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Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer
o resultado de cem batalhas. Se você conhece a si mesmo, mas não
conhece o inimigo, para cada vitória conquistada, você também sofrerá
uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo,
sucumbirá em todas as batalhas.

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Posso sentir o cheiro da morte no ar. Seu aroma pungente é espesso
e intenso em minhas narinas enquanto ando pelo armazém.
Cada passo pelo terreno carmesim me lembra de tudo que perdi e
por que estou aqui agora.
Meu pai morreu.
A minha mãe morreu.
Porra, até meu irmão morreu.
A guerra para manter o controle de minha família sobre a Costa
Leste foi longa, sangrenta e repleta de baixas.
Mas no final, eu venci.
Sempre venço.
Sei que esse adiamento da violência não vai durar muito. Outro
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inimigo está sempre à espreita nas sombras.


O submundo é como a Hydra. Você corta uma cabeça e outras duas
crescem em seu lugar.
Sei que desta vez não é diferente. Preciso me preparar para a guerra.
Houve uma calmaria nos últimos meses.
Pago muito dinheiro para ser informado sobre os negócios de meu
primo.
Não há dúvida de que ele está vindo atrás de mim. Ele vem atrás de
mim há anos.
Desde que meu pai morreu, e eu fui colocado no comando.
Ele acreditava que deveria ter sido o único a assumir.
Considerando-me não o herdeiro legítimo.
Tecnicamente, ele não está errado. Se seu pai tivesse vivido, este
reino teria sido dele.
Mas independentemente do que poderia ter sido, estou no comando
e é a melhor opção.
Aos trinta e cinco, já vivi mais do que a maioria. Fui criado metade
da minha vida para assumir os negócios da minha família.
Nos livros, possuímos uma empresa lícita.
Por trás disso, somos donos de tudo.
A porta se abre e entra meu braço direito e primo, Lorenzo.
— O que você tem para mim? – digo.
Seus olhos escuros estão estreitados. Assim que olham para mim, eu
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sei que algo está errado. A coisa sobre ele é que ele não trabalha apenas
para mim. Ele é como um irmão, e é por isso que já estou no limite com
o olhar fixo e frio que ele dá.
— Nada de bom. – ele afirma, e o humor habitual que ele só se
permite mostrar para mim se foi.
Eu me inclino para frente na minha cadeira. — Prossiga.
— Ele está se mudando para Chicago.
— O que diabos isso significa? – eu respiro fundo, tentando me
acalmar, mas nenhuma quantidade de oxigênio vai consertar isso. Eu
deveria ter matado aquele filho da puta quando tive a chance. Talvez não
seja tarde demais.
— Ele está de olho em todos os políticos corruptos. Ele tem a
atenção do governador. Podemos ter vencido em Boston, mas ele tem a
atenção dos irlandeses.
— Porra.
— O que você acha que isso significa para nós?
— Significa que ele ainda não terminou.
— O que você quer fazer?
Eu me inclino para trás em minha cadeira, com um sorriso amargo
em meus lábios.
— Precisamos eliminá-lo antes que ele tenha sucesso.

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Apesar de tudo que pensei, perdi Chicago.
Isso foi o suficiente para fazer meu ego e sede de sangue girarem.
Mas isso não era tudo. Há rumores de que Salvatore está fazendo outra
jogada pela Costa Leste.
É aqui que para.
A Costa Leste é minha.
Não dou a mínima para quem ele pensa que é. Não vou deixar que
ele tire isso de mim.
A porta do meu escritório se abre. O som de mocassins italianos
batendo no mármore ecoa pela sala.
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Não preciso olhar para cima para saber que é Lorenzo e, pela
maneira como ele entra, não é bom.
— E agora? – eu levanto minha cabeça dos papéis que estou
olhando e vejo sua cara fechada. No ano que passou, ele cresceu muito e
não é mais o bastardo despreocupado de antes.
Lorenzo passa as mãos pelo rosto, soltando um longo suspiro de
sofrimento. — Não vou mentir para você, é ruim.
— É muito grave?
— Temos de nos mexer, mau. Enquanto estávamos focados em
manter laços com os irlandeses, Salvatore estava focado em nosso
próprio quintal.
Meus dedos ficam brancos quando agarro minha mesa cromada,
prestes a incliná-la completamente. — Não fale em enigmas, Lorenzo.
Desembucha.
— Governador Marino.
Há uma quietude na sala com suas palavras, seguidas de silêncio.
Meu punho bate na mesa, interrompendo a pesada tensão persistente
no ar. Lorenzo não dá um pulo para trás, mas estremece, ciente de como
estamos fodidos completo e impiedosamente.
Frank Marino, governador de Nova Jersey, sempre foi uma pedra no
sapato para mim. Desde que ele rejeitou minha proposta de acesso ao
porto e eu tive que passar por cima dele e trabalhar com o governador de
Nova York, não nos demos bem. Isso, somado ao fato de eu saber de
seus negócios anteriores com meu falecido tio, não deixa nenhum amor
perdido entre nós. Mas saber que meu primo tem algo a ver com ele é
ainda pior.
— Fale.
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Lorenzo balança a cabeça, e sei que o que ele está prestes a me dizer
vai ser ruim. Há uma tensão em seus ombros, que muitas vezes não está
presente. Ninguém mais notaria, mas para mim, Lorenzo é um livro
aberto. O mesmo vale para ele sobre mim. Torna tudo muito mais fácil
em certas situações que podemos falar sem palavras.
— O governador Marino está conversando com Salvatore. Se o que
ouvi é verdade, e sempre é, Marino está dando a ele acesso ao porto.
— Porra.
— Sim. – ele concorda.
Aponto minha mão para a cadeira. — Sente-se. Mas antes disso,
pegue o uísque. Temos muito o que discutir.
Lorenzo vai até a mesinha lateral, estendendo a mão para pegar a
garrafa. Uma vez na mão, ele pega dois copos.
— Devo me incomodar em pegar gelo?
— A porra dos copos é o suficiente. – eu uso o restante da minha
força de vontade para não cuspir no chão.
Normalmente, eu beberia uísque com gelo, mas agora só preciso de
um gole e não me importo se descer com um pouco de cianeto.
Quando nossos copos são servidos, ele se senta e, como eu, sei que
ele precisa. A guerra pode fazer parte do meu negócio, mas isso não
significa que apareço para lutar de bom grado.
Mas a batalha é um mal necessário. Para vencer, é preciso ser cruel.
— Então, Salvatore tem acesso aos portos e não há nada que
possamos fazer a respeito. – lamenta Lorenzo.
— Não necessariamente. – eu falo pelos dentes.
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— No que está pensando? Marino te odeia. Ele está tentando tirá-lo


há anos. Temos feito o mesmo.
— Precisamos encontrar algo sobre ele. – Minha voz é áspera,
deixando Lorenzo tenso. Ele coloca sua bebida na mesa. Bem diante dos
meus olhos, meu companheiro de bebida se foi, em seu lugar está o
subchefe.
— Eu tentei. – ele endireita as costas, sentando-se mais alto. —
Tenho todo mundo olhando para ele. O homem é completamente limpo.
— Ninguém é tão limpo. Especialmente ninguém se envolvendo
com o meu primo. Precisamos encontrar algo. Investigue a família dele.
A esposa dele. Sua filha. Deve haver alguma coisa.
— Vou investigar.
— Além disso, uma vez que você fizer isso, preciso que você ligue
para Cristian e marque uma reunião. Vamos precisar de um novo
carregamento de armas, e agora que Alaric Prince está aposentado,
preciso discutir como os negócios continuarão.
— Tratarei disso. Algo mais?
— Fale com Marco ao telefone para mim também. Talvez ele saiba
o que Salvatore está tramando.
Lorenzo desanima por um nanossegundo, antes que ele altera em
seu habitual olhar vazio. Não existe qualquer afinidade entre deles.
Marco é outro primo meu. Ele é mais velho. Velho o suficiente para
estar envolvido na guerra entre meu pai e de Salvatore.
Sua lealdade corresponde comigo, mas Lorenzo não confia nele.
Para ser sincero, eu também não. Mas, como todos os inimigos em
potencial, eu o mantenho por perto.
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Quanto mais perto ele estiver, mais rápido vou ver se ele é uma
cobra como Salvatore.
Sem mais nada a dizer, Lorenzo sai do meu escritório.
Pego meu telefone e disco um número que não ligo há muito tempo.
— Olá, Matteo. Fiquei imaginando quanto tempo levaria.
— Corta essa.
— Se você não quer que eu fale, por que está ligando, primo?
— Você sabe exatamente por quê.
— Por que tão sério. – ele fala como o Coringa, com alegria em sua
voz. — Talvez precise transar. É isso? Livre-se de todo esse estresse
reprimido. Você precisa de mim para ajudá-lo a encontrar alguém? –
Meus dentes rangem com suas palavras, sabendo muito bem o que ele
quer dizer. — Francesca está um pouco velha agora, mas aposto que ela
ainda pode usar seu...
— Cale a boca. – eu berro, e ele ri ao telefone.
— Atingi um ponto sensível?
— Você não quer ser melhor que seu pai sádico? Você já não teve
guerra o bastante? Recue agora, e eu vou deixar você viver.
— Sem chance. Eu quero o que é meu... – ele faz uma pausa. — E
estou preparado para fazer o que for preciso para obtê-lo.
— Percebe que esta é uma declaração de guerra. – digo baixinho.
Suavemente. Não há como voltar disso. Francamente, não quero que
haja.
— Acho que sim.
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Jogo o telefone no ar, jogando-o contra a parede. O som ecoa pelo


ar enquanto quebra a parede de gesso.
Terei que comprar um telefone novo, mas, para minha sorte,
passamos por gravadores com tanta frequência que somos basicamente
uma loja de telefones.
Poucos minutos depois, Lorenzo volta a entrar. Ele olha para mim e
depois para a parede oposta.
— Problemas? – ele pergunta enquanto aponta para o telefone.
— Liguei para o meu primo.
Todas as emoções, exceto a raiva, dissipam de seus olhos. Isso me
lembra do gelo se espalhando, endurecendo suas feições.
— Não deu certo?
— O que te fez pensar isso? – eu levanto uma sobrancelha
sarcástica.
— Pode ser o vidro quebrado no chão. – Lorenzo encolhe os
ombros, tentando amenizar o clima. Funciona quando me inclino para
trás na cadeira.
— O que você descobriu?
— Ainda nada sobre o Marco. Quanto ao Cristian, consegui mais
armas para nós. Temos que nos encontrar para passar os números e
modelos que queremos. Ele quer que vamos ao seu armazém Nova York
para olhar seu inventário. Quantas você está pensando?
— Centenas. Precisamos do complexo e do armazém abastecidos e
preparados para qualquer coisa. Não quero apenas armas; também
precisamos de gás lacrimogêneo e granadas.
— Vou avisá-lo quando marcarmos o encontro. Algo mais?
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Balanço minha cabeça. — Volte depois de falar com Marco.


São horas depois.
Estou olhando para um mapa de locais que meus homens precisam
coletar esta semana e estou montando quem irá para onde. Preciso
chamar meus homens para discutir o que está acontecendo, mas estou
relutante até ter mais informações.
Como se fosse uma deixa, a porta se abre novamente.
Lorenzo está de volta e, desta vez, ele caminha até minha mesa. Ele
está segurando um iPad.
— O que você descobriu?
— Muito. – ele responde.
— Tragam todos aqui. – Não especifico a quem me refiro, mas
Lorenzo sabe quem quero ouvir. Meus homens mais importantes. Meu
subchefe, capo e consigliere.
Lorenzo envia uma mensagem de texto e, um minuto depois,
Roberto e Luka entram na sala.
— A primeira coisa que sabemos é que a esposa de Marino deposita
dinheiro na conta bancária da família de Ana Checklov há mais de doze
anos. – diz Roberto. Ele é, para todos os efeitos, o que a maioria
chamaria de meu consigliere. Ele é meu conselheiro e um dos homens
mais inteligentes que conheço. Ele estudou Direito antes de entrar em
seu papel no negócio. Depois de Lorenzo, ele é a pessoa mais próxima
de mim.
Lorenzo acena com a cabeça e então entrega o iPad, e vejo os
documentos que Jaxson Price, o hacker de computador que mantenho
sob custódia, me enviou.
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— E quem é Ana Checklov?


Sua mão se estende e desliza na tela. Por trás das transações
bancárias estão os documentos da mulher em questão.
— Um caso. – pergunto, e é Luka quem balança a cabeça.
— Não, segundo os autos, ela era babá da filha de Marino. –
responde.
— Interessante. Por que o governador estaria pagando a babá por
doze anos?
— Provavelmente um caso. – Lorenzo ri, concordando com minha
avaliação anterior.
— O que temos sobre ela? – pergunto.
Lorenzo continua percorrendo os dados.
— Não muito. – Seu dedo desliza pela tela do iPad. — Espere. Olhe
aqui.
Ele aponta para o documento na tela. Ali, na frente, está um atestado
de óbito.
— A pequena Ana Checklov está morta.
— Parece que sim. Parece que ela morreu há doze anos.
— E os pagamentos. Eles estão acontecendo há todos esses anos?
— Sim, exatamente.
— Agora não é tão interessante...
— Vamos descobrir por que estão pagando a família dela. Luka,
quero que fale com quem os conhece, vizinhos, antigos funcionários.
Descubra o que Marino está escondendo. Não me importo o que isso
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custa. Preciso saber disso agora.


— Tudo bem. – ele responde antes de sair para começar a tarefa que
eu impus a ele. Dirijo-me a Roberto.
— Eu preciso que você traga Marco aqui.
— Sem problemas. Além disso, falei com Cyrus.
— E? Ainda tenho dinheiro. – eu rio, acalmando os ânimos. — Ou
meu banqueiro roubou tudo?
— Ele é um pé no saco. Prefiro lidar com Maxwell. – ele reclama, e
realmente não posso culpá-lo. Cyrus Reed, também conhecido como o
banqueiro do submundo, é um dos maiores cretinos por aí, mas ele é
muito bom em seu trabalho.
— Tenho certeza de que realizará seu desejo em breve. É apenas
uma questão de tempo até que ele esteja completamente aposentado.
— Existe mais alguma coisa que possamos fazer por você? –
Lorenzo pergunta.
— Não.
Ambos os homens se movem para sair da sala enquanto me inclino
para trás na minha cadeira. Esta vai ser uma longa noite.
Lorenzo para na porta e se vira para mim. — Esqueci de te contar.
Você vai se encontrar com Cristian para discutir o carregamento de
armas esta semana.
Eu concordo. — Volte quando tiver mais informações para mim.
— Voltarei.
Eles me deixam em meu escritório com o iPad ainda na minha
mesa.
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Puxando-o para mais perto de mim, deslizo a tela.


O que você está escondendo, Marinho?
Olho através das fotos do governador. Meus dentes rangem
enquanto olho para o homem que se tornou uma pedra no meu sapato.
Seus olhos escuros e sem alma me encaram em cada foto. Ele
provavelmente está na casa dos sessenta, a idade que meu pai teria se
ainda estivesse vivo, com cabelos grisalhos e tez morena. Imagino que
as mulheres devam achá-lo um homem bonito, independentemente das
rugas que marcam seu rosto envelhecido. Poder e dinheiro farão isso.
Continuo minha leitura. A próxima imagem me detém porque nesta,
ele não está sozinho.
Ele olha para mim, espremido entre sua esposa e filha.
Sua filha é quem me dá muito em que pensar.
Ela é maravilhosa.
Uma beleza exótica com longos cabelos castanhos escuros que
fluem em ondas soltas passando por seus seios.
Ela é diferente das mulheres com quem me associo...
Desvio meus olhos de sua foto para olhar o resto do arquivo.
Vinte e dois anos.
Um metro e cinquenta e oito.
Bem educada.
Todo um futuro pela frente.
Que pena.
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Falta apenas mais uma semana para a formatura. Eu não posso
acreditar que o dia está quase chegando.
Assim que chegar, finalmente poderei me distanciar.
Vou arrumar um emprego.
Vou sair das garras do meu pai.
Só preciso aguentar mais uma semana.
Isso não é verdade.
Um trabalho. Pagando minhas contas.
Um sentimento pesado pesa em meu peito. Nunca poderei escapar
dele.
Meu pai vai me usar como seu peão, como sempre faz. Assim que
eu sair da faculdade, ele vai me manter na linha me fazendo trabalhar
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para ele.
E eu não tenho escolha...
Talvez um dia.
A porta do meu apartamento se abre. Não preciso levantar os olhos
do meu computador para saber quem é.
Obviamente é a Julia.
Ela é a única pessoa - bem, além dos meus pais - que tem a chave.
— Ei, querida. – Eu a ouço dizer enquanto o som de seus pés no
chão ecoa pelo espaço enquanto ela se aproxima de mim no sofá.
— Oi. – eu levanto meu olhar da tela. — Não pensei que você
estaria aqui tão cedo.
— Humm, você deveria ter me esperado mais cedo. – ela revira os
olhos, me fazendo rir. — Nós vamos sair, lembra? É hora do pré-jogo.
— Pré-jogo. Sério, Jules, o que eu sou, ainda na faculdade?
— Por mais uma semana, você é. Calma. Você não está pronta para
o mundo real. Ouvi dizer que há trabalho, impostos e todo tipo de
besteira por aí. Por favor, me diga que ainda vem comigo esta noite e
que não se esqueceu. – ela suspira alto, sendo seu eu completamente
dramático.
Eu a encaro por um momento. Quando ela ri, ela me lembra muito
de sua mãe. Elas têm o mesmo cabelo castanho claro e olhos azuis, mas
é o jeito que ela sorri. É o mesmo sorriso da Ana quando brincava com a
gente. Quando ela movia as estatuetas pela velha casa de bonecas
comigo.
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Meu coração aperta.


— Viv, onde você foi? Você está em la-la land. – Jules estala os
dedos, afastando-me das minhas memórias.
O que ela estava dizendo? Ah sim, sair esta noite.
— Como eu poderia esquecer? Você me lembrou todos os dias desta
semana. – eu finjo estar de mau humor, mas, na verdade, eu a amo.
— Bem, temos que comemorar sua formatura.
— Ainda não me formei.
— Semântica.
Reviro os olhos para minha amiga.
Mas ela está certa. Embora, tecnicamente, eu ainda não tenha obtido
meu diploma, terminei oficialmente a faculdade.
Este é meu último fim de semana morando aqui e, na próxima
semana, terei que dizer a meu pai que não faria parte de seus planos para
o futuro.
Meu pai me considerou uma moeda de troca por muito tempo.
Consegui afastá-lo por anos indo para a faculdade, mas meu pai vem de
uma família siciliana tradicional. Na cabeça dele, eu já deveria estar
casada.
Casada com um homem que ele escolheu para mim.
É apenas uma questão de tempo até o inevitável e ele determinar
minha vida.
Por mais louco que pareça, estou esperando uma ligação sobre
minha desgraça iminente a qualquer momento.
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Já faz algum tempo que sei que meu pai vai tentar me casar com
quem ele acha que vai beneficiá-lo.
Um futuro do qual não quero fazer parte.
— Quando você volta para casa? – Julia pergunta enquanto caminha
para a cozinha anexa à minha sala e abre a geladeira. Um minuto depois,
com Coca Diet na mão, ela se senta no sofá ao meu lado.
— Espero que nunca. – murmuro baixinho.
— Sim, porque papai Marino nunca aceitará isso.
— Uma garota pode sonhar. – eu deixei escapar um suspiro
melancólico.
— Isso não é um sonho, querida. Isso é uma fantasia. O inferno
congelará antes que Marino a perca de vista. Estou surpresa que você
não tenha sido convocada antes. Ele não está ansioso para casar você?
— Ele está. – Há um nó de ansiedade em minha voz, e está
crescendo incrivelmente grande agora.
— E quem é o sortudo pretendente? – ela ri. Isso se tornou um jogo.
Vou jantar com minha família, meu pai tenta arranjar um casamento
para mim, e então me encontro com Julia e conto a ela todos os detalhes
horríveis.
— Não faço a mínima ideia. Mas não estou ansiosa para essa luta.
Preciso pensar em um plano. Toda vez que eles fazem isso, temo que
seja o momento em que finalmente me obriguem.
— Você tem dinheiro suficiente guardado para se libertar por conta
própria?
— Não. – admito. E aquele nó de ansiedade? Fica maior,
dificultando a respiração.
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— Eu gostaria de poder ajudar...


Eu me inclino para frente, colocando meu rosto nas palmas das
mãos. — Eu sei, e eu te amo por isso.
E eu amo. Julia e eu somos amigas desde crianças. A mãe dela era
minha babá, e ela e o irmão foram criados na propriedade comigo.
Depois que a mãe dela faleceu, perdemos o contato.
Meu pai perdeu...
Ele me controlava e com quem eu falava.
Mas quando acabamos na mesma faculdade por acaso, nossa
amizade rapidamente voltou ao que era antes. No momento em que ouvi
de um dos empregados na casa dos meus pais que Jules também estaria
na NYU, tive a sensação de que a veria. Eu tinha razão. Ela me procurou
e, quando finalmente me encontrou, basicamente pulou em cima de mim
e jurou nunca mais me perder de vista. Vê-la pela primeira vez foi
difícil. Não a via desde que sua mãe morreu. As memórias me atingiram,
tornando difícil respirar, mas então ela riu como sempre fazia, sorriu e
me fez prometer nunca mais deixá-la.
Eu fiz.
Uma promessa da qual nunca me arrependerei.
Não importa o que me custe, preciso dela em minha vida. Ela é o
meu bote salva-vidas. A única pessoa que sabe da minha família.
Compreende o poder que o - governador - tem sobre mim.
À sua maneira, e sem que ela saiba, ela faz parte disso.
Minha necessidade de ajudá-la, protegê-la e também reparar
pecados passados me mantém sob o controle de meu pai.
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Ela não sabe essa parte, no entanto. Nem nunca vai.


— Quando você tem que vê-lo? – Sua voz abaixa, com sua atitude
antes animada se tornando mais sombria.
— O jantar é amanhã, tenho certeza. Como sempre. – eu falo
inexpressiva.
Por mais que eu desejasse que não fosse o caso, meu pai insiste que
eu vá jantar em família todos os domingos à noite. Ele garante que as
fotos sejam sempre tiradas, postadas e tuitadas.
Ele quer retratar a imagem do homem de família perfeito.
Se ao menos essa fosse a verdade.
Mas esse é o meu papel. Ser a filha perfeita. Tudo na grande busca
do objetivo final.
Meu pai sempre deixou bem claro o que seria isso.
Meu pai tem sonhos presidenciais. Ele também tem amigos muito
poderosos que o levarão até lá.
O homem é cruel, implacável e, ainda por cima, um verdadeiro
imbecil.
Não há um osso bom em todo o seu corpo.
Ele é o diabo encarnado.
Um sentimento de pavor sempre toma conta de mim quando sei que
preciso vê-lo. Que terei que reconhecer sua presença.
Mas a pior parte disso, a parte que eu mais temo, é que não importa
o quanto tente escapar, ele ainda tem controle total sobre mim. Também
piorou. A cada ano fica pior. Meu coração dá uma guinada de novo
enquanto a bile sobe pela minha garganta.
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Eu odeio o homem.
O sentimento é mútuo, tenho certeza.
Não há nenhum amor entre nós.
Como se manifestado por um poder superior, meu celular toca na
mesa. Eu sei que é ele antes mesmo de verificar quem está ligando.
Além de Julia, ninguém me liga.
Nem mesmo minha mãe.
Ela é a esposa obediente. O acessório perfeito do político.
Pena que ela é uma mãe horrível. Mesmo horrível é um eufemismo
para o que ela é.
Pego meu celular e olho para baixo. Como eu suspeitava, na tela
está uma mensagem do querido velho pai.

Governador babaca: Jantar amanhã. 18:00. Não se atrase,


Viviana.

Ótimo. Ele está me repreendendo pelo telefone.


Eu o inclino para Jules para mostrar a ela o que ele escreveu. Ela ri
quando vê isso.
— Governador babaca? Não papai?
— Deus, não. Isso não descreveria adequadamente como me sinto
toda vez que ele me liga. Agora seria? – eu sorrio. É um sorriso
encantador, mas cem por cento misturado com veneno.
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— Não. – ela balança a cabeça. — Não seria.


Julia sabe o quanto odeio meu pai, mas ela realmente não sabe.
Ela não sabe que o dinheiro que minha família paga à dela é mais
um suborno do que para ajudá-los. E ela não sabe o segredo do porquê...
Quando sua mãe morreu em minha casa, ela e seu irmão ficaram
órfãos, deixados para viver com parentes pobres. Tudo o que já fiz e que
meu pai me pediu foi para garantir que ele a ajudasse e Jonathan.
Balanço minha cabeça. Não consigo pensar nisso agora.
Especialmente quando não há nada que eu possa fazer para escapar
de seu controle.
Ele usa tudo contra mim. Sempre certificando de me comportar.
Precisando pensar em outra coisa, me levanto da poltrona e me viro
para encarar Julia.
— Vou tomar banho. Preciso estar bem para esta noite. – eu sorrio.
A verdade é que não me importo com minha aparência, mas minha culpa
me corrói, então tenho que ir embora.
— Sim, você meio que cheira mal também. – Eu rio de suas
palavras e balanço a cabeça enquanto caminho em direção ao meu
quarto, deixando uma Julia rindo para trás.
Uma vez no banheiro, tiro minhas roupas, ligo o chuveiro e entro na
água.
Está escaldante.
Muito quente.
Lembrando-me de um tempo antes. Uma época em que toda a
minha vida mudou. Um tempo que ainda me mantêm como refém todos
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esses anos depois.


Dizem que o tempo pode curar todas as feridas.
Mas e se as feridas ainda estiverem inflamadas?
E se não houver cura?
O que fazer, então?
Já se passaram doze anos e ainda não tenho resposta para essa
pergunta. Paira sobre mim como um buraco negro no universo escuro.
Sei que eventualmente vai me sugar e me devorar viva. A única questão
é quando.
Enquanto estou aqui, perdida em meus pensamentos, esqueço como
a água é quente. O banheiro está embaçado e mal consigo enxergar à
minha frente.
Rapidamente, giro o botão do chuveiro. A temperatura da água
muda rapidamente. Agora parece que está despejando gelo sobre meu
corpo.
Eu tremo contra as bolinhas atingindo minha pele.
Mas acolho isso. O trabalho está feito. Isso esfria as memórias,
empurrando-as de volta para as fendas da minha mente, onde preciso
mantê-las.
Pelo menos por agora.
Talvez não seja o caso em breve, mas até que eu possa fazer algo a
respeito, tenho que fazer isso dia após dia. Tenho que sobreviver à
tortura que esse homem me inflige, mesmo que isso signifique entreter
os filhos de seu amigo. Ou ser exibida como uma prostituta cara, cuja
virtude é o preço da aliança política certa.
Respiro fundo e continuo a lavar meu cabelo até que a água escorra
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com a espuma, então desligo e abro a cortina para pegar minha toalha.
Quando termino de secar minha pele, não posso deixar de me olhar
no espelho embaçado.
Eu me inclino sobre a bancada do banheiro até estar perto o
suficiente para tocar meu reflexo. Pareço exausta, cansada e, acima de
tudo, como se eu tivesse visto demais. Embora meu rosto seja o que os
outros possam interpretar como perfeito, aos vinte e dois anos, para
mim, é tudo menos isso. Muito peso emocional está sobre meus ombros.
Olhos que sempre parecem assombrados pelos fantasmas do meu
passado.
Será que algum dia me sentirei jovem e despreocupada novamente?
Você arranjará uma solução, Viviana.
Tudo ficará bem. Devo dizer isso a mim mesma, mesmo que não
seja verdade.
Estou quase terminando a faculdade. Vou arrumar um emprego.
Sim. É isso. Assim que conseguir um emprego, estará acabado. Eu
não vou mais precisar dele.
Eu me endireito, fico mais alta, sabendo que não vou deixá-lo
vencer.
Eventualmente, eu serei a vencedora.

Horas depois, estamos no bar.


Por mais que eu finja que quero estar aqui, não quero. Meus nervos
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estão em frangalhos para o que o amanhã trará. Despreocupada não faz


parte do meu vocabulário desde que eu tinha dez anos e aprendi para o
que nasci.
Sei que deveria ficar bêbada com minha amiga e não pensar nisso,
mas não posso.
A nuvem escura paira sobre mim. Não há como afastá-la. Como eu
poderia? Cada vez que o vejo, outra exigência é feita a mim. Algo que
ele precisa que eu faça e que eu não quero.
Não importa o que aconteça, não importa o que seja pedido, eu farei
isso.
Darei de bom grado outro pedaço da minha alma pelo preço dos
meus amigos.
A música ecoa através do espaço, encobrindo alguns dos meus
pensamentos. Eu quase não consigo ouvir nada quando sinto a mão de
Julia no meu braço.
— Vamos tomar uma bebida. – diz ela, puxando-me com ela para o
bar. Levo um momento para deixar meus olhos percorrerem o espaço.
Cabines elegantes de veludo vermelho cercam o lugar e lustres de cristal
preto pendurados acima.
— Claro. – grito também.
Juntas, cruzamos o ambiente. Assim que estamos em frente ao
barman, pedimos bebidas.
Ele é rápido em prepará-las, sorrindo para mim enquanto despeja o
líquido nos copos.
Quando o levo à boca, juro que vejo alguém olhando para mim do
outro lado do bar.
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Sim. Ele está cem por cento olhando para mim.


Uau.
Ele é bonito. Muito perigoso. O tipo de bonitão sobre o qual você lê
nos livros de romance.
Olhos hipnotizantes. Cabelo escuro como azeviche.
Ele tem a barba por fazer perfeita, e suas maçãs do rosto são tão
acentuadas que meus dedos coçam para tocá-las.
Algo está ameaçador na maneira como ele olha para mim, fazendo
meus músculos das costas ficarem rígidos.
— Viv. – eu ouço Julia dizer, mas estou paralisada pelo homem do
outro lado do bar. — Viv... – ela diz novamente, e eu finalmente me viro
para ela. — Tudo certo? – ela pergunta.
— Eu estava apenas... O homem ali. – eu respondo, gesticulando
por cima do ombro com a cabeça.
Um franzido se forma entre suas sobrancelhas. — Que homem?
— Do outro lado do bar.
— Não há ninguém...
— Ali... – eu olho para onde ele estava, e não há ninguém lá. O
espaço está completamente vazio.
Balancei minha cabeça em confusão.
Ele estava lá, não estava?
Levo a bebida à boca e continuo a olhar em volta. Mas não há
absolutamente ninguém que se pareça com o homem em qualquer lugar
do bar.
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Devo ter imaginado ele.


— Venha, vamos dançar. – Jules grita acima do som da música, mas
balanço minha cabeça.
— Próxima música. Quero terminar minha bebida. – Ela acena com
a cabeça com um sorriso, e então ela sai, como seu eu normal e louco.
Uma risada surge quando a vejo abrindo caminho em meio à
multidão de pessoas. Com braços no ar, balançando os quadris.
— Por que você não se junta a ela...?
Viro para encarar a nova voz, e quando nossos olhos se encontram,
paraliso no lugar, com minha respiração presa no meu peito.
É ele. O homem de antes.
E ele está falando comigo.
Embora esteja escuro no clube, posso distinguir melhor o contorno
de suas feições agora.
Se eu achava que ele era bonito do outro lado do lugar, essa imagem
não chega nem perto de como ele é de perto.
Ele parece familiar, mas não consigo identificá-lo. Felizmente, ele
não é alguém que conhece minha família. Isso seria uma vergonha. É
uma vergonha perigosa. Mas a maneira como ele olha para mim, duvido.
Ele só deve ter um daqueles rostos.
Um completamente lindo.
Mesmo tão perto, ainda não consigo distinguir a cor de seus olhos.
Se eu tivesse que adivinhar, diria azul ou avelã. De qualquer forma, eles
são, como observei antes, hipnotizantes.
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É como se ele pudesse ouvir meus pensamentos, com seus lábios se


curvando no que só posso descrever como um sorriso perverso.
— Eu não estava com disposição. – respondo.
— A perda dela é o meu ganho. – A confiança transborda em sua
voz, mas, embora possa ser desagradável para alguns, quando ele fala,
meu corpo fica quente.
Não é sempre que consigo me entregar a um flerte estúpido. Entre a
faculdade e meu pai tentando me convencer de todo filho de político
bem-sucedido ou, pior ainda, político, não costumo me divertir.
Eu me viro. Agora, sem olhar mais por cima do ombro, posso ver
sua constituição completa.
Este homem está fora do meu alcance.
Pego meu copo e tomo o último gole.
— Gostaria de outro?
Eu devo?
Quanto mais bebo, pior será o amanhã.
Mas agora que estou pensando no amanhã, coragem líquida pode ser
exatamente o que preciso.
— Quer saber? Sim, por favor. – eu respondo, e o homem ao meu
lado sinaliza para o barman, que é rápido em nos atender.
A música muda para uma música mais alta e animada. Eu só posso
imaginar que Jules provavelmente está completamente perdida para mim
no ritmo.
— Sua amiga está se divertindo. – diz o estranho enquanto pega
minha bebida no bar e a entrega para mim.
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— Sim. Ela é boa nisso. – digo.


— Em quê?
— Se divertir.
— E você? – ele arqueia uma sobrancelha escura e grossa. Eu movo
minha mandíbula de um lado para o outro.
— Não tanto. – eu admito. — O que devemos beber?
Ele levanta o copo para um brinde. Até suas unhas quadradas são
perfeitas. Meu estômago aperta.
— Você escolhe, Somber Girl1.
— Por amigas malucas arrastando você para um clube só para se
livrar de você. – eu encolho os ombros.
— Por estranhos em um bar bancando o herói. – ele responde.
— Você é o herói? – pergunto brincando, com o álcool deixando
minha cabeça confusa e me libertando de minhas inibições normais.
— Não com frequência.
— Então o que você é?
Mais importante - quem é você?
Ele se inclina para perto, muito perto, com sua boca pairando perto
da minha orelha...
Meu corpo fica hiperconsciente de nossa proximidade enquanto
borboletas surgem em meu estômago. Isto não é bom. Eu não deveria
sentir suas mãos em mim antes mesmo de ele me tocar.
— Eu sou o... – ele começa a dizer, mas então uma mão envolve
meu bíceps. Sou puxada para trás, com minha cabeça virando para
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encontrar uma Jules dançando. — Você prometeu a próxima música. –


ela grita, levantando os braços.
Eu me viro para o estranho, prestes a me desculpar, a ponto de
convidá-lo para se juntar a mim, mas quando faço isso, ele se foi.

1 Somber Girl: no literal seria "Garota Sombria".


Novamente.
E como antes, me pergunto se imaginei a coisa toda.

No dia seguinte, acordo com uma leve dor de cabeça.


Nada muito horrível, mas ruim o suficiente para pegar dois
analgésicos, tão feliz que os guardo e uma garrafa de água na minha
mesa de cabeceira, e os engulo.
Depois de tomá-lo, pego meu celular para verificar a hora.
Já são 11:00 da manhã.
Uau, devo ter bebido mais do que pensei.
No começo, não planejava ficar fora por muito tempo, mas depois
de ser arrastada para a pista por Jules, bebi mais.
Agora, estou acordando tarde e tenho muito o que fazer antes que
meu pai me chame.
Respiro fundo e verifico se há algum telefonema. Infelizmente,
existe.

Governador babaca: Esteja aqui às 17h.


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Merda.
Perdi uma hora.
Entrando na sala, encontro Julia desmaiada no sofá. Sua boca está
aberta, e juro que ela provavelmente está babando no meu travesseiro.
— Acorde, preguiçosa. – digo enquanto me sento no sofá oposto.
— Que horas são? – ela murmura, levantando a mão e esfregando as
pálpebras semicerradas.
— Onze.
— E você me acorda. Caramba, Viv é muito presunçosa? –
Independentemente de suas palavras, sei que ela não está com raiva de
mim. Esta é apenas a Julia. Excessivamente dramática ao extremo. Ela
tem um coração aberto e permite que você saiba tudo sobre isso
também. É por isso que nos damos tão bem. Ela não é apenas a família
que nunca tive, mas é o completo oposto de mim. Ela me pressiona para
tentar aproveitar a vida. Mesmo que isso seja difícil para mim. Se não
fosse por ela, eu nunca teria nenhum vislumbre de paz. — Se você vai
me acordar, pelo menos vai me alimentar?
— Claro. – eu respondo em tom de zombaria. — Que tipo de animal
você acha que eu sou?
— Ok. Eu vou acordar. – ela se senta e parece péssima. Linda, mas
péssima mesmo assim. — O que estamos comendo?
— O que você quer?
— Algo terrivelmente gorduroso. Bacon, ovo e queijo em um bagel.
Pego meu celular e começo a percorrer o aplicativo de entrega de
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comida. — Batatas fritas também?


— Humm, dã.
Deslizo a tela e faço nossos pedidos.
— Ugh, Vivi. Estou com uma grande ressaca. Nunca mais vou
beber.
— Mentiras. – digo categoricamente.
Jules ri grogue, mas para quando percebe que isso resulta em uma
dor de cabeça infernal. Olho para a minha amiga desarrumada. Eu não
pareço ou me sinto muito melhor do que ela. A bebida que tomei com o
estranho não era necessária.
Falando nisso...
— Para alguém que quer que eu saia e transe, você certamente foi
um empecilho na noite passada. – eu falo inexpressiva.
— O que você quer dizer? – ela inclina a cabeça para o lado, com as
sobrancelhas unidas.
— O cara com quem eu estava falando.
— Você estava falando com um cara?
— Sim, idiota. Eu estava. E ele era gostoso.
— Ops.
— Ops está certo. Agora tenho que ir para a casa dos meus pais esta
noite e, quem sabe, essa poderia ter sido minha última chance de um
caso tórrido. Conhecendo meu pai, ele está me enviando para viver com
um membro da família há muito tempo perdido na Sicília.
Ela faz uma careta com minhas palavras.
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— Espero que não.


— Eu também.
Tenho medo de vê-lo.
Durante todo o caminho até Nova Jersey, meu estômago revira sem
parar.
Ao nos aproximarmos da grande monstruosidade da casa do
governador, sinto como se uma pesada liderança me pesasse.
Não há dúvida de que meu pai está prestes a solicitar... exigir algo
de mim.
Normalmente, há um preço alto a ser pago, mas temo que o preço
seja mais alto, já que adiei esse momento para ir para a faculdade. Era
inevitável que discutíssemos meu futuro, mas agora que sei que é hora
de pagar a conta, não estou pronta.
Até agora na vida, cedi. Fiz o papel de filha obediente. Sorridente e
politicamente para sua campanha, mas agora que o carro que ele enviou
para mim passa pelos portões, estou realmente assustada.
Terminei a faculdade.
Seus pedidos serão mais significativos.
Sem dúvida, um preço que não estou disposta a pagar.
Um preço que terei que pagar.
Quando o carro para, espero o motorista sair do carro e abrir a porta.
É pretensioso e odeio isso. Mas, caso uma câmera esteja vendo em
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algum lugar distante, não tenho escolha.


Saio do carro, coloco minha mão para baixo e arrumo minha saia.
Meu cabelo está perfeitamente penteado.
Sou o exemplo perfeito de filha de político.
Sei que meu pai tem objetivos grandiosos e sei que ele me usará
para alcançá-los, se puder.
Dou alguns passos e, como se fosse uma deixa, a grande porta de
mogno se abre.
Um empregado de meu pai que foi enviado para me receber.
Você pensaria que eu teria o luxo de ir e vir em minha própria casa.
Eu não tenho.
E vamos ser honestos, esta não é minha casa. Nem foi a anterior.
Eu nunca tive um lar de verdade.
Isso não é verdade.
Ana me deu um lar.
Ela cuidou de mim, me alimentou, cuidou dos meus cortes e brincou
comigo por horas.
Bem, pelo menos ela fez antes do meu erro.
— O governador está em seu escritório.
— E minha mãe? – pergunto enquanto ando pelo hall de entrada.
— Ela está lá em cima.
Não é uma surpresa. Ela sempre esteve ocupada demais sendo a
esposa perfeita para se preocupar em ser uma mãe boa, caramba e
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decente.
Nunca foi às peças da minha faculdade. Também não compareceu a
uma noite de programa curricular. Sempre muito ocupada socializando.
Se misturando com alguém importante, e provavelmente bêbada.
Felizmente, Ana, pelo tempo que esteve na minha vida, esteve lá
para mim.
Se ao menos ela estivesse aqui agora. Ela seguraria minha mão e me
daria força. Mas como ela não está, endireito meus próprios ombros e
finjo que está sussurrando em meu ouvido. "Platão disse: 'Coragem é
saber o que não temer.' Você não tem motivos para temer seu pai. Ele é
apenas um homem."
Na época, eu não sabia quem era Platão, mas confiei que ela estava
certa. Tentei ser corajosa e não ter medo dele, e ainda estou tentando.
Com sua voz ainda em meu ouvido.
Sigo em direção ao escritório de meu pai e encontro a porta aberta.
Claro que está.
Ele está esperando por mim, bebendo seu uísque e pronto para
atacar. Você pode ver isso em seus olhos e em sua postura. Ele exala
perigo em quantidades que deveriam ser ilegais, e o nó de ansiedade na
minha garganta está de volta.
— Entre, Viviana.
Sua voz me pega de surpresa. Estou à espreita e não pensei que ele
soubesse que eu estava aqui.
Mas eu não deveria estar surpresa.
Meu pai vê tudo.
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Sabe tudo.
Entro hesitantemente, dando passos pequenos e medidos.
— Depressa, Viviana. Não tenho a noite toda e tenho algo que
preciso falar com você.
Meu estômago está pesado, cheio de pavor.
Posso sentir o suor começar a escorrer na parte de trás do meu
cabelo, meu coração batendo forte no meu peito enquanto cruzo o
espaço e me sento na cadeira oposta de onde ele está sentado em sua
mesa. Seus olhos escuros e raivosos me encaram enquanto seus lábios se
estreitam em um sorriso de deboche.
— Sobre o que você tinha para falar comigo? – pergunto, tentando
desesperadamente soar forte e confiante.
— Sua formatura.
Meus ouvidos começam a zumbir, tornando difícil ouvir. Eu respiro
fundo.
Não demonstre medo.
Não dê a ele a satisfação de ver você se contorcer.
Enquanto meu pulso se regula, ele fala.
— Espero que agora que você terminou, você cumpra seu dever por
sua família.
— Dever?
— Sim, Viviana. Seu dever. Sua mãe e eu temos sido indulgentes
com você por muito tempo.
— Afinal, o que isso quer dizer?
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— Nós permitimos que você fosse para a faculdade. Permitimos que


você obtivesse a melhor educação. Agora você é uma jovem bem-falante
e educada...
— E?
— Agora é hora de nos ajudar.
Balanço a cabeça, sem entender o que ele está tentando dizer.
— Ajudar... como? Como trabalhar em seu escritório?
Não era uma solução ideal, mas trabalharia lá um pouco para tirá-lo
do meu pé enquanto economizava dinheiro para fazer outra coisa. Claro,
que estou protelando. Não sou burra e otimista o suficiente para
presumir que é disso que ele está falando.
— Vamos, Viviana. Você é mais esperta do que isso.
— Eu sou? – Protelando, protelando, protelando.
— Seu lugar não é no escritório. Você é muito melhor em outro
lugar.
— E onde seria isso? – Meu tom está cortante agora.
— Fazendo alianças.
Gelo frio enche minhas veias enquanto espero pelo que sei que está
por vir.
— Acho que é hora de usarmos sua aparência, personalidade e
agora educação a nosso favor.
— Humm. Eu não entendo.
— Como você sabe, eu tenho objetivos. Grandes objetivos. E para
atingir esses objetivos, preciso ter as conexões certas. A melhor maneira
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de conseguir isso é trabalhar com certas pessoas.


