Você está na página 1de 3

O conceito de liberdade favorecendo o autoconhecimento na clínica analítico

comportamental

Por Amona Lima

Qui, 12/05/2016, Às 12h39 AM

Quando se discute liberdade acerca da Análise do Comportamento podemos dizer que


vemos essa definição de uma maneira diferente de como é apresentado pelo senso
comum e também por alguns pensadores, como Sartre, Descartes, Kant, Marx e
outros. Muitos deles já falaram e discutiram sobre liberdade, pois esse tema desperta
muitos questionamentos. Quando estou numa roda de amigos ou num meio de
pessoas que começam a discutir sobre esse assunto, logo ouço, que ser livre é
quando a pessoa age diante de sua própria vontade, atribuindo a causa de sua ação a
seu livre arbítrio, ou seja, agindo sem depender de algo, considerando que a causa de
seu comportamento está dentro de si e não depende de outra pessoa ou de algo para
a sua ocorrência. Nesse caso, temos um conceito mentalista e o Behaviorismo
Radical, abordagem teórica que fundamenta Análise do Comportamento, não aceita
essa relação de causalidade. O conceito de liberdade pode ser também definido do
ponto de vista filosófico, político, ético e jurídico. Ou seja, encontraremos muitos
conceitos para a palavra liberdade.

Para nós, analistas do comportamento, liberdade é quando controlamos as


contingências que controlam nosso comportamento (Skinner,1972). Mas poucas
pessoas conceituam liberdade dessa maneira. Dessa forma, pensamos que para
controlar essas contingências, é preciso conhecê-las. Conceituar liberdade da
maneira como é definida socialmente pode trazer para cada um, uma tentativa
constante de almejar algo que talvez não seja possível conquistar. Por isso vimos a
importância de falar sobre outro conceito fundamental para a conquista da liberdade, o
autoconhecimento.

O autoconhecimento é um comportamento verbal discriminativo que significa ter


conhecimento sobre si mesmo (Skinner,1993), o que quer dizer, ser consciente do
próprio comportamento e isso se dá quando conseguimos discriminar variáveis no
ambiente que estamos inseridos e o quanto elas influenciam o nosso comportamento.
Geralmente as pessoas se comportam sem estarem atentas ao porquê acontecem
determinadas coisas em sua vida, não se dão conta de que suas ações têm
consequências e que seus comportamentos são gerados por algum evento anterior
(antecedente), sem prestarem atenção nisso acabam atribuindo e justificando sua
forma de agir a causas internas do organismo, o que não traz nenhuma explicação e
por fim nenhuma mudança.

Muitos clientes quando chegam ao consultório relatam como uma de suas queixas
principais o fato de não se sentirem livres, que não gostariam que fossem controlados
pelo que sentem ou pelo que fazem. E de fato isso acontece com frequência, porque
se não soubermos identificar as variáveis e as contingências que em nossa vida
possam nos trazer coisas boas ou não, vamos apenas vivendo em qualquer
contingência sem ter conhecimento das consequências e do controle que cada uma
delas exerce em nossa vida. Sem autoconhecimento, deixamos a vida nos levar e
muitas vezes somos levados para lugares que não gostaríamos de estar. É nesse
momento, que nós terapeutas começamos a fazer um trabalho muitas vezes de
formiguinha. Começa aí o processo terapêutico, no qual para que ocorram mudanças
necessárias, é preciso que o cliente conheça a si próprio, mas para isso, tem que
aprender primeiro a se observar, discriminar as variáveis de controle existentes em
sua vida, para então chegar ao autoconhecimento e talvez até a mais sonhada
“liberdade”.

Como dito anteriormente, nesse processo de autoconhecimento existem alguns


repertórios que devemos favorecer e treinar em nossos clientes, como a observação
dos seus próprios comportamentos, sua descrição e discriminação, no sentido de
entender o efeito que um determinado contexto ou estímulo tem sobre seu próprio
comportamento, estas são habilidades importantes e necessárias para o bom
andamento do processo de autoconhecimento. O treino desses repertórios acontece
durante todo o processo da terapia. Ao favorecer que um cliente apresente
comportamentos que chamamos de autoconhecimento, é preciso tomar alguns
cuidados. O terapeuta além de tantas outras habilidades e do conhecimento teórico
sobre os conceitos citados, precisa ficar atento para que nesse processo de
autoconhecimento-liberdade, favoreça que o cliente por si só faça suas próprias
análises e diante dessas crie ocasião para comportamentos mais favoráveis diante
das variáveis controladoras. Como já foi dito anteriormente o treino de discriminação é
um comportamento modelado no decorrer do processo terapêutico. É possível que
após a aquisição desses novos repertórios no cliente possa haver uma maior
sensibilidade às contingências e à emissão de análises e conclusões realizadas por
ele mesmo.

