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Introdução
Neste artigo, vamos apresentar uma introdução da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)
e o propósito fundamental é que ele sirva como uma primeira aproximação a uma forma de
trabalho que envolve muito mais que um conjunto novo de técnicas ou estratégias de
intervenção, implica uma mudança na forma de ver o mundo que parte dum compromisso
profundo e intenso com a dignidade do sofrimento humano. Dada as características dum texto
introdutório, há muitos pontos que não podemos aprofundar, e por isto convidamos ao leitor
aprofundar em algumas das referências que são incluídas ao final do capítulo.
Primeiramente apresentaremos os princípios básicos subjacentes à ACT, e logo
exemplificaremos algumas das intervenções que usamos na ACT focadas em processos
específicos.
O que é a ACT?
ACT é uma terapia baseada no CF, e por isso seu interesse fundamental e predizer e influir nos
comportamentos, com parcimônia, alcance e profundidade, para o qual parte dum análise dos
contextos que influem no comportamento e das funções dele. Entre os diferentes contextos
que influem no comportamento (ambiental, relacional, etc.) a ACT dirige o foco para um
contexto tipicamente humano, o contexto verbal.
O modelo psicopatológico da ACT parte da ideia de que o sofrimento humano é, em
grande parte, sofrimento verbal, ou seja, determinado pelos contextos verbais. Assim, o
sofrimento psíquico é o resultado das operações linguísticas em si mesmas e do uso excessivo
destas como um meio de regulação comportamental, que é reforçado pela comunidade
verbal. Enfraquecer o impacto desses contextos verbais aversivos sobre o comportamento
humano é um dos principais objetivos da ACT (Hayes, Strosahl & Wilson, 2012).
A ACT é uma terapia comportamental contextual. Desde esse ponto de vista assume-
se que os problemas que as pessoas têm que afrontar estão baseados em sua história pessoal,
a qual é o contexto das maneiras específicas que as pessoas têm para derivar pensamentos e
emoções e para reagir a eles. Em ACT a abordagem psicoterápica parte de uma revisão
contextual do problema do cliente, em que o objetivo da terapia é o abandono da luta contra
os sintomas e, em seu lugar, a reorientação para a vida. Para isso, o nosso trabalho centra-se
na análise funcional do comportamento clínico, o qual dificulta para o cliente em ter uma vida
voltada para o que é importante para ele, e para a geração de contextos verbais facilitadores
de uma vida orientada a valores.
A tarefa do terapeuta visa gerar contextos em que o cliente possa vivenciar emoções,
sentimentos e lembranças, alguns deles muito dolorosos, sem procurar que a ansiedade ou
emoções sejam extintas, mas com o propósito de treinar o cliente para uma disposição flexível
e aberta a essas experiências (Luoma, Hayes e Walser, 2007) e esclarecer o que é importante
em sua vida, abrindo a possibilidade de redirecionar sua vida em direção a isso (Sandoz, Wilson
e Dufrene, 2010) usando a relação terapêutica como um campo de trabalho.
Assim, o objetivo da ACT e gerar contextos verbais que evoquem comportamentos
baseados numa maior tomada de perspectiva em relação com o mundo interno, um maior
conhecimento dos antecedentes e consequências que influem no comportamento (maior
sensibilidade para os contextos e funções), e contextos que evoquem comportamentos
guiados pelas funções apetitivas de aquilo que é mais valioso para a pessoa.
Os três pilares da Flexibilidade Psicológica
Ainda quando o objetivo geral da ACT é mais o menos compartilhado na literatura, em termos
específicos podemos notar que os processos psicológicos considerados centrais para alcançar
estes objetivos e a maneira de conceituar eles foram mudando ao longo da história da ACT.
