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Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento


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ALIMENTAÇÃO E ATEROSCLEROSE: UM ARTIGO INFORMATIVO

Cristina Carapeto1
Francesco Montanari1
Luís Miguel Pinela1

RESUMO ABSTRACT

A aterosclerose e as doenças Nutrition and atherosclerosis: an informative


cardiovasculares são, na atualidade, um dos article
maiores problemas de saúde pública nos
países industrializados. O aumento da Atherosclerosis and cardiovascular diseases
esperança de vida torna ainda mais urgente o are one of the major public health problems in
combate a este problema que deve ser feito, westerns countries. The increase in the life
no essencial, pela sua prevenção. A expectancy makes it even more urgent to
alimentação, aliada a estilos de vida tackle seriously with these health problems
saudáveis, são as melhores ferramentas não which should be done, essentially, by
medicamentosas que estão ao alcance de prevention. Food consumption together with
todos para prevenir o desenvolvimento da healthy life styles are the best non-chemical
aterosclerose e suas consequências. tools that are available to all of us and work
well in the prevention of atherosclerosis and its
Palavras-chave: Doenças cardiovasculares. consequences.
Dieta mediterrânica. Ovos. Confeção
alimentos. Key words: Cardiovascular diseases.
Mediterranean diet. Eggs. Food preparation.

E-mails dos autores:


carapeto@uab.pt
1502661@estudante.uab.pt
1000391@estudante.uab.pt

Endereço para Correspondência:


1-Universidade Aberta, Departamento de Cristina Carapeto
Ciência e Tecnologia, Lisboa, Portugal. Rua da Escola Politécnica, 141-147, 1269-
001 Lisboa, Portugal

Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, São Paulo. Suplementar 2. v.11. n.69. p.755-763. Jan/Dez. 2017.
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INTRODUÇÃO semipermeável que controla a difusão das


moléculas plasmáticas e regula o tónus
A aterosclerose é, atualmente, uma vascular, inflamações e evita a formação de
das doenças do sistema vascular mais trombos (Mehta e Malik, 2006).
importantes em termos de incidência ao nível O colesterol, transportado em
da população dos países industrializados e pequenas partículas pelo sangue, tende a
uma das principais causas de morte em todo o agregar-se às paredes das artérias quando
mundo (Chen e colaboradores, 2013). existem lesões resultantes de processos
Frequentemente subjacente a outras inflamatórios que podem ser desencadeados
síndromes crónicas que afetam a circulação por diferentes agentes (como por exemplo a
sanguínea (por exemplo, as doenças pressão arterial elevada, fumo do cigarro ou
cardiovasculares e cerebrovasculares), a determinadas infeções).
aterosclerose é hoje responsável por uma Este aspeto é de extrema importância
elevada taxa de morbidade e mortalidade. muito em especial no que respeita ao
Além disso, o progressivo aumento da tabagismo já que mesmo o tabagismo passivo
expectativa de vida à nascença faz com que pode funcionar como fator de risco para o
as doenças estritamente ligadas ao desenvolvimento da placa aterosclerótica
envelhecimento, como é o caso da (Rebello e colaboradores, 2014).
aterosclerose, estejam cada vez mais Essas lesões facilitam a aglomeração
presentes, requerendo, por esta razão, a de colesterol na parede interna da artéria
implementação de políticas de saúde pública (endotélio) formando uma estria de gordura
com enfoque na prevenção (Souza e que, por sua vez, causa um processo
colaboradores, 2016). inflamatório.
Neste artigo informativo pretende-se Assim, do ponto de vista clínico, o
abordar o tema da aterosclerose aparecimento da aterosclerose deve-se a um
proporcionando uma caraterização clínica estado de inflamação crónica da camada
desta doença bem como da sua etiologia e íntima das paredes internas das artérias
realçando, ao mesmo tempo, o papel maiores, inflamação provocada primariamente,
fundamental que a prevenção primária e, mas não só, pela progressiva acumulação e
designadamente, uma alimentação e um estilo oxidação de lipoproteínas de baixa densidade
de vida saudáveis podem ter para limitar o seu (LDL), em quantidade variável, nas paredes
aparecimento e a dos eventos vasculares que arteriosas (Goldman e Schafer 2012).
lhe estão geralmente associados. As LDL oxidadas intensificam uma
série de reações pró-inflamatórias através de
Aterosclerose: caraterização da doença diferentes mediadores, perpetuando a
ativação, recrutamento e transmigração de
A aterosclerose pode ser considerada monócitos e outras células inflamatórias
uma patologia que acompanha o Homem há através da camada endotelial para a íntima
milénios, uma vez que foi observada nas (Torres e colaboradores, 2015).
múmias do antigo Egipto e descrita por Deste modo, criam-se as condições
Hipócrates já no século V a.C. A ciência ideais para que a estria de gordura evolua
moderna relativa à aterosclerose começou, para uma placa de colesterol, envolvida por
talvez, com a criação do termo ‘ateroma’ (do uma cápsula fibrosa (ateroma) que vai
grego ‘athere’ ou seja ‘papa de aveia’) pelo aumentando de tamanho progressivamente e
fisiólogo suíço Albrecht Van Haller na sua obra comprimindo a parede da artéria (Fig. 1).
Opuscula Pathologica publicada em 1755 A seu tempo, isto ocasionará uma
(Allam, 2014; Cheng, 2001; Pajukanta e constrição que irá impedir que o sangue flua
colaboradores, 2005). de forma livre e nas quantidades necessárias
Forma específica da arteriosclerose, a ao organismo.
aterosclerose é uma doença crónica, A longo prazo esta condição é
progressiva e irreversível que se manifesta, suscetível de gerar várias lesões sendo a
geralmente, durante a idade adulta. O formação da placa aterosclerótica a mais
endotélio vascular é uma barreira comum.