— OK...
— Mas, para fazer isso, eu preciso demonstrar um nível de
comprometimento. Preciso me amarrar a eles. E você é o caminho
perfeito.
— Sinto muito, Pai, mas não entendo o que você está dizendo.
— Quero que você se case com Salvatore Amante.
Minha boca cai aberta. E aquele nó de ansiedade na minha
garganta? Apenas bloqueou meus tubos de ar.
— Eu... eu não posso me casar com ele. Eu não o conheço. – eu de
alguma forma consigo dizer.
— Viviana, isso não foi uma sugestão. Você vai se casar com
Salvatore Amante. Preciso dele. Ele garantirá que conseguiremos tudo o
que sempre desejamos.
— Nós? Você não quer dizer você?
— Você também quer isso, Viviana. Isso é o melhor para mim, para
você e também para Julia.
Ele desliza um papel sobre a mesa. — Leia isso e depois me diga o
que você decide.
O peso do papel parece um milhão de quilos de pedras na minha
mão. Minha cabeça se inclina para baixo enquanto meus olhos o
observam. As palavras ficam borradas sob minhas lágrimas não caídas.
Velhas cicatrizes do passado se abrem e começam a infeccionar, mas
meu estômago revira quando vejo o que ele diz, e meu coração começa a
disparar. Minhas mãos trêmulas deixam cair a evidência que muda tudo.
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O que acabei de ler não faz sentido. Como isso pode ser? Se isso é
verdade... Confusão e desespero como nunca senti antes pulsam dentro
de mim.
— Isto é verdade?
— Sim.
— Você...
— Silêncio. – ele berra. — Você não vai me questionar. Você não
vai questionar o que eu fiz. Me entendeu... você entrará na linha. – A
ameaça paira pesadamente no ar. — E lembre-se que o que aconteceu
com Ana é sua culpa. O que acontece com os filhos dela a partir deste
momento... – É minha culpa. Ele não diz isso, mas não há necessidade.
A vida deles está em minhas mãos e não tenho certeza do que isso
significa para nenhum de nós.
Minha resposta fica presa na minha garganta, rouca, carregada,
tornando impossível falar.
Não farei o que ele diz, mas não posso permitir que ele saiba. Mas
primeiro preciso descobrir se ele está mentindo para mim de novo.
Meu pai é um monstro. Se ele achar que estou indo contra ele, vai
retaliar.
Preciso esperar meu tempo e descobrir um plano.
Tem que haver alguma maneira de sair dessa confusão.
Só tenho que descobrir como.
Agora, sentada à mesa na sala de jantar formal, tento o meu melhor
para sair daqui ilesa. Se não houver conversa no jantar, eu estaria
satisfeita.
Não há nada a dizer, então tento manter minha cabeça baixa o
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tempo todo.
Infelizmente, minha mãe não concorda com meu sentimento porque,
quando olho para a mesa, empurrando minha salada pelo prato, ela diz
meu nome.
— Viviana. Quando você vai voltar para a casa?
Minha cabeça levanta. — O que? Ninguém disse nada sobre eu
voltar. – digo para o meu pai. — Por que não posso ficar no meu
apartamento?
— Isso não seria apropriado. – ela responde. Meu pai me dá um
olhar penetrante. Um que diz claramente que não vou incomodar meus
pais com isso.
— Com você terminando a faculdade, espero você de volta em casa.
— Ainda tenho a formatura... – eu tento argumentar, desesperada.
Todos os dias são necessários para descobrir uma maneira de sair dessa
confusão.
— Então espero você em casa em uma semana, mocinha. Não posso
permitir que as pessoas falem.
E aí está. Ela não se importa comigo. Ela só se preocupa com sua
reputação. Agora que terminei meus estudos, morar sozinha na cidade
seria um escândalo para seus amigos religiosos.
Espera-se que eu seja uma noiva virginal. Tarde demais para isso,
mas pelo menos se eles me tiverem sob o teto, eles acham que podem
manter as fofocas em segredo. É engraçado como sabem pouco sobre
mim. Eu não sou de fazer um espetáculo de mim mesma. Já tenho muito
a perder para arriscar.
Com um suspiro, eu aceno. — Semana que vem, então.
Uma hora muito longa depois, estou de volta ao carro, chegando ao
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meu apartamento.
Não tenho certeza do que vou fazer.
Minhas opções são limitadas.
Como sempre, meu pai decidiu. Se eu não fizer o que ele quer, mais
do que apenas eu sofrerei.
Já fiz muitas pessoas sofrerem.
Eu não posso fazer isso de novo.
Com a cabeça baixa e o coração pesado, eu saio do carro.
Normalmente, eu falaria com Julia sobre meus problemas com meu pai,
mas, como isso diz respeito a ela, não posso sobrecarregá-la. Mesmo que
ela não saiba a verdade - que ele está usando o futuro dela para pairar
sobre minha cabeça - se eu contasse a ela, ela ainda me diria para dizer
ao meu pai para ir se foder. Jules não é de receber ordens. Ela segue seu
próprio ritmo. Acho que crescer sem pais, com parentes que não
conhece, te fortalece. Porque ela é forte. Ela é obstinada, o tipo de garota
que toma uma decisão precipitada, independentemente das
consequências.
Não, não posso contar a ela. Isso não é uma opção.
Afasto-me dos meus pensamentos e tiro as chaves do meu
apartamento da minha bolsa.
Coloco-a na fechadura, viro a chave e abro a porta.
O apartamento está escuro como breu.
Eu não tinha deixado a luz acesa?
Os pelinhos do meu pescoço se arrepiam.
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Alguém está aqui.


Eu não estou sozinha.
O pequeno abajur no canto da sala se acende.
Os olhos dele.
Conheço aqueles olhos.
— Olá, Viviana. – Uma voz rouca se arrasta, me enviando um
arrepio pelas costas. — Vamos continuar de onde paramos. Por que não
se senta? Temos muito que discutir.

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— Por que você está no meu apartamento? – Sua voz falha,
revelando o medo que ela está tentando esconder. Ela se mantém alta,
mas não há dúvidas sobre a maneira como ela soa. E se isso não
bastasse, seus olhos continuam voltados para a porta. Ela está nervosa,
mas tenta esconder. Isso me faz querer brincar com ela. Mas também
estou ciente de que ela é filha de um político corrupto, quando não está
desmaiando completamente de choque. Outra mulher teria chorado e
desmaiado há muito tempo.
Inclino-me para frente na cadeira em que estou sentado e coloco a
arma que estou segurando no joelho.
— Aproxime-se. Eu não vou morder.
Ela faz o oposto do que digo e, em vez disso, dá um passo para trás,
avançando em direção à fuga.
Isso não fará nenhum bem a ela. Mesmo que ela consiga entrar no
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corredor, meus homens estarão do lado de fora esperando por ela.


De qualquer forma, o resultado será o mesmo.
— Por que você está aqui? – ela repete. Há uma falsa bravura em
sua voz, e isso faz meus lábios se curvarem em um sorriso. Gosto do
jeito que ela finge que não está apavorada. Acho algo inebriante em uma
mulher forte que não demonstra medo.
Independentemente do que ela retrata, sei a verdade e irei explorá-
la.
Permito que ela dê mais um passo, mas desta vez, balanço a cabeça
enquanto falo.
— Não faria isso se fosse você. – eu levanto minha mão, exibindo a
arma que está em meu colo.
Seus olhos se arregalam.
Ela parece um cervo pego pelos faróis. Não há como confundir o
medo e o choque que cruzam seu rosto.
— Sente-se. – Desta vez não deixo espaço para objeções e, para
meu prazer, ela me obriga.
Lentamente, ela entra na sala e então se senta. Se eu fosse rir, seria
porque ela escolhe a cadeira mais distante de mim na sala para
finalmente se sentar.
Não que isso vá ajudá-la.
Se eu quisesse machucá-la, não importaria a distância entre nós. Eu
encontraria um jeito.
— Viviana Marino... – eu posso cuidar disso. — É um prazer
conhecê-la.
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Como eu suspeitava, o corpo dela enrijece quando a chamo pelo


nome completo.
— Como você sabe quem eu sou?
É aí que decido rir, mas não é uma risada de verdade. É sinistra.
Perfeita para incutir medo nela. — Sei tudo sobre você. Eu sei o seu
nome. – Faço um gesto ao redor. — Eu sei onde você mora, sua bebida
preferida, o que você estudou, como você gosta dos seus malditos ovos
e, o mais importante, sei que você é filha única do governador Marino. –
eu termino, inexpressivo.
— Isso é de conhecimento público. Você usa o Google. – ela
encolhe os ombros, mas está tremendo. Posso ver isso. — Grande coisa.
— Você se formou em Literatura Inglesa. Graduando-se com média
4,0, e sua melhor amiga é Julia Checklov. Devo continuar? Muito bem.
Você já esteve no hospital duas vezes, uma vez por causa de um pulso
quebrado aos quinze anos, e a outra por causa de um incêndio aos dez
anos.
O choque em seu rosto de antes não tem nada a ver com o olhar que
ela está me dando agora. Seus olhos normalmente grandes estão ainda
maiores que o normal. Parece que vão explodir das órbitas. Ela me
lembra de um personagem de desenho animado.
Acho que ela pode desmaiar de tão agitada que está, mas em vez
disso, ela morde o lábio e fecha os olhos por um momento. Quando ela
finalmente os abre novamente, ela parece mais calma, mais forte, com
uma paixão que ferve sob sua superfície. É intrigante, como um presente
perfeitamente embrulhado que será ainda mais agradável de rasgar.
— Isso é sobre meu pai. – ela afirma.
— Garota esperta. – eu sorrio. — Aposto que você não herdou isso
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do seu pai.
— Bem, então você está perdendo seu tempo. Não sei nada sobre o
trabalho dele e, verdade seja dita, ele provavelmente não lhe daria nada
por mim.
— Você pensa tão pouco da sua importância?
— Eu não tenho importância. – ela levanta o queixo e posso dizer
que acredita no que diz. Infelizmente, ela não é uma narradora confiável
em sua própria história.
— Você não quer saber por que estou aqui? – eu não posso deixar
de sorrir. Porra, ela é linda. E porra, será divertido brincar com ela.
— Honestamente, não.
A resposta dela me faz rir, apesar de normalmente não rir. Há algo
sobre ela. — Resposta interessante. Mas independentemente do que
você queira, eu vou te contar.
Ela não fala. Em vez disso, começa a morder o lábio novamente.
Esta deve ser a palavra dela. Ela está nervosa. Guardo essas informações
em minha mente.
— Seu pai quer que você se case com Salvatore Amante.
Ela para de morder enquanto sua boca se abre.
— Como...
Levanto minha mão para silenciá-la. — Como posso saber disso?
Como eu disse antes, eu sei tudo.
É claro que a choquei novamente, mas ela logo aprenderá que não é
sempre que alguma coisa passa despercebida. Meu primo é a exceção.
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Mesmo de onde estou sentado do outro lado da sala, ainda posso ver
como o queixo dela treme. — O... o que quer de mim? – ela gagueja.
— Você não vai se casar com ele. – digo categoricamente. E quero
dizer isso. Ela não vai.
Ela estreita os olhos e depois balança a cabeça. — Eu não acho que
você entende. Meu pai...
— É aquele que não tem importância nesta história. Entendo mais
do que você jamais imaginará, Viviana.
— Eu não tenho escolha. – ela sussurra mais para si mesma do que
para mim, mas eu ainda respondo.
— Sim, você tem. – Minha voz é forte e não deixa espaço para
objeções. Em vez disso, ela me observa, tentando entender por que estou
aqui conversando com ela.
— Por que você se importa?
Esta é a parte em que posso sorrir. Bem, mais como um sorriso
malicioso. Esta é a parte em que conto a ela o futuro que ela ainda não
descobriu. O papel dela neste jogo de xadrez entre meu primo e eu. —
Eu me importo porque você vai se casar comigo.
Espero que ela faça alguma loucura e me chame de louco ou grite
comigo, mas em vez disso, ela estreita os olhos e me dá um olhar que
não consigo entender.
— Porque eu faria isso?
— Acho que você entendeu mal. Não estou lhe dando escolha.
Estou dizendo a você. Você vai casar comigo.
— E quem é você?
Minha boca se abre em um grande sorriso. — Estou feliz que você
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perguntou… meu nome é Matteo Amante.


Sinal de choque.
Sinal de medo.
— Você é Ma... Matteo Amante? – ela gagueja.
— Vejo que meu nome me precede.
Claro que sim. Todo mundo sabe quem sou. Não só sou considerado
um dos solteiros mais cobiçados de Nova York, mas se você andar em
meus círculos, também sou o mais mortal.
Visto que ela é filha do governador de Nova Jersey, não estou
chocado que ela saiba.
— Eu não posso me casar com você.
— Você pode, e você irá. Sua escolha é meu primo ou eu. Posso
dizer que sou a melhor escolha.
— Não vou me casar com ninguém.
— Nós dois sabemos que você está sem opções. Nós dois sabemos
que seu pai vem pagando sua dívida há anos e atormentando você.
Seus olhos se arregalam. — Como você...
— Sabe? Mais uma vez, eu sei tudo. Sei tudo sobre o acidente.
Se ela quer falar, ela não consegue encontrar as palavras. Em vez
disso, ela me lembra de um peixe se debatendo enquanto sua boca abre e
fecha.
— Sei o que aconteceu. Sei que seu pai atormenta você e conheço a
culpa.
É um blefe. Eu não sei nada ainda.
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Conheço detalhes vagos, mas não exatamente o que aconteceu.


— Como você poderia saber disso? – ela sussurra. — Ninguém
sabe.
— Eu não sou todo mundo.
— Você também não é meu futuro marido.
— É aí que você está errada, Princesa.
A sala fica em silêncio ao nosso redor. Ela está tentando me
entender. Entender meu motivo. Quase posso ouvir as engrenagens
girando em sua cabeça.
— O que você fará com esse conhecimento? Se meu pai descobrir...
— Você me deixa me preocupar com seu pai.
— E Julia, o irmão dela. E sobre... ? – ela para.
— Cuidarei de tudo. Tudo o que seu pai cuida ficarei responsável.
— Por quê?
— Não tenha nenhuma noção preconcebida de que estou fazendo
isso por você. Eu não sou um cara legal. Eu não sou o herói. Preciso de
algo e você é a chave para conseguir isso.
— E se eu recusar?
— Você não vai. – eu a observo por um momento. Gosto do ataque
dela. Gosto que ela pense que pode me recusar, que pense que tem
escolha.
— Você está confiante.
— Eu estou. Além disso, você não quer lidar com meu primo, que é
sádico. Meu acordo irá protegê-la. Dele e do seu pai.
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— E você não é?
— Eu sou, mas um tipo diferente dele. Eu cuidarei do seu pai. Este
será um casamento apenas no papel. Você não terá que se preocupar
comigo. Você terá sua vida e eu terei a minha...
Minhas palavras são claras. Este é um meio para um fim e nada
mais.
Ela volta a morder o lábio. Quero pegar com a minha mão e agarrá-
lo. Isso é uma distração pra caralho.
— O que você quer dele?
— O controle. Vingança. Seu pai pensou que poderia ir para a cama
com meu inimigo. Ele aprenderá muito rápido que não há como ir contra
mim. Meu primo também aprenderá. Se você é a moeda de troca dele,
vou tirar isso dele.
— Eu sou o peão.
— Sim.
— Pelo menos você é honesto.
— Isso é uma coisa que você aprenderá sobre mim. Eu não minto.
— Então... você quer se casar comigo?
— Não, Viviana. Eu não quero. Mas este é o caminho que estou
tomando. Não tenha falsas ilusões. Nunca vou te amar. Nunca vou
gostar de você. Mas se você fizer isso, se me ajudar, eu cuidarei de você.
Ela fica quieta novamente.
Viviana Marino fica linda quando está pensativa. Seus grandes
olhos castanhos profundamente pensativos.
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— Quando?
— O mais rápido possível. – respondo.
Estou surpreso com a rapidez com que ela toma uma decisão. Eu
esperava ter que ameaçá-la ou atormentá-la com seu segredo. Mas em
vez disso, ela endireita as costas e se levanta.
— OK.
Está feito.

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Não é preciso ser um cientista espacial para saber que estou ferrada.
Duas propostas em uma noite...
Nenhuma delas é bem-vinda.
Minhas chances de escapar ilesa são mínimas neste momento.
Opção número um: seguir os desejos do meu pai. Mais uma vez.
Opção número dois: ir para a cama com o inimigo... Literalmente e
figurativamente.
Meu coração começa a acelerar. Ele disse que seria apenas no papel.
Mas o que isso realmente significa? Eu realmente não sei.
O ditado “melhor o diabo que você conhece” ecoa na minha cabeça,
mas por mais que seja o caso na maioria das circunstâncias, na minha é
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o oposto.
Qualquer coisa é melhor do que fazer o que meu pai deseja.
O homem me odeia.
Durante toda a minha vida, ele fez de tudo para me machucar.
Por que isso seria diferente?
Posso não conhecer Matteo, mas conheço meu pai.
Se eu me permitir ser sua vítima novamente, ele nunca tirará suas
garras de mim. Se eu me casar com Salvatore como ele exige, nunca
sairei de seu controle.
Mas a opção de dizer não a Matteo também está fora do meu
alcance.
Isso é realmente verdade? Sempre há outro caminho.
Eu sou uma bola de pingue-pongue.
Movendo de um lado para o outro.
Melhor ainda, minha vida é uma partida de tênis...
Eventualmente, alguém entenderia, mas não importa quem seja, sou
eu quem será atingida pela raquete.
Se eu tivesse escolha, eu escaparia.
Pensar nas minhas opções não é algo que eu queira fazer porque
parece que estou presa em areia movediça tentando me libertar, mas não
consigo.
Não, isso é diferente porque posso escolher. Independentemente do
que Matteo ou meu pai insistam, a bola está do meu lado.
Posso sorrir e fingir que estou me apaziguando com esse homem,
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não brigando com ele, e então fazer o contrário.


Ou posso dizer sim e ser sincera.
Fico olhando para ele por um minuto, percebendo que Matteo pode
muito bem ser a primeira pessoa a me oferecer uma chance de sair do
controle de meu pai. Uma parte de mim se pergunta se tudo isso é uma
atuação e se ele realmente vai me ajudar. Normalmente eu pensaria que
não, mas algo em seu olhar diz o contrário. Por mais estranho que
pareça, sinto que posso confiar nele.
Agora que meus olhos se adaptaram à luz, posso ver que eles não
são tão escuros quanto eu imaginava.
Não.
Eles são o oposto. Embora eu não saiba dizer de que cor eles são,
existe uma diferença marcante entre a cor de suas pupilas e de suas íris.
Claros.
Seus olhos são claros.
Mas que cor?
Dou um passo em direção à parede, apertando o interruptor para
iluminar o espaço entre nós.
Não estou preparada para o homem sentado diante de mim. Ele está
recostado na cadeira.
Confortável. É como se eu o tivesse convidado para uma bebida.
Como se estivéssemos em um encontro e perguntei se ele queria vir
tomar uma bebida antes de dormir.
Sua presença é intimidante. Mas são seus traços faciais que me
fazem parar de respirar.
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Quando o vi brevemente no clube, ele era lindo, mas agora sob a


luz, percebo que essa palavra não lhe faz justiça.
Ele é devastador.
Os olhos dele são verdes. Surpreendentemente. Como a grama fica
depois de uma chuva no primeiro dia de sol. Exuberante e plena.
Concisa.
Perigosa.
Eles fazem você querer se perder neles.
Não é um bom cenário para se estar.
Nunca.
Continuo a observá-lo. Consumindo-o. Estudando. Minuciosa.
Arquivando coisas na memória.
Seu cabelo é escuro, quase preto, mas é seu queixo pontiagudo com
a camada de pelos no rosto que o torna extraordinário.
Mortal. Não apenas fisicamente, mas emocionalmente.
Este homem iria mastigar você e cuspir se você permitisse.
Ele tem mais que uma barba por fazer, mas menos que uma barba. É
o tipo de barba que parece sexy quando você beija.
Merda. Não pense em beijá-lo.
Ele tem lábios carnudos. Droga, eles são beijáveis. Uma boca que
adoraria a mulher abaixo deles.
Não posso me casar com esse homem. Não posso.
Se ele quisesse, faria coisas impensáveis comigo, e provavelmente
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eu deixaria.
Não é uma boa combinação nesta situação.
Pode parecer um retrocesso, mas desejá-lo tornará isso mais
desafiador.
Não tenho a falsa ilusão de que não importa o que ele diga sobre ter
vidas separadas, terei que estar com ele. Em algum momento, os
negócios de sua família ditarão a necessidade de ele ter um herdeiro para
dar continuidade ao seu legado. Não seria uma tarefa árdua, mas...
Balanço minha cabeça e levanto meu olhar para encontrar seu olhar.
Posso me casar com esse estranho. Posso usá-lo para promover meu
objetivo.
Fazer meu pai pagar por tudo que ele fez comigo ao longo dos anos.
Ainda serei o peão na guerra deles. Mas o que ambos não sabem é
que não tenho mais intenção de ser isso.
— Tenho condições. – Ando mais para dentro da sala até ficar ao
lado da outra cadeira.
— Ah, claro que tem, Princesa. – ele parece estar se divertindo
muito, como se estivesse conversando com uma criança. Não parece
engraçado, mas à luz do que estamos falando, ele não está me levando a
sério. Estou dividida entre me irritar e fazer o que posso para proteger
minha vida.
Ele é tão insensível que não vê como tudo isso me machuca, e se o
faz, então ele é um monstro tão grande quanto meu pai e simplesmente
não se importa.
O pensamento deixa minha pele arrepiada. Estou abandonando uma
gaiola e rastejando de bom grado para outra.
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Uma que muito bem poderia ser mais mortal.


— Quero um contrato. – eu deixo escapar. Se eu tiver isso, posso
fazê-lo honrá-lo. Provavelmente não se sustentaria em um tribunal, mas
me daria uma sensação de segurança.
— Você não conseguirá tal coisa. – ele agora parece entediado
comigo. Como se meu pedido fosse tão insignificante que ele nem
sequer aceitaria a ideia.
Mantenho minha posição com as mãos nos quadris.
Falsa bravura.
Por dentro, estou tremendo, mas perco a sensação de que sou dura
como prego por fora.
— Você nem sabe o que o contrato conterá. – respondo, estreitando
os olhos.
— Isso não importa para mim, Viviana. Não vou colocar nada por
escrito.
Sua mensagem chega alta e clara.
Meus sonhos de que isso fosse fácil, colidem e queimam no chão.
— Ainda tenho coisas que quero de você. – respondo. As chances
de ele me dar o que quero são pequenas, mas ainda vou tentar. Ao
escutar as muitas reuniões secretas do meu pai ao longo dos anos, ele me
ensinou como me tornar uma negociadora mestre.
Ana costumava dizer: "Não se pode ganhar um jogo do lado de
fora." – E ela tinha razão. Embora, quando ela disse isso, tivesse mais a
ver com tentar coisas novas e não com negociar com um chefe da máfia,
mas com semântica.
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Ele se inclina para frente, inclina a cabeça e então me dá o que só


pode ser descrito como um sorriso malicioso que mudará minha vida.
Não só porque ele é lindo, mas também porque me lembra de todos os
malditos contos de fadas que já li, onde o personagem principal faz um
pacto com o diabo.
— E estou disposto a ouvir seus pedidos.
— Ouvir é muito bom e magnífico, mas como posso confiar em
você para cumpri-los? – eu contra-ataco.
O sorriso desaparece e é substituído por seriedade. — Sou um
homem de palavra. Nunca mentirei e sempre serei direto. Se eu te der
minha palavra, minha palavra é Deus. – Sua voz está cheia de convicção
e, embora saiba que não devo confiar nele, confio que ele honrará isso.
— É um casamento apenas no papel. – digo.
— De acordo.
— Depois de você conseguir o que deseja, você me permitirá me
divorciar de você.
— Isso é um não.
— Mas...
— Não há mas. Não há objeções. Assim que nos casarmos, você
será minha esposa.
Minha boca abre e fecha como um peixe fora d'água, respirando
fundo. Não há como entrar neste pacto sem um plano de fuga. — Mas
então como pode ser apenas no papel...
— Eu não vou te amar.
— Mas então...?
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— Espero que você seja fiel. Espero que você eventualmente tenha
meus filhos, mas nunca amarei você.
— E você? Você será fiel?
Ele me encara com um olhar que deixa óbvio que ele me acha uma
idiota. Claro que ele não será. Conheço homens como ele. Homens
como meu pai. Eles são todos farinha do mesmo saco.
Meus dentes rangem. Há muitas palavras não tão agradáveis que
pesam na minha língua. Em vez de gritar, respiro longo e fundo e depois
solto o ar pela boca. Faz pouco para me acalmar. Recuso-me a casar com
um porco traidor. — Não. – Minha cabeça balança de um lado para o
outro. — Não vou me casar com você e ser fiel a menos que você
concorde ser também. Isso não seria justo.
— A vida não é justa.
— Você não pode esperar que eu seja uma coisa e então não seguir
as mesmas regras...
— Mais uma vez, acho que não entendeu o que está acontecendo
aqui. Não existe uma democracia. Você não tem direito a opinar. Você
vai casar comigo. Independentemente da sua crença de que você tem
uma palavra a dizer sobre isso, você não tem.
— Não. – digo novamente, e agora minha voz está mais aguda. Mas
ele não parece nem um pouco influenciado. Em vez disso, parece que ele
está se divertindo às minhas custas. — Você é um babaca.
— Se eu fosse um babaca, deixaria você com meu primo. Você sabe
a diferença entre meu primo e eu? – Fico quieta, não querendo ouvir o
que ele tem a dizer. — A diferença é... Não vou tocar em você a menos
que você peça. Eu vou cuidar de você. Quando nos casarmos, se você
me fizer feliz, eu também a farei feliz. Mas ele... digamos apenas que ele
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vai usar e abusar de você, e depois que conseguir tudo o que quer de seu
pai, ele vai ficar cansado de você. – ele faz uma pausa por um momento.
— Você provavelmente acabará morta ou pior.
Ele não diz mais nada.
— Eu lhe dei tempo para tentar tomar a decisão certa, mas como
você obviamente não pode e não quer vir de boa vontade, estou
decidindo isso por você. – ele fica de pé. — Vamos.
— O que? Vamos?
— Sim. Temos que preparar as coisas.
— Preparar o que? – Pareço uma idiota. Eu sei disso, mas não
consigo entender o que está acontecendo.
— Nós vamos nos casar.
Meus olhos se arregalam. — Agora? Tipo, esta noite?
Parece que minha cabeça está girando, como se eu estivesse em um
carrossel e tivesse acabado de sair. O mundo está fora de foco. Ele está
falando, mas não consigo entender suas palavras por causa do zumbido
em meus ouvidos. Balanço a cabeça, afastando a confusão.
— Não, Viviana. Não vamos nos casar hoje. – Sua voz é baixa e
condescendente. Quero tirar meu salto pontiagudo e jogá-lo nele, mas
alguma coisa, e não apenas a arma ainda apontada para mim, me faz
pensar que é uma má ideia.
— Quando nos casaremos? – Minha voz falha.
— Vamos nos casar ainda esta semana.
A respiração que eu não sabia que estava prendendo escapa dos
meus lábios em um suspiro audível.
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— Ah. OK... bom, e aqui estou eu pensando que era secretamente


um padre ordenado, e que estaríamos casados até o final do dia. –
murmuro baixinho, mas ainda alto o suficiente para ele me ouvir.
Espero que ele faça uma piada sarcástica, mas em vez disso, ele
balança a cabeça, olhando para mim com expectativa.
— Agora que resolvemos isso. Temos que ir embora, Princesa.
Isso me deixou muito confusa. Ele apenas disse que tenho alguns
dias. Dou um passo para trás, me distanciando dele.
— Por que eu iria a algum lugar com você? – pergunto.
— Primeiro, sou seu futuro marido. Segundo, eu não duvidaria que
seu pai forçasse seu casamento só para me irritar.
— Mas, por quê? Eu realmente não entendo por que todo mundo
quer tanto se casar comigo. Nada disso faz sentido.
Ele dá um passo em minha direção.
Duas peças em um tabuleiro de xadrez.
Sua altura me faz sentir pequena em comparação. Ele deve ter
1,88m ou talvez até 1,91m. Sou baixa, abaixo da média, medindo 1,58m,
mas comparada a ele, sou minúscula.
— Você é a chave para o Salvatore conseguir o que deseja.
— E o que exatamente é isso?
— Acesso ao porto.
Minha sobrancelha se levanta e coloco a mão no quadril, sem
realmente entender ou acreditar que todo o meu futuro tem a ver com
atracar o barco dele. Parece um motivo idiota para casar com alguém.
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— Sério?
— Sim. – A resposta de uma palavra de Matteo me faz cravar as
unhas na parte carnuda da palma da mão. É da minha vida que estamos
falando. Eu mereço mais do que isso.
— O que você está me dizendo é que, segundo meu pai e seu primo,
estou sendo negociada para atracar um barco? Meus dentes rangem.
Um grande suspiro sai de sua boca, e posso dizer que já terminou
esta conversa. Ele parece entediado comigo. O sentimento é mútuo. Eu
quero que ele vá embora também.
— Não se trata de um barco.
— Então o que mais pode ser? Por que mais você precisa de acesso
ao porto? Por que outro motivo meu pai está tentando me penhorar para
ter acesso ao porto?
— Drogas.
Sua resposta direta é chocante. A maioria iria pisar em ovos em
torno dessas coisas, mas, novamente, Matteo Amante não é como a
maioria dos homens.
A sala está em silêncio. Você poderia ouvir o som de um alfinete
caindo se eu estivesse inclinada a deixá-lo cair.
O único ruído que penetra no espaço entre nós vem do outro lado da
janela, onde uma buzina ocasional pode ser ouvida. Desta vez, estou
irritada. Dou um passo à frente, me aproximando dele. Eu fico ereta,
endireitando minha coluna.
— Sério, você basicamente me disse que meu único valor para você
é poder importar drogas?
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Ele encolhe os ombros com o meu ataque. Pareço um mosquito que


ele está espantando. — Bem, é melhor que a outra alternativa.
— É questionável. – murmuro baixinho.
Ele ri. Mas não é uma risada de diversão. É uma risada que faz meu
estômago apertar.
Má e sinistra.
Sua mão se estende e coloca a mecha de cabelo atrás das minhas
orelhas. — Você é tão inocente, querida Viviana. Como uma princesa
trancada em uma torre, que nunca viu o mundo real como ele é.
— Dificilmente. Você não me conhece. Você pode pensar que sim,
mas não sabe nada do que vi.
— Não muito se você acha que isso é o pior que pode ser. Deixe-me
te contar algo... Princesa. – ele sorri enquanto testa o apelido na língua.
— Muitas coisas são muito piores que as drogas.
Ele espera que eu pergunte, mas sinto que o inevitável está prestes a
acontecer e não consigo dizer mais nada.
Há uma pausa significativa. Temo que mude tudo quando terminar.
— Salvatore pode vender drogas, mas não é por isso que está
desesperado por acesso. Ele quer o porto para poder trazer mulheres.
Parece que meu coração está prestes a explodir. — Mulheres como
em...?
— Sim. Meu primo trafica mulheres. Ou pelo menos esse é o plano,
uma vez que ele consiga convencer seu pai da aliança.
Lutar ou fugir é reação instintiva. A necessidade de sair correndo do
meu apartamento e buscar segurança inunda meu sistema, mas não
consigo. Não há lugar seguro na minha vida. Não tenho para onde ir. Em
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nenhum lugar meu pai não me encontrará, então, em vez disso,


permaneço onde estou. Esta é a melhor opção. Posso fechar os olhos
para as drogas, as pessoas escolhem se querem comprá-las, mas
mulheres, isso não é algo que eu possa superar.
Que tipo de monstro poderia? Espere...
— Você está dizendo que meu pai sabe disso? Isso não pode ser
possível.
— Não só é possível, mas é exatamente o que está acontecendo.
Meu primo fez alianças com algumas pessoas muito poderosas. Seu pai
espera aproveitar as conexões com Salvatore para conseguir uma
passagem para ele na Casa Branca. Mas seu pai não é um homem
estúpido. Ele sabe que meu primo vai traí-lo na primeira chance que
tiver... É aí que você entra.
— E como exatamente me casar o ajuda?
— Então você se torna família. Ele ajuda seu pai a fazer as
conexões que precisa e, em troca, seu pai ajudará meu primo. Ter você
como esposa do Salvatore o ajudará a atingir o objetivo.
— Não posso acreditar que meu pai permitiria conscientemente que
isso acontecesse com as mulheres.
— Então você não conhece muito bem seu pai, felizmente para
você. Os homens farão muitas coisas feias para manter o poder. Eu te
asseguro.
Suas palavras não falam mais sobre seu primo. Ele está falando
sobre nosso casamento. Eu também sou uma peça de poder para ele.
— Agora vamos.
Ele começa a caminhar em direção à porta.
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— Não estou pronta. – digo atrás dele. Ele olha por cima do ombro,
com seus olhos verdes penetrantes.
— Faça uma mala. Exatamente o que você precisa para esta noite.
Mandarei meu pessoal vir amanhã e pegar o resto.
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ele se vira, tirando o
celular do bolso para fazer uma ligação.
Vou para o meu quarto pegar um pijama e uma muda de roupa para
amanhã. Jeans e um suéter. Casual. Em seguida, vou para o banheiro e
pego o necessário para uma noite. Quando está tudo na minha mala saio
do quarto e o encontro onde o deixei.
Ainda no hall de entrada ao celular.
Ele deve me ouvir me aproximar porque desliga e se vira para mim.
Ele parece arrogante e forte enquanto olha para mim. Acima de tudo,
perigoso. Como se com um estalar de dedos ele pudesse me fazer
desaparecer. Ele provavelmente poderia. Eu deveria estar com medo,
petrificada, mas estou em choque demais para registrar o que está
acontecendo.
— Preparada? – ele pergunta.
— Essa não é a palavra que eu diria.
Ele ri. — Gosto do seu revidamento.
— Últimas palavras de alguém.
— Não se preocupe, Viviana, como minha esposa, você terá uma
vida longa e saudável, queira ou não.
Foi quando finalmente me dei conta. Atingindo meu instinto. Todo
o ar sai dos meus pulmões com a presença dele e o que isso significa
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para o futuro. O futuro... eu vou ter um?


Não há tempo para pensar nisso. Em vez disso, preciso afiar minhas
garras e superar isso, não importa o custo.
Entrarei no carro com um homem que certamente pode me matar.
E pior, vou me casar com ele.
Isto é mau. Muito, muito mal.
Mas ele está certo. Meu pai não se deteria diante de nada para
chegar à Casa Branca, e se isso significar se associar com homens
menos respeitáveis, que assim seja.
A ideia de que eu deveria me casar com um homem que machucaria
mulheres faz meu estômago revirar.
Um pensamento surge na minha cabeça...
— Você não faz o que seu primo faz? – eu deixo escapar. Porque
nunca na conversa anterior em meu apartamento me ocorreu perguntar.
— Você não trafica mulheres?
Ele não responde imediatamente.
Em vez disso, vejo-o virar a cabeça para mim. Ele está muito perto
na parte de trás do Escalade. E quando seu olhar pensativo encontra o
meu, parece que há um vácuo no carro que suga todo o oxigênio dele.
— Não me faça perguntas tão bobas, Princesa.
— Bem, se você não me contar, em que mais eu devo acreditar? –
eu respondo.
— Viviana. – A maneira como ele diz meu nome faz os pelos do
meu braço se arrepiarem. É letal. Sei que fui longe demais e tenho medo
das consequências. — Você não deve me questionar. – ele não diz mais
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nada.
Ele também não tenta amenizar o clima. É opressivo.
Mal consigo respirar.
A cada respiração, é como se meu peito tivesse uma faixa ao redor.
Aperta até o ponto em que não consigo respirar.
— Posso abrir a janela?
— Não.
A resposta de uma palavra ecoa pelo carro. Ele gosta muito de
respostas de uma só palavra, eu percebo.
Embora não consiga abri-la, viro-me para olhar a noite da cidade.
As ruas estão movimentadas. Mas, novamente, é Manhattan.
Mesmo às dez, as pessoas caminham. Os bares estão abertos. Os
clubes são frequentados. Observo enquanto o mar de luzes vermelhas e
amarelas passa e me perco na vista. Uma fuga que só a cidade pode
proporcionar.
É por isso que escolhi fazer faculdade na NYU.
Meu pai nunca me deixou ir longe, mas lutei para vir aqui.
É outro mundo.
E agora percebo que meus últimos anos podem ter sido a única
liberdade que conhecerei.
A cidade passa voando e me pergunto para onde estamos indo. Fico
surpresa quando o motorista dele para no que parece ser um armazém
abandonado.
Espero enquanto Matteo sai do carro quando entramos na garagem
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e, quando ele sai, eu o sigo.


O prédio não é o que eu esperava. Existem carros, mas não é uma
garagem típica. Esta parece uma garagem que você vê em um filme
sobre ladrões de carros.
Deve haver mercadorias no valor de mais de dez milhões de dólares
aqui.
No que eu me meti?
De repente, a porta da garagem se abre e três homens saem. Cada
um alto, moreno e bonito, como se tivesse saído da capa de uma revista,
mas esta revista é para criminosos, com olhos escuros e sorrisos
malignos em seus rostos desleixados.
Esses homens não são o tipo de homem que você gostaria de
encontrar enquanto caminha por uma rua abandonada.
Eles parecem letais.
Novamente, esses homens aparecem em filmes de ação e
desempenham o papel de vilão.
Quando eles começam a se aproximar de mim, não fico surpresa.
Assustada, mas não chocada.
Eles não dizem uma palavra, mas um deles pega minha mala e,
enquanto um vasculha-a, outro se move para me revistar.
Por mais que eu queira me opor, sei que não posso.
Estou acostumada a ser revistada. Estou acostumada com minhas
coisas sendo revistadas. É a natureza da minha família, então sei o que
eles têm que fazer. Em vez de me opor, abro os braços e estico as
pernas.
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Poderia muito bem tornar isso mais fácil para eles.


