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Acessado em: 02/03/2020

https://www.comportese.com/2016/03/o-que-e-desregulacao-emocional-2-o-

modelo-biossocial-vulnerabilidade-emocional

O que é Desregulação Emocional? O Modelo Biossocial – Ambientes

Invalidantes

1) O que é Desregulação Emocional?

Um dos conceitos que, sem sombra de dúvidas, tem sido amplamente


debatido dentro da saúde mental nos últimos tempos é o de
desregulação emocional. Contudo, evidencia-se uma notória falta de
definição mais precisa do significado de desregulação emocional. Muitas
vezes podemos observar textos que versam longos parágrafos citando
os termos “regulação emocional” e/ou “desregulação emocional”
como se eles fossem autoexplicativos. Além disso, percebe-se, também,
que poucas vezes quando o termo “desregulação emocional” é utilizado,
apresenta-se algum modelo que explique o desenvolvimento dessa
característica. Apresentamos um modelo teórico que explica o que é e
como ocorre o desenvolvimento da “desregulação emocional” para a
Dialectical behavior therapy 1 (DBT; Linehan, 2015). Já, o objetivo

1
DBT enfatiza os aspectos psicossociais do tratamento - como uma pessoa interage com os outros em
diferentes ambientes e relacionamentos. A teoria por trás da abordagem é que algumas pessoas
tendem a reagir de maneira mais intensa e fora do comum em certas situações emocionais,
principalmente aquelas encontradas em relacionamentos românticos, familiares e amigos. DBT foi
originalmente concebido para ajudar a tratar pessoas com transtorno de personalidade limítrofe, mas
específico desse texto é de apresentar qual é o conceito de regulação
emocional e de desregulação emocional para que assim seja
construída a base necessária para o aprofundamento posterior no
modelo biossocial.

Contudo, cabe salientar que essa não é a única proposta que explica
esses conceitos. O leitor poderá procurar diversas outras fontes que
podem discutir, também, o que é e como se desenvolve a desregulação
emocional. O motivo pelo qual esse texto irá se focar no modelo
biossocial é que esta se configura em uma proposta teórica altamente
parcimoniosa e que engloba, dentro de seu escopo teórico, uma ampla
gama de estudos de ciência básica sobre desregulação emocional
(Crowel, Beauchine & Lenzenweger, 2008). Isso significa que o modelo
biossocial apresenta conceitos teóricos que conseguem dar
sustentação a sua proposta com uma ampla base em diversos
campos de pesquisa sobre esse tema. Este é o caso dos estudos
genéticos, neurobiológicos, sobre padrões familiares, sobre
características psicológicas das crianças, sobre experiências
traumáticas ao longo do desenvolvimento, dentre outros campos de
pesquisa que sejam realmente relevantes para essa área (Crowel,
Beauchine & Lenzenweger, 2008). Ou seja, estamos falando não só de
um modelo teórico altamente sólido, mas, também, de uma teoria que
é simples de ser explicada e entendida pelos pacientes (Linehan,
2010a). Essa última característica confere ao modelo biossocial uma
excelente aplicabilidade clínica para que os pacientes consigam
entender o que de fato acontece com eles e como eles podem fazer
para gerenciar melhor as suas emoções (Linehan, 2015).

agora é usado para tratar uma ampla gama de preocupações. A terapia comportamental dialética (DBT)
é uma forma específica de terapia cognitivo-comportamental.
Para iniciarmos uma definição acurada do modelo biossocial, vamos
primeiramente definir o que é regulação emocional em 4 (quatro)
princípios bem específicos:

1) O primeiro desses define-se pela capacidade de inibir o


comportamento impulsivo ou inapropriado relacionado a
emoções intensas (sejam agradáveis ou desagradáveis de
sentir) (Linehan, 2015). Imaginem aquela situação onde você está
indo prestar uma prova para um concurso, ou para vestibular, ou
andando no meio da universidade e de repente tropeça e cai na
frente de muitas pessoas. Imaginem sentindo a vergonha fervendo
no rosto e a vontade de sair correndo da frente de todo mundo. Mas
ao invés disso, simplesmente nos levantamos e nos direcionamos
para fazer a prova. Esse exemplo evidencia muito bem essa
capacidade de inibir o comportamento impulsivo ou
inapropriado frente a uma ativação emocional. Contudo,
observem que em nenhum momento se fala de parar de sentir
vergonha, pois é provável que nós continuássemos envergonhados
em uma situação dessas. No entanto, o nosso comportamento não
estaria sendo dependente do impulso que a vergonha nos
gerou.

