progressiva dos músculos extraoculares, os quais não respondem aos movimentos oculocefá-
licos nem à estimulação calórica. O músculo levantador é também afetado, resultando num grau de
blefaroptose relacionado ao grau de seriedade da desordem. A função do levantador é, geralmen­
te, deficiente, assim como o fenômeno de Bell. Geralmente, a função orbicular é boa. À luz do mi­
croscópio, o material de biópsia muscular pode revelar fibras musculares ragged-red características.
O microscópio eletrônico mostra, tipicamente, uma mitocôndria anormal.
O termo oftalmoplegia plus tem sido usado em referência a uma série de anormalidades
que podem ser encontradas em oftalmoplegia progressiva crônica. Estas podem ser manifes­
tações de desordens neurodegenerativas associadas. A síndrome de Kearns-Sayre refere-se a
uma condição caracterizada por: oftalmoplegia progressiva crônica; degeneração pigmentária
retiniana, deficiências de condução cardíaca que, frequentemente, levam a um bloqueio com­
pleto do coração; e níveis elevados na proteína do liquor. É importante identificar a deficiência
de condução cardíaca através de um eletrocardiograma, pois um marcapasso cardíaco pode
salvar vidas. A distrofia muscular oculofaríngea é uma condição hereditária e os indivíduos afe­
tados apresentam, tipicamente, blefaroptose, dificuldade em engolir e oftalmoplegia externa
progressiva.
No botulismo, a toxina botulínica bloqueia a transmissão neuromuscular e é comumente usada
terapeuticamente no tratamento de blefarospasmo essencial. O botulismo, adquirido através do
envenenamento alimentar, é uma desordem neurológica muito rara, caracterizada por blefaropto­
se e oftalmoplegia, seguidas de disartria e disfagia e, depois, de fraqueza das extremidades.

Ptose adquirida por alterações palpebrais locais


A ptose pode também ocorrer por alterações, sobretudo senis, que ocorrem ao nível da pálpe­
bra. Uma das formas mais comuns é a observada na ptose senil ou ptose aponeurótica, em que
ocorre deiscência da inserção do músculo elevador da pálpebra no tarso superior. Ocorre pre­
dominantemente em indivíduos idosos e representa uma causa bastante frequente de ptose. Na
maioria dos indivíduos, a ptose é discreta e não representa problema. A ptose geralmente é bila­
teral, embora possa ser assimétrica, e desenvolve-se gradualmente, sem outras alterações e sem
acometimento dos músculos extraoculares ou da pupila. Ocasionalmente, ocorre ou se agrava
após cirurgia de catarata e pode também ser observada em indivíduos mais jovens, especialmen­
te usuários antigos de lente de contato. As principais características desse tipo de ptose é a ob­
servação de uma boa excursão do músculo elevador da pálpebra, um sulco palpebral elevado ou
ausente e um afilamento da pálpebra superior acima do tarso. Muitos indivíduos referem piora
da ptose ao final do dia, o que se confunde ocasionalmente com miastenia gravis.
Outras causas locais de ptose palpebral são os traumatismos diretos na pálpebra e os tu­
mores palpebrais, que ocasionam aumento do volume das pálpebra e queda destas. Tais con­
dições, no entanto, geralmente são bastante óbvias ao exame e não apresentam dificuldades
ao diagnóstico.
2 8 4 I Neuroftalmologia

BIBLIOGRAFIA

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Simulação da Cegueira

MARIA KIYOKO OYAMADA

HISTERIA E SIMULAÇÃO - ASPECTOS GERAIS


Com relativa frequência, os oftalmologistas se confrontam com pacientes que simulam ceguei­
ra ou baixa visão. Devido à sua importância médica, social, econômica e legal, o oftalmologista
geral deve ser preciso na avaliação, no diagnóstico e na orientação terapêutica. Conflitos do­
mésticos, pressões e dificuldades no trabalho ou na escola, entre outros fatores, podem influir
na função visual e se expressar na forma de simulação ou histeria ocular.
A simulação é consciente; o indivíduo finge dificuldade visual para obtenção de ganho se­
cundário. Nessa condição, o fingimento é voluntário, premeditado, deliberado e fraudulento.
É mais comum no adulto do sexo masculino. De forma geral, o homem simula em busca de
indenização, afastamento do trabalho e aposentadoria, enquanto a mulher o faz à procura de
atenção, afeto e reconhecimento.
A histeria, também denominada de neurose de conversão, é um distúrbio funcional acom­
panhado de “lesão orgânica patológica”. É uma psiconeurose, isto é, um processo subcons­
ciente em que há perda do controle sobre atos e emoções, associada à ausência de evidências
orgânicas para os sintomas referidos. Os sintomas neuróticos de conversão são produzidos
pela transformação do estado de ansiedade em disfunção orgânica, geralmente com alívio par­
cial ou total da ansiedade. A indiferença emocional (la belle indifférence) e o ganho secundário
(benefício indireto através do sintoma) acompanham o quadro. A dor psicogênica e as per­
turbações do trato gastrointestinal constituem os sintomas mais habitualmente observados.
Dentre as outras formas de manifestação, destacam-se os distúrbios não orgânicos neuroftal-
mológicos. A cegueira psicogênica, que expressa o desejo de não ver a real situação, pode ser
observada em crianças, adolescentes ou adultos, sendo mais frequente no sexo feminino na
idade pré-púbere, entre 9 e 11 anos. Nas crianças, o quadro de perda visual funcional bilateral
é o mais comum, tendo a atenção como principal ganho secundário. Está relacionado a dificul­
dades na escola, conflitos familiares ou social e vontade de usar óculos.

