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ILAN BRIK

CONSEQUÊNCIAS DE UM CARTEL: UMA ANÁLISE DA INDÚSTRIA DE


CONCRETO USINADO NO BRASIL

Monografia apresentada ao Curso de Ciências


Econômicas da Universidade de São Paulo como
requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Economia.

Orientador: Prof. Dr Cláudio Ribeiro de Lucinda

SÃO PAULO
2022
FICHA CATALOGRÁFICA

Brik, Ilan

Consequências de um cartel: Uma análise da indústria de Concreto Usinado no


Brasil – São Paulo, 2022.

Nº de páginas: 42

Área de concentração: Política Antitruste.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Ribeiro de Lucinda.

Monografia – Universidade de São Paulo.

Cartel, Concreto, Concorrência, Política Antitruste, CADE


AGRADECIMENTOS

A meus pais, Jeanice e Decio, meu irmão, Michel, meus avós, Clarissa e Maurício, e minha
namorada, Ayelet, pelo apoio incondicional.
A todos os professores da graduação que contribuíram com minha formação como
economista, em especial a meu orientador, Cláudio Lucinda.
A todos os amigos que estiveram comigo nesse período.
SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES .............................................................................................. IV


RESUMO ............................................................................................................................ V
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8
2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................... 13
2.1 CARTÉIS .......................................................................................................... 13
2.2 PROCESSO ADMINISTRATIVO N. º08012.011142/2006-79 .......................... 15
3 MATERIAL E MÉTODO ........................................................................................... 18
3.1 DADOS ............................................................................................................. 18
3.2 ANÁLISE ESTATÍSTICA................................................................................... 25
4 RESULTADOS ............................................................................................................ 29
5 CONCLUSÕES ........................................................................................................... 34
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 36
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 - MULTAS APLICADAS PELO CADE ................................................................................ 16


FIGURA 2 - NÚMERO MÉDIO DE TRABALHADORES ....................................................................... 19
FIGURA 3 - FIRMA COM MAIS EMPREGADOS ................................................................................. 20
FIGURA 4 - NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS EM FIRMAS CARTELIZADAS ........................................ 21
FIGURA 5 - ENTRADA E SAÍDA DE CONCRETEIRAS ....................................................................... 22
FIGURA 6 - CONCRETEIRAS COM MAIS DE 500 FUNCIONÁRIOS. ................................................... 23
FIGURA 7 - EVOLUÇÃO DE PREÇOS NOMINAIS DE CIMENTO PORTLAND 32 ................................ 24
FIGURA 8 - EVOLUÇÃO DE PREÇOS REAIS DE CIMENTO PORTLAND 32 ....................................... 25

EQUAÇÃO 1 - REGRESSÃO LOGÍSTICA ........................................................................................... 25

TABELA 1 - PROBABILIDADE DE AQUISIÇÃO PELO CARTEL ....................................................... 30


TABELA 2 - PROBABILIDADE DE SAÍDA DA FIRMA ....................................................................... 32
RESUMO

CONSEQUÊNCIAS DE UM CARTEL: UMA ANÁLISE DA INDÚSTRIA DE


CONCRETO USINADO NO BRASIL

A Monografia buscará inferir os efeitos do desmantelamento do cartel de concreto,


promovido pelo CADE por meio do Processo Administrativo n.º08012.011142/2006-79, sobre
a estrutura de mercado, composição das firmas, probabilidade de aquisição da firma e
probabilidade de saída do mercado, de acordo com as características no mercado de
concreto usinado no Brasil. Para atingir tais objetivos, os dados serão estruturados em
painel e será aplicado regressões logísticas para examinar os fatores que mais influenciam
as probabilidades do fechamento e aquisição de uma planta de concreto ao longo da
existência do cartel. Os dados a serem utilizados serão provenientes da RAIS Identificada
para o período de 2006 a 2011, período de atuação do cartel por meio de aquisições. Os
resultados sustentam que houve uma redução no número de funcionários por firma e número
de grandes concreteiras após o fim do cartel. Foi verificado que aumentos no tamanho das
firmas e do PIB das cidades onde se encontram levavam a aumentos na probabilidade da
planta ser adquirida por alguma concreteira pertencente ao cartel. Além disso, foi observado
que o número de aquisições efetuadas pelo cartel elevava a probabilidade de saída de uma
firma do mercado.

Descritores: Cartel, Concreto, Concorrência, Política Antitruste, CADE

Classificação JEL: L4, L13, L74, K21


ABSTRACT

CONSEQUENCES OF A CARTEL: BRAZILIAN READY-MIX CONCRETE INDUSTRY


ANALISYS

The essay aims to infer the effects of CADE’s intervention in Brazilian Ready-Mix
concrete cartel over market structure, probability of firm acquisition and exit, according to
market features. To achieve those goals, data will be structured into a panel and logistic
regressions will be applied to examine which variables have greater influence over
probability of firm acquisition and exit through the existence of the cartel. Data from RAIS
Identificada for the period of 2006 to 2011, period of cartel activity by mergers and
acquisitions, will be used. The results found that the number of employees per firm and
number of big concrete plants fell after the end of the cartel. It was verified that increases in
firm size and increases in its municipal GDP led to the surge in its probability of being
acquired by a member of the cartel. It was also found that the number of M&A deals
involving the cartel in each region raised the probability of a firm exiting the market.

