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Pois bem, para que uma gestão deste tipo funcione, os servidores públicos não
somente são responsáveis (accountable) pelo acatamento de normas e de procedimentos,
como também pela obtenção dos resultados propostos. A idéia, em outras palavras, é que
uma ação governamental que seja capaz de prestar contas não só em termos de normas e
procedimentos, como também de efeitos concretos, mensuráveis e alcançáveis, como a
melhor via para construir governos que podem, de verdade, resolver grandes problemas
sociais. O encadeamento racional da ação governamental, neste sentido, encontra nos
Sistemas de Avaliação do Desempenho (SAD), sua melhor esperança.
resultados constituem uma das várias dimensões que podem considerar-se como parte do
“desempenho”.
O desempenho então, parece ser uma categoria clara tanto em termos políticos
quanto retóricos, e geradora de amplas aspirações sociais, mas que, uma vez analisada
mediante um olhar mais detido, resulta ser mais complexa do que o esperado. É por isso
que, ante sua complexidade prática, diversos autores (Kravchuk y Schack, 1996;
Klitgaard y Light, 2005) têm proposto que é fundamental construir um sistema integrado
de elementos que permitam na prática fazer do desempenho um guia fundamental da ação
governamental. Dessa forma, passou-se a requerer sistemas de informação e métodos de
monitoramento constantes para que o desempenho possa ser analisado e avaliado. Em
outras palavras, diante de um conceito como o de desempenho, que é uma categoria
multidimensional para referir-se aos resultados e à eficácia e eficiência para produzi-los,
tem-se concluído que é fundamental obter-se um sistema na forma de um conjunto de
instrumentos diversos integrados sob uma lógica única que vincule desde o desenho até
a avaliação de todos os elementos que compõem o próprio sistema.
Como se pode observar, trata-se de uma definição operacional, pois assume que
se compreende o que seja o desempenho e que existe a técnica e a informação para que
se crie um sistema que o monitorará, medirá e eventualmente retroalimentará de forma
precisa e clara. Dito de outro modo, há aqui três ingredientes básicos: 1. que existe uma
definição de objetivos e resultados; 2. que se analisam as formas e os esforços para
alcançar os bons resultados, e 3. que se mede o grau de correspondência entre um e o
outro, com a finalidade de obter informações de avaliação e eventualmente o
aperfeiçoamento de 1 e 2. É provavelmente esta lógica de retroalimentação final à qual
se dá o nome de “sistema”.
Uma grande vantagem, em todo caso, é que os SAD foram aplicados em muitos
países e seus resultados, falhas ou limitações são hoje em dia melhor compreendidos. Os
SAD são aparentemente instrumentos fáceis e claros, mas na prática correspondem, de
fato, a um conjunto sofisticado de instrumentos que apresentam amplas limitações e que
requerem constantes intervenções, aperfeiçoamentos e inclusive reformas. Este livro,
precisamente, é dedicado a questionar criticamente a bateria de elementos que compõem
tradicionalmente um SAD, objetivando fazer com que estudantes, servidores públicos,
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Não há dúvidas de que tais hipóteses são muito forçadas e talvez pouco realistas.
Não obstante, elas, de alguma maneira, continuam servindo de base para o emprego de
um modelo amplamente utilizado. Com esta acomodação racional de eventos sociais, é
possível dirigir o desenho da ação governamental de forma aparentemente simples. Parte-
se de algumas perguntas-chave como, por exemplo: qual é o problema a solucionar?,
quais são as ferramentas mais adequadas para se alcançar isto?, quais são os recursos
disponíveis para fazê-lo? Quem somos, o que queremos ser e com que direcionalidade
podemos resolver esse problema? Então, a partir do uso de instrumentos diversos, como
o planejamento estratégico ou os indicadores de desempenho, obtém-se o amálgama de
um desenho congruente e fechado, que vai desde a definição do problema até a ação, seu
monitoramento e sua avaliação direta e objetiva.
necessárias para intervir sobre a realidade, movendo os fios requeridos para afetar os
comportamentos e as situações com o fim de transformá-la: liberam-se ou regulam-se os
preços, outorgam-se ou negam-se recursos, evitam-se problemas ou restrições, eliminam-
se prerrogativas ou outorgam-se outras. Tudo isto é possível, presume-se, graças ao uso
de poderosos instrumentos disponíveis: as organizações e os programas governamentais,
dotados de recursos orçamentários e de pessoas que se encarregarão de levar a prática do
desenho da política pública tal como foi planejado.
presente também uma suposição ainda mais poderosa: a de que sempre existe uma cadeia
congruente que une todo esse caminho, uma lógica de causa e efeito que vincula em
diferentes níveis cada peça do sistema, com uma entrada e uma saída, em uma sequência
racional.
