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ria do autor, a questão central para presente discussão reside no feto de que,
em certo momento de sua história de vida, Hayes passou a sofrer ataques
de pânico, vindo a desenvolver um severo Transtomo de Pánico e Agorafo
bia. Na época (final dos anos 1970), já havia protocolos de TCC bem esta
belecidos para o tratamento do transtorno, e Hayes submeteu-se a eles. Os
resultados, porém, foram pouco significativos, e os ataques persistiam mes
mo quando Hayes fazia o uso rigoroso de estratégias como análise de evi
dências e questionamento das distorções cognitivas (Cloud, 2006).
Depois de algumas tentativas frustradas de esbatimento dos sín
tomas através da TCC tradicional, Hayes passou a buscar os motivos
pelos quais o tratamento não estava surtindo efeito. Nesse processo de
busca, surgiu a semente que se tornaria uma das pedras angulares da
ACT: o sofrimento psicológico intenso não é consequência da ativida
de cognitiva ou das emoções em si, mas sim da maneira como a pessoa
se relaciona e responde a própria atividade cognitiva e demais eventos
internos (Hayes & Lillis, 2012). Mais específicamente, Hayes passou a
reconhecer que, mesmo experenciando pensamentos distorcidos e emo
ções provocadoras de grande desconforto, era possível agir de modo a
criar uma vida significativa.
O próprio nome da abordagem — Terapia de Aceitação e Compro
misso — resume os principais elementos da proposta. De um lado, a aceita
ção daquilo que está fora de nosso controle, seja no mundo externo, seja
no mundo interno. No outro lado, está o compromisso que podemos es
tabelecer em praticar ações que possibilitem uma vida mais significativa,
independente da presença de eventos internos ou externos indesejáveis.
Salienta-se aqui o fato de que o compromisso firmado é o de praticar ações
significativas, não de atingir um resultado específico (Harris, 2009).
Ainda que a ACT possua diversas características semelhantes às
abordagens mais tradicionais em TCC (Ciarrochi & Bailey, 2008), é
importante salientar, desde o início, uma diferença fundamental no
que diz respeito aos seus pressupostos teóricos. Compreender as dife
renças nesses pressupostos é importante na medida em que cada pressupos
to conduz a um modelo explicativo de psicopatologia distinto; da mesma
346 Terapia de Aceitação e Compromisso
Fusão cognitiva
Para compreendermos o conceito de Fusão Cognitiva, é bastante
útil começarmos com uma recapitulação do significado do termo fu
são. Sendo ambos autores filiantes nativos e fluentes de português, as-
350 Terapia de Aceitação e Compromisso
são apenas palavras, e começa-se a usar isso como uma habilidade que
se pode desenvolver, torna-se fácil entender e modificar a relação entre
as palavras e o sofrimento. De acordo com Hayes e Smith (2005), na
técnica de rotulaçáo dos pensamentos, se modificarmos, por exemplo,
o pensamento de “tenho muitas coisas para fazer mais tarde” para “es
tou tendo o pensamento de que tenho muitas coisas para fazer mais
tarde” isso reduziria a carga emocional derivada da maneira com que o
processamento da linguagem ativou o sistema emocional. Se você está
se sentindo triste, pode dizer para si mesmo “eu estou tendo o senti
mento de tristeza” e, assim, esse processo permitirá que se desarme dos
conteúdos de sua experiência particular.
Existem diversas outras técnicas de defusão cognitiva e que po
dem ser utilizadas de diversas formas dentro da abordagem da ACT,
inclusive sendo possível criar as próprias técnicas com o paciente
(Hayes & Smith, 2005). Este processo deve ser utilizado quando os
pensamentos parecerem ser bastante familiares ou também podem ser
especialmente útil quando o individuo está se sentindo confuso.
O processo entendido como recomo-contexto diz respeito a
realizar exercícios de conscientização, metáforas e processos experien-
ciais para reforçar para o paciente a percepção de urna parte sua como
transcendental, preservada de qualquer prejuízo (Hayes & Lillis,
2012). De acordo com a teoria da linguagem que está por trás ACT,
há pelo menos três sentidos de selfcpiç. emergem de nossas habilidades
verbais: o self concebido, a autoconsciéncia e o se^como-contexto
(Barnes-Holmes, Hayes, & Dymond, 2001).
O concebido seria a forma como o individuo se percebe, como
por exemplo, ”sou ansioso”, ”sou bonito”, ”sou infeliz”, etc. Estes con
ceitos são oriundos das experiências de vida e contém pensamentos, sen
timentos, sensações corporais, memórias e predisposições comportamen-
tais que o indivíduo tenha tomado para si e integrado a imagem que
tem de si próprio (Hayes & Smith, 2005). Este é provavelmente o self
com que o indivíduo deve estar mais familiarizado, posto que é um
produto da aplicação normal da linguagem a ele mesmo e a sua vida.
360 Terapia de Aceitação e Compromisso
uma batalha sangrenta que dura anos. Apenas um dos times é você e
abandonar a batalha não é uma opção. Com o passar do tempo, o pro
cesso de tomada de consciência faz você se dar conta que tem acesso a
todas as peças, e que não é nem o time branco e nem o time preto, mas
sim, o jogador de xadrez, com poderes para movimentar os dois times.