Key words: Cartel, Ready-Mix Concrete, Competition, Antitrust Policy,

JEL Classification: L4, L13, L74, K21


1 INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO 8

1 INTRODUÇÃO

A presença de cartel em um mercado é uma manifestação prejudicial para a


competição. Ela promove perdas de bem-estar por meio da subprodução do produto em
questão e da cobrança de maiores preços, conforme explicitado por Nicholson e Snyder
(2012). Além disso, cartéis implicam em maiores barreiras à entrada, ao passo que as firmas
cartelizadas têm a possibilidade de empreender uma guerra de preços, seguindo Green e
Porter (1984), e, com isso, atingir sua estabilidade impedindo entrantes e estabelecendo um
mercado no qual apenas firmas cartelizadas atuam cobrando preços maiores.

O cartel de concreto operou no Brasil nos anos de 1992 até 2007, e esteve intimamente
relacionado com o cartel de cimento, sendo este o principal insumo para a fabricação do
concreto. Tanto o mercado de concreto quanto o mercado de cimento são marcados por custos
afundados altos, cerca de U$2 milhões em uma planta de concreto inicial nos Estados Unidos,
segundo Syverson (2008) e grande grau de competição entre as firmas, por se tratar de
commodities não diferenciáveis e sem substitutos próximos, conforme CADE (2014). Ambos
mercados têm alta economia de escala na produção e distribuição, o que limita o número de
competidores.

Tais características levam o padrão concorrencial destes mercados a se aproximar de


um jogo de Cournot, no qual as firmas maximizam o lucro por meio da quantidade produzida.
Isto traz grandes incentivos a práticas colusivas e a impedir entrantes de integrarem o
mercado, como foi observado em diversos países que condenaram empresas de cimento por
prática anticompetitivas, como Alemanha, Coreia, Taiwan, Romênia, Argentina, França,
Egito, Polônia, África do Sul, Paquistão e Índia.

O concreto é um produto indispensável na construção civil e apresenta baixa


elasticidade da demanda. Collard-Wexler (2013) define uma especificidade da indústria: os
mercados de concreto usinado são isolados, ou seja, as concreteiras devem se localizar
relativamente próximas dos seus consumidores finais, devido a perecibilidade do produto. Em
seu modelo, cada concreteira atende a consumidores localizados em um raio de 40km, cerca
de 40 minutos de transporte do produto em betoneiras. Portanto, a comercialização de
concreto é marcada por alta regionalização e dispersão das plantas produtoras.
INTRODUÇÃO 9

O cimento é o principal insumo para a produção do concreto, sua cadeia produtiva


consiste em algumas etapas. A primeira é a obtenção da matéria prima, calcário, através da
mineração e sua redução à granulometria adequada, conforme CADE (2014). Em seguida,
ocorre a moagem da farinha, quando o calcário é misturado a outras matérias primas. A etapa
seguinte consiste no pré-aquecimento da farinha a temperaturas de 1400 C e posterior
resfriamento que resultam no clínquer. Por fim, ocorre a moagem do cimento, quando o
clínquer é misturado com aditivos, de acordo com o tipo de cimento que se deseja obter.

A confecção do concreto pode ocorrer manualmente, com a mistura de cimento, areia,


brita, água e aditivos químicos dependendo da finalidade do produto. Em obras menores, é
comum que o produto seja misturado no próprio local pelo construtor encarregado, entretanto,
quando a demanda de concreto se eleva, é vantajoso ter o concreto disponível em betoneiras
transportado por uma concreteira. Neste caso, o produto vem pronto em maiores quantidades
e existe facilidade para bombear a pasta fluída, segundo CADE (2019), para o local de
consumo final, poupando o tempo de deslocamento vertical e horizontal.

No caso do Brasil, foi observado que empresas atuantes no cartel de cimento


verticalizaram a sua produção para o produto “downstream”, o concreto usinado. O objetivo
de tais cimenteiras, conforme indicado por CADE (2014), era impedir que concreteiras, em
especial os misturadores, passassem a produzir cimento e roubassem parte deste mercado,
com uma margem maior do que o concreto usinado.

Misturadores são produtores de concreto, segundo CADE (2014), que atuam apenas na
mistura dos insumos para a produção e transporte para o local onde o material será utilizado.
Seu custo afundado é menor, pois sua estrutura só conta com áreas de armazenamento dos
insumos, equipamentos encarregados da dosagem e lançamento nas betoneiras e um
laboratório para testar a qualidade do produto.

O cartel atuava com a fixação de preços, fixação de quantidades e diferenciação de


preços de insumos como mecanismos de manutenção do cartel; CADE (2014) indica que
havia uma política de cobrança de um preço base de insumos de 100% para as firmas do
cartel, 110% para as que não eram integradas, mas eram coligadas ao cartel e 120-125% para
as concreteiras não alinhadas ao cartel.
INTRODUÇÃO 10

Outra estratégia adotada por firmas incumbentes do mercado, conforme Medeiros e


Levy (2015), era a manutenção de capacidade ociosa nas plantas produtivas, o que permitiria
a tais empresas um engajamento em redução expressiva e tempestiva nos preços praticados
caso haja tal necessidade. CADE (2005) estima que, de acordo com informações prestadas
pelas empresas cimenteiras Votorantim e Cimpor, as capacidades utilizadas das plantas das
empresas cimenteiras foram de em média 60% da capacidade instalada.