285
2 8 6 | Neuroftalmologia

0 reconhecimento da reação histérica é muito importante, pois, se um paciente histérico


é impropriamente abordado como portador de doença orgânica, além da realização de exa­
mes muitas vezes invasivos e onerosos, existe a possibilidade de reforçar a doença de base,
dando-lhe novos substratos. Por outro lado, convém ter cautela em rotular portadores de
doença orgânica em neurose de conversão ou de simulação.
Nas duas condições, a anamnese cuidadosa fornece indícios da anomalia funcional. Em geral,
a instalação do quadro não é típica de doenças orgânicas conhecidas, e a queixa principal é in­
compatível com os achados do exame neuroftalmológico. Com frequência, o quadro é relaciona­
do a eventos como traumas, acidentes de trabalho, doenças profissionais, dificuldades escolares,
separação dos pais ou perdas. Geralmente, a criança apresenta queixas vagas e imprecisas sobre
seu problema visual, enquanto o adulto apresenta queixas mais detalhadas e circunstanciais.
A observação atenta do paciente e de seu comportamento durante a anamnese fornece
indícios importantes para a formulação do diagnóstico. A pessoa histérica, em geral, é emocio­
nalmente imatura, desconhece o fato de estar enganando a si mesma, demonstra baixo grau
de frustração perante a queixa e mostra-se indiferente à gravidade do sintoma. O simulador,
ao pretender enganar o examinador, exagera os sintomas de doença prévia, ou os atribui à
presença de lesão orgânica não correlata. Finge sintomas na ausência de lesões detectáveis,
produz lesões auto-imputadas, com o intuito intencional e consciente de obter vantagens.
De modo geral, responde com evasivas às questões, finge não compreender os testes, não
colabora e é muitas vezes agressivo. Em exames realizados de forma repetitiva, apreende o
mecanismo destes, passando a fornecer falsos resultados.

QUADRO CLÍNICO

Anamnese
A deficiência visual, em variados graus, é a forma mais comum de apresentação neuroftalmo-
lógica da simulação e da histeria; recebe as denominações de ambliopia funcional, ambliopia
psicogênica, perda visual funcional (PVF) ou não orgânica, e corresponde a aproximadamente
5% dos diagnósticos na prática oftalmológica geral. Um distúrbio funcional é aquele em que
não há alteração morfológica e para o qual não existe causa orgânica. Portanto, o diagnóstico
de perda visual funcional deve ser considerado quando há queixa de diminuição ou perda da
visão, não corroborada por lesão identificável da via visual. No entanto, não é raro o quadro
funcional se sobrepor à lesão orgânica preexistente. Estudos relatam que a PVF ocorrem em
53%dos adultos e 25% das crianças com doença orgânica concomitante. Nessa eventualidade,
a inconsistência e a desproporção entre a lesão orgânica e a função visual esperada auxiliam
no diagnóstico.
Tanto na histeria quanto na simulação, os sintomas oculares não são infrequentes, envol­
vendo um ou ambos os olhos. As queixas nem sempre são exclusivas à área neuroftalmológi-
ca, já que, às vezes, associam-se a sintomas sistêmicos. Dentre as queixas oculares, ocorrem
relatos de dor, astenopia, diplopia mono ou binocular, poliopia, xantopsia ou eritropsia, ble-
farespasmo, pseudoptose, paralisia ou espasmo funcional do movimento conjugado do olhar,
espasmo de convergência e de acomodação, paralisia de acomodação associada à insuficiência
de convergência, nistagmo, alteração tubular do campo visual e perda parcial ou total da visão.
Simulação da Cegueira | 2 8 7

Quanto ao comprometimento de visão, a queixa pode ser caracterizada como perda de visão
bi ou monocular, total ou parcial, com ou sem comprometimento do campo visual, e, com fre­
quência, perda em olho com afecção prévia.
No exame neuroftalmológico, podem ser observados “anestesia” ou “hipersensibilidade”
de pele, conjuntiva e córnea; tricotilomania; lacrimejamento associado a espasmo do orbicu-
lar; edema de pálpebra ou conjuntiva secundário, em geral, a introdução de corpo estranho no
saco conjuntival. O envolvimento pupilar pelo uso de midriáticos e, mais raramente, mióticos
também tem sido relatado.

Exame Oftalmológico
O exame do paciente simulador em geral é dificultado pela pouca colaboração, atitude defen­
siva, e, muitas vezes, por já ter sido submetido a inúmeros exames e conhecer o mecanismo
de alguns deles. Constituem os maiores desafios, para o estabelecimento diagnóstico entre
lesão orgânica e funcional, os casos em que é alegada perda parcial mínima de visão, ou perda
visual na presença de lesão orgânica preexistente. A inconsistência dos resultados é um dado
importante na identificação do simulador, e o diagnóstico se estabelece através de vários
recursos semiológicos. O ideal é, além de desmascarar o paciente, documentar a acuidade
visual do olho acometido, segundo a queixa do paciente. Não é rara a necessidade de utilizar
da persuasão e da sugestão para que o paciente realize e dê respostas concretas aos testes
utilizados.
Na abordagem do paciente com suspeita de PVF, realizar exame oftalmológico cuidadoso,
com atenção ao erro refracional, à acuidade visual, aos reflexos pupilares e ao fundo de olho.
Na avaliação de defeito pupilar aferente relativo, considerar a possibilidade da utilização
prévia de medicamentos (midriáticos ou mióticos), anormalidade congênita de pupila, sinequia
posterior, uveíte anterior, doenças do SNC, glaucoma, trauma ocular e síndrome de Horner. De­
feito pupilar aferente relativo pode ser observado nas fases iniciais da neuropatia óptica unilate­
ral. Nos casos bilaterais, ocorre inversão de amplitude de resposta entre o reflexo pupilar à luz e
a resposta pupilar à convergência acomodativa. A presença de miose mais intensa à estimulação
luminosa do que à acomodação e convergência demonstra normalidade de função pupilar. Testes
de colírios podem ser úteis na presença de pupila midriática, fixa tanto à estimulação luminosa
quanto para perto. A pupila tônica de Adie responde à pilocarpina a 0,125%, enquanto o blo­
queio pupilar por fármaco não é revertido com uso de pilocarpina a 1%.
Quando da suspeita de ambliopia, observar se há fixação foveolar, presença de estrabismo
ou microtropia.
A avaliação cuidadosa do disco óptico e da retina, particularmente da área macular, pode
revelar anormalidades sutis que podem ou não corresponder ao grau de perda visual referido
pelo paciente.
Testes subjetivos e objetivos devem ser utilizados no exame do paciente quando da sus­
peita de perda de visão funcional. A queixa do paciente deve ser considerada na escolha da
abordagem, a utilização de correção óptica adequada durante os testes é necessária, a estraté­
gia do exame deve ser previamente estabelecida e os testes devem ser aplicados rapidamente.
Avaliar a mesma função com diferentes métodos, assim como as que o paciente assume esta­
rem relacionadas à visão, como a propriocepção, e fazer uso de testes de confusão.
2 8 8 | Neuroftalmologia