2) Já o segundo é definido como a capacidade de se auto organizar


para desenvolver ações direcionadas para objetivos ao invés
daquelas impulsionadas pela ativação emocional (Linehan,
2015). Se nós nos relembrarmos do exemplo citado acima podemos
perceber claramente esse princípio, também, uma vez que a pessoa
teve de ter uma ação direcionada para um objetivo (fazer a prova)
não executando a ação impulsionada pela ativação emocional
(sair correndo).
3) O terceiro envolve conseguir reduzir a ativação fisiológica quando
alguma emoção intensa for ativada. Aqui tentem relembrar a
primeira pessoa pela qual vocês se apaixonaram (Linehan, 2015).
Tentem lembrar-se de uma situação em que vocês iam conversar
com essa pessoa e parecia que o coração de vocês ia sair pela boca,
pois ele batia tão forte, mas tão forte, que foi necessário parar, dar
uma respirada, tomar coragem e ir lá falar com essa pessoa. Essa
breve pausa para “tomar coragem” significa conseguir reduzir um
pouco e brevemente os sintomas físicos relacionados a essa
intensa ativação emocional, para que fosse possível ter a ação
de ir lá e conversar com a pessoa.

4) Por fim, o quarto está relacionado a conseguir alternar o foco


atencional quando estiver em uma resposta emocional intensa
(Linehan, 2015). Ou seja, imaginem uma reunião de amigos na qual
um primo de um dos seus amigos faz uma afirmação claramente
xenofóbica o que acaba deixando vocês muito irritados. A partir
disso, vocês começam a tentar desfocar a atenção do que essa
pessoa está falando para tentar se acalmar para não acabar tendo
uma atitude agressiva com um primo de um amigo seu durante uma
confraternização.

Ao observarmos esses princípios que definem a regulação emocional,


pode-se naturalmente concluir que a desregulação emocional envolve
a falha desses quatro componentes, ou ainda, podemos colocar que a
desregulação emocional tem relação com uma resposta
comportamental direcionada pela emoção da pessoa e que está
vinculada a demandas do momento, como por exemplo, em uma
discussão de casal devido a diferentes visões a respeito de qual filme
ver no cinema, um dos membros do casal, por estar com raiva do outro
por não estar aceitando a sua sugestão de filme, acabar falando “eu
não aguento mais você e toda essa sua intransigência” 2 . Não
necessariamente essa pessoa não aguenta mais a outra e queira se
separar. É possível, e até provável, que essa pessoa realmente ame o
seu cônjuge, mas, naquele momento, por estar com raiva, acaba não
conseguindo inibir o comportamento de dizer isso e não consegue
sustentar uma ação que tenha relação com os seu objetivo de
longo prazo que poderia ser o de manter o seu casamento como uma
relação harmoniosa. Contudo, nem sempre, seguir o que a nossa
emoção nos impulsiona a fazer irá acarretar em prejuízo para
objetivos de longo prazo. É justamente nesse ponto que é
fundamental uma compreensão adequada do que é regulação
emocional e do que é desregulação emocional. Dessa maneira, seguir o
impulso da emoção pode sim estar relacionado com ações que
englobem objetivos de longo prazo. Ao mesmo tempo, é possível
diante de uma situação específica abrir mão de objetivos de longo
prazo em favor de ações de curto prazo que reconfigurem novos
objetivos de longo prazo, o que jamais seria entendido como
desregulação emocional, mas sim, como flexibilidade. Isto é, só iremos
definir a ideia de desregulação emocional quando a ação
impulsionada pela emoção estiver focada em uma demanda do
momento e que seu resultado prático seja ou a intensificação da
situação problema e/ou a formatação de novos problemas sem que
a pessoa tenha de fato percepção desses efeitos (Linehan, 2010;
2015).

Além disso, temos de entender que existem diferentes níveis de


desregulação emocional. Existem pessoas que habitualmente em suas
vidas conseguem manter um padrão de respostas com muita
regulação emocional. Ou seja, essas pessoas conseguem muitas
vezes utilizar os quatro elementos definidores da regulação
emocional supracitados. Contudo, mesmo essas pessoas vão
2
Aqui cabe diferenciar quando Pessoa x Comportamento
encontrar situações onde a ativação emocional seja realmente
intensa e, assim sendo, terão dificuldades de regular a sua emoção.
Podemos concluir dessa forma que desregular a emoção faz parte da
vida. Todos nós teremos experiências nas quais não
conseguiremos regular adequadamente as nossas emoções. Um
excelente exemplo disso é pensarmos nas situações em que estivemos
apaixonados por alguém. A paixão é uma emoção realmente intensa e
muito difícil de regular, assim, muitos de nós já insistimos em relações
onde grande parte das pessoas a nossa volta nos falavam para
pularmos fora, pois, ela não teria futuro e ainda assim insistimos. Outro
exemplo são aquelas situações de raiva intensa. Quem nunca acabou
falando algo mais intenso do que gostaria para alguém quando estava
com muita raiva? Esses exemplos servem para elucidar esse aspecto
importantíssimo de ser compreendido, que é o de que todos nós iremos
desregular a emoção em algum momento de nossas vidas.