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Figura 1 - Processo de aterosclerose (Lam, s.d.).

A presença de placas crónicos, em consequência dos quais o


arterioscleróticas causa, por norma, o organismo não consegue assegurar sangue
espessamento, o endurecimento e a suficiente, por exemplo, ao miocárdio, ao
obstrução, total ou parcial, das artérias cérebro ou aos membros inferiores.
comprometidas por esta patologia. Isto porque Uma grande parte das propriedades
como os ateromas vão aumentando de antiaterogênicas e antitrombóticas do
tamanho o lúmen da artéria torna-se mais endotélio vascular são mediadas pela sua
estreito. Estudos recentes sugerem que capacidade de produzir e libertar substâncias
depósitos de cálcio já estão presentes na como o monóxido de nitrogénio (NO) que
placa aterosclerótica nos seus primeiros funciona como um inibidor da agregação de
estágios quando a lesão é constituída plaquetas, apresenta uma forte atividade como
predominantemente por estrias de gordura vasodilatador e uma potente atividade anti-
(Rebello e colaboradores, 2014). inflamatória. Concentrações de LDL
O facto de esses depósitos serem aterogênicas levam a uma diminuição da
frágeis pode implicar o risco de se romperem biodisponibilidade do NO endotelial.
e, consequentemente, levar a que o sangue Esta diminuição da biodisponibilidade
entre num ateroma rompido, aumentando o do NO está associada a uma redução na
seu volume e reduzindo ainda mais o lúmen concentração e/ou ativação da síntese do NO
arterial (Lam, s.d.). endotelial o que favorece todo o processo
Da mesma forma, a gordura libertada inflamatório associado ao fenómeno da
por um ateroma pode originar a formação de aterosclerose (Badimon e colaboradores,
um coágulo sanguíneo designado por trombo. 2009; Liao e colaboradores, 1995).
O coágulo reduz ainda mais o espaço no
interior da artéria e pode, inclusivamente, levar Etiologia
a uma oclusão total ou soltar-se e entrar na
circulação sanguínea. Chegando a uma artéria Embora a etiologia da aterosclerose
mais estreita, provocará uma embolia, o que permaneça incerta, as evidências indicam que
equivale a dizer uma obstrução do fluxo a circunstância fundamental para o início das
sanguíneo (Lam, s.d.). lesões é a acumulação de lipoproteínas
Consoante a sua localização, as derivadas do plasma na parte interior das
placas podem assim favorecer ou artérias.
desencadear acidentes vasculares, agudos ou

