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205
INVESTIGAÇÃO
▲
Protocolo de Teledermatologia para triagem do câncer da pele*
Maria Fernanda Piccoli1 Bruna Dücker Bastos Amorim1
Harley Miguel Wagner2 Daniel Holthausen Nunes3
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20153163
Resumo: FUNDAMENTOS: Telemedicina refere-se ao uso da tecnologia para otimização da saúde em locais onde a
distância faz-se obstáculo ao atendimento pessoal. Na Dermatologia, seu uso representa um grande potencial,
visto tratar-se de especialidade cuja análise visual é fase essencial no diagnóstico.
OBJETIVOS: Analisar o índice de compatibilidade diagnóstica de câncer da pele entre a APS e a Teledermatologia e
validar um protocolo para padronização da obtenção de imagem digital para os laudos na Teledermatologia.
MÉTODOS: Estudo observacional transversal realizado por censo de 333 solicitações de exame, entre janeiro/2012 e
julho/2012, no Núcleo de Telemedicina e Telessaúde da SES-SC. Utilizou-se um protocolo para padronização
fotográfica das lesões, constituído por três etapas (foto panorâmica, de aproximação com régua e dermatoscopia).
Depois disso, os dados eram enviados ao sítio virtual na internet, onde foram coletados através de interface vir-
tual, contendo as imagens, o fototipo da pele e as características demográficas. Foram calculados sensibilidade,
especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN) do protocolo. A chance de o laudo
ser realizado foi calculada pelo Odds Ratio (OR) e a validação foi calculada pelo coeficiente de kappa.
RESULTADOS: O índice de compatibilidade entre a suspeita diagnóstica de câncer da pele na atenção básica de saúde
de Santa Catarina e o diagnóstico proposto pela Teledermatologia foi de 19,02%. Proporcionalmente, foi de 21,21%
para CBC, 44,44% para CEC e 6,98% para MM. O protocolo mostrou concordância substancial (κ=0,69) e sig-
nificância estatística (p< 0,05), OR 38,77.
CONCLUSÃO: O índice de compatibilidade diagnóstica de câncer da pele foi baixo e o uso do protocolo aperfeiçoou
a chance de validação das solicitações de exame.
Palavras-chave: Neoplasias cutâneas; Programas de rastreamento; Telemedicina
INTRODUÇÃO
Não é difícil perceber o potencial da básica a teleconsulta, ou seja, a assistência médica à
Telemedicina para a difusão da Dermatologia já que, distância.1-5
em se tratando do ramo da Medicina responsável pelo Duas são as modalidades de troca de informa-
cuidado da cútis e seus anexos, o diagnóstico – com o ções instituídas na Telemedicina, sendo utilizadas,
devido respeito à anamnese do paciente – é, muitas também, na segunda opinião formativa: o modo sín-
vezes, obtido por meio de imagens e visualizações da crono (real-time), em que o requerido e o requerente,
lesão. Desta forma, pode-se dizer que a junto ao paciente, participam em tempo real da con-
Teledermatologia corresponde ao ramo da sulta; e o modo assíncrono (store-and-forward), em que
Telemedicina que visa aliar as novas tecnologias da a dúvida é transportada para um banco de dados, pas-
comunicação e informática às práticas dermatológicas sível de consulta posterior, sendo este, utilizado pela
de modo a diminuir a necessidade do encontro face a Rede Catarinense de Telemedicina (RCTM).1, 6-14
face entre o paciente e o especialista, tendo a perspec- Devido ao amplo número de doenças dermato-
tiva de garantir efetivo planejamento de saúde, pes- lógicas, sua variabilidade clínica e cronológica e a difi-
quisa, educação, discussão clínica, segunda opinião e culdade na padronização de fotos, a criação de proto-
assistência dermatológica especializada. Por lidar com colos específicos e ferramentas adequadas são funda-
um forte componente visual, a Dermatologia, como mentais para a viabilização do telediagnóstico em
especialidade, pode obter um benefício significativo Dermatologia.1, 15-17
com o uso da Telemedicina, que tem como função
Recebido em 24.09.2013.
Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 21.03.2014.
* Trabalho realizado no Núcleo de Telemedicina e Telessaúde da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SES-SC) – Florianópolis (SC), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
1
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) – Palhoça (SC), Brasil.
2
Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (FEESC) – Florianópolis (SC), Brasil.
3
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Florianópolis (SC), Brasil.