No entanto, conforme colocado mais acima, existem diferentes níveis


de desregulação emocional, sendo que um deles envolve um
padrão global de desregulação emocional (Koerner, 2012). As
pessoas que possuem esse padrão normalmente evidenciam
respostas emocionais intensas e instáveis com um marcado padrão
comportamental dependente de seu estado emocional. A principal
consequência dessa desregulação emocional global são
comportamentos intensos e auto destrutivos, como por exemplo,
condutas suicidas e comportamentos auto lesivos sem
intencionalidade suicida (CASIS). Além disso, observa-se que essas
pessoas acabam apresentando muitos problemas em suas relações
interpessoais devido a suas reações instáveis e intensas, assim
como, marcadas dificuldades em sustentar projetos de longo prazo
devido a necessidade de ações marcadas de regulação emocional
para desenvolvê-los, e, por fim, déficits importantes de identidade
pois uma vez que essas pessoas respondam normalmente baseadas em
sua emocionalidade (que naturalmente já é mais intensa), faz com que
elas possuam respostas instáveis constantemente o que acaba
fazendo com que essas pessoas não consigam estabelecer bem uma
sensação de conexão com os outros ou do momento presente com
outros momentos no tempo. Ou seja, a identidade delas é
caracterizada pelo momento atual e reconfigurada a cada situação
vivida, sendo assim, ela não é previsível, possui muita variabilidade
e não é estável. Dessa forma, coloca-se que, o padrão de
desregulação emocional acaba estando associado a desregulação
comportamental, interpessoal, cognitiva e de identidade como
demonstrado acima, e é justamente para explicar o que é e como ocorre
o desenvolvimento desse padrão é que o modelo biossocial foi
desenvolvido (Linehan, 2010; 2015).

Assim sendo, esse primeiro texto referente ao modelo biossocial


permeou as explicações básicas necessárias sobre o que é
desregulação emocional para que assim possa-se compreender em
sua totalidade esse modelo teórico. Nos próximos textos,
aprofundaremos as variáveis biológicas e ambientais que compõe essa
proposta teórica, bem como se explicará como que esse padrão global
de desregulação emocional é formatado e o porquê do entendimento
desse padrão é tão fundamental para um adequado tratamento
psicoterapêutico.3

3
[1] Para a melhor compreensão dos conceitos de valor biológico e de regulação da vida recomenda-se a leitura de
Damásio, A. R. (2011) E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das Letras.

[2] Para aprofundamento deste ponto específico recomenda-se a leitura de: 1) Chanen, A. M., & Kaes, M. (2012).
Developmental pathways to Borderline Personality Disorder. Curr Psychiatry Rep, 14, 45-53. 2) Hughes, A. E., Crowell,
S. E., Uyeji, L., & Coan, J. A. (2012) A developmental neuroscience of borderline pathology: emotion dysregulation and
social baseline theory. J Abnorm Child Psychol, 40 (1), 21-33.

[3] Para o aprofundamento deste ponto sugere-se a leitura de: Amad, A., Ramoz, N. Thomas, P., Jardri, R., & Gorwood
(2014). Genetics of borderline personality disorder: systematic review and proposal of na integrative model.
Neuroscience and Behavioral Reviews, 40, 6-19.

[4] O termo ativação usado aqui refere-se a uma tentativa de tradução do termo “arousal” que não possui uma tradução
adequada para o português.
O que é Desregulação Emocional? O Modelo Biossocial – Vulnerabilidade

Emocional

Esse último artigo definiu as bases conceituais apresentando uma série


de exemplos para que o leitor tivesse uma boa compreensão do que é
Desregulação Emocional, assim como, diferenciou o que é a
Desregulação Emocional natural que ocorre na vida de todas as
pessoas do que é Desregulação Emocional Global. Pois bem, esse
texto irá iniciar a explicação de como ocorre a etiologia da
Desregulação Emocional Global através do Modelo Biossocial.