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Este processo desencadeia reações elevados, baixos níveis de HDL (lipoproteínas


celulares específicas, das quais a disfunção de alta densidade) no sangue, hipertensão,
endotelial e o estado inflamatório são os tabagismo, diabetes mellitus, obesidade e
componentes principais (Martelli, 2014). estilos de vida sedentários, podem ser
Diferentes fatores de risco (genéticos controlados e, dessa forma, a aterosclerose
e adquiridos), atuando em conjunto, podem pode ser também controlada, o seu
determinar a sua ocorrência em mais de 50% aparecimento retardado ou prevenido.
da população adulta mundial, podendo o Nas diversas sociedades existentes do
processo ter início na infância com progressão nosso pequeno planeta há uma variedade
na adolescência e na vida adulta, sendo que a enorme de dietas alimentares e estilos de vida
presença e a gravidade das lesões sendo que alguns deles promovem a saúde e
ateroscleróticas se correlacionam de forma outros aumentam o risco do aparecimento da
positiva e significativamente com os fatores de aterosclerose.
risco cardiovascular (Martelli, 2014). Referindo-nos à alimentação em geral,
Os fatores de risco para a embora a ênfase se coloque na redução de
aterosclerose podem ser divididos em gorduras saturadas, gorduras trans e
modificáveis ou parcialmente modificáveis colesterol para se reduzir as LDL-C, já existem
(tabagismo, sedentarismo, obesidade, stress, algumas evidências de que outros
hiperlipidemia, hipertensão arterial, bem como constituintes da dieta podem reduzir a
a alimentação) e não modificáveis (diabetes aterosclerose de uma forma independente do
mellitus, hipertensão familiar, trombofilias, colesterol total.
sexo, idade e hereditariedade e etnia) É sempre difícil falar-se de
(Hansson e colaboradores, 2012). aterosclerose sem ter presente os riscos de
Alguns estudos indicam que o doença cardiovascular. Por isso, falar de
desenvolvimento da aterosclerose dependeria alimentação para a prevenção da
também de fatores de risco locais, podendo-se aterosclerose é também falar de alimentação
identificar algumas áreas específicas das para a prevenção das DCV. Durante muito
artérias, como por exemplo, as curvaturas ou tempo os estudos de epidemiologia nutricional
as bifurcações, que, por serem mais expostas tiveram como foco o efeito de determinados
ao stress hemodinâmico, apresentariam uma alimentos (por exemplo, azeite, peixe, vinho
disposição inata para a formação das placas tinto) e de determinados nutrientes (por
típicas desta patologia (Kumar e exemplo, colesterol, ómega-3, ácidos gordos
colaboradores, 2015). poli-insaturados, vitamina E) no risco das
Embora qualquer artéria possa ser doenças cardiovasculares (Hoebeeck e
afetada, os principais alvos da doença são a colaboradores, 2011).
aorta e as artérias coronárias e cerebrais, Todavia, como os nutrientes e os
tendo como principais consequências o infarto alimentos não são consumidos isolados, mas
do miocárdio, a isquemia cerebral e o sim combinados uns com os outros de
aneurisma aórtico. O rastreio regular de diversas formas e em diversas quantidades,
fatores de risco é aconselhado para os há um sem número de interações que podem
homens de idade superior a 40 anos e para as ser, ou não, benéficas. Por esta razão hoje em
mulheres com mais de 50 anos ou pós- dia se presta mais atenção à alimentação
menopáusicas (Sociedade Europeia de como um todo e à alimentação integrada no
Cardiologia, 2012). estilo de vida.
O atual termo “dieta” tem a sua origem
Alimentação no latim que, por sua vez, foi buscar a raiz da
palavra ao grego. Diaeta em latim já deriva da
As causas e os fatores de risco exatos palavra grega diaita cujo significado era
para o aparecimento da aterosclerose são, em bastante abrangente e indicava “regime de
grande parte, desconhecidos. vida”. Portanto, na sua origem, a palavra dieta
Todavia, certas condições, hábitos ou não estava especificamente ligada à
peculiaridades podem aumentar as hipóteses alimentação, mas sim ao regime de vida, de
de determinadas pessoas desenvolverem esta uma pessoa como um todo.
condição. A maioria dos fatores de risco, Com a evolução, o termo passou a
incluindo a presença de colesterol total e LDL estar quase que exclusivamente ligado à