A cegueira total em ambos os olhos raramente constitui a queixa do simulador, sendo


mais comum no indivíduo histérico. Se o exame oftalmológico for normal, é improvável que
haja ambliopia ou cegueira. Dentre as condições clínicas, a cegueira cortical, em que ocorre
perda total do CV com reflexo pupilar preservado e fundo de olho normal, deve ser considera­
da e afastada. Exames como a tomografia computadorizada ou a ressonância nuclear magné­
tica demonstrarão a lesão de córtex occipital. Frente à condição de cegueira total em ambos
os olhos, recomenda-se:
1. Observar o modo como o paciente se locomove, colocando-se objetos em seu trajeto.
O simulador atravessa com facilidade, sem esbarrar, ou vagarosa e cuidadosamente, não
batendo nos objetos. O histérico, apesar de cooperativo e despreocupado, dificilmente
caminhará entre os objetos.
2. Testar o reflexo de ameaça. A resposta positiva tem valor diagnóstico. Lembre, porém, que
o simulador pode suprimir voluntariamente esse reflexo.
3 . Atentar para a resposta à iluminação focal intensa súbita dos olhos. Ela provoca lacrime-
jamento ou reação de defesa, com afastamento dos olhos da luz no paciente com alguma
visão. Esse reflexo não pode ser suprimido voluntariamente.
4. Realizar testes de propriocepção. Colocar um dos dedos do paciente em frente ao seu ros­
to e pedir-lhe que olhe para o dedo; em geral, por interpretá-lo como um teste de visão, o
indivíduo tende a não olhar para essa direção. E, quando solicitado colocar o dedo da outra
mão junto ao primeiro, erra grosseiramente a aproximação.
5. Avaliar a resposta ao nistagmo óptico cinético (NOC); diagnóstica quando da presença de
resposta. Observe que, se não houver fixação, o nistagmo não será desencadeado.
6. Enquanto se examina ou conversa com o paciente, passar, de súbito, um espelho em frente
aos olhos do paciente. Dificilmente ele deixará de acompanhar a sua imagem refletida no
espelho.

A cegueira completa unilateral é o quadro mais comum. Utilizar testes que possam causar
confusão entre os dois olhos, ou que requeiram visão binocular para a obtenção de resposta.
A maior parte dos testes anteriores serve para essa condição de simulação. A correção óptica
adequada é necessária, pois os testes dependem de diferentes princípios ópticos. Observar
cuidadosamente, durante os testes, se o paciente não fecha voluntariamente um dos olhos:
1. No refrator, à medida que se mede AV, alternar a oclusão entre os dois olhos, ou introduzir
lentes esféricas positivas de +3D em frente ao olho bom. Pedir para o paciente ler a linha
de menor letra possível, estabelecendo-se assim a AV.
2. Outra variante do referido teste é a utilização de duas lentes cilíndricas de 3 ou mais diop-
trias com sinais opostos colocados no mesmo eixo. À medida que o paciente faz a leitura
da tabela de leitura, girar o eixo da lente posicionada em frente ao olho bom. Se o paciente
continuar lendo, estará utilizando o olho contralateral, isto é, o “afetado”.
3. Do mesmo modo podemos utilizar visão de perto para o teste citado. Utilizando a correção
de perto, colocar uma lente de +6 D no olho bom, pedir para o paciente ler o texto a 17
cm e ir afastando vagarosamente. Se ele continuar a leitura do texto, com certeza estará
utilizando o olho “doente”
Simulação da Cegueira | 2 8 9

4. Enquanto o paciente estiver lendo, colocar repentinamente um prisma de 10° com base externa
em frente ao olho suspeito. Se o olho examinado tiver capacidade visual, ele se moverá para den­
tro e, quando o prisma for removido, então se moverá para fora, para manter visão binocular.
5 .0 teste de 4 dioptrias de von Norden ou Parks, utilizado no diagnóstico de microtropia e
da síndrome de monofixação, também é útil. Se um dos olhos tiver um pequeno escotoma
de supressão secundário à microtropia, ou se for cego, esse olho não se moverá lateral­
mente e permenecerá desviado quando o prisma com base externa for colocado em frente
ao olho trópico. Se os dois olhos são normais, ocorre um movimento para fora do olho
contralateral, para a retomada da bifixação (fusão compensatória).
6. Enquanto o paciente lê em voz alta um texto, colocar um prisma vertical (base para cima
ou para baixo) de 6 a 12° em frente ao olho cego. Se o olho suspeito for amaurótico ou
altamente amblíope, ele continuará lendo normalmente, mas, se tiver boa visão, haverá
dificuldade imediata na leitura, sendo esta muitas vezes interrompida.
7. Colocar um lápis verticalmente entre o olho bom e a tabela de visão de perto, pedir para
o indivíduo ler mantendo a cabeça e o texto estáticos e ambos os olhos abertos. Se toda a
linha for lida, ele deve ter visão binocular, uma vez que a leitura integral se torna possível
devido à sobreposição dos campos (teste de Javal ou Cuignet).
8. Com o examinado fixando um pequeno foco luminoso, colocar um prisma de 8o com a
base inferior em frente ao olho “cego”, e perguntar quantos focos está vendo. O simulador
usualmente nega a presença de diplopia. Ao se colocar o prisma no olho normal, ele pode
referir diplopia. Se amblíope, o paciente poderá suprimir uma das imagens ou perceber
diferença de claridade nos dois focos de luz.
9. Baseado no conhecimento de que a luz colorida passa através de um vidro de cor similar, en­
quanto cores complementares são filtradas, se um texto grafado com letras verdes e vermelhas
for lido com um filtro vermelho em frente a um dos olhos e verde em frente ao outro, o exa­
minador pode identificar o olho utilizado, assim como a acuidade visual. O olho atrás da lente
vermelha vê toda a linha, enquanto que o olho com lente verde vê somente as letras verdes. Se
ao se colocar a lente vermelha em frente ao olho anormal e a verde em frente ao olho bom, o
indivíduo ler toda a linha, a natureza fictícia da queixa pode ser estabelecida.
10. A resposta ao teste de estereoacuidade de Titmus depende de boa acuidade visual em cada
um dos olhos; portanto, no présbita deve ser realizado com correção de perto. A estereoa­
cuidade apresenta uma correspondência estimada com a acuidade visual; por exemplo es-
tereopsia de 40" corresponde a visão de 20/20 em cada um dos olhos enquanto estereopsia
de 124" a AV de 20/100.
11.0 NOC é realizável monocularmente cobrindo-se de maneira dissimulada o olho bom. A pre­
sença de nistagmo reforça o diagnóstico, mas o simulador pode fixar além ou aquém das linhas.
12. A obtenção de respostas normais no potencial evocado visual por padrão reverso (PEV-PR)
ajuda a estabelecer ou confirmar o diagnóstico de simulação.