Sobre esta capacidade ociosa, pode-se afirmar que:

A capacidade ociosa das atuais empresas em determinado mercado é elemento


fundamental para se deduzir se as oportunidades de vendas existentes podem
ou não ser apropriadas pelos novos entrantes. Caso haja elevada capacidade
ociosa, é provável que as oportunidades existentes sejam exploradas pelas
atuais produtoras, que precisam apenas elevar a produção da capacidade já
instalada, não sendo absorvidas por entrantes. CADE (2014)

Estimativas de CADE (2014) apontam que nos 20 anos de possível existência do cartel
de cimento, de 1987 até 2007, o prejuízo causado foi de R$28 bilhões, dada a cobrança
excessiva de 10% a 20% do produto, acordada pelo cartel. O CR8 da indústria de cimento,
parcela de mercado detida pelas 8 maiores empresas, foi de 87% em 2012. Dentre estas
firmas, 7 foram condenadas por prática de cartel.

O cartel optou por manter a distribuição de mercado praticada na comercialização do


cimento para o concreto. Isto foi atingido por diversas operações de fusões e aquisições de
plantas concreteiras realizadas entre as firmas cartelizadas, operações estas, que serão
avaliadas posteriormente na Monografia.

O presente trabalho tem por objetivo verificar descritivamente as mudanças no


mercado de concreto após o desmantelamento do cartel e usar métodos econométricos para
analisar os elementos que alteram as probabilidades de uma firma sair do mercado e ser
adquirida por um membro do cartel. Os resultados podem apoiar a intersecção entre a
literatura de entrada de firmas e a literatura de cartéis.

Para tal serão utilizadas a base de dados RAIS Identificada, que conta com uma
descrição individualizada das concreteiras brasileiras, dados de estimativa populacional do
IBGE, dados de PIB especificado a nível do município, Atos de Concentração compilados por
CADE (2019) e dados sobre a indústria de cimento disponibilizados por CBIC.
INTRODUÇÃO 11

O presente estudo também conta com a revisão da literatura de cartéis na segunda


seção, seguido por apresentação da metodologia e dados utilizados neste trabalho, os
resultados se encontram na quarta seção e por fim estão as conclusões.
2 REVISÃO DE LITERATURA
REVISÃO DE LITERATURA 13

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 CARTÉIS

Levenstein e Suslow (2006) revisitam diferentes casos de cartéis para determinar


quais são os principais fatores que levam ao seu sucesso. Do lado das características de
mercado, a variância na concentração da demanda, estrutura e homogeneidade de custos e a
taxa de mudança tecnológica foram alguns dos determinantes encontrados para a
funcionalidade de um cartel. Do lado regulatório, a política antitruste adotada por cada
arcabouço legal tinha papel central no sucesso dos cartéis.

Tal sucesso no conluio entre firmas implica, quase certamente, em sobre precificação
do produto em questão. Bolotova (2006) estimou este excesso de cobrança para 406 casos de
cartéis diferentes ao redor do mundo e encontrou uma média de 21.88% para a amostra.
Cartéis internacionais tendem a cobrar um prêmio maior do que os domésticos e cartéis
localizados nos Estados Unidos e na Europa apresentaram menor sobre precificação
comparados ao resto do mundo.

Os custos afundados enfrentados por firmas entrantes em um mercado são


componentes chaves para a determinação de uma estrutura oligopolista. Bresnahan e Reiss
(1993) estimam os custos afundados não observáveis a partir do cálculo de fronteiras de
entrada, isto é, a quantidade de demanda de mercado necessária para apoiar a decisão de
entrada de uma firma. Para a análise, dados de dentistas trabalhando em regiões rurais foram
estruturados em painel e sua fronteira de entrada e saída do mercado calculados. Os resultados
sugerem que os custos afundados levam à menor necessidade de demanda para que dentistas
incumbentes permaneçam ativos em comparação com a demanda necessária para que um
dentista entre no mercado. Isto se compara ao mercado de concreto, ao passo que os altos
custos afundados são uma característica enfrentada por firmas entrantes.

Com respeito à integração vertical de cimenteiras para a fabricação do concreto,


McBride (1983) aborda as ações tomadas pelo FTC, Federal Trade Comission, na década de
1960 para bloquear ou dissolver as aquisições de plantas concreteiras por cimenteiras. O
trabalho aponta que o motivo principal das operações era fugir da precificação rígida
determinada pelo oligopólio de cimento, o que diversas vezes levava à subutilização produtiva
das plantas. Com a posse das concreteiras, havia a possibilidade de cortar margens sobre a
REVISÃO DE LITERATURA 14

comercialização de concreto e, portanto, reduzir tal subutilização produtiva. A conclusão


propõe que a queda no preço do cimento na década de 1960 esteve ligada a tais operações de
integração vertical. Discordando dessas conclusões, Johnson e Parkman (1987) revisitam o
modelo construído por McBride (1983) e o criticam, afirmando que a queda de preços de
cimento era uma tendência dos anos 60 que não pode ser atribuída à verticalização da
indústria.

Hortaçsu e Sylverson (2006) analisaram dados de integração vertical no mercado de


cimento para os anos de 1963 a 1997 nos Estados Unidos. Sua conclusão foi que a queda de
preços, aumento da quantidade produzida e taxa de entrada de firmas permaneceram
inalteradas conforme o mercado se tornou mais integrado. Com conclusões na mesma direção,
Davidson e Deneckere (1984) apontam que fusões horizontais, em discordância com o senso
comum, não incentivam comportamento conclusivo se este já não estivesse presente no
mercado em questão antes de tais operações.

