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O Juiz de

Garantias em
Angola
2.ª Edição revista, melhorada e actualizada à luz das novas leis
O Juiz de
Garantias em
Angola
2.ª Edição revista, melhorada e actualizada à luz das novas leis

(I) Lei N.º 2/22, de 17 de Março, Lei Orgânica do Tribunal Supremo;

(II) Lei N.º 3/22, de 17 de Março, Lei Orgânica dos Tribunais da Relação;

(III) Lei N.º 14/22, de 25 de Maio, Lei que altera o Código de Processo Penal
Angolano;

(IV) Lei N.º 29/22, de 29 de Agosto, Lei Orgânica sobre a Organização e


Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum

Paulo Henriques
Juiz de Direito

Colaboração de:
Manuel António Dias da Silva
Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo
FICHA TÉCNICA

Título:
O Juiz de Garantias em Angola

Autor:
Paulo Henriques

Capa – Concepção e realização


Márcio Schalinski (LC Design @ Editorial)

Revisão linguística e paginação


Caneta de Estilo – Consultoria linguística
canetadeestilo@gmail.com

Editora
Editora Caneta de Estilo
canetadeestilo@gmail.com

Impressão
Manuel Barbosa & Filhos, Lda.

Edição:
2.ª Edição – Fevereiro 2023

ISBN:
978-989-33-4338-8

Depósito Legal:
511 504/23

Tiragem:
500 Exemplares

Contactos do Autor:
paulojorgehenriques77@gmail.com

Reservados todos os direitos. É proibida a reprodução, publicação ou transmissão


desta obra, em parte ou no todo, por quaisquer meios (electrónicos, mecânicos ou
outros), sem a prévia autorização, por escrito, do autor, abrangendo esta proibição os
conteúdos paginados, o arranjo gráfico e o design da capa da responsabilidade da
Editora. A violação destas regras é passível de procedimento judicial.
A justiça cria estabilidade e acalenta as almas.

Cristino Morales de Abril e Silva


Juiz Conselheiro Jubilado do Tribunal Supremo
AGRADECIMENTOS

A Deus, por me dar forças e iluminar o meu caminho.


Ao meu pai, João Henriques (in memoriam), e à minha mãe,
por ser tão dedicada e amiga, a pessoa que mais me apoia.
À minha filha, Zandra Sofia Henriques, luz dos meus olhos.
Às minhas irmãs, sobretudo por serem minhas irmãs.
Aos meus demais familiares, colegas e amigos que me
admiram e acreditaram, uma vez mais, na materialização deste pro-
jecto, e se viram privados do meu convívio devido às necessárias
horas para a sua conclusão.
Dirijo um agradecimento especial ao Venerando Juiz
Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Supe-
rior da Magistratura Judicial, Dr. Joel Leonardo, pelo permanente
incentivo e apoio moral, desde os primeiros passos da obra O Juiz
de Garantias em Angola.
Quero agradecer, igualmente, ao Venerando Juiz Conselheiro
do Tribunal Supremo, Dr. Manuel Dias da Silva, pela incondicional
colaboração no presente trabalho de actualização d´O Juiz de
Garantias em Angola, assim como por todo o apoio, amizade e
carinho durante os cerca de nove anos em que prestei serviços de
assessoria jurídica no Tribunal Supremo, último dos quais cum-
prindo destacamento junto da Câmara do Cível, Administrativo,
Fiscal e Aduaneiro, enquanto Juiz de Direito.
Agradeço ao Dr. Artur Domingos Ngunza, Director-geral do
Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ), por nesta qualida-

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Paulo Henriques

de nos ter aberto as portas do Instituto que dirigia, para que fosse
realizado o lançamento da 1.ª Edição, durante a cerimónia de encer-
ramento do 1.º Curso de Formação Inicial para Juízes de Garantia,
que decorreu de 14 de Junho a 28 de Agosto de 2021.
Finalmente, uma palavra de apreço à Associação Angolana
de Direito Penal (ADIPE), pelo estímulo sucessivo para que a 2.ª
edição d’O Juiz de Garantias em Angola fosse uma realidade.
A todos e a cada um de vós, uma vez mais, muito obrigado.

