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RECONSTRUTIVA
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA
I
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA
II
MICROCIRURGIA
RECONSTRUTIVA
Editor-chefe
PEDRO BIJOS
Chefe do Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva e Cirurgia Plástica do Hospital de
Traumato-Ortopedia, HTO-INTO-RJ. Membro titular da Sociedade Brasileira de
Microcirurgia Reconstrutiva, SBMR. Membro titular e especialista pela Sociedade Brasileira
de Cirurgia Plástica, SBCP. Membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, CBC.
Membro da Sociedade Francesa de Microcirurgia (GAM)
Editores Associados
VÛrios colaboradores.
1. Microcirurgia I. Bijos, Pedro. II. Zumiotti, Arnaldo Valdir. III. Rocha, Joıo
Recalde. IV. Ferreira, Marcus Castro.
CDD-617
05-8168 NLM-WO 100
©Direitos reservados à EDITORA ATHENEU — São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, 2006
ARMAN SARD
Membro do Gruppo Interdivisionale di Microchirurgia (GIM) do CTO Hospital, Torino — Itália
AYLTON CHEROTO-FILHO
Ex-residente da disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP
BRUNO BATTISTON
Membro do Gruppo Interdivisionale di Microchirurgia (GIM) do CTO Hospital, Torino — Itália
COELI LEITE
Membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, SBOT. Médica da
Clínica SOS Mão — Recife
GILLES DAUTEL
Responsável pelo Service Assistence Main do Hôpital Jeanne D’Arc,
Dommartin Les Toul — França
ITALO PONTINI
Membro do Gruppo Interdivisionale di Microchirurgia (GIM) do CTO Hospital, Torino — Itália
JORGE ISHIDA
Membro titular e especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, SBCP. Doutor em
medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP
MARCELA FERNANDES
Doutora em Ortopedia e Traumatologia pela Universidade Federal de São Paulo
da Escola Paulista de Medicina, Unifesp-EPM
MICHEL MERLE
Antigo professor da Faculdade de Medicina de Nancy. Antigo chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e
Reconstrutiva do Aparelho Locomotor no CHU de Nancy — França. Diretor do Instituto Europeu de
Cirurgia da Mão de Nancy — França e Luxemburgo — Grande Ducado de Luxemburgo
MICHEL SCHOOFS
Membro da Sociedade Francesa de Cirurgia da Mão (GEM) e de Microcirurgia (GAM).
Responsável pela Clínica SOS Mains — Lille
NAYARA FERREIRA
Terapeuta de mão da Clínica SOS-Mão — Recife
OVIDIU IVAN
Cirurgião plástico da Clínica de Cirurgia Plástica do Hospital de Reabilitação
Cluj-Napoca — Romênia
PAULO FAVALLI
Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas
da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-RS
RUI FERREIRA
Membro titular e especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, SBCP. Membro
Titular da Socieade Brasileira de Cirurgia da Mão, SBCM. Membro titular da Sociedade
Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva, SBMR. Médico da Clínica SOS-Mão — Recife
SÉRGIO SZKLARZ
Médico assistente do Serviço de Neurologia do Hospital La Salpêtrière-Universidade Pierre et Marie
Curie — Paris. Chefe do Serviço de Eletromiografia e Potenciais Evocados do Hospital dos Servidores
do Estado, HSE-RJ. Membro titular da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica
SÉRGIO VIANNA
Coordenador de Ensino e Pesquisa do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia. Chefe do
Serviço de Cirurgia do Pé e Tornozelo do Hospital de Traumato-Ortopedia, HTO. Membro titular
da Sociedade Brasileira de Medicina e Cirurgia do Pé. Presidente da Sociedade Brasileira de
Medicina e Cirurgia do Pé em 2004-2005. Membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia
e Traumatologia, SBOT
TEODOR STAMATE
Professor da Clínica de Cirurgia Plástica Reconstrutiva da Universidade de Medicina e
Farmácia Gr. T. Popa-Iasi — Romênia
TOMAZ NASSIF
Chefe do Serviço de Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de
Janeiro. Membro titular da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva, SBMR. Membro
titular e especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, SBCP
VERÔNICA VIANNA
Chefe da Divisão de Ensino do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia. Membro do Serviço de
Cirurgia do Pé e Tornozelo do Hospital de Traumato-Ortopedia HTO/INTO. Membro titular
da Sociedade Brasileira de Medicina e Cirurgia do Pé. Membro titular da Sociedade Brasileira
de Ortopedia e Traumatologia
É com grande prazer e honra que escrevo o prefácio deste livro tão belo sobre a Microcirurgia, escrito
por meus amigos brasileiros.