Atualmente, não é difícil perceber que um dos que procuraram atendimento com queixas dermatoló-
impedimentos para a concretização de um sistema de gicas visíveis.
saúde abrangente e efetivo esbarra na variável econô- Também fizeram parte do estudo o médico
mica. Nesse sentido, a segunda opinião formativa e o requerente do exame (assistente - não especialista),
telediagnóstico trazem alternativas para a superação responsável pelas consultas presenciais na Atenção
dessa barreira, pois se tratam de procedimentos consi- Primária à Saúde (APS), e um dermatologista respon-
derados de baixo custo quando comparados aos seus sável pela análise e pelo laudo das fotos das lesões a
concretos resultados.1, 14 serem diagnosticadas à distância (telediagnóstico).
Outro fato notório é a má distribuição dos O presente estudo utilizou o método de censo
médicos no estado catarinense. A maioria dos profis- para a realização da seleção da população.
sionais, pelas mais diferentes razões, tende a perma-
necer nos arredores dos centros urbanos, deixando as Critérios de inclusão e exclusão
áreas afastadas sob responsabilidade de profissionais Foram admitidos, no presente estudo, todos os
frequentemente não especializados. Para isso, a pacientes - independentemente de idade, gênero,
segunda opinião formativa vem com o intuito de ava- situação socioeconômica, fototipo ou procedência -
liar a necessidade do encaminhamento do paciente ao que procuraram as UBS de SC com queixas dermato-
médico especialista distante de seu domicílio, evitan- lógicas visíveis e que, após avaliação inicial médica
do que terapêuticas simples sejam adiadas por conta por um não especialista, foram encaminhados para
da distância entre paciente e perito. Além disso, essa consulta com dermatologista (especialista), via tele-
nova técnica de troca de informações possibilita trata- diagnóstico. Além disso, foram incluídos apenas
mento adequado àqueles moradores de regiões lon- aqueles que firmaram o termo de aceite de pesquisa.
gínquas.1,3,12,17,18
É certo que um diagnóstico acurado representa Grupos
boa parte de uma intervenção terapêutica bem- suce- Casos: pacientes que apresentaram lesões suspeitas
dida; contudo, a dinâmica da Medicina, bem como os observadas pelo médico-assistente da atenção básica.
diversos modos com que uma patologia pode se Controles: pacientes que apresentaram lesões compa-
manifestar, interfere no raciocínio clínico. Diante desta tíveis com câncer da pele na avaliação do especialista.
realidade, aliada aos fatores econômicos e geográficos Foram excluídos pacientes que compareceram à
expostos anteriormente, o telediagnóstico, por meio consulta com queixas dermatológicas sem lesões visí-
da Teledermatologia, ganha cada vez mais importân- veis ou sem qualidade suficiente para avaliação, ou
cia como método inovador de auxílio ao profissional, ainda, pacientes em tratamento dermatológico que
fundamental para o devido acesso à saúde. apresentaram apenas sintomas clínicos, sem sinais
Nessa perspectiva, a verificação da eficácia do dermatológicos visíveis. Também não foram incluídos
telediagnóstico em Dermatologia mostra-se de extre- aqueles que não assinaram termo de consentimento.
ma valia na consolidação deste novo artifício como
alternativa efetiva para se alcançar um tratamento Coleta de dados
médico especializado e democrático. Visando à padronização dos procedimentos referen-
Frente ao exposto, o presente trabalho tem por tes à coleta de dados do estudo, que ocorreu por meio de
objetivo verificar a compatibilidade diagnóstica entre fotografia, foram capacitados nove centros de saúde, distri-
o médico generalista da rede de atenção primária e o buídos de modo uniforme dentre as macrorregiões que com-
telediagnóstico em Dermatologia pelo médico espe- põem o estado de Santa Catarina. Tais espaços, denomina-
cialista, através de um protocolo estruturado de dos Unidades de Saúde Habilitadas para Coleta de Exame,
Teledermatologia para o diagnóstico dos principais contaram com a participação de profissionais técnicos, pre-
cânceres da pele que acometem a população em SC. viamente treinados para a adequada obtenção de imagens.
MÉTODOS Procedimentos
Foi realizado um estudo epidemiológico do Durante a consulta presencial com médico não
tipo caso-controle para validação do protocolo estru- especialista nas Unidades Básicas de Saúde, os dados
turado de Teledermatologia para triagem diagnóstica pertinentes ao paciente foram inseridos em um pron-
do câncer da pele, com abordagem transversal descri- tuário virtual, que possibilitou o encaminhamento
tiva para as variáveis independentes, no Núcleo de para o especialista quando necessário. Tiveram indica-
Telemedicina e Telessaúde da Secretaria de Estado da ção de encaminhamento os doentes que apresentaram
Saúde de SC. sinais ou sintomas que sugeriram câncer da pele.