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NOTA PRÉVIA

Volvidos menos de dois anos da 1.ª Edição d’O Juiz de


Garantias em Angola (Junho de 2021), é agora dada à estampa a
sua 2.ª edição. O tempo de permeio foi o necessário e suficiente
para concluir uma revisão aturada, incluir as mais recentes leis
sobre o tema, proceder a uma reestruturação de alguns dos doze
capítulos, incluindo a renomeação dos respectivos títulos, de forma
a trazer ao leitor (seja académico ou não) uma obra, ainda, mais
clara e de fácil consulta.
Tratando-se de um tema recente na realidade angolana, urge
actualizar a obra com o que de novo se tem publicado. Nela dare-
mos especial relevo às seguintes leis: Lei n.º 14/22, de 25 de Maio
(Lei que altera o Código de Processo Penal Angolano), e a Lei
n.º 29/22, de 29 de Agosto (Lei Orgânica sobre a Organização e
Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum), vindo esta
última revogar, quer a Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro (Lei Orgânica
sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição
Comum), quer a Lei n.º 4/22, de 17 de Março (Lei das Secretarias
Judiciais e Administrativas) e toda a legislação que a contrarie.
Estamos, pois, convictos de que os supracitados instrumentos
se revelam essenciais para o edifício renovado da nossa legislação
penal, que, por si só, deve constituir uma unidade harmoniosa, de
forma que todas as normas se conjuguem e sejam coerentes entre
si, proporcionando a necessária segurança jurídica a todos os inter-
venientes processuais.

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PRINCIPAIS ABREVIATURAS

Ac. – Acórdão
Al. – Alínea
CC – Código Civil
Cfr. – Conforme
CP – Código Penal
CPP – Código Processual Penal
CRA – Constituição da República de Angola
CRP – Constituição da República Portuguesa
CSMJ – Conselho Superior da Magistratura Judicial
DL – Decreto-Lei
LOFTJC – Lei de Orgânica sobre o Organização e Funcionamento
dos Tribunais de Jurisdição Comum
JIC – Juiz de Instrução Criminal
JG – Juiz de Garantias
LMCPP – Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal
MP – Ministério Público
OAA – Ordem dos Advogados de Angola
PGR – Procuradoria-Geral da República
TRE – Tribunal da Relação de Évora
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa
TRP – Tribunal da Relação do Porto

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PREFÁCIO À 1.ª EDIÇÃO

Prefacio esta obra literária com indisfarçável orgulho porque,


para além da sua indiscutível qualidade, ligam-me ao autor profun-
das, estreitas e continuadas relações pessoais e profissionais.
Considero deveras gratificante a honra que me foi outorgada,
de deixar as minhas singelas impressões nesta criação de incontes-
tável valia.
Aceitei gostosamente o repto, porque prefaciar esta obra
constituiu, para mim, para além de um grato privilégio, um elemen-
tar dever, por várias ordens de razões.
Desde logo, por se tratar da minha área de trabalho favorita,
em torno da qual venho gravitando há várias décadas, não apenas
como docente e regente das disciplinas de Direito Processual Penal,
desde o longínquo ano de 1985, na Faculdade de Direito da Univer-
sidade Agostinho Neto, mas também no exercício da magistratura
militar e da Direcção Nacional para a Investigação Criminal, agora
Serviço de Investigação Criminal – SIC.
Outrossim, saudar a elaboração e a publicação de uma obra
doutrinária que enriquecerá sobremaneira a dogmática processual
penal angolana seria, por si só, razão mais do que suficiente para a
prefaciar.
Associar o meu nome à obra prefaciada constitui uma honra
que fico a dever ao penhorante convite que me foi formulado pelo
Venerando Conselheiro Manuel Dias da Silva e pelo brilhante