Este livro, um dos mais completos desta vasta área, é o testemunho deste progresso. As múltiplas
aplicações da Microcirurgia na Cirurgia Reconstrutiva são abordadas: anatomia; cirurgias nervosas,
vasculares, ósseas; reimplantes; reconstruções tissulares ao nível da face, do esôfago, dos membros etc.
Devemos felicitar calorosamente os cirurgiões que participaram desta obra quando sabemos as
dificuldades que se impõem na utilização destas técnicas que, por serem complexas, exigem um
treinamento intensivo e diário. Eles devem também evitar um dos riscos que é a hiperespecialização
para não se tornarem campeões do microscópio e distantes das preocupações clínicas; devem continuar
médicos e, antes de tudo, guardiões do futuro funcional de seus pacientes.
A utilização do aumento ótico na cirurgia tem um outro aspecto interessante que é a demonstração de
que as performances técnicas não estão, por enquanto, limitadas pela habilidade das mãos, mas pela
insuficiência da visão. O desenvolvimento técnico buscará em um futuro próximo suplantar também
estas insuficiências.
Raoul Tubiana
Quando fui contatado pela Editora Atheneu para saber se era de meu interesse escrever um livro sobre
Microcirurgia Reconstrutiva, a primeira reação foi de preocupação, pois imaginei, frente à amplitude
do assunto e ao número de especialistas na área reconhecidos internacionalmente, que eu encontraria
dificuldades para realizar a empreitada, sobretudo para selecionar temas e colaboradores.
Sabemos que existem, no Brasil, colegas altamente capazes e, conforme mencionei aqui, decidir quais
seriam nossos colaboradores foi de fato uma tarefa árdua, principalmente porque a proposta era fazer
um livro sobre todas as áreas de atuação da Microcirurgia Reconstrutiva.
Inicialmente convidei os drs. Marcus Castro Ferreira, João Recalde Rocha e Arnaldo Zumiotti para,
juntos, elaborarmos o sumário do futuro livro. A seguir, pensamos naqueles cuja competência e
dedicação na área os tornava dignos representantes daquele conhecimento específico.
Como um dos editores, não pude deixar de lembrar os drs. José Juvenil Teles, Georges da Silva,
Henrique Bulcão de Moraes e Michel Merle que, com seus renomados empenho, experiência e conduta
ética, influenciaram diretamente a minha formação profissional em diferentes épocas da vida. Posso
dizer, entre emocionado e grato, que eles foram responsáveis pela minha dedicação à Cirurgia
Reparadora, em particular a Cirurgia da Mão e a Microcirurgia Reconstrutiva.
Destaco, ainda, a generosidade do emérito prof. Raoul Tubiana, que se dispôs a fazer o prefácio deste
livro, colaboração de que todos nos orgulhamos muitíssimo.
Assim que, a partir do diálogo com tão caros colegas, outros nomes emblemáticos foram assomando
à nossa memória, como os leitores poderão comprovar na leitura destes trabalhos; mas não posso
esquecer aqueles que não integraram a presente coletânea pelos próprios limites físicos que um livro
exige. A eles, a nossa reverência.
Gostaria também de trazer aqui, em poucas linhas, a importância do tema para a História da Medicina
no Brasil. Com relação à Cirurgia Reparadora, temos um grande avanço após a década de 1960, em
particular, com a introdução da técnica microcirúrgica. Outros fatores, entretanto, como equipes
cirúrgicas bem treinadas, hospitais mais bem aparelhados, materiais de síntese e instrumentais
específicos e uma reabilitação mais precoce também foram fatores fundamentais para o sucesso mais
pleno nas reconstruções.