Sem embargo, o termo de flexibilidade psicológica tornou-se uma maneira de
organizar o trabalho em ACT e um objetivo das intervenções. Tradicionalmente, a Flexibilidade
psicológica é definida como a habilidade para contatar o momento presente em sua totalidade
como um ser humano consciente e, baseado naquilo que a situação oferece, agindo de acordo
com seus valores. Uns dos modelos mais utilizados para representar conceitualmente a FP tem
sido o hexaflex (colocar figura). O hexaflex é um hexágono, onde cada vértice corresponde a
um processo que compõe a flexibilidade psicológica. É importante ressaltar que a
diferenciação destes seis processos é puramente pragmática no sentido de que permite
identificar as diferentes facetas de flexibilidade psicológica, a fim de projetar intervenções
orientadas em diferentes aspectos do comportamento. No entanto, não há nem características
nem entidades independentes.
Talvez uma das dificuldades fundamentais do modelo Hexaflex seja postular termos de
"nível médio", que não correspondam facilmente com os processos comportamentais básicos
(Schoendorff, Webster, e Polk, 2014), o que leva certa ambiguidade em sua definição. Por isto,
foram desenvolvidos outros modelos com o objetivo de simplificar o Hexaflex. Entre eles,
consideramos que o modelo dos “Três Pilares” de Stroshal (2012) pode ser útil para treinar
ACT em pessoas que ainda não tem muito conhecimento do modelo, já que um modelo
simples y que reduz os processos do hexaflex em três processos centrais (ver figura 2). Por
isto, na seguinte parte do capítulo vamos apresentar um exemplo de abordagem baseado
em ACT partindo duma caso clínico, organizando as intervenções em relação com uma
conceituação baseada nos três pilares. Já que não se trata de um capítulo teórico, só
vamos apresentar resumidamente cada um dos pilares, com o objetivo de que seja mais
visível a função de cada intervenção.
Aplicações e Técnicas
Nesta parte do capítulo nos apresentaremos algumas das principais intervenções da ACT, más
dado que a ACT é uma terapia baseada em processos ou habilidades amplas que são
interdependentes com as intervenções, é impossível apresentar este ponto sem apresentar as
bases conceituais mesmas. Obviamente, tivemos que escolher um modelo e, já que o Hexaflex
apresenta muitas dificuldades, temos escolhido o modelo dos “Três Pilares” de Stroshal
(2012)
Como nós já dizemos, o objetivo terapêutico em ACT é Flexibilidade Psicológica, definida como
a disponibilidade ativa para entrar em contato com a experiência no momento presente, de
forma consciente e sem defesa, a serviço do que é importante para a pessoa (Hayes, Strosahl
& Wilson, 2012). Deste modo, podemos considerar que a Flexibilidade Psicológica é o
resultado de três processos comportamentais funcionalmente definidos:
Comprometido: Clareza e conexão com o que é importante para ele. Com capacidade
de realizar ações baseadas no que é importante
Caso
Gabriela é estudante de psicologia e vem para terapia já que há já um tempo que sente que
não pode com tanta pressão. Estuda todo o dia para ter um bom rendimento mais ainda assim
sente que o esforço não é suficiente. Sente muita culpa quando não pode estudar o que acha
que deveria, e tem dificuldades para dormir pela noite, já que fica com muitas preocupações e
ruminando sobre o que não fez durante o dia. Ao mesmo tempo, sente que precisa ser mais
amável com ela mesma e que está muito cansada de tanto se exigir. Ela acha que só será
respeitada se é uma excelente estudante e uma profissional destacada
Não é fácil agir congruente com nossos valores, principalmente quando passamos por
situações desafiadoras geradoras de ansiedade, frustração, raiva, fadiga, e toda uma gama de
emoções desagradáveis. Gabriela sofre ao apresentar dificuldades em entrar em contato com
seus eventos privados e como consequência, tem vivenciado um aumento da ansiedade e
desconforto persistente, baseada em parte em se apresentar fusionada com pensamentos
como “não estou me esforçando o suficiente”, “preciso me destacar para que me respeitem”,
“preciso ser a melhor”. Adicionado a isso, pensamentos avaliativos adicionais podem aparecer
e aumentar o desconforto: “todos vão perceber que sou um fracasso”, “meus colegas de sala
não gostam de mim”, “não vou conseguir fazer uma boa apresentação”. Esses pensamentos
podem aparecer concomitante a intensas e desagradáveis vivências emocionais (ex.: culpa), as
quais Gabriela tenta “escapar” dirigindo toda sua energia e momentos livres frequentando a
biblioteca.