Mas, será que é realista toda essa grande hipótese de cadeias causais de
intervenção? Ao longo de décadas, os estudos empíricos sobre a ação governamental vêm
mostrando um filme algo diferente, no que diz respeito à esperança normativa desse
modelo de cadeias causais e de efeitos vinculados. Os trabalhos de Selznick (1966),
Merton (1980), Crozier (1964), Wildvasky (1993), Christensen y Laegrid (2007), Sfez
(1984), Cabrero y Arellano (1993), assim como uma enorme lista de estudos conduzidos
em diversas realidades, tempos e latitudes, têm demonstrado que, se esse caminho causal
de fato existe, ele é, primeiro, tremendamente difícil de identificar empiricamente, e
segundo, que é extremamente complicado mostrar que a dita cadeia causal de fato produz
resultados que sejam explicáveis por decisões e desenhos ex-ante, até levar ao desenlace
esperado.
seres humanos atuando nesses cenários (Goffman, 1967), construindo sentidos (Weick,
2001), interrelacionando-se por papéis que criam status e vinculações complexas, as quais
tornam possível a própria interação (Berger e Luckmann, 1968). Porém, paradoxalmente,
quando falamos de levar os desenhos racionais – que idealizam um mundo de ordem e
causalidade situado em um conceitual normativamente criado – para o campo da
“implementação”, assumimos que a situação que se procura afetar pode ser interferida
com uma só lógica ou cadeia causal que começa com a definição do problema e finaliza
com um impacto identificável sobre uma população previamente definida.
Assim, parece oportuno tomar uma certa distância das visões super-otimistas da
moda: um SAD dificilmente pode ser um esquema racionalista completo, de cadeias
causais tecnicamente desenhadas, perfeitamente alinhadas, construídas por um acordo
linear com consensos perfeitos e marcos teóricos unívocos e acordados. Na realidade,
estamos falando de um instrumento muito útil, porém limitado, que ajuda a construir
aproximações imperfeitas das relações causais da ação governamental.
A linha argumentativa deste livro é que um SAD não deve ser entendido como um
instrumento capaz de encadear tecnicamente (com um método linear, completo e livre de
falhas) a melhor definição de uma situação social ou pública com os instrumentos mais
adequados para se atingir o máximo de efeitos esperados. Isto simplesmente porque a
ação governamental é, na prática, uma ação em constante disputa entre atores políticos
que enfrentam uma realidade a qual, por sua vez, é afetada por múltiplos interesses, que
geram diversos e desordenados impactos para construir o que entendemos como
“realidade”. Neste sentido, a “realidade social’ é um amálgama de ações, valores,
supostos, interesses, normas, instituições, regras e organizações.
Na prática, sucede que a mudança de comportamento das pessoas costuma ser uma
questão bastante mais adequada em termos sociais, políticos e até psicológicos. Em todo
caso, como já se mencionou, o importante que pode conseguir um SAD é que os ditos
axiomas e hipóteses se façam explícitos, para que possam ser, por sua vez, debatidos
política e socialmente, de tal modo que os políticos eleitos e designados se vejam
responsabilizados não necessariamente pelos “resultados” (questão nem sempre fácil de
estabelecer, como dissemos), senão pelos argumentos e bases sobre as quais se
desenharam programas, assim como pela relação ou congruência destas bases com os
efeitos observáveis.
axiomas; elementos que tentam nos explicar e convencer de que existem variáveis mais
importantes do que outras, que lançam luz sobre certos elementos da realidade ao mesmo
tempo que obscurecem outros; que nos explicam que há efeitos indesejáveis que devem
ser evitados, ainda que outros defendam que esses mesmos efeitos sejam fundamentais.
Um SAD não pode construir uma visão “objetiva’ do problema, nem das cadeias
causais, mas é, sim, uma ferramenta para explicar uma proposta de ação possível entre
muitas. Sem ter presente esta última reflexão, é possível transformar os enfoques e
resultados derivados de um SAD em fotografias rígidas e simplificadas da ação
governamental, que dificilmente encontram correlação com a realidade e o contexto onde
operam os governos, suas organizações e seus agentes.
Neste livro, portanto, defendemos uma visão distinta do que é um SAD e de qual
pode ser sua contribuição. A aplicação das ferramentas que fazem um bom SAD, antes
de tudo, requer entender suas limitações e compreender o que um sistema de avaliação
do desempenho NÃO pode fazer afinal de contas. Este pode ser um útil passo inicial para
evitar os erros que usualmente se cometem ao falar deste instrumento.