Por tudo isso, acompanhar e, sobretudo, atuar neste campo da evolução das técnicas na cirurgia
reparadora significou integrar a História da Microcirurgia Reconstrutiva no Brasil, o que é gratificante
por si só, além de ter permitido solucionar problemas difíceis no início de nossa formação profissional.
Finalmente, reitero que organizar este livro foi uma tarefa árdua e gratificante, a qual me dediquei com
muito empenho e emoção; um empreendimento que só foi possível, repito, porque tivemos a colaboração
de colegas do mais alto nível.
Gostaria de registrar, ainda, meus especiais agradecimentos ao dr. João Recalde Rocha, que fez as
traduções dos trabalhos dos colegas estrangeiros, à srta. Ana Paula Aquino pela dedicação durante toda
a fase de produção da obra, à sra. Deise Brasil, incansável na editoração e tratamento das imagens e,
finalmente, à Editora Atheneu que confiou no êxito deste trabalho, o qual, espero, possa ser um
instrumento valioso para os nossos leitores.
A microcirurgia é, por definição, uma cirurgia realizada sob amplificação da visão, mais comumente
sob o microscópio cirúrgico. O uso do microscópio é antigo na medicina e seu uso em cirurgia é mais
recente. Nylen, em 1921, operou o labirinto de coelhos e isto foi seguido pelo uso clínico em otologia,
oftalmologia e neurocirurgia em procedimentos que necessitassem de magnificação para prover
dissecção mais cuidadosa. A partir da década de 1960, cirurgiões empregaram o microscópio para
realizar anastomoses em estruturas de diâmetro mais diminuto. Jacobsen e Suarez publicaram, em 1960,
técnica de anastomose em artérias de diâmetro inferior a dois milímetros, limite menor da possibilidade
de feitura dessas anastomoses a olho nu. Novo campo se abria para a cirurgia, denominado, mais tarde,
de microcirurgia reconstrutiva.
No Brasil, na década de 1960, no Hospital das Clínicas de São Paulo, alguns cirurgiões realizavam
reimplantes em amputações de membro superior — o primeiro de braço, com sucesso, em 1965, por
Euclides Marques, seguindo o que já havia sido feito na China e nos EUA, após mais de meio século
decorrido desde os trabalhos experimentais de Carrell. Outros cirurgiões, à época, realizaram
reimplantes, mas os resultados da cirurgia não foram muito favoráveis e as opiniões sobre a cirurgia,
controversas, principalmente porque, em algumas situações, os vasos eram de pequeno diâmetro e o
cirurgião encontrava dificuldade para realizar a sutura a olho nu.
No dia 8 de dezembro de 1972, chegou ao Pronto-socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo um
paciente jovem que se acidentara durante o trabalho em máquina-guilhotina de cortar papel. Sofrera
amputação completa das duas mãos. Em sua mão direita havia dificuldade adicional: os diâmetros dos
vasos — da artéria e das veias — que deveriam ser anastomosados eram bem menores do que aqueles
habitualmente trabalhados em reimplantes mais altos.
Eu havia recém-completado a residência em cirurgia plástica e atuava como cirurgião geral no Pronto-
socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo. Tinha alguma experiência ao trabalhar em animais com
a nova técnica feita sob o microscópio. Chegava de Viena, onde, em outubro de 1972, assistira à reunião
sobre microcirurgia, com curso prático em vasos e nervos ministrado pelo prof. Hanno Millesi.
Não havia nenhuma experiência nesse campo na América do Sul. O reimplante com anastomoses de
pequenos vasos, como o de polegar, havia sido descrito no Japão em fins da década de 1960. Os
trabalhos chineses, somente mais tarde, vieram a ser conhecidos no Ocidente.
Foi preparado o paciente para o reimplante. O microscópio foi usado na mão direita, amputação no
nível dos ossos metacárpicos, em que o diâmetro externo dos vasos media entre 1,5 e 2 mm de diâmetro.