Tendo em vista a dinâmica de entrada em um mercado concentrado, Bresnahan e


Reiss (1993) estimaram o efeito do ingresso de entrantes sobre a competição em cinco
indústrias diferentes. Os resultados apontam que conforme existam mais firmas incumbentes,
menor será o efeito de uma entrante sobre a concorrência. Tal decaimento ocorre de forma
brusca: quase todo o aumento na competição em mercados com cinco incumbentes ou mais
ocorreu com a entrada da segunda e terceira firma no mercado, com pouco efeito causado por
novas entrantes a partir disso.

Cartéis de cimento são registrados com recorrência ao redor do mundo; Harrington,


Hüschelrath, Laitenberger e Smuda (2014) abordam o caso alemão de conluio na indústria do
cimento que durou de 1991-2002. A hipótese para o fim do cartel gira em torno da
insatisfação da empresa ReadyMix com sua parcela de mercado, o que levou a seu desvio do
acordo.

Röller e Steen (2004) analisaram o cartel de cimento norueguês, sua hipótese aponta
que a fusão que transformou a indústria em um monopólio teve efeitos positivos sobre o bem-
REVISÃO DE LITERATURA 15

estar doméstico, em comparação com a situação do cartel. Para o caso da África do Sul,
Govinda, Khumalo e Mkhwanazi (2014) analisam a economia para os consumidores após o
desmantelamento do cartel, realizado através do South African Competition Act1. As
estimativas encontradas apontam economia de USD 424.5 milhões e USD 547.1 milhões,
após a aplicação da política antitruste no período de 2010 a 2013.

Medeiros e Levy (2015) inferem as influências de variáveis, tais como o consumo de


cimento, custo de transporte e número de empresas atuantes em diferentes regiões brasileiras
para determinar a probabilidade de entrada de firmas no mercado de cimento e expansão das
incumbentes. Os resultados do modelo Logit apontam que o alto nível de consumo e menor
concentração de mercado foram os fatores que mais favoreceram as entradas.

2.2 PROCESSO ADMINISTRATIVO N. º08012.011142/2006-79

O cartel de concreto no Brasil operava em diversas etapas da cadeia produtiva para


garantir alguns objetivos. O primeiro deles era fixar preços, quantidades produzidas e dividir
regionalmente o mercado de cimento e de concreto, segundo CADE (2014). Além disso, as
firmas cartelizadas deviam respeitar a carteira de clientes destinada a cada empresa. Outra
finalidade era impedir a entrada de novos competidores tanto no mercado de cimento, quanto
no mercado de concreto.
O cartel visava dividir o mercado de concreto mantendo as participações das firmas do
mercado de cimento. Ainda no mercado de concreto, havia a finalidade de estabelecer trocas
de ativos de empresas concreteiras, de maneira a otimizar a atuação do cartel.
De acordo com apuração da SDE, as empresas cartelizadas e a ABCP - Associação
Brasileira de Cimento Portland - trocavam informações para verificar se estavam alinhadas
com os acordos de preço de cimento, quantidades e divisões do mercado. Tal troca de
informações é peça chave no estabelecimento e manutenção de um cartel, conforme indicado

1
Disponível em <https://www.compcom.co.za/the-competition-act/>. Acesso em: 21 jun, 2022.
REVISÃO DE LITERATURA 16

por Levenstein e Suslow (2006), sendo a barganha sobre os termos de operação e o


monitoramento para detectar firmas desviando do acordo a base para o seu sucesso.
O Processo Administrativo n. º08012.011142/2006-79 foi iniciado a partir de uma
denúncia feita pelo Sr. Evaldo José Meneghel para a SDE em 23 de novembro de 2003,
alegando a existência de cartel no mercado de cimento e concreto do Brasil. O denunciante
havia sido o funcionário da Votorantim responsável por vendas em toda a região Sul no
período de 2000 até 2003. No dia 01/02/2007 o cartel foi desmantelado com a atuação do
CADE, impondo multas e estabelecendo punições para retomar a concorrência no setor.
Tais multas totalizaram cerca de R$ 3,1 bilhões e foram compartilhadas entre as
empresas cartelizadas. Tais empresas eram a Votorantim, InterCement (antiga Camargo
Corrêa), Holcim, Lafarge, Cimpor, Itabira e Cimento Itambé. E a distribuição das multas está
explicitada na figura 1.

FIGURA 1 - MULTAS APLICADAS PELO CADE

Multas aplicadas pelo CADE


$1,800,000,000.00
$1,600,000,000.00
$1,400,000,000.00
$1,200,000,000.00
Reais

$1,000,000,000.00
$800,000,000.00
$600,000,000.00
$400,000,000.00
$200,000,000.00
$0.00

** Fonte: CADE (2014)


3 MATERIAL E MÉTODO
MATERIAL E MÉTODO 18

3 MATERIAL E MÉTODO

3.1 DADOS

Os dados empregados são provenientes da RAIS Identificada, base de dados que


abrange informações pessoais que propiciam a identificação da pessoa natural de maneira
direta ou indireta2, para os anos de 1985 até 2018. Desta base, a variável CNPJ funcionará
como forma de identificar quais empresas eram cartelizadas ou tinham algum vínculo com o
cartel.

Para verificar se as empresas apresentam vínculo com o cartel, foi empregada uma
ferramenta da Receita Federal que permite mapear CNPJs ligados à proprietários. Com isso,
uma base de dados contendo CNPJs pertencentes a indivíduos com alguma relação societária
com o quadro de acionistas das concreteiras cartelizadas foi estruturada. Isso permitiu
encontrar as subsidiárias de tais empresas que, caso contrário, não seriam classificadas como
parte do cartel, visto que não apresentavam o mesmo CNPJ Raiz.