Perda parcial da visão uni ou bilateral constitui a queixa em que o diagnóstico se torna
mais difícil e trabalhoso. Nessa condição, a determinação da acuidade visual real nem sempre
é obtida, mas pode se identificar claramente que as respostas não são fisiológicas. Lembrar
2 9 0 | Neuroftalmologia

que pacientes com campo tubular e AV de 20/20 apresentam dificuldade de locomoção, en­
quanto aqueles com escotoma central denso e campo periférico conservado não apresentam
nenhuma dificuldade em sala cheia de obstáculos. Além dos testes anteriores, considerar:
1. Um optótipo de 20/50, quando lido a 3,5 m, equivale a AV 20/100. Medir a acuidade visual,
mantendo-se a mesma letra do optotipo, em distâncias diferentes. A inconsistência de res­
posta auxilia no diagnóstico. Os anéis de Landolt são ideais para esse tipo de teste, devido
a não familiaridade, perda da orientação linear e perda de correlação entre o tamanho do
círculo e o da área aberta (Fig. 1).
2. A medida da AV de longe e perto no olho acometido fornece dados diagnósticos quando há
desproporcionalidade entre visão de longe e de perto. Em geral, o simulador refere melhor
visão para perto do que o esperado considerando-se a redução da AV longe, como, por
exemplo, AV longe 20/200 e perto J1 , na distância de 33 cm.
3. Projetar um optotipo isolado, como por exemplo, 20/40. Pedir ao paciente que o leia, com
os dois olhos abertos, colocar um prisma de 10 dioptrias com a base inferior em frente ao
olho normal; o paciente perceberá diplopia. Perguntar quanto à nitidez das duas letras; se
iguais, a visão é a mesma nos dois olhos (Fig. 2).
4. Colocar o grau encontrado na retinoscopia no refrator ou na armação de provas dizendo
ao paciente que são lentes de aumento; persuadir o paciente a ler as letras menores.
5. Deixar a sala totalmente escura, para que o paciente perca as referências, e medir a acui­
dade visual primeiro do olho afetado, começando com a linha de 20/15 do optotipo.
6. Outros testes têm sido descritos, e muitos deles requerem a utilização de recursos não dis­
poníveis comumente no consultório, como: discos, lentes polaroides rotatórias, amblios-
cópios, teste do olhar preferencial e sistemas mais complexos computadorizados.

Fig. 1 Medir AV em diferentes distâncias. Se AV 20/100 a 6 m (a) deve reconhecer o optotipo 20/50 a 3,5 m (b).
Simulação da Cegueira | 291

Fig .2 Teste de confusão com uso de prisma, detecção da visão no olho "afetado" e da AV.

Campo visual
Apesar de o mais típico em PVF ser a baixa da acuidade visual com campo visual normal, a alte­
ração de campo visual constitui a segunda anormalidade mais comumente observada. O defeito
campimétrico pode ser simulado no exame realizado com a tela tangente, o perímetro de Gold-
mann ou com o perímetro automatizado. Mas, sem dúvida, a detecção dos defeitos de CV é mais
facilmente obtida com a perimetria de Goldmann. Contração concêntrica do campo com ou sem
defeito central, campo tubular, campo em espiral e a sobreposição de isópteras constituem as
alterações campimétricas características dessa condição (Fig. 3). Alargamento da mancha cega,
escotomas paracentrais ou cecocentrais, assim como defeitos quadrânticos, altitudinais e hemia-
nópicos bitemporais ou binasais, são pouco observados como alterações campimétricas funcio­
nais. Quando da presença de escotoma central com campo periférico normal, a investigação de
causas orgânicas é mandatória.
Antes da utilização de exames mais elaborados, são úteis as informações obtidas no CV de
confrontação, tais como ausência de expansão do campo periférico ao se realizar o teste com
objetos grandes a cerca de 40 cm e, depois, a 1,5 m.
No teste com tela tangente realizado em diferentes distâncias, mantendo-se equivalência
dos alvos, campos inconsistentes e não fisiológicos podem ser detectados. O aumento do ta­
manho da mancha cega e dos limites periféricos do campo, ao se mover a distância do teste de
1 para 2 m, em geral não é do conhecimento do amblíope funcional, e campos circularmente
constritos e constantes são obtidos.
Os parâmetros de confiabilidade utilizados na campimetria computadorizada não se têm
mostrado úteis na identificação de pacientes com distúrbio funcional, uma vez que os índices
de resultados falsos-positivos, falsos-negativos e perda de fixação são similares aos observa­
dos em portadores de lesão orgânica. Alguns autores consideram inapropriada a realização do
exame de campo visual com perímetro automatizado quando da suspeita de perda de campo
funcional. O simulador sem experiência prévia pode facilmente produzir, no campímetro de
Humphrey, defeitos compatíveis com lesão orgânicas de via óptica.
2 9 2 I Neuroftalmologia

a . C V e m e s p ira l b . C V tu b u la r

c . c o n tra ç ã o c o n c ê n tric a c o m
e s c o to m a c e n tra l

Fig. 3 Alterações de campo visual mais frequentes na PVF.