De fato, a crença de que devemos modificar, controlar ou suprimir pensamentos ou
sentimentos que são causadores de dor, sofrimento ou, de forma geral, contra produtivos,
está fortemente enraizada em nossa cultura. Se queremos viver uma vida produtiva e
significativa, devemos estar motivados ou nos livrar de nossa ansiedade, tristeza ou quaisquer
sentimentos ou pensamentos que nos causem desconforto.
Nesse sentido, Hayes et al (1999) enfatiza que não há pensamentos, sentimentos ou
outras experiências privadas que são falhas ou “erradas”, e distúrbios psicológicos e angústia
não são inerentemente patológicos em si. Pelo contrário, é a forma como os indivíduos se
relacionam com essas experiências privadas através da linguagem e cognição que é
potencialmente prejudicial, por exemplo, através da suposição de que essas experiências
devem ser controladas ou suprimidas para reduzir o sofrimento ou através de uma confiança
excessiva nas crenças, regras, medos e julgamentos na regulação do comportamento.
Em contraste com muitos modelos teóricos que procuram modificar, controlar ou
suprimir esses eventos privados, a ACT enfatiza a aceitação como alternativa para a esquiva
experiencial, e esta é cultivada em terapia para contrariar os esforços do cliente no sentido de
evitar as suas experiências privadas difíceis. Importante frisar, no entanto, que a aceitação não
é enquadrada como sendo um fim em si mesma, mas é desenvolvida e cultivada para permitir
mudanças consistentes em valores que ocorrem no mundo externo do indivíduo (Cullen,
2008).
Aceitação, como entendida em ACT, é uma habilidade e, como qualquer outra
habilidade, pode ser aprendida. Contrariamente ao senso comum e sua ênfase na passividade,
caracteriza-se por ser uma ação ativa e intencional da pessoa no sentido de abraçar
pensamentos, sentimentos e sensações físicas, mesmo, e principalmente, aqueles geradores
de dor e sofrimento. Hayes et al. (1999, p.77) definiram aceitação como “uma tomada ativa de
um evento ou situação…abandono de agendas disfuncionais de mudança [dos sintomas] e um
processo ativo de sentir sentimentos como sentimentos, pensar pensamentos como
pensamentos ... e assim por diante”.
O terapeuta da ACT encoraja a aceitação através do uso de metáforas e técnicas de
mindfulness. O cliente é encorajado a experimentar estados afetivos e sensações corporais,
como a ansiedade, no momento em que ocorrem, em vez de tentar controlar a frequência ou
intensidade de tais sentimentos. Nesse sentido, uma primeira tarefa é entender o que não
pode ser controlado (pensamentos, emoções, sensações corporais, imagens mentais), o que
pode (o comportamento e o ambiente físico) e aceitar que pensamentos e emoções podem ser
úteis ou não ao agir congruente com os valores.
Após esclarecer diversos pensamentos e sentimentos dolorosos que Gabriela tem
tentado evitar e as estratégias que ela tem utilizado para isso, a metáfora do homem no
buraco é usada.
T: Então Gabi, você está nesse buraco, cavando aqui, ali, cada vez mais fundo...mas o
que está acontecendo?
C: O buraco está ficando cada vez maior e mais fundo né!
T: Uhum...e você com mais vontade ainda de sair fora dele....então cava com mais
vontade.
C: Putz....acho que é isso que tenho feito sem perceber. Fico tentando variações das
mesmas coisas várias vezes e só indo cada vez mais fundo nesse buracão.
T: Gabi, você fez o que pode fazer até agora. Você tinha uma pá e fez o que se faz com
ela....cavou. O que quero saber é se você está disposta a largar essa pá e tentar algo diferente.