A população em estudo contemplou pacientes Aqueles que foram selecionados para consulta
atendidos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de SC com dermatologista foram conduzidos à Unidade de
Saúde Habilitada para Coleta de Exame mais próxima nóstico. Tais imagens foram, então, remetidas para o
da região do paciente, local onde foi realizada a coleta computador através de cabo USB e armazenadas no
de dados mediante a assinatura do termo de consenti- formato JPEG.
mento livre e esclarecido.
O registro fotográfico para a investigação dos Análise estatística
casos suspeitos de neoplasia foi realizado em três eta- Os dados foram analisados no programa SPSS
pas: a foto panorâmica, a foto de aproximação com 18.0. Foram calculadas a sensibilidade e a especificida-
régua e a foto de contato (dermatoscopia). de, bem como o VPP e VPN e a acurácia dos diagnós-
No que se refere à foto panorâmica, o técnico foi ticos de cada tipo de tumor. Foi calculada a chance de
orientado a identificar cada lesão, utilizando uma eti- o médico especialista laudar o exame de
queta com data, iniciais do paciente e número da Dermatologia enviado, seguindo ou não o protocolo
lesão, de forma a fazer uma imagem panorâmica da estabelecido, através do Odds Ratio, considerando o
região do corpo (cabeça, tronco, braços e pernas, intervalo de confiança 95% e o valor de p<0,05. Para
podendo ser frente ou dorso) acometida por uma ou validação, foi calculada a concordância dos métodos
mais lesões. Nessa etapa, o técnico foi orientado a não através do coeficiente kappa (κ).
utilizar o modo zoom.
A segunda etapa consistiu na foto de aproxima- Aspectos éticos
ção com régua, na qual o técnico foi instruído a bater Este trabalho está de acordo com as diretrizes e
a foto a uma distância de aproximadamente 30 centí- normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo
metros da lesão, sem a utilização do modo zoom, com seres humanos (Resolução 196/1996 do Conselho
a milimetragem da régua paralela à lesão, a fim de ser- Nacional de Saúde) e foi aprovado pelo comitê de
vir de referência para o real tamanho da mesma. ética em pesquisa da UNISUL, através do parecer nº
Por fim, a terceira foto foi feita através da dermatosco- 11.190.04.01.
pia, em que o dermatoscópio era acoplado à câmera digital. Todos os pacientes que aceitaram participar do
Nesta etapa, o técnico aplicava gel na lente do aparelho e estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre
fotografava cada lesão com o dermatoscópio totalmente e Esclarecido em duas vias. Tanto as anamneses quan-
encostado à pele do paciente, utilizando o modo zoom da to as fotografias foram feitas mantendo-se o caráter
câmera em seu grau máximo. sigiloso.19
Depois da coleta, os dados foram transmitidos
através de um ambiente desenvolvido na internet RESULTADOS
exclusivamente para o envio dos dados correspon- O grupo analisado era constituído por 333 solicitações
dentes a cada paciente. Sempre que surgia um novo de avaliação, dentre as quais 149 foram invalidadas por
caso, uma mensagem era emitida via correio eletrôni- diversos motivos: exame de teste, exame repetido, fora do
co para o médico participante (especialista), comuni- protocolo e fora de foco, conforme tabela 1.
cando a nova solicitação de consulta à distância, aces- No tocante ao exame fora do protocolo como
sada através de um sítio restrito. motivo de invalidação, relataram-se 128 episódios,
Depois disso, o médico responsável exibia seu distribuídos entre os meses de janeiro e julho, repre-
diagnóstico de maneira autônoma, conforme prazo sentando 85,91% do total. Já a ocorrência de imagem
limite de 72 horas, mediante os dados clínicos e as fora de foco ensejou a invalidação em 12 casos - 8,05%
fotografias encaminhadas pelo médico não especiali- do número absoluto dos não validados.
zado requerente. Desta feita, foram invalidados 149 encaminha-
mentos oriundos da rede de atenção primária, cuja
Instrumento de coleta de dados maior frequência se deu em janeiro, com 50 casos
Foi utilizado um protocolo como instrumento (33,55%), e a menor, em julho (3,35%). Do mesmo
de coleta de dados, que contemplou as informações modo, o motivo de maior prevalência para invalida-
relacionadas ao procedimento de obtenção das ima- ção das hipóteses diagnósticas aconteceu em virtude
gens das lesões e da região anatômica acometida. dos exames fora de protocolo e as menores devido aos
Depois de preenchido o protocolo, as fotografias exames de teste, consoante dados supracitados.