A perimetria manual, realizada cuidadosamente, permite detectar defeitos do tipo tubu­


lar, em espiral, a inversão ou o cruzamento de isópteras. O tipo de defeito apresentado, assim
como os outros sinais histéricos, depende da concepção do paciente e pode ser modificado
pelo examinador. A apresentação das miras da periferia para o centro pode resultar em campo
tubular ou em espiral, mas haverá inconsistência entre as isópteras traçadas com diferentes
tamanhos de miras. Ao se repetir o campo visual com a apresentação da mira de forma cen­
trífuga, devendo o paciente assinalar o desaparecimento dela, haverá alargamento do campo
tubular ou a reversão da espiral.
O exame realizado binocularmente fornece dados comprobatórios de simulação. No CV
binocular, a mancha cega é delineada quando da cegueira de um dos olhos, o que não ocorre
quando ambos são normais devido à sobreposição de áreas. Haverá ainda um aumento da
área, formado pelo crescente temporal, quando da realização do CV binocular, se ambos os
olhos forem normais.
No paciente com PVF, a redução de acuidade visual combina-se, por vezes, com defeito he-
mianópico funcional unilateral. O defeito poderá manter-se mesmo quando realizado o CV de
forma binocular, apesar do olho contralateral normal, o que comprovará a natureza do quadro.

Testes Eletrofisiológicos
Uma vez determinado não haver evidências de anormalidade no exame ocular que justifi­
que a queixa, e sendo necessário confirmação da normalidade ou não de função, ou maior
Simulação da Cegueira | 2 9 3

documentação para fins legais, os testes eletrofisiológicos podem e devem ser realizados. Tan­
to o eletrorretinograma (ERG) quanto o potencial evocado visual (PEV) fornecem dados objeti­
vos quanto à integridade da retina e via óptica. Na realização desses exames, as informações
clínicas disponíveis devem sempre ser cuidadosamente consideradas.
O ERG, que mede a atividade de fotorreceptores e camadas externas da retina, muitas ve­
zes se mostra alterado antes do aparecimento de lesões retinianas mais evidentes. Nas fases
iniciais de algumas doenças retinianas, como distrofia de cones, doença de Stargardt, retinose
pigmentar, retinose sem pigmento e doenças inflamatórias de camadas externas da retina,
apesar de o fundo de olho ser aparentemente normal, anormalidades de resposta podem ser
observadas precocemente no ERG de campo total e no ERG multifocal (Fig. 4).
O ERG por padrão reverso (PERG) reflete exclusivamente a função das células gangliona­
res e da camada de fibras nervosas, e depende da integridade da retina e do nervo óptico. É
bastante susceptível à nitidez da imagem e do contraste na retina. O borramento da imagem
tem um impacto maior na amplitude do PERG do que na do PEV. Associado ao PEV, é bastante
útil no diagnóstico da simulação, uma vez que monitoriza a fixação do paciente. Os registros
simultânea do PERG e do PEV fornecem dados importantes da função visual do simulador.
Respostas normais do PERG com PEV normal não são compatíveis com acuidade visual menor
que 0,6, e resposta normal do PERG associada à anormalidade de resposta do PEV demonstra
disfunção da via óptica. O inverso é registrado nas maculopatias leves ou excêntricas.
O PEV-PR é um dos poucos métodos objetivos e não invasivos de que se dispõe para ava­
liar a presença e a qualidade da função visual, uma vez que reflete a habilidade de ver. Há tam­
bém uma correlação estreita com a AV obtida pela tela de Snellen. Apresenta utilidade máxima
nas doenças que envolvem o segmento proximal da via óptica. A normalidade de resposta a

Amplitudes P1(b) Amplitudes P1(b) Amp. Amp. Amp. PeT. PeT.


Ap -JWA** P1 P1 N1 P1 N1

w
J\^/ \A/ >/V/^ Ring [piV/deg] m m [ms] [ms]

1 19.3 0.29 0.01 38.2 21.6


Av A^ Ar Ar A/"* 2 31.8 0.69 0.21 32.3 18.6
Ar Av Ar 'vv- Ar Ar
v 'w 3 30.7 0.96 0.30 32.3 17.6

^ -/V—-v\ ^ A - v ^a 4 34.7 1.51 0.46 31.4 17.6

5 26.2 1.52 0.47 31.4 17.6


•A /' -A -* >Ar^ «A--* •JVsA
A/v * f\j*~
n

Ar Ar Ar W* Av Ar
A'
2D Amplitudes P1(b) (Relative To Internai Normal) 3D Amplitudes P1(b) (Difference Result/Normal DB)
20° 10° 0o 10° 20°
» * 1 * ■

Fig. 4 ERG multifocal com depressão de respostas centrais em paciente com AV 20/40 e FO normal. Distro­
fia oculta de cones AO.
2 9 4 | Neuroftalmologia

quadrados pequenos (7 a 14’) demonstra a integridade da via visual, permitindo a confirmação


diagnóstica de PVF quando referida uma visão menor que 20/40 (Fig. 5).
O PEV por si só pode não descartar anormalidade de retina ou de córtex visual. Alterações
de resposta do PEV-PR são observadas quando há comprometimento de fibras nervosas da via
óptica. Ondas bem desenvolvidas podem ser registradas no PEVflash de pacientes com ceguei­
ra cortical, pois sua presença depende da preservação anatômica e funcional de pequenas áreas
do córtex estriado. O encontro de respostas de baixas voltagens, se bilaterais e simétricas e
maiores que 2 jL/v, é compatível com o normal, mas a assimetria de amplitude, entre os olhos
de um mesmo indivíduo, tem significância clínica no que se refere à acuidade visual.
O PEV-PR é um teste que deve ser realizado e interpretado com cautela, pois ausência ou
a anormalidade de resposta não descarta a possibilidade diagnóstica de simulação A resposta
pode ser voluntariamente extinta ou alterada através da desatenção, não fixação no plano da
tela, convergência ocular, fixação excêntrica e sonolência. O borramento da imagem na retina
reduz a amplitude e prolonga a latência do PEV. Os artefatos resultantes podem ser controla­
dos ou minimizados pela observação atenta do paciente. Outro aspecto a considerar é quando
há sobreposição de lesão orgânica e funcional. Apesar de haver uma correspondência entre
a acuidade visual e o tamanho do quadrado utilizado, não há uma relação linear entre o grau
de perda visual e o de alteração do PEV. Nessa condição, é difícil estimar o quanto da perda
sensorial é orgânica e o quanto é funcional. Quando de queixa unilateral, o exame realizado
binocularmente pode ser útil na confirmação diagnóstica se a amplitude da resposta obtida for
desproporcionalmente maior que a do olho normal isolado.
Os potenciais de longa latência, como o P300, que são gerados por estímulos não pre­
visíveis, infrequentes e não serem evocados sensorialmente, não pode ser voluntariamente
suprimido, sendo sua análise útil na confirmação diagnóstica de PVF.
Nas crianças, o encontro de respostas para quadrados de 7 e 14’, com latência dentro do
normal para a idade e amplitude alta, é compatível com integridade de função da via visual e des­
carta alterações patológicas. Nesse grupo etário a alteração voluntária da resposta do PEV-PR
parece não ocorrer.