O Modelo Biossocial, desenvolvido por Linehan, trata-se de uma


proposta teórica altamente parcimônica que visa explicar o
desenvolvimento da Desregulação Emocional Global. Assim sendo,
o Modelo Biossocial é composto por apenas duas variáveis, uma
biológica, a qual chama-se Vulnerabilidade Emocional e a outra
ambiental, a qual denomina-se Ambientes Invalidantes. Contudo,
cabe salientar que o Modelo Biossocial não se trata de uma teoria
interacionista. Ou seja, não é a simples presença dessas duas variáveis
que definirá a presença ou não da Desregulação Emocional Global.
Essa abordagem teórica caracteriza-se sim como um modelo
transacional. Isso significa que para o surgimento da Desregulação
Emocional Global é necessário que ao longo do desenvolvimento
as duas variáveis (Vulnerabilidade Emocional e Ambientes
Invalidantes) se reforcem mutuamente. Assim sendo, essa complexa
transação, entre essas duas variáveis, acabaria por aumentar tanto a
Vulnerabilidade Emocional quanto a presença de invalidações (Dornelles
& Sayago, 2015).

Porém antes de observar-se a complexa transação entre essas variáveis


é importante que se tenha uma definição adequada do que se entende
por Vulnerabilidae Emocional e por Ambientes Invalidantes. Aqui
cabe colocar ao leitor que o objetivo desse texto é tão somente explicar
adequadamente a Vulnerabilidade Emocional e as suas
características. No próximo artigo dessa série é que se encontrará a
definição de Ambientes Invalidantes, assim como, das consequências
da exposição a esses ambientes. Bom, voltando ao foco do presente
texto, Vulnerabilidade Emocional refere-se ao quanto cada uma de
nós é vulnerável ao próprio processamento emocional. Trata-se de
uma característica geral de todas as pessoas, tendo em vista, que todos
temos emoções, e das funções que esse processamento emocional tem
para nós e para os outros (Linehan, 2015).

Como pode-se observar, é impossível falar de Vulnerabilidade


Emocional, sem acabar falando sobre as emoções. Desse ponto de vista
é notório que para fins acadêmicos seria aqui importante
diferenciarmos emoções de sentimentos, como faz brilhantemente
Antônio Damásio em seu trabalho (Damásio, 2003; 2011). Contudo, para
fins didáticos e para a melhor compreensão dos pacientes sobre os
conceitos trabalhados, a DBT adota o termo “emoção” englobando
tanto as emoções quantos os sentimentos. Nesse sentido o modelo
de emoções apresentado pela DBT coloca que o processamento
emocional é um complexo sistema, o qual podemos dividir em 5
(cinco) subsistemas que são de uso prático para o aprendizado e a
compreensão da regulação emocional. Esses subsistemas são: 1)
vulnerabilidade emocional aos estímulos, 2) eventos públicos ou
privados, que servem como pistas emocionais, incluindo a atenção
e a avaliação das pistas 3) respostas emocionais, incluindo as
reações fisiológicas, o processamento verbal privado, as respostas
experienciais e o impulso de ação e 4) respostas e expressões
verbais e não verbais, e 5) as consequências da “queima” da
emoção inicial, incluindo o desenvolvimento de emoções
secundárias como mostra a figura 1 abaixo (Linehan, Bohus & Lynch,
2006).

Essas variáveis que compõe o processamento emocional estão intimamente


atreladas às funções que as emoções possuem e servem como norte para o
entendimento do que é de fato Vulnerabilidade Emocional. Assim sendo, o
primeiro ponto crucial de ser entendido é que as emoções organizam e
motivam a nossa ação. O impulso para a ação de comportamentos
manifestos está conectado diretamente de forma biológica a emoções
específicas. Isso muitas vezes acaba economizando tempo, pois as
emoções tornam não totalmente necessário que pensemos em todas as
situações. Tal aspecto fica mais evidente quando se pensa em emoções
intensas, as quais muitas vezes podem acabar nos auxiliando a superar
dificuldades tanto no ambiente quanto na nossa mente (Linehan, 2015;
Dornelles & Alano, no prelo).
Outro ponto fundamental de compreensão do processamento emocional é
que as emoções influenciam as outras pessoas. As emoções possuem
expressões faciais específicas que comunicam aos outros, tanto ou mais,
que a comunicação verbal. Assim sendo, as expressões faciais emocionais
afetam a forma como os outros se comportam, mesmo não sendo algo
intencional. A nossa postura, tom de voz e expressões faciais comunicam e
alteram o observador direcionando a forma como eles julgam e tomam
decisões. Sendo assim, resumindo o tópico em questão, é notório que a
função social é outra característica realmente importante das emoções.

Por fim, a terceira grande função do processamento emocional é que ele nos
comunica e nos influencia, tendo em vista que as reações emocionais
funcionam como importantes pistas ou alertas das situações que estão
ocorrendo. Ou seja, elas acabam direcionando a nossa interação dentro
dos contextos ambientais, verbais e relacionais (Linehan, 2015).