O segmento amputado foi limpo; os ossos, aproximados e fixados com fios de Kirschner, e realizei a
A cirurgia foi demorada, além da anastomose da artéria ulnar, duas veias no dorso da mão. Devido
ao tempo de isquemia já longo, foi inviável, embora tentado, reimplantar a outra mão. O
restabelecimento da circulação na mão direita parecia satisfatório, aguardamos mais alguns dias e não
havia dúvidas: a mão direita estava viva (Figuras 1 e 2). Alguns dias depois, outro paciente com
amputação de sua mão esquerda procurou o Pronto-socorro do Hospital das Clínicas e teve sua mão
também reimplantada com sucesso.
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Figuras 1 e 2 — Primeiro reimplante no Brasil, em São Paulo, em dezembro de 1972.
A microcirurgia reconstrutiva havia-se iniciado no Brasil, irradiando-se depois para todo o país e para
a América do Sul. Não sabíamos, na época, o quanto essa técnica viria a ser importante para várias
áreas da cirurgia, ultrapassando muito sua aplicação nos reimplantes e influenciando decisivamente
especialidades como a Cirurgia Plástica, a Ortopedia, a Cirurgia da Mão, a Cirurgia de Cabeça e
Pescoço, entre outras.
Segmentos de pele e tecido celular subcutâneo e porções de músculo ou de osso podiam ser
transplantados, porque era possível suturar seus pedículos arteriovenosos sob o microscópio. Assim
entramos no domínio dos transplantes microcirúrgicos de tecidos (Figuras 3, 4 e 5).
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Figuras 3, 4 e 5 — Paciente com carcinoma cutâneo na fronte, 1974. Primeiro retalho microcirúrgico (delto-peitoral) para reconstrução
em cabeça e pescoço.
Nessa primeira década, alguns cirurgiões plásticos no país se interessaram pela microcirurgia: dr. Jorge
Ely, em Porto Alegre, que estimulou seu discípulo Roberto Chem a vir a se aperfeiçoar em São Paulo;
e Sirlei Rinaldi, que iria a Paris trabalhar com Alain Gilbert. Ela, infelizmente, faleceu precocemente
em acidente trágico.
Cirurgiões franceses, embora iniciando a microcirurgia um pouco mais tarde que nós, auxiliaram muito
o desenvolvimento da microcirurgia brasileira — Júlio Morais, de São Paulo, depois de treinamento
na USP, aperfeiçoou-se com Jacques Baudet, em Bordeaux, como Thomaz Nassif, do Rio de Janeiro,
seguido por outros, em especial do Estado do Ceará. Outros brasileiros estiveram com Alain Gilbert
em Paris, entre eles João Recalde, do Rio de Janeiro, e Pedro Bijos, que saiu para estágio com Michel
Merle em Nancy. Antonio Sergio Guimarães, do Rio, começou em São Paulo, indo depois para os EUA.
Dentre os ortopedistas, alguns mais ligados à cirurgia da mão iniciaram-se na microcirurgia, Arnaldo
Zumiotti, em São Paulo, e José Mauricio do Carmo, no Rio de Janeiro.
Figura 7 — I Curso Internacional de Microcirurgia, São Paulo, 1981 (da esquerda para a
direita: profs. Marcus Ferreira, James Steichen, Alain Gilbert, Hanno Millesi, Enrique Pener
e Giogio Brunelli).
Somente agora, com o distanciamento dos anos, podemos melhor aquilatar o impacto dessas técnicas
na prática cirúrgica. O seu desenvolvimento foi inter-relacionado, mas para melhor compreensão
analisarei em detalhe três áreas.
A MICROCIRURGIA VASCULAR
Os Reimplantes
O impacto da realização dos reimplantes de extremidades em níveis mais distais e, portanto, mais
difíceis, foi grande. Em 1974, publicávamos o primeiro relato de reimplantes de mão e depois de
dedos.
Foi necessário criar condições para acompanhamento desses pacientes, o que foi conseguido com a
ativa participação do dr. Ronaldo Jorge Azze, hoje professor emérito de Ortopedia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, então responsável pelo grupo de Cirurgia da Mão do Instituto
de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas. Aprendemos muito com os reimplantes, e, sem
dúvida, a microcirurgia impulsionou o desenvolvimento da Cirurgia da Mão em nossa Instituição e em
nosso país, tanto na Ortopedia quanto na Cirurgia Plástica.