foram encaminhadas, via internet, para determinado Do grupo remanescente - 184 solicitações de ava-
sítio virtual restrito, ao qual o médico especialista não liação -, a frequência reconhecida quanto ao sexo foi de
presencial (dermatologista) e o médico não especialis- 135 para o feminino (73,37%). A cor da pele hegemôni-
ta tiveram acesso. ca foi branca, sendo o fototipo III evidenciado em 135
A coleta das imagens foi feita através de câme- pacientes (55,97%), seguido do fototipo II em 30 pacien-
ras do tipo Cyber Shot, já que as fotografias das lesões tes (16,84%) e do fototipo I em 19 pacientes (10,86%). A
fazem parte dos dados fundamentais para o telediag- média de idade foi de 54,74 (± 15,17) anos.
n - número absoluto
TABELA 3: Percentual dos testes diagnósticos aplicados em cada tipo de câncer da pele, conforme solicitação de exame gerado
pela rede de atenção primária
Testes diagnósticos
Neoplasias da pele Sensibilidade (%) Especificidade (%) Acurácia (%) VPP (%) VPN (%)
Câncer Basocelular (CBC) 77.7 29.7 39.1 21.2 84.6
Câncer Espinocelular (CEC) 30.7 97.1 92.4 44.4 94.8
Melanoma Maligno (MM) 75.0 77.7 77.7 6.98 99.3
VPP – valor preditivo positivo; VPN – valor preditivo negativo
paciente. Terceiro, o uso de protocolos como instru- A maioria dos casos estudados foi de pessoas
mentos de coleta de dados preenchidos de forma obje- de cor branca (83,67%), incluindo os fototipos I, II e III,
tiva aliado a procedimentos predefinidos para realiza- fator que, muito provavelmente, tem relação com a
ção das fotografias das lesões de pele distanciam-se maior incidência de câncer da pele em pessoas mais
das vulnerabilidades como viés de interpretação do claras. Esta hipótese já está ancorada na literatura, que
especialista, corroborando a verificação do diagnósti- defende a relação direta entre o câncer da pele e a cor
co adequado. Quarto, a exigência e o cuidado com a do indivíduo, no sentido de que, quanto mais clara a
aplicação da metodologia geraram 149 invalidações pele, maior a frequência do câncer.22-28 Não obstante,
de exames, permanecendo 184 solicitações analisadas. outra explicação plausível para a grande incidência de
Finalmente, o fato de a pesquisa ter sido reali- pessoas brancas no estudo se deve ao fato de a popu-
zada no Núcleo de Telemedicina e Telessaúde da lação catarinense ser predominantemente de pele
Secretaria de Estado da Saúde foi um dos pontos for- clara (84%), de acordo com o IBGE.29
tes da realização desta investigação, posto que tal Quanto à faixa etária, a média de idade dos
ambiente é referência em Telemedicina em SC. indivíduos foi de 54,9 anos, concordando com dados
Em contrapartida, a recente implantação da similares encontrados por outros autores, como
Teledermatologia assistencial no Estado, aliada ao Inácio et al. e Nasser.30,31 Isso pode ser explicado pela
fator de dependência de um ambiente virtual de soft- atuação cumulativa da radiação solar ultravioleta ao
ware, ocasionou problemas práticos ao sistema, seja longo dos anos, fator de risco importante no desenvol-
quanto à inexperiência das equipes técnicas, mesmo vimento de neoplasias da pele, conforme os autores
após treinamento, seja no tocante à operacionalidade antes citados.