Fig. 5 Respostas normais de PEV-PR com estímulos e 7 e 14', em paciente com AV alegada de 20/400 OE.
Simulação da Cegueira | 2 9 5

O PEV de varredura é um método que permite avaliação da AV em ciclos por grau, dando
uma estimativa com maior exatidão quanto à AV real.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA PERDA FUNCIONAL

O diagnóstico de PVF deve ser estabelecido através de dados positivos; o diagnósticos por exclu­
são não é aceitável. Os testes anteriormente referidos são úteis no diagnóstico diferencial entre
lesões orgânica e funcional. Aspectos da anamnese e do exame ocular devem ser considerados
na elaboração diagnóstica. Pacientes com disfunção da retina externa podem apresentar queixa
de diminuição da AV, borramento da visão, fotofobia, fotopsia, escotomas centrais e paracentrais
e alteração na visão de cores, sem que se detecte alteração retiniana ou de reflexo pupilar. Nesse
caso, é útil a realização de ERG focal ou multifocal. A queixa de diminuição ou perda aguda da
acuidade visual uni ou bilateral acompanhada de dor à movimentação ocular, com defeito pu­
pilar aferente e fundo de olho normal, é sugestivo de neurite óptica retrobulbar. Nos quadros
bilaterais, observar a diferença de amplitude entre a miose decorrente da estimulação luminosa
direta da pupila e a provocada pela convergência dos olhos, pois a presença de dissociação luz
perto é um dado importante no diagnóstico. O PEV-PR, bastante útil nessa condição, apresenta
respostas com diminuição de amplitude e aumento significativo de latênca de PI 00.
Em presença de queixa de baixa acuidade visual com exame oftalmológico normal e au­
sência de sinais ou sintomas de quadro cortical, o diagnóstico de ambliopia funcional deve ser
considerado.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE SIMULAÇÃO E HISTERIA

Na prática diária, o diagnóstico diferencial entre simulação e histeria nem sempre é tão sim­
ples. A diferença conceituai entre elas é difícil, podendo coexistir sintomatologicamente. Às
vezes, o ganho secundário torna-se bastante evidente e definido. A presença de discrepâncias,
contradições, exageros bizarros dos sintomas sugere simulação. A indiferença e ausência de
ansiedade sobre a perda funcional sugerem histeria. O indivíduo histérico pode apresentar
desejos de ganho secundário emocional, como amor, atenção, carinho ou compaixão, dificul­
tando o diagnóstico diferencial entre histeria e simulação.
Segundo Spaeth, há três tipos de simuladores: o mentalmente normal, que simula a doença
ou o dano com o propósito de ganho pessoal, suas queixas não sendo em geral consistentes.
O trabalhador que quer uma indenização ou que deseja não retornar ao trabalho e a criança
que não quer ir à escola constituem exemplos; o degenerado, que simula para evitar o trabalho
ou a responsabilidade, apresenta história plausível, é em geral hostil, desconfiado, não coo­
perativo e não dá respostas francas; e o psicopata que apresenta queixa de sintomas bizarros
obviamente não verdadeiros.

TRATAMENTO

Para o sucesso e formulação do tratamento, é necessário haver: certeza da normalidade ana­


tômica; paciência; tempo; atitude enérgica com forte sugestão imposta de forma positiva e
2 9 6 I Neuroftalmologia

autoritária, avaliação precisa da influência de fatores ambientais e familiares e a correção


destes. Cabe ao oftalmologista relatar ao paciente a normalidade do exame ocular sem nunca
chamá-lo de prevaricador ou simulador. Recuperação visual imediata e duradoura, com apare­
cimento de novos sintomas, constitui desafio constante, pois a transferência ou propagação
dos sintomas para outra esfera do organismo não pode ser denominada de cura.
O diagnóstico de certeza de histeria é fundamental na primeira avaliação. Mostrar ao pa­
ciente histérico que deficiência não existe alivia-o, enquanto o uso de placebos pode reforçar a
doença. Avaliação psiquiátrica auxilia quando da suspeita de histeria em adultos, podendo-se
recorrer inclusive a hipnose, eletricidade estática ou sonoterapia. O manuseio dos sintomas
presentes e a reabilitação das bases da personalidade fazem parte do tratamento.
r

E importante tranquilizar a criança com PVF quanto à normalidade de seus olhos, imputar
a dificuldade visual a estresse ou algum fator plausível e explicar quanto à recuperação da vi-
r

são. E necessário conversar em particular com os pais ou pessoas responsáveis, explicar a in­
consistência das respostas e a boa função visual. Os pais precisam entender que é uma manei­
ra, apesar de não apropriada, de a criança expressar suas dificuldades, procurar ajuda devido
a estresse interno ou externo de ordem familiar, escolar, ou outros, e que eles necessitam de
apoio, compreensão, carinho ou alguma forma de ajuda psicológica. Em geral, o diálogo entre
pais e filho pode levar à causa do problema, sendo rara a necessidade de ajuda psicológica ou
psiquiátrica. Medicamento placebo, exercícios, oclusão e, principalmente, atenção auxiliam
na abordagem. Medidas punitivas não devem ser utilizadas. A recuperação da AV em geral é
lenta e gradativa, podendo não ser completa, assim como não eliminar a alteração do campo
visual. O ganho secundário constitui um dos principais obstáculos ao tratamento efetivo, pois
a doença traz vantagens que serão perdidas com a cura.
Os simuladores adultos podem usar a perda funcional para obtenção de atenção ou ca­
rinho, mas na grande maioria, a razão é de natureza monetária. É importante explicar ao pa­
ciente que o acidente, trauma ou doença não é o fator responsável pelo problema visual. Ao
se demonstrar a inconsistência fisiológica nas respostas e que a queixa não decorre da causa
alegada, pode-se impedir que o paciente continue com o esforço para ganho financeiro.

