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João Gabriel Oliveira Gomes dos Santos – GRR20140770

1. Disposição e Aceitação

É possível dizer que um ponto em comum a todas as linhas psicoterapêuticas é de que o


processo terapêutico sofre uma transformação e passa a avançar mais facilmente a partir
do ponto em que o cliente se dispõe a aceitar e olhar com sobriedade para aqueles
pontos em sua vida, e nele mesmo, dos quais antes fugia e se negava a enxergar. Isso
porque essa mudança de postura, da fuga para a aceitação, abre um campo de
possibilidades de ação ao cliente que antes ele não podia enxergar. Assim, a partir da
leitura e da discussão em sala, entendo que esse ponto é um dos principais pré-requisitos
ao desenvolvimento da terapia, e algo que certamente buscarei promover na minha
prática profissional.

A ACT explica que esse estado de negação das nossas experiências de sofrimento não
só gera mais sofrimento como cria um ciclo auto amplificador, “prendendo-nos em uma
guerra contra nós mesmos”. Por isso propõe como antídoto à fuga experiencial uma
atitude de disposição, abrir mão de tentativas inúteis de controlar as experiências e, ao
invés disso, estar disponível a toda e qualquer experiência, fazendo contato com elas e
escolhendo ativamente a direção que se quer seguir. Abrir mão da tentativa rígida de
controlar aquilo sobre o que não temos controle é o primeiro passo para uma maior
flexibilidade e capacidade de lidar com a vida sem esforços excessivos.

Penso que ter momentos de se digladiar com aspectos da própria vida é um fenômeno
humano quase universal, porque também o são a dor humana e o desejo de evitá-la,
Mas, pessoalmente, na leitura e elaboração desse ponto em sala, me senti tocado por
esse princípio. Principalmente porque identifico diversos momentos em que deixar a
luta contra certos sofrimentos me ajudou a reduzi-los, e outros em que ainda posso
desenvolver uma aceitação maior com o que está à minha frente. Mas além disso,
enquanto estudante de yoga, vi uma forte semelhança entre esse princípio da ACT e o
que se compreende nessa prática meditativa. Da mesma forma que a ACT, o yoga
coloca que um dos primeiros passos para o autoconhecimento é tomar contato com
aqueles pensamentos e emoções dos quais frequentemente fugimos, o que exige a
disposição de se confrontar com nossas ações a partir de um espaço de consciência e
reflexão (swadhyaya – “estudo do eu”), tirando o peso dos nossos julgamentos e nos
abrindo àquilo que está colocado nas nossas experiências.

2. Desfusão cognitiva

Quase nunca nos damos conta de que, além dos pensamentos, existe o contexto em que
eles acontecem e a nossa relação com eles. Essa percepção foi, como se diz, uma virada
de chave para mim durante o estudo desse tópico da ACT. Experimentar a capacidade
que temos de nos desfusionar de pensamentos, principalmente os mais recorrentes, já é
uma descoberta relevante; mas perceber o ganho de liberdade e flexibilidade que essa
simples (mas difícil) mudança causa, foi impressionante, sobretudo pensando em termos
clínicos.

São tantos os condicionamentos que carregamos em questão de comportamentos em que


nos engajamos a partir de pensamentos específicos, que facilmente deixamos de
perceber o contexto de algumas de nossas ações e o porquê de estarem ligadas a
determinados estímulos verbais na forma de pensamentos. A desfusão cognitiva é uma
ferramenta simples, mas eficaz de reduzir o controle de certos pensamentos sobre nosso
comportamento, o que nos devolve uma abertura para abandonar padrões habituais, mal
adaptados a muitas situações nas quais os empregamos, e engajarmo-nos em ações mais
efetivas.

Refletindo sobre isso em sala, as situações que me vieram à mente – muito por
identificação – foram aquelas em que algum pensamento fixo sobre nossa identidade ou
autoimagem causam sofrimento e levam a comportamentos de auto sabotagem. Nesse
caso, vejo que a desfusão cognitiva não apenas ajudaria a pessoa a ajustar melhor seu
comportamento ao contexto e aos seus valores, mas seria um grande fator na redução do
sofrimento.

3. Momento presente

Muito ligado à desfusão cognitiva, entendo que o foco no momento presente é um pré-
requisito para ela. Afinal, apenas podemos nos desfusionar dos pensamentos e observá-
los acontecer o fizermos focando no momento presente. Na verdade, esses dois vértices
do hexaflex parecem ser como duas faces da mesma moeda. Ao focar no que está
acontecendo agora, dentro e fora de mim, necessariamente me desfusiono de meus
pensamentos; e ao me distanciar dos meus pensamentos para observá-los,
necessariamente tomo contato com o momento presente.

Mais uma vez, foi inevitável para mim fazer uma comparação entre esse princípio da
ACT e o estudo do yoga, já que é sabido que o foco no presente é a base não só do yoga
como de todas as práticas meditativas. Tanto para essa filosofia oriental quanto para a
ACT, sem tomar contato com o agora, momento a momento, perdemos as diversas
oportunidades de ação ajustada, alinhada e efetiva que constantemente se apresentam.
Entendo que promover isso em terapia através de exercícios como os de mindfulness
com os clientes pode ser muito eficaz aumentar sua capacidade de viver seus valores,
além de enfraquecer os comportamentos de evitação e de luta.