Não demora muito. Eles obviamente não encontram nada.
Um dos caras acena com a cabeça e então Matteo começa a andar.
Ele não espera por mim, mas eu o sigo de qualquer maneira.
Como um cachorrinho perdido tentando encontrar o caminho.
Nenhum de nós fala uma palavra e sinto como se o silêncio fosse
opressivo.
Ou talvez sejam meus nervos que estão.
De qualquer forma, me sinto como uma atleta com asma que correu
uma maratona e percebeu que esqueceu o inalador ao chegar à linha de
chegada.
Minha única esperança é que ele não perceba o quanto estou
desequilibrada.
Se o fizer, pelo menos terá a decência de não dizer nada enquanto
para e abre a porta para mim, permitindo-me passar primeiro.
Fico surpresa quando entro.
Este armazém é uma casa totalmente mobiliada e funcional.
— Vou te mostrar seu quarto. – ele não espera que eu responda
antes de começar a andar na direção de um corredor. Observo enquanto
ele caminha na minha frente, confiante e com um propósito. Este
homem está sempre no comando total de todas as situações, mesmo de
algo tão simples como andar pelo corredor. Eu me pergunto se ele
conseguirá relaxar. Sorrir.
O sorriso malicioso da noite do clube surge na minha cabeça.
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Minhas bochechas começam a esquentar quando a lembrança daquela


noite, do jeito que ele olhou para mim, ataca meus sentidos.
Não. Aquilo foi uma fantasia; isso é realidade. Não me lembro
daquele sorriso.
Desligo todos os pensamentos que correm soltos na minha cabeça e
sigo Matteo até ele parar na frente de um elevador.
Ele aperta o botão e ele abre.
Não tenho certeza de quantos andares esse prédio tem. Pela
aparência de fora, eu diria cinco.
Então chegamos ao sexto andar, e é maior do que eu pensava.
Ele me leva por outro corredor, abrindo a porta.
O quarto é grande. É muito maior que o meu quarto no meu
apartamento. É quase do mesmo tamanho do meu quarto na mansão do
governador. Mas onde aquele quarto é ornamentado e exagerado, este
quarto é simples.
Moderno.
Estéril.
Quase como uma cela cara para os ricos e famosos. Linhas brancas,
travesseiros brancos e paredes muito brancas e áridas. Nunca vi uma sala
tão vazia de cor. Se eu não soubesse, pensaria que ele projetou este lugar
para realizar cirurgias. No entanto, o algodão egípcio de 800 fios
discorda.
— Você será instruída amanhã com os planos.
Ele então sai e fecha a porta atrás de si.
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Espero que ele feche. Minha mente faz referência a todos os contos
de fadas, mas então percebo que não há necessidade quando nada
acontece.
Ele não precisa trancar as portas. Ele não precisa me proibir de sair.
Não tenho para onde ir e, mesmo que tivesse, não estaria segura.
Não sei se algum dia estarei segura.
Respirando fundo, tranco a porta e vou mais para dentro do quarto.
Percebi que no lado direito há outra porta, então a abro para
encontrar o banheiro. Está totalmente abastecido e me pergunto se está
abastecido para mim?
Pego uma escova e um pouco de pasta de dente e escovo os dentes
e, quando termino, lavo o rosto.
Quando volto para o quarto, finalmente percebo que quem pegou
minha mala antes já deve ter procurado por escutas, porque agora ela
está em cima da cadeira no canto.
O sangue em minhas veias gela.
A mensagem é clara... uma fechadura não me manterá segura. Não
querendo pensar nisso, tiro rapidamente a roupa e coloco o pijama.
Mal consigo manter os olhos abertos depois do dia que tive. Estou
tão cansada que vou me sentar na cama. Mas por mais que eu queira
adormecer, não sei se vou conseguir.
Um loop interminável passa em meu cérebro.
O que o amanhã trará?
A questão mais difícil e deprimente é: o que meu futuro trará?
Agora, deitada na minha cama macia, em grandes travesseiros
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macios, sei que deveria estar dormindo. Precisarei de todas as minhas


forças para amanhã, mas em vez disso, um pensamento surge na minha
cabeça...
O que meu pai fará quando descobrir que eu o traí?
O que o casamento com Matteo implicará?
Eu fiz a escolha certa?
Eu realmente tinha alguma escolha?
Eu me viro sem parar, com ambos os pensamentos em guerra um
com o outro.
A questão é: qual inimigo é mais assustador?
Algo me diz que é meu futuro marido.

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Acordo cedo na manhã seguinte. O prédio está silencioso e o andar
onde moro está completamente vazio. Duvido que Viviana ainda esteja
acordada.
Assim que descer, encontrarei uma equipe de meus homens que
ainda não dormiu.
Com a escalada da guerra com meu primo, passamos mais tempo do
que gostaria no armazém.
Uma equipe completa está sempre em guarda.
Sei que ele não sabe sobre esse local, então não é como se ele fosse
lançar um ataque, mas ainda assim, gosto de estar preparado.
Não me preocupo em esperar o elevador hoje. Sem Viviana, não
vale a pena pegar. Em vez disso, vou para as escadas, imaginando que
será mais rápido.
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Quando chego ao andar de baixo, encontro cinco homens na sala


principal. Dois dos quais estão sentados em frente a vários monitores de
computador, controlando o sistema de segurança.
Os outros dois estão sentados em volta de uma mesa e Lorenzo
senta-se sozinho na outra. Pode parecer que eles não estão trabalhando,
mas estão. Suas armas estão sempre em punho, prontos para a luta.
Cada homem reclina-se em sua cadeira, com o café à sua frente, e
ao lado de cada uma de suas canecas há um walkie-talkie para quando
fizerem uma verificação de perímetro.
— Ei, chefe. – diz Lorenzo, enquanto me sento à mesa.
Ainda é cedo e ainda não tomei meu café, então pego a cafeteira e
me sirvo de um pouco. — Em que ponto estamos hoje? – pergunto a
sala. — Alguma coisa sobre a garota? O pai dela sabe que desapareceu?
— Ninguém foi ao apartamento dela. – Luka responde de onde está
sentado em frente a um computador.
— Muito bom. Esperemos que tudo isso tenha ficado para trás antes
mesmo que eles percebam.
— Chefe?
Olho para Lorenzo. Sua testa está franzida. É óbvio, pela maneira
como ele olha rapidamente para sua caneca e depois para mim, que ele
não quer dizer o que está prestes a dizer. Movo minha cadeira até que ela
fique ao lado da dele. Dessa forma, tudo o que ele precisar dizer poderá
ser dito entre nós.
— Desembucha, Lorenzo.
— Eu entendo por que você trouxe a garota... mas por que casar
com ela?
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— É a melhor jogada. Politicamente, Marino não pode correr o risco


de brigar com a filha. Ele se curvará a todos os meus caprichos.
— Mas casar com ela?
Sorrio para ele. A resposta deveria ser clara sobre meu verdadeiro
motivo, mas ainda assim explico isso para ele. — Ela deveria se casar
com meu primo...
— Então, tudo isso é um grande foda-se para ele.
— Sim. – respondo, e acho que esse é o fim da discussão, mas ele
solta um suspiro.
— Matteo.
Balanço minha cabeça. Ele deveria simplesmente parar, mas vou
permitir isso a ele. Ele é da família e meu confidente de confiança. Eu
preferiria ter essa conversa em um local mais privado, mas a voz dele é
baixa, então tenho certeza de que ninguém mais pode ouvir. — Você
está se amarrando a alguém.
— Eu poderia fazer pior.
Ele balança a cabeça, provavelmente percebendo que não tem mais
nada que possa me convencer do contrário. Ele então sorri para mim. —
Bem, ela é gostosa pra caralho, então é isso.
Eu o encaro. — É da minha esposa que você está falando.
— Futura. – O sorriso estúpido em seu rosto se abre ainda mais.
Qualquer outra pessoa e minha arma seriam sacadas, mas com Lorenzo,
me permito abrir um sorriso. Quando somos só nós, posso baixar a
guarda, mesmo que seja apenas por um momento, antes de voltar ao
modo chefe.
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— Roberto! – grito do outro lado da sala. Ele se vira para olhar para
mim. Roberto resolverá tudo, então ele é exatamente quem preciso para
tomar conta disso. — Ok, me diga o que precisamos fazer para a bola
rolar. Mal posso esperar para ver a expressão no rosto do idiota quando
ele perceber que tirei sua única moeda de troca.
— Um dia.
— Então preciso que você envie alguém para prepará-la. Amanhã
vou me casar com ela. Faça isso, Giana.
Giana é minha prima. Ela é filha da irmã do meu pai.
Com isso resolvido, levanto-me da mesa e saio da sala. Preciso
malhar antes de começar meu dia. Isso mantém minha cabeça no lugar e
me ajuda a resolver minhas frustrações. Ser eu não é fácil e esta é minha
única saída.
Um carregamento de drogas chegará no final desta semana e preciso
ter certeza de que tudo está preparado. Não posso permitir que um dos
meus caminhões seja interceptado novamente.
Há muita pressão em mim por causa do meu primo. Antes de ele
entrar em guerra comigo, tentando roubar meu negócio, não precisava
me preocupar com os portos. Nem precisei me preocupar com a
possibilidade de perder uma remessa. Agora tudo que faço é lidar com
os restos de seus ataques. Não quero ficar na defesa. Preciso atacar
primeiro e atacar forte no ataque.
Espero que, ao me casar com ela, eu o mantenha distraído enquanto
ele tenta encontrar outra pessoa.
Em vez de ir para o meu quarto, vou para a academia de última
geração que tenho neste andar.
Luka já está lá, esperando para treinar comigo.
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Tiro a camisa e coloco minhas próprias luvas. Quando estou pronto


para lutar, vou até o centro da sala para encontrá-lo.
Jogar todo o meu peso e frustrações nos próximos trinta minutos me
dá um bom treino.
Quando me sinto pronto para começar o dia, estou suado e com
fome.
— Vejo você em trinta minutos. – digo a Luka antes de tirar as
luvas e sair da sala.
Mais uma vez, contornei o elevador e subi as escadas. Quando
chego ao topo, viro o corredor e me deparo com Viviana.
Ela tomou banho recentemente.
Com um suéter de cashmere branco, macio e angelical como ela, e
os jeans que ela deve ter trazido na mala.
Seu cabelo está levemente úmido e ela não usa maquiagem.
Ela é diferente da maioria das mulheres com quem fodo e, dito isso,
ela está completamente deslocada diante de mim. Este é o meu armazém
para fazer negócios. Nunca trago aqui mulheres que não sejam da
família. Como gerações de homens na minha posição, mantenho um
pied-à-terre2 para minhas muitas indulgências.
Ninguém sabe sobre este local, então trazê-la aqui é um risco, mas
calculado. E um que eu ainda tinha que correr.
— Viviana. – dirijo-me a ela friamente.
Ela é maravilhosa. Jovem e inocente. O tipo de mulher implorando
para ser tentada e provocada.
Mas não posso pensar assim agora.
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Sim, um dia ela cederá às minhas necessidades, mas pela maneira


como faz uma careta para mim, sei que isso não será num futuro
próximo.

2pied-à-terre: o termo é na verdade o que a maioria das pessoas chamaria


de “segunda casa” em francês.
O que está bem. Tenho muita coisa para fazer para lidar com uma
esposa necessitada.
Ela continua a me encarar, sem falar.
— Há algo que eu possa fazer por você?
— Não. – ela se vira. É como se ela tivesse saído do quarto para ver
se conseguia, e agora que sabe que pode, está voltando para se esconder.
— Seu café da manhã será servido em trinta minutos. Segundo
andar.
— OK. – ela começa a andar, murmurando baixinho: — Tirano.
— Você disse alguma coisa, Princesa?
— Não.
— Tem certeza? Porque eu poderia jurar que sim. – eu sorrio, não a
deixando escapar facilmente.
— Eu disse para tomar um banho, você está fedendo.
— Isso é lamentável, visto que um dia você vai se deitar abaixo de
mim e me dar herdeiros.
— Eu lhe darei algo muito menos agradável se você tentar me
forçar. – Sua voz mal treme enquanto ela me ameaça.
— Agressiva. Eu gosto disso.
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— Nesse caso, vou parar. – Com isso, ela corre pelo corredor, não
me permitindo dizer mais nada. Isso me faz rir enquanto observo ela
entrar no quarto. Assim que ela estiver fora de vista, vou para o meu.
Tirando minhas roupas molhadas, ligo o chuveiro.
Quinze minutos depois, desço para o segundo andar.
Meus homens não estão aqui. Ninguém está. Começo a comer,
esperando que Viviana venha.
Mas ela não vem. Jogando meu guardanapo no chão, subo as
escadas. Meu punho bate na porta dela.
Poderia abri-la, mas isso certamente começaria da maneira errada.
Então, em vez disso, estou agindo como um lunático enlouquecido.
A porta se abre.
Ela fica na minha frente. Olhos arregalados. Com uma mistura de
medo e teimosia olhando para mim.
— Sim.
— Eu disse que o café da manhã estava sendo servido. – digo,
irritado com a forma como ela me ignorou.
— Eu não estou com fome.
— Não era uma escolha.
— Bem, então você deveria ter começado com isso. "Bom dia,
Viviana. Sua presença é obrigatória na mesa do café da manhã.”
— Viviana. Você vai descer. Agora! Temos coisas para discutir.
— Caramba. OK. Você não precisa ser um tirano.
— Bem, parece que sim. Vendo que você escolheu não me ouvir.
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— Eu não sabia. – ela revira os olhos para mim. Qualquer outra


pessoa que fizesse isso provavelmente levaria um tiro. Mas quando ela
faz isso, sinto o contrário. Eu não quero atirar nela. Quero incliná-la e
bater em sua bunda.
Todos os pensamentos que eu provavelmente não deveria estar
tendo agora. Especialmente sobre minha futura esposa.
Eu me viro, dizendo que terminei e que ela é esperta o suficiente
para me seguir.
Quando estamos na sala de jantar novamente, ela se senta na cadeira
à minha frente.
— O que precisamos discutir? – ela pergunta.
— Amanhã. – respondo, sabendo muito bem que ela ficará confusa.
E estou certo quando ela responde.
— Amanhã?
— Nosso casamento.
Seus olhos se arregalam. Parece que ela está tentando processar as
novas informações que lancei para ela, e ela não consegue. — Espere. –
ela começa e depois para. — O que você quer dizer? Você espera que eu
me case com você tão cedo?
— Faria isso hoje. – eu encolho os ombros. — Mas tenho reuniões
consecutivas e tenho minhas prioridades bem definidas.
Ela fica em silêncio, aparentemente paralisada. A única maneira de
saber que ela ainda está respirando é pelo leve tremor em sua mão que
fica em cima da mesa.
— Viviana...
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Como se tivesse saído de uma névoa nebulosa, ela balança a cabeça


e seus olhos se concentram em mim novamente.
— Minha prima Giana virá aqui hoje para te ajudar no que você
precisar. A comida será servida em breve. – eu levanto e começo a sair.
— Você não vai ficar para comer comigo? – Desta vez, quando ela
fala, sua voz soa mais fraca que o normal. Como se fosse muito
cansativo para ela fingir que mantém os muros levantados.
— Não.
— Mas pensei que tínhamos coisas para discutir.
— Eu menti.
— Sério, Tirano... você não tem nada a me dizer?
— Desculpe desapontá-la, Princesa, mas eu não tenho.
Sua boca abre e fecha, tentando mentalmente pensar em uma
resposta espirituosa, mas antes que ela possa dizer outra palavra, já saio
pela porta.

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Ele me deixou.
Olho para a cadeira vazia onde Matteo estava sentado.
Antes que eu possa pensar nisso, a porta se abre e uma mulher que
nunca vi antes entra. Ela não fala, apenas coloca um prato de comida na
minha frente.
— Obrigada. – digo, mas ela ainda não responde.
Encolho os ombros enquanto meu estômago ronca.
Que sorte minha, a primeira mulher, caramba, a primeira pessoa que
vi desde que cheguei aqui que não é um dos assassinos de Matteo, e ela
ainda não me dá atenção.
Acho que vou comer em silêncio.
A fome não esteve em minha mente recentemente. Eu não estava
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pensando nisso, mas agora, olhando para o prato cheio de comida,


percebo o quanto estou faminta.
Pego o garfo e espeto os ovos à minha frente. Em seguida, dou uma
mordida em uma panqueca.
É como se Matteo não soubesse o que eu gosto de comer e pedisse
ao seu cozinheiro que me preparasse um prato de cada café da manhã.
Eu pensaria que foi um gesto atencioso se ele não fosse tão idiota.
Pena que ele tem que ser tão bonito. Seria mais fácil se ele não fosse
atraente.
Eu seria capaz de bolar um plano sem que minha pressão arterial
subisse. Não apenas por causa de sua aparência, mas também porque ele
é irritante.
Hoje cedo, quando saí do quarto e esbarrei nele, pensei que iria
parar de respirar.
Ele estava sem camisa.
Seu peito tinha um leve brilho de suor.
E seu abdômen.
Ah, senhor...
Não há palavras para descrevê-lo.
Coloco outro pedaço de comida na boca.
Sim. Isso seria muito mais fácil se ele fosse feio. Então não estaria
desejando meu futuro marido de uma forma que parece patética agora,
com o tamanho do idiota que ele tem sido.
Se ao menos pudesse encontrar uma maneira de sair dessa confusão,
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então não teria que me preocupar com a possibilidade de derreter e virar


uma poça toda vez que ele estiver perto de mim.
Só de pensar nisso agora minhas bochechas esquentam.
Sinto calor e febre, o que definitivamente significa que eu estou
corando.
Pelo menos ninguém está aqui para me ver.
Estou quase terminando meus ovos quando ouço o som de saltos
altos.
Merda.
Olhando para cima, vejo uma linda mulher se aproximando de mim.
Ela tem longos cabelos castanhos e olhos verdes. Olhos muito familiares
aos de Matteo, então este deve ser sua prima.
— Viviana, meu nome é Giana. – ela estende a mão e eu a aperto.
— Oi. Eu sou Viviana.
— Eu sei. – ela ri enquanto solta minha mão e gesticula para a
mesa. — Você já terminou?
Olho para o meu prato, depois de volta para ela e aceno com a
cabeça.
Não sobrou muita coisa e, verdade seja dita, estou cheia.
— Ok, ótimo, porque meu primo parece pensar que sou uma
milagreira e posso casá-los em um dia.
Surpreendentemente, eu rio disso. Não esperava que ela falasse
assim sobre Matteo, mas então penso nas palavras dela. Juro que
realmente engulo em seco quando a implicação delas me atinge.
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— O que temos que preparar? Seremos apenas ele e eu... certo?


Ela ri novamente. — Ah Deus, não.
— O que você quer dizer?
— A família toda estará lá. Essa é a parte difícil. Tentando realizar o
impossível. Tentar fazer com que pareça que este não é um evento
inesperado.
— Por quê?
— Matteo Amante não se casa com qualquer pessoa.
— Mas minha família não estará lá. Isso não vai parecer estranho?
— Não. Quase todas as pessoas importantes sabem por que ele está
se casando com você.
Quero gritar, mas sei que não posso. Não sei por que me importo
que todos saibam que é um casamento falso. Eu só me importo.
— Eu não quis dizer isso para ser ofensivo. Desculpe se saiu assim,
mas nesta família ninguém se casa por amor. Ele se casar com a filha de
um governador faz sentido.
Minha cabeça abaixa, mechas de cabelo cobrem meus olhos. É
como um escudo protetor agora. Um que eu preciso. — Não posso me
casar com ele. – admito enquanto olho para ela.
Ela inclina a cabeça e seus olhos suavizam. — Não acho que você
tenha escolha. Mas apesar do exterior severo, ele será bom para você.
Existem homens piores para casar.
— Como Salvatore. – murmuro de volta.
— Sim, como Salvatore.
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— Bem, já que não tenho escolha, podemos acabar logo com isso. –
eu me movo para ficar de pé, mas antes de fazer isso, paro. — Posso te
perguntar uma coisa?
— Claro.
— Você acha que Matteo me deixaria convidar alguém?
— Não sei. – ela morde o lábio inferior, insegura. — Deus sabe
como a mente dele funciona. Posso perguntar, no entanto.
Pela primeira vez desde que todo esse desastre começou, sorrio.
— Obrigada.

Giana faz milagres. Ela não apenas encontrou um vestido para mim,
mas também sapatos. Aparentemente, a única coisa que não conseguiu
foi convencer Matteo a me deixar convidar Julia. Sei que minha família
não estará lá, mas não me importo com isso. Tudo que me importa é ter
minha amiga ao meu lado.
Lágrimas enchem meus olhos.
Sabia que era um tiro no escuro, mas ainda assim, eu esperava.
Sonhava. Mas isso me serve bem.
Giana me prometeu o local para amanhã. Mas, aparentemente,
Matteo também pisou nisso.
Por mais que eu tente descobrir, não chego a lugar nenhum.
Giana diz que ele provavelmente tem medo que eu avise minha
família.
Eu não faria isso.
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Não quero que eles parem este casamento.


Eu sei que o navio já partiu e não há como voltar atrás agora. Então,
em vez de tentar pensar nisso, me enfio no quarto do sexto andar e fecho
os olhos, desejando que o sono chegue.
Felizmente para mim, chegou.

Agora estou de pé e vestida. O vestido que Giana escolheu para o


meu corpo. Meu cabelo e maquiagem também estão feitos. Giana é
aparentemente uma mulher de muitos talentos.
Eu me olho no espelho e fico surpresa com o que vejo.
Meu cabelo está penteado em ondas suaves e minha maquiagem não
é nada, apenas uma leve pincelada. A melhor versão do meu verdadeiro
eu, ela disse enquanto colocava o gloss em meus lábios mais cedo. Saí
direto de um conto de fadas, como a princesa que Matteo diz que sou.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Nesta história, não vou me casar
com o príncipe e nunca terei meu final feliz. De agora em diante, serei
propriedade de um chefe da máfia.
Parece que estou lentamente me perdendo em um mundo com o
qual não estou familiarizada. Como se eu estivesse caminhando para o
desconhecido.
Eu estou assustada.
Casar com Matteo é uma atitude calculada, mas e se eu estiver
errada?
E se esta for a decisão errada?
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E se, na minha necessidade de me livrar das garras do meu pai, eu


me condenasse a um destino pior?
Meus dentes mordendo meu lábio me fazem sair do vazio em que
acabei de entrar. Tenho muita coisa acontecendo agora para pensar sobre
isso.
Desço o elevador porque de jeito nenhum vou descer aquelas
escadas com esses sapatos e, antes que eu perceba, estou sendo colocada
em um carro para um local desconhecido.
Trinta minutos depois, o carro para e, quando saio, vejo Giana.
Ela está sorrindo para mim, mas quando vou até ela, ela me puxa
para um abraço. Não estou esperando isso, mas é exatamente o que
preciso com todo o nervosismo me percorrendo.
Não há ninguém aqui por mim hoje, então agradeço a amizade que
Giana me dá.
— Bem-vinda à sua nova casa. – Minha nova casa? É aqui que
Matteo mora? Isso me lembra de uma mansão inglesa. Um grande
gramado bem cuidado cercado por árvores mantém a privacidade, mas a
própria casa me deixa de queixo caído. Com grandes pilares e fachada
de calcário, parece saído de um conto de fadas. — Está pronta? – ela
pergunta, me tirando dos meus pensamentos.
Aceno com a cabeça, mas não consigo dizer sim.
— Como é que eu não acredito em você? – ela ri. Porque eu nem
acredito em mim. Mas não digo isso. Em vez disso, eu apenas a abraço
também e me afasto com um sorriso. — Você vai se sair bem. Tudo
ficará bem. Agora vamos. Está na hora.
— Eu não sei... – começo a admitir. Minha visão fica turva com as
lágrimas não caídas.
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— Eu gostaria de poder dizer mais alguma coisa. – O olhar que ela


me dá é inseguro. Sei que ela quer. — Gostaria de poder dizer que você
não precisa fazer isso, que podemos ir embora... – ela se move ao nosso
redor. Não só não sei onde estou, mas também parece que estamos num
complexo fortemente vigiado. — Mas você não pode. Você precisa ser
forte. – eu concordo com suas palavras, e ela também. — Vamos lá
casar você.
Ela me puxa junto com ela até entrarmos. Sinto que sou uma
garotinha cuja mãe a está forçando a ir a algum lugar que ela não quer.
Sou uma boneca de pano nas mãos dela.
Você consegue fazer isso.
Não importa o quanto eu tente me animar, não estou preparada.
Não estou preparada para a sensação que se enraíza na minha
barriga enquanto ela me leva até onde será a cerimônia. O casamento
acontecerá no grande salão de baile da propriedade de Matteo.
Ando em direção ao corredor à minha frente.
Ainda não consigo vê-lo.
Mas isso não impede o nervosismo que corre pelo meu sangue. Meu
estômago parece que há borboletas voando por dentro. Minhas mãos
tremem.
Tremores que não consigo conter. Meus pés mal conseguem andar,
e não é por causa dos sapatos. Embora estejam altos, não são eles que
estão me causando a incapacidade de avançar. Não, é meu medo.
Respiro fundo, tentando me convencer.
Calma, Viviana.
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Você precisa fazer isso.


Eu dou um passo.
Não há muitas pessoas aqui, não mais que vinte. Elas se alinham no
corredor, esperando. Tenho que reconhecer Giana. Ela fez um trabalho
muito bom. Você nunca saberia que ela montou tudo em vinte e quatro
horas. Grandes copos-de-leite adornam o lugar, lustres de cristal
pendurados no teto e uma pequena dispersão de velas adicionam um
nível de ambiente.
Para ser sincera, tirando as circunstâncias deste casamento e do
noivo, o lugar é perfeito.
É exatamente o que teria escolhido para mim se pudesse escolher.
Eu não pude.
À medida que dou cada passo, finalmente permito que meu olhar
olhe para frente da sala, e é aí que minha respiração falha.
Na verdade, aterrorizada.
Como se fosse uma noiva de verdade e este não fosse um casamento
falso.
Lá está ele.
Matteo Amante.
Meu futuro marido.
Meu herói ou minha morte.
A música de fundo ecoa ao nosso redor.
— Cânone de Pachelbel.
Eu deveria andar, preciso andar, mas em vez disso, estou presa neste
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lugar e olhando para este homem. Ele deve sentir meu medo porque seus
lábios se curvam em um maldito sorriso. Aquele que deveria vir com um
maldito aviso de advertência. Aquele que secretamente me faz tremer de
medo. Olhe por muito tempo e você será transportada para o inferno.
Ele não faz isso com frequência.
Normalmente, há um franzido em seu rosto, mas esse olhar é mais
assustador do que o normal.
Este o faz parecer sinistro.
Uma pessoa normal o veria e pensaria que ele está sorrindo para
mim. Eu nem o conheço, mas sou uma boa juíza de caráter.
Não.
Ele não está sorrindo.
Ele está tramando e tenho um mau pressentimento sobre isso.
Nós nos encaramos um pouco antes de eu continuar a andar.
É como num daqueles filmes onde tudo para. É assim que me sinto
quando vou até ele. Como se o mundo tivesse parado, e fôssemos só nós
dois, e meu futuro estivesse em suas mãos grandes e frias.
Ele está diante de um padre. O tempo para então como se alguém
colocasse a mão no ponteiro dos segundos e conseguisse. Parece que
estou paralisada.
Um segundo muito longo se passa. Depois outro e outro. Meu peito
sobe e desce enquanto me esforço para não desmaiar.
Os sons começam a aparecer e desaparecer. Sei o que o padre está
dizendo, mas não consigo ouvir as palavras. É como se minha mente
soubesse que estou me amarrando a esse homem malvado e meu coração
se recusasse a ouvir isso.
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Matteo está próximo.


Muito próximo.
Parece que a presença dele está sugando todo o oxigênio da sala.
Tudo está acontecendo tão rápido.
Meu cérebro não é capaz de compreender nada.
Eu aceno com a cabeça. Sussurro palavras de volta. Então, antes que
eu saiba o que está acontecendo, o padre nos proclama marido e mulher.
Mal consigo respirar.
A sala ao meu redor está girando.
Matteo dá um passo à frente e seu braço se estende para me firmar.
Não percebi, mas devia estar oscilando.
A próxima coisa que sei é que ele está me envolvendo em seus
braços. Então ele levanta meu rosto, com seus olhos verdes brilhando
para mim. Eles estão cheios de emoções que não consigo entender.
Ele inclina meu queixo para cima.
Posso sentir seu olhar em meus lábios. Também posso sentir sua
respiração quando ele abaixa o rosto até o meu.
Parece uma eternidade enquanto espero.
Eu sei que se eu olhar para ele, ele estará sorrindo para mim.
Ele quer me torturar. Ele quer prolongar isso. Ele quer me deixar
louca...
Meu cérebro grita para ele fazer alguma coisa, e então ele faz.
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Sua boca pressiona com a minha.


A pressão é suave no início e, quando expiro, ele aproveita o
momento. Intensificando o beijo, ele desliza a língua em minha boca.
Meus olhos se fecham e, por um momento, esqueço por que estou
aqui.
Esqueço onde estou.
Esqueço quem eu sou.
Eu me permito me perder no beijo.
Ao cair no abismo escuro com Matteo, sei que neste momento perco
uma parte de mim para ele.
Este homem vai me arruinar.
E se eu não tomar cuidado, vou deixar.

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Eu tenho que dizer isso dela...
Ela é maravilhosa. Ainda mais agora que ela é minha esposa. Ela é
uma bugiganga novinha em folha para exibir na minha lareira.
Minha propriedade.
O desejo de reivindicá-la pulsa em minhas veias.
Faço exatamente isso. Eu a puxo para mim, pressiono minha boca
sobre a dela e respiro de seus pulmões.
Ela cede com isso.
Dócil em meus braços enquanto eu a manipulo para que ela ceda.
Suas pequenas mãos estão no meu peito, segurando-me para salvar
sua vida. Eu me permito ceder por alguns momentos.
Até ouvir minha família me aplaudindo.
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Tinha esquecido que tínhamos uma audiência. Agora que me


lembro, me afasto e olho para ela. Seus olhos estão fechados e sua boca
está inchada por causa do meu abuso.
Ela tem a aparência de uma mulher que acabou de ser fodida, e se
eu não sair daqui agora, farei exatamente isso e nem me importarei com
o público.
— Vamos, Princesa. – Minha voz está fria e seus olhos estão
arregalados. A mudança em seu comportamento é imediata. Suas costas
se endireitam e seus olhos se estreitam para mim.
— Você é um idiota. – ela range os dentes. Percebo que ela está
prestes a sair furiosa, então a agarro pelo cotovelo e a levo para fora da
sala.
Quando estamos de volta ao corredor, paro. Não posso permitir que
ela seja desafiadora na frente da minha família. Embora eu confie em
todos em meu ramo de trabalho, você nunca pode ser muito cuidadoso.
— Vamos jantar e depois conversaremos. – ordeno. Minha voz está
mais áspera do que o normal, mas, novamente, estou mais nervoso do
que normalmente permito.
Ela parece atordoada por mim, o que me faz sorrir. Ela faz uma
careta em troca.
— Você acha engraçado você ser um idiota? – ela sussurra para
mim.
— Na verdade eu acho. Agora vamos embora. Continuo puxando-a
até chegarmos à sala de jantar formal. A mesa está posta. Velas e flores
por toda parte. Não é exagero.
Conduzo Viviana até a cabeceira da mesa, onde estão dispostas duas
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cadeiras. Dou um tapinha nas costas e puxo para ela.


Silenciosamente, ela se senta.
Estou surpreso com o quanto quieta ela está. Mas acho que não há
muito o que falar agora. O que ela pode ter a dizer?
Ela está presa.
Não há falsas ilusões aqui. Não havia outra escolha senão casar
comigo.
Eu sou a melhor opção dela. Ela não vê isso agora. Mas com meu
primo, ela teria morrido.
Não tenho intenção de tê-la morta, nem pretendo matá-la eu mesmo.
No entanto, isso é tudo que vai acontecer com ela.
Para mim, ela sempre será meu peão. Um que vou empurrar em meu
tabuleiro para reunir poder.
Não sou tão diferente do Salvatore.
Nós dois somos implacáveis. Mas este é o meu reino.
Farei o que for preciso para manter minha posição.
Mesmo que isso signifique usar essa garota até não sobrar mais
nada.
Uma vez que ela está sentada, eu me sento ao lado dela. Nenhum de
nós fala enquanto minha família entra na sala e se senta nas cadeiras
vazias.
Lorenzo se senta ao meu lado, do lado oposto de Viviana.
— Você não é uma noiva adorável? – ele a observa com um olhar
apreciativo, com um sorriso maroto no rosto.
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— Obri... Obrigada. – ela hesita como se não tivesse certeza da


sinceridade dele.
— Ela é, não é? A princesa perfeita.
Sua cabeça se vira para mim com essa palavra, estreitando os olhos.
Ela odeia quando eu a chamo assim, mas precisa pensar melhor no que
vai dizer, porque, em vez de falar comigo, ela olha para Lorenzo.
— Sem data para o casamento? Eu pensaria que um homem bonito
como você teria uma. – Seus olhos são gentis e provocadores quando
fala com ele, e os meus ficam sérios com seu tom.
— Não há tempo. – ele encolhe os ombros.
— Sim, o tirano não dá espaço a ninguém para planejar.
Ao ouvir o apelido que ela me deu, Lorenzo ri. — Tirano. Eu gosto
disso. Muito apropriado.
— Nem pense nisso. – eu o aconselho. — E também não fique
muito familiarizado. – Não há dúvida sobre o que estou falando. Viviana
pode ser minha esposa agora, mas é apenas no papel. Não há razão para
ele falar com ela. Ele acena com o meu comentário e se inclina para
frente na cadeira para olhar para mim.
— Quando vai jogar a bomba neles? – ele pergunta enquanto leva o
copo cheio à boca. O líquido espirra pela borda. Ele provavelmente
bebeu o dia todo para a celebração. Estou prestes a dizer algo quando,
pelo canto do olho, posso vê-la enrijecer. Ela está ouvindo e esperando
para ouvir o que estou prestes a dizer.
— Amanhã. Viviana e eu vamos visitar os sogros.
Seu choque é audível enquanto ela suspira. — Nós vamos?
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— Nós vamos.
— Eu... eu... – Seu rosto é de um branco fantasmagórico.
— Você pensou que eu lhe daria mais tempo? – eu repreendo,
brincando com ela. Desde que descobri que ela pode dar o melhor que
consegue, gosto de nossas brincadeiras. Gosto de provocar reações nela.
É divertido brincar com ela. Um novo brinquedo brilhante na minha
coleção de coisas bonitas.
— Eu só... não podemos esperar alguns dias? – ela grita.
Viro-me na cadeira para encará-la. Seus lindos lábios exuberantes
estão tremendo. Eu deveria me sentir mal por ela...
Eu não me sinto.
Sim, ela ficou presa no fogo cruzado de uma guerra que ela não
pediu, mas o navio partiu. Não adianta tratá-la com luvas de pelica. Ela
está ligada a mim agora.
A vida não será fácil para ela.
Quanto mais rápido ela descobrir, melhor.
— Não. Iremos amanhã.
Volto-me para Lorenzo, ignorando-a.
Giana decide entrar pela porta naquele exato momento, o que é bom
porque vai mantê-la distraída.
— Qual é o plano? – Lorenzo me pergunta.
— Eu vou aparecer.
— Sem aviso prévio?
Levanto meu copo, tomo um gole e respondo. — Não há melhor
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maneira de aparecer em algum lugar.


— E reforços?
Coloco minha bebida na mesa. — Eu não vou precisar disso.
Ele levanta uma sobrancelha e eu entendo que ele queira se opor.
Com tudo acontecendo, sei que ele está certo, mas em vez de dizer isso,
eu o encaro. — Meus homens vão me escoltar. Mas sim, irei sozinho. Eu
me viro sozinho. Nada vai acontecer comigo na casa dele.
— Eu nunca disse que você não poderia. Você vai contar ao seu
primo?
Salvatore. Direi a ele que roubei sua noiva?
— Não. Ele pode descobrir com todos os outros.
Lorenzo ri. — E quando será isso?
— Vamos vazar a história para a imprensa. Deixe-o pensar nisso.
— Ele vai ficar irritado.
— Provavelmente. Mas ele é um idiota engenhoso. Só porque
tiramos essa oportunidade não significa que ele não encontrará outra
maneira de obter acesso ao porto. Preciso de uma reunião com o
governador de Nova York.
A aliança com Nova York tem sido um componente chave para o
meu sucesso ao longo dos anos.
Não posso me dar ao luxo de perder isso.
À medida que os garçons começam a servir comida e mais bebidas,
observo minha esposa.
Ela parece mais relaxada agora. Muito mais do que quando ela está
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falando comigo. Parece que ela e minha prima formaram algum tipo de
vínculo.
Vou permitir isso por enquanto.
Contanto que minha prima não tente interferir.
— A que horas iremos? – Ouço Viviana me perguntar.
Eu não olho para ela. — Sete.
— Na hora do jantar?
— Sim, quero pegá-los desprevenidos.
Não sei por que divulgo essa peça do quebra-cabeça, mas ela
balança a cabeça.
— Então você vai querer fazer isso um pouco mais cedo. Meu pai
mima minha mãe com uma "refeição em família". – ela diz entre aspas.
— Isso antes de ele sair de casa, às oito.
— São seis. – digo.
Ela se volta para Giana e eu me viro para Lorenzo.
— Iremos às 4h30. – Minha voz está baixa para garantir que ela não
possa me ouvir.
— Algum motivo? – ele pergunta.
— Precaução.
— Precaução? Você não confia nela?
— Nem um pouco.
Pelo canto do olho, continuo olhando para ela. Embora eu a tenha
obrigado a fazer isso, ela veio de boa vontade, então você nunca pode
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ser muito cuidadoso.


Quando o jantar termina, levanto-me da cadeira. Minha mão se
estende para pegar a de Viviana.
Ela permite, mas posso sentir seu corpo enrijecer com o contato.
Não tenho planos de tocar em minha esposa esta noite, mas ela não sabe
disso. Eu já poderia acabar com seu sofrimento e contar a ela, mas que
graça isso teria?
Poucas coisas na minha vida me trazem qualquer aparência de
alegria, mas, por algum motivo, insultá-la traz.
Gosto de ver a chama nos olhos dela. Gosto de ver como ela se
contém. A força que é necessária. A maioria consideraria isso fraco.
Mas não minha esposa.
Posso dizer que há uma espinha de aço naquelas costas lindas e
pálidas dela.
Ela está ganhando tempo.
Mas para quê, não tenho certeza.
Vou descobrir e vou me divertir enquanto isso.

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Caminhamos juntos, de mãos dadas. É surreal estar aqui com ele. É
ainda mais estressante o quanto minha vida mudou. Como não sei como
lidar com isso, o que só se poderia chamar de castelo, permito que ele
me guie. Na minha vida, sempre morei em casas lindas. A mansão do
governador foi a minha mais recente. Mesmo que não tenha sido por
muito tempo, morei lá por um breve período. Mas aquela mansão não
tem nada a ver com a casa de Matteo.
Estar aqui é como estar em um palácio.
Ok, talvez não tão grande, mas ainda assim, esta não é uma casa de
tamanho normal para alguém.
É estranho andar com ele, estranho ter um sorriso falso estampado
no rosto. Quero abandonar a falsa pretensão, mas não tenho certeza de
quem sabe a verdade aqui e não posso correr o risco de criar mais
inimigos.
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Já é difícil o suficiente tentar bolar um plano. Giana parece uma boa


aliada. Mas não posso ter certeza. Pelo que sei, tudo isso faz parte do
ato.
Talvez Matteo a tenha enviado como espiã. Uma babá para reportar
a ele. Tudo bem. Melhor manter minha guarda alta. Estou acostumada
com isso. Vivi os últimos doze anos me protegendo.
O que são mais alguns?
A única coisa que sei é que preciso encontrar uma maneira de
escapar, não apenas do meu pai agora.
A lista fica cada vez mais longa.
Se eu pudesse morrer de ataque cardíaco, provavelmente morreria.
Caralho.
O que diabos vou fazer se ele espera que eu consuma esse
matrimônio?
Morrer.
Provavelmente morrerei. Porque com tudo que está acontecendo, e o
fato de ele ser o maior idiota do mundo, não vou fazer sexo com ele de
jeito nenhum, e vou matá-lo se ele tentar.
Minha cabeça está girando em maneiras de sair dessa situação.
Parece que estou sendo levada para a morte na guilhotina. Estilo da
Revolução Francesa. Estou no tipo certo de palácio para isso. Se eu não
estivesse tão assustada agora, poderia achar minha loucura interior
engraçada. Inferno, eu provavelmente reviraria os olhos para mim
mesma, mas estou com medo, e nenhum pensamento ridículo de que a
realeza corrupta tenha suas cabeças cortadas me fará sentir melhor.
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Mesmo que seja exatamente com quem me casei.


Um monarca implacável.
Um rei da morte.
Um belo demônio que provavelmente me matará no final.
O sangue pulsando em meus ouvidos é tão alto que me pergunto se
ele consegue ouvir. Meu coração bate freneticamente. A cada passo que
dou, tento agir como se não estivesse com medo.
Nenhuma parte de mim gosta de mostrar fraqueza. Ao longo da
minha vida, tentei controlar minhas emoções, mas Matteo traz à tona o
que há de pior em mim. Mal o conheço e já posso dizer.
Todos esses sentimentos são geralmente educados, especialmente o
medo, mas agora eles correm soltos.
Como um trem desgovernado sem freios.
É apenas uma questão de tempo até eu bater e queimar.
Parar. Eu posso fazer isso. Não há outra escolha. Farei o que deve
ser feito para sobreviver. Minha coluna se transforma em aço e eu o
sigo.
Juntos, subimos uma grande escadaria, percorremos um longo
corredor e chegamos a um destino que só posso imaginar que será o
quarto dele. Ou talvez uma câmara de tortura.
Está escuro, não há luzes acesas, pode ser porque é uma propriedade
mais antiga, ou talvez seja de propósito. Talvez os empregados tenham
sido instruídos a deixarem tudo escuro para me assustar e me fazer ser
dócil. Conhecendo Matteo, isso não me surpreenderia.
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É como uma das propriedades que pertence a um programa de TV


da Regência.
E pensando na minha vida, aparentemente eu também pertenço ao
programa.
Além de mim... os casamentos de conveniência acontecem
realmente? Quero rir de como minha vida se tornou louca.
Estou tão perdida em minha ridícula linha de pensamento que nem
percebo quando ele para. Meu corpo colide com o dele. Com minha
frente atingindo suas costas.
Rapidamente, recuo, colocando distância entre nós. Por favor, não
se vire. Por favor, não me faça sentir uma idiota ainda maior.
Ele não vira, no entanto. Em vez disso, ele abre a porta.
O quarto, assim como o corredor, está totalmente escuro. Meu
estômago se aperta, mas então ele faz algo que não esperava. Ele se vira,
passa por mim e começa a se afastar.
— Você não está... – eu começo e paro.
O que diabos estou fazendo?
Cale a boca, Viviana.
Ele olha por cima do ombro, e mesmo no corredor mal iluminado,
posso ver aquele maldito sorriso que eu juro que ele só usa comigo,
abrindo-se por seu rosto.
— Vindo... ? – Sua voz é baixa, proposital e, acima de tudo,
sedutora. Meus olhos devem se arregalar porque ele ri de mim, é mais
como uma porra de uma risada, mas ainda me faz sentir pequena.
Não deixe ninguém fazer você se sentir assim. Eu fico mais ereta e
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espero pelo ridículo, algo para o qual, depois de viver com meu pai a
maior parte da minha vida, estou preparada.
Nada sai de sua boca, apesar de eu esperar que ele dissesse mais.
Em vez disso, ele me ignora completamente, olhando para trás na
direção oposta, e volta a andar, deixando-me ali parada no corredor
como uma idiota.
Observo enquanto sua sombra desaparece, e só então a respiração
que estou prendendo escapa.
Essa foi por pouco. Muito pouco.
Então outro sentimento me atinge. Um que eu realmente não quero
ver... desapontamento.
Não é que eu quisesse estar com ele esta noite, mas ele nem queria
estar comigo. Por alguma razão, mesmo sabendo que sou seu peão, uma
parte de mim gostou da ideia de que talvez um homem tão perigoso e
sexy como Matteo me quisesse...
Pare.
Não comece.
Você teve sorte esta noite, e se continuar aqui esperando, sua sorte
pode acabar.
Não querendo dar-lhe tempo para mudar de ideia, corro para o
quarto, acendo a luz, fecho e tranco rapidamente a porta.
Não são permitidos convidados indesejados.
Agora sozinha e segura, deixei-me admirar o quarto.
É lindo.
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Direto de uma revista.