Seguindo orientação internacional, procuramos, desde o início, almejar não somente o restabelecimento
da circulação do segmento amputado, mas também sua recuperação funcional. Passos importantes
foram dados quando passamos a realizar os tempos cirúrgicos ditos “funcionais” — a restauração de
nervos e de tendões — no mesmo ato cirúrgico das anastomoses vasculares. O tempo cirúrgico se
alongava, mas havia maior ganho final para a função.
Tão importante quanto a cirurgia para o resultado funcional foi o melhor conhecimento da reabilitação
dos pacientes com reimplantes. Seguimos também transformação significativa da conduta em nível
internacional, que passou a priorizar a terapia ocupacional na reabilitação da mão, dando menor ênfase
aos meios físicos usados pela fisioterapia em articulações maiores e, até então, os únicos usados na mão.
A terapia ocupacional de mão — também chamada de terapia da mão — começou no Brasil a partir
do tratamento dos pacientes de reimplante e, mais tarde, das lesões do plexo braquial tratadas pela
microcirurgia.
Nas duas décadas que se seguiram, vários outros trabalhos foram publicados, mas a realização dos
reimplantes continuou dependendo do esforço individual de alguns.
De qualquer modo a experiência existe, é importante e foi até mesmo ampliada. Foram feitos alguns
reimplantes de membro inferior e reimplante de couro cabeludo. Experiências pioneiras foram
introduzidas, como a do SOS-Mão, criado no Rio de Janeiro pelos drs. João Recalde e Pedro Bijos.
Infelizmente não se conseguiu ainda estender o benefício de modo institucional à população mesmo
para aqueles com convênio de saúde.
Os Transplantes
Não se cogitava que transplantes compostos autógenos (os chamados retalhos) tivessem comportamento
semelhante ao de órgãos, do ponto de vista circulatório. Várias áreas externas do corpo humano
constituem territórios vasculares fechados, isolados com seus pedículos vasculares, irrigação arterial
vinda de artéria segmentar, microcirculação e drenagem venosa específica. Ou seja, esses blocos de
tecido podem ser retirados de seu local original e transplantados para outro, sobrevivendo desde que
a circulação arterial e venosa seja restabelecida e que o tempo de isquemia não seja muito longo.
Em 1972, Harry Buncke, em São Francisco, realizou transplante de epiplon para cobrir perda no couro
cabeludo e em 1973, na Austrália, Daniel e Taylor realizaram o primeiro transplante microcirúrgico
cutâneo da região inguinal.
O campo de aplicação da microcirurgia chamada reconstrutiva foi ampliado pela descoberta de outros
tipos de tecidos passíveis de transplante microcirúrgico — o músculo e o osso. O músculo grande
dorsal, juntamente com pele, foi por nós transplantado, pela primeira vez, para reconstruir perda na
perna em 1978 e o músculo, com sua inervação, com finalidade funcional, em 1981. O osso, isolado
ou associado ao revestimento, veio a seguir.
Na cirurgia de cabeça e pescoço que trata, com ressecção, as neoplasias malignas da região e a
capacidade de reconstruir os defeitos criados, quando extensos, só foi possível depois do advento de
transplantes microcirúrgicos na cirurgia plástica. A reconstrução melhorou a qualidade de vida, fator
considerado modernamente tão importante quanto à sobrevida em pacientes com câncer.
A evolução da técnica mostrou que era preciso modificar conceitos ortopédicos considerados clássicos
e imutáveis. No tratamento das fraturas da tíbia, a microcirurgia trouxe questões sobre a influência do
revestimento cutâneo, sobre a evolução da lesão óssea — o ortopedista não deveria mais se preocupar
apenas com o osso, o concurso do cirurgião plástico para tratamento mais eficiente era imprescindível,
para obter melhor resultado.