Esquiva experiencial
É o oposto da aceitação, a experiência voluntária de pensamentos, emoções,
sensações corporais à medida que surgem, sem esforços para evitar ou controlá-los (Hayes et
al., 1996). Esquiva experiencial é um termo geral que engloba tipos mais específicos de
esquiva, como a esquiva cognitiva (por exemplo, distrair da preocupação), esquiva emocional
(por exemplo, tentar suprimir a tristeza) e esquiva comportamental (por exemplo, evitando
situações que induzem excitação fisiológica e acompanhadas de sensações interoceptivas).
Esquiva experiencial é uma categoria ampla de regulação emocional para
experiências percebidas como negativas e inclui a) a falta de vontade de permanecer em
contato com a experiência privada aversiva (sensações corporais, pensamentos, sentimentos,
emoções, memórias etc); e b) medidas tomadas para evitar, alterar ou controlar o contato ou a
exposição a estímulos que podem desencadear essas reações (Hayes et al, 1999). No entanto,
tentativas de mudar experiências negativas, envolvendo-se na esquiva experiencial como uma
estratégia de regulação de emoções pode reduzir a flexibilidade de um indivíduo em lidar com
situações desagradáveis, que podem ser prejudiciais à sua qualidade de vida (Kashdan et al.,
2006).
Em ACT não se trabalha a forma dos eventos privados, mas sua função (desativação de
funções da linguagem) alterando assim, os contextos verbais que promovem e mantêm a
esquiva experiencial não funcional, colocando-se em evidência a aceitação. Mesmo quando se
foca na forma, o objetivo é também para ampliar sua função.
Dentre as diversas formas de se abordar a esquiva experiencial e aumentar a abertura
para o trabalho que se seguirá, destaca-se a desesperança criativa, que e voltada para o
enfraquecimento da esquiva experiencial do cliente, evidenciando seu caráter problemático,
para que tanto o terapeuta quanto o cliente tenham espaço para o trabalho terapêutico. A
desesperança criativa é parte do trabalho de aceitação. As intervenções utilizando a
desesperança criativa podem assumir diversas formas, mas todas envolvem explorar, com
abertura e curiosidade, a agenda do controle emocional. Procura-se criar uma sensação de
desesperança com relação ao apego a essa agenda, ou em outras palavras, confrontar essa
agenda.
Uma breve descrição dos passos para o uso da desesperança criativa ocorre da
seguinte maneira: em um primeiro momento, investiga-se as razões da busca de tratamento
em um dado momento de tempo, assim como coleta-se informações com relação as
percepções do problema por parte do cliente. Dessa forma, a postura do cliente com relação a
pensamentos, sentimentos, sensações, imagens mentais e narrativas pessoais desconfortáveis
ou dolorosas, assim como quais estratégias o cliente tem se utilizado para e evitar ou controlar
esses eventos privados, se revelam. Juntos, cliente e terapeuta geram uma lista das estratégias
que o cliente utilizou e constatam que todas as tentativas de controle não funcionaram. A
seguir, busca-se destacar a invalidez de tentar controlar, suprimir ou se ver livre dos nossos
produtos internos, e introduz-se a ideia de que aquelas estratégias, inclusive a terapia, não
funcionaram simplesmente porque não funcionam. O cliente é informado de que os
pensamentos, sentimentos, sensações, imagens mentais não irão desaparecer, basicamente
porque esse não é um objetivo possível. Enfatiza-se também o sofrimento envolvido na busca
desse controle, assim como o custo em termos da luta do cliente, preso em uma batalha que
não pode ganhar, ao invés de se engajar em estratégias em direção a uma vida que valha a
pena ser vivida.
T: O que você está me dizendo é que não está conseguindo lidar com as atividades em
que se envolveu e que tem se sentido sobrecarregada e se afastando de coisas que você
gostaria de fazer, como estar em um bom emprego e finalizar seus estudos.
C: Sim, é isso.