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Paulo Henriques

jurista Paulo Jorge Ferreira Henriques, ambos afectos ao Tribunal


Supremo.
Estabeleço com o Dr. Paulo Henriques, autor da obra, rela-
ções pessoais construídas em 2004, num momento em que tive o
prazer de o receber como um dos mais notáveis discípulos na
Faculdade de Direito da Universidade Lusíada de Angola.
Revelando desde muito cedo um especial talento para o
Direito, o Dr. Paulo Henriques brinda-nos agora com esta obra tão
oportuna quanto preciosa, se considerarmos que atravessamos um
indizível período de reformas penais, onde o Juiz das Garantias
assoma precisamente como a inovação mais reluzente.
A presente obra recebeu a prestimosa colaboração do Dr.
Manuel Dias da Silva, insigne Professor da Faculdade de Direito da
Universidade Agostinho Neto e Venerando Conselheiro do Tribu-
nal Supremo.
Trata-se de um magistrado que, logo após a Revolução de
Abril de 1974, se entregou abnegadamente à causa do nacionalismo
angolano, e que vem prestando relevantes serviços à justiça ango-
lana.
Depois de inúmeras peripécias e façanhas, tornou-se sobrevi-
vente e parte daquele punhado de tenros, mas determinados juristas
que, no dealbar da Independência, abraçaram voluntariosamente a
Magistratura Judicial Militar numa circunstância em que a incer-
teza obnubilava as nossas opções e a utopia condimentava as
nossas convicções.
Nessa altura tive a oportunidade de calcorrear com o Vene-
rando Manuel Dias da Silva uma parte do seu inigualável percurso.
Paradoxalmente ao que ocorreu noutros sectores, podemo-nos
vangloriar, sem recear a imodéstia, de termos sido os pioneiros da
Magistratura Militar Angolana. Embora jovens e remando contra
múltiplas peias, estivemos sempre determinados a brandir o estan-
darte da independência dos tribunais e da isenção dos juízes, num

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O Juiz de Garantias em Angola

momento em que o primado da lei parecia distante ou até intan-


gível.
Não foi debalde o sacrifício consentido. Volvidas quatro dé-
cadas, ao nos reencontrarmos nesta obra de insofismável valia, na
qualidade de amigo e colega não poderei deixar de render a mereci-
da homenagem a este trabalho, que constitui a primeira grande
pedra de toque e ponto de partida para uma discussão e um debate
em torno do novo Código de Processo Penal Angolano.
Esta obra, O Juiz de Garantias em Angola, foi elaborada no
momento certo, pois esta aquisição constitui o elemento central e o
zénite da reforma processual penal angolana e, como toda a dogmá-
tica jurídica, detém a virtualidade de se traduzir num incontornável
instrumento de hermenêutica, contribuindo para a integração das
normas do processo num sistema ordenado, lógico e compreen-
sível.
O trabalho estreia-se no nosso ordenamento jurídico como
consequência da entrada em vigor do Código de Processo Penal em
11 de Fevereiro de 2021, sendo o corolário lógico do art.º 186.º da
Constituição angolana de 5 de Fevereiro de 2010.
O autor da obra realizou um valioso périplo pelo Direito
Comparado, tendo-nos posto em contacto com a dimensão garan-
tística do processo penal chileno, brasileiro, italiano e português. E,
mais uma vez, constatamos que o processo penal é um verdadeiro
sismógrafo da Lei Fundamental enquanto esta constitui o seu limite
infrangível.
Trata-se de um tema que constitui, simultaneamente, novi-
dade e inovação, porquanto, historicamente, para nós que temos
vivido a reboque do Direito português, o primeiro afloramento aos
juízes de instrução criminal remonta à vetusta “Novíssima
Reforma” de 1841 que os instituiu, tendo sido banidos em 1929,
naquele que foi o grande retorno ao inquisitório.

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Paulo Henriques

Assim, podemos decididamente asseverar que a aprovação do


Código de Processo Penal de 1929 marcou um visível retrocesso no
que concerne ao anterior pendor garantístico da Novíssima Refor-
ma.
Na nossa realidade, representa um insofismável progresso no
processo de reforço das garantias dos cidadãos, razão pela qual esta
obra ganha especial importância.
O surgimento deste juiz resulta do art.º 186.º da Constituição
de Fevereiro de 2010, e hoje temo-lo firme e inamovível no Código
de Processo Penal de 2021.
Por todas estas razões, este novo sujeito processual deverá ser
estudado e escalpelizado para que não sobrevivam hesitações na
doutrina. Impõe-se que convertamos o Juiz das Garantias numa
irreversível conquista do Direito e da humanidade, pelo que
reputamos que esta importante obra será um indefectível factor
catalisador no alcance deste desideratum.
Para além de nos ter dado luz sobre os particularismos e as
particularidades do exercício do Juiz das Garantias no Chile, no
Brasil, em Itália e em Portugal, a obra delimita o papel do Juiz de
Garantias, bem como determina o momento das suas intervenções
no processo penal desde a instrução preparatória à contraditória.
Esta obra sinaliza a heteronomia de, nesta altura, o Ministério
Público ainda aplicar medidas de coacção processual, desenca-
deando assim um alerta para uma escrupulosa ponderação e um
profícuo debate. Trata-se de uma polémica que, mesmo durante as
discussões do projecto do novo Código de Processo Penal, infla-
mava ânimos e mobilizava paixões, razão pela qual foi introduzida
uma disposição transitória no âmbito da lei que aprova o referido
diploma (art.º 4.º) com vista a fixar um limite temporal aos actos
jurisdicionais do Ministério Público na instrução preparatória.
Tendo em conta este período de reformas penais e pro-
cessuais penais, estou absolutamente convencido de que esta obra