do programa virtual, acarretando, em ambos os casos, Passando-se à análise das suspeitas diagnósti-
sensível diminuição do número total das solicitações cas enviadas pela rede de atenção primária, observou-
encaminhadas para telediagnóstico. se que grande parte dos encaminhamentos (71,74%)
Em relação ao número de invalidações, obser- adveio como CBC. Uma possibilidade para explicar
vou-se que os maiores índices aconteceram nos pri- tal fato é a prevalência deste tipo de câncer na popu-
meiros meses. Tal resultado pode estar associado à lação, consoante estudos de Azulay et al., Chinem &
recente implantação do sistema no período, visto que, Miot e Instituto Nacional de Câncer – INCA, os quais
nos meses subsequentes, as invalidações foram gra- afirmam que o CBC corresponde a 70% de todas as
dualmente sendo reduzidas, o que sugere a adaptação neoplasias da pele.22,32,33 Ademais, o fato de este tipo de
e o aprendizado da técnica e indica a possibilidade de câncer ser considerado o mais frequente pela literatu-
que, com o passar do tempo, estes números venham a ra pode levar o médico não especialista a generalizar
diminuir ainda mais. Corroborando esta hipótese, res- os casos suspeitos ante a dúvida diagnóstica, aumen-
salta-se que o principal motivo de invalidação se deu tando, ainda, o número de encaminhamentos de CBC.
pelo envio de exames fora do protocolo, ou seja, exa- Com relação ao CEC, o total de encaminhamen-
mes cuja anulação ocorreu pelo incorreto procedimen- tos, em comparação ao CBC e ao MM, foi notavelmen-
to nas técnicas de fotografia e/ou preenchimento de te menor (4,89%), o que vai de encontro à epidemiolo-
dados, fatores que, possivelmente, reduziram-se em gia encontrada na literatura, conforme estudos de
razão da prática da equipe técnica. Azulay et al., Nasser e Nunes et al.22,32,34 Isso pode ser
Por outro lado, embora se tratasse do começo explicado pela dificuldade encontrada pelo profissio-
da implementação do sistema, o mês de fevereiro nal não especialista em distinguir o CBC do CEC,
apresentou baixos índices de invalidações das solicita- visto que são considerados como um dos principais
ções de exame. Isto pode ser justificado pela menor diagnósticos diferenciais entre si, segundo Azulay et
quantidade de solicitações analisadas pelo médico al.22 Ademais, como já dito, frente à incerteza do diag-
especialista no período. nóstico, o médico generalista pode ter optado por
Em se tratando do grupo remanescente, a maio- aquele sabidamente mais comum, o que possivelmen-
ria dos indivíduos era do sexo feminino. Tal resultado te diminuiu a incidência de suspeita de CEC.
pode estar vinculado à maior procura, por parte deste Outrossim, o fato de o MM apresentar-se de maneira
gênero, pelos serviços de atenção primária da saúde, discrepante, quando cotejado com a literatura, pode
suposição sustentada por Figueiredo e Pinheiro et al., ocasionar sensível diminuição dos encaminhamentos
os quais defendem que as mulheres preocupam-se de CEC, posto que INCA e Dimatos et al.33,35 asseveram
mais com a saúde pessoal.20,21 Outra hipótese pode que a frequência de melanoma situa-se em torno de
estar relacionada à maior incidência de câncer da pele 4%, enquanto na presente pesquisa foram encaminha-
na população feminina, visto que, conforme Azulay et dos 23,37% dos laudos como MM.
al., o CBC – que abrange 70% dos casos – e o MM são Assim, no que se refere ao MM, como já aborda-
discretamente mais usuais em mulheres.22 do acima, o número de encaminhamentos foi incon-
gruente com a bibliografia atual.33,35 Isso ocorreu, pos- ao médico requerente maior possibilidade de exclusão
sivelmente, devido à dificuldade de o médico não do que inclusão diagnóstica. No entanto, essa informa-
especialista distinguir a lesão maligna daquelas com ção merece alguns apontamentos, visto que, embora a
aspectos benignos, visto que o MM é um tumor oriun- especificidade do CEC tenha sido bastante elevada,
do dos melanócitos e se desenvolve, em grande parte fator relevante é o baixo número absoluto de solicita-
dos casos, de nevo preexistente, ou seja, possivelmen- ções geradas com suspeita de CEC, aquém da biblio-
te, mesmo diante de um nevo com alterações que não grafia estudada – que espera a prevalência em torno de
caracterizam malignidade, o generalista classifica-o 20% –, o que pode dar margem ao aumento de casos de
como MM.22 No entanto, o valor encontrado da sensi- CBC e/ou MM, e assim também aumentar o suposto
bilidade foi 75%, o que é um valor razoável, embora acerto do médico solicitante quanto aos casos não
essa informação mereça reflexão mais aprofundada, CEC, acarretando uma especificidade elevada.22,23,26
pois se deve levar em conta que o alto número de Ainda no que tange ao CEC, o escore de acurá-
encaminhamentos como MM, em associação à baixa cia obtido pode ser considerado um valor elevado e o
prevalência da doença, aumenta a chance de compati- maior entre os tipos de neoplasias estudadas. Isso
bilidade diagnóstica. Da mesma forma, a especificida- decorre, possivelmente, do elevado índice obtido no
de do MM pode estar relacionada a essa hipótese, tocante à especificidade do CEC, cuja causa provável
visto que, em 40 vezes que o médico suspeitou de já foi analisada anteriormente.