T: Gabriela, me conta sobre os pensamentos, sentimentos, emoções, sensações que
você tem tentado evitar ou se livrar
C: Então, fico o dia todo pensando que não estou me dedicando o suficiente para
conseguir o que quero. Não consigo parar de pensar que as pessoas não me respeitam porque
acham que sou burra.
T: Existem sentimentos que aparecem com esses pensamentos?
C: Que desastre que eu sou....me sinto culpada...me sinto abandonada.
T: (um pouco de silêncio, refletindo sobre ok que ouviu): Estou me sentindo tocado
pelo que você me disse. É muito esforço, muita luta.
C: Sim, e estou cansada dessa luta.
T: O que você tem feito para lidar com tudo isso?
Junto com Gabriela, elaboramos uma lista de todos os esforços feitos para lidar com
seus problemas.
T: Então Gabriela, nós acabamos de criar uma lista das diferentes estratégias que você
tem tentado para tentar se livrar desses problemas....(pausa longa para reflexão)....e no
entanto, aqui está você.
C: sim, nada funcionou...nada.
T: E se o que sua experiência está lhe dizendo aqui for realmente o caso? E se todas
essas tentativas não funcionaram simplesmente porque não funcionam?
C: (olhos se enchem de lágrimas) Então estou perdida? O que eu faço?
T: Bem, é isso que vamos trabalhar juntos aqui. ACT, a minha abordagem, é
justamente sobre uma forma diferente de lidar com esses sentimentos e pensamentos
dolorosos.
Fusão cognitiva
G: Minha mente diz que é importante ser a primeira e que só assim vão me respeitar.
T: Você está me dizendo que tem um pensamento “que é importante ser a primeira” e “só
assim vão te respeitar”. Quais outros pensamentos aparecem quando você sente que deve ser
a primeira e que só assim vão te respeitar”?
G: Me sinto meio que um peixe fora d´água na sala de aula. As vezes acho que tem algo errado
comigo.
T: “Tem algo errado comigo”. Quando ele aparece, quais outros pensamentos surgem?
G: Que eu sou uma estranha, uma idiota e que não vou conseguir o respeito de ninguém.
T: Muito duros esses pensamentos: “eu sou uma estranha”, “uma idiota” “ninguém vai me
respeitar”. Gabi, quais sentimentos surgem nesses momentos?
G: Fico triste e me sinto culpada por não conseguir mudar.
Gabriela tem pensamentos como “sou uma idiota” ou “ninguém vai me respeitar” e
fusiona-se com eles, ou seja, não é capaz de percebê-los como simplesmente um pensamento,
assumindo-os como sendo literalmente verdadeiros. Suas tentativas de regular essas
experiências internas (ex.: estudando durante todo o dia) parecem, paradoxalmente,
intensificar o seu sofrimento, afetando, entre outros, o seu sono, quando se percebe invadida
por preocupações e ruminações.
Esses eventos privados condicionados, sobre os quais Gabriela tem pouco ou nenhum
controle, acabam por ser considerados motivos para seu comportamento e, assim, uma
quantidade enorme de esforço desnecessário é gasto na tentativa de regulação dessas
experiências internas, afastando sua atenção do aqui-e-agora e diminuindo sua sensibilidade
as contingências que estão em seu momento presente e que podem ser fontes de
oportunidades em direção a uma vida significativa.
Técnicas de desfusão tentam alterar o impacto de pensamentos e outros eventos
internos, ao invés de seu conteúdo, tentando mudar as formas pelas quais os indivíduos se
relacionam com eles (Hayes et al., 2006). Nesse sentido, utilizamos o exercício “rotulando os
pensamentos como o que eles são”.