De acordo com Skinner “Não nos devemos surpreender com o fato de que quanto
mais soubermos sobre o comportamento alheio, melhor compreenderemos a nós
mesmos” (Skinner, 1982). A relação que mantemos com as outras pessoas nos diz
muito sobre nós mesmos, enfim somos seres altamente sociais e geralmente é nessa
relação que identificamos as variáveis que nos controlam. A grande vantagem de viver
esse processo de conhecimento, inclui conseguir por meio desse, uma certa
previsibilidade e controle (liberdade) sobre a obtenção de reforços dentro do ambiente
em que se vive. Nosso comportamento é reforçado na relação com as outras pessoas,
ou seja, pelo efeito que geramos nos outros. Diante disso poderíamos dizer que
conhecer o outro, ao menos os que convivemos, é de grande valia.

O processo de mudança na terapia não acontece de uma hora para outra, esse
processo de autoconhecimento pode levar mais tempo do que muitos dos clientes
esperam, o que pode ser um entrave no processo de autoconhecimento. Nós, seres
humanos, estamos acostumados a fugir do que é ruim, sendo o processo terapêutico,
algo lento e muitas vezes dolorido, pode fazer com que alguns clientes desistam do
processo para se esquivarem de estímulos aversivos que podem ser evocados nas
sessões. Talvez alguns clientes não permaneçam tempo suficiente na terapia para
entrarem em contato com o conhecer a si mesmo e se sensibilizarem das vantagens
que isso possa lhe trazer.
Algumas teorias conceituam liberdade como a ausência de controle aversivo, por isso
deixar a terapia antes de alcançar esse objetivo muitas vezes é a única coisa que o
cliente está apto a fazer. De acordo com Skinner (1982), agimos com a intenção de
nos livrarmos de contatos prejudiciais. Mas com a finalidade de encontrar a liberdade
muitas vezes se faz necessário lidar com os estímulos aversivos. De acordo com um
antigo supervisor e psicólogo, “Fazer terapia é despertar a dor da lucidez” ou seja, é
entrar em contato direto com lembranças, relatos e análises que nos trazem
sofrimento e dor.

Ter conhecimento sobre os conceitos da abordagem na qual atuamos é importante


para todo terapeuta e de qualquer outra abordagem. Decidi aqui falar sobre o conceito
de liberdade por identificar no relato dos meus clientes o quanto que a falta de
“liberdade” é uma demanda e uma queixa frequente. Quando o cliente tem esse tipo
de relato pode não estar sobre o controle do mesmo significado de liberdade que nós
terapeutas, analistas do comportamento, estamos. Precisamos entender o que o
cliente chama de liberdade e aí sim, trabalhar a demanda diante do que consideramos
ser livre. O cliente pode relatar falta de liberdade por várias razões, por exemplo, não
trabalhar e não ter seu próprio dinheiro, ter um parceiro (a) ciumento, ter filhos e não
poder se comprometer em certas situações, ter um trabalho que demanda muito, cada
um vai nomear a ausência de “liberdade” de acordo com sua queixa e história de vida
e etc…

A desconstrução desse conceito pode tornar-se um processo às vezes difícil. Ao falar


sobre o nosso entendimento de liberdade, alguns ficam perplexos. É fato, que alguns
clientes por várias razões vão pensar e conceituar liberdade de uma maneira diferente
da nossa. Portanto quando decidimos discutir sobre esse conceito afim de trabalhar
suas queixas e demandas, temos que dizer com cuidado, de uma forma clara e
utilizando-se de uma fala não punitiva além de também considerar que o cliente vive
em uma sociedade que, é a mesma que a nossa, mas tem conceitos distantes do que
nós enquanto analistas do comportamento podemos ter e entender.

Para ajudar nossos clientes precisamos entender a liberdade vista a sua maneira e
mostrar-lhes que o entendimento desse conceito, na visão da Análise do
Comportamento, traz muitos ganhos ao cliente, como a possibilidade de entender
quais problemas lhe atingem e aprender a lidar com eles e ainda ter a oportunidade de
modificá-los. Pensamos que dessa forma nos damos a oportunidade de entendermos
a vida como um processo em constante mudança, onde somos ativos e atuantes,
onde existem várias possibilidades e alternativas para modificarmos algumas variáveis
e consequentemente ter essa sensação de liberdade.

Referências

Skinner, B. F. (1972). O mito da liberdade. São Paulo: Summus.

Skinner, B. F. (1993). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

Skinner, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix.

Você também pode gostar