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O Juiz de Garantias em Angola

resistirá ao tempo, e rapidamente se transformará numa cartilha de


consumo obrigatório para todos quantos abracem a actividade judi-
ciária.
Hoje, regozijamo-nos com singular deleite por já podermos
dispor de obras com esta qualidade, produzidas por angolanos que,
por sinal, mesmo durante o longo período da encarniçada guerra
pela Paz, souberam buscar o sentido da vida, na sua permanente
superação.
ALEA JACTA EST.

Bem haja!

José A. Eduardo Sambo (Ph.D)


Comissário da Polícia Nacional
Professor Universitário

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS.......................................................................................... 9
NOTA PRÉVIA .................................................................................................. 11
PRINCIPAIS ABREVIATURAS ....................................................................... 13
PREFÁCIO À 1.ª EDIÇÃO ................................................................................ 15
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 25
CAPÍTULO I – O JUIZ DE GARANTIAS – CONSIDERAÇÕES
PRELIMINARES ....................................................................................... 29
CAPÍTULO II – O JUIZ DE GARANTIAS E OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS ..................................................................................... 35
2.1. Outras instituições essenciais à justiça ............................................ 41
CAPÍTULO III – BREVE APRECIAÇÃO SOBRE A ÉTICA E
DEONTOLOGIA DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS E DO
MINISTÉRIO PÚBLICO ........................................................................... 47
3.1. Sobre a Pauta Deontológica do Serviço Público ............................. 48
3.2. Princípios relativos aos Magistrados ............................................... 51
3.3. Outras referências no direito positivo, no âmbito da ética e
deontologia profissional .................................................................. 54
3.4. Dos Princípios de Bangalore para a Conduta Judiciária .................. 58
CAPÍTULO IV – O JUIZ DE GARANTIAS NO DIREITO
COMPARADO........................................................................................... 61
4.1. O Juiz de Garantias chileno ............................................................. 62
4.2. O Juiz de Garantias brasileiro.......................................................... 65
4.3. O Juiz de Garantias italiano ............................................................. 67
4.4. O Juiz de Instrução português ......................................................... 68
CAPÍTULO V – OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ............................. 73

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Paulo Henriques

5.1. Tipologia dos sistemas processuais penais ...................................... 73


5.1.1. O sistema inquisitório ....................................................... 74
5.1.2. O sistema acusatório ......................................................... 75
5.1.3. O sistema misto ................................................................. 76
5.2. O sistema processual penal em Angola (anterior ao novo
Código de Processo Penal de 2020) ................................................ 77
CAPÍTULO VI – O JUIZ DE GARANTIAS EM ANGOLA –
CONTEXTUALIZAÇÃO .......................................................................... 79
CAPÍTULO VII – O REGIME JURÍDICO DO JUIZ DE GARANTIAS .......... 83
7.1. Apreciação genérica ........................................................................ 83
7.2. Conceito de Juiz de Garantias ......................................................... 84
7.3. Competência dos Juízes de Garantia ............................................... 85
7.3.1. Competência dos juízes (em geral) ................................... 87
7.3.2. Competência dos Juízes de Garantia na Fase de
Instrução Preparatória ....................................................... 88
7.3.3. Competência dos Juízes de Garantia na Fase de
Instrução Contraditória ..................................................... 92
CAPÍTULO VIII – O PAPEL DE JUIZ DE GARANTIAS NAS FASES
DO PROCESSO PENAL ........................................................................... 97
8.1. Fase da Instrução Preparatória (art.º 302.º e ss do CPP) ................. 99
8.2. Na Fase da instrução contraditória (art.º 332.º e ss. do CPP) ........ 104
8.3. Fase do Julgamento (art.º 355.º e ss do CPP) ................................ 106
CAPÍTULO IX – AS MEDIDAS PROCESSUAIS DE NATUREZA
CAUTELAR ............................................................................................ 109
9.1. A detenção .................................................................................... 109
9.2. As medidas de coacção pessoal e de garantia patrimonial ............ 112
9.3. Dos princípios legais ..................................................................... 112
9.4. Pressupostos para aplicação das medidas de coacção ................... 116
9.5. Aplicação das medidas de coacção pessoal e de garantia
patrimonial .................................................................................... 121
9.5.1. Audição do arguido ......................................................... 121
9.5.2. Despacho de aplicação das medidas de coacção ............. 130
9.5.3. Competência para aplicação das medidas de coacção..... 130