T: Gabriela, uma maneira de notar os pensamentos antes que eles passem despercebidos é
rotulá-los como o que são. Isso também pode ser feito com sentimentos, emoções, sensações
corporais, memórias, narrativas pessoais, imagens mentais e impulsos. Em vez de dizer ou
pensar “ninguém vai me respeitar”, você pode adicionar uma frase e dizer “Estou tendo o
pensamento de que ninguém vai me respeitar”. Vamos tentar isso. Considere uma situação
que tenha te afetado ultimamente. Concentre-se nela e observe o pensamento que ocorre ao
mesmo tempo. Encontre um pensamento particularmente impactante e destile-o até sua
essência pura, em poucas palavras. Faça isso por uns 30 segundos
C: Certo, estou tentando. Estou lembrando de algo que tem me deixado muito chateada.
T: Agora, coloque toda sua concentração nesse pensamento e tente acreditar nele por 30
segundos. O que acontece?
C: Me sinto muito mal. Até me deu vontade de chorar.
T: Agora, reformule em sua mente no sentido de se concentrar que você está “tendo” o
pensamento. Faça isso por mais 30 segundos. A maneira de dizer isso em sua mente é “Estou
tendo o pensamento de que...”. Observe o que acontece quando você experimenta o seu
pensamento dessa maneira. Alguma coisa muda?
C: Sim...senti algo como....menos peso...algo assim.
T: Vamos tentar algo mais. Você pode reformular esse pensamento dentro da expressão
“Estou percebendo que estou tendo o pensamento de que...”. Faça isso por mais uns 30
segundos.
C: Ok.
T: Ao repetir essa frase e experimentar seu pensamento dessa maneira, o que acontece?
Observe a experiência e me diga se ela é diferente.
C: Sim, bem diferente da primeira. Não senti a menor vontade de chorar.
T: Gabi, talvez a gente possa tentar isso por um tempo, apenas rotular nossas experiências
conforme elas acontecem.
C: Uhum, achei interessante
T: Para a próxima semana, que tal você aplicar esse processo em nossa própria conversa?
Aplique rótulos aos seus pensamentos, memórias, sensações corporais, imagens mentais e
desejos. Se você quiser, pode até falar assim, em voz alta tá bom?
Desfusão cognitiva pode ser utilizada sempre que: a) você observar a existência de
pensamentos antigos, familiares, obsoletos; b) você está tão fusionado com seus produtos
internos que o momento presente desaparece; c) você está fazendo muita comparação,
classificação ou avaliação; d) você está ou no passado ou no futuro; e f) seus pensamentos
estão acelerados, repetitivos ou confusos.
O pilar centrado pode ser considerado como a essência da FP. Assim, alguns autores
assinalam que a FP é a capacidade de se relacionar com os eventos privados como parte de
uma hierarquia onde o Eu é acima dela (Torneke, ET AL, 2017). Desde nossa prática, o trabalho
neste pilar envolve duas tarefas fundamentais:
1. Perceber a variabilidade da experiência
2. Perceber a invariabilidade do Observador
As intervenções podem ser muitas para cada uma destas tarefas, e incluem metáforas,
exercícios experienciais, práticas contemplativas e a conversação terapêutica. A continuação
se exemplifica uma sessão onde trabalhamos com Gabriela com estas duas tarefas clínicas.
Nesta breve troça, o terapeuta convida Gabi para observar sua experiência sem julgar ela,
como um observador imparcial. Como pode se ver, o terapeuta não precisa utilizar um
exercício formal de Mindfulness, e utiliza a sua pessoa como âncora em quanto o cliente
observa e nota a sua experiência acontecendo. O que ele tenta, é fortalecer o sentido
transcendente do ‘Eu’, evocando inicialmente uma posição de observação dos eventos
privados. Trabalhando com o "Eu como observador" leva a um gradual sentido de perspectiva
sobre os conteúdos privados e histórias pessoais que elaboramos, fortalecendo, assim, a
perspectiva do Eu como um continente onde os diferentes conteúdos ocorrem (pensamentos,
emoções, etc.). O pilar centrado envolve observar nosso ‘Eu’ como algo que transcende nossos
pensamentos e emoções. Portanto, é a base para o pilar aberto, uma vez que só a partir deste
lugar onde a pessoa pode se abrir para os eventos privados, já que podem ser "observados em
perspectiva."
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