Uma das estratégias psicoterápicas bastante presentes na ACT é
o mindfittlness, que tem por objetivo desenvolver flexibilidade psicoló
gica e, por consequência, a aceitação para lidar com pensamentos e
sentimentos indesejáveis. De forma semelhante ao que ocorrem com
as intervenções de mindfitlness, alguns estudos sugerem desfechos posi
tivos da ACT para a remissão e prevenção de recaída nos transtornos
depressivos, por exemplo (Lampe, Coulston, & Berk, 2013).
Na ACT, mindfitlness é um dos elementos básicos a serem em
pregados ao longo do processo de tratamento. Assim como a ACT, tal
estratégia psicoterápica tem os princípios de compromisso e aceitação
experiencial como norteadores, posto que também trabalha com o en
tendimento de que as categorizaçóes verbais acerca de si e do mundo
acabam por prejudicar o indivíduo e o deixa preso em categorizaçóes
literais, gerando, assim, atitudes defensivas e rígidas. O aspecto min-
dfitl é tratado por “estar totalmente presente”, e, também envolve tra
zer a consciência para as experiências internas e externas, enquanto elas
ocorrem. O objetivo dos exercícios de mindfiulness é aumentar a capa
cidade de atenção, de forma geral (Luoma, Hayes, & Walser, 2007).
Um exercício utilizado nessa abordagem é o das folhas em um córrego,
onde o terapeuta pede para o paciente se imaginar perto de um córre
go de água límpida e cristalina e, então, imagine seus pensamentos
sendo colocados um a um sobre as folhas que caem de uma árvore que
está no leito do rio, e que deixa suas folhas sobre as águas do córrego
(para mais informações, ver Capítulo 7).
Inicialmente, pode se começar com exercícios de consciência e
meditação mais básicos e, posteriormente, progredir para os exercícios
com conteúdo mais difíceis. Os exercícios mais básicos podem incluir
simplesmente prestar atenção nas próprias respostas corporais, ou ini-
362 Terapia de Aceitação e Compromisso
ciar por partes específicas, como atentar para o que sente quando mexe o
braço direito (Davis & Hayes, 2011). Além da prática de mindfiilness nas
atividades diárias, a prática de atenção plena pode ser utilizada no início
das sessões de psicoterapia, e (ou) dentro das sessões de psicoterapia. A re
alização dos exercícios de mindfiilness junto com o paciente pode melhorar
o vínculo terapêutico, como por exemplo, a utilização da respiração de
forma simultânea, entre terapeuta e paciente (Luoma et al., 2007).
Outro processo presente na prática clínica da ACT é a busca de
entendimento acerca dos valores pessoais. Os valores são como esco
lhas de vida que guiam nossas escolhas. Eles não são puramente even
tos verbais, mas eles são necessariamente conhecidos (ao menos em
parte) verbalmente (Hayes & Smith, 2005). Ao definir ações valoriza
das, o terapeuta estará preocupado em tentar promover a identificação
ou construção destes valores, buscando identificar aquilo que é mais
importante para o paciente (Hayes, Strosahl, & Wilson, 2011).
E importante diferenciar valores de metas, posto que são coisas
distintas. Metas são coisas que podem ser obtidas ou alcançadas en
quanto se está percorrendo um caminho valorizado. Metas são eventos
concretos, situações ou objetos alcançáveis. Valores também não são o
desfecho de algo, posto que não estão no futuro. Viver uma vida valo
rizada é viver a serviço do que você valoriza (Hayes et al., 2011).
Uma das técnicas propostas pela ACT para ajudar ao paciente a
definir seus próprios valores é a chamada “participando de seu próprio
funeral” (Hayes & Smith, 2005). Nesta técnica, é solicitado ao pacien
te que imagine vividamente a cena de seu funeral, com todas as pes
soas que ele imagina que estariam presentes nessa situação. Por alguma
razão, você poderia estar presente, testemunhando esta cena, mas sem
participar diretamente dela. Então, algum familiar ou amigo leria al
gumas palavras sobre você. Pense nas coisas que teme que sejam ditas
sobre você. Escreva tudo o que você gostaria que fosse dito a seu res
peito. Para orientar o paciente quanto a estrutura do que escrever, é
sugerido que se considere os seguintes domínios que poderíam ser im
portantes na elaboração da tarefa.
Estrategias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 363
para onde isso pode levá-lo (Hayes & Smith, 2005). Como já visto
anteriormente, metas são diferentes de valores. Assim, é importante que
o indivíduo estabeleça quis sâo suas metas de curto prazo, e quais são as
ações, pautadas pelos seus valores, que deveriam ser tomadas imediata
mente. Além disso, é importante identificar quais sâo as barreiras e obs
táculos que podem ser encontrados. Na ACT, a abordagem não é a de
“superar” as barreiras, mas sim “contornar” barreiras (Harris, 2011).
Muitas vezes, para se atingir um novo objetivo, é necessário que
brar antigos padrões comportamentais. Assim, quando os padrões são
grandes, antigos e inflexíveis, pode ser imperativo se comprometer
com a oportunidade de estabelecer novos padrões (Hayes & Lillis,
2012). Tais compromissos devem ser claros e tempo-limitados, a fim
de que possam ser observáveis. Além disso, a melhor maneira de cons
truir grandes padrões é estar totalmente consciente deles.
Considerações finais
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