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O Juiz de Garantias em Angola

9.5.4. Questões conexas à aplicação das medidas de


coacção ............................................................................ 138
9.5.5. Análise de cada uma das medidas de coacção
pessoal ............................................................................. 141
9.5.6. Medidas de garantia patrimonial ..................................... 148
9.5.7. Revogação e substituição das medidas de coacção –
art.º 267.º do CPP ............................................................ 151
9.5.8. Análise de cada um dos actos a praticar pelo Juiz de
Garantias ......................................................................... 151
9.5.9. Dos actos que carecem autorização do Juiz de
Garantias ......................................................................... 158
CAPÍTULO X – IMPUGNAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES ............. 159
10.1. Sobre o habeas corpus em Angola ................................................ 160
CAPÍTULO XI – UMA OUTRA SISTEMATIZAÇÃO SOBRE AS
PENAS DE PRISÃO – NOTAS RELEVANTES A NÍVEL DO
DIREITO COMPARADO (BRASIL) ...................................................... 165
11.1. Evolução histórica das penas de prisão (no geral) ......................... 165
11.2. Tipologia das penas de prisão (Brasil) .......................................... 167
11.2.1. Prisão em flagrante .......................................................... 170
11.2.2. Prisão temporária............................................................. 171
11.2.3. Prisão preventiva Strictu Sensu ....................................... 171
CAPÍTULO XII – A IMPLEMENTAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO
JUIZ DE GARANTIAS............................................................................ 173
12.1. Sobre a designação e exercício de funções dos Juízes de
Garantias nos Tribunais Superiores e de Comarca ........................ 174
12.2. Sobre o modo de funcionamento ao nível dos Tribunais de
Comarca ........................................................................................ 176
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 181
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 185

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INTRODUÇÃO

A aprovação da Constituição da República de Angola em


2010 (doravante CRA) representou a pedra de toque para o início
da consolidação de um Estado Democrático e de Direito, obrigando
à criação de leis que assegurem o respeito pelos direitos, liberdades
e garantias dos cidadãos.
Segundo o art.º 1.º da CRA, a República de Angola baseia-se
na dignidade da pessoa humana, um valor supremo da Democracia
livre. Daqui resulta, para o Estado angolano, o dever de conceder
protecção à dignidade da pessoa humana, que é, no seu conteúdo,
um direito fundamental intocável1.
Democracia e legitimidade, de um lado, justiça, cidadania e
dignidade da pessoa humana, do outro2. Este é o princípio funda-
mental.
Ao lado deste, temos a afirmação do Princípio da universa-
lidade, no art.º 22.º da CRA, segundo o qual todos os cidadãos de
Angola, bem como os residentes no seu território, gozam de
direitos, liberdades e garantias fundamentais3.

1
SOUSA, António Francisco, Constituição da República de Angola, Anotada e
Comentada, Porto: Vida Económica – Editorial, S.A., 2014, p. 21.
2
SILVA, Marcos Antônio da & SILVA, Diego Nassif da, Justiça vs.
Democracia: Entre Legitimidade e Efectividade. Disponível em
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=03f5446139179452.
3
A universalidade significa que os direitos, liberdades e garantias constitucio-
nalmente garantidos são para todos os cidadãos angolanos. A universalidade é
uma manifestação especial da igualdade. SOUSA, António Francisco.