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alimentação / nutrição e, atualmente, uma dos polifenóis, que têm demonstrado exercer o
definição cabal do termo será, de acordo com seu papel protetor a nível da pressão arterial,
os dicionários de língua portuguesa, “regime atividade coagulante e funções endoteliais
alimentar adequado às necessidades (Torres e colaboradores, 2015).
específicas de uma pessoa”. No seu artigo de revisão Torres e
Logo pela sua definição se conclui que colaboradores (2015) abordam os
uma dieta tem que ser, forçosamente, mecanismos de proteção propostos para cada
personalizada já que cada pessoa, e em cada um dos nutrientes que se acredita terem uma
etapa da sua vida, terá necessidades função na redução do colesterol sanguíneo.
nutricionais específicas muito próprias. Isto
não invalida, no entanto, que o termo dieta O consumo de ovos
signifique também “um regime alimentar
variado e equilibrado”. Os ovos das diversas aves que
Aliás, só desta forma a dieta se poderá costumamos incluir na nossa alimentação são
ajustar às necessidades específicas de cada um alimento de grande valor nutritivo. Todavia,
pessoa e em cada altura particular da sua entre os diversos nutrientes da sua
vida. A espécie humana é única na sua composição aparece, inevitavelmente, o
alimentação pelo facto de ser capaz de utilizar colesterol. Na verdade, os ovos são uma fonte
uma variedade enorme de alimentos e manter concentrada de colesterol. Um ovo de galinha
os seus processos biológicos em harmonia. apresenta, em média, 620 mg de colesterol na
sua gema (Ferreira e Graça, 1977).
A dieta mediterrânica Na década de 70 a campanha para a
redução do consumo de ovos resultou na
Denomina-se Dieta Mediterrânica o alteração dos padrões alimentares até então
padrão alimentar tradicional seguido pelos adotados por muitas pessoas. Para além
habitantes do Sul da Europa. Em linhas gerais dessa consequência muitos abdicaram do
pode-se dizer que a Dieta Mediterrânica se consumo e utilização de uma fonte alimentar
caracteriza pela (i) abundância de produtos de extremamente rica e de preço acessível (Njike
origem vegetal (frutas frescas, frutos secos, e colaboradores, 2010).
legumes, hortaliças e cereais), (ii) utilização do Atualmente, embora a polémica sobre
azeite como principal fonte de gordura, (iii) o consumo de ovos e o seu efeito sobre os
consumo moderado de carnes, peixe e ovos, níveis de colesterol séricos, ainda não esteja
(iv) consumo moderado de lacticínios (nas totalmente extinta, há já autores como, Njike e
suas variadas formas mas principalmente colaboradores (2010) ou Mcnamara (2015),
como queijos e iogurtes), (v) ingestão reduzida que admitem haver falta de evidências
de carnes vermelhas, (vi) ingestão moderada científicas que comprovem com exatidão se o
de vinho tinto, geralmente para acompanhar a consumo de ovos é capaz, ou não, de
refeição, (vii) utilização em abundância de aumentar os níveis séricos de colesterol. Por
ervas aromáticas na confecção dos alimentos. outro lado, as Dietary Guidelines for
Do ponto de vista epidemiológico a Americans 2015-2020 também não
Dieta Mediterrânica apresenta propriedades mencionam já a restrição no consumo de ovos
protetoras das doenças cardiovasculares (USDA, 2015).
quando comparada com outros regimes Finalmente, Ribeiro e Olivo (2017)
alimentares do mundo ocidental (Estruch e reabilitam os ovos como alimento saudável
colaboradores, 2013; Lorgeril e colaboradores, indicando que diversas doenças da atualidade,
1994; Massaro e colaboradores, 2010). como por exemplo a diabetes ou a síndrome
As propriedades saudáveis da Dieta metabólica, entre outras, podem ser evitadas
Mediterrânica têm sido atribuídas, com a simples inclusão do ovo na dieta,
maioritariamente, às interações sinergísticas ingerido a qualquer momento do dia, sem
dos seus constituintes como um todo. Alguns nenhum tipo de restrição de consumo e sem
constituintes da Dieta Mediterrânica têm sido que tal prejudique a saúde mesmo do ponto
apontados como exercendo ações específicas de vista das doenças cardiovasculares.
sobre o sistema cardiovascular, como é o caso Ainda a favor do consumo de ovos
de, por exemplo, do ácido oleico (ω-9) e do pode destacar-se o facto de eles serem um
ácido α-linolenico (ω-3), dos antioxidantes e alimento rico em proteínas de alto valor