Assim, um SAD:
NÃO é um instrumento técnico que possa ser replicado da mesma forma por distintas
pessoas em contextos distintos e para problemas diferentes;
NÃO é um instrumento neutro que permita chegar a um acordo perfeito entre os atores;
NÃO é uma sequência linear objetiva, nem do problema, nem das cadeias causais da ação
governamental: sempre há alternativas descartadas ou não-consideradas.
Mais adiante neste livro, acrescentaremos outros “NÃO” aos SAD, mas, por enquanto,
estes nos ajudam a definir com maior precisão o que é este instrumento. Para nós: um
SAD é uma ferramenta de aprendizagem organizacional para o desenho e a avaliação de
programas (às vezes de organizações), que tornam explícitas as teorias, hipóteses e
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axiomas da ação, com o propósito de definir uma possível cadeia causal que conecta a
definição do problema de política pública, os instrumentos de política e as estratégias
organizacionais com os produtos, os resultados e, por último, com os impactos de
programas, de políticas e de outras ações do governo. Tudo com a finalidade de gerar um
mecanismo de prestação de contas inteligente e baseado na aprendizagem organizacional.
A partir do que se disse, torna-se evidente que o grande aporte de um SAD está
na observação e na medição dos elementos escolhidos para avaliar o sucesso da atuação
de um programa ou organização. Nosso ponto, entretanto, é o seguinte: ainda que a dita
observação e medição do que se realizou seja importante e represente um salto qualitativo
da ação governamental tradicional, tais esforços são apenas uma parte dos benefícios que
um SAD realmente proporciona. A utilidade maior de um SAD reside na sua capacidade
de tornar explícitas as hipóteses, axiomas e cadeias causais fundamentadas que permitem
então uma análise e uma discussão entre os diferentes atores envolvidos em uma política
governamental. Ao tornar explícitas, ao menos em parte, essas bases argumentativas que
constroem as cadeias causais, criam-se as condições que possibilitam um diálogo mais
produtivo, bem como aumentam a probabilidade de cooperação entre diferentes grupos e
organizações. Um SAD então é uma ferramenta de prestação de contas sustentada por
uma dinâmica de aprendizagem organizacional, onde o processo de sua construção
termina sendo mais importante que o produto final (algo que vem a ser paradoxal, dada a
retórica em voga no setor público, que supõe que os resultados, e não os processos, são o
importante).
Assim, o encadeamento de ações, bem como a lógica por trás dele, é a chave para
a construção de indicadores que, por sua vez, são unicamente aproximações numéricas
com o intuito de observar possíveis resultados da ação governamental. O SAD, na
realidade, é um amálgama de diversas aproximações (de causas, efeitos, medições e
indicadores), cuja função é tornar explícitos os marcos conceituais, as cadeias
instrumentais e as razões que tentam encontrar efeitos específicos em uma realidade que
se move por meio de dinâmicas mais amplas, onde um resultado é a causa de outro efeito,
e um impacto é o efeito combinado de muitas causas em um extenso período de tempo.
A avaliação que se pode fazer com um SAD não é pura, neutra e absoluta, nem
serve para se julgar sumariamente o que é bom ou ruim, nem para separar o preto do
branco. O SAD, em todo caso, encontra sua principal força no fato de que permite uma
avaliação baseada em argumentos, acerca da qualidade das hipóteses, das cadeias causais,
da eficiência das aproximações que sustentam uma ação governamental e de seus efeitos.
É desta argumentação que se pode inferir se os resultados e os impactos estão sendo
alcançados razoavelmente.
A diferença é sutil, porém é crítica. Este texto procura deixar isto bem claro
justamente porque tem o objetivo de promover a elaboração de um SAD realista, útil e
inteligente. Por isso, este livro foi pensado principalmente para todos os servidores
públicos que assumem como importante o desenvolvimento de métodos e de instrumentos
que permitem às organizações públicas dirigir-se (e dirigir seus programas) a resultados
com uma visão de prestação de contas, assim como de inteligência e aprendizagem. O
livro também foi pensado com o objetivo de propor aos avaliadores de programas
públicos que avancem no tocante à promoção de mecanismos pensantes de avaliação, e
que sejam capazes de considerar a aprendizagem e a incorporação efetiva e endógena da
gestão por resultados nas organizações públicas.
Além disso, este livro pode ser também útil para os legisladores e auditores de
programas públicos, com a finalidade de avançar em direção a uma prestação de contas
que não assuma linearmente que um bom programa é o que alcançou seus objetivos e
resultados, mas sim aquele que permite aprender e evoluir em direção à obtenção de
impactos e de resultados mais claros.