Uma grande cama de dossel fica no meio do quarto. Em cima dela
está o edredom rosa mais fofo que já vi, adornado com pequenas flores.
Mas são o travesseiro gigante e as fronhas que me fazem querer pular
nela e dormir o resto da vida.
Que é exatamente o que pretendo fazer.
Com o casamento resolvido, me sinto mais relaxada. Agora que não
preciso me preocupar com ele passando a noite, posso me despir e ir
para a cama. Não estou surpresa com o quanto cansada estou. Tem sido
uma loucura nos últimos dias.
O problema é que agora, na minha cama, meu cérebro começa a
gritar comigo.
Amanhã.
O que diabos você fará quando tiver que enfrentar seus pais?
A pergunta mais assustadora é: como meu pai reagirá? Ele verá isso
como um ato de guerra. Linhas serão desenhadas na areia. Eu escolhi o
lado em que estou, mas agora o pensamento assustador é: e se eu escolhi
errado?
Os medos intermináveis do que ele vai dizer me atormentam, mas,
eventualmente, eles levam à exaustão, meu cérebro está cansado demais
para pensar mais.
Antes que eu perceba, estou abrindo os olhos e a luz do sol da
manhã entra pela grande janela.
Ilumina o espaço e me faz apertar os olhos. Esqueci de puxar as
cortinas ontem à noite. Vou ter que me lembrar disso para o futuro.
Esticando os braços, soltei um grande bocejo. Depois de aproveitar
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o conforto da minha nova cama por um momento, puxo os cobertores e


tiro as pernas debaixo deles.
Quando saio e vou para o chão, me arrependo um segundo depois.
Está frio contra minha pele nua. Meus dedos dos pés se curvam como se
isso fosse aquecê-los, mas não vai. A única coisa que vai ajudar é
encontrar minhas meias ou chinelos.
Olho ao redor do quarto, tentando lembrar se desfiz as malas ontem
à noite. Eu não fiz isso. Ali no canto está minha mala aberta, e em cima
dela estão metade das minhas roupas. Uau, fiz uma bagunça ontem à
noite procurando meu pijama. Depois de caminhar até minha mala, paro
um momento para olhar em volta. É a primeira vez que consigo
realmente ver alguma coisa. O quarto é muito maior do que notei ontem
à noite. Também é muito mais complexo do que parecia na escuridão da
noite. As paredes são brancas com molduras detalhadas e ornamentadas.
Há também um grande lustre sobre a cama. Como não percebi nada
disso ontem?
Você estava cansada, emocionalmente exausta e com medo de seu
marido. Dê uma folga.
Este lugar parece um hotel, não uma residência.
Em seguida, vou até o banheiro e novamente me deparo com uma
visão para a qual não estou preparada. O banheiro é grande e diferente
de tudo que eu já vi. Sim, sempre vivi uma vida privilegiada, mas isso é
até exagerado para mim. Mármore do chão ao teto. Uma linda banheira
de ferro fundido com pés em forma de garra que me atrai, mas agora não
posso me permitir isso. Em vez disso, vou até o chuveiro e abro a porta
de vidro para abrir a água. Viro-me em direção à pia e percebo que
escova de dente, sabonete e xampu estão sobre a bancada. Obviamente,
ele estava preparado.
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Não tenho certeza de como me sinto sobre esse fato. Por um lado,
foi atencioso, mas por outro...
Ele sabia que você estava vindo muito antes de você perceber. O
pensamento faz arrepios percorrerem minha espinha. Odeio não ter
controle sobre minha vida e parece que também nunca conseguirei ter
controle.
A água quente enche de vapor o banheiro. Estendo minha mão e me
certifico de que não está muito quente. Por mais que eu queira sair deste
inferno, não quero me ferver viva para atingir meu objetivo.
Entro no chuveiro apesar da temperatura, e o calor faz bem à minha
pele. Deixo a água me enxaguar. Dissipando a névoa do sono. No meio
do caminho, percebo que não sei o que me espera hoje.
Meu pai costuma ser previsível, mas neste caso, para todos os
efeitos, estamos emboscando-o. Este fato fará dele um canhão solto. Não
posso confiar em como ele agiu no passado para avaliar como reagirá
esta noite.
Meus nervos começam a ferver.
Isso pode ser ruim.
Estou brincando com fogo... e sei pelo passado como é ruim se
queimar.
Corro para terminar, desligo a água, pego uma toalha grande e
macia e saio.
A condensação e o vapor tornam impossível ver. Com a toalha
agora enrolada em mim, ando. Não vou muito longe antes de esbarrar
em uma parede.
— Cuidado agora, Viviana. – Sua voz rouca de barítono parece estar
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me despindo.
Assustada, tento dar um passo para trás, mas o chão está
escorregadio e perco o equilíbrio.
Sua mão se projeta e me estabiliza.
— O que você está fazendo aqui? – resmungo enquanto olho para
ele. A névoa do vapor está começando a desaparecer. Seus nítidos olhos
verdes estão visíveis e olhando para mim.
Fico nervosa com a maneira como ele olha para mim, e quando ele
dá aquele maldito sorriso, meus joelhos tremem.
Sei que deveria me mover, mas não posso deixar de olhar para este
homem.
Hoje, como ontem, ele parece zangado. Mesmo com o sorriso, ele
não alcança seus olhos cor de musgo.
Ele me encara como se quisesse me despir, como se quisesse puxar
a toalha para baixo e fazer o que quer comigo. No entanto, quando olho
em seus olhos, quando o observo, tudo que vejo é ódio.
Sou a mim que ele odeia? A ideia de mim? Ou meu pai?
Não importa. Ele não responderia se eu perguntasse. O que importa
agora é fingir que estamos jogando. Sempre fui uma boa atriz.
— Bom dia, querido marido. – digo, com o sarcasmo presente em
minhas palavras. Pinga como xarope de bordo em uma panqueca. Tão
irresistível, mas nenhum deles é muito bom para você.
— Esposa. – ele responde, deixando as mãos permanecerem na
minha pele por muito mais tempo do que o necessário. Olho para onde
ele me agarra. — Princesa...
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Meus dentes rangem com aquele maldito apelido que odeio, e pelo
jeito que olha para mim, ele sabe que eu também o desprezo. — Você se
importa? – pergunto a ele, estreitando os olhos no local onde seu toque
me queima. Fazendo pequenos arrepios subirem pela superfície.
— De jeito nenhum. – ele responde com uma voz casual e
preguiçosa, como se não tivesse nenhum lugar melhor para estar e
gostasse de me deixar louca. Espero que ele me solte logo, mas ele não o
faz. Em vez disso, ele se agarra a mim.
Isso vai ser um problema.
Finalmente, eu o empurro e cruzo os braços na frente do peito. —
Por que você está no meu banheiro?
— Bem... – ele levanta a sobrancelha. — Tecnicamente, é o meu
banheiro.
Se ele vai jogar essa carta, eu também posso. — Ah, já que agora
somos marido e mulher, o que é seu é meu... então é meu.
— O mesmo poderia ser dito sobre seus pertences.
Ele me tem lá, mas na verdade não. — Não tenho nada de valor. –
respondo.
— Não. Isso não é verdade...
— Ah, eu esqueci. Eu sou o peão.
— Isso você é, e não se esqueça disso. Agora se vista. Esteja pronta
em trinta minutos. – ele ordena como se não estivesse flertando comigo
um segundo antes. Este homem me dá uma chicotada como se estivesse
sendo pago para isso e está almejando o funcionário do mês.
— Onde estamos indo?
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— Tenho um personal stylist vindo medir você e trazer algumas


roupas. Não posso permitir que você tenha a aparência que tinha quando
veio à minha casa pela primeira vez.
Minha boca se abre. — E como eu estava exatamente?
Ele não responde, em vez disso opta por sair pela porta.
— No closet está uma roupa que Giana deixou para você hoje.
— Como eu estava? – pergunto novamente, não o deixando fora de
perigo. Dane-se isso. Este é um péssimo começo para o nosso
casamento. Tudo o que fizermos agora afetará nossa dinâmica de vida.
Ele se vira por cima do ombro. Seu olhar começa nos meus pés e se
eleva até que seus olhos encontrem os meus.
Sinto-me nua, mesmo apesar da toalha.
— Inferior à mim. – ele responde, e então se vira e vai embora.
Meu estômago embrulha.
Viro-me para me olhar no espelho.
Pegando minha expressão ferida olhando de volta.
Que idiota.
Na minha vida, conheci muitas pessoas horríveis. Mas nunca
conheci um homem que pudesse ser um idiota maior do que meu
marido.
Isso deve ser divertido.

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A primeira coisa que tenho que fazer é me encontrar com meus
homens. Há uma remessa chegando esta noite. Não é uma remessa
grande, mas é necessária. Armas extras. Munição extra. Talvez eu não
consiga acompanhá-los. Tudo depende de como será esta noite.
Encontro meu homem na sala de vigilância. Todas as telas estão ligadas
no monitor. Ao contrário do meu armazém na cidade, hectares de terra
cercam esta propriedade.
Ninguém vai entrar a menos que eu queira.
— Qual é a previsão de chegada no barco?
— Cristian disse que o barco deveria estar atracando perto de um.
— A que horas você vai encontrar seus sogros? – Lorenzo sorri. Ele
está muito entretido com meu casamento.
Dou-lhe um olhar, o tipo de olhar que diz vá se foder. Ele levanta as
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mãos em sinal de rendição.


— Desculpe, chefe. – diz ele. — Mas, quero dizer, vamos lá.
— Deve ser divertido... – eu paro. Esse é o eufemismo do ano.
Isto devia ser divertido. Não consigo pensar em nada no mundo que
pareça pior. Mas a coisa merece. Porra, se eu soubesse onde meu primo
estava escondido. Adoro matar dois coelhos com uma cajadada só.
No entanto, ele descobrirá em breve. No momento em que o
governador perceber que o tenho pelas bolas, ele ligará para Salvatore.
Eu vou ter certeza disso. E pensar que meu primo acredita que pode me
contornar para obter acesso ao porto entrando em contato com o
governador de Nova Jersey.
— Preciso que ligue para Tobias. – digo a Lorenzo. — Precisamos
reagendar as drogas.
— Isso não será um problema. Com as novas armas, iremos à guerra
de novo?
— Eu prefiro não fazer isso. Prefiro que descubramos a localização
do meu primo e matemos o filho da puta antes que a situação chegue a
esse ponto. Mas visto que não temos pistas...
— Isso não é necessariamente verdade. – diz Lorenzo.
— O que você quer dizer?
— Nós a temos.
— E você acha que meu primo gosta dela de verdade? Meu primo
não dá a mínima para ninguém.
— Não, mas seu primo se preocupa em assumir o controle de Nova
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York. Se ele achar que ainda tem uma entrada, isso pode funcionar para
expulsá-lo.
Cruzo os braços e penso no que ele diz enquanto começo a andar.
De um lado para o outro. De um lado para o outro.
Ele pode estar no caminho certo.
Pode ser uma boa ideia usá-la como uma espécie de isca. Mas pela
aparência dela esta manhã no banheiro, não tenho 100% de certeza de
que ela ajudaria de boa vontade.
Posso pedir a ela ou posso contar a ela. Não descobri exatamente o
que o pai dela estava a atormentando, mas posso e então poderei usar
isso como um meio de obter a cooperação dela. Posso até fazer parecer
que está trabalhando com o pai. Que ela está trabalhando para me
derrubar e, ao fazer isso, talvez possa descobrir a localização do meu
primo.
— É uma bela ideia. – eu aceno com a cabeça.
— Você vai contar a ela?
— Ainda não tenho certeza. Vou ver o que acontece esta noite.
Precisamos descobrir sobre o passado dela. Descubra o que aconteceu e
por que a família dela está pagando uma quantia substancial de dinheiro
à ex-babá.
— Vou tratar disso imediatamente. Entrarei em contato com Jaxson
Price novamente. Se alguém puder descobrir, será ele.
— Ofereça-lhe o dobro para agilizar o pedido.
— Tem certeza de que é uma boa ideia? Ele não esperará isso
sempre?
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— Não dou a mínima para o que ele espera. Ele é o melhor e quero
a informação agora. Não tenho problema em pagar se valer a pena.
Essa é a razão pela qual estou no comando. Não dou dinheiro a
ninguém. Pago o que vale alguma coisa e, nessa equação, também aloco
tempo. Quanto vale o seu tempo. Meu tempo não tem preço, mas isso é
uma história totalmente diferente.
— Há mais alguma coisa que você precisa? – Lorenzo se levanta,
pronto para sair. Ele olha em volta, ansioso para começar a trabalhar.
— Não. Faça com que a maioria dos homens fique aqui.
— Não vamos voltar para a cidade?
Balanço minha cabeça. — Vou manter uma equipe lá também. Mas
acho que com a remessa será mais fácil transportá-lo daqui.
Ele pega o celular e começa a digitar, enviando uma mensagem. —
Mais alguma coisa que eu precise contar aos homens?
— Não. Estamos todos prontos. Vou para a academia e depois me
preparo. Se precisar de alguma coisa, estarei trabalhando. Quando Giana
e o estilista chegarem, mostre-lhes o quarto de Viviana.
— Acha que é uma boa ideia deixá-las passar tanto tempo juntas?
— É isso ou deixá-la conversar com as amigas.
— Verdade.
Passo por ele e saio para o corredor. Dou alguns passos antes de
olhar por cima do ombro. — Até sabermos com o que estamos lidando,
ela não deve falar com ninguém fora da família.
— Acho que é um bom plano. Como você acha que ela vai reagir?
— Eu realmente não dou a mínima.
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Horas depois, estou vestido e pronto para ir. Vou até o quarto de
Viviana. Dessa vez eu bato.
Não preciso, mas como preciso dela em seu melhor, não quero
deixá-la esgotada. Meus dedos batem na porta uma, duas vezes e, na
terceira batida, ouço seus passos.
— Quem é?
Pergunta tola. Como se eu fosse deixar alguém chegar perto do
quarto da minha esposa sem minha permissão, como se eles fossem
tentar.
— O maldito papa.
— Desculpe, parei de acreditar em Deus quando um mafioso me
forçou a casar.
— Você sempre seria forçada a se casar com um mafioso. Portanto,
não aja como se esse casamento estivesse saindo do nada.
Surpreendentemente, isso a faz abrir a porta. Espero que ela dê um
pequeno empurrão, mas ela deve perceber que não tem escolha.
Lá está ela.
Seu cabelo está penteado e ela tem uma leve camada de maquiagem
no rosto. Ela está usando um vestido preto com pequenos botões de rosa
e botas que vão acima do joelho.
Minha esposa – não importa quantas vezes eu me refira a ela dessa
forma, sempre parece um pouco estranho. Mas ela é assim, minha
esposa. Ela é uma mulher linda, e se ela fosse qualquer outra pessoa, eu
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teria fodido ela ontem à noite.


Inferno, eu deveria ter fodido ela na primeira noite em que a vi no
clube. Mas tenho grandes planos para Viviana. Então, manter meu pau
nas calças por enquanto é melhor para mim, então posso servi-la
pendurando-a no gancho.
Planejado ou não, isso não me impede de admirar o quanto sexy ela
é. Quando tudo estiver dito e feito, eu a terei, mas ainda não.
— Você está pronta? – pergunto, e a expressão em seu rosto é
impagável. Seus olhos me lembram de um dos personagens de desenho
animado cujos olhos saltam das órbitas. Nesse ponto, ela parece tão
assustada que pode se transformar no Papa Léguas e sair correndo.
— Estamos indo agora? – ela dá um passo para trás, agora indo na
direção errada.
— Sim.
Ela se vira e seus olhos não estão mais visíveis. Eu não gosto disso.
Viviana é fácil de ler porque suas feições revelam tudo. Sem poder vê-
la, não posso aprender tudo sobre ela. Não serei capaz de ler suas
mentiras.
— Achei que tinha mais tempo.
— Bem, você pensou errado.
— Merda. – ela murmura baixinho antes de virar por cima do ombro
e olhar para mim.
O medo que estava em seus olhos há poucos momentos parece ser
substituído por outro olhar. Agora o lábio dela é uma linha reta e há um
pequeno franzido entre as sobrancelhas, mas são os ombros que me dão
uma ideia do que ela está fazendo. Ela está erguendo seus muros.
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Provavelmente precisava de uma fachada para lidar com seu pai.


Eu a observo por um momento antes de sair pela porta. Quando dou
um passo, falo por cima do ombro. — Vamos.
— Vou pegar minha bolsa. – ela caminha até o canto do quarto e
pega suas coisas e depois se aproxima de onde estou. — Ok, estou mais
pronta do que nunca. – Suas costas agora estão eretas como uma vareta.
Eu gosto desse visual.
Tornando-se atraente.
Ela é a rainha que precisa ser para ficar ao meu lado.
Depois de avaliá-la silenciosamente, começo a andar pelo corredor.
Viviana me segue. Com a casa silenciosa hoje, o barulho dos seus saltos
é o único indicador de que ela está me seguindo.
O ar entre nós está silencioso enquanto caminhamos até a garagem e
então entramos no G-Wagon. Embora seja um bom carro, não é por isso
que o escolhemos. Apesar do que parece, é meu carro mais seguro.
A prova de balas.
Construído para suportar quase tudo.
Roberto está no banco da frente. Ele nos levará esta noite.
Sento-me atrás ao lado de Viviana.
Ela não olha para mim quando chego ao seu lado e, enquanto
dirigimos, ela olha pela janela.
Para o olho destreinado, ela está agindo imperturbável. Mas vejo
além de sua fachada.
Ela está nervosa.
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Seu dedo está batendo em um padrão em sua coxa que ela nem
percebe que está fazendo. Eu me pergunto por que ela está nervosa?
Obviamente por dizer aos pais que ela é casada. Ela está nervosa que seu
pai tente alguma coisa? Ela deve saber que está segura comigo. Mas
sério, por que ela saberia disso? Não dei a ela nenhuma razão para se
sentir assim.
— Pare de bater. Tudo ficará bem.
— E como você sabe disso? – ela responde enquanto olha pela
janela.
— Porque sempre fica. – Espero que ela se vire para mim, mas ela
se recusa a ceder. É irritante falar de costas para ela.
— Fácil para você dizer. – ela murmura baixinho para a janela.
— Está comigo agora, Viviana. – eu afirmo a título de explicação.
— Isso deveria me fazer sentir melhor?
— Sim.
— E por que isto?
— Porque ele nunca iria foder com você.
— Ele não fodeu com você tentando negociar um acordo com seu
primo...?
Ela é muito inteligente para seu próprio bem.
— Sim. E veja o que aconteceu? Eu me casei com você. Seu pai
sabe. Independentemente de sua aliança com Salvatore, não deve foder
comigo. Nossa guerra nos precede. Seu pai, se for inteligente... e eu
imagino que seja, não quer ser pego no fogo cruzado. A última vez que
houve uma guerra como esta, os danos colaterais foram pesados. Seu pai
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pode perguntar ao senador de Boston qual foi o preço que ele teve que
pagar por ir contra mim. Ah, espere, ele não pode. Não há como falar
com ele onde ele está agora... – Minhas palavras pesam no espaço entre
nós. Você teria que estar vivendo debaixo de uma rocha para não ter
ouvido falar da morte prematura do senador.
Ela finalmente se afasta da janela e olha para mim.
— Então, qual é o plano agora?
— Não se preocupe com o plano. Você está aqui apenas para sentar
e ficar bonita.
Ela solta uma risada. — Uau, muito sexista.
— Não é sexista quando é a verdade. Casei com você para provar
um ponto. Casei com você porque você me beneficiou estrategicamente.
É isso. Nada mais. O único ponto que você precisa enfatizar agora é
ficar sentada lá.
— E se eu não fizer isso.
Eu me inclino em direção a ela, com meus braços estendidos para
prendê-la contra a janela. Nossos rostos estão tão próximos que posso
sentir sua respiração fazendo cócegas em meus lábios enquanto ela
exala. Sua mandíbula treme, mas são os lábios que me atingem; a
maneira como ela lambe e morde com muita delicadeza. Se ela fosse
qualquer outra pessoa, eu a agarraria e transaria com ela neste carro.
— Não confunda minha gentileza com fraqueza, Viviana. Eu não
machuquei você... mas eu posso.
Minhas palavras pairam no ar como a ameaça que representam.
Eu mantive distância.
Eu não exigi nada dela.
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— Você será obediente. Você entendeu?


Ela não responde, apenas continua mordendo o lábio inferior.
— Fale, Viviana.
— Sim, eu entendo. – ela resmunga entre os dentes.
— Ótimo.
Agora que está resolvido, tiro o celular do bolso e ligo para o
Lorenzo.
— Como estão as coisas à frente? – pergunto.
Quando viajo, costumo trazer um exército de homens. Desta vez,
trouxe apenas o suficiente para nos manter seguros durante a viagem.
Dois carros iscas, bem como um para explorar o terreno.
— Limpo. Nenhum sinal de nada fora do comum.
Levamos cerca de uma hora para sair da propriedade da minha
família em Nova York e chegar à casa do governador.
Ele não sabe que estamos indo, então isso deve ser interessante.
— Quando chegarmos, você deve falar com a segurança. Meus
homens estarão posicionados se algo der errado, mas entraremos
relativamente às cegas.
— Relativamente?
— Eu tenho um homem lá dentro.
— Você tem?
Levanto uma sobrancelha. — Acho que isso não deveria me
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surpreender. Você parece saber tudo.


— Estou sempre um passo à frente. Lembre-se disso.
Seu rosto empalidece, mas ela se endireita.
Quando começamos a descer o longo caminho, Roberto abaixa a
janela para que o segurança veja seu rosto.
— Oi. – A voz dela soa amigável, e tenho que reconhecer isso.
Embora esteja nervosa, ela parece se comportar bem sob pressão. —
Estou aqui para ver meu pai.
Ele olha para ela e depois assente.
— Ele não pareceu surpreso com o seu carro ou com o fato de você
estar sendo trazida.
— Nunca dirijo para vê-los. Eu ou Uber ou eles mandam um táxi. –
ela encolhe os ombros.
Roberto para o carro na frente da entrada circular e depois desliga o
motor, então sai do carro, fazendo seu trabalho de parecer apenas um
motorista.
Nós dois saímos antes que a porta da casa se abra. Ela se abre e
parece que a mãe dela está ali.
— Vivi. Eu não esperava você. – diz a mãe, com clara confusão
evidente em sua voz ao pronunciar a última palavra.
— Tenho algumas novidades que gostaria de compartilhar com você
e papai.
É quando saio do carro e apareço.
Sua mãe hesita, com seu olhar fixo em mim. Ela me olha de cima a
baixo, mas não há nenhuma lembrança. Ela não sabe quem eu sou, o que
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eu gosto. Não que isso importe. Independentemente disso, vou falar com
o governador esta noite, mas assim, pelo menos, ela não tentará me
impedir.
— Olá, Senhora Marino. – Ando até ela e pego sua mão, beijando as
juntas dos dedos, e ela ri como uma colegial. — Eu sou Matteo. – É
como tirar doce de um bebê.
— Venha, vamos encontrar seu pai. – ela diz para a filha, que revira
os olhos para a mãe pelas costas.
Juntos, atravessamos o hall de entrada e seguimos por um corredor.
Ao fundo, ouço um homem ao telefone. É o governador Marino.
Não consigo ouvir as palavras, mas é ele.
— Não. Absolutamente não. – Ouço quando sua esposa abre a
porta. Ele desliga o celular abruptamente. Assim que ele desliga o
celular, ela entra na sala.
— Estou no meio de alguma coisa. – ele grita para ela. Quando
Viviana o ouve gritar com a mãe, seu corpo enrijece.
— Eu sinto muito. Mas Viviana está aqui e trouxe um amigo. – ela
sussurra, com a voz fraca e cheia de medo.
Senhora Marino entra mais na sala para que Viviana e eu possamos
entrar.
Ele ainda não pode me ver, mas posso vê-lo franzindo a testa para a
filha.
— Qual o significado disso? – A voz dele é quase um grito, fazendo
os ombros de Viviana caírem para frente.
Observo-a e sua mãe, ambas agora olhando para baixo, derrotadas.
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Um desejo irracional de estrangulá-lo se espalha pelos meus


membros. Minha mão direita se fecha em punho.
Há um forte desejo de invadir este escritório, agarrá-lo pela garganta
e depois chutá-lo, mas sei que isso não será um bom presságio para o
meu plano.
Preciso me acalmar, porra. Neste estado, tudo terminará antes de
começar.
Respirando fundo, tento me acalmar. Depois de contar até cinco,
minha pressão arterial caiu o suficiente para não fazer nada estúpido,
como atirar nele.
— O significado disso, governador, é que ela quer apresentá-lo ao
marido. – respondo, com minha voz ecoando na sala silenciosa enquanto
saio da sombra para encontrar seu olhar confuso.
Ao contrário da sua esposa, o Governador Marino sabe exatamente
quem eu sou.
— O que...
— Marido. – digo novamente, permitindo que o meu lábio se
transforme em um sorriso malicioso. — Tenho certeza que você está
familiarizado com o conceito. Você também é um.
Seu rosto fica pálido, mas então ele hesita e olha entre Viviana e eu.
Ele parece estar sem palavras, então me aproximo, puxo Viviana
para mim e a envolvo em meus braços de forma protetora.
Estou surpreso com a boa vontade com que ela me permite.
Seus ombros, que antes estavam tensos de medo, parecem relaxar.
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— Nós nos casamos. – eu o informo presunçosamente. Minha voz,


arrogante e condescendente, o tipo de tom que, se fosse usado comigo,
levaria alguém a ser baleado na cabeça.
— Isso é verdade? – ele pergunta à filha. Seu rosto não revela
nenhuma emoção.
— Sim. – ela sussurra, aconchegando-se mais perto de mim, como
se estivesse com medo de como ele reagiria à notícia.
Ela é pequena em meus braços.
Muito menor do que eu imaginava.
A necessidade de protegê-la me percorre, e não sei por que ou de
onde veio, mas é uma sensação estranha.
Uma que eu não gosto.
Mas independentemente de como me sinto agora, tenho que fingir
que isso não me incomoda.
— Como? – ele estreita os olhos para mim. — Por quê?
— Por quê? – eu levanto minha sobrancelha. — Realmente preciso
lhe contar, Governador, os porquês dos casamentos?
— Surpreenda-me.
— No meu ramo, não tenho o luxo de casar por amor... – eu
começo. Meu significado está muito claro para ele. Este é um acordo de
negócios. Um que fiz sem o conhecimento dele. Um que ele agora tem
que honrar. — Mas olhando para Viviana. – eu me afasto e sorrio para
ela. — Você pode ver por que ela é a noiva perfeita. – Mais uma vez,
minhas palavras não passaram despercebidas para ele.
Ponto para mim.
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Cheque. Mate.
— Como você pôde? – ele sussurra para Viviana. Com veneno puro
escorrendo de sua boca. Não tenho dúvidas de que, se eu fosse qualquer
outro homem, ele tentaria nos matar por desafiá-lo.
— Facilmente. – eu provoco novamente, com o lábio levantado e
tudo.
Seu rosto fica com um vermelho anormal. Ele me lembra de uma
chaleira que está prestes a explodir.
— Você conseguirá anular este casamento.
— Você não dá ordens aqui, Governador. Viviana é minha agora.
Sua mão voa para baixo, atingindo sua mesa.
— Você sabe o que fez, sua idiota?
Afasto-me de Viviana e vou até onde o governador está atrás de sua
mesa.
Antes que ele possa se mover, tiro a arma das costas e aponto
diretamente para sua cabeça. — Nunca fale assim com minha esposa.
Você entendeu? Eu vir aqui com a Viviana é uma cortesia. Você não vai
se dirigir a ela. Você não terá nada a ver com ela, a menos que eu assim
o considere. – digo isso mais para a esposa dele do que para ele. Algo
me diz que o governador ficaria mais do que feliz em não falar com a
filha. Especialmente depois disso. Abaixo minha arma e dou a ele um
olhar penetrante.
Ele não fala a princípio, parecendo não saber o que dizer.
Sua mão alcança o copo em sua mesa. Está cheio até a metade com
gelo derretido e uísque. Ele o leva à boca antes de tomar.
Todos ficamos em silêncio enquanto ele bebe antes de colocar o
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copo na grande mesa de madeira. O som ecoa pelo silêncio da sala.


— Como podemos seguir em frente? – ele pergunta, quebrando o
silêncio. Posso dizer pela maneira como ele cerra os punhos que ele quer
atacar, mas sabe o quanto desastroso isso seria para ele.
— Você me recebe em sua família. Nenhuma pergunta será feita.
Você corta relações com meu primo.
Espero que ele discuta, mas em vez disso, ele levanta o copo e toma
outro gole antes de balançar a cabeça.
— Tudo bem. – ele diz entre os dentes.
— Então acho que devemos ir.
Ele olha de mim para Viviana. — Gostaria de falar primeiro com
minha filha.
— Fale.
— Eu quis dizer sozinhos.
Viro-me para Viviana. Sua testa está franzida e seus braços estão
cruzados na frente do peito de forma protetora. — Você está bem com
isso? – pergunto.
Ela não parece bem. Sua linguagem corporal conta exatamente a
história oposta. A posição em que ela está grita que ela quer ir embora
com a maneira como está voltada para a porta, com os punhos cerrados
suavemente. — Sim. – ela responde, com a voz potente.
Ela não está bem com isso, mas está fazendo o possível para parecer
que não está com medo.
— Estarei do lado de fora da porta. Se você precisar de mim...
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— Ela não vai.


— Você tem dois minutos.
Viro-me e caminho em direção à porta. Senhora Marino caminha
comigo e quando estamos no corredor ela fecha a porta.
Eu me abstenho de me permitir sorrir.
Isso é exatamente o que eu queria.

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Isto é mau.
Não. Muito mau. Desastroso.
Ter que ficar sozinha com meu pai é basicamente a definição do
inferno.
Eu me sinto pequena.
Como se eu fosse um inseto minúsculo no chão e meu pai pudesse
me esmagar com a bota.
Não percebi o quanto confiava na força de Matteo até que ele saiu
da sala.
No momento em que ele fez isso, porém, eu percebi.
Ficou frio na sala quando seu braço se afastou de mim.
Agora, parece que há um frio ártico. Um que começa com o olhar
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zangado do meu pai.


O homem que me criou dá um passo à frente. Sua mão está fechada
ao seu lado. Um punho é formado. Tenho cem por cento de certeza de
que, se Matteo não estivesse do lado de fora da porta, meu pai me
bateria.
Deveria ser uma sorte para mim, mas conheço meu pai. Ele vai me
fazer pagar de outras maneiras.
Agora, só tenho que esperar que seja qual for a ameaça, consiga
convencer meu marido a me ajudar a sair dela.
É discutível se ele gostaria de me ajudar.
— Como você pôde, Viviana?
Eu fico mais ereta, tentando ao máximo parecer forte.
— Ele pediu e eu disse que sim.
— Você deveria se casar com Salvatore Amante.
— Eu deveria, não é? – eu passo a mão pelo cabelo: — Tenho
certeza que ele vai superar isso. – Meu pai levanta a mão para me bater e
eu sorrio. — Meu marido não gostaria disso. – eu deixei meu lábio se
curvar em um sorriso.
— Você gosta disso, não é? Ah, pobre e doce Viviana. Você não
tem ideia do monstro com quem você se deitou na cama. Ele faz o diabo
parecer bonito. Você vai se arrepender de sua decisão.
— Duvido disso. – murmuro.
— Ah, não? Você não acha? Já pensou em Julia? Você já pensou no
que sua decisão impetuosa fará com ela?
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— Sim, pai, eu pensei. E espero que você possa ver que não me
deixou outra escolha. Você queria que eu me casasse com um homem
que eu não amava.
— Mesmo assim você fez isso.
— Mas nos meus termos.
Ele levanta uma sobrancelha para a minha mentira. Mas em vez de
me encolher, fico mais orgulhosa.
— Sim, acredite ou não, foi nos meus termos.
Ele estreita os olhos. — E o que dizer da sua amiga?
— Você não fará nada. Ainda sou tão importante para você. Ainda
posso trazer o que você precisa. Sou casada com Matteo Amante.
Eu me odiei por dizer isso, mas por Julia, eu faria meu marido dar
ao meu pai o que ele queria.
— Então você vai me ajudar...?
— O que você quer dizer?
— Derrube o Matteo. Você está por dentro agora. Veja o que você
fez. Ajude-me a acabar com ele.
— O que? Não, não foi isso que eu disse. Eu quis dizer que posso
convencê-lo a ajudar você.
— Essa merda nunca vai me ajudar. Este é o único caminho. Você
precisa usar sua posição e encontrar a fraqueza dele. Eu preciso acabar
com ele.
— Eu não vou fazer isso.
A bile sobe pela minha garganta porque, por mais que diga que não
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vou ajudá-lo, ele me obrigará. Eu não tenho escolha. Achei que poderia
virar isso de alguma forma a meu favor, mas o risco de vítimas é muito
alto. Meu coração bate forte enquanto espero que ele desista da ameaça
que sei que está por vir.
— Você irá. Você sabe o que há a perder se me contrariar.
E aí está.
Mordo meu lábio inferior e ouço suas palavras. Não digo mais nada.
Em vez disso, eu aceno. Balançando a cabeça ao mesmo tempo.
Eu odeio esse homem.
Odeio tudo o que ele representa.
Minha única saída é esperar que Matteo me ajude.
A questão é que não tenho certeza se ele o fará.
— E assim que eu o destruir, você se casará com Salvatore. Esse é o
preço que você tem que pagar pela sua desobediência.
— Você acha que ele ainda me quer?
— Sim.
— Terminamos aqui?
Preciso sair daqui. O ar está ficando cada vez mais estável a cada
minuto.
Mal consigo respirar.
— Sim.
Sem esperar que ele diga outra palavra, viro-me e vou em direção à
porta. Quando abro a porta, vejo Matteo esperando na parede oposta.
Suas costas estão apoiadas nela e seu pé está levantado e descansando.
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— Estou pronta para ir embora. – digo a Matteo.


Ele olha para além de mim e para o escritório do meu pai. Eu me
pergunto se ele conseguiu ouvir o que meu pai disse.
Não. Não de onde ele estava. A menos que ele tenha se mudado um
pouco antes. Mas pelo jeito que Matteo está calmo, eu duvido.
— Então vamos. – ele estende o braço, apontando para o hall de
entrada. Começo a andar quando sinto sua mão nas minhas costas.
Meus passos param.
Não sei por que, mas é como se eu estivesse paralisada no lugar.
Sei por que ele me apoiou no escritório, mas agora que estamos
sozinhos no corredor, não faz sentido.
— Tudo certo?
— Sim, desculpe. Eu estava perdida em pensamentos.
Não querendo dizer mais nada, eu continuo andando. Sua mão
permanece nas minhas costas.
Parece a caminhada mais longa da minha vida.
A cada segundo, uma eternidade se estende.
É bom, no entanto.
Exatamente o que preciso para sair deste inferno.
Ao nos aproximarmos da porta, um dos empregados dos meus pais a
abre. Não consigo lembrar o nome dele; ele deve ser novo aqui. Ele é o
homem infiltrado? Estou prestes a me apresentar quando Matteo me
puxa pela porta.
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Nenhum de nós fala, e quando entramos no carro e esperamos


Roberto ligar a ignição, ainda não falamos.
Qualquer uma das emoções ou apoio que ele demonstrou antes já se
foi. Por um segundo, fui estúpida o suficiente para pensar que talvez ele
não fosse tão idiota, mas quando ele digita no celular e não reconhece
minha presença, sei que ele realmente é.
Está bem.
Não sei por que pensei o contrário.
— Agora que fiz o que pediu, posso pegar meu celular de volta?
— Vou considerar isso.
Reviro os olhos. Ele não vê quando estou olhando para a janela, mas
ainda assim me faz sentir melhor.
Vou aceitar qualquer coisa agora para fazer isso.
Mesmo que isso signifique que estou agindo como uma criança
petulante.

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Evito minha esposa no dia seguinte. Não por qualquer outro motivo,
a não ser até descobrir o que aconteceu naquele escritório, não tenho
motivos para falar com ela.
Tenho certeza de que Marino pediu que ela me traísse. Sabendo
como ele funciona, o que o move, é quase impensável pensar que não
tentaria tirar vantagem da situação.
Quero saber o que ela disse.
Se ela disser sim, posso dar-lhe informações falsas.
Se ela dissesse não...
Bem, cruzarei essa ponte quando chegarmos lá.
O plano será mais fácil se ela disser sim. Então poderei seduzir
minha esposa sem sentimentos e dá-la de comer aos tubarões.
Depois de conseguir o que quero, posso mostrar a ela o que significa
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ser desleal. Não gosto de matar uma mulher, mas farei o que for preciso
para manter meu reino. Não tenho certeza do que ela está fazendo. Sei
que Giana veio visitá-la e dependendo do que eu ouvir, darei melhores
instruções para Giana sobre como lidar com Viviana.
Encontro meus homens onde eu sempre os encontro na sala de
vigilância.
É o lugar favorito deles para estar.
É o que há de mais moderno e, se você não estiver observando os
monitores, é basicamente uma caverna humana.
— Ok, o que você tem para mim?
— Eu tenho o áudio. – ele sorri.
— Está claro?
— Como a porra de uma neve fresca caída. Nós pegamos os dois.
— Ótimo.
Reviravolta na história: O que Viviana não sabia ontem à noite era
que eu a grampeei.
Não só não fiquei preocupado com o fato de Marino fazer alguma
coisa comigo, já que tenho um homem em sua casa, mas também tive o
benefício de ouvir a conversa deles.
Foi um belo presente que eu não esperava. Às vezes, coisas boas
acontecem a pessoas más. Nesse caso, espionar minha esposa e o pai
dela é uma coisa boa.
— Fale comigo. Você ouviu?
— Ainda não. Até agora, a única pessoa que ouviu foi Eddie, mas
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como não falamos com ele, ele não nos contou o que foi dito.
Isso faz sentido.
Eddie era meu homem infiltrado.
Ele é mais novo no grupo, então se adapta facilmente. Ele é
inestimável. Ele me dá a visão que preciso sobre o que acontece a portas
fechadas. Nada acontece dentro da mansão do governador sem que eu
ouça de Eddie. Isso inclui, mas não se limita, ao casamento iminente de
Viviana Marino com meu querido primo, Salvatore Amante.
Não falamos com ele com frequência, a menos que algo grande
esteja acontecendo.
— O que você está esperando? Ligue isso.
Na sala de vigilância temos um sistema de som de última geração,
então assim que meus homens ativaram a escuta que eu havia plantado
em Viviana, a sala ficou em silêncio para ouvir.
A voz irritada de seu pai ecoa pelo espaço. A dela parece mais
suave, mas ela está se segurando. Ouvi-la tão forte me fez sorrir para
mim mesmo.
Eles continuam conversando e ele faz exatamente o que eu esperava
que fizesse. Ele pede que ela seja sua espiã. A resposta dela não é tão
óbvia na gravação. Ela argumenta, se opõe, até diz não, mas é a falta de
palavras no final que me faz arquear as sobrancelhas.
Quando a gravação termina e desliga, meus homens olham para
mim.
— Ela concordou? – Lorenzo pergunta.
— Com certeza parecia que sim. – eu respondo. Sem olhos na sala,
não posso ter cem por cento de certeza, mas as evidências do áudio
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apontam nessa direção.