Uma vez que se tenha claro a importância e as funções do processamento


emocional fica mais evidente o entendimento da Vulnerabilidade Emocional e
a compreensão do porquê todos nós somos vulneráveis em algum grau
ao nosso processamento emocional. Isso fica evidente porque – como já foi
explicado – existe um valor biológico relacionado com a regulação da vida
da existência das emoções em si[1]. Assim, todos nós somos
influenciados pelo nosso processamento emocional e todos temos um
limiar específico de ativação das emoções assim como uma
vulnerabilidade emocional característica.

O que acontece com pessoas que tenham Desregulação Emocional Global é


que elas possuem uma Vulnerabilidade Emocional acentuada, levando a
estados emocionais realmente intensos, os quais naturalmente são
difíceis de regular. Para a observação precisa disso é necessária a
compreensão das 3 (três) variáveis que compõe a Vulnerabilidade
Emocional as quais são:
1) Sensibilidade aumentada aos estímulos emocionais,

2) Resposta intensa ao estímulo emocional e

3) Lento retorno ao estado de calma.

Obviamente que a proposição dessas três características leva em conta a


comparação da Vulnerabilidade Emocional de pacientes com Desregulação
Emocional Global com aquela observada na população geral. Porém, antes
mesmo de avançar dentro do entendimento dessas três variáveis cabe
considerar, muito embora possa parecer óbvio, que toda a ativação
emocional possui um início, meio e fim e que na verdade as emoções
podem ser comparadas metaforicamente a ondas. Ou seja, o conceito de
Vulnerabilidade Emocional disserta sobre a formação, a intensidade e a
duração dessa onda como evidencia a figura 2 (Linehan, 2015).
Assim sendo, o primeiro ponto que se observa na Vulnerabilidade Emocional
é a sensibilidade aumentada aos estímulos emocionais. Em estudos sobre
a identificação de faces emocionais partido de faces neutras para
extremamente emocionais, pacientes com Transtorno da Personalidade
Borderline (os quais possuem Desregulação Emocional Global)
mostraram-se substancialmente mais sensíveis em perceber e reconhecer
precocemente as expressões faciais emocionais em geral (Linehan, Bohus &
Lynch, 2006). Esses dados corroboram essa natureza do processamento
emocional desses pacientes de naturalmente responderem de forma mais
rápida aos estímulos emocionais (Linehan, 2010).

O Segundo aspecto observado da Vulnerabilidade Emocional é a resposta


intensa aos estímulos emocionais. Isso significa que uma vez que a
resposta emocional seja ativada nesses pacientes eles possuem uma
tendência em desenvolver respostas emocionais realmente mais intensas
que a média geral da população (Dornelles & Sayago, 2015). Estudos
neurobiológicos têm dado amplo suporte para essa característica evidenciando
a relação entre essa intensidade emocional elevada e alterações
estruturais e funcionais do circuito fronto-límbico[2]. Assim como observa-
se, tanto em estudos elaborados com gêmeos quando os que avaliam
polimorfismos genéticos, uma forte base científica para sustentar essa
característica da resposta intensa frente aos estímulos emocionais[3]. Ou
seja, existe um ampla gama de evidências científicas que demonstram
exatamente esse componentes de respostas mais intensas, o que
naturalmente dificulta a aplicação de estratégias de regulação emocional
desses pacientes o que muitas vezes os acaba levando a entrarem em um
ciclo de crises contínuas. No qual um comportamento específico para
lidar com uma situação que ativou emocionalidade mais intensa acaba
gerando novos problemas com maior intensidade emocional e assim
sucessivamente (Linehan, Bohus & Lynch, 2006).
Por fim a terceira característica definidora da Vulnerabilidade Emocional é
um lento retorno ao estado de calma. Essa característica acaba deixando os
pacientes mais vulneráveis a novas pistas emocionais, fazendo com que
reajam intensamente em cadeia. Isso denota que esses pacientes possuem
naturalmente uma dificuldade em reduzir a ativação[4] do seu próprio
processamento emocional (Linehan, Bohus & Lynch, 2006). Ou seja, esses
pacientes acabam ficando naturalmente mais vulneráveis, tanto a novas
ativações ou exacerbações dos seus processamentos emocionais quanto
à execução de ações intensas e impulsivas governadas pelas suas
mentes emocionais (Linehan, 2010). A Figura 3 evidencia bem a relação entre
a Vulnerabilidade Emocional e a Desregulação Emocional Global