25
Paulo Henriques

Outrossim, a nossa Magna Carta passou a prever, na al. f) do


art.º 186.º, um Magistrado Judicial “fiscalizador” das garantias dos
cidadãos, durante a fase de instrução preparatória.
Esta reafirmação do Estado angolano, em comprometer-se
com os valores e princípios fundamentais, fez com que se lançasse
mão à reforma legislativa no nosso País4‒5.
Ficou assim prevista a estruturação e aprovação de um novo
Código Penal (doravante CP), em substituição do velhinho código
de 1882, e de um novo Código de Processo Penal (doravante CPP)
em substituição do antigo CPP de 1929, o que, finalmente, veio a
acontecer uma década depois, com a aprovação das Leis n.os 38/20
e 39/20, ambas de 11 de Novembro.
A solução até então existente – de recurso ao Juiz de Turno
(cfr. art.º 51.º da anterior Lei das Medidas cautelares em Processo
Penal) – mostrou-se claramente insuficiente, razão esta, entre ou-
tras, que fez com que o legislador acabasse por instituir a figura do
Juiz de Garantias, por força do referido comando constitucional da
al. f) do art.º 186.º da CRA.
Ao lado desta novidade, destaca-se, no novo Código de
Processo Penal, o reforço do regime das garantias processuais do
arguido, como teremos a oportunidade de abordar.

Constituição da República de Angola, Anotada e Comentada. Porto: Vida


Económica – Editorial, S.A., 2014, p. 47.
4
Actualmente, está em vigor o Despacho Presidencial n.º 72/20, de 26 de Maio,
que aprovou a constituição da Comissão de Reforma da Justiça e do Direito
(CRJD), coordenada pelo Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos.
5
Interligados a estas disposições constitucionais, temos aquilo a que LOPES Jr.,
Aury (Direito Processual Penal, 16.ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2019) chama
de Princípios Constitucionais do Processo Penal, constitutivos das chamadas
“regras do jogo” ou do devido processo (due process of law) “servindo, ao
mesmo tempo, como mecanismos de limitação e legitimação do poder de punir”.
São eles, nomeadamente, (i) Jurisdicionalidade, (ii) o princípio do acusatório, e
(iii) o princípio da presunção de inocência.

26
O Juiz de Garantias em Angola

Portanto, a ideia do garantismo (tutela dos direitos e liber-


dades fundamentais previstos na CRA) passou a permear a actual
concepção do processo penal, cujo fim se traduz na realização da
justiça, por via de instrumentos que processualmente sejam admis-
síveis e por forma a assegurar a paz jurídica dos cidadãos.
De realçar que o novo Código de Processo Penal teve aplica-
ção imediata, inclusive aos processos em curso iniciados antes da
sua entrada em vigor, com excepção das situações em que da sua
aplicação resulte um agravamento da situação processual do argui-
do ou a quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo.
O período para entrada em vigor dos referidos códigos
(vacatio legis) ficou determinado no prazo de 90 dias após a data
da sua publicação (art.º 6.º das referidas leis).
No entanto, repare-se que, decorridos dois anos após o seu
surgimento, a figura do Juiz de Garantias ainda não está em
funções.
Pode ser que agora, depois da publicação da Lei n.º 14/22, de
25 de Maio, Lei que altera o Código de Processo Penal Angolano
(que alterou a redacção de diversos artigos, visando definir com
clareza o conceito de Juiz de Garantias e determinar as suas
competências), assim como a Lei n.º 29/22, de 29 de Agosto, Lei
Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais de
Jurisdição Comum – LOFTJC (nesta destacando-se a designação,
competência e modo de funcionamento dos Juízes de Garantia), a
sua implementação e funcionamento seja uma realidade, o que per
se justificou a presente 2.ª edição d’O Juiz de Garantias em
Angola.
Logo, na exploração do tema, procurou dar-se uma visão
geral do regime jurídico do Juiz de Garantias, numa vertente
essencialmente prática, com o objectivo de criar um guia de fácil
consulta.