— Não tenho tanta certeza. – Lorenzo esfrega o queixo. — Parece
que ela estava apenas tentando acalmá-lo.
— Não. Ela está trabalhando com ele. – Luka interrompe. — Estava
claro como o dia.
— O que quer que façamos sobre isso, chefe? – Roberto pergunta.
— Nada. – ele franze a testa com a minha resposta de uma palavra.
— O que quer dizer com nada? – Lorenzo pergunta, então me volto
para ele em seguida.
— Exatamente o que eu disse. Nada. – Todos os homens parecem
confusos agora.
— Então qual é o plano?
— O plano é dar a eles um gostinho do próprio remédio. Ninguém
entra na minha casa e pensa que pode me enganar.
— Você vai usá-la?
Meu lábio se curva em um sorriso sombrio. — Ah, sim, vou usá-la.
E quando eu terminar, vou colocá-la em algum lugar onde não possa
causar danos, e só vou tirá-la de lá quando precisar de um filho.
Todos acenam com a cabeça, felizes com meu plano.
— E como você quer que ajamos?
— Dê a ela um pouco de corda. Dessa forma, acabará se
enforcando. Devolva o celular a ela, mas instale o software para que
possamos ver e ouvir tudo o que ela faz. Quero saber tudo sobre ela,
então instalarei escutas em todos os lugares. Se ela pensar nisso, eu
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quero saber.
— Entendi. Isto vai ser divertido. – Luka ri.
— Quero que ela pense que estou caindo em seu estratagema, e
então... – eu bato a mão na mesa. Com o som alto e ecoando nas
paredes.
Eu me levanto da minha cadeira.
— Agora que isso está resolvido, tenho que ir.
— Para onde...?
— Seduzir minha esposa. – eu deixo para trás uma gargalhada
enquanto saio da sala. Seduzir minha esposa não é algo que planejei.
Mas que melhor maneira de destruir o pai do que usar o plano dele e
virá-lo contra ele?
O pai dela quer que ela use sua proximidade para me destruir.
Vou usar a minha com ela.
Vou fazê-la se apaixonar por mim.
Fazê-la acreditar que eu me importo.
E então eu lhe darei a informação, não apenas para matar o pai dela,
mas também para pegar meu primo.
Quando isso acabar, decidirei o destino dela.
Sigo pelo corredor e paro em meu escritório. Quando entro, abro a
gaveta de cima da minha mesa para pegar o celular de Viviana e o iPad
para entregar à equipe para alteração. Depois disso, poderei ouvir e ver
todas as comunicações que ela fizer.
Este será meu primeiro passo.
Uma espécie de oferta de paz. Ela simplesmente não sabe por quê.
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Voltando para a sala de vigilância, jogo a mercadoria para meus


homens. Andando pela sala, espero que isso seja feito.
Surpreendentemente, não demora muito para instalar os programas.
Agora, com o aparelho de Viviana em mãos, vou até o quarto dela.
Bato uma vez e fico surpreso ao ouvi-la me dizer para entrar.
Quando entro, encontro-a sentada no sofá do canto. Espero que ela
esteja assistindo TV, mas em vez disso, ela está lendo.
— O que você está lendo? – pergunto, realmente interessado em
saber. Ela segura um exemplar antigo de um livro infantil. Os cantos
estão rasgados e estou surpreso que teríamos o livro, mas então me
lembro de minha mãe lendo-o para mim quando criança.
— A Bela e a Fera.
— Escolha interessante.
— Eu pensei assim. Parecia adequado. Estou surpresa que você o
tenha conseguido. São poucas as escolhas neste quarto.
Reprimo uma risada. Ela não está errada sobre isso. Não sou
conhecido por minhas excelentes escolhas literárias.
— Essa era a história favorita da minha mãe para ler para mim
quando criança. Onde você achou isso?
— Por que você está aqui? – ela diz, mudando de assunto. Mas não
preciso de uma resposta. Este é o meu antigo quarto de quando eu era
criança. Embora a maior parte da mobília tenha sido trocada, o baú no
canto era meu desde quando era jovem. Eu não ofereço essa informação.
Não preciso que ela saiba por que o tenho aqui.
— Vim trazer isso para você. – eu levanto minha mão e seus olhos
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se arregalam.
— Minhas coisas. – A maneira como suas sobrancelhas se arqueiam
em especulação me dá vontade de rir. Ela não confia em mim de jeito
nenhum. Com razão, mas ainda assim, é bastante engraçado. Ela usa
suas emoções na manga. Algo que será útil no futuro.
— Você se saiu bem com seu pai. – digo, chocando-a ainda mais.
Seus olhos escuros estão arregalados, mas sua mandíbula ainda está
tensa. Ela está esperando que eu diga mais. Para emitir algum tipo de
ordem, declaração, ameaça.
— E esta é a minha recompensa?
Encolho os ombros com a sugestão dela, tentando não revelar nada.
— Se você gostaria de ver dessa forma.
— De que outra forma posso ver isso?
— Uma oferta de paz. Eu tenho sido um idiota.
— Você acha?
— Você provou sua lealdade outro dia e quero compensar você. –
Seus olhos se estreitam. Claramente, ela não acredita em mim.
Coloco seus objetos na mesa ao lado dela. Sua mão se estende e
pega o celular, mas ainda assim, seus movimentos são mais lentos que o
normal. Ela está esperando o inevitável.
— E eu tenho permissão para usá-lo?
— Por que outro motivo eu daria a você? – eu guio.
— Para usar um rastreador GPS para ver para onde estou indo. – ela
sorri para mim, com um sorriso encantador, um sorriso que quero tirar
de seu rosto e beijá-la ao mesmo tempo.
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— Não há necessidade de fazer isso.


Seus lábios ficam sérios.
— Por quê? – ela pergunta, com a voz tensa novamente.
— Porque agora que está casada comigo, você irá a qualquer lugar
com um dos meus homens.
— Eu realmente não preciso de um guarda-costas.
— Infelizmente, teremos que concordar em discordar sobre esse
fato. Você, de fato, precisa de um. Ponto final. Sou um homem muito
poderoso e tenho muitos inimigos. E no momento em que você se casou
comigo... eles se tornaram seus inimigos também.
— Bem, isso não parece justo.
— Princesa, você ainda não aprendeu? – eu reprovo.
— Então, de agora em diante, o que você está dizendo é que alguém
estará me seguindo?
— Sim.
— A vida poderia ter sido melhor sob o controle do meu pai. – ela
murmura baixinho.
— Sim, se quiser que seja vendida a um homem que não teria
escrúpulos em estuprar você.
Seus olhos se arregalam enquanto seu rosto empalidece, e percebo
que dei um passo longe demais. Esta não é uma página do Manual de
101 Maneiras de Sedução.
Dando um passo mais perto, eu a cerco. Desta vez, quando olho
para ela, posso ver que há pequenas manchas coloridas em suas íris.
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Pequenas manchas douradas.


Pena que ela é uma traidora. Transar com ela frequentemente não
seria uma tarefa árdua. Agora é só parar de ser teimoso e fazer o que
preciso fazer.
A sedução não será difícil, já que ela é linda.
O único problema é que sou tão romântico quanto o personagem
principal do livro que ela está lendo.
— Jante comigo esta noite.
— Isso foi um pedido ou uma ordem?
Inspiro e evito gritar que ela virá se souber o que é melhor. Essa não
é a maneira de vencer este jogo.
— Por favor, jante comigo hoje.
— Isso não foi tão difícil. Não é?
Olho para ela com expectativa. Ela ainda não me deu a resposta,
mas espero que ela fale, apesar da minha impaciência.
De onde ela está sentada, sua cabeça está levantada e olhando para
mim. Nossos olhos se encontram. Ela está fazendo aquela coisa de
morder o lábio inferior. Ela está pensando. Embora eu não saiba o que
há para pensar. Eu sou o marido dela e, em algum momento, ela terá que
passar um tempo comigo.
Especialmente porque o plano do pai dela é usá-la para chegar até
mim. Ela não pode fazer isso a menos que me seduza também. É um
jogo de gato e rato. Nós dois tentando ser o predador. Infelizmente para
ela, só pode haver um.
Sempre existe apenas um vencedor.
O que Viviana não sabe é que eu nunca perco.
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— Tudo bem. – ela diz.


Quando estendo minha mão, seus olhos se arregalam. Ela está
chocada com o movimento. Ela não espera isso.
Ótimo.
Gosto de mantê-la em alerta.
Ela olha para minha mão estendida e esperando por ela.
Por um momento, me pergunto se ela irá rejeitar. Eu me pergunto o
que há de mais forte dentro dela: o medo do pai ou a força dela. Ela
responde minha pergunta quando coloca sua palma pequena e delicada
na minha.
Com nossos dedos entrelaçados, eu a puxo até que ela fique de pé.
Então, juntos, saímos do quarto dela. Eu a conduzo pela grande
escadaria. Meus passos são mais lentos que o normal. Como sou muito
mais alto que ela, meu andar é mais longo, então altero conscientemente
o meu para acompanhá-la.
Quando chegamos na sala de jantar, solto a mão dela para puxar a
cadeira. Ela se senta e então sento ao lado dela. Olhando para ela,
percebo que a última vez que nos sentamos tão próximos um do outro
foi no nosso casamento. Vou ter que mudar isso se achar que posso usá-
la. Mas como alguém seduz a própria esposa, a esposa que está tentando
fazer o mesmo?
Se ela fosse qualquer outra mulher, não seria tão difícil. Antes disso,
eu realmente não namorava. Claro, eu fiz muito sexo. Mas namorar?
Não.
No meu ramo de trabalho não há espaço para relacionamentos. Os
relacionamentos são consolidados apenas por alianças.
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É por isso que agora tenho uma esposa. Exceto que, neste caso, não
há aliança a ser feita. Se fosse um encontro, eu conversaria com ela
sobre o que ela queria da vida, o que ela desejava e o que ela gostava. Eu
fingiria que me importo. Então é exatamente isso que farei.
— Nós realmente não nos conhecemos. – eu começo.
— Bem, nós nos casamos depois de basicamente um segundo. Isso
não é um bom presságio para conhecer alguém.
Seu atrevimento está lá. Presente em cada piada sarcástica que sai
de sua boca. Eu gosto da provocação.
— É verdade, mas gostaria de mudar isso.
Suas sobrancelhas arqueiam. — Você gostaria? Por quê?
— Por que quero conhecer minha esposa? – pergunto, para mostrar
a ela que a ideia não é tão absurda.
— Sim, é exatamente isso que quero saber.
Inclinando-me para frente na cadeira, coloco os antebraços sobre a
mesa. — Acredite ou não, não entrei neste casamento sem pensar no que
isso significava. Não tenho planos de me divorciar de você. No meu
mundo isso não acontece. Se quisermos ficar juntos, se eventualmente
você for a mãe dos meus filhos, gostaria de conhecê-la. Sei que não
comecei assim, mas quero agora...
— E tudo isso mudou por causa do meu pai? – Seus traços
delicados são naturais, mas sua voz é mais baixa, tentando determinar se
estou dizendo a verdade ou lhe contando uma história.
Esta última é a resposta, mas vou vendê-la como um caixeiro
viajante que vende óleo de cobra como uma cura milagrosa.
— Sim. Ver você com ele me fez perceber que não há amor entre
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vocês, e por causa disso, pela maneira como ele tratou você, quero
protegê-la.
Por um momento, me pergunto se fui muito forte e ela perceberá
minhas mentiras, mas o franzido em sua mandíbula suaviza.
— Tudo bem. – ela responde.
— Ótimo. Vamos começar com você me contando um pouco sobre
você.
Seus olhos se arregalam com a minha declaração. — Essa é uma
resposta longa. – ela ri. — Vamos restringir. O que exatamente quer
saber?
— Pelo que percebi, parece que você estudou na NYU. O que você
estava estudando?
— Você já sabe disso. – ela revira os olhos. Ela está certa, mas
ainda quero ouvir. — Estou estudando, ou quero dizer, estudei Literatura
Inglesa.
— Daí a leitura?
— Sim, daí a leitura.
— Sabe, eu tenho uma biblioteca.
— Por que isso não me surpreende?
— E você acabou de se formar? – pergunto. Recostando-me na
cadeira, levantando os cotovelos da mesa.
— Acabei, na verdade. Porém, com tudo o que aconteceu, eu não
voltei.
— O que isso significa?
— Honestamente? Absolutamente nada. Ainda tenho um diploma.
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Ainda me formei na faculdade. Eu simplesmente não tive um daqueles


momentos em que subi no pódio e sorri para meus pais.
— Você gostaria de ter feito isso?
— Conheceu meus pais. O que você acha? – ela fica inexpressiva e
não posso deixar de rir. Ela inclina a cabeça para o lado. — Acho que
nunca ouvi você rir.
— Não se acostume com isso. Raramente faço isso.
— Você deveria fazer isso com mais frequência. Você dá uma bela
risada.
— No meu ramo... bem, digamos apenas que ninguém ri no meu
ramo de trabalho. Pelo menos não com frequência.
— Isso é triste.
— A vida pode ser triste. – Nós dois ficamos em silêncio e, quando
estou prestes a abrir a boca e perguntar mais, uma das minhas
empregadas entra na sala de jantar.
Ela tem uma garrafa de vinho na mão e começa a servir uma taça
para nós dois.
— Espero que você beba tinto.
— Beberei qualquer coisa. – ela ri. — Eu me acostumei a ficar
bêbada para poder jantar com os meus pais.
— Espero que você não se sinta assim agora.
Ela parece surpresa. Talvez eu esteja forçando as coisas. Mas não
tenho todo o tempo do mundo para fazê-la confiar em mim, e ela não é
estúpida.
Preciso convencê-la de que sou real e, então, preciso acabar com
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ela, sua família e meu primo.


Não há como ela acreditar agora que eu seria imprudente o
suficiente para deixar cair informações confidenciais na frente dela. No
entanto, se eu jogar o jogo direito, se eu levá-la a um falso conforto e
depois deixar cair a informação, ela vai cair em minhas mãos.
Serei capaz não apenas de destruir o pai dela, mas também de
encontrar meu primo. É surpreendente como ele tem sido inacessível.
Sou dono de Nova York, devo ser capaz de encontrá-lo, mas visto que
ele tentou ir para a cama com Nova Jersey, devo presumir que é onde ele
está se escondendo. Embora a maior parte de Jersey seja minha, há
certas jurisdições onde meu poder é limitado.
— Então... Universidade de Nova York? Eu sei que você morava
em um apartamento, foi onde você morou durante a faculdade?
— Não. Na verdade, sempre morei em apartamento, mas o que
morei antes era tipo em Fort Knox. Meu pai tinha tantos seguranças
comigo que era patético.
Acho interessante que ela diga isso porque uma das coisas que me
chocou foi a falta de segurança que ela tinha.
— Obviamente isso mudou. – comento.
— Sim, bem, eu tive que provar que sou obediente. Assim que o fiz,
ele soltou um pouco as rédeas. Assim que ele teve certeza que eu faria
tudo o que ele quisesse e pedisse... – ela para, sem terminar a linha de
raciocínio.
— Concordar em casar com meu primo e sendo um deles.
— Sim, ele me atacou logo antes de conhecer você. Ele era um
tirano, mas não como você. Alguém que não acreditava que eu precisava
de educação ou diploma, e foi por isso que acabei estudando inglês.
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— Mas você pelo menos gosta de ler?


— Sim, mas desde que sei, ele nunca teria me deixado fazer outra
coisa. Escolhi algo que amava, mesmo que isso significasse que nunca
teria uma carreira nisso.
— Bem, esse é um luxo que a maioria não tem. A maioria das
pessoas vai para a faculdade para aprender algo que odeia porque isso
lhes dá dinheiro.
— Verdade. Eu deveria estar feliz por ter conseguido seguir minha
paixão. Eu adorei a faculdade. Adorei aprender. E no final, sempre terei
as lembranças e o conhecimento.
Na minha frente estava a oportunidade que eu precisava. Foi uma
entrada perfeita para ela ser calorosa comigo.
— Se você pudesse fazer qualquer coisa, o que faria?
— Por quê? Não importa.
Eu me inclino para frente e coloco minha mão na dela. — Importa
para mim.
À medida que as palavras saem da minha boca, percebo que há
alguma verdade nelas. Não é que me importe necessariamente, mas
estou curioso sobre ela. Quero saber tudo sobre ela. Não apenas para
usá-la, mas porque algo me intriga, e eu estaria mentindo se dissesse o
contrário.
A maneira como olha para mim é quase enervante; ela me analisa,
tentando entender. Com minha mão ainda na dela, me inclino para
frente, mais perto dela.
Venda a história.
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Faça-a acreditar.
— Eu... – ela gagueja. — Adoro ler, como você sabe. Sempre quis
fazer algo nessa área. Talvez ser uma agente literária ou editora. Abrir
uma livraria também seria incrível. – Sua voz sai fantástica, como se
estivesse perdida em um sonho. — Sempre quis encontrar o próximo
grande livro para me perder.
— Então faça.
— Você, você me deixaria trabalhar?
— Acredite ou não, Viviana, você não é uma prisioneira aqui. No
momento, pode ser difícil para você começar um emprego, visto que há
algumas complicações.
— Seu primo?
— Sim. Mas não deverá demorar tanto. Depois.
É mentira. Se ela fizer o que acho que ela fará, não há trabalho onde
a vou colocar.
— Posso começar a procurar agora? – ela parece tão esperançosa.
Se eu ceder a ela, isso pode ajudá-la a acreditar mais.
— Vou considerar isso, dependendo da ameaça, mas você teria que
contratar um guarda-costas.
— OK. – ela balança a cabeça enquanto sorri.
Seus lábios abrem em seu rosto.
Eu nunca a vi sorrir assim antes.
É realmente o sorriso mais lindo que já vi. É o tipo de sorriso que
pode iniciar guerras.
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Já aconteceu.

Ao acabar, eu a acompanho até o quarto dela. Ao abrir a porta, ela


se vira e olha para mim.
— Obrigada por esta noite.
— Foi um prazer. Se você quiser, podemos começar a jantar juntos
todas as noites que eu estiver aqui.
— Você não está sempre aqui?
— Não. Às vezes eu saio.
Por um segundo, ela parece querer perguntar mais, mas em vez
disso, ela solta o lábio.
— Eu gostaria disso. – diz ela.
— Boa noite, Viviana.
— Boa noite, Matteo.
Depois que ela entra no quarto e fecha a porta, desço as escadas.
Temos uma remessa chegando esta noite e preciso me preparar para
supervisioná-la.
Normalmente, eu não supervisiono.
Mas visto que esta é uma nova rota e um novo local de entrega, eu
faço.
Decido tomar uma bebida no meu escritório antes de sairmos.
Estou sentado sozinho, com uísque na mão, quando Lorenzo entra.
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— Como foi o jantar? – ele pergunta, com a sobrancelha levantada.


— Ótimo.
O homem ainda age como se nós estivéssemos no ensino médio,
esperando que eu contasse a ele sobre a líder de torcida com quem
transei debaixo da arquibancada.
— Algo mais? – ele pergunta.
Levanto minha sobrancelha. — Somos meninas?
— Bem não...
— Sente-se. – eu dou um tapinha na cadeira.
Lorenzo se impõe. Levanto e pego um segundo copo. — Tome uma
bebida comigo.
Sua sobrancelha se levanta. — Por que vamos beber?
— Preparando o terreno. – E, com sorte, transar com a esposa
depois. Eu não sou nenhum maldito santo.
— Com a patroa?
— Ding, ding, ding. Correto. Prevejo tê-la sob controle dentro de
duas semanas.
— E depois? – ele me olha com curiosidade.
— Então começa a diversão.
— Você acha que deveríamos finalizar os detalhes agora?
— Não. Ainda não. Muitas variáveis podem mudar. Mas acho que
deveríamos armar para ela. Dê a ela pequenas informações para contar
ao pai e, quando soubermos que ele confia nela, atacaremos.
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— Você ficará bem em matá-la quando tudo estiver dito e feito?


— Claro.
— Interessante.
— O que isso deveria significar?
— Nada. – ele responde, mas sei que tem mais a dizer. O homem
me conhece melhor do que ninguém. Ele sabe que matar não seria fácil
para mim, mas farei o que for preciso, independentemente do que ele
pense.
Continuamos bebendo e a conversa fica mais leve depois disso.
Chega de falar em guerra ou em matar minha esposa.
Uma hora depois, é hora de sair.
Como sempre, levamos vários carros. Desta vez, ao contrário da
última vez, estou no meio. Gosto de mudar as coisas. Assim, se
acontecer alguma coisa, será mais difícil chegar até mim. Visto que
ninguém conhece este local, tenho certeza que estou bem, mas você
nunca pode estar muito seguro.
Quando chegamos ao porto, entramos no armazém de brinquedos.
No que diz respeito aos armazéns, este nunca esteve sob qualquer
vigilância.
— Você já se sentiu estranho por estarmos enfiando drogas em um
ursinho de pelúcia?
— Não. – respondo a Roberto. É mentira. Odeio essa merda, mas
até que meu primo saia de cena, preciso continuar lidando com essa
merda. Não posso arriscar que meu primo assuma o controle e se torne
ainda mais poderoso do que já é.
Ainda é uma pena ter que esconder isso em algo destinado a uma
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criança. Felizmente, não há risco de cair em mãos erradas.


A fábrica de brinquedos não vende mais brinquedos de pelúcia para
lojas de verdade. É cem por cento apenas vendendo as nossas peças, por
isso não há espaço para confusão com os envios. É apenas uma fachada.
— Vendemos um produto que para todos os efeitos nem deveria ser
ilegal. Em alguns estados, algumas das drogas que vendemos não são.
Cocaína, maconha, pílulas... se alguém quiser ficar chapado, deixe.
Porra, a maconha é legal em metade do país, até mesmo o Oregon
acabou de descriminalizar a heroína e a cocaína.
— É melhor que isso não aconteça aqui. Isso acabará com nossas
margens de lucro.
— Se isso acontecer, ficaremos bem. – E nós vamos. Temos vários
negócios. As drogas são apenas um pequeno componente.
Proteção. Jogatina. Empréstimos. Estes são meu ganha pão.
As drogas são algo de que venho tentando me livrar há muito
tempo, mas até conseguir, tenho que aguentar essa merda.
Breve.
— Escute, podemos estar enchendo um ursinho com Molly, mas
pelo menos não vendemos mulheres.
Esse é meu argumento para mim mesmo. Não gosto do aspecto das
drogas, mas sempre fez parte dos negócios da minha família. Para mudar
isso, eu irritaria muita gente da família com a perda de rendimentos.
Passei os últimos três anos desde a morte do meu pai fazendo
exatamente isso.
Meu objetivo é sair em mais cinco minutos.
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Quando o carro para, eu saio. — Quanto tempo mais?


— Tobias disse que o barco deveria chegar dentro de quinze
minutos.
Esta localização é privilegiada pelo seu isolamento e pela boa
reputação da fábrica de brinquedos. O único problema que tenho é que,
embora o governador de Nova Iorque esteja do meu lado, tenho de me
preocupar com a possibilidade de o governador de Jersey perceber. A
Autoridade Portuária é chefiada por Nova York e Jersey.
Faço algumas ligações enquanto espero e, como Tobias disse, o
barco chega na hora exata.
Meus homens começam a descarregar as caixas, colocando-as no
concreto antes de serem abertas e verificadas.
Levamos horas.
Eu preferiria estar em um clube tendo meu pau chupado agora. Mas
em vez disso, estou tirando drogas de uma cabeça de leão empalhada.
Quando terminamos, a luz da manhã começa a penetrar lentamente
no céu nebuloso.
Estou de volta ao meu carro agora. As drogas ficam com Roberto
para triagem e envio aos distribuidores. Somos só eu, Lorenzo e meu
motorista voltando para minha propriedade.
— O que você achou do local?
— Funcionará perfeitamente por enquanto.
— Você ainda quer sair do negócio? – ele me pergunta.
Dou-lhe um breve aceno de cabeça. — Eu quero.
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— Acha que os homens vão se importar?


— Talvez. Mas acho que quando obter uma solução mais viável que
gere ainda mais dinheiro, eles não darão a mínima.
— E o que será isso?
— Não faço ideia. Mas não se preocupe, eu vou descobrir.
— Sei que você vai. Você sempre faz. Você me lembra de seu pai.
Suas palavras me fizeram olhar para ele, atordoado.
Lorenzo tem sido meu amigo, primo e confidente mais próximo.
A opinião dele significa tudo para mim. Saber que sou parecido com
o homem que meu pai foi significa tudo.
Eu escolhi não falar. Não para agradecê-lo. Para não dizer nada.
Minhas emoções estão pesadas demais na minha língua e sei que se
abrir a boca, direi alguma coisa.
No meu ramo e na minha família, você não faz isso.
Em vez disso, aceno com a cabeça uma vez.
Ele me conhece bem o suficiente para saber que agradeço, então
pego meu celular e mando uma mensagem para Tobias.
Tobias é mais que um parceiro de negócios. No meu ramo não tenho
muitos amigos, mas para mim, se tivesse um, seria ele. Conhecemos-nos
na propriedade de Cyrus Reed há muitos anos. Nós dois somos clientes
do banqueiro. Durante bebidas e pôquer, formamos uma espécie de
vínculo, o que é incomum nesta vida.
Independentemente do que ele faça para viver, confio minha vida
nele.
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Nascido e criado em Nova Iorque, a sua família é grega, mas uma


ligação familiar da qual ele não quis falar o liga diretamente ao cartel
colombiano.
Por causa dessa conexão, ele é minha principal fonte de drogas.
Nunca fiz perguntas, provavelmente por isso ele gosta tanto de mim,
e como sempre honrou o mesmo código, gosto dele também.

Eu: Estou no restaurante.

Isso está codificado, obviamente.


Estou aqui, o que significa que as drogas estão aqui.

Tobias: Ótimo. Divirta-se.

Coloco meu celular de volta no bolso e olho pela janela.


Acho que não vou dormir tão cedo. Para minha sorte, não preciso de
muito. Esta noite decidirei o que fazer com minha esposa.
Algo longe de casa...
Ou talvez algo na propriedade.
Não tenho certeza se ela ainda se sentirá confortável em ir a algum
lugar comigo.
O tempo está começando a esfriar.
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Embora a neve ainda não tenha caído, é apenas uma questão de


tempo.
As árvores são áridas, então não há muito para ver na propriedade.
Em vez de dar uma caminhada, decido que vou levá-la para a cidade
amanhã.
Podemos ir às compras.
Pelo jeito que ela falou em conseguir um emprego, posso perceber
que ela está ansiosa para sair de casa, então é isso que farei.
Passaremos o dia juntos.

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Uma semana se passou. Os dias se misturaram nesta casa. O
destaque é jantar com Matteo todas as noites, por mais estranho que
pareça.
É surreal.
Mesmo agora, enquanto o sol da manhã entra pelas janelas altas,
parece que estou perdida em um sonho.
Meus olhos se abrem e, por um momento, quase esqueço onde
estou.
Quase.
Mas quando o quarto entra em foco, lindamente decorado e o oposto
do meu apartamento, lembro-me de tudo, e a realidade desaba sobre
mim.
Isto não é um sonho.
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Ainda estou aqui, nesta estranha sensação de purgatório.


Não faço ideia do que meu futuro trará e tenho medo total do que
meu passado trará.
Não há nada que eu possa fazer agora. Estou no início de uma
montanha-russa, prestes a começar a me mover, sem ter ideia do que
está por vir.
Vou precisar engolir isso e seguir o fluxo, porque não terei nenhuma
palavra a dizer sobre o assunto, de qualquer maneira.
Deixei escapar um grande bocejo.
Agora que estou resignada com meu destino nesta casa, penso em
meu pai.
Embora já tenha passado uma semana desde que falei com ele,
ainda me sinto nervosa com todo o encontro.
Suas palavras ainda estão filtradas em minha mente. Ainda posso
ver a tensão em sua mandíbula e a forma como sua mão estava fechada.
A raiva era palpável na sala. Tive sorte de sair ilesa de lá. No entanto,
mesmo agora, permanece na minha pele. O medo e a incerteza do que o
futuro trará.
Eu não tenho muitas escolhas.
Meu pai não me deixou nenhuma.
Matteo é minha melhor opção.
Embora não saiba se posso confiar meus segredos a ele. Se eu
pudesse, isso mudaria tudo. Ontem ele me mostrou um lado diferente
dele, um lado que me fez pensar que talvez pudesse. Mas estou vivendo
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um dia de cada vez e tentando ver o que o dia de hoje traz.


Pelo que sei, ele será um idiota furioso mais uma vez.
Embora seja uma boa possibilidade, realmente espero que não seja o
caso.
O amor não é algo que espero, mas uma espécie de aliança poderia
tornar minha vida muito mais fácil.
Porque a outra opção é aceitar as regras do meu pai.
Há também a escolha que posso fazer para escapar de ambos. Mas é
mais do que apenas eu que preciso considerar nesta equação. Muitas
pessoas confiam em mim e é por isso que não posso ser egoísta. Preciso
realmente considerar minhas opções.
Há muita coisa em jogo se não o fizermos.
Então, em vez de me preocupar e ficar pensando, preciso sair da
cama. Preciso tomar banho. Preciso me maquiar e preciso sorrir. Preciso
convencer Matteo de que não sou o inimigo e que pode confiar em mim.
Como se convocado pelos meus pensamentos, ouço uma batida na
minha porta.
— Viviana. – eu ouço a voz dele. É rouca e profunda, como sempre.
Imagino que haja uma careta em seu rosto. Embora ele seja bonito e
carrancudo, é quando ele sorri e ri que ele é verdadeiramente devastador.
Esse lado dele é assustador. Porque esse lado é a parte que me faz
humanizá-lo.
Não é uma coisa boa agora.
— Espere um segundo. – grito de volta. Ele não pode entrar. Mal
estou vestida.
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Pulo da cama, com meus pés batendo no chão frio enquanto corro
até o closet para me vestir, mas primeiro tenho que fazer xixi e escovar
os dentes. Quando me olho no espelho, minha boca se abre. Eu pareço
ridícula.
Não há como salvar meu cabelo ou rosto agora.
Tenho marcas de travesseiro e na cabeceira da cama. Parece que
acabei de fazer sexo. Como não o fiz, não é uma boa aparência para
mim.
Rapidamente, escovo os dentes e passo a escova no cabelo. Como
ainda preciso tomar banho, visto um roupão e vou até a porta. Ao
destrancá-la, eu abro e coloco minha cabeça para fora.
— Ei, eu só preciso entrar no chuveiro bem rápido.
Seus olhos verdes me encaram e, como sempre, parece que há
muitas palavras escondidas atrás deles. — Gostaria de levar você para a
cidade hoje.
Devo parecer chocada porque ele sorri para mim, com um sorriso
torto que faz meu coração parar, mesmo que apenas por um segundo.
Um maldito sorriso para um maldito homem que não consigo ler e
que me dá sinais confusos todos os dias.
Tento dizer para parar, mas é um músculo traidor e não me escuta.
Sim, ele é atraente e sim, ele é meu marido, mas não posso
confundir essas duas coisas.
Não consigo captar sentimentos.
Não quando há tantas variáveis desconhecidas.
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— Eu adoraria. Quanto tempo tenho?


— Quanto tempo você precisa?
— Trinta minutos.
Seus olhos se arregalam com a minha resposta. — É rápido.
Encolho os ombros. — Não exijo muita arrumação.
— Gosto disso sobre você.
Se já não bastasse que ele é lindo, agora tem que dizer coisas assim.
Deixe as malditas borboletas no meu estômago.
Ótimo.
Simplesmente incrível.
Sinto-me atraída pelo meu marido. Inferno, pela forma como meu
corpo reage a ele, é mais do que isso. Parece que levei um soco quando
percebo que é muito mais do que isso.
Em apenas alguns dias, percebo que realmente gosto dele.
Tenho uma queda pelo meu marido.
Isto é mau.
Preciso de ar, então caminhar pelas ruas de Nova York pode ser
exatamente o que é necessário neste momento. Talvez ele seja um idiota
enorme e essas vibrações insanas parem.
Ou talvez seja pior.
Balanço a cabeça e decido parar de sonhar acordada sobre como
será o dia e apenas viver.
Trinta minutos depois, estamos sentados juntos em silêncio no
carro.
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Fiquei um pouco surpresa quando não insistiu para que eu cobrisse


os olhos enquanto saíamos do complexo.
Ele não fez isso, mas quando estávamos passando pelos portões,
notei os homens armados nos postos de controle e nas torres de vigia;
Percebo que mesmo que eu tivesse instruções, ninguém chegaria vivo a
este lugar.
Isso deveria me assustar, mas não assusta. Em vez disso, isso me faz
sentir segura.
Não tenho certeza do que isso significa para mim ou sobre mim,
mas tenho certeza de que não é normal.
Também percebo que, tecnicamente, se ele quisesse me trancar
neste lugar, eu não teria saída. Felizmente para mim, esse não é o caso.
Por mais monstro que ele pareça ser, no grande esquema de todos os
homens da minha vida, ele não é tão ruim assim.
É quase como se ele fosse meu herói sombrio.
Não vou contar isso a ele. Conhecendo-o, ele provavelmente atiraria
em um de seus homens só para provar que estou errada.
Não isso não é verdade. Estou sendo muito dura com ele.
Por mais áspero que seja, ele provou várias vezes que não é tão ruim
assim. Não é surpreendente que não falemos durante nossa viagem. Mas
assim que atravessamos a ponte que leva à cidade, ele se vira para mim.
— O que você quer fazer primeiro?
— Eu tenho escolhas?
— Todas as escolhas do mundo, querida. Este dia é dedicado a
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você.
Suas palavras me surpreendem. Quando ele disse que iríamos para a
cidade, presumi que ficaríamos na outra casa dele.
— Podemos comer?
— Me desculpe, esqueci que não comeu nada esta manhã. Você
deve estar morrendo de fome.
Suas sobrancelhas se juntam. Ele está claramente chateado por não
ter me levado em consideração.
— Realmente não é grande coisa. Na faculdade, eu nunca comia. –
Isso o faz estreitar os olhos para mim.
— Sério?
— Sim, você nunca passou a noite estudando e esqueceu de comer?
– pergunto-lhe.
Ele olha para mim como se eu fosse louca, com os olhos verdes
arregalados.
— Não.
— Você fez...? – eu paro, sem saber como abordar esse assunto. —
Você foi a faculdade?
Ele ri. — Claro que fiz faculdade, Viviana.
— Ah, acabei de imaginar...
— A Faculdade da Vida.
Eu paro. Olho para ele. Ele solta uma gargalhada que faz meu peito
ficar confuso.
— Yale. – ele diz. — Você imaginou, já que comando a máfia, que
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sou um idiota.
Ótimo, Viviana. Simplesmente ótimo. Aqui está ele, me oferecendo
um ramo de oliveira de paz para melhorar nossa coexistência, e eu o
insultei a torto e a direito.
— Isso foi presunçoso da minha parte.
— Não, querida, foi natural da sua parte. Não estou com raiva. E a
verdade é que está tudo bem. A maioria dos homens da minha família
não ia à faculdade, inclusive meu pai. Mas ele insistiu que o mundo
estava mudando e que eu precisava ser bem versado na vida e nos livros
para me adaptar à mudança. Adapte-se ou morra, ele costumava dizer.
— Ele parece um homem inteligente.
— Ele era.
— Era?
— Sim, ele e minha mãe faleceram há alguns anos.
— Sinto muito. – Mordo meu lábio inferior. Quero fazer tantas
perguntas a ele, mas não consigo encontrar as palavras na minha boca.
Fico surpresa quando ele sorri para mim. Não é um sorriso grande
ou contagiante, mas ainda faz meu coração bater um pouco mais rápido.
— Não há problema em me perguntar o que aconteceu com eles.
— Não quero bisbilhotar.
— Você é minha esposa agora. Não é bisbilhotar.
Respiro fundo e dou-lhe um sorriso tenso. — Como eles morreram?
— Eles foram mortos.
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Deixei escapar um suspiro audível. Não só estou chocada com o


fato de sua família ter morrido de uma maneira tão horrível, mas
também não consigo acreditar com que facilidade ele fala sobre isso. Ele
age como se sua família fosse ao supermercado quando, na verdade,
foram assassinados. Ou pelo menos acho que foram. Ele ainda não disse
isso, mas só posso presumir que, no ramo de negócios em que atua, foi
isso que aconteceu.
— Como?
— Houve uma bomba... O incêndio que causou os matou.
Assim que as palavras saem de sua boca, parece que levei um soco.
Parece uma faca torcendo nas minhas costas. Como se não conseguisse
respirar através da dor, através das minhas próprias memórias.
— Eu... eu... – Não há palavras que saiam da minha boca.
— Como eu disse antes, está tudo bem, Viviana. Tive três anos de
luto por eles e, embora sinta falta deles, aprendi a seguir em frente.
— Dói falar sobre eles?
— Não mais.
Ele volta sua atenção para a rua.
O trânsito de Nova York está parado e nosso carro mal se move.
— Vamos sair aqui. – diz Matteo, me chocando e fazendo com que
o motorista se vire no banco.
— Aqui, mas... – Pelo espelho retrovisor, posso ver o choque no
rosto do motorista enquanto ele fala.
— Eu disse aqui. – A voz entrecortada de Matteo não deixa espaço
para objeções.
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— Vou dizer aos homens...


— Não há necessidade.
— Mas...
— Ninguém sabe que estamos aqui. Ninguém nos seguiu. Estamos
bem. Nós vamos caminhar. Se eu precisar de você, eu ligo.
Sem mais nada a acrescentar, ele abre a porta e sai. Atravesso o
centro do carro para sair pela mesma porta que ele.
Sua mão estende e ele pega a minha, me ajudando a sair do carro.
Espero que ele me solte, mas em vez disso, entrelaça nossos dedos.
Com sua mão quente em volta da minha.
Está frio na cidade, mas com a proximidade dele e a maneira como
faz meu coração bater mais rápido que o normal, não sinto frio nenhum.
Em vez disso, sinto minhas bochechas esquentarem e meu pulso
ganhar vida.
— Onde estamos indo? – grito acima do som dos carros buzinando
ao longe.
— É uma surpresa.
— Ah... OK.
Meu estômago escolhe esse momento para roncar, e fico grata por
estar barulhento na cidade, então ele não consegue ouvir. Estou
morrendo de fome, mas as coisas estão indo tão bem que não quero
mencionar isso.
Quinze minutos se passam. Continuo esperando que ele solte minha
mão, mas não o faz.
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Quando ele finalmente para de andar, vejo que parou em frente a um


pequeno restaurante italiano.
— Espero que você esteja com muita fome.
Agora que ele disse isso...
— Estou faminta. – admito.
— Ótimo. Porque eles fazem a melhor pizza de forno de tijolos da
cidade.
Ele solta minha mão e, instantaneamente, sinto falta do seu calor.
Mas então ele a coloca nas minhas costas. Não sei por que, mas há algo
tão íntimo nessa mudança.
Não sei se é porque ele olha para mim e é como se pudesse ver
através de mim, ou se é apenas a sensação dele me tocando. Sinto-me
trêmula e tenho que livrar esses pensamentos da minha cabeça. Com a
mão livre, ele abre a porta do restaurante.
— Depois de você. – ele diz.
Dou um passo à frente e entro.
O restaurante não é o que eu esperaria de um homem que mora em
uma propriedade tão imaculada.
Percebo que as paredes têm papel antigo e desbotado, mas em
alguns pontos há tinta. Há algumas mesas, não muitas, provavelmente
em torno de dez, mas, como o resto do lugar, parecem já ter visto dias
melhores.
— Me siga.
Ele começa a andar, me levando até a parede oposta. Há uma mesa
para dois no canto. Ele puxa a cadeira para mim e eu sento.
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— Como eu disse antes, eles têm a melhor pizza e, confie em mim,


eu sei.
— Como você encontrou este lugar?
— Essa é uma longa história.
— Bem, eu tenho tempo. – Ele está prestes a abrir a boca e começar
a falar quando uma senhora mais velha sai pela porta nos fundos do
restaurante que deve levar à cozinha.
— Matteo, é tão bom ver você. Já faz muito tempo. – diz ela,
enquanto ele se levanta e dá um abraço na senhora. Ela se afasta,
olhando para mim, com um grande sorriso no rosto. A curiosidade
brilhando em seus olhos apagados.
— Quem é sua amiga?
— Maria, esta é na verdade minha esposa.
A senhora, que agora conheço como Maria, leva a mão à boca. —
Você tem uma esposa? Eu não sabia.
— Tudo aconteceu muito rapidamente.
— Franco, venha aqui! Matteo Amante está aqui e trouxe sua linda
esposa! – ela grita.
Um senhor de cabelos grisalhos e barba grisalha vem em nossa
direção. Ele aperta a mão de Matteo antes de ambos se virarem para
mim.
— Bem-vinda. Matteo é como da família. – diz ela calorosamente.
Os dois começam a falar em italiano, com as vozes animadas. Como
não falo italiano, fico ali sentada sorrindo para eles. É bom ver Matteo
assim. Ele parece um homem diferente.
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Eventualmente, Matteo se senta novamente e Maria e Franco voltam


para a cozinha para pegar a pizza para nós.
Nem um momento depois, uma pizza grande e gigante é colocada
na nossa frente.
— Caramba, isso é grande. – eu rio.
— Você não tomou café da manhã.
— Quero dizer, estou com fome, mas isso é o suficiente para
alimentar um exército.
— Tenho certeza de que um exército exigiria um pouco mais do que
isso.
— Quer dizer, eu não limito o que posso comer, mas isso é ridículo.
Não acredito que você comprou tanto. Você tem que levar as sobras para
casa.
— Se é o que você quer.
— Por que você não quer?
— Não gosto muito de sobras, na verdade. Prefiro comida fresca.
Mas é muito, e se você quiser levar para casa, nós podemos.
— Talvez Roberto queira um pouco.
— É gentil da sua parte pensar nele.
Matteo serve uma fatia para cada um de nós. Dobro o meio ao meio
e dou uma mordida.
— Ah meu Deus. Caralho. Isso é bom.
Ele sorri e realmente parece orgulhoso. — Eu te disse.
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Dou outra mordida. Com os sabores intensos explodindo na minha


boca. Depois de mastigar e engolir, levanto os olhos do prato.
Matteo está me observando. Minhas bochechas começam a ficar
quentes. Eu estava gemendo enquanto comia minha fatia. É possível
morrer de vergonha?
— Não.
— O que?
— Você não pode morrer de vergonha.
Levanto a mão e cubro os olhos gemendo. — Eu disse isso em voz
alta?
— Receio que sim.
Sim. Envergonhada.
Mate-me agora.
Tusso e limpo a garganta.
— Você ia me contar sobre esse lugar? – digo, desesperadamente
tentando mudar de assunto.
— Isso mesmo, eu ia.
Matteo se recosta na cadeira. Seus olhos verdes parecem mais claros
e olham para a esquerda, como se ele estivesse retirando a memória de
um arquivo no fundo de seu subconsciente.
— Não me lembro exatamente da primeira vez que vim aqui. Devia
ter quatro ou cinco anos. Desde que me lembro, eu venho aqui.
Conhecendo minha mãe, provavelmente eu estava aqui no carrinho.
Veja bem, Maria era amiga de infância da minha mãe. Elas cresceram
juntas. Ambas se mudaram para cá quando eram muito jovens. Os pais
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de ambas vieram do mesmo vilarejo na Sicília. A cidade se chamava


Nicolosi. Na verdade, era o nome de solteira da minha mãe. Elas eram
melhores amigas e, mesmo quando minha mãe se casou, mantiveram
contato. Vir aqui foi o refúgio da minha mãe, longe da família e de todo
o drama dos negócios do meu pai. Claro, meu pai vinha com ela de vez
em quando, mas este era o lugar dela. Dela e meu. Não estive muito aqui
nos últimos três anos. Tem sido muito difícil, mas estou feliz por estar
aqui agora.
Minha boca se abre e posso sentir a umidade em meus olhos. Não
sei por que estou tão emocionada. Não tenho certeza se é porque consigo
imaginá-lo aqui como uma criança com a mãe que precisava fugir. Na
minha vida, vi minha mãe sentir o mesmo, mas ela não tinha nenhum
lugar para ir que meu pai não estivesse. Eu também me senti assim. Não
sei como ele se sente vindo para cá, mas o fato de ele ter me mostrado
essa parte dele me dá vontade de chorar.
Eu não choro, no entanto. Afasto as lágrimas que querem se formar
e, em vez disso, estendo a mão sobre a mesa e pego a dele.
— Obrigada.
— Pelo que?
— Por se abrir comigo. Por me trazer aqui. Por me mostrar um lado
diferente de você.
— Não é nada.
Dou um pequeno aperto em sua mão. — Não, Matteo. É tudo.