O CNPJ Raiz consiste nos 8 primeiros dígitos do CPNJ de uma empresa e ele é uma
ferramenta útil para a análise do cartel pois não muda dentro de uma empresa, ou seja, todas
as filiais de uma empresa terão o CPNJ Raiz igual ao da sua matriz.

Além da RAIS Identificada, dados provenientes de um caderno, disponibilizado por


CADE (2019), contendo registros de operações de aquisições de plantas de concreto serão
incluídos na análise. Estas operações serviam para manter a distribuição do mercado de
cimento para a atividade downstream, a produção e venda de concreto, segundo CADE
(2014).

Outra variável fundamental para o desenvolvimento do presente trabalho será o


município em que a planta se encontra. Com isso, será possível delimitar os mercados
consumidores de concreto isolados, como definido por Collard-Wexler (2013). A classe

2
Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-acesso-aos-dados-identificados-rais-e-caged>.
Acesso em 18 jun, 2022.
MATERIAL E MÉTODO 19

CNAE3, Classificação Nacional de Atividade Econômica, será a variável empregada para


selecionar os registros de empresas na RAIS que se enquadram como concreteiras, seguindo o
código 230-3, Fabricação de artefatos de concreto, cimento, fibrocimento, gesso e materiais
semelhantes4.

Utilizando as variáveis citadas, os dados serão organizados em painel, com o objetivo


de facilitar a análise exploratória dos dados. Buscará-se, por fim, inferir a probabilidade de
uma firma ser adquirida ou parar suas atividades, dada a sua estrutura de mercado.

Com os dados é possível inferir dinâmicas informativas do mercado de concreto, como


por exemplo a evolução do número médio de trabalhadores registrados por planta, disponível
na figura 2.

FIGURA 2 - NÚMERO MÉDIO DE TRABALHADORES

** Fonte: RAIS Identificada (1985-2018).

3
Disponível em: < https://concla.ibge.gov.br/images/concla/documentacao/CNAE20_Introducao.pdf>. Acesso
em: 22 jun, 2022.
4
Disponível em: < https://concla.ibge.gov.br/images/concla/documentacao >. Acesso em: 22 jun, 2022.
MATERIAL E MÉTODO 20

Uma justificativa plausível para a queda acentuada observada a partir de 1986 na


média de trabalhadores por firma, é a maior adoção de capital em substituição ao trabalho
com a implementação de soluções tecnológicas nas plantas de concreto, o que levou como
consequência a diminuição da necessidade de mão de obra nas concreteiras.

Com a observação dos dados percebe-se que as grandes empresas do mercado


adotam a estratégia de registrar filiais contendo diferentes códigos CNAEs, isto é, a
classificação da atividade da empresa. Isto é feito com o intuito de otimizar a estrutura
tributária do conglomerado, visto que as alíquotas variam conforme a área de atuação da
empresa. Tal prática pode prejudicar a presente monografia no sentido da captação da
completude do mercado observando os dados da RAIS filtrados para códigos específicos.

A figura 3 mostra a evolução do número de funcionários na concreteira com mais


trabalhadores e a figura 4 mostra a evolução no número de funcionários nas concreteiras
condenadas por cartel, incluindo filiais vinculadas mesmo que sem o registro CNAE 230-3,
Fabricação de artefatos de concreto, cimento, fibrocimento, gesso e materiais semelhantes.

FIGURA 3 - FIRMA COM MAIS EMPREGADOS

** Fonte: RAIS Identificada (1985-2018).


MATERIAL E MÉTODO 21

FIGURA 4 - NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS EM FIRMAS CARTELIZADAS

** Fonte: RAIS Identificada (1985-2018) e CADE (2019).

Nota-se que a inclusão de firmas com diferentes códigos CNAEs pertencentes ao


grupo das concreteiras cartelizadas muda a dimensão do mercado em questão. Em 2014, por
exemplo, a Votorantim tinha cerca de 8000 funcionários, ao passo que a empresa com o maior
número de funcionários dentre as registradas como concreteiras tinha cerca de 1500.

No entanto, é possível extrair diversas informações sobre a dinâmica das concreteiras


no contexto do cartel usando os dados da RAIS filtrados pelo CNAE, como, por exemplo, o
comportamento de nascimentos e saídas de firmas ao longo do tempo. Com isso, é possível
inferir sobre a dimensão de barreiras a entradas, caso poucas firmas estejam ingressando no
mercado ou sobre pressões para saída, ao analisar o número de concreteiras que param de
funcionar.

A decisão de entrada ou saída da firma no mercado de concreto não é inteiramente


moldada pela atuação do cartel, ela também leva em consideração expectativas básicas dos
agentes tomadores de risco com respeito ao futuro. Entretanto, vale destacar que o maior
número de aquisições ligadas a firmas cartelizadas, compiladas por CADE (2019), ocorreu em
2004 e 2005, ano em que há um claro aumento na saída de concreteiras do mercado, como
indica a Figura 5.
MATERIAL E MÉTODO 22

FIGURA 5 - ENTRADA E SAÍDA DE CONCRETEIRAS

** Fonte: RAIS Identificada (1985-2018)

Outra análise relevante é a evolução do número de concreteiras com 500


funcionários ou mais. A existência de firmas grandes no mercado não pode ser considerada
sinônimo de cartelização, pois tais firmas apresentam ganhos de escala significativos com a
ampliação das plantas e extensão na operação.