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biológico, rico em minerais e em vitaminas (A, visíveis antes de as cozinhar. Cozer, grelhar,
B2, B6, B12, D, E, K). O ovo também fornece estufar, guisar ou assar no forno são boas
fosfolípidos (que constituem as membranas alternativas para cozinhar as carnes.
celulares e atuam na proteção do sistema Rosa e colaboradores (2006)
cardiovascular, contribuindo para a redução demonstraram que os métodos de cocção sem
dos níveis de colesterol e da pressão óleo ocasionam uma perda de lipídios,
sanguínea (Zdrojewicz e colaboradores, enquanto a fritura leva à absorção de óleo.
2016)) e ainda carotenoides, que são Além disso estes autores também
componentes importantes para a saúde ocular mostraram que havia diferenças na absorção
(Ribeiro e Olivo, 2017). de gordura nos diferentes cortes de carne. O
processo de fritura leva ao aumento dos
Confecção dos alimentos ácidos gordos livres, à diminuição da
insaturação das gorduras e à diminuição dos
Tendo em mente as diretivas de uma ácidos graxos essenciais (Alfaia e
alimentação saudável para todos os que colaboradores, 2010) para além da sua
apresentam risco acrescido no campo das oxidação (Sanchez-Muniz, 2006; Warmer,
doenças cardiovasculares, importa saber a 1999).
melhor forma de utilizar os alimentos. Uma O arroz, as massas, as batatas e os
alimentação saudável não deve ser uma vegetais acompanham sempre os pratos de
alimentação pouco variada e pouco apelativa. peixe ou carne devendo ser cozinhados de
É importante que todos aqueles que enfrentam forma igualmente saudável. O azeite de boa
restrições alimentares com vista à preservação qualidade será sempre a melhor gordura
da sua saúde se sintam felizes à mesa e (porque saudável e saborosa) para temperar
sejam capazes de compartilhar uma refeição os alimentos que vão ser ingeridos crus
com familiares e amigos sem se sentirem (saladas) ou depois de cozinhados. Também
discriminados ou tristes por não poderem para cozinhar o azeite é uma boa escolha já
desfrutar da alegria do convívio à volta da que pode atingir temperaturas de 180°C sem
mesa. se degradar. As margarinas, tão vulgarizadas
Por vezes, embora se tenha cuidado na nossa sociedade, não são tão saudáveis
na escolha dos alimentos que se vão colocar quanto se possa pensar. As margarinas
na mesa (do ponto de vista das doenças vegetais não devem ser utilizadas para
cardiovasculares) a forma como eles é cozinhar já que se degradam a baixas
cozinhada pode acabar por contrariar todas as temperaturas (140°C). As margarinas mais
boas intenções. O primeiro cuidado que se duras apresentam o problema das ligações
deve sempre ter é a escolha de alimentos de trans e, portanto, devem ser utilizadas com
boa qualidade e de frescura incontestável. Na parcimónia. A manteiga degrada-se a 120 °C e
relação peixe / carne deve dar-se preferência pode ser utilizada na confecção de bolos ou
ao peixe. Todo o peixe é bom. Mesmo os consumida crua. A banha resiste muito bem a
peixes gordos são benéficos para a saúde já altas temperaturas (210°C), pode ser utilizada
que os lipídios presentes são principalmente para cozinhar, mas sempre em pequenas
compostos por ácidos gordos insaturados. quantidades. Aliás, uma alimentação saborosa
Como formas saudáveis de cozinhar o peixe e saudável não pode estar ensopada de
pode-se escolher de entre os grelhados, os gordura. A gordura pode apaladar os
cozidos (incluem as caldeiradas) ou os alimentos, mas em demasia esconde os seus
cozinhados no forno. O peixe frito deve ser sabores naturais, sobrecarrega o sistema
sempre evitado, aliás como a maioria dos digestivo e contribui para a obesidade. A
outros alimentos fritos, já que transportam uma inclusão de uma quantidade generosa de
grande quantidade de gordura além de que as vegetais na dieta diária é uma boa prática para
altas temperaturas utilizadas na fritura alteram todos, mas em especial para as pessoas que
a composição da gordura escolhida para o apresentam risco elevado de doença
processo tornando-a pouco benéfica para o cardiovascular. Os vegetais promovem o bom
organismo. funcionamento dos intestinos, única forma que
Para as carnes deve dar preferências o nosso organismo tem de expulsar o
às carnes magras (aves, coelho) e das carnes colesterol e outros produtos indesejáveis que
vermelhas devem-se retirar todas as gorduras não sejam hidrossolúveis. Por outro lado, as