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Eu não esperava me abrir daquele jeito.
Simplesmente aconteceu.
Por alguma razão, é fácil conversar com ela, e esse fato não me
agrada. É como se ela tivesse lançado um feitiço e eu não tivesse outra
escolha a não ser obedecer.
Isso é horrível.
Horrível pra caralho.
Mas por outro lado, ela está em minhas mãos.
Literal e figurativamente. Olho para onde nossos dedos estão agora
entrelaçados.
Eu estaria mentindo se não admitisse para mim mesmo que sentar à
frente dela nesta mesa é reconfortante.
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Seus olhos são gentis. Eles olham para mim como se ela quisesse
me salvar.
É realmente uma pena, porque se ela não tivesse concordado em
trabalhar com o pai pelas minhas costas, eu poderia me ver apaixonado
por ela.
Não faz diferença, no entanto. O que está feito está feito.
— E você? Tem algum restaurante onde seus pais já te levaram?
— Você quer dizer além de me fazer ficar em casa com a babá?
Assim que as palavras escapam de sua boca, seus ombros se
contraem.
A babá.
A família que seu pai ainda paga hoje, anos depois.
O que aconteceu com ela?
Por que eles estão pagando para ela?
Essa é mais uma coisa que preciso descobrir. Isso pode ser algo que
posso usar contra o governador.
Talvez quando ficar mais confortável, ela se abra. Ou talvez agora
que seu celular está grampeado, quando ela ligar para o pai para falar
sobre sua missão, ela mencionará isso.
Porra, isso tornará minha vida muito mais fácil.
— Depois que terminarmos de almoçar, o que quer fazer? –
pergunto, mudando de assunto.
O olhar assombrado em seus olhos desaparece.
— Posso escolher?
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— Bem, escolhi o almoço.


— E fez um ótimo trabalho. Não tenho certeza se posso fazer muito
melhor.
— Você não precisa fazer muito melhor, só precisa me dizer o que
vai te fazer feliz.
Ela inclina a cabeça.
Ainda está insegura.
— Viviana, começamos com o pé esquerdo. Sim, eu sou um idiota.
Eu também estou controlando. Mas não precisamos nos odiar. Fizemos
uma promessa para sempre. Para sempre é muito tempo.
Ela reflete sobre minhas palavras, mas eventualmente balança a
cabeça.
— Eu quero patinar no gelo.
— Existe alguma pista aberta? Ainda não está frio.
— Sim.
Sua resposta direta e enérgica me faz rir.
— Tudo bem. Eu te levo.
— Você pode andar de patins? – ela pergunta.
— Sim. Você pode?
— Não. – ela admite com um suspiro.
— Então por que você quer tanto patinar?
— Porque meus pais nunca me deixaram. Eu disse a mim mesma
quando fosse mais velha que iria sozinha quando finalmente me
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mudasse para a cidade, mas entre a faculdade e tudo mais, eu nunca


encontrei tempo.
— Então você está me dizendo que em quatro anos morando na
cidade você nunca patinou no gelo?
— Isso é exatamente o que estou lhe dizendo.
— Bem, acho que conheço os planos para hoje mais tarde. E aqui
pensei que iríamos parar na Saks ou na Bergdorf para comprar um
guarda-roupa novo para você.
— Não. Não sou muito de comprar.
Olho para ela, paralisado pelo que ela diz. — Você constantemente
me surpreende.
— O que você quer dizer? – Seu nariz enruga.
— Você realmente não é como a maioria das mulheres que conheço.
— Pare de generalizar então.
Eu sorrio. — Touché.
— De qualquer forma, isso é uma coisa boa ou ruim?
— É uma coisa boa. Uma coisa muito boa. – A verdade é que essa é
uma das coisas que mais gosto nela, a contragosto. Eu gosto que ela não
seja como ninguém.
Vai ser uma merda se eu tiver que matá-la.
Lembro a mim mesmo que ela fez um acordo com o pai para me
trair. Não importa o quanto encantadora ela pareça sorrindo para mim
sobre patinação no gelo, não importa. Preciso sempre lembrar que isso é
apenas um jogo e que ela é apenas um peão.
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Decido não levá-la para patinar no gelo, mas não vou contar a ela
agora. Em vez disso, decidi contar a ela que temos outros planos. Que
deveríamos passar o dia fazendo outras coisas, e que patinar no gelo será
a última.
Estou mentindo.
Normalmente, não minto.
Mas visto que ela concordou em me trair com o pai dela, não há mal
nenhum.
Levo-nos até a Quinta Avenida. Viviana enquanto crescia, não lhe
faltava nada, então espero que olhe as lojas, mas ela nem olha. É muito
revigorante que ela não pareça se importar muito.
Em outra vida, eu poderia me ver aproveitando meu tempo com ela.
Em outra vida, ela seria a esposa perfeita.
Mas esta vida não é nossa.
Caminhamos pela Quinta Avenida até chegarmos à New York City
Library.
É com isso que ela fica animada. Não as lojas de grife. Não, Viviana
se entusiasma com a biblioteca.
Se eu tivesse uma biblioteca maior em minha casa. A minha é
pequena e descuidada. Tenho alguns livros para as crianças que vêm e
são membros da minha família. Nada maluco, mas mesmo assim darei
acesso a ela depois que voltarmos da cidade.
Isso lhe dará algo para fazer.
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Além disso, pode ser a minha maneira de fazer com que ela confie
mais em mim.
Tenho certeza de que ler os contos de fadas que ela adora a deixará
mais aberta a sugestões.
Lembro-me do livro que a encontrei lendo no meu antigo quarto e
tenho que me conter para não rir. Quando ela mencionou que eu era a
Fera da história, ela não poderia estar mais longe da verdade.
Se isso fosse um conto de fadas, eu não seria a Fera.
Embora eu tenha algumas qualidades redimíveis, nenhuma delas é
voltada para ela. Na verdade, sou Gaston.
O vilão.
E neste conto de fadas não há heróis.

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Estou oficialmente me divertindo muito, o que não é algo que eu
teria pensado que diria hoje. Certamente não é algo que pensei que diria
há uma semana. Ou duas, aliás. Tudo isso é território desconhecido. Me
sentindo bem-vinda, interessante e como se eu fosse importante. Ao
entrarmos na New York City Library, meus sentidos ficam acelerados. O
cheiro que permeia o ar: livros antigos. É o paraíso.
É bom tê-lo aqui. Embora normalmente quando venho aqui, tenho
Julia comigo.
Ela sabe o quanto eu amo a biblioteca. Ela é a única pessoa que sabe
o quanto adoro me perder em uma história.
Ela e eu somos ligadas nisso.
Nenhuma de nós teve a infância que merecíamos.
A culpa dela, no entanto, não foi dela…
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Foi minha.
Não. Não vou por aí.
Eu sempre ficava sentada na minha casa na árvore e desejava poder
escapar para o meu próprio mundo.
Agora, quero passar esse sonho para outras crianças. Sobrevivi
perdendo-me nos clássicos, mas quanto incrível seria se eu pudesse
encontrar uma fantasia fantástica e trazê-la ao mundo para que outros
possam desfrutar.
Esse sonho desapareceu há muito tempo.
Quando meu pai me disse tão explicitamente que meu único lugar
era ao lado de meu futuro marido como um adereço.
Estou feliz por ter o sonho novamente. Mesmo que isso nunca
aconteça, fico feliz em apenas sonhar.
Não importa o que aconteça com meu pai ou o que ele me obrigue a
fazer, isso vai acontecer.
Fico surpresa quando passamos uma hora na biblioteca. Presumi
que entraríamos e, depois de cinco minutos, Matteo ficaria entediado e
quereria ir embora. Mas em vez disso, ele me deixou olhar em volta,
sentar e ler.
Outra coisa que me surpreendeu foi que presumi que ele mexeria no
celular o tempo todo. Obviamente não falou ao celular, mas esperava
que ele mandasse uma mensagem. Em vez disso, ele passou o tempo
todo me observando.
No início, foi um pouco enervante. Então, apesar do que pensei,
descobri que gostei. Gostei do jeito que ele me observou. Seus olhos
verdes, geralmente frios e distantes, tinham uma aparência diferente.
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Desta vez suas pupilas eram grandes. Elas estavam dilatadas enquanto
ele me observava.
Mas foi a maneira como ele observou. Ele me observou como um
predador. Ele me observou como se quisesse pular sobre a mesa, me
jogar no chão e fazer o que queria comigo. Eu gostaria de fingir que não
tive nenhuma reação a isso. Mas conforme leio cada palavra, tudo que
vejo acima do livro é ele acompanhando meus movimentos, pronto para
atacar.
— Você está pronto para ir? – pergunto.
— Não se sinta pressionada por mim. Estou me divertindo.
— Tudo o que você tem feito é olhar para mim.
— Ponto importante. É por isso que estou me divertindo.
— Bem, estou pronta.
— Ainda temos muito tempo antes de irmos ao Rockefeller Center.
Há algo que você deseja fazer de antemão?
— Eu estava me perguntando... – eu mordo meu lábio inferior.
— Você pode falar comigo. O que você estava pensando, Viviana?
— Queria saber se poderia ver minha amiga Julia.
— A mesma Julia que você queria convidar para o casamento?
— Exatamente a mesma.
Ele reflete sobre minhas palavras, sem revelar o que pensa que vai
fazer. Eu me pergunto se ele dirá sim. Ou talvez ele diga não. Talvez
toda essa última semana em que foi legal tenha sido apenas uma ilusão
em minha mente. Sento e espero ele responder. Fecho a capa do livro
que estava lendo e olho para ele.
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Por instinto, mordo o lábio com mais força, com um pequeno


suspiro saindo da minha boca quando mordo com muita força. Sigo o
movimento de seus olhos e não posso ter cem por cento de certeza, mas,
se eu tivesse que adivinhar o que ele está olhando, teria que dizer minha
boca.
Quando ele ainda não responde, eu começo a desconfortavelmente
me mexer na cadeira. O silêncio da biblioteca é ensurdecedor neste
momento. Ele se inclina para frente. Com seus cotovelos apoiados na
superfície da mesa. Eu me inclino para frente também, nossos rostos
estão mais próximos, então ele não precisa levantar a voz.
— Você pode ver sua amiga, Viviana. Diga a ela para nos encontrar
para tomar um café.
— Shh. – Ouço de um frequentador sentado na cabeceira da nossa
mesa.
Uma risada quer escapar da minha boca. Mas evito fazer barulho.
Em vez disso, digo a Matteo que deveríamos ir.
Ele me dá um aceno de cabeça e se levanta. Estou empilhando os
livros antes de perceber que ele se aproxima de mim. Com uma mão ele
agarra minha pilha e com a outra me pega.
Devolvemos os livros ao local onde os encontramos e depois nós
voltamos para o saguão da biblioteca. Quando nós voltamos às
movimentadas ruas de Nova York, soltei a risada que estava segurando.
— Quase tivemos problemas.
— Se acha que isso é problema, então você nunca viu problemas.
— Provavelmente não.
— Não se preocupe, passe bastante tempo comigo e certamente o
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fará.
— Para onde devo dizer a ela que estamos indo?
Ele tagarela um endereço e, por algum motivo, tenho certeza de que,
assim como a pizzaria que visitamos, o proprietário será alguém que ele
conhece. Eu estou bem com isso. Cada vez que ele me apresenta a
alguém, descubro um pouco mais sobre meu misterioso marido.
Meu desejo por conhecimento é abrangente. Eu quero coletar
informações como alguém faria antes de um teste. Envio uma mensagem
de texto para Julia, dizendo onde estaremos, quando estaremos lá e
perguntando se ela se juntará a nós. Meu celular vibra em minhas mãos.

Julia: Uau. Você está viva.


Eu: Desculpe, estou desaparecida.
Julia: DESAPARECIDA? Mais como morta. É melhor ter uma boa
desculpa para explicar por que desapareceu da face do planeta. Estava
MUITO preocupada com você.
Eu: Eu vou. Promessa.
Julia: E... ?
Eu: Vou explicar quando ver você.
Julia: Quando/onde? Fale comigo.

Assim que coloco meu celular de volta na bolsa, paro.


— O que está errado?
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— Merda. – murmuro baixinho.


— O que?
— Acabei de perceber que não falo com Jules há muito tempo.
Mesmo depois de recuperar meu celular, não liguei para ela, não sabia o
que dizer, então a evitei. Agora percebo o quanto má foi essa ideia. Não
falo com Julia desde a noite no clube. Ela não sabe de nada. Pelo que ela
sabe, fui enterrada em uma vala rasa porque não falei com ela.
— Está preocupada com a reação dela à notícia do seu casamento?
Dou a ele um olhar que diz: você está brincando comigo? — Sim,
Matteo. – Meus braços começam a se mover dramaticamente de forma
animada. — Claro, que estou preocupada. Casei-me sem minha melhor
amiga. Ela é mais do que minha melhor amiga. Ela é a coisa mais
próxima de uma família que tenho. E tenho dois pais que estão vivos. –
Matteo se aproxima de mim e segura minhas mãos frenéticas. Meus
olhos se arregalam quando ele as leva à boca e dá um beijo suave em
cada uma.
— Fale comigo.
Não sei o que dizer a ele. Por um lado, quero contar a ele tudo sobre
meu passado. Tudo sobre o quanto importante Julia é para mim. Sobre a
mãe dela. Mas até saber se posso confiar nele, preciso ter cuidado com
minhas palavras. Há muita coisa em jogo.
— A mãe dela era minha babá. Desde que minha família... – Mordo
meu lábio, mordiscando-o por um segundo enquanto me lembro de todas
as memórias que me inundam. — Minha família nunca esteve por perto.
Minha mãe estava muito ocupada sendo socialite, Julia e sua família
eram minha única família. Pelo menos durante os primeiros dez anos da
minha vida. Eu não posso perdê-la.
— Ela vai entender.
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— Ela vai?
— Sim. Você diz que ela é da família. Diga a ela uma versão da
verdade. Ela sabe que sua vida não é exatamente comum.
— E o que exatamente é isso?
— Que seu pai queria casar você com um homem horrível e eu fui
seu salvador. – O lado direito de seu lábio se curva em um sorriso
malicioso.
— Você se acha engraçado?
— Ninguém nunca me acusou de ser isso. Mas sim, acho que sou.
Dou uma risadinha. — Acredite no que quiser. Agora vamos indo.
A caminhada até a cafeteria leva cerca de dez minutos. Não é longe
e, como o tempo não está muito frio, é agradável. Tal como suspeitava, é
uma cafeteria pequena e acolhedora. Pela palavra italiana no banner,
tenho a sensação de que, quando entrarmos, Matteo conhecerá o dono.
Quando o sino toca, estou quase imediatamente correta. Matteo nem
precisa dar um passo para dentro antes que um homem, que parece ser
um pouco mais velho que Matteo, se aproxime de nós. Novamente, eles
falam um com o outro em italiano. E novamente, amaldiçoo o fato de
nunca ter aprendido. Ele me apresenta como sua esposa. Dessa vez,
quando faz isso, parece que enxames de borboletas começam a mover na
minha barriga.
Minhas bochechas ficam quentes e tenho certeza de que estou
corando, o que é estúpido, porque não deveria me sentir assim. Não faz
muito tempo que eu o odiava e, em questão de uma semana, ele
basicamente transformou meu corpo em um traidor.
Feitas as apresentações, nos sentamos à mesa.
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Não passa um minuto depois que o mesmo homem, o que me


apresentou como dono da pequena cafeteria, volta para a mesa. Desta
vez, ele coloca um envelope branco em cima da toalha. Matteo pega o
envelope sem verificar o que contém e o coloca no bolso. O homem não
diz mais nada e apenas se vira e vai embora, deixando-me ainda olhando
para o lugar na mesa onde o envelope estava.
— O que foi isso?
— Nada com que se preocupar.
Quero dizer que é besteira. Quero exigir que ele me diga. Por tantos
anos, fiquei no escuro. Durante todo o tempo em que morei sob o teto do
meu pai, fui tratada como uma criança, incapaz de tomar suas próprias
decisões. A questão é que, por mais que eu queira perguntar a ele ao
mesmo tempo, não tenho certeza se quero saber.
Não tenho nenhuma falsa ilusão de que se trata do meu marido,
mas, ao mesmo tempo, será que realmente quero os detalhes mais
concretos?

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Eu a observo enquanto ela espera sua amiga chegar. Seu rosto está
mais sério que o normal. Há um pequeno vinco que se forma entre suas
sobrancelhas, como se ela estivesse pensando muito em como iria contar
à amiga que se casou.
Depois, há a maneira como ela morde o lábio.
Eu estou acostumado a vê-la fazer esse movimento quando está
nervosa, mas agora, enquanto ela morde a pele carnuda, sei que ela
realmente se importa com o que a amiga pensa.
Quando o sino da porta finalmente toca e uma garota que parece ter
a idade de Viviana entra, ela pula da cadeira e corre para ela.
Ambas parecem igualmente animadas em se ver.
Como se já tivessem se passado anos e não semanas.
Parece que foi ontem que esperei no apartamento de Viviana ela
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chegar, mas ver essas duas juntas me faz entender que já faz muito mais
tempo do que parecia.
Depois de alguns segundos, elas se separam.
É quando a amiga dela finalmente me nota. Ela estreita os olhos
enquanto me levanto e me aproximo. Ela nem precisa falar para eu saber
que está me acusando silenciosamente.
Voltando-se para Viviana, ela lhe dá um olhar penetrante.
— Quem é ele? – ela diz entre os dentes. Nem mesmo fingindo não
estar chateada.
— Sobre isso... Que tal se sentar? Tenho que conversar com você.
— O que está acontecendo? Viviana, em toda a minha vida que te
conheço, você nunca apareceu aleatoriamente com um cara. Você mal
namorou. E aqui está você, desaparecida por quase duas semanas, então
você o traz aqui. Diga-me o que está acontecendo agora.
Por alguma razão, eu me encontro indo ao lado de Viviana e me
aproximo dela. Eu não a toco externamente, mas minha mão toca a mão
dela, com nossos dedos fazendo contato. Ela endireita as costas como se
meu toque lhe desse força.
— Por favor, sente-se, Julia, vou explicar tudo. Eu juro.
— Parece que vai ser uma longa história. – diz ela, antes de ir até a
cadeira e se sentar. Nós dois também ocupamos os lugares em que
estávamos antes, mas puxo minha cadeira um pouco mais perto da dela,
deixando claro que estamos juntos.
— Lembra daquela noite em que fui para a casa do meu pai?
— A última vez que conversamos? – A amargura em sua voz é
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intensa. Como uma amante abandonada e deixada no altar, forçada a


falar com o ex.
— Sim, é dessa noite que estou falando. Como você sabe, nunca é
divertido jantar com minha família, mas esta noite foi pior. Esta noite, o
meu pai basicamente tirou minha vida. Ele... ele... – ela gagueja,
claramente ainda afetada pelas palavras dele. — Ele queria que eu
formasse uma aliança para ele. Eu deveria me casar com um homem
chamado Salvatore Amante. Ele pensou que me casar com ele o ajudaria
politicamente.
O rosto de Julia mostra sinais de choque. Com sua boca aberta,
esperando.
— Matteo. – Viviana olha para mim. — É primo de Salvatore.
Matteo, conhecendo o tipo de homem que Salvatore é, queria me
ajudar...
— E como exatamente ele ajudou você?
É então que Viviana tira a mão do colo. Ela gira o anel no dedo até
que não seja mais apenas um anel de platina na mão direita, mas agora o
diamante está aparecendo. Ela tira o anel e o coloca na mão esquerda.
— Você está noiva? – Julia murmura.
— Não. – Há uma pausa significativa enquanto Julia espera pelo
que dirá a seguir. Também estou esperando, mas não porque não saiba a
resposta, mas porque estou curioso para saber como a amiga dela vai
reagir. — Na verdade, sou casada. – O silêncio é ensurdecedor após a
declaração.
Julia encara a amiga, inexpressiva e sem vida.
Finalmente, Viviana se aproxima mais da mesa. — Diga algo. Por
favor. – Sua voz falha. Há tanta emoção envolvida em duas palavras. É
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um apelo. Um pânico congelante, uma dor insondável.


Ela precisa que sua amiga fique bem com isso, mas em vez disso, a
mandíbula de Julia contrai.
— Você se casou sem mim. – ela afirma.
— Não foi assim.
Julia se levanta da cadeira. — Sim. Claramente foi.
— Onde você está indo? – Viviana também se levanta, mas ao
contrário de sua amiga, que se levanta com determinação, os ombros de
Viviana caem para frente. Esta é uma versão muito diferente da garota
que vi enfrentar o pai.
Sua amiga cruza os braços na altura do peito. — Preciso de ar.
Preciso pensar.
— Por favor, deixe-me explicar. Precisávamos manter isso em
segredo. – Viviana se aproxima dela e levanta a mão, mas Julia balança
a cabeça.
— Mesmo assim, não sou qualquer uma. – diz Julia, e por algum
motivo inexplicável, sinto necessidade de defendê-la.
— Não conheço você, Julia, mas sei que minha esposa se preocupa
muito com você. Você não pode culpá-la por isso. Isso foi feito para a
proteção dela, assim como a sua. Insisti para que ela se casasse comigo.
— Isso é muito bom, mas ainda não consigo lidar com isso agora.
— Por favor. – Viviana implora novamente, mas ela ainda não se
deixa intimidar.
— Agora não. Você deveria ser da família. Você é minha única
família além do meu irmão, e eu não estava lá com você. Ouça, vou
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superar isso. Mas agora, preciso ficar sozinha.


— Eu entendo. – sussurra Viviana.
Sem outra palavra, ela se vira para a porta e sai.
Nós dois ficamos quietos.
De onde estou sentado, inclino a cabeça para olhar para ela. Sua
cabeça está baixa, voltada para o chão. Ela está olhando intensamente
para isso. É como se houvesse algo interessante ali.
Claro, que não existe. Ela está simplesmente perdida em uma linha
de raciocínio.
De pé, ando na frente dela. Bloqueando seu olhar com meu corpo,
eu a agarro pela mão.
— O que você está fazendo?
— Estamos indo embora.
Ela balança a cabeça. — Não temos que pagar?
— Não. – digo a ela.
— OK... Podemos simplesmente ir para casa?
— Não.
Dois pensamentos surgem na minha cabeça.
A primeira é que não gosto de vê-la assim. Esse pensamento me faz
pensar. Ela não é nada para mim além de um meio para um fim, então
por que me importo?
A segunda é justificar porque me importo. Não parece genuíno e
esse pensamento me incomoda.
Posso usar isso para construir confiança.
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Por alguma razão, essa ideia parece errada. Mas me recuso a deixar
que isso me impeça. Em vez disso, prossigo com o plano.
Uso a fraqueza dela a meu favor.
— Onde estamos indo? Eu não quero patinar no gelo.
Ótimo. Graças a Deus, porque por mais que eu queira atraí-la,
patinar no gelo não é algo que eu queira fazer.
Se isso não tivesse acontecido, eu já estava tentando formular um
plano para sair dessa situação. Dessa forma, ela acha que decidiu.
O que funciona melhor para mim.
Eu a levo para fora e então começamos a caminhar pela cidade.
Desta vez a caminhada é mais longa e o ar fica mais frio. Ela aperta
o casaco com mais força contra o peito.
— Você quer pegar um táxi?
— Não. Estou bem. Um pouco frio, mas não tão ruim.
Tiro meu casaco e coloco-o sobre os ombros dela. Ela é tão pequena
que está enorme sobre ela.
Viviana para de andar.
Ela vira o corpo, virando até ficar de frente para mim. Seus olhos
estão arregalados. Ela se parece com uma garotinha experimentando as
roupas do pai. Ela é tão pequena assim. Acho que nunca percebi a
diferença de tamanho.
— Qual é sua altura? – pergunto, e ela olha para mim como se eu
fosse louco. Minha pergunta a pega completamente desprevenida.
— Um metro e cinquenta e oito. Mais ou menos. Por quê? – No
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momento em que ela responde, percebo o quanto idiota era a pergunta.


Eu sabia a resposta. Estava tão preocupado com ela que esqueci
completamente o arquivo dela.
— Porque meu casaco fica enorme em você.
— Bem, não é minha culpa que você seja como um gigante. – ela
revira os olhos para mim e eu rio.
— Não. Definitivamente não sou um gigante.
— Então, qual é a sua altura? – Suas sobrancelhas perfeitas se
arqueiam.
— Minha. Tenho 1,87m.
— Isso ainda é trinta centímetros mais alto do que eu. A propósito,
você não precisava me dar seu casaco. Eu teria ficado bem.
— Você estava com frio, e é isso que um cavalheiro faz. – Ao ouvir
minhas palavras, ela contrai as bochechas como se estivesse zombando
de mim.
— E você... – ela faz uma pausa. — Se considera um cavalheiro?
— O que mais você me consideraria?
— Isso não. – Seus olhos olham para cima e para a direita, como se
estivesse tentando descobrir o insulto perfeito para me fazer. — Talvez a
palavra babaca se encaixe melhor. – ela sorri com as suas palavras,
claramente orgulhosa de si mesma.
— Você é tão engraçada. – Com isso, ela ri. O som é revigorante
depois dos últimos vinte minutos de silêncio. Começamos a andar
novamente e estou feliz por ter conseguido melhorar o clima. Até agora,
não foi agradável vê-la de mau humor. Não faço drama, e ter que vê-la
brigar com a amiga é exatamente o motivo pelo qual eu não tinha
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namoradas.
Desta vez é diferente porque as emoções dela não influenciam meu
plano maior. É óbvio que ela está chateada. Mas não sei como lidar com
essa merda.
Nunca precisei.
Isso é um relacionamento, e eu não faço relacionamentos. Um fato
irônico, visto que agora estou casado.
Agora que o ar ao nosso redor está mais leve, eu a puxo para mais
perto de mim e a abraço.
— O que você está fazendo? – ela pergunta, confusa.
— Achei que você estava com frio. – digo como minha desculpa
completamente idiota.
— Oh. OK.
— São apenas mais alguns minutos, de qualquer maneira.
— Para onde vamos agora? Não posso comer outro pedaço de
comida. Ou beber mais alguma coisa.
— Não se preocupe. Não há mais comida. Bem, pelo menos não há
mais comida até o jantar.
O destino está bem à nossa frente.
— Vamos ao parque?
— Mais ou menos.
— O que você quer dizer com isso?
— Bem, antes você mencionou que seus pais nunca deixaram você
patinar no gelo ou fazer qualquer uma das coisas divertidas que os
turistas fazem na cidade. Uma das coisas que minha mãe costumava
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fazer comigo quando eu era pequeno era me tirar da escola, não contar
ao meu pai e me levar para a cidade. Ela então me levava para um
passeio de carruagem.
— É isso que estamos fazendo?
— Acredito que sim, Princesa.

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Princesa.
E pela primeira vez, me sinto como uma. Este não é um apelido para
zombar ou me menosprezar.
Ainda estou chocada com a ideia dele. Um passeio de carruagem.
Se você tivesse me perguntado se eu achava que meu marido tinha
algum osso romântico no corpo, a resposta teria sido não.
Mas a cada segundo que passo com ele, começo a pensar que talvez
ele tenha, afinal.
Juntos, com o braço dele em volta de mim, seguimos para a fila dos
cavalos.
Ele se afasta de mim enquanto fala com o motorista. Depois que
eles acertam a tarifa, ele agarra minha mão e me ajuda a levantar.
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À medida que iniciamos nossa jornada pelo caminho até o parque,


viro minha cabeça em direção a Matteo. Ainda estou admirada por ele
ter planejado isso, mas o que mais me choca é que ele se abriu comigo
sobre seu passado.
Talvez haja mais nele. Talvez isso possa ser mais.
Eu não deveria me entregar a essas fantasias estúpidas, mas quando
ele olha para mim, não consigo evitar. É como se pudesse ouvir minhas
divagações internas sobre ele, porque escolheu aquele exato minuto para
virar o rosto em direção ao meu.
Nossos olhares se encontram.
Suas pupilas são grandes e dilatadas, e os raios brilhantes da luz
solar refletem nelas. Emanando ao nosso redor como um sonho tornado
realidade.
Algo está diferente na maneira como olha para mim. Um segredo
escondido ali. Algo primitivo surge em seu olhar e me atrai, envolve
seus tentáculos ao meu redor, não me permitindo desviar meu próprio
olhar. Fala-me de desejo, desespero e, acima de tudo, necessidade.
Ele cruzará a divisão imaginária?
Meu coração bate forte no peito enquanto espero, os segundos que
passam preenchem o espaço tenso entre eles.
Beije-me.
A voz na minha cabeça é estranha, mas implora para ele diminuir a
distância. Para envolver seus braços em volta de mim. Para trazer seu
corpo para o meu. Em meus pensamentos, quase posso sentir seus
lábios. Quase sinto o gosto de sua boca.
Eles seriam firmes quando me encontrassem.
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Seria inebriante.
Uma tosse me tira da névoa e vejo Matteo ainda olhando para mim,
e seus olhos estão fixos em meus lábios.
Enquanto eu fantasiava com ele, ele se aproximou. Agora estávamos
perto o suficiente para que um pequeno solavanco da carruagem nos
fizesse nos beijar.
Passamos por um buraco. Por favor.
Não posso acreditar o quanto eu quero isso. Quanto o quero.
Não é só porque ele é bonito.
Inferno, ele é lindo de morrer. Mas também é pela maneira como ele
me tratou hoje. Tudo o que ele fez.
Era como se ele estivesse cuidando de mim.
Ninguém nunca cuidou de mim.
Isso não é verdade.
Ana cuidou.
Ela cuidou de mim.
Veja como isso acabou.
— Você está bem? – Sua voz interrompe meus pensamentos.
Eu pisco, me endireitando.
É quando sua mão se estende e seus dedos quentes seguram meu
queixo.
É isso.
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Este é o momento em que Matteo Amante vai me beijar. Beija-me


de verdade. Como um marido beija uma esposa.
No casamento, não foi verdadeiro. Eu o odiava demais para apreciar
isso. Mas agora, aqui na carruagem, em Nova York, este será o nosso
primeiro.
Seu corpo começa a se mover e agora seu rosto está a poucos
centímetros do meu.
Beije-me.
Ele está prestes a fazer isso. Meus olhos se fecham por vontade
própria e meus lábios se abrem em espera.
Ring.
Ring.
Ring.
Um celular.
Meus olhos se abrem. Não, não é o meu. É o celular de Matteo
tocando. Ele está se afastando agora, com a mão enfiada no bolso para
pegá-lo.
Com o momento agora perdido.
Sinto falta disso instantaneamente.
— Fale. – Matteo ordena, antes de ficar em silêncio, com um vinco
se formando entre suas sobrancelhas.
Ele não está feliz. Juro que parece que ele vai explodir. Há uma veia
pulsando em sua têmpora.
De repente, a carruagem parece estar se aproximando.
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— Estarei lá o mais breve possível. Peça ao Roberto para nos buscar


entre a Sexta e a Quinta. Dez minutos.
Ele desliga e não olha para mim. Em vez disso, ele está respirando
alto e olhando para o nada.
— Está tudo bem?
Ele se vira para mim e não precisa dizer nada para eu saber que algo
está seriamente errado. Não acho que ele vai me contar, mas não posso
deixar de perguntar.
— Não. – ele não dá nenhum esclarecimento sobre o que sua
resposta significa. Eu sabia que ele não faria isso, mas ainda estendo
minha mão, coloco minha mão em sua coxa e dou um pequeno aperto.
— Sabe, se você quiser falar sobre isso, estou aqui.
Há um silêncio constrangedor que se instala, e espero e rezo para
que ele o quebre, mas enquanto a carruagem para lentamente, sei que é
tarde demais.
O momento mágico se foi.
O Matteo que tive o prazer de ver desapareceu.
Em seu lugar está o monarca implacável.
O rei da cidade. O monstro.
Ele voltou a ser o vilão da história.
Ao contrário de antes, ele não me ajuda a sair da carruagem. Ele
nem mesmo reconhece minha existência.
Subimos o quarteirão onde dois SUVs pretos estão esperando na
esquina. Parado na frente de um deles está Roberto.
— Vá com Roberto. – diz ele sem emoção na voz.
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— Você não vem comigo?


— Não.
— Vai...
— Vejo você mais tarde. – ele se vira antes que eu possa pressionar.
Caminhando em direção ao outro carro, ele abre a porta do passageiro,
entra e eles vão embora.
Fico na calçada com a boca aberta. Abandonada.
— Sra. Amante, você está pronta?
— Não precisa me chamar de Sra. Amante. Você não chama Matteo
de Senhor.
— É diferente.
— Não, não é. Por favor, me chame de Viviana.
— Eu preferiria não. – ele abre a porta traseira para mim e, quando
entro, ele a fecha.
Apesar do calor estar no carro, sinto frio até os ossos. Ainda estou
com o casaco de Matteo envolta de mim, então não é a temperatura que
está me afetando. Foi assim que meu marido levantou os muros e me
excluiu tão rapidamente. É assim que, em questão de um minuto, ele
mudou completamente. Estou tendo dificuldade em conciliar isso. Qual
deles é o verdadeiro Matteo? É o senhor que me ajudou, que me levou
num passeio de carruagem para me fazer sentir melhor, ou é o outro?
O carro fica em silêncio enquanto voltamos para a propriedade.
Eventualmente, devo ter cochilado porque ouço a voz de Roberto.
— Sra. Amante, chegamos. – Abro os olhos e vejo a grande casa à
nossa frente. — Vou dar uma volta e abrir a porta.
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Sei que não devo discutir. Em vez disso, espero que ele mude de
ideia. Minha mão se levanta, afastando o resto do sono.
Parece que fui atingida por uma marreta de tanto cansaço que estou.
É por isso que tirar uma soneca nunca é uma boa ideia para mim.
Fico sempre irritada depois.
Agora obviamente não é exceção.
Julia costumava dizer que eu acordava como um demônio na
faculdade.
Jules...
Preciso ligar para ela.
Faça isso direito.
Se eu pudesse explicar as circunstâncias, ela entenderia que eu não
tinha escolha.
É difícil, no entanto. Como você explica que se casou com o chefão
da máfia da Costa Leste e ele está em guerra para manter o título?
Você não explica.
Não, a menos que você queira colocar um alvo nas suas costas.
Quando a porta se abre, saio e caminho em direção à entrada
principal da casa. Já está aberta, uma das muitas pessoas que trabalham
para o meu marido está ali me deixando passar. Não me preocupo com
gentilezas, nem me preocupo em tirar o casaco e, neste caso, também o
casaco do Matteo. Em vez disso, fui direto para o meu quarto.
Uma vez lá dentro, vou direto para o banheiro, tirando uma peça de
roupa a cada passo que dou. É necessário um banho, para tirar a sujeira
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das últimas horas. É engraçado quantos altos e baixos tivemos hoje.


No geral, pensei ter descoberto muita coisa sobre meu marido, mas
agora, ao entrar na água morna, não tenho certeza de qual é o
verdadeiro. Algo me diz que ele é complexo o suficiente para que ambos
sejam verdadeiro. Fico no chuveiro até o banheiro ficar embaçado e
meus dedos virarem ameixas secas. Então saio, pegando o grande
roupão branco e macio pendurado no gancho perto da porta.
Uma lembrança daquela primeira manhã em que o Matteo me
surpreendeu no banheiro. Isso não vai acontecer hoje. Tenho certeza de
que ele não voltará para casa. Não tenho certeza de como me sinto sobre
isso. Uma parte de mim acolhe com satisfação a ideia de ter um pouco
de paz e tranquilidade para pensar. Outra parte que não gosto de
reconhecer quer vê-lo novamente. Quer continuar de onde paramos na
carruagem. Quer beijá-lo.
Decido ignorar essa parte. Pego o livro ao lado da minha cama e me
deito para ler. É engraçado como as semelhanças entre a fábula desta
criança e a minha própria vida são evidentemente óbvias. Talvez tenha
sido isso que me fez procurar um livro que claramente não foi escrito
para mim. Ainda estou cansada e meus olhos continuam piscando. Ainda
é um pouco cedo para jantar, mas acho que posso dormir, acordar e
comer. Talvez Matteo esteja aqui.

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Uma maldita remessa.
Perdemos um carregamento inteiro.
Um dos meus caminhões foi confiscado a caminho do norte do
estado de Nova York.
Então agora estou no carro com Lorenzo tentando descobrir quem
diabos a levou.
Não é preciso ser um cientista espacial para perceber que foi
Salvatore. No entanto, como Salvatore descobriu isso é um problema
totalmente diferente. Um: estou sendo vigiado. Dois: há um espião.
Nenhuma das opções é boa.
A única coisa boa neste momento é que não é uma das remessas que
vieram do armazém. Este era um carregamento de mercadorias
armazenado por algumas semanas e nós só conseguimos transportá-lo
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hoje.
Isso significa que o pequeno grupo de pessoas que conhece a fábrica
de brinquedos é excelente.
Estou inclinado para o fato de que provavelmente estou sendo
vigiado.
Claro, que não é inédito que possa haver um espião, mas todos os
meus homens estão comigo há anos e, antes de serem meus homens, eles
ou alguém da família deles estava com meu pai.
Sabendo que estamos comprometidos, escolho encontrar meus
homens no antigo armazém. Poderia ser uma armadilha, mas estou
disposto a arriscar em vez de levar alguém para meu outro local.
— Tenha cuidado. – grito para Lorenzo enquanto nós andamos em
zigue-zague pelo trânsito para chegar aonde precisamos ir.
— Não estamos sendo seguidos.
— Pode ser que seja esse o caso, mas há uma boa chance de eles
saberem que estamos chegando. Há uma chance ainda maior de que eles
já estejam lá.
— Acha que estamos caindo em uma emboscada? – Suas
sobrancelhas franzem.
— Tenho cem por cento de certeza de que estamos caindo em uma
emboscada. – confirmo.
— Se for esse o caso, por que você está dizendo aos homens para
irem até lá?
— Porque neste caso, posso ditar o resultado. Chame os homens.
Quero que saibam que podem esperar qualquer coisa. Temos máscaras
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no carro?
— Temos.
— Todos devem usar máscara. Vamos dedetizar o lugar antes que
alguém entre. Se alguém estiver lá, vamos dar uma surra nele. Se não,
bem, então nos faltará um na equipe, mas pelo menos sabemos.
— OK. Eu farei a ligação.
Terminada a conversa, viro-me para olhar pela janela. O céu está
cinza agora e o sol se esconde atrás de uma nuvem. Parece que uma
tempestade chegará em breve. Quanto diferente o céu está agora em
relação a antes.
Hoje foi um bom dia. Então algum idiota teve que estragar tudo para
mim.
Viviana estava finalmente começando a baixar a guarda.
Então tudo foi arruinado.
Isso poderia atrapalhar meu plano de seduzir minha esposa.
Eu poderia ter lidado melhor com isso. Não só perdi milhões, mas
também preciso descobrir se foi meu primo ou outra pessoa.
Já é ruim o suficiente travar uma guerra.
Mas ter que lutar em duas frentes...
Isso nunca funciona bem.
Veja Napoleão, por exemplo, ele já passava por momentos difíceis
antes do inverno russo acabar com ele.
Demora mais quarenta minutos antes de estarmos prontos. Metade
dos homens parou atrás. O outro do lado.
Estou indo pela frente.
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Lorenzo está à minha frente. Ele abre a porta e joga o gás


lacrimogêneo. Minha mão se levanta enquanto conto. Ao um, meu sinal,
todos nós atacamos.
A fumaça começa a se dissipar um minuto depois, e três homens
estão no chão, segurando o rosto com metralhadoras ao lado. Eles estão
carregando alguns armamentos bem pesados.
— Pegue a corda. – Viro-me para Lorenzo. — Você as cadeiras.
Meus homens começam a se mover para amarrar os intrusos.
Não demora muito para que o gás passe e eles comecem a perceber
o que aconteceu.
— Então, qual de vocês irão me dizer para quem trabalha?
Nenhum deles me responde.
— É assim que vão jogar? – Quando ninguém fala novamente,
encolho os ombros. — Muito bem, isso é muito mais divertido. – eu me
viro para Lorenzo. — Temos soro da verdade?
— Não conosco, chefe.
— OK. Você o ouviu. Isso não vai ser fácil...
Recebo um alicate e me aproximo do primeiro homem. Ele é mais
velho que eu, provavelmente dez anos. Seu cabelo é grisalho e seu rosto
tem barba. Acho que na casa dos quarenta anos. Se ele trabalha para
Salvatore, provavelmente é uma conexão que seu pai fez.
— Última chance de falar. – Nada. Dou a ele um sorriso sarcástico.
— Que os jogos comecem.
Lorenzo se aproxima de mim. Não somos marinheiros de primeira
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viagem. Ele segura a cabeça do homem, agarra sua mandíbula e a abre.