Entretanto, fica evidente que o número de firmas de maior porte cresceu


expressivamente no momento do boom das aquisições mapeadas pelo CADE e classificadas
como concentração de mercado (2004-2008). Houve, além disso, uma redução expressiva do
número dessas empresas com a aplicação das medidas punitivas do Conselho. Dentre estas
medidas, havia a obrigatoriedade da venda de plantas pertencentes às firmas vinculadas ao
cartel, o que pode ter contribuído para uma redução pela metade no número de concreteiras
com mais de 500 funcionários, observada de 2014 para 2015.
MATERIAL E MÉTODO 23

FIGURA 6 - CONCRETEIRAS COM MAIS DE 500 FUNCIONÁRIOS.

** Fonte: RAIS Identificada (1985-2018)

Dado que o cimento é o principal insumo para a confecção do concreto, é válido


observar as dinâmicas de preço, demanda e produção do material. Tais informações podem
contribuir para melhor entendimento da dinâmica do cartel, visto que este se iniciou no
mercado de cimento e foi verticalizado para atuação no mercado da produção downstream.

O banco de dados da CBIC, Câmara Brasileira da Indústria da Construção, conta


com dados de produção mensal e consumo mensal de cimento por Unidade Federativa, além
da evolução de valores médios para o Cimento Portland 32 em R$/Kg.

Conforme a figura 7 é possível observar que os preços de Cimento no Norte foram


constantemente superiores comparados às demais regiões do Brasil, ao passo que os preços no
Sudeste foram, para quase todos os períodos compreendidos pela série temporal, inferiores
comparados à outras regiões.
MATERIAL E MÉTODO 24

FIGURA 7 - EVOLUÇÃO DE PREÇOS NOMINAIS DE CIMENTO PORTLAND 32

Vale observar ainda, o comportamento dos preços de cimento deflacionado pelo


IPCA. Tal análise fornece informações significativas com relação ao preço real do Cimento,
colocando em perspectiva o poder de compra das famílias e negócios. Conforme a figura 8, é
notável um aumento expressivo dos preços reais de cimento a partir de 2000 até 2004, quando
houve uma queda para aproximadamente 0.115 R$ por Kg de Cimento Portland 32. O preço
real se manteve dentro desta faixa nos anos subsequentes, apresentando queda brusca a partir
de 2014, ano no qual houve a imposição dos remédios do CADE.
MATERIAL E MÉTODO 25

FIGURA 8 - EVOLUÇÃO DE PREÇOS REAIS DE CIMENTO PORTLAND 32

3.2 ANÁLISE ESTATÍSTICA

O trabalho buscará cruzar os dados provenientes da RAIS, dados do CADE para 175
casos de atos de concentração, dados populacionais do IBGE, dados relativos ao produto de
cada município e dados da CBIC. Com isso, será estimado um modelo Logit para verificar as
probabilidades de saída do mercado para concreteiras atuantes no período de existência do
cartel.

O modelo a ser adotado é o LOGIT, uma função econométrica usada quando a


variável dependente é binária, isto é, assume valor 0 ou 1. A função do modelo LOGIT é não
linear e corresponde a uma função de distribuição cumulativa. Wooldridge (2015) descreve
esta da seguinte maneira:

EQUAÇÃO 1 - REGRESSÃO LOGÍSTICA

𝐺(𝑥) = 𝑒𝑥𝑝(𝑥)/[1 + 𝑒𝑥𝑝(𝑥)]

Se verificada significância estatística para os estimadores encontrados, podemos


afirmar que a adição de uma unidade da variável independente levará a uma adição, ou
diminuição, do valor do coeficiente encontrado na probabilidade logarítmica da ocorrência do
evento, conforme Everitt e Hothorn (2022).
MATERIAL E MÉTODO 26

O modelo central da monografia buscará inferir quais foram os principais fatores que
influenciavam na probabilidade de uma planta de concreto a ser adquirida por membros do
cartel. Para tal, a compilação de aquisições feitas pelo cartel, elaborada por CADE (2019) será
usada como referência.

As variáveis independentes são o número de trabalhadores na planta, o tamanho da


firma (classificação do IBGE), o PIB do município, o valor da produção de serviços, a
população do município e efeitos fixos de ano e cidades, com o objetivo de captar diferenças
temporais e de localidades.

O número de funcionários na firma e o tamanho classificado pelo IBGE, são


informativos ao passo que trazem um perfil do porte de empresas que têm mais probabilidade
de serem adquiridas por integrantes do cartel. O valor da produção de serviços se associa à
concretagem visto que esta atividade é considerada um serviço.

Já a população do município é relevante ao passo que traz a dimensão do mercado


consumidor enfrentado por cada concreteira. Por fim, o PIB de cada cidade serve como uma
medida para o seu potencial produtivo.

As observações modeladas no modelo central dizem respeito a plantas localizadas no


Sudeste do país, pois essa localidade foi o palco para cerca de 95% das aquisições efetuadas
pelo cartel na primeira década do século XXI.

Tal modelo buscará explicar a probabilidade de uma firma ser adquirida por algum
integrante do cartel de concreto, dadas as especificidades de mercado expressadas nas
variáveis independentes do Logit.