BIBLIOGRAFIA

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Scott JA, Egan RA: Prevalence of organic neuro-ophthalmologic disease in patients with functional visual loss. Am J
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Spaeth, EB:The differentiation of ocular manifestations of hysteria and of ocular malingering. Arch Ophthalmol, 1930,
4:911-38.
Índice Alfabético

Números em itálico são referentes às figuras. Os números em negrito indicam onde os assuntos são
abordados mais extensamente.

A Amiodarona, 110
Anamnese
Acuidade visual, 10, 162 em neuroftalmologia, 1-8
medida da, 10 Angiografia
Adenomas hipofisários, 87, 167 fluoresceínica, 29
tipos de, 167 Angiofluoresceinografia, 64, 146
Afecções Aneurisma, 176
do quiasma óptico, 157-179 Anisocoria
Agnosia visual, 201 diferencial da, 217
Alcoólatra essencial, 211
neuropatia óptica carencial, 117 Anomalias
Alexia congênitas do nervo óptico, 31-42
sem agrafia, 202 Anormalidades pupilares, 210
Alterações Arterite temporal, 74
da estabilidade ocular, 236 biópsia, 78
da vergência, 237 características clínicas, 76
das pálpebras, 269-284 definição, 74
do reflexo vestíbulo-ocular, 237 diagnóstico, 77
do seguimento ocular, 237 exames laboratoriais, 78
dos movimentos sacádicos, 236 fisiopatogenia, 75
fundoscópicas, 163 incidência, 74
motoras oculares, 4 manifestações oftalmológicas, 76
pupilares, 162, 205-218 perda visual, 77
anatomia e fisiologia, 205 quadro clínico, 76
semiologia da pupila, 208, 208 tratamento, 79

297
2 9 8 | Neuroftalmologia

Atrofia óptica campo visual, 291


associada a diabetes melito, 130 exame oftalmológico, 287
dominante, 127 testes eletrofisiológicos, 292
definição, 127 tratamento, 295
diagnóstico, 128 Cloranfenicol, 110
quadro clínico, 127 Coloboma
infantil complicada, 131 de papila, 39
recessiva, 129 Contraste
definição, 129 sensibilidade ao, 11
Cores
visão de, 11
Corpo geniculado lateral, 184
lesões do, 195
Biomicroscopia Córtex occipital, 188
exame de, 22 vias de percepção no, Í90
Blefarospasmos, 273 Craniofaringioma, 88, 169
descrição, 273 definição, 169
etiologia, 273 incidência, 170
formas clínicas, 273 quadro, 170
Blefaroptose, 275
adquirida, 277
de origem miogênica, 282 D
neurogênica, 277
por lesão, 280 Deslumbramento
conceito, 275 prova de, 12
congênita, 276 Desordens
fundamentos, 275 da junção neuromuscular, 253
Botulismo, 253 Desvio skew, 241
Diplopia, 5
Disco óptico
edema de, 49
Displasia fibrosa, 90
Campo visual Dissulfiram, 110
alterações no, 4, 159 Distrofia miotônica, 255
exame de, 12 Distúrbios
métodos de avaliação, 13 motores oculares, 164
redução do, 18 neuroendócrinos, 165
tipos de defeitos de, 15 Doença
Cegueira de Devic, 57
simulação da, 285-296 de Graves, 256
diagnóstico diferencial, 295 de Lyme, 62
da perda funcional, 295 Dor
entre simulação e histeria, 295 facial, 5
histeria e simulação ocular, 5
aspectos gerais, 285 sintoma de, 6
quadro clínico, 286 Drusas
anamnese, 286 de papila, 35
índice Alfabético | 2 9 9

Edema Glioma
de disco óptico, 49 do nervo óptico, 91
neuropatias compressivas com, 86 achados histopatológicos, 93
neuropatias compressivas sem, 87 história natural dos, 93
de papila, 73 tratamento, 94
da hipertensão intracraniana, 143 do quiasma óptico, 172
difuso, 73 definição, 172
Eletrorretinograma Goldmann
de padrão reverso, 29 campímetro de, 14
Embaçamento visual, 3 Graves
Esclerose múltipla doença de, 256
e neurite óptica, 54
Escotoma, 3, 17
H
central, 17
Etambutol, 108 Hemianopsia, 15
características clínicas, 109 altitudinal inferior, 16
mecanismo de ação, 108 heterônima, 16
toxicidade ocular, 108 homônima direita, 16
Etilenoglicol, 112 Hipertensão intracraniana
Exame edema de papila da, 143
de neuroimagem, 87 Hipoplasia
neuroftalmológico, 9-30 do nervo óptico, 31
avaliação da função visual, 10 definição, 31
avaliação das pupilas, 21 diagnóstico, 32
biomicroscopia, 22 histologia, 32
inspeção e exame ocular externo, 9 patogenia, 32
introdução, 9 Holmes-Adie
motilidade ocular extrínseca, 22 pupila de, 212
oftalmoscopia, 23 Horner
propedêutica complementar, 24 síndrome de, 215

Infância
Fibras
neurite óptica na, 65
de mielina, 41
Irradiação
diagnóstico diferencial, 42
neuropatia óptica induzida pela, 112
ocorrência, 41
Isoniazida, 109
Flutter ocular, 264
efeitos da, 109
Função visual
alterações na, 201
avaliação da, 10 L
recuperação da, 56
Lambert-Eaton
síndrome de, 253
3 0 0 I Neuroftalmologia