Com o alicate na mão, inclino-me para frente.
— Tem certeza... – eu paro para dar ênfase. Neste ponto da tortura,
não estou perguntando se ele tem certeza. Não há nada que ele possa
fazer para impedir isso. Seu dente da frente vai sair, mas adoro brincar
primeiro com minha presa.
Coloco o metal em volta do dente dele, seguro e torço. Um grito
horripilante ecoa pelo grande espaço cavernoso do meu armazém.
Mostro o dente para seus amigos. — Tem certeza de que ninguém
tem nada de interessante para me dizer?
O homem na minha frente agora está chorando. É difícil ouvir
exatamente o que ele está dizendo, já que Lorenzo ainda está segurando
queixo aberto.
— Solte-o. Acho que ele quer falar. – O sangue enche sua boca.
Quando ele vai fechá-la, o líquido escorre pelo queixo e pela camisa.
— Algum de vocês quer tornar isso mais fácil para si mesmo?
— Vá se foder. – O único cara murmura através do líquido que se
acumula em sua boca.
— Ok, outro? – eu bocejo, dirigindo esta pergunta aos meus
homens.
— Que tal você arrancar o olho dele a seguir? – Um dos meus
homens diz atrás de mim. Eu me viro para ver qual deles. Levanto meu
dedo e aponto.
— Isso é uma boa ideia. Mas talvez não um olho. Talvez nós
devêssemos começar com um dedo.
— Não! – grita o homem, mas já estou me aproximando de Lorenzo
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para pegar a lâmina.


— Alguém quer falar? Não? Nenhum de vocês quer salvar a bunda
do seu amigo? Ok, bem, vou ser honesto, não gosto da lealdade aqui. Se
vai deixar seu amigo ser torturado, acho que devo distribuir a opulência.
Em vez de caminhar até o homem que está sangrando no chão, vou
até o homem sentado ao lado dele. Ele parece ter a mesma idade. Este
não tem barba, mas tem rugas ao redor dos olhos.
— Sua vez. Algo a dizer?
— Fomos contratados apenas para fazer o trabalho. – Bem, isso me
pega de surpresa. Na verdade, não esperava que nenhum deles falasse.
— Por quem?
— Não sabemos.
— Você tinha meu interesse. Quase deixei vocês irem. – eu pego
seu dedo indicador e o levanto, ainda sorrindo. Devo parecer um maluco
lunático. O que neste momento, depois de perder dez milhões, estou.
— Salvatore. Trabalhamos para Salvatore Amante.
— Isso foi o que eu pensei... pistola.
— Mas...
— Mas o quê? Você pensou que eu iria deixar você viver? Pensou
que poderia entrar furtivamente no meu armazém, roubar minhas drogas
e depois voltar para me matar, e eu não ficaria irritado? Você arruinou
um dia perfeito. E agora todos vocês têm que morrer.
Levanto minha arma e disparo uma, duas, três vezes. E quando
todos eles caem para frente em suas cadeiras, coloco minha arma na
parte de trás das calças e me viro para sair pela porta.
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— Limpem isso. – digo a todos os meus homens no armazém. —


Lorenzo, vamos embora.
Quando voltamos para fora, vamos para o carro e começamos a
dirigir, Lorenzo finalmente fala.
— Para onde estamos indo, chefe?
Não respondo imediatamente. Em vez disso, olho para mim mesmo.
Há sangue por toda a minha camisa branca.
— Devemos ir para a cidade?
Sei o que ele está perguntando. Se formos para a cidade, como
fazemos na maioria das noites quando torturo um homem, encontrarei
uma mulher e foderei por horas. Provavelmente é exatamente o que eu
preciso, mas, por algum motivo, eu simplesmente não estou com
disposição. Enfiar meu pau em alguma prostituta sem nome não parece
tão atraente.
Agora enfiando meu pau na minha esposa, por outro lado...
Maldito Salvatore.
Se não tivesse contratado aqueles caras para levar meu caminhão, eu
poderia estar profundamente envolvido com Viviana agora.
Eu não sou idiota. Estava claramente escrito em seu rosto o quanto
ela me queria.
Poderia ter passado uma noite transando com ela em vez de ir para
casa pingando sangue e sem boceta.
É bem tarde quando chegamos em casa. Paramos o carro na
garagem e subo as escadas. Antes de ir para minha ala, subo as escadas
opostas, as escadas que levam ao quarto dela. A porta dela está fechada e
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penso em bater, mas a verdade é que ela provavelmente está dormindo.


Abro a porta de qualquer maneira, entrando, mas o que vejo deixa meu
pau duro.
Ali, sobre os lençóis brancos imaculados, há cabelos castanhos
espalhados no travesseiro.
Seguindo o caminho para baixo, seus olhos estão fechados, a boca
macia, a cavidade do pescoço exposta. Ela está nua. Seus seios estão
expostos e seus mamilos empinados estão eretos, prontos para serem
tomados.
Eu deveria acordá-la, terminar o que nunca começamos, mas estou
pingando de sangue. Minhas mãos ainda estão cobertas de sujeira
vermelha.
Viro-me, saindo do quarto dela e andando pelo corredor até chegar à
ala direita da casa.
Eu invadi o interior. Estou todo nervoso, sem saída. Considero pedir
a Lorenzo que envie um antigo contato. Não seria a primeira vez que
liguei para alguém só para deixar alguém me chupar.
Não vai funcionar. Atualmente, apenas uma mulher ocupa espaço
em minha mente. Também não é uma coisa boa. Vou até o banheiro,
abro a torneira do chuveiro e tiro a roupa.
Quando entro na água, o chão começa a ficar vermelho enquanto
lava os pecados da noite. Embora me deixe limpo, não faz nada para
resolver meu outro problema.
Meu pau ainda está pronto para foder.
Eu me agarro. É isso ou acordo minha esposa. Como isso não vai
acontecer, eu me acaricio da base à ponta. A água quente flui de cima,
tirando o sangue das minhas mãos.
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Ele escorre de mim, agarrando-se à superfície da minha pele.


Morte e pecado.
Isso é primitivo e indecente.
É tudo que preciso agora.
Meu aperto aumenta quando penso em Viviana deitada na cama.
Nua e pronta.
Esperando que eu transasse com ela.
E eu transo.
Fundo e forte.
Até eu cair no precipício.

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Um barulho vindo de fora do meu quarto me fez acordar assustada.
Que horas são?
É quando percebo que minha porta está entreaberta.
Por que não está fechada? Era para estar fechada.
Estou prestes a sair da cama quando percebo uma sensação de frio
percorrendo meu peito. É quando olho para baixo e vejo que não estou
usando nada.
Tirei minhas roupas e adormeci.
Agora o arrepio que me ataca não vem do meu corpo nu, mas do
fato de alguém ter entrado recentemente no meu quarto e me visto
assim.
Eu pulo da cama e pego meu roupão, amarrando-o bem antes de sair
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pela porta.
Nenhuma luz está acesa na casa, mas, independentemente disso,
continuo andando em direção às escadas. Talvez Matteo esteja em casa?
Talvez ele tenha vindo me ver? Desculpar-se.
Não tenho certeza de onde fica o quarto dele, mas me lembro
vagamente de Giana dizer que era na outra ala da casa.
Quando chego às escadas, decido não descer. Em vez disso, sigo em
direção ao andar que me levará ao outro lado da casa.
Este lado também está escuro.
Estou surpresa.
Sei que a casa tem mais seguranças do que uma prisão, mas não há
ninguém aqui.
Está estranhamente quieto. Fantasmagórico, até.
É assim que começa um filme de terror...
A garota burra caminha no escuro para a morte. Parece muito
apropriado agora. Mas quando meu cérebro começa a pensar em como
posso morrer esta noite, vejo isso. No ponto mais distante do corredor,
uma luz está acesa.
É para lá que irei.
Indo até a porta, bato uma vez, mas quando ninguém atende, espio
lá dentro.
A curiosidade matou o gato e tudo mais.
Não há ninguém na suíte grande, mas no canto outra luz está acesa e
parece que há água caindo.
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Talvez Matteo esteja escovando os dentes.


Só preciso dar alguns passos antes de ter uma visão perfeita do
banheiro.
A porta se abre e o que vejo me deixa ofegante alto. Rapidamente
cubro minha boca, não querendo ser ouvida.
Lá está Matteo.
Não sei o que me choca mais.
A maneira como ele joga a cabeça para trás, perseguindo seu êxtase,
ou o líquido vermelho que presumo ser sangue acumulando em seus pés.
Ele está ferido?
Devo ver como ele está?
Não, claro que não. Ele obviamente não se machucará se estiver se
tocando.
Dou outro olhar para ele.
Meu rosto está quente e formigando.
Essa não é a única parte de mim que parece viva.
Tenho que sair daqui antes que ele me flagre.
A ideia dele me ver aqui...
Se ele me ver, vou acabar pulando em cima dele e beijando-o. Eu
poderia ter desejado isso antes, mas agora não quero.
Quem estou tentando enganar? Claro, que eu quero isso, mesmo
depois que ele me deixou, mas não quero que ele saiba o quanto estou
afetada por ele.
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Lentamente, sem ser ouvida, dou um passo para trás.


Quando finalmente volto ao corredor, posso respirar. Meu corpo
está em chamas pelo que acabei de ver. Parece que sou um inferno em
chamas e nada que eu faça pode apagar as chamas dentro de mim.
Na ponta dos pés para não ser pega, volto para o meu quarto.
Com a porta fechada, volto para a cama e me esforço para dormir.
O sono, porém, não me encontra.
Não consigo tirar da cabeça a visão de Matteo se tocando.
Não importa o quanto eu tente, vejo sua mão subindo e descendo.
Eu gostaria que fosse a mim que ele estivesse tocando e gostaria de
ser a mão que o segurava.
Merda.
Agora estou com calor e incomodada.
Meus mamilos endurecem por trás do roupão, me provocando para
tocá-los.
Então eu toco.
Não tenho escolha. Sou um fio energizado pronto para explodir.
É a única coisa que vai me acalmar o suficiente para que eu consiga
dormir.

Na manhã seguinte, acordo na cama, sem o roupão, totalmente nua,


e a lembrança da noite passada me atinge como um tsunami.
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Ah, querido Deus.


Eu o vi, e então...
Como eu pude fazer isso?
Como pude me tocar pensando em um homem que me deixou
sozinha na cidade?
Então ele estava coberto de sangue quando voltou.
Onde ele foi?
O que ele fez?
O que aconteceu ontem à noite?
Estou tão confusa.
Mas também estou envergonhada de mim mesma.
Isso é tão ruim.
Meu celular começa a tocar, me tirando dos meus pensamentos.
Gemo quando vejo que é meu pai.
Não atenda. Envie-o para o correio de voz.
Mas sei que é um luxo que não tenho.
— Oi, pai. – eu atendo.
— Viviana. – A maneira como ele diz meu nome faz meus olhos
lacrimejarem. Não há calor ou conforto. Ele me odeia. Se alguma vez
me perguntei se isso era verdade antes, agora certamente sei.
Não consigo nem compreender por que ele desejou me ter.
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Mas então a coisa óbvia surge na minha cabeça. Suas aspirações


políticas. Ele precisava parecer um homem de família.
— Como está indo com nosso objetivo?
— Hum.
— Viviana, não me faça cumprir minha palavra a você. Lembre-se
do que eu lhe mostrei. Lembre-se de tudo que você pode perder se não
seguir minhas regras.
Suas palavras atingiram o alvo pretendido. Elas me apunhalam no
coração, me fazendo sangrar direto no edredom.
— Farei o que você precisa, pai, mas por favor pare.
— Só depois.
— Preciso da sua garantia. – respondo com toda a força que consigo
reunir.
— E você não vai obter. – Então a linha fica muda e sei que ele
desligou.
Lágrimas enchem meus olhos, tornando difícil para eu ver. Eu me
deixei chorar. Caio no edredom e choro até não conseguir respirar.
Preciso descobrir alguma coisa.
Não tenho certeza de como.
Mas preciso.
Talvez eu possa confiar em Matteo para me ajudar?
Falhar não é uma opção.
Não posso decepcionar Julia.
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Não importa o que aconteceu, o quanto brava ela esteja, ela é da


família.
Eu vou protegê-la. Não vou deixar nada de ruim acontecer.
Mesmo que isso signifique me perder no processo.
Meu celular começa a vibrar. Olhando para baixo, percebo que uma
nova mensagem de texto chegou.

Cyrus: Onde diabos você está?


Eu: O que quer dizer?
Cyrus: O jogo. Você está vindo ou não?

Percebo então que estive tão envolvido com minha esposa e seu pai
que não fui ao jogo de pôquer de Cyrus por um longo tempo.
Mudando velhos hábitos. Isso não fica bem para você, Matteo.
Cyrus Reed pode ser meu banqueiro, mas ele também possui um
dos mais exclusivos jogos de pôquer de apostas altas da Costa Leste. O
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que também é uma maneira perfeita de lavar dinheiro sujo.

Eu: Ocupado.
Cyrus: Traga sua bunda ocupada aqui. Tenho negócios para
discutir.

Minha cabeça balança, sabendo muito bem que Cyrus não vai parar
até que eu concorde. Ele é um idiota, mas confio nele, e fora os meus
homens, isso é uma coisa rara.
Viro-me para Lorenzo e aceno com a cabeça.
— Estamos indo embora. Prepare o helicóptero.
Sua sobrancelha direita se levanta. — Para onde vamos, chefe?
— Pare de me chamar de chefe, Lorenzo. Ninguém está por perto.
— Tudo bem, idiota. Para onde?
Eu rio disso, sorrindo para meu primo. — Cyrus. – Não há razão
para explicar. Lorenzo sabe tudo sobre o que acontece na propriedade de
Cyrus em Connecticut.
Trinta minutos depois, o helicóptero pousa no vasto terreno do
complexo de sua propriedade.
Assim que as hélices param de girar, saímos e saímos para a noite
fria de inverno, seguindo direto para a entrada lateral que nos levará à
sala onde jogaremos cartas.
Aceno para o segurança parado do lado de fora e ele abre a porta.
Vir aqui costumava ser uma ocorrência semanal, mas minhas vindas
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diminuíram com tudo que estava acontecendo com meu primo.


Quando entro na sala, uma nuvem de fumaça me atinge. Tobias está
no seu lugar de sempre, fumando um charuto cubano.
Estou surpreso em ver que todos estão aqui esta noite. Todos os
homens que me apoiam neste negócio: Cyrus, Tobias, Alaric, James,
Mathis, Trent. Todos os homens com quem faço negócios, mas também
homens a quem chamo de amigos.
— Não pensei que você iria aparecer. – Cyrus diz enquanto entro na
sala.
Juntos, caminhamos em direção à mesa, com Lorenzo a um passo
atrás.
— Você disse que queria conversar, então estou aqui.
— Eu estava mentindo.
Inclino minha cabeça com sua resposta sincera.
— Então por que estou aqui?
Ele se senta e me dá um olhar astuto para que eu também me sente.
— Tobias me contou o que aconteceu.
— Perdi algo? Somos um bando de mulheres que sentam e discutem
bobagens agora?
— Você está em guerra, Matteo. Sua droga foi roubada. Falar sobre
isso não nos torna nada. Estou preocupado com meu banco. – Sua voz
sai monótona, como se ele estivesse tentando não parecer perturbado,
mas eu o conheço. Fui para a guerra por ele no passado. Você não vai
para a batalha sem formar vínculos. A batalha dele é minha, e minha
batalha agora é dele.
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— Ainda vou depositar o dinheiro. Não estou falido. – digo sem


expressão.
— Quem está falido? – Alaric pergunta enquanto se senta.
— Matteo. – Tobias ri.
— Vá se foder. – eu rio também.
— Não se preocupe, metade do dinheiro que ele dá a Cyrus é
investido por mim. – Trent Aldridge interrompe como o babaca
condescendente e arrogante que ele é. Quando conheci Trent, pensei que
ele era um idiota, mas ele já provou seu valor para mim há muito tempo.
— Sim, e todos nós conhecemos todos os seus esquemas obscuros
de pirâmide que você está fazendo. – respondo.
— Sim, falando nisso, o que diabos está fazendo com meu dinheiro?
– Cyrus interrompe.
— Eu estou fazendo de você um péssimo investimento. Você
realmente se importa? – ele dá a todos nós um olhar astuto.
Um traficante de drogas.
Um banqueiro corrupto.
O chefe da máfia.
O ex-traficante de armas.
Dono de um nightclub corrupto.
E o homem que dirige Londres...
Parece um começo de piada particularmente decadente.
De qualquer forma, ninguém diz uma palavra.
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Em vez disso, todos encolhemos os ombros quando Cyrus levanta a


mão e uma garçonete se aproxima com nossas bebidas na mão. A beleza
de ser frequentador significa que todos sabem do que você gosta.
— O que quer que esteja acontecendo com Salvatore, todos nós te
protegeremos, cara. – diz Tobias enquanto as cartas são embaralhadas.
— Eu sei.
— Apenas me diga onde e quando, e sairei da aposentadoria. –
Viro-me para olhar para Alaric e sei que ele faria isso.
Quem poderia imaginar que esses homens malucos acabariam sendo
meus irmãos de armas?
Enquanto bebemos nossas bebidas e jogamos, conto a eles tudo o
que aconteceu e qual é o meu plano, e isso é bom.

Chega o dia seguinte e ainda não vi Viviana.


Parece que minha esposa está me evitando.
Já se passaram dois dias desde nossa viagem a Nova York e ela se
isolou em seu quarto.
Estive muito ocupado com a remessa perdida para lidar com isso,
mas agora que o tempo passou, decidi que dei tempo suficiente a ela.
Agora estou farto disso.
Subo as escadas correndo.
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Quando estou parado na frente da porta dela, eu bato nela com o


punho.
— O que? – Eu ouço abafado.
— Estou entrando.
— Eu estou...
— Abra a porta, Viviana.
— Eu estou fazendo algo.
— Abra a porta agora, ou vou arrombar, então a única coisa que
você fará é me dar respostas.
Ouço o som de um farfalhar e depois o suave ruído de passos. A
porta se abre. Lá está ela. Sem maquiagem, cabelo preso em um coque
bagunçado no topo da cabeça. Ela está vestindo leggings e um moletom.
— Você está doente?
Seus olhos se arregalam. — Não... Pareço doente? – ela pergunta,
confusa.
— Se você não está doente, por que está se escondendo aqui?
Seu olhar abaixa para o chão. — Eu não estou.
Minha mão levanta e inclina sua cabeça até que seu olhar encontra o
meu.
— Por que está me evitando? – Ela não responde. — É porque
deixei você em Nova York? – Suas bochechas ficam um pouco mais
vermelhas. — Então não é isso? – Sem comentários. — Mais alguma
coisa então?
Ainda sem comentários.
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Seu rosto fica cada vez mais vermelho até parecer um tomate cereja.
— Apenas saia.
Interessante.
Eu me pergunto o que a fez agir assim.
— Tudo bem. Mas espero você no jantar esta noite. – eu me viro e
vou direto para a sala de vigilância da casa. Tony está ali na frente dos
monitores.
— Ei, chefe. – ele diz quando entro na sala.
— Preciso que você obtenha todos os registros telefônicos dos
últimos dias. Além disso, a vigilância dos últimos dias.
— Estamos procurando alguma coisa em particular?
— Veja duas noites atrás. A noite do armazém.
Essa foi a última vez que falei com ela e, segundo Francesca, que
foi limpar seu quarto, ela não saiu mais desde então. Ela também fez
suas refeições lá.
Ele começa a repassar a filmagem, repassando tudo o que aconteceu
no vídeo naquela noite. No corredor você pode me ver entrando no meu
quarto. Eu fechei a porta. Sei o que estava fazendo naquela noite.
O vídeo muda para o próximo movimento. Na verdade, está fora do
quarto de Viviana. Está escuro no corredor e a hora corresponde a
quando cheguei em casa. Ela caminha pela casa e, surpreendentemente,
agora está no vídeo batendo na minha porta. Não me lembro disso, o que
significa claramente que estava no banho. A próxima coisa no vídeo é
peculiar. Viviana entra. Não há nada por cerca de trinta segundos, e
então Viviana é vista novamente caminhando pelos corredores até voltar
para seu quarto.
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Esta é a última vez que ela saiu. Interessante, ela veio ao meu quarto
e depois se escondeu.
De repente, tudo fica claro. Minha pequena esposa é uma espiã e,
além disso, ela tem vergonha de me olhar nos olhos.
Um sorriso abre em meu rosto. Se ela gosta de assistir, eu deixo.
Começo a imaginar como seria se ela estivesse no quarto. Mal posso
esperar para assistir a filmagem no quarto dela. Embora tenha sido uma
grande violação de privacidade, instalar aquela câmera ali agora parece a
melhor ideia que já tive em muito tempo. Estou prestes a expulsar todo
mundo para assistir agora, mas Tony interrompe meus pensamentos.
— Eu encontrei algo.
— O que é?
— Recebeu uma ligação no celular dela.
— E? – eu odeio que meu pulso acelere com isso.
— Tem menos de um minuto de duração. – Seus dedos continuam
digitando no monitor. — O número está registrado em nome do
Governador Marino.
— Obtenha o som do celular dela.
— Isso pode levar alguns minutos.
— Bem, eu tenho certeza que não vou a lugar nenhum agora, não é?
Primeiro você me vê nu, depois fala com seu pai.
O que você está fazendo, pequena esposa?
Ando pela sala enquanto espero. Leva apenas cerca de dez minutos
para que Tony reproduza o áudio da chamada telefônica dela.
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Meus punhos se formam enquanto ouço. Não é que eu goste da


minha esposa, mas uma parte de mim gostava de passar tempo com ela.
Parte de mim esperava que o pai dela ligasse e ela lhe dissesse para ir se
foder. Mas, aparentemente, eu estava errado, e tudo isso é apenas um
grande estratagema.
Isso não muda meu plano. Ainda continuarei seduzindo-a e depois
alimentando-a com informações falsas. Viviana é fogo. Queimando, mas
não é facilmente controlado.
Não me importo por que ela está escolhendo trabalhar com ele. Ela
não veio até mim. Independentemente dos motivos, um traidor é um
traidor.
— Não conte a ninguém o que você ouviu nesta fita.
— Obviamente, chefe.
— Pretendo lidar com isso do meu próprio jeito.
— Você não precisa me explicar nada.
— Sei disso, mas queria que você soubesse de qualquer maneira que
não vou deixar isso sem resposta.
— Parece bom.
Saio da sala e vou procurar Lorenzo. Ele está em um dos escritórios
ao telefone, gritando sabe Deus o quê. Parece que ainda está procurando
a carga desaparecida. Embora tenhamos matado os três homens, não
encontramos nada em seus corpos que indicasse para onde foram as
drogas.
Conhecendo Lorenzo, ele não vai parar até encontrá-las, o que para
mim está tudo bem. Pelo preço que alcança no mercado negro, agradeço
por ele se preocupar.
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Quando ele desliga o celular, ele olha para mim.


Suas sobrancelhas estão unidas e marcas de expressão franzidas
marcam sua testa.
— O que está acontecendo?
— Ninguém sabe onde estão nossas malditas drogas. O que acho
muito difícil de acreditar.
— Calma.
— Como você pode estar tão calmo?
— Não estou tão calmo. Só sei que temos outras coisas que são
importantes e, embora nós já tenhamos perdido um carregamento,
precisamos que esta guerra pare antes de perdermos outro.
— E como vamos fazer isso?
— Através da minha esposa.
— Para que ela serve?
— Ela está trabalhando com o pai.
— Isso, nós sabemos.
— Mas ela também está muito atraída por mim, o que significa que
a tenho exatamente onde a queremos. Assim que eu transar com ela, vou
começar a alimentá-la com informações. Ela não saberá o que a atingiu
até que seja tarde demais.
— Acha que vai funcionar?
— Como não pode? Ela está tentando obter informações minhas. Já
está pronta para isso. Quando o pai dela perguntar como conseguiu isso,
se ela contar a ele sobre nosso relacionamento, ele vai engolir essa
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merda. Todo mundo sabe que quando alguém está apaixonado, fica
complacente.
— Você quer que ela pense que você a ama...
— É a única maneira de funcionar.
— E depois?
Meu lábio se inclina para cima.
— Então, eu a arruíno.

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Tenho medo de ir jantar.
Medo de vê-lo.
Medo de vê-lo.
Como posso olhar nos olhos dele depois do que vi?
Esta manhã, quando ele invadiu meu quarto, pensei que morreria de
vergonha. Não morri, mas cheguei perto.
Agora estou no meu banheiro. Vestida com uma legging preta e
uma blusa de ombros largos. Não tenho certeza se estou muito casual ou
se estou vestida demais.
Devo presumir que eu estou certa. Matteo sempre parece bem
arrumado. Eu simplesmente me sinto um idiota ao descer, não ter saído
do quarto há dois dias, e usar esta blusa, especialmente porque está
nevando lá fora.
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Sim, é oficialmente inverno e agora, com o frio iminente, sinto que


estou realmente presa nesta casa.
Não consigo imaginar nenhuma viagem improvisada à cidade tão
cedo.
Coloquei uma leve camada de maquiagem. Nada exagerado.
Depois, quando termino, termino o look com um brilho labial rosa claro.
Meu cabelo. Cheio de ondas.
Não sei por que estou colocando tanto esforço em minha aparência.
Não é como se algo fosse acontecer entre nós.
Mas você quer que isso aconteça.
Quero me repreender no reflexo do espelho para acabar com essa
insanidade. Dizer a mim mesma para não me importar, mas isso seria
uma mentira gigante.
Controle-se.
Além disso, é hora de sair do quarto e parar de se esconder.
Nos dez minutos seguintes, repreendo-me com motivos para encarar
as consequências e parar de me esconder, e depois de uma última
verificação no espelho, reúno todas as minhas forças e saio do quarto.
Não estou atrasada, mas parece que Matteo chegou cedo. Ele já está
sentado na cabeceira da mesa. Sua grande presença ocupa todo o espaço
da sala e, como eu suspeitava, ele vestia calça, paletó esporte e camisa
de botão. Ele faz com que pareça casual pela maneira como deixa os
dois botões superiores abertos. Ver sua pele aparecendo por trás da
camisa branca me deixa, mais uma vez, pronta para corar.
Acalme-se.
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Não há necessidade de ficar com calor e incomodada.


Ele é apenas um homem...
Uma pessoa incrivelmente sexy que se tocava...
— Está tudo bem aí, Viviana? – Sua voz interrompe a imagem
gráfica que passa pela minha mente.
— O que? Como assim? – eu resmungo.
— Você está olhando e parece um pouco corada. Algo está errado?
Ele me dá um olhar que acho estranho. É quase perverso o modo
como o lábio dele se curva na lateral do rosto. É quase como se ele
soubesse que eu o vi dando prazer a si mesmo, mas isso não é possível.
Ou é?
— O que está errado? – ele pergunta novamente, com seu sorriso se
abrindo ainda mais por seu rosto impecável.
— Nada.
— Parece que você viu alguma coisa.
Merda.
Não.
Como ele poderia saber? Como ele pôde me ler tão intensamente?
Como um livro aberto?
Mas é óbvio.
A propósito, ele me encara, é tão óbvio que ele sabe o que eu vi, e o
que é mais óbvio é que ele gosta disso.
Quero rastejar para dentro de um buraco.
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No entanto, como esse não é o tipo de pessoa que eu sou, me


endireito, mantenho a cabeça erguida e mudo minhas feições.
Então, quando tenho cem por cento de certeza de que minha fachada
está no lugar, vou até minha cadeira. Ele se levanta, me surpreendendo,
e a puxa para mim.
— Você está linda esta noite. – ele diz enquanto se senta na cadeira
bem na minha frente, olhando nos meus olhos enquanto fala.
Francesca traz a comida. É como se tivessem câmeras de vigilância
avisando aos empregados quando estamos prontos.
E é aí que me ocorre.
Eles têm.
Provavelmente há câmeras por toda a casa e, se for esse o caso, ele
sabe que eu o vi.
Nunca me ocorreu que esse poderia ser o caso. O que, olhando para
trás, parece um tanto ingênuo, visto que é o que ele faz para viver.
Posso jogar isso de duas maneiras. Posso agir como uma criança e
me esconder no meu quarto outro dia, ou posso fingir que isso não me
incomoda.
Escolho a opção dois.
— Então, falando sobre o elefante na sala... – digo, e seus olhos se
arregalam porque ele acha que vou mencionar isso.
— Onde você foi quando me deixou na cidade?
— Eu tinha negócios para tratar.
— Negócios tão importantes que você encurtou nosso encontro?
— Infelizmente, Viviana, isso vai acontecer de vez em quando. Eu
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poderia me desculpar. Poderia mentir para você e dizer que isso nunca
aconteceria novamente, mas esse não é o tipo de homem que sou. Vai
acontecer de novo, provavelmente mais do que você gostaria, mas foi
isso que você aceitou quando decidiu se casar comigo.
— Decidi? Como se eu tivesse escolha. – eu ranjo os dentes.
— Sempre há escolhas, Viviana. Não importa quais serão as
consequências, sempre há outras opções. – Suas palavras parecem
pesadas, como se ele pudesse ver a escuridão da minha alma, mas ele
está errado. Às vezes, não temos escolhas. Às vezes, temos que fazer
coisas das quais não nos orgulhamos, e tenho certeza que Matteo, mais
do que outros, sabe disso.
— Você nunca fez algo só porque precisava?
— Tudo o que fiz foi porque escolhi. Cada negócio. Cada morte.
As palavras que ele fala me deixam sem palavras. Elas fazem minha
língua parecer pesada. Fazem meu coração acelerar. Ele está falando
abertamente sobre seu trabalho, admitindo que ele mata. Sei que isso
deveria me deixar com medo, mas por algum motivo, acontece o oposto.
Não sinto medo.
Pela primeira vez em muito tempo, sinto que poderia haver outra
maneira.
Meu marido pode ser a solução para todos os meus problemas.
Mas ele me ajudaria?
Ele já fez isso.

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O jantar é como das últimas vezes. Falamos de assuntos banais,


nada de importante. A certa altura, até falamos sobre o tempo, o que
parece ridículo no grande esquema, mas sobre o que mais devemos
falar?
Não vou perguntar se ele matou alguém e certamente não vou
perguntar de quem era o sangue em seu corpo. Ele não vai falar comigo
sobre meu pai, então estamos resignados a falar sobre o tempo.
— A neve está realmente caindo.
— Ela está.
— Eu não esperava que isso acontecesse tão rápido. Outro dia
estava frio, mas não assim.
— Eles estão falando sobre uma grande nevasca.
— Sério? – pergunto. Não sabia disso, mas como não assisto
noticiários nem leio jornal aqui, acho que faz sentido eu não saber.
— Sim, enquanto você estava isolada em seu quarto, isso estava em
todos os noticiários. – Há um toque de sarcasmo em sua voz.
— Você assiste ao noticiário?
— Por que eu não faria isso?
— Você simplesmente não parece ser o tipo. Não consigo imaginar
você confortável em um sofá com um controle remoto na mão.
— Verdade? – ele sorri.
— Sim.
— Não assisto TV, nem assisti ao noticiário. No entanto, meus
homens me mantêm informado.
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Isso me faz sorrir. Eu não estava errada sobre minha avaliação dele.
Raramente estou sobre pessoas. Isso vem com o território de crescer em
um ambiente perigoso.
— Agora, isso faz muito mais sentido.
Ele se inclina para frente na cadeira, com os dedos tamborilando na
superfície da mesa.
— Por que não me vê como o tipo de pessoa que consegue relaxar?
Mesmo agora, enquanto faz essa pergunta, ele não está relaxando.
Caso em questão: a bateria.
— Não acho que você conseguiria relaxar se sua vida dependesse
disso. – respondo.
— Quase sinto que isso é um desafio.
— Aceite como quiser, mas você perderia. – Ele ri do meu
comentário e acho que vai aceitar quando, de repente, as luzes da sala
começarem a piscar.
— Estamos perdendo a eletricidade?
— Provavelmente. Os ventos estão muito fortes e esta é uma casa
antiga.
E então, como se fosse uma deixa, ela se apaga.
— Merda. – Matteo diz enquanto se levanta.
— Você não tem um gerador?
A sala ao nosso redor está escura como breu. Não há luzes acesas
em nenhum lugar da grande propriedade.
— Tenho. Mas só tem energia suficiente para iluminar certas partes
deste lugar.
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— A sala de jantar não é uma delas?


Ele solta um suspiro. — Não. Infelizmente não.
— Então, qual é?
— Bem, na verdade não precisamos ter a sala de jantar iluminada se
tivermos a cozinha iluminada. Agora vamos?
— Você acendeu a cozinha? – Minha voz aumenta. Claramente, a
ideia de ficar sentada no escuro com Matteo faz meu tom aumentar.
— Não.
— Deixe-me ver se entendi, você tem um gerador grande e gigante
e ele acende o quê? Obviamente não é a casa?
— A sala de vigilância. O sistema de segurança. Este lugar é Fort
Knox com ou sem energia. – Agora isso faz sentido. — Não há gerador
poderoso o suficiente para iluminar todo este lugar, mas se Deus me
livre que algo assim acontecesse, a casa estaria protegida e as pessoas
dentro da casa estariam protegidas.
— Ok, então não temos luz, mas estamos seguros, mas isso não
responde à pergunta sobre o que fazemos?
Ele se aproxima de mim. Pode estar escuro, mas posso sentir sua
presença.
— Tenho certeza de que minha equipe acenderá as velas e
distribuirá lanternas.
— E esperamos onde?
— Se você tem medo de ficar sozinha, pode ficar comigo.
— Como no seu quarto? – grito.
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Sinto sua mão antes de vê-la. Ele pega a minha, me puxando para
cima e mais perto dele.
Mal consigo ver nada. Está tão escuro na sala. As janelas gigantes
permitem a entrada de muito pouca luz da lua e, fora isso, nada.
Posso ver o reflexo em seus olhos. Eles parecem mais escuros sob
esta luz, me lembrando da primeira vez que o vi me observando.
Um arrepio percorre minha espinha.
— Frio?
— Não. – respondo enquanto me puxa para o seu lado, envolvendo
as mãos em volta da minha cintura.
Ele nos leva para fora da sala. Não há dúvida de que se eu estivesse
sozinha nesses corredores escuros, cairia de cabeça no chão. Apesar do
luar entrar pelas janelas, não há visibilidade.
Posso ouvir os galhos quebrando na estrutura da casa. A tempestade
está uma loucura e não consigo imaginá-la passando tão cedo.
Enquanto ele me puxa, quase me sinto como uma boneca de pano.
A única diferença é que, na verdade, não odeio isso. Eu me sinto mais
segura assim.
Entramos em uma sala e ele me leva para dentro, depois me solta.
Não tenho certeza do que está fazendo, mas então ele tira um isqueiro do
bolso e acende uma vela. Estamos em uma sala que provavelmente é
considerada seu covil ou, por se tratar de uma propriedade, talvez uma
sala de estar.
— Sente-se. Vou acender mais algumas e depois acender a lareira.
— Não. – Minha voz sai muito forte e Matteo para o que está
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fazendo para se virar em minha direção. Não consigo vê-lo claramente


no escuro, mas não há dúvida de que está perplexo com a minha reação.
Sua mão se estende e toca meu membro trêmulo.
— Shh. – É quase como se ele estivesse acalmando um bebê. Suave
e estratégico, ele se acumula em meu peito como mel quente. — Não há
nada a temer.
Você ficaria surpreso.
— E... eu não gosto de fogo. – A oscilação na minha voz é
inconfundível e me odeio por isso.
— Sente-se no sofá. Não vou acender um se você estiver com medo.
Mas Viviana...
— Sim.
— Não há nada a temer. É apenas uma faísca que se transforma em
chama.
— Isso não pode ser controlado. – sussurro, com minha voz rouca e
tensa.
— E essa é a parte bonita. – diz ele. — Sente-se. Nada vai
acontecer.
Posso ver o formato do sofá, então vou até lá e me sento. Depois
que Matteo acende mais duas velas, ele se senta ao meu lado.
— As velas não incomodam você? – ele está perto. Muito perto.
Muito perto, se você me perguntar. Se as velas não estivessem
iluminando à distância, eu pensaria que ele roubou oxigênio da sala.
— Não. Só o... – Não posso continuar. Não posso explicar isso a ele
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sem contar tudo. — Agora, o que fazemos? – pergunto, mudando de


assunto. Ele se vira para mim, com as sombras da luz movendo em suas
feições.
Sua sobrancelha se levanta. — O que você tinha em mente? –
Mesmo no escuro, posso ouvir a insinuação sexual em suas palavras.
— Podemos jogar um jogo. – sugiro, sem muita convicção.
— Que tipo de jogo podemos jogar no escuro? – ele sorri, e que
sorriso é esse.
Não tenho certeza se é pela iluminação ou pelo tom de barítono de
sua voz, mas juro que meu pulso está acelerado.
— Podemos jogar Vinte Perguntas. – eu deixo escapar, e ele ri.
Acho que pareceu engraçado o quanto rápido eu disse isso. Como se eu
estivesse animada e completamente nervosa e tropeçando nas palavras.
Este homem me deixa confusa quando olha para mim daquele jeito.
— Você quer jogar Vinte Perguntas?
— Sim.
— Sério?
— Uhum.
— OK. Vamos jogar. Mas primeiro algumas regras básicas.
— Não pergunte nada sobre os negócios. – digo com meu melhor
sotaque de Al Pacino. Como se eu fosse um cara durão da máfia.
— Exatamente. Eu odiaria ter que dizer...
— Pare. – eu levanto minha mão. — Eu odeio essa parte.
Ele ri de novo, e o som é mágico. Matteo Amante deveria rir com
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mais frequência.
— OK. Você primeiro. Pergunte à vontade.
Eu me recosto no sofá e tento pensar em alguma coisa. — Qual é a
sua cor favorita?
— Essa é a grande pergunta que você tem?
Encolho os ombros.
— Preto.
— Isso não é realmente uma cor. Mais como a ausência de luz.
— Por isso, por que eu gosto disso. – Sua voz soa como mel quente
enquanto ele fala. Quero espalhar tudo e lamber.
De onde diabos isso veio?
Caramba.
Isso é loucura.
— Sua vez.
— O que você queria ser quando era criança? Sei que agora você
quer ser agente ou editora ou algo relacionado a livros, mas e quando
você era criança?
Fico surpresa quando percebo que ele se lembra do que eu disse a
ele. É como se ele tivesse guardado tudo, e esse pensamento aquece meu
coração.
— Eu queria ser veterinária.
— Você teve animais de estimação na infância?
— Não.
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— Por que não?


Olho para minhas mãos. — Eu não fui autorizada.
— Se pudesse ter qualquer animal de estimação, o que você teria?
— É a minha vez de fazer as perguntas.
— Responda a maldita pergunta, Viviana.
A maneira como ele diz meu nome de forma tão agressiva deveria
me assustar, mas faz o contrário. Em vez disso, não posso deixar de
olhar para sua boca, desejando ter a coragem de cruzar o espaço entre
nós e beijá-lo.
— Viviana... – ele diz isso de novo. Acho que ele deve saber o que
isso faz comigo.
— Sempre esperei que meus pais me surpreendessem com um
cachorrinho. – eu olho para o outro lado da sala. — Todos os anos, eu
pensava que este seria o ano em que eles fariam isso, mas a cada ano que
passava, acabei desistindo do sonho.
— Sinto muito.
Eu me volto para ele. — Achei que você não sentisse.
— Pelas minhas ações, não. Mas para isso... sim.
— Mas... mas você não teve nada a ver com isso.
— Ainda sinto muito que seus pais sejam péssimos.
Olho para ele novamente.
Procurando por uma mentira. Procuro qualquer coisa que me faça
pensar que ele é falso, mas não vejo nada além da verdade em seus olhos
verdes.
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— Você é um homem melhor do que parece, Matteo.


— Não conte aos meus inimigos. – diz ele, e parece que me atingiu
no estômago.
— Próxima pergunta. – ele diz antes que eu possa pensar mais sobre
a dor se espalhando por todo o meu corpo.
— E você?
— Eu?
— Sim, você. O que você queria ser? Você sempre soube que queria
fazer isso? – eu faço um gesto com a mão pela sala, não que isso
realmente implique. — Comandar a máfia. – Mas acho que ele entende
meu ponto.
— Sim e não.
— Elabore, por favor.
— Quando eu era criança, admirava meu pai. Achei que ele era um
homem muito importante e queria ser igual a ele. Então, quando eu tinha
onze anos, percebi exatamente o que ele fazia.,. – ele para de falar por
um minuto, com sua mão se erguendo e passando pelos cabelos. — Na
época, meu tio, pai de Salvatore, estava no comando. As coisas eram
diferentes então. O negócio era diferente.
Ele não precisa dizer mais nada. Certa vez, ele fez um comentário
sugerindo o que Salvatore acreditava e, embora não esteja dizendo isso,
tenho que imaginar que o velho ditado é verdadeiro “tal pai, tal filho”.
Seus olhos estão baixos, como se a lembrança ainda o machucasse, vinte
e sete anos depois.
Por alguma razão, quero confortá-lo. Quero tirar a dor que ele sente.
Quero que ele saiba que pode falar comigo. É estranho esse sentimento
que percorre meu sangue como se eu quisesse protegê-lo, o que é
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irônico.
Não ouço as objeções gritando dentro de mim. Em vez disso, me
aproximo até que nossas pernas se toquem. Pego uma mão, segurando-a,
e então a levanto até minha boca, dando um beijo em seu dedo.
— O que... o que aconteceu? – eu gaguejo, com medo de perguntar,
com medo da resposta e, acima de tudo, com medo do que isso
significará se ele me contar.
— Não foi exatamente o que aconteceu, mas o que eu vi.
— Você pode falar comigo, Matteo.
Seus olhos se estreitam levemente, mas depois voltam ao normal,
ainda duros com as emoções que travam dentro dele.
— Eu não deveria ir para o porão... – ele começa. — Meu pai
sempre me disse para não ir ao porão. Sabe, cresci nesta casa. Mesmo
quando meu tio estava no comando. O quarto em que você fica era o
meu quarto. O quarto em que cresci.
Meu peito parece apertado sob suas palavras. Ele me deu seu quarto
de infância. Por que ele faria isso?
— Eu não conseguia dormir, então fui para a cozinha. A porta do
porão estava lá. Pensei ter visto uma luz... – Sua voz parece diminuir e
tenho medo do que ele dirá.
— Você não precisa me contar.
Mas ele não escuta meu apelo. Em vez disso, ele continua, e mesmo
que queira impedi-lo porque não quero ouvir o pesadelo que ele viveu,
permito isso dele.
— Desci as escadas... Houve sons. Sons horríveis. Choros e
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lamentos. Continuei andando até chegar nos fundos e foi então que os vi.
— Quem?
— As garotas.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto. Não consigo ouvir mais. Mais
lágrimas caem.
— Por que você está chorando? – ele pergunta.
— Porque você era apenas uma criança. Você não precisava ver
isso.
Ele estende a mão e enxuga uma lágrima que deve ter caído no meu
nariz.
— O que você fez? – pergunto.
— Contei ao meu pai. Esse foi o dia em que, por um minuto, eu não
quis ser meu pai, e então foi também o dia que eu quis.
— Não entendo.
— Quando contei a ele o que vi, o odiei. Pensei que ele sabia. Achei
que era ele quem as mantinha como animais, mas sua raiva era palpável.
Veneno puro escorreu dele. Ele não sabia. Ele me disse para esperar,
mas o segui. Eu o segui enquanto ele cruzava o andar e invadia o quarto
de seu irmão. Vi o que seu irmão estava fazendo e com quem ele estava
fazendo isso. Ela era tão jovem, apenas alguns anos mais velha que eu.
Ela não queria... – ele balança a cabeça, preso em uma lembrança
horrível. Eu entendo muito bem como é isso. — Meu pai sacou a arma e
atirou na cabeça dele. Então, uma por uma, ele libertou as garotas.
Algumas delas não tinham para onde ir, então ele as empregou.
— Elas trabalharam aqui para o seu pai depois de tudo?
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— Ele as salvou.
— Elas trabalham para você?
— Algumas. – ele respira fundo. — Ele, sozinho, impediu todo o
tráfico que estava ligado à nossa família. Na verdade, é algo em que
também ajudei. Foi assim que me tornei amigo de Cyrus.
— Cyrus?
— Ele estava no casamento. Você provavelmente não se lembra
dele.
Tento pensar no passado, mas o dia e a noite são confusos. — Não
me lembro de muita coisa.
— Tudo bem.
Ele sorri para mim, um pequeno sorriso, um sorriso suave.
— É por isso que quer ser como seu pai? Ele é um herói para você.
— Ele era, e sim, não tenho nenhuma falsa ilusão de que ele não
fazia coisas ilegais, mas seu argumento era que as pessoas compravam
drogas de qualquer maneira, mas pelo menos com ele no comando, ele
poderia garantir que nunca fosse longe demais.
Minha sobrancelha arqueia. — O assassinato não é muito longe?
— Nunca matamos inocentes.