Concluindo, não é difícil de se imaginar que a Vulnerabilidade Emocional


realmente seja um fator de risco importante para a formação da
Desregulação Emocional Global. De fato, essa variável tem um papel
fundamental ao longo de toda a complexa transação que levará ou não a
formação da Desregulação Emocional Global. Contudo, é fundamental
compreender que essa característica por si só não é patogênica e que
pessoas com Vulnerabilidade Emocional que possuam boas estratégias
de Regulação Emocional podem se tornar pessoas muito efetivas em
seus contextos ambientais. Ou seja, Vulnerabilidade Emocional por si só
não significa um traço patológico. É necessário que para a formação dessa
Desregulação Emocional Global se tenha uma complexa transação dessa
variável biológica com a variável ambiental dos Ambientes Invalidantes
(Linehan, 2010; 2015).

O próximo artigo fará o fechamento dessa série explicitando o que são os


Ambientes Invalidantes, quais são as suas consequências e como finalmente
a complexa transação entre essas variáveis formará a Desregulação Emocional
Global e o efeito em cascata decorrente desse processo.

O que é Desregulação Emocional? O Modelo Biossocial – Ambientes

Invalidantes

Assim sendo, este terceiro artigo irá abarcar o que são os ambientes
invalidantes, as diferentes formas nas quais um ambiente pode ser
invalidante e os principais efeitos que podem ser acarretados ao longo do
desenvolvimento pela exposição a esses ambientes. Fornecendo assim, uma
visão holística dessas variáveis ambientais em transação com as
biológicas e provendo uma compreensão global do modelo biossocial.

Um ambiente invalidante pode ser definido como aquele que,


sistematicamente, negligencia respostas e/ou responde de forma
inapropriada e errática a comunicação de comportamentos privados de
uma criança ao longo do seu desenvolvimento (Dornelles & Sayago, 2015;
Linehan, 2010; Miller, Rathus & Linehan, 2007). Ou seja, estamos falando da
comunicação de experiências privadas que acabam tendo consequências
públicas que não proporcionam, para a criança, uma conexão entre a
comunicação de comportamentos privados com a estimulação ambiental
que a precede (vem antes), assim como, com as consequências dela.
É, em grande parte, aqui que reside o ponto chave do papel dos ambientes
invalidantes dentro da complexa transação que compõe o modelo biossocial e
que resulta na desregulação emocional. Isso fica melhor explicitado quando
analisamos a função dos ambientes validantes.

Os ambientes validantes acabam por fortalecer o desenvolvimento da


organização, naturalidade, adaptabilidade e comunicação das funções
das emoções, promovendo, assim, orientação para essas crianças sobre
quais respostas são efetivas e adequadas (Koerner, 2012). Em outras
palavras, pode-se dizer que os ambientes validantes acabam funcionando
como formas de controle não coercitivos por parte dos cuidadores. De
forma contrária, os ambientes invalidantes acabam comunicando que as
expressões das respostas privadas das crianças são erradas em relação
ao ambiente. Isso naturalmente acaba alimentando um ciclo de fuga e
esquiva dessas próprias respostas privadas, o que pode acabar
funcionando como uma operação abolidora do aprendizado das mais
diferentes formas efetivas de comunicação dos eventos privados
(Linehan, 2015; Dornelles & Sayago, 2015; Dornelles & Alano, 2016).

Observados os pontos supracitados, é fundamental ter-se clareza de que ao


falar de ambientes invalidantes, está se falando de uma série de
possibilidades de interações ambientais que podem resultar em uma
“função invalidante”. Nessa linha de raciocínio, Linehan (2015) coloca que a
“função invalidante” dos ambientes sociais, particularmente das famílias,
inclui três aspectos fundamentais:

1) uma propensão a invalidação das emoções e a inabilidade de modelar


expressões emocionais efetivas em seus mais diferentes contextos;

2) uma interação recíproca entre estilos pessoais (da criança e do


cuidador) que reforçam a ativação emocional; e

3) um ajuste pobre entre o temperamento da criança e o estilo parental


dos cuidadores.
Todos esses três componentes podem acabar se traduzindo em ações
específicas dos cuidadores, como: a) reagir de maneira extremada a
expressão dos comportamentos privados da criança (como, por exemplo,
nas situações de abuso emocional), b) criticar e/ou menosprezar a
comunicação desses mesmos comportamentos, c) minimizar os
problemas ou as estratégias de solução de problemas que essa criança
possa ter, d) negligência, abuso físico e abuso sexual (Dornelles & Alano,
2016). Assim sendo, a intensidade na qual um ambiente invalidante pode se
manifestar também é muito variável podendo ser desde aspectos de
“superproteção”, o que dificulta com que essa criança desenvolva
diferentes repertórios de habilidades, até abuso físico e sexual (Linehan,
2010).