27
Paulo Henriques

Com a consciência de que fica sempre muito por dizer, espe-


ramos que o nosso contributo sobre o Juiz de Garantias em Angola
seja, uma vez mais, um ponto de partida para reflexões mais pro-
fundas.
O resultado do nosso labor será partilhado convosco nas pági-
nas que se seguem.

28
CAPÍTULO I – O JUIZ DE GARANTIAS – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

CAPÍTULO I

O JUIZ DE GARANTIAS – CONSIDERAÇÕES


PRELIMINARES

O direito opera por comandos abstractos. Mas a


realidade forçada destes comandos efectua-se por
imposição judiciária. O juiz é o intermediário entre a
norma e a vida: é o instrumento vivo que transforma a
regulamentação típica imposta pelo legislador na
regulamentação individual das relações dos particu-
lares; que traduz o comando abstracto da lei no
comando concreto entre as partes, formulado na
sentença. O juiz é a viva vox iuris. As tarefas prelimi-
nares da actividade judicial são pois: o apuramento
do facto, da relação material a julgar, e a determi-
nação do direito a que o facto está subordinado6.
É neste contexto que abordamos, em linhas gerais, a figura
do Juiz de Garantias, o que é e que papel desempenha (ou deverá
desempenhar, visto que ainda não está em exercício de funções no
nosso País).
Como tal, ressalta-se aqui a norma transitória constante do
n.º 1 do art.º 4.º da Lei n.º 39/20, de 11 de Novembro, Lei que apro-
va o CPP, nos termos da qual:

6
ANDRADE, Manuel A. Domingues, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação
das Leis. 4.ª Edição, Coimbra: Arménio Amado Editor, 1987, p. 111.

29
Paulo Henriques

O Ministério Público cessa o exercício das competên-


cias atribuídas aos juízes de garantia pelo Código
aprovado pela presente lei, logo que estes entrem em
funções.
Do ponto de vista da História, essa figura não é nova, exis-
tindo em outros ordenamentos jurídicos, quer na América Latina,
como é o caso da República do Chile e República Federativa do
Brasil7, quer na Europa, mais especificamente na Alemanha, Itália,
Espanha e Portugal, este último com uma figura próxima, que se
designa Juiz de Instrução.
Todos esses ordenamentos jurídicos têm, de uma forma
geral, regras expressas nos seus Códigos de Processo Penal, no
sentido de haver uma separação entre os órgãos jurisdicionais de
controlo da investigação preliminar e de julgamento do respectivo
processo penal, com vista à máxima imparcialidade possível.
De uma forma concisa, o Juiz de Garantias cuida das
decisões jurisdicionais durante as fases de instrução preparatória8
(art. os 313.º e 314.º) e instrução contraditória9 (art.os 334.º e 336.º),
nos termos das disposições do CPP10, antes, portanto, da fase de
julgamento.

7
Cfr. Lei 13.964/19, que faz parte do denominado “Pacote Anticrime do
Governo Federal”, lei esta entretanto suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.
8
Instrução preparatória, em sentido formal, é a fase do processo que tem por fim
investigar o crime e reunir o conjunto de provas que formam o corpo de delito,
isto é, as provas capazes de transformar o juízo inicial de suspeita, num juízo de
probabilidade sobre a existência do crime e da pessoa que a cometeu – RAMOS,
Vasco A. Grandão, Direito Processual Penal, Noções Fundamentais, Luanda:
Ler & Escrever, 1995, p. 336.
9
A instrução contraditória tem como fim tanto completar e reforçar a prova
indiciária da acusação como realizar as diligências requeridas pelo arguido
destinadas a ilidir ou enfraquecer aquela prova e a preparar ou corroborar a
defesa. Idem, p. 344.
10
De acordo com as disposições da Lei n.º 14/22, de 25 de Maio, Lei que altera o
Código de Processo Penal Angolano, nomeadamente, as redacções dos artigos