MM, a compatibilidade não existiu. Em relação ao uso do protocolo como método
No tocante aos testes diagnósticos aplicados ao de coleta de imagem digital, evidenciou-se que, quan-
CBC, a sensibilidade encontrada denota que, dentre do corretos, 88,33% dos encaminhamentos foram con-
os diagnósticos assim classificados pelo especialista, siderados válidos e puderam, portanto, receber a ava-
os médicos generalistas conseguiram identificar boa liação do especialista. Da mesma forma, a ausência de
parte deles. Ou seja, quando o paciente apresenta a protocolo apropriado gerou apenas 16,34% de solicita-
referida neoplasia, o médico generalista seria capaz de ções passíveis de análise.
identificá-la. Contudo, este dado não pode ser inter- Paralelo a isso, ressalta-se a possibilidade de
pretado de maneira isolada, visto que, em matéria de alguns dos exames terem sido considerados aptos
especificidade, o valor encontrado foi bastante baixo, para o diagnóstico pelo especialista, embora não tives-
o que sugere que tais profissionais não demonstram sem seguido o protocolo de maneira correta, devido à
habilidade para excluir a possibilidade de CBC quan- baixa complexidade e/ou à apresentação típica da
do o paciente não apresenta tal doença, segundo o lesão, o que vai ao encontro da literatura.19 Deste
especialista, o que possivelmente ocorreu devido à modo, frente a lesões de alta complexidade ou sem
habilidade do generalista em realizar o encaminha- características típicas, o uso de um protocolo estrutu-
mento frente a uma lesão suspeita, embora careça de rado padrão ganha relevância ainda maior, de forma a
capacidade para reconhecê-la. conceder ao médico à distância ferramentas mais efi-
No que tange à acurácia do CBC, a presente cientes para o diagnóstico.
pesquisa demonstrou que o índice de compatibilidade Tais fatos associados ao valor de Odds
entre o especialista e os médicos solicitantes foi baixo. Ratio encontrado – o qual demonstrou que a chance de
Ressalta-se, por oportuno, que em 104 casos em que o se obter diagnóstico pelo especialista foi 38,77 vezes
médico especialista desconsiderou o diagnóstico de maior entre aqueles exames válidos quando compara-
CBC, o médico solicitante não afastou a doença; pelo dos a todos os inválidos – sugerem que o uso do pro-
contrário, sugeriu a existência da mesma. Tal fato tocolo na obtenção de imagem para telediagnóstico
revela-se de extrema relevância, visto tratar-se de pode ser capaz de aumentar o número de análises que
doenças cujo diagnóstico preciso constitui fator deter- o dermatologista pode oferecer, posto que, conforme a
minante no tratamento e cura do paciente. literatura, a qualidade técnica das fotos é determinan-
Com relação à sensibilidade encontrada para te no grau de acerto diagnóstico e concordância entre
CEC, observou-se maior dificuldade dos médicos observadores.1,16,17 Isso porque o protocolo contempla
generalistas na identificação dessa doença. Tal evento uma estrutura de foto panorâmica – que demonstra a
pode estar relacionado à falta de conhecimento especí- lesão e a região anatômica acometida, sem utilizar o
fico na distinção das neoplasias de pele, levando o soli- modo zoom, possibilitando a mensuração do tamanho
citante a, no momento de dúvida diagnóstica, optar da lesão em comparação ao corpo do paciente –, foto
pela neoplasia mais frequente e pertencente ao seu de aproximação com a régua – que permite uma
diagnóstico diferencial, tal como o CBC. No entanto, visualização próxima ao ideal do exame dermatológi-
quanto à especificidade do CEC, o valor depurado foi co presencial, além de possibilitar a verificação do real
elevadíssimo, talvez também pelo fato do pouco tamanho da lesão –, e foto dermatoscópica – que for-
conhecimento a respeito da doença, que proporciona nece dados fundamentais para o diagnóstico das
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Como citar este artigo: Piccoli MF, Amorim BDB, Wagner HM, Nunes DH. Protocolo de Teledermatologia para
triagem do câncer da pele. An Bras Dermatol. 2015;90(2):205-13.