Contudo, é crucial se ter clareza de que a constituição de ambientes


invalidantes não se dá, necessariamente, porque os pais são “maus” ou
porque querem fazer mal aos seus filhos. Muitas vezes essa configuração
ocorre por uma relação funcional entre os estilos parentais dos cuidadores
e o temperamento das crianças que acabam reforçando seletivamente a
desregulação emocional. Uma forma muito comum de observar isso é
quando a criança tem um temperamento distinto do estilo parental de seus
cuidadores (Miller, Rathus & Linehan, 2007). Um exemplo disso seria
imaginar crianças com temperamento mais extrovertido que procuram
ativamente mais contato social e que têm pais introvertidos e que evitam essa
mesma busca. É esperado que nesse contexto essas crianças acabem
gerando, normalmente, uma série de situações disparadoras de tensão
entre elas e os seus pais. Alguns desses pais podem acabar utilizando,
corriqueiramente, estratégias coercitivas, de forma funcional e não
necessariamente intencional, para lidar com a comunicação dos
comportamentos privados dessas crianças frente a busca de maior contato
social.

Essa relação funcional entre como os comportamentos dessas crianças


influenciam os seus pais, e vice-versa, pode acabar se traduzindo em um
ambiente invalidante quando se têm, prioritariamente, estratégias de
controle coercitivas sendo utilizadas pelos cuidadores para lidar com as
necessidades e os estilos pessoais das crianças que são discrepantes
dos seus. Fazendo assim, com que essas crianças respondam ou inibindo
a expressão dos seus comportamentos privados, ou aumentando a
intensidade desses ou, ainda, oscilando entre esses dois padrões de
respostas para assim lidar com o seu ambiente, em especial com as respostas
apresentadas pelos seus cuidadores frente as suas expressões de
comportamentos privados. Assim, essa interação recíproca entre as
estratégias utilizadas tanto pelos cuidadores como pelas crianças
acabam se configurando como uma relação funcional de controle e contra
controle. Em outras palavras pode-se colocar que a constituição de um
ambiente que tenha o potencial de perpetuar a invalidação ocorre quando
as demandas da criança excedem a habilidade do ambiente em lidar com
essas demandas (Linehan, 2015).

A grande questão que se impõe, após o entendimento do que são os


ambientes invalidantes, é quais são as consequências da exposição, ao
longo do desenvolvimento, a esses ambientes? Um primeiro ponto para o
entendimento adequado dessa questão é relembrar que as consequências
que envolvem a desregulação emocional não estão atreladas apenas aos
ambientes invalidantes, mas sim a complexa transação entre esses
ambientes e a vulnerabilidade emocional (Linehan, 2010; Dornelles & Alano,
2016). Mas, analisando as consequências em si, primeiramente pode-se
observar que pessoas que passaram por ambientes invalidantes ao longo
do seu desenvolvimento possuem déficits importantíssimos no
aprendizado da nomeação e da regulação da ativação emocional. Ou seja,
frente à ativação de uma resposta emocional essas pessoas possuem
muita dificuldade em saber ao certo o que elas estão sentindo, assim
como de regular a sua emoção para que a resposta comportamental
pública seja efetiva para os seus objetivos de longo prazo, levando em
conta, também, os de curto prazo.

Um exemplo disso é quando uma pessoa com desregulação emocional tem


uma briga com algum familiar importante e começa a sentir uma sensação de
vazio intenso no peito e não consegue reconhecer bem o que está
acontecendo e o que está sentindo e começa a ter uma necessidade
desesperada de acabar com aquela sensação, e de súbito, lhe invade a
mente uma série de pensamentos de cometer condutas Auto Lesivas Sem
Intencionalidade Suicida (CASIS) e de imediato acaba se cortando nas
pernas. Outra consequência envolve o não aprendizado de como tolerar o
mal-estar. Imaginando o exemplo anterior, frente ao impulso de cometer
CASIS, essa mesma pessoa não tem estratégias aprendidas ao longo da
história de vida dela que a orientem em como sobreviver a essa emoção
dolorosa sem tornar as coisas ainda piores. Além disso, ter se desenvolvido
em um ambiente invalidante pode fazer com que a pessoa não saiba
quando pode ou não confiar nas suas próprias respostas emocionais
como um reflexo de interpretações válidas dos eventos ambientais. Em
outras palavras, poderíamos colocar que seria não ter as habilidades
necessárias para conseguir reconhecer quando as próprias emoções, ou
a intensidade delas, estão de acordo com os fatos ou não. Um bom
exemplo disso seria o de uma pessoa com desregulação emocional que
quando convida uma amiga para ir em uma festa e essa diz que não poderá,
pois precisa terminar uma série de relatórios para entregar na faculdade, fica
com muito medo de que essa amiga, na verdade, não queira sair com ela, o
que faz com que ela desenvolva uma resposta de muita raiva xingando a amiga
e dizendo que amigos de verdade dão um jeito e arranjam tempo para sair uma
com as outras. Mais um tipo de consequência atrelada aos ambientes
invalidantes envolve o aprendizado de uma desconfiança constante das
próprias respostas privadas. Isso acaba levando essas pessoas a sondarem
ativamente o ambiente por pistas de como devem se sentir, agir e/ou
pensar nas mais diferentes situações. Enfim, essas variedades de
consequências acabam justamente resultando na falha da construção de um
senso de identidade, uma das principais características de pessoas com
desregulação emocional (Miller, Rathus & Linehan, 2007; Linehan, 2010;
Linehan, 2015).