As perdas segmentares ósseas extensas só puderam ser solucionadas com o advento dos transplantes
microcirúrgicos de osso, descritos por Taylor na Austrália em 1975 e introduzidos no Brasil no HC de
São Paulo na década de 1980, aplicado não só para ossos longos dos membros como para a
reconstrução da mandíbula.
As lesões nos nervos periféricos, provocadas por traumatismos, sempre foram difícil problema médico-
social. Na década de 1970 houve aumento da freqüência de casos provocado pela maior concentração
urbana no Brasil e, em especial, pelos acidentes de trabalho, que acompanharam a industrialização
das grandes cidades. Mais comumente eram lesados os nervos na face volar do antebraço e da mão,
no plexo braquial e o nervo facial. Até aquela época a cirurgia muito pouco podia ajudar os pacientes,
principalmente nos casos com perda de substância de nervo.
Coube a microcirurgia introduzir melhor visualização dos cotos de nervo lesados, permitir manipulação
mais delicada (e, portanto, menos danosa) e assim auxiliar na recuperação desses pacientes. Não
seria mais o tronco nervoso a estrutura principal a ser operada, mas seus constituintes menores, seus
fascículos, domínio da microcirurgia.
O tratamento da paralisia facial foi beneficiado pela microcirurgia com a enxertia de nervo para
reparar o nervo facial lesado no tratamento do câncer de cabeça e pescoço. As lesões traumáticas de
nervo facial passaram a ser tratadas mais precocemente como, aliás, a de todos os nervos, propiciando
resultados melhores. Nas paralisias faciais mais graves e nas mais antigas foi significativo o grau de
recuperação conseguido graças à introdução de procedimentos como o enxerto transfacial ou o
transplante funcional de músculo. A microcirurgia é, em suma, técnica essencial no tratamento das
lesões do nervo periférico, não mais havendo controvérsia sobre isso.
A qualidade da microcirurgia praticada por nós brasileiros foi reconhecida nacional e interna-
cionalmente. A revista Microsurgery solicitou-nos e publicou sete trabalhos que mostraram a evolução
da microcirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Revendo essa história, ficamos com a sensação de que muito foi feito por médicos e outros profissionais
da saúde graças ao aparecimento da microcirurgia. Novos conceitos foram introduzidos, alguns deles
modificando substancialmente outros arraigados. A comunidade médica foi positivamente influenciada
e melhorou o atendimento ao paciente, finalidade maior da missão médica.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. Buncke HJ, McLean D. Autotransplant of omentum to large scalp defect with microsurgical revascularization. Plastic Reconstructive
Surgery 1972; 49:2681.
2. Carrel A. Technique operative des anastomoses vasculaires et de la transplantation des vicères. Lyon Méd 1902; 98:8504.
3. Chen ZW, Yu H. Current procedure in China on replantation of severed linbs and digits. Clin Orthop 1987; 215:15-2317.
4. Daniel RK, Taylor I. Distant tranfer of an island flap by microvascular anastomosis. Plastic Reconstructive Surgery 1973; 52:111.
5. Ferreira MC, Albers MTV, Rocha D, Monteiro Jr AA. Transferencia directa de colgajo cutaneo com microcirurgia vascular. Cir Plas
Ibero-Latino-Americana 1976; 2:289-294.
6. Ferreira MC, Azze RJ, Abreu LB. Enxerto interfunicular de nervo com técnicas microcirúrgicas: resultados iniciais. Revista da
Associação Médica Brasileira 1975; 21:213-217.
2 Anestesia em Microcirurgia, 11
Marco Polo Baptista
Luis Carlos Bastos Salles
Silvana Moté da Rocha Baptista
3 Aspectos Psicológicos, 25
Sara Ângela Kislanov
PARTE II — ANATOMIA
8 Nervos Periféricos, 81
Armand Sard
Pierluigi Tos
9 Plexo Braquial, 89
Luiz Koiti Kimura
10 Nervo Facial, 93
Paulo Tuma Junior
Marcus Castro Ferreira
11 Epífise de Crescimento, 99
Coeli Leite
Gilles Dautel
24 Mão, 221
Jefferson Braga Silva
28 Minirreimplantes, 247
Michel Schoofs