4. Self como contexto

Creio que posso dizer que esse foi (ou é) para mim o ponto mais desafiador para
compreender na ACT. Porém, de maneira geral, entendo que essa é mais uma forma de
enfraquecer os padrões fixos de pensamento e comportamento que muitas vezes levam à
experiência de sofrimento por parte dos clientes, e também promover maior
flexibilidade e liberdade para ser e agir de forma mais leve e dinâmica.

O eu-como-conteúdo seria oposto do que se busca aqui. É a forma de compreender a si


mesmo através de qualidades estáticas, como se o eu fosse algo limitado e imutável. É
fácil perceber como isso pode enrijecer o cliente (ou a nós mesmos), restringindo nossas
experiências, concepções e comportamentos. Quando determino o que sou a partir da
história do que entendo como “eu”, e experimento e interajo com a realidade a partir
dessas concepções, me fecho à observação do que está se passando dentro e fora de mim
momento a momento, afastando-me das experiências concretas. Por outro lado,
experimentar o eu como contexto onde a vida acontece é o inteiro oposto disso. É
observar os acontecimentos dentro e fora de mim a cada momento, constatando a gama
de experiências diversas que ocorrem naquilo que chamo de “eu”, o que permite
perceber a variedade de formar possíveis de reagir aos muitos contextos e da vida, que
envolvem não somente a mim, mas a outras pessoas com outras histórias e perspectivas.
Isso, segundo o que compreendi, é o que a ACT chama de tomada de perspectiva
flexível.

Conforme entendo, a tomada de perspectiva flexível através do eu-como-contexto é o


ponto que compreende em si todos os vértices anteriores, e que nos oferece a maior
abertura para novas formas de ser, desassociadas de perspectivas enraizadas em
vivências históricas ou concepções irreais sobre o futuro. Assim, reconheço nesse
princípio um potencial terapêutico poderoso, tanto profissional quanto pessoalmente, e
que demanda o desenvolvimento de uma grande maturidade de percepção sobre si e
sobre a vida.

5. Definindo direções baseadas em valores

O próprio título deste capítulo resume e explica bem o conteúdo deste ponto da teoria,
que também pode ser expresso na máxima de Sêneca, que diz que “se um homem não
sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”.

A ACT explica os valores para a vida humana como uma medida de sentido. Apenas
definindo nossos valores é que podemos distinguir que passos tomar e em que direção.
Pessoalmente considero ser muito valioso esse entendimento, e pensando clinicamente,
mais ainda. Guiar o cliente no processo de esclarecimento de valores pode não só ajuda-
lo a resolver dilemas que esteja vivendo, mas emancipa-lo no sentido de tomar decisões,
pois tomando consciência de nossos valores, ganhamos um critério pelo qual avaliar as
situações e escolhas de nossa vida.

Entendo, portanto, que aprender a definir direções com base em valores, sobretudo
quando apoiado pelos vértices anteriores, é um processo que amplia ainda mais a
flexibilidade de tomadas de decisão, reduz a evitação e fuga (que são a negação de
entrar em contato com algo, e não a busca de mover-se em direção a algo, que é o que
os valores promovem), e oferece motivação e direções consistentes ao cliente.

Durante as discussões, não pude evitar fazer um forte paralelo entre esse princípio e a
teoria da Logoterapia de Viktor Frankl, cujo cerne é promover o encontro do cliente
com um sentido para sua vida, e que afirma que esse processo se apoia principalmente
na obtenção (ou conscientização) de valores por parte do cliente. Apenas a partir disso é
que podemos pensar em ações comprometidas, pois teremos com o que firmar
compromisso para nossas ações.

6. Ações Comprometidas

Aqui se dá a aplicação, segundo compreendi, de tudo o que foi construído até então, e é
o momento em que se busca criar no cliente padrões de ações que estejam alinhadas de
forma íntegra com seus anseios e valores. Isso não seria de modo algum possível sem
dispor-se a aceitar as vivências que temos, distanciar-se dos pensamentos padronizados
que alimentam comportamentos habituais ao focar a percepção no momento presente,
passar a perceber a si a às situações de forma mais flexível, tomando-se como contexto
e não conteúdo dos acontecimentos, e destilando valores das nossas ações, pensamentos
e reações perante os contextos diversos da vida. Assumir ações comprometidas requer,
além de continuidade e uma direção consistente, flexibilidade para responder à
diversidade de contextos.

Para mim, esse princípio de ações comprometidas é o que torna o modelo da ACT
viável, sem o qual ela seria incompleta e talvez inconclusiva. Esse vértice é o que dá a
ela aplicabilidade e um potencial real de mudança e melhora, pensando tanto no
contexto de clínica quanto no pessoal. A forma como seus construtos se complementam
até culminar neste último passo é, na minha visão, muito inteligente e coerente.

Por fim, considero a experiência de ter percorrido esse panorama teórico da ACT muito
enriquecedora. Poucas vezes durante a graduação temos a oportunidade de nos
confrontar com construções teóricas recentes, o que é revigorante. Pessoalmente, pude
ver muita aplicabilidade desses princípios na minha vida pessoal e profissional, até
mesmo no trabalho com yoga, que em alguns pontos se aproxima das concepções desse
modelo.

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