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fibras vegetais ajudam a manter a elasticidade pathophysiology. Atherosclerosis. Vol. 227.


dos vasos sanguíneos, estimulam a vesícula 2013. p. 201-208.
biliar e são uma fonte indispensável de
vitaminas e minerais. 5-Cheng, T.O. Hipocrates and Cardiology,
American Heart Journal. Vol. 141. Num. 2.
CONCLUSÃO 2001. p. 173-184

A adesão a bons hábitos alimentares e 6-Estruch, R.; Ros, E.; Salas-Salvadó, J.;
estilos de vida saudáveis ainda não atingiu o Covas, M.I.; Corella, D.; Arós, F.; Gómez-
sucesso necessário para alcançar as Gracia, E.; Ruiz-Gutiérrez, V.; Fiol, M.;
recomendações mundiais para a prevenção da Lapetra, J.; Lamuela-Raventos, R.M.; Serra-
aterosclerose, principalmente no que diz Majem, L.; Pintó, X.; Basora, J.; Muñoz, M.A.;
respeito à alimentação. Sorlí, J.V.; Martínez, J.A. and Martínez-
Este facto pode estar relacionado com González, M.A. for the PREDIMED Study
o desconhecimento de alternativas adequadas Investigators. Primary Prevention of
para uma boa alimentação, tanto na escolha Cardiovascular Disease with a Mediterranean
adequada dos alimentos como na forma de os Diet. New England Journal of Medicine. Vol.
preparar. 368. Num. 14. 2013. p. 1279-1290.
Assim, no presente trabalho, tentou-se
elucidar sobre a forma como o problema da 7-Ferreira, F.A.G.; Graça, M.E.S. Tabela de
aterosclerose afeta a nossa saúde e como Composição dos Alimentos Portugueses.
uma alimentação saudável, mas não restritiva, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge
pode ajudar a prevenir alguns problemas de (Ed.). 1977. 2ª edição, Portugal
saúde.
Da mesma forma que Scherr e Ribeiro 8-Goldman, L. and Schafer, A.I. Goldman’s
(2013) concluímos que não existem alimentos Cecil Medicine Atherosclerosis, Thrombosis
que devam ser banidos da alimentação and Vascular Biology, Chapter 70, in Cecil
saudável em relação ao teor de colesterol e Medicine, 24ª ed., (ed. Goldman C., Schafer A
gordura saturada e que, sim, existe a I.), Philadelphia, Elsevier. 2012
necessidade de orientar os pacientes sobre as
melhores formas de preparação dos alimentos 9-Hansson G.; e colaboradores.
para uma alimentação saudável e saborosa. Atherosclerosis, Thrombosis and Vascular
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Recebido para publicação em 28/04/2017


Aceito em 19/06/2017

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ISSN 1981-9919

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