Além deste, será estimado outro modelo Logit com o objetivo de avaliar o efeito de
variáveis independentes na probabilidade de uma planta de concreto sair do mercado. A saída
do mercado, neste caso, consiste na baixa de registro na RAIS identificada no ano
subsequente analisado. Tal saída pode ocorrer através de diversas maneiras, como indicado
por Cefis, Bettinelli, Coad e Marsilli (2022), como liquidações voluntárias, fusões, aquisições
e falências. Na base de dados trabalhada, é adicionada à lista de causas citadas a saída por
mudança do CNAE de uma empresa, o que significa que a área de atuação mudou.
MATERIAL E MÉTODO 27

Para as variáveis independentes serão analisadas a parte de serviços do PIB do


município onde se encontra a concreteira, o tamanho da planta, o consumo de cimento
discriminado por estado e ano, o número de competidoras que tal concreteira enfrenta em sua
cidade em determinado ano, o número de aquisições relacionadas ao cartel ocorridas no ano
em determinada macrorregião e dummies identificando macrorregiões.

A variável serviços buscará capturar um efeito de demanda em determinado ano no


município, o que, caso positivo, espera-se que sustente a continuidade de uma planta atuante,
reduzindo a probabilidade de saída do mercado. Já o número de funcionários é informativo ao
passo que mostra a relação entre a estatura da planta e a sua probabilidade de fechamento. O
consumo de cimento fornece estimativas sobre a situação do mercado de construção civil, o
que influencia a permanência de concreteiras no mercado.

Devido a sua perecibilidade, o concreto é comercializado de forma regional, como no


modelo apresentado por Collard-Wexler (2013), portanto o número de competidores presentes
no município em questão informa sobre os lucros de firmas incumbentes, influenciando
possíveis saídas do mercado. Além disso, será incluída no modelo, o número de aquisições de
plantas de concreto na macrorregião ligadas ao cartel, o que dimensiona a presença de
cartelização.
4 RESULTADOS
RESULTADOS 29

4 RESULTADOS

Sperandei (2013) indica que a aplicação da função exponencial nos coeficientes


encontrados na regressão logística e posterior subtração de uma unidade desse resultado, leva
à transformação do logaritmo da razão entre chances de ocorrência e não ocorrência do evento
para o aumento absoluto na probabilidade trazido pelo acréscimo de uma unidade na variável
independente em questão.

O resultado do modelo estimando as probabilidades de aquisição de uma planta de


concreto por firmas cartelizadas aponta que o número de trabalhadores por planta e população
do município não se mostraram variáveis significativas. Entretanto, o tamanho do
estabelecimento teve um impacto positivo na probabilidade de aquisição, conforme um
aumento de uma unidade no tamanho da empresa, medida pela RAIS em uma escala de 1 até
9, foi verificado um aumento de cerca de 57% de chance de aquisição da firma por membros
do cartel.

O coeficiente encontrado para o valor da produção de serviços foi negativo e teve um


impacto de aproximadamente 11.8% sobre a probabilidade da firma ser adquirida pelo cartel
conforme este valor cresce. Já o PIB apresentou coeficiente positivo no modelo, seu aumento
eleva em 7.87% a probabilidade de aquisição da firma.

O coeficiente visto para a variável tamanho da firma pode ter interpretações diversas.
A primeira se relaciona com a dinâmica da manutenção do cartel, na qual firmas em conluio,
de maior porte em geral, adquiriram plantas entre si com o objetivo de manter a divisão de
mercado.

Uma outra explicação pode ser ligada com o conceito de killer acquisition, definido
por Cunningham, Ederer e Ma (2021), no qual as firmas cartelizadas buscavam eliminar
possíveis concorrentes que estavam crescendo para evitar a possibilidade de incorrer em
competição no futuro. Dentre estes concorrentes, vale citar os misturadores, agentes que
motivaram a extensão do cartel de cimento para o concreto, visando impedir que misturadores
tomassem participação na produção do cimento, produto mais lucrativo, conforme CADE
(2014).
RESULTADOS 30

TABELA 1 - PROBABILIDADE DE AQUISIÇÃO PELO CARTEL

A estimação do Logit para inferir a probabilidade de saída de uma concreteira do


mercado fornece resultados significativos, conforme indicado pela figura 8. O aumento em
um milhão de reais na parte de serviços no PIB de um município, gera uma redução de
0.241% na probabilidade de uma concreteira deixar o mercado. Tal número está alinhado ao
resultado encontrado por Harada (2007) e Austin e Rosenbaum (1990) que apontam o
crescimento do produto como um fator que influencia negativamente a saída de firmas.

O aumento no número de um funcionário, resulta em redução de probabilidade em


cerca de 10.53% da concreteira sair do mercado. Matityahu (1967) encontrou que indústrias
com firmas menores operantes tendem a apresentar maior proporção de atuantes com
prejuízo, e, consequentemente, maior registro de saídas do mercado em comparação a
indústrias com firmas maiores. Entretanto, vale notar que a ameaça ao cartel, conforme
apontado por CADE (2014), estava incorporada em misturadores de maior porte que tinham
alguma possibilidade de verticalizar a produção para o mercado de cimento em algum
momento.
RESULTADOS 31

O coeficiente relacionando a probabilidade de saída de uma concreteira do mercado e


o consumo de cimento no estado em que a firma se encontra foi negativo e baixo,
impossibilitando estabelecer uma relação causal forte entre tais variáveis. Já o coeficiente
encontrado para o número de competidores, medido por plantas de concreto em um mesmo
município cadastradas na RAIS Identificada, foi informativo.