30
O Juiz de Garantias em Angola

Na fase de instrução preparatória pode ocorrer, por exem-


plo, a tomada de medidas de coacção pessoal de prisão preventiva,
prisão preventiva domiciliária, interdição de saída do País, a me-
dida de garantia patrimonial de caução económica ou o arresto
preventivo, ou outras, nomeadamente, ordenar buscas, revistas e
apreensões a escritórios de advogados, consultórios médicos, além
de outros locais protegidos, assim como a tomada de declarações
para memória futura, entre outros. Tudo isso deverá ser autorizado
pelo Juiz de Garantias.
Consideramos, por isso, essencial a intervenção de uma
entidade independente, imparcial e descomprometida com a titu-
laridade da acção penal e sem competências de investigação, de
modo a garantir, de forma isenta, o controlo da legalidade das
investigações, primando pelo respeito dos direitos, liberdades e
garantias dos visados, e evitando as ingerências injustificadas na
sua esfera jurídica.
Significa que os processos penais passam a ser acompa-
nhados por dois juízes: o Juiz de Garantias, no âmbito das fases de
instrução preparatória e de instrução contraditória, e outro juiz, na
fase de julgamento.
Trata-se de uma figura consentânea ao princípio do acusa-
tório consagrado pela nossa CRA e pelo CPP, que assegura a
imparcialidade de forma muito mais efectiva.
Impõe-se destacar o disposto no art.º 179.º, n.º 1, da CRA11:

55.º, 127.º, 250.º, 254.º, 286.º, 308.º, 313.º, 313.º, 315.º, 334.º, 336.º, 338.º, 341.º,
345.º, 355.º, 357.º, 382.º, 385.º, 424.º, 447.º, 454.º e 475.º.
11
“O juiz deve ser neutral, isto é, imparcial. Uma garantia fundamental da
decisão judicial e da justiça processual está no facto de as decisões serem
tomadas com distância em relação aos interesses em apreço. O princípio da
imparcialidade aplica-se não só aos funcionários públicos, mas também aos
juízes. A independência e a imparcialidade dos juízes são pressupostos básicos
da realização da justiça. Para melhor assegurar a independência e imparcialidade
dos juízes, o Estado de direito confiou a magistratura a magistrados de carreira.
O juiz não recebe orientações do Estado. E, para assegurar a independência

31
Paulo Henriques

Os juízes são independentes no exercício das suas


funções e apenas devem obediência à Constituição e à
lei.
Vale, ainda, mencionar o posicionamento de Geraldo Prado
sobre o tema:
Não basta somente assegurar a aparência de isenção
dos Juízes que julgam as causas penais. Mais do que
isso, é necessário garantir que, independentemente da
integridade pessoal e intelectual do magistrado, sua
apreciação não esteja, em concreto, comprometida
em virtude de algum juízo apriorístico12.
É assim que, com a aprovação da referida Lei n.º 39/20, de
11 de Novembro, Lei que aprova o Código do Processo Penal
Angolano (CPP), foi revogada uma vasta legislação que a contraria,
entre Leis, Decretos-Leis e Decretos, dos quais se destacam:
– O Código do Processo Penal de 1929. Os diplomas que
substituíram qualquer dos seus preceitos e todas as dispo-
sições legais que prevejam factos regulados no mesmo
diploma;
– A Lei n.º 20/88, de 31 de Dezembro – Do Ajustamento
das Leis Processuais Civil e Penal ao Sistema Unificado de
Justiça;

pessoal do juiz, ele é nomeado vitaliciamente, é inamovível e aufere um venci-


mento estabelecido por lei. Para assegurar a imparcialidade, o juiz é excluído do
processo quando os seus interesses pessoais são atingidos pelo caso a decidir,
quando ele seja familiar próximo de um interessado no processo ou quando se
verifique um factor gerador de desconfiança que possa abalar a simples
aparência de imparcialidade”. SOUSA, António Francisco. Constituição da
República de Angola, Anotada e Comentada. Porto: Vida Económica – Editorial,
S.A., 2014, p. 173.
12
PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. A conformidade constitucional das leis
processuais penais. 4ª Edição. RJ: Lumen Juris, 2006. p. 10/111.

32
O Juiz de Garantias em Angola

– Lei n.º 23/12, de 14 de Agosto – Altera o art.º 56.º do


CPP;
– Lei n.º 2/14, de 10 de Fevereiro – Lei Reguladora das
Revistas, Buscas e Apreensões;
– Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro – Lei das Medidas
Cautelares em Processo Penal (LMCPP).
Com efeito, podemos afirmar que houve uma alteração de
paradigma a nível do nosso processo penal, que sai, certamente,
reforçado com esta inovação.

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