Por fim, todo esse padrão apresentado sobre o que é invalidação e as suas
consequências, nos esclarecem o porquê pacientes que possuam
desregulação emocional oscilam entre a inibição e a supressão
emocional e a expressão de comportamentos extremados, os quais
acabam funcionando tanto como estratégias para regular a intensidade da
emoção, como uma estratégia que pode ser efetiva em eliciar, a partir de
relações funcionais, suporte ambiental (Miller, Rathus & Linehan, 2007).
Contudo, é crucial que se tenha em conta que processos de invalidação são
normais na nossa cultura e que é impossível que um ambiente não
contenha em si nenhum tipo de resposta invalidante (Linehan, 2015).
Inclusive a ideia de que toda a invalidação é um processo que deve ser
evitado não é verdadeira. A DBT preconiza que temos que validar aquilo
que é válido e invalidar aquilo que é inválido (Koerner, 2012). Ou seja,
validar comportamentos privados ou públicos que tenham como função a
aproximação de objetivos de longo prazo e/ou com valores importantes
para a pessoa, e invalidar estratégias que impeçam que a pessoa
construa uma vida que valha a pena ser vivida. Nesse sentido quando está
se falando de ambientes invalidantes justamente está se descrevendo os
processos de invalidação daquilo que é válido (Linehan, 2010; Dornelles &
Sayago, 2015). Processo esse que quando ocorre sistematicamente de
forma transacional com a vulnerabilidade emocional acaba por desenvolver
um padrão de respostas caracterizado por:

1) dificuldade ou inabilidade em inibir um comportamento inadequado


frente a uma ativação emocional,

2) déficits em alternar o foco atencional diante de uma ativação


emocional,

3) déficits em sustentar ações direcionadas a objetivos de longo prazo


quando se está em uma ativação emocional, e,

4) dificuldades ou inabilidade em reduzir a ativação fisiológica diante de


uma emoção realmente intensa (Linehan, 2015).

Finalizando, assim, essa trilogia de artigos e provendo uma explicação mais


aprofundada de como a desregulação emocional se desenvolve a luz do
modelo biossocial, temos, justamente, a expressão da desregulação
emocional.
Referências:

Dornelles, V. G.; & Alano, D. (no prelo). Terapia comportamental dialética (DBT). In:
Procognitiva. Porto Alegre: Artmed

Dornelles, V. G., & Sayago, C. B. W. (2015).Terapia comportamental dialética: princípios e


bases do tratamento. In: Lucena-Santos, P., Pinto-Gouveia, J., & Oliveira, M. S. Terapias
comportamentais de terceira geração. Novo Hamburgo: Sinopsys

Linehan, M . M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade


borderline. Porto Alegre: Artmed.

Linehan, M. M., Bohus, M., & Lynch, T. R. (2006). Dialectical behavior therapy for pervasive
emotion dysregulation: theoretical and practical underpinnings. In: Gross, J. Handbook of
emotion regulation. New York: The Guilford Press

Linehan, M. M. (2015). DBT skills training manual. New York: The Guilford Press

Linehan, M. M. (2010). Terapia Cognitivo-Comportamental Para o Transtorno da Personalidade


Borderline. Porto Alegre: Artmed.

Linehan, M. M. (2015). DBT Skills Training Manual (2 Ed.). New York: The Guilford Press.

Miller, A. L., Rathus, J. H., & Linehan, M. M. (2007). Dialectical Behavio Therapy With Suicidal
Adolescents. New York: The Guilford Press.

Sidman, M. (2009). Coerção e Suas Implicações. Campinas: Livro Pleno.

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