O aumento em 10 plantas de concreto em determinado município leva a aumento de


3.03% na probabilidade da empresa sair do mercado. Weterings e Marsili (2012) postulam
que firmas localizadas em mercados espacialmente concentrados tem maior chance de sairem
através de operações de fusão e aquisição em comparação com liquidações voluntárias ou
falências. Contudo, não há dados que permitam observar como foi o meio de saída das
concreteiras na base de dados estudada.

A variável número de aquisições por macrorregião foi elaborada através da consulta


processual dos atos de concentração enumerados por CADE (2019) e ela pode ser interpretada
como uma proxy para a atuação do cartel, dado que indica operações de compra de planta de
concreto por um membro do cartel. O coeficiente encontrado indica que o aumento em 5
aquisições efetuadas pelo cartel levou a aumento de 4.46% na probabilidade de saída do
mercado.

Dado que o mercado de concreto é regionalizado, assumindo um raio máximo de


40KM no modelo de Collard-Wexler (2013), aquisições de plantas efetuadas pelo cartel em
outras cidades não deveriam influenciar na decisão de saída da firma. Entretanto, como
elaborado por CADE (2014), tais operações serviam com o objetivo de redistribuir fatias do
mercado de concreto entre as cimenteiras cartelizadas. Portanto, como mencionado, as
aquisições podem ser interpretadas como uma variável proxy que mede a atuação do cartel em
determinada região, o que pode influenciar a fixação do preço de cimento, principal insumo
usado por concreteiras e que influencia diretamente o lucro de tais firmas e,
consequentemente, guia a decisão de permanência no mercado.

Os coeficientes encontrados para as variáveis dummies de macrorregião do modelo


estimado indicam que, comparativamente ao Sudeste, a localização da planta no Norte
aumenta em 20.35% a probabilidade de saída da firma, ao passo que a localização no
RESULTADOS 32

Nordeste aumenta em 14.94% tal probabilidade e a localização no Sul a reduz em 16.56%. O


coeficiente para o Centro-Oeste não foi significativo, impossibilitando qualquer inferência.

TABELA 2 - PROBABILIDADE DE SAÍDA DA FIRMA


5 CONCLUSÕES
CONCLUSÕES 34

5 CONCLUSÕES

Neste trabalho foi revisitada a literatura de cartéis ao redor do mundo, com foco na
indústria de concreto. Além disso, buscou-se trabalhar a dinâmica das aquisições que deram
origem ao conglomerado das firmas em conluio no Brasil. Com a visualização dos dados é
notável o movimento de concentração induzido por tais operações no período de 2004 até
2008 seguido por uma desconcentração, proveniente das medidas tomadas pelo CADE para
findar as práticas anticompetitivas.

O número médio de trabalhadores por concreteira beirava os 12 em 1985, após 10


anos caiu para cerca de 5, o que pode ter sido explicado por um uso mais intensivo de capital
nas plantas, substituindo o trabalho.

O número de concreteiras com mais de 500 funcionários teve um crescimento


expressivo que coincidiu com o período mais intenso de aquisições empreendidas por firmas
do cartel, como registradas por CADE (2019). Após a aplicação das multas pelo conselho em
2014, observa-se uma redução exponencial na presença de firmas com esse porte no mercado.

O ano de 1995 contou com 3672 firmas ingressando no mercado, o maior registrado
no período, ao passo que 1992 teve 679 entrantes, o mínimo observado. Quanto ao número de
saídas do mercado, observa-se que 2004 foi o ano com maior registro, 3215, e 1994 teve o
menor, 417.

O Logit estimado para inferir a probabilidade de aquisição da planta pelo cartel


produziu resultados condizentes com a teoria, em especial para a variável tamanho de
estabelecimentos. Isto pode ser interpretado de diversas maneiras, tal como a interação entre
firmas grandes, cartelizadas, para distribuir as fatias do mercado e seguir o conluio, ou a ação
para impedir o crescimento de misturadores que poderiam vir a se tornar ameaças à
estabilidade do cartel se atingissem determinado porte.

O segundo modelo Logit, estimado para inferir os fatores que influenciavam a


probabilidade de saída de concreteiras do mercado, sugere que plantas com mais funcionários
tinham mais chances de permanecer no mercado, ao passo que o número de competidores na
mesma cidade aumentava a probabilidade de saída. A presença do cartel em uma
CONCLUSÕES 35

macrorregião, medida através das aquisições registradas por CADE (2019), aumentava a
probabilidade de saída de uma firma.
REFERÊNCIAS 36

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE 1
APÊNDICE 1 39

APÊNDICE 1 - CONCRETEIRAS RAIS

Variáveis 1985 1996 2007 2018

Média de funcionários por planta. 11.72 4.94 5.86 5.7

Médias de plantas por município. 3.77 4.87 5.78 5.89

Número total de funcionários 43983 45483 83327 96939

Número total de plantas. 3754 9219 14224 16995

Número de municípios com plantas 996 1892 2461 2885

** Fonte: RAIS Identificada (1985-2018).


APÊNDICE 2
APÊNDICE 2 41

APÊNDICE 2 - EVOLUÇÃO CONCRETEIRAS CARTELIZADAS


APÊNDICE 2 42
APÊNDICE 3
APÊNDICE 3 44

APÊNDICE 3 - NÚMERO DE CONCRETEIRAS POR TAMANHO

** Fonte: RAIS Identificada (1985-2018).

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