Lâmpada de fenda, 22 ocular extrínseca


Leber controle da, 228
neuropatia óptica hereditária de, 124 exame da, 22
Lesões Movimentos oculares
da via óptica retroquiasmáticas, 181-204 tipos de, 234
considerações anatômicas, 181 Mucoceles, 91
introdução, 181
manifestações clínicas, 191
das radiações ópticas, 196 N
do corpo geniculado lateral, 195
do nervo abducente, 251 Nervos motores oculares, 229
etiologia, 252 núcleo, 229, 232
formas, 251 Nervo óptico
do nervo troclear, 247 anomalias congênitas do, 31-42
bilateral, 250 coloboma de papila, 39
formas, 247 drusas de papila, 36
do olhar conjugado, 242 fibras de mielina, 41
do trato óptico, 193 hiplopasia, 31
dos lobos occipitais, 198 introdução, 31
internucleares, 241 papila inclinada, 34
intracranianas traumatismos do, 135-142
neuropatias compressivas causadas por, 87 Neurites ópticas, 43-66
nucleares, 243 autoimune, 60
orbitárias, 136 características clínicas, 47
retroquiasmáticas, 19 diagnóstico diferencial, 66
supranucleares, 235 epidemiologia, 44
Líquido cerebrorraquidiano, 52 etiologia, 44, 45
Lobos occipitais exames complementares, 50
lesões dos, 198 fisiopatologia, 45
Lyme infecciosas, 61
doença de, 62 inflamatória crônica, 61
introdução, 43
na infância, 65
M neuromielite, 57
neurorretinite, 63
Meningioma, 88, 171 perineurite, 65
da bainha do nervo óptico, 96 relação neurite óptica - esclerose múltipla, 54
Metanol, 111 sinais e sintomas, 46
intoxicação mecânica por, 111 tratamento, 56
toxicidade pelo, 111 Neuroftalmologia
Miastenia gravis, 254 anamnese em, 1-8
Mielina antecedentes pessoais e familiares, 6
fibras de, 41 história clínica, 2
Miopatias, 255 sintomas relativos à perda visual, 3
Morning Glory introdução, 1
síndrome de, 40 Neuropatia óptica isquêmica, 67-83
Motilidade arterite temporal, 74
índice Alfabético | 301

características clínicas, 71 tipos clínicos, 259, 265


etiologia e classificação, 68 vestibular, 261
evolução, 79
fisiopatogenia, 69
introdução, 67 O
profilaxia, 80
OCT, 24, 25
tratamento, 80
Oftalmoscopia, 23
vascularização, 67
Olhos
Neuropatia tabaco-álcool, 26
controle motor dos, 221
Neuropatias ópticas causadas por
Orbitopatia distireoidiana
medicamentos, substâncias tóxicas e
neuropatia compressiva na, 101
irradiação, 105-114
Oscilopsia, 5
agentes químicos, 111
Osteopetrose, 90
características clínicas, 106
etiologia, 105
introdução, 105 P
irradiação, 112
origem medicamentosa, 107 Pálpebras
Neuropatias ópticas compressivas, 85-104 alterações das, 269-284
introdução, 85 anatomia e fisiologia das, 269
por compressão, 90 patologia, 271
no segmento orbitário, 91 semiologia, 271
por lesões intracranianas, 87 Papila
quadro clínico, 85 coloboma de, 39
Neuropatias ópticas hereditárias, 123-133 definição, 39
associadas a alterações neurológicas, 130 drusas de, 35
introdução, 123 complicações, 38
Neuropatias ópticas nutricionais, 115-121 fisiopatologia, 37
diagnóstico, 115, 119 incidência, 35
diferencial, 119 inclinada, 34
evolução, 120 característica, 35
introdução, 115 definição, 34
prognóstico, 120 graus de gravidade, 34
quadro clínico, 115 Papiledema, 143-155
tratamento, 120 achados clínicos, 143
Nistagmo, 257 etiologia, 147
análise semiológica, 258 introdução, 143
concerto, 257 síndrome do pseudotumor cerebral, 148
congênito, 262 Paralisias
estudo anatomoclínico, 261 do olhar conjugado, 238
latente, 262 etiologia, 239
meios de estudo, 257 vertical, 240
motor, 260 faciais, 271
optocinético, 261 periféricas, 272
periódico, 267 Paranistagmos, 263
retratório, 262 Parinaud
sensorial, 260, 262 síndrome de, 214
3 0 2 I Neuroftalmologia

Perda visual, 3 Retinografia, ÍÍ6


caracterização da, 85 Retração palpebral, 273
Perfmetro(s) causas, 274
computadorizados, 14 tipos de, 274
manual de Goldmann, 13
Perineurite optica, 65
definição, 65 S
descrição, 65
etiologia, 65 Sarcoidose
tratamento, 65 definição, 177
Potencial visual evocado, 28, 51 diagnóstico, 177
Prosopagnosia, 203 Segmento intracanalicular
Pseudoblefaroptose, 275 compressão do nervo óptico
Ptose neuropatias ópticas por, 90
adquirida, 283 Segmento orbitário
Pupilas do nervo óptico
amauróticas, 210 neuropatias ópticas por compressão
avaliação das, 21 no, 91
com defeito aferente, 210 Sífilis, 62
de Argyll-Robertson, 212 Simulação da cegueira, 285-296
semiologia, 208 Síndrome(s)
tônica de Adie, 212 da sela turca vazia, 175
de Lambert- Eaton, 253
de Morning Glory, 40
Q do pseudotumor cerebral, 148
características clínicas, 150
Quadrantopsia, 17 definição, 148
Questionamentos, 7 frequência, 148
Quiasma óptico quadro clínico, 149
afecções do, 157-179 tratamento, 152
anatomia do, 157 quiasmáticas, 159
causas, 166 causas das, 166
glioma do, 172 retroquiasmáticas
introdução, 157 manifestações clínicas das, 191
manifestações neuroftalmológicas, 159 Sinusite
neurite óptica e, 63
Sistema vestibular, 226
R Sistema visual eferente
alterações supra, inter e infranucleares do
Radiação óptica, 187 olhar, 219-268
lesões, 196 anatomia do controle motor dos
Reflexo pupilar fotomotor olhos, 221
via do, 206 introdução, 219
Reflexo optocinético, 220 patologia, 235
Ressonância magnética semiologia, 233
do encéfalo, 59 tipos e funções, 219
imagem por, 50
índice Alfabético | 3 0 3

Tela tangente, 13 Uhthoff


Teste(s) sintoma de, 48
de confrontação, 13
eletrofisiológicos, 27
Tomografia de coerência óptica (OCT), 24, 53 V
Tolueno, 112
Trato óptico, 181 Vascularização
lesões do, 193 do nervo óptico, 67
características clínicas, 193 Via eferente, 206
principais lesões do, 194 Via óptica
Traumatismos retroquiasmática
do nervo óptico, 135-142 lesões da, 181-204
diretos, 135 Visão
indiretos, 136 de cores, 11
introdução, 135 alterações de, 48
Tumores malignos Vitamina B I2
neuropatias infiltrativas da órbita decorrentes neuropatia por deficiência de, 117
de, 100

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