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Sinto-me esgotado depois do que acabei de dizer. Normalmente não
falo sobre essas coisas. Mantenho meu passado onde pertence, enterrado
no quintal com todas as minhas emoções e alguns ossos. Mas há algo
sobre Viviana.
Ela é como meu próprio tipo de criptonita. Meu próprio soro da
verdade. Não importa o quanto eu tente, ela encontra uma maneira de se
aproximar e se instalar na minha vida. Estou tão fodido que nem preciso
de lubrificante.
Ela está me fazendo sentir todos os tipos de coisas malucas. Ela está
me fazendo lembrar ainda mais. Não é bom. Sei que ela faz parte do
plano, mas cada segundo que a conheço... Não, não consigo pensar
nisso.
Salvatore está lá fora. Salvatore quer seu lugar. E ela é o meio de
conseguir isso.
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Não importa o quanto ela pisque os cílios para mim, ela também
mentiu para mim, e isso não pode ficar impune.
Não importa agora. Esse é um plano de longo prazo. No momento,
só há uma coisa em que preciso me concentrar e, pelo jeito que ela olha
para mim, sei que funcionou.
Permitir-me abrir daquele jeito e contar tudo a ela foi um risco
calculado, mas um risco que valia a pena correr. Ela agora pensa que
confio nela.
A sala está em silêncio novamente, o ar pesado com o meu passado.
Nossos rostos estão próximos. Tão próximos que posso sentir o jeito
que ela exala.
Seus olhos ainda estão brilhando com lágrimas não caídas. Levanto
minha mão novamente e desta vez seguro seu queixo.
Inclinando a cabeça para cima.
Ela me observa atentamente, com o peito arfando enquanto passo o
polegar por sua pele. Deslizando-o até os lábios. E quando ela abre a
boca ao expirar, tomo isso como um convite e diminuo a distância.
Minha boca a encontra. Enquanto minha língua procura entrar, ela
geme em minha boca.
Meus braços a puxam com mais força para mim e então a agarro
perto.
Do nada, suas mãos pressionam meu peito.
— Pare. – ela se afasta. — Não posso fazer isso.
Olho para ela, confuso, sem realmente entender o que aconteceu.
Pensei ter lido a situação. Achei que ela me queria. Levanto minha mão,
tentando me afastar dela, mas ela me agarra pelo pulso. — Pare. – ela
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diz novamente.
— É isso que estou fazendo.
— Isso não foi o que eu quis dizer...
— Você quer fazer isso? – Pode estar escuro aqui, mas ainda posso
ver que suas bochechas estão vermelhas.
— Sim. Sim, Matteo. Quero você, mas não posso fazer isso sem
falar com você primeiro.
Falar comigo sobre o quê? Já somos casados. Isso não faz sentido.
— Preciso te contar uma coisa primeiro.
Estreito os olhos confuso.
— OK.
— Você tem que prometer me escutar e ouvir tudo o que digo antes
de fazer qualquer coisa.
Agora estou realmente confuso. Eu aceno com a cabeça.
— Matteo... – ela começa, mas então balança a cabeça, respirando
fundo. — Dizer isso é muito mais difícil do que pensei que seria.
— Apenas continue com isso. Acho que funciona melhor.
— Meu pai quer que eu seja sua espiã. – E embora eu já saiba disso,
ainda estou chocado por ela ter dito isso.
— Quando fomos à casa dele, lembra como ele me pediu para ficar
no escritório sozinha com ele para conversar?
Claro que sim. Eu a grampeei, mas não digo nada disso. Em vez
disso, apenas aceno novamente.
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— Ele queria que eu descobrisse informações sobre você. E depois


contar a ele. – ela hesita.
— E você fez isso?
— Não.
Não é mentira.
— Mas então ele ligou novamente.
— Por que está me contando isso? Sabe que me contando isso...
— Você provavelmente vai me matar. Sei disso e vale a pena o
risco. Eu nunca quis trair você. Eu estava sempre procurando uma saída,
mas não posso te beijar, não posso ficar com você a menos que eu te
conte.
— Por que...
— Porque, Matteo, não importa o quanto tento, você me afetou e
não quero machucar você.
— Se você não contar ao seu pai, o que ele fará?
Sei que ele tem algo contra ela. Só não sei o quê.
— Ele vai me machucar.
— E você ainda me conta.
Ela morde o lábio.
— Sim. – ela sussurra, e eu faço a única coisa que consigo pensar.
Eu a agarro pelo rosto, puxo-a para mim e selo minha boca sobre a dela.
Desta vez, ela me beija com abandono imprudente. Ela é dócil em meus
braços, desesperada pelo meu toque, e conforme o beijo se intensifica,
ela agarra minhas costas.
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É como se quisesse se fundir comigo e, neste momento, sob o peso


da sua confissão, eu quero que ela o faça.
Não sei o que isso significa para nós. Não sei o que isso significa
para o pai dela ou o que significa na minha guerra com Salvatore. Tudo
que sei é que agora minha esposa acabou de passar em um teste. Um
teste que eu nem sabia que estava fazendo.
Preciso dela.
Preciso dela como preciso de ar para respirar. Preciso sentir seu
calor, estar dentro dela. Preciso me enraizar nela até não saber onde ela
termina e eu começo.
Amanhã, o futuro provavelmente será diferente.
Amanhã, ambos teremos que lidar com as consequências das nossas
ações.
Mas esta noite, terei minha esposa.

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— Aqui ou no quarto? – ele pergunta. — Escolha rápido ou escolho
por você. – O jeito que ele fala é rouco. Com o desejo atado em cada
palavra.
Mas o olhar em seus olhos me desarma.
Quando contei a verdade, pensei que ele me expulsaria, mas isso...
Ele olha para mim como se eu tivesse lhe dado o presente mais
precioso. Ele olha para mim como se eu fosse tudo, como se precisasse
me consumir.
É primitivo e acende uma brasa dentro de mim, me fazendo querer
permitir que ele faça isso.
Com a necessidade percorrendo meu corpo, respondo sua pergunta
estendendo meus braços e puxando-o para mim novamente.
— Aqui. – digo contra seus lábios.
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— Ótimo, porque mal posso esperar mais um segundo para estar


dentro de você. – ele então me cala pressionando sua boca na minha e
me beijando novamente. A cada movimento da língua, o beijo fica mais
acalorado.
— Bem aqui. Agora mesmo. – diz ele. — Tire a roupa. – ele exige,
e eu sigo sua ordem.
Olhar para Matteo agora é como olhar para o rei das trevas de todas
as fábulas. Ele está cheio de maldade, mas também de paixão.
Levanto-me do sofá, tiro a camisa e começo a tirar a calça. Durante
todo o tempo em que me dispo, ele me observa. Seguindo seu olhar
sobre minha pele agora exposta.
Ninguém nunca olhou para mim assim antes.
Agora completamente nua, diante dele, a fome no ar é palpável.
Seus olhos são escuros e ameaçadores à luz suave das velas da sala.
Observo através das pálpebras entreabertas enquanto ele tira suas
próprias roupas. Mesmo que eu o tenha visto no chuveiro outro dia, isso
é diferente. Vê-lo nu fez minha boca se abrir e minha língua ficar seca.
Ele é lindo.
Devastadoramente lindo.
Ele é esculpido como mármore. Delineado e esculpido com
perfeição.
Ele é tudo e muito mais. Um exemplar perfeito de homem.
Ele é um Titã.
— No sofá, Princesa. – ele ordena.
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Não hesito em deitar no sofá, esperando enquanto ele se aproxima


de mim.
Um predador perseguindo sua presa. Um leão prestes a atacar.
Quando ele desce sobre mim, ele se segura, acariciando-se.
— Você tem camisinha? – eu resmungo.
Seus olhos se estreitam. — Você é minha esposa. Não vou usar
camisinha. – A maneira grave com que diz esposa me faz derreter por
dentro. Ele rasteja sobre meu corpo, com sua mão livre separando
minhas coxas.
Então o sinto se esfregar em mim.
Ele está me provocando.
Brincando comigo.
Ele está tentando me deixar louca e funciona. Ele está.
Arqueio meus quadris para cima. Tentando desesperadamente me
livrar do meu sofrimento e colocá-lo dentro de mim, já.
Com um impulso forte, ele me dá o que eu quero. Ele empurra todo
o caminho dentro de mim até chegar completamente ao fundo.
Seu aperto em meu corpo aumenta.
Nenhum de nós se move nem um pouco.
Ele me permite ajustar ao seu tamanho, e quando me inclino e beijo
seus lábios, ele recua.
Sinto falta dele instantaneamente, beijando-o com mais força,
cravando minhas unhas em suas costas para dizer o que quero.
Ele ri contra meus lábios, mas me dá o que preciso. Penetrando
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novamente até que ele esteja totalmente envolvido novamente.


Ele mantém um ritmo lento e constante.
Saindo e depois penetrando novamente.
Suas estocadas são vagarosas.
Cada uma enviando mais e mais prazer percorrendo meu corpo.
É muito bom.
Intenso.
Uma sensação começa a criar raízes dentro de mim. Está quase lá.
Perto, mas não o suficiente. É como se estivesse pairando acima de mim
e eu não consigo alcançá-la.
— Mais forte. – eu imploro. — Mais rápido.
Mais uma vez, ele ri, mas independentemente do humor que
encontra, ele me escuta e cede.
Seus movimentos lentos ficam mais fortes. Até que ele esteja me
fodendo com estocadas rápidas e profundas.
Esse sentimento está além de tudo que já senti antes.
Nós nos arranhamos.
Ambos desesperados até chegarmos ao orgasmo.
Nosso beijo fica mais frenético, com os seus movimentos erráticos.
Minhas unhas arranham suas costas.
Posso me sentir caindo do precipício.
Meu corpo agarra o dele.
Ele continua a se mover dentro de mim, penetrando mais algumas
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vezes antes de gemer em seu próprio orgasmo.


Nós dois estamos ofegantes enquanto gozamos em nossos próprios
orgasmos.
Alguns minutos se passam antes que eu perceba o que acabamos de
fazer.
Agora o que acontece?
Sim, obviamente somos casados, mas isso mudou tudo?
— O que você está pensando? – ele levanta a cabeça da curva do
meu pescoço e olha para mim.
Há um vinco se formando entre suas sobrancelhas.
— Nada. – eu minto.
Ele se move para sair de cima de mim e imediatamente quero puxá-
lo para mais perto. Não estou pronta para que isso acabe. Quando ele se
levanta, ele dá alguns passos para pegar minhas roupas.
Eu me sinto estranha e constrangida quando coloco minha camisa.
O que alguém diz ao marido depois do que acabamos de fazer,
quando mal o conhece?
Parece o fim de uma transa de uma noite.
Apenas me visto e vou para casa ou, neste caso, vou para o meu
quarto?
Quando estou completamente vestida, olho para ele enquanto veste
suas próprias roupas.
Ele realmente é o homem mais deslumbrante que já vi.
Respiro fundo e, quando ele olha para mim, eu falo.
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— Eu vou...
— Não, não vai. – ele caminha até mim, mais como um
perseguidor, e então, antes que eu possa perguntar o que ele quer dizer,
ele me levanta em seus braços como se fosse uma noiva.
Suspiro com o movimento. — O que você está fazendo?
— Algo que eu deveria ter feito no dia em que nos casamos.
Ele começa a caminhar em direção à porta e então estamos no
corredor, caminhando em direção às escadas.
— E o que é?
— Levar você além da soleira.
Fico chocada quando ele se dirige às escadas e começa a subir.
Ele me carrega como se eu fosse um saco de penas e, para ele,
provavelmente sou. Assim que chegamos ao topo da escada, ele segue
em direção ao seu quarto.
Não digo nada. Finjo que nunca estive aqui antes. Ele sabe que sim,
e eu sei que sim, mas pelo menos assim posso manter intacta um pouco
da minha dignidade.
Quando ele abre a porta, acho que vai me deixar na cama, mas, em
vez disso, ele nos leva até o banheiro. Meu olhar encontra o chuveiro. O
banho indescritível que antes limpava o sangue. Agora, hoje, o mármore
está imaculado.
Ele ainda está me segurando em seus braços quando abre a torneira
e então me coloca de pé. Estou um pouco atordoada com tudo, mas fico
ainda mais surpresa quando ele levanta minha camisa acima da minha
cabeça, tira meu sutiã e depois se abaixa na minha frente para tirar
minha calça.
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Parece que foi há apenas um momento que fizemos isso. As luzes


ainda estão apagadas na propriedade; as velas cintilantes ao nosso redor.
Alguém de seus empregados deve tê-las acendido.
Ele pega minha mão e com a outra abre a porta do chuveiro e me
leva para dentro.
Nunca tomei banho com um homem antes.
Percebo que ele está olhando para mim com uma expressão confusa
no rosto.
— O que? – pergunto a ele enquanto ele me puxa para baixo da
água morna. Ela cai em cascata como chuva.
— Você está corando.
— Eu não estou. – Mas meu tom agudo e nervoso me denuncia.
— Você nunca tomou banho com alguém antes?
— Não. – grito.
Um sorriso sensual abre em seu rosto. Ele é o gato que comeu o
canário aqui.
— O que?
— Espere e veja.
A próxima coisa que sei é que Matteo está de joelhos na minha
frente.
— O que você está fazendo?
As mãos fortes de Matteo abrem minhas pernas e então ele sorri
para mim como um gato Cheshire.
— Quero provar você, esposa.
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— E... eu... – É difícil encontrar palavras quanto mais perto ele


chega da minha pele nua. Estou de pé, exposta diante dele. Nunca fui
vista assim.
Sim. Já fiz sexo antes de Matteo, mas isso é diferente.
Isso é irresistível.
Minhas pernas começam a tremer de ansiedade pela promessa do
que está por vir.
Com uma mão, ele estabiliza meus membros trêmulos e, com a
outra, me abre para seu ataque.
Então se inclina e passa a língua contra meu corpo necessitado.
Sua boca se agarra a mim como se eu fosse um banquete pronto
para ele se deliciar.
Mesmo com sua mão tentando me manter firme, meu corpo treme
contra ele.
— Eu poderia fazer isso o dia todo. – Sua boca vibra ao meu redor
enquanto fala. Ele continua a me chupar, com a pressão aumentando a
cada movimento de sua língua. A sensação é o paraíso.
Eu morri e fui para o céu.
Meus olhos se fecham. Arrepios percorrem minha espinha e sei que
estou prestes a cair no limite. Meus músculos se contraem e tremem.
Mas nesse momento, quando estou prestes a gozar, sinto-o se afastar,
deixando-me com calor e extremamente incomodada.
— Só comigo dentro de você. Agora que senti você gozar, nada
mais servirá.
Ele levanta o corpo para uma posição ereta.
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A água ainda está caindo sobre nós.


Ele me vira e depois me inclina.
— Segure-se no banco.
Faço o que ele diz e me seguro no banco de mármore do chuveiro.
Seu corpo está pressionado atrás de mim, mas sou muito baixa, então
fico na ponta dos pés para que possa se posicionar perfeitamente entre
minhas pernas.
Sinto a cabeça me provocando.
Com um movimento lento e constante de seus quadris, ele está
dentro de mim. Totalmente ao máximo.
Ele me apoia no quadril e inclina minhas costas ainda mais para
baixo. Nesse ângulo, pode me foder mais fundo. E cara, ele consegue,
me fodendo novamente e entrando em mim completamente, indo mais
fundo do que eu pensava ser possível.
Suas estocadas ficam mais fortes, mais desesperadas, e com cada
novo movimento de seus quadris, seu ritmo acelera. Ele está me fodendo
a uma velocidade punitiva.
Repetidamente.
Com um arrepio longo e quase doloroso, caio no precipício.
Matteo me dá mais uma, duas, três estocadas e, na última, ele goza
em mim.
— Você é incrível. – ele grita enquanto sai de mim. Então me ajuda
a ficar em pé.
Quando estou de pé, ele me solta. O banheiro está girando. O
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sangue deve ter subido à minha cabeça na posição em que eu estava, e


devo cambalear porque ele deixa suas mãos me segurarem novamente.
— Você está bem? – Sua voz está cheia de preocupação.
— Estou bem. O calor deve ter me afetado.
— Aqui, deixe-me dar banho em você.
É um gesto tão doce. Ele pega o shampoo e coloca-o na mão antes
de colocá-lo no meu couro cabeludo. É incrível quando ele passa nos
fios e, quando termina, ele enxagua meu cabelo e lava meu corpo. Ele é
cuidadoso comigo, algo que eu não imaginaria, mas ele é. Ele cuida de
mim.
Poucas pessoas na minha vida fizeram isso por mim. Certamente
não houve nenhum homem. Descubro que, se não tomar cuidado,
Matteo Amante, meu marido, é exatamente o tipo de homem por quem
eu poderia me apaixonar.
Inferno, quanto mais o conheço e quanto mais tempo passo com ele,
mais vejo e mais percebo que acho que já posso ter me apaixonado por
ele.

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Fodi minha esposa duas vezes e agora que experimentei, temo que
nunca me fartarei.
Foda-se a criptonita, a mulher é puro crack, do tipo que eu gostaria
de colocar as mãos e distribuir para dominar o mundo.
Mesmo agora que acabamos de terminar a segunda rodada no
chuveiro, vê-la envolvida em meu roupão fez meu pau entrar em ação.
Para baixo, garoto.
Não é como se ela fosse a lugar nenhum.
Não mais, pelo menos.
O momento em que ela me confessou foi como se um interruptor de
luz tivesse sido ligado.
Esse tempo todo estive lutando contra minha atração por ela. Sim,
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claro, eu queria fazer sexo com ela, mas não me permitia pensar nisso.
Foi principalmente uma forma de fazê-la cair nos meus planos. Foi
quase como se eu pensasse em sexo com ela com precisão, mas depois
ela me contou tudo.
Agora que sei, tudo vai mudar.
Todos os planos mudarão.
Não posso usá-la.
Amanhã, precisarei falar com meus homens. Precisaremos debater o
que isso significa. Esta noite, não farei tal coisa. Esta noite, vou deitar ao
lado desta mulher e provavelmente continuarei a fazer o que quero com
ela.
Ela parece ser tão insaciável quanto eu. Inocente, mas insaciável.
O que, na minha opinião, é a combinação perfeita.
— Vamos, vamos para a cama.
— Você... – ela para de falar, e tem um rostinho lindo. Levanto a
sobrancelha e espero que ela continue, embora saiba o que vai dizer. Ela
é como um livro aberto, o que é surpreendente porque eu não sabia que
ela me contaria sobre o pai, mas talvez ela tenha mudado de ideia, e é
por isso. Ela fez parecer que era mais do que isso, mas estou cansado
demais para pensar nisso.
— Quer que eu durma aqui? – Em todas as semanas que a conheço,
nunca vi seus olhos ficarem tão arregalados.
— Viviana. Como minha esposa, este é o seu quarto agora.
Seus olhos percorrem pelo espaço à sua frente. Então ela balança a
cabeça.
— E o quarto em que eu estava hospedada?
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— Aquele nunca foi o seu quarto.


— Então por que eu fiquei lá?
— Eu estava esperando por você. – Meu comentário a faz sorrir,
mas não um sorriso normal, esse é contagiante e abre por seu rosto,
tocando seus olhos.
— Você esperou, não foi? – A voz dela é suave.
— Nunca iria te foder à força. Não da maneira que importava.
— Você tem algo para eu vestir? Todos os meus pijamas estão no
meu quarto... Meu antigo quarto.
— Você não vai usar pijama na nossa cama.
Se ela fica chocada com minha declaração, ela tenta controlar suas
feições. No entanto, é o jeito que ela morde os lábios que eu sei.
— Deixe cair o roupão, Viviana.
Agora ela deixa a boca aberta, mas vou dar-lhe algum crédito. Ela
faz isso.
O roupão grande, branco e macio cai no chão, e Viviana, muito nua,
linda e extremamente nervosa, se deita na cama.
Assim que ela faz isso, ela solta um pequeno gemido. Minha cama é
muito mais confortável que a dela.
— Você gosta disso, não é?
— Ah meu Deus, esta é a cama mais incrível de todas.
— De nada.
Ela ri. — Você é um idiota.
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— O que você disse? – eu solto a toalha da cintura e vou para a


cama, deitando em cima dela. — Você disse que quer meu pau?
— Não foi isso que eu disse. – Sua voz falha quando uso meu
joelho para abrir suas pernas.
O meu pau está agora apoiado na sua pele nua.
— Acho que é exatamente o que você queria dizer. – Eu me inclino
para frente, dando beijos ao longo de sua mandíbula. Ela se contorce
debaixo de mim, mas continuo meus cuidados, com minha mão
deslizando entre nossos corpos e abrindo-a para o meu ataque.
Ela solta um gemido de prazer e tomo isso como um convite.
Esta mulher será a minha morte.

Quando acordo na manhã seguinte, quase esqueço onde estou, o que


é estranho, já que este é o meu quarto, mas vejo cabelos castanhos
espalhados no travesseiro. Há um braço sobre o meu abdômen.
Normalmente, se vou dormir com uma mulher, eu faço isso no meu
apartamento na cidade, não naquele onde Viviana já esteve.
Não, eu tenho um apartamento cujo único propósito é apenas
transar. Normalmente não confio o suficiente nas mulheres. Elas são um
risco.
Porra, até ontem à noite, eu também não confiava nela.
Tudo parece diferente à luz do dia.
Estico os braços e reprimo um bocejo. Não quero acordá-la. Ela
parece muito tranquila e, por mais que uma certa parte do meu corpo
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queira, ela precisa descansar.


Mal a deixei dormir ontem à noite. Depois que começamos, não
consegui parar.
Vou deixá-la aqui, enfiada na minha cama, e vou procurar meus
homens. Preciso informá-los sobre a mudança em nossa situação.
Devagar e com cuidado, me levanto. Entro no meu closet e visto
uma calça de moletom cinza e uma camiseta branca, além de meias e
sapatos também. Então saio pela porta. Por causa da hora, sei que
encontrarei Lorenzo na cozinha.
— Chefe. – ele diz quando entro.
— A que horas a energia voltou? – pergunto rispidamente.
— Ela voltou por volta das cinco.
— Huh. Dormi o tempo todo.
— Sim, sobre isso, ouvi de Francesca que você tinha companhia.
— É isso que precisamos discutir. Vou pegar uma caneca de café e
depois podemos conversar no meu escritório.
Vou até o armário e pego uma caneca e, depois de enchê-la, sigo
pelo corredor, abro a porta e sento-me atrás da minha mesa. Lorenzo é
rápido em seguir.
— Você quer que eu ligue para Roberto?
— Sim.
— Alguém mais?
— Não. – Embora confie em meus homens, os únicos dois em quem
confio cem por cento da minha vida são Roberto e Lorenzo. Luka sendo
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um terceiro próximo.
Lorenzo digita algo em seu celular, que imagino ser uma mensagem
para Roberto, porque em três minutos a porta se abre e Roberto entra.
Ele se senta em seu lugar habitual.
— Estávamos errados sobre Viviana.
— O que você quer dizer? Nós a ouvimos. – diz Roberto.
— Sim, nós a ouvimos dizer o que ela tinha que dizer. Mas ontem à
noite ela me contou tudo.
— E acha que ela foi sincera? – Desta vez é Lorenzo quem fala.
— Ela não poderia ter mentido para mim. Não apenas porque
consigo ler as pessoas, mas também... você deveria tê-la visto. Ela
estava assustada. Ela sabia que eu iria matá-la. Ela pensou que eu faria
isso.
— O que você fez? – ele pergunta.
— Bem, eu transei com ela, é claro.
Ambos os meus homens começaram a rir.
— Claro que você transou. E como foi? – Lorenzo volta ao modo
amigo, com o subchefe estrito desaparecendo diante dos meus olhos.
— Eu não vou falar sobre foder minha esposa. A questão é que ela
não estava mentindo.
Os dois homens olham para mim em busca de detalhes, mas não
vou agradá-los com isso. O que faço com minha esposa é problema meu.
A ideia de eles saberem mais não me agrada.
— O que fazemos agora? – Roberto diz, invadindo a sala.
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Mandando-nos de volta para a nossa reunião em vez do encontro para o


café em que aparentemente estávamos, como um bando de malditos
maricas.
— Era sobre isso que eu queria falar com vocês. Precisamos de um
novo plano.
Lorenzo inclina a cabeça para baixo. — Devemos envolvê-la?
— Acha que deveríamos pedir a ela para trair o pai?
— Você disse que ela parecia assustada. Obviamente há algo que
ele tem contra ela. Se pudermos resolver o problema dela, talvez ainda
possamos usá-la contra ele, apenas em uma função diferente. Além
disso, pelo que podemos ver, tem algo a ver com a mãe da amiga dela.
Talvez seja sobre o dinheiro? O governador está pagando, então talvez
se conseguirmos cobrir a dívida, Viviana estará mais apta a nos ajudar.
— Poderia funcionar.
— Quanto você vai contar a ela, chefe?
— Ainda não tenho certeza. Não quero assustá-la. Ainda é tão
recente.
Não quero que ela pense que a estou usando. Embora um dia atrás
isso fosse verdade, não me agrada mais o estômago.
— Estou pensando em passar os próximos dias com ela. Então
abordarei o assunto.
— E se ela disser não?
— Se ela disser não, isso não mudará nada. Teremos que bolar um
novo plano, mas não vou deixá-la morrer. Ainda vou resolver o
problema dela, seja ele qual for. É óbvio que o pai dela a manipula há
anos. Mesmo que não dê em nada, vale a pena saber que pararei com
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isso, sabendo que isso vai irritar o governador.


— O que você precisa que façamos?
— Só quero manter uma equipe mínima aqui, então aumente os
homens do armazém. Ligue para Tobias. Prepare outro pedido. Quero
que você lidere e faça todas as coletas para o próximo mês.
Normalmente, é você quem recebe o dinheiro.
Ele estava certo. Normalmente, por intimidação, procurei cada um
dos nossos clientes aos quais oferecemos proteção e coletei o dinheiro,
mas desta vez será diferente.
— Estarei ocupado na próxima semana. – digo novamente com mais
determinação. — Vocês dois vão intervir em meu lugar. Se alguém
perguntar, diga que tenho outros assuntos para tratar.
— Você não está preocupado que possam não levar isso a sério?
Eles podem não se sentir pressionados a pagar?
— Não. Você é meus olhos e ouvidos. Você é uma extensão de
mim. Qualquer um que se atrever a foder com você verá toda a força do
meu poder. O futuro nunca é certo, Lorenzo, como subchefe, você
precisa fazer com que esses homens tenham medo de você do mesmo
jeito que me temem.
Ele acena com as minhas palavras, sabendo da minha intenção.
Estou em guerra com meu primo, posso morrer e Lorenzo assumirá se
esse dia chegar. É imperativo que ele tenha o respeito deles. — Além
disso, isso os manterá em alerta. Você pode usar qualquer força que for
necessária, mas somente se for necessário. Você sabe que não tolero a
morte de um inocente.
— Sem problemas. Você quer que Francesca fique?
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— Ela também pode tirar férias.


— Você vai cozinhar e limpar?
— Sou capaz de fazer as duas coisas. Só quero a equipe de
vigilância em casa, mas só quero que eles vigiem o terreno.
— Droga, o que você planejou?
Sorrio para ele, mas não digo que pretendo foder minha esposa em
todos os cômodos da casa várias vezes.
— Agora que resolvemos isso, vou tomar o café da manhã e voltar
para o meu quarto. Você pode me acessar por mensagem de texto, mas
apenas para emergências. Entendeu?
— Perfeitamente claro.
Levanto-me da cadeira, saio pela porta e vou para a cozinha.
Francesca está misturando algo em uma tigela.
— Eu estava preparando o café da manhã. Panquecas e ovos.
— Muito bem. Obrigado. Assim que terminar, vou levá-los para
Viviana.
Sento-me na bancada e espero ela cozinhar. Então ela coloca os
pratos em uma bandeja e me entrega enquanto me levanto.
— Você pode tirar o resto da semana de folga, Francesca.
— O que?
— Estou dando férias aos empregados.
Seus olhos estão arregalados, mas ela sorri. — Não sei o que dizer...
Eu... obrigada.
Não acostumado a receber agradecimentos ou a demonstrar
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misericórdia a alguém, dou-lhe um sorriso tenso e saio pela porta.


Quando entro no quarto, não fico surpreso que ela ainda esteja
dormindo no mesmo lugar onde a deixei.
Os lençóis estão sobre ela, mas não cobrem a parte superior do peito
e do rosto. Colocando a bandeja na mesa de cabeceira, sento-me na
cama.
— Viviana. – eu dou um beijo em sua testa. Seu nariz franze
durante o sono.
Eu me inclino e beijo seus lábios.
— Viviana. – digo novamente enquanto me movo para me sentar.
— Mmmm. – Sua mão se levanta para esfregar os olhos. Então ela
começa a piscar quando o quarto fica em foco para ela, ela olha em
direção à minha voz.
— Bom dia. – ela murmura.
— É de fato.
Ela se aconchega mais perto de mim. — Que horas são? Até que
horas eu dormi?
— Não é nada tarde. São apenas oito e meia.
Ela me encara como se eu tivesse algo no rosto.
— E você me acordou... – ela para, fingindo choque.
— Acordei.
— Mas é tão cedo. – ela está fingindo reclamar agora, e
normalmente eu não gostaria dessa brincadeira, com ela eu gosto.
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— Você teve sorte de eu não ter te acordado quando quis.


— Nem quero saber que horas foram. Eu teria batido em você.
— É assim mesmo...
Observo enquanto seus olhos se dilatam com minhas palavras. Sua
língua lambe o topo do lábio, que ela então morde.
— O que você teria feito a respeito? – ela pergunta, com sua voz
sexy e sensual.
— Eu teria torturado você, é claro.
Seu peito arfa e sei que se colocar minha mão entre suas pernas, vou
encontrá-la desesperada por mim.
— Primeiro, tenho que alimentar você.
Isso faz suas bochechas ficarem vermelhas.
— Comida, Viviana. Tenho que alimentar você. – esclareço como
se ela fosse uma garotinha que quer comer uma barra de chocolate.
— Ah.
Saio de onde estou sentado e me levanto para pegar a bandeja. É
quando ela finalmente percebe, e um sorriso gigante abre em seu rosto.
— Você me trouxe café da manhã na cama.
— Trouxe.
— Quem é você e o que fez com meu marido?
Respiro fundo e depois solto. Ela está certa. Meu comportamento
não é apenas estranho para ela, mas também para mim. É como se
tivesse dado uma volta completa e nem me reconheço. Dito isto, sei que
nosso tempo sozinhos é limitado e quero aproveitar cada minuto,
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inclusive alimentá-la. Essa mulher me faz fazer coisas malucas.


É algo sobre a aparência dela, o jeito que ela fala e o quanto honesta
ela é. Mesmo tendo certeza de que isso é ruim para mim, eu me entrego
a isso de qualquer maneira.
— Trouxe panquecas. Eu gostaria de receber o crédito por fazê-las,
mas não posso.
— Francesca?
— Quem mais? – eu encolho os ombros e ela ri.
— Ela é meio incrível.
— Sim, ela está comigo há muito tempo. – Não preciso dizer o que
quero dizer. Tenho certeza de que minha esposa consegue ler nas
entrelinhas. Francesca era uma das meninas que meu tio tinha.
Pego a bandeja e coloco no colo dela.
— Tudo isso é para mim? Você não vai querer nenhuma?
— Não tomo muito café da manhã, só depois de malhar.
— Você não malhou esta manhã?
— Não, alguém me manteve acordado até tarde.
— Acho que você entendeu ao contrário. Você é quem me manteve
acordada.
— Vamos concordar em discordar.
— Você tem que trabalhar hoje? – Sua voz é suave e hesitante.
Balanço minha cabeça. — Na verdade, tirei uma semana de folga.
— Você tirou? – Seus olhos brilham com choque.
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— Não fique tão surpresa.


— E o que você está planejando fazer?
Meu lábio se curva em um sorriso. — Você, claro, o dia todo, todos
os dias, durante os próximos sete dias. – O som do garfo caindo na
bandeja é quase cômico.
— Não se preocupe, vou lhe dar algumas pausas.
— Você vai me matar se não tivermos pausas.
— Não acho que você se dê crédito suficiente. Acho que você
poderia cuidar de mim.
— Então esta é uma espécie de nossa lua de mel?
— Não vamos a lugar nenhum. É um pesadelo logístico demais,
especialmente com a neve, então, em vez disso, vou mandar todo mundo
embora. Apenas a segurança de que preciso ficará para trás.
— O que faremos?
— Cozinhar, limpar, foder.
— Você é incorrigível.
— Mas é isso que você gosta em mim.
— Realmente é. – ela ri antes de levar o garfo de volta à boca e dar
outra mordida. Ao fazer isso, ela fecha os olhos e aprecia o sabor e o
aroma que exalam das panquecas.
— Tem certeza que não quer? Você disse que não iria malhar de
novo, então pode dividir minhas panquecas comigo.
— Só compartilharei suas panquecas se você me deixar alimentá-la.
– digo a ela.
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— OK.
Passamos a maior parte do dia conhecendo o corpo um do outro. Sei
que fizemos isso ontem à noite, mas ontem as luzes estavam apagadas.
Hoje, elas não estão.
O que significa que há muito mais para explorar. Para um homem
que tocou cada centímetro do meu corpo, é como se nunca tivesse feito
isso comigo antes.
Ele saboreia cada minuto.
É como se não se cansasse de mim, mas tudo bem, porque eu
também não me cansava dele.
É engraçado, acho que nunca me senti tão confortável com ninguém
em toda a minha vida. Obviamente, não estou incluindo Julia no
sentimento, já que não fiz sexo com ela, mas, surpreendentemente, estou
à vontade com Matteo.
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Não é só por me sentir segura com ele. Não é só por ele tocar meu
corpo como um instrumento que ele adora. É o fato de que mesmo com
as nossas diferenças, mesmo com a maneira como cheguei aqui, sinto
que ele me escuta quando falo.
Nenhum homem que conheci no passado realmente me ouviu. Quer
dizer, é bastante óbvio que tenho problemas com o papai e, no passado,
sempre escolhi um bad boy por causa dos ditos "problemas com o
papai." – mas isso parece diferente.
Não sou ignorante. Eu não sou idiota. Sei que ele é diferente de
qualquer outro homem no mundo. Sei o que ele faz para viver. Inferno,
sei que ele não é um bom homem. Mas é como se, neste exato momento
em que dá beijos na minha espinha, e mal consigo compreender o que
estou pensando, eu sei que ele é um bom homem para mim. E não é isso
que importa? Como me sinto quando estou com ele.
Ele beija uma trilha e então para logo acima do meu ombro.
— Está com fome? – ele pergunta, pairando sobre meu corpo.
— Isso depende do que você está oferecendo. – brinco.
— Estou falando de comida, Viviana. – Não importa quantas vezes
ele diga meu nome. Sempre traz uma nova onda de borboletas para voar
na minha barriga.
— Nesse caso, depende do que você sabe cozinhar. Porque acho que
deveria te contar isso agora... – eu faço uma careta. — Eu não cozinho.
Tipo, de jeito nenhum. Não consigo nem fazer um sanduíche de
manteiga de amendoim e geleia.
Matteo solta uma risada barulhenta.
— Bem, então é seu dia de sorte. Porque não só sei cozinhar, mas
posso muito bem fazer os melhores sanduíches de todos os tempos, e
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tenho a especialidade de fazer sanduíches de pasta de amendoim e


geleia.
Olho por cima do ombro e não consigo evitar o sorriso que abre em
meu rosto.
Este homem é completamente o oposto de como ele é com todos os
outros. Ele é diferente quando está comigo. É brincalhão e engraçado. É
difícil conciliar as duas versões dele. Tenho uma forte sensação de que
não mostra esse lado para tanta gente. Talvez ele mostre para Lorenzo.
Talvez ele ria e brinque. Mas não me surpreenderia se não o fizesse.
Existem muitas variáveis em sua vida profissional para ele mostrar esse
lado. Muitos inimigos, todos ansiosos para assumir sua posição. No
pouco tempo que o conheço, posso dizer isso. Também depois de falar
com meu pai sobre ele, a forma como o meu pai o persegue, eu sei, mas
se meu pai tivesse um momento em que pudesse puxar o gatilho e matar
Matteo sem quaisquer consequências, ele o faria. Isso não me cai bem.
Preciso começar a pensar em como vou lidar com meu pai. Visto que
esta é minha lua de mel improvisada, embora mais como uma estadia,
não quero estragar este momento. Não quero manchar isso trazendo à
tona o grande elefante na sala.
Em vez de dizer qualquer coisa, eu não digo.
— É isso que vamos jantar? – pergunto, olhando em seus grandes
olhos verdes. Olhos nos quais certamente posso me perder. Na verdade
me afogar.
— Já que estou tentando impressionar você.
— Impressionar-me? Por que precisaria me impressionar? Você já
se casou comigo.
— Isso é verdade. Bem, como eu estava dizendo, obviamente não
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vou fazer um sanduíche de manteiga de amendoim e geleia esta noite.


— Ok, então o que você vai fazer, figurão? – eu brinco com ele.
— Bem, já que sou italiano e você é obviamente um fracasso.
— Isso não é legal.
— Apenas falando a verdade. Um italiano que não sabe cozinhar
comida italiana é um fracasso. – Eu estou prestes a discutir quando ele
dá um beijo no meu pescoço.
— Vou parar de falar. Vou fazer lasanha para nós.
— Posso ajudá-lo a fazer isso.
— Mas temos que levantar agora, se vou fazer o macarrão.
— Quando você diz fazer macarrão, o que exatamente você quer
dizer com isso?
— Viviana. Não estou comendo macarrão direto da caixa.
— Alguém é sofisticado. – Com isso, ele ri enquanto se levanta da
cama, caminha até a cadeira e pega meu roupão. Sim, é meu manto
agora. Eu o roubei oficialmente. Ele volta para a cama onde estou e me
entrega. Levanto-me e coloco-o em volta de mim, amarrando-o bem.
— Deixe-me me vestir e já desço.
— Não há como se vestir. Use o roupão e, se reclamar, farei você
cozinhar nua comigo.
— Isso não parece tão horrível.
— Só se o óleo respingar. – Minha boca abre e fecha como um
peixinho.
— Sim, não vamos fazer isso. – eu faço uma careta.
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— Boa ideia.
Depois de vestir meu roupão, descemos para a cozinha.
Não estou acostumada com o silêncio da casa. Normalmente,
alguém está andando por aí ou pelo menos Francesca está na cozinha. E
embora saiba que a equipe de segurança está aqui, é como se fôssemos
as únicas pessoas no mundo, e neste exato momento somos.
Passam-se apenas alguns minutos antes de ouvir o som de panelas e
frigideiras. Tinindo e batendo juntos.
— O que você está começando primeiro?
Ele se vira para olhar por cima do ombro. Ao contrário de mim, que
está de roupão, Matteo, depois de nossa brincadeira matinal, optou por
não usar camiseta e agora está vestindo apenas uma infame calça de
moletom cinza.
O tipo de calça de moletom que todas as mulheres consideram que
deveria ser ilegal por causa do quanto gostosos alguns homens ficam
com elas. Provavelmente nenhuma dessas mulheres viu Matteo de calça
de moletom cinza, e espero que nunca o façam, porque isso é mais do
que ilegal.
Na verdade, ele é como o céu caído na terra. De costas, posso ver
seus músculos enquanto ele trabalha com os braços flexionados, mas é
quando se vira que eu literalmente não consigo coletar o suficiente da
baba que sai da minha boca. O maldito V está presente.
De dar água na boca, tentador e tudo o que sempre imaginei que
seria.
— Tenho que começar com o molho primeiro.
— Você consegue?
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— Claro, que eu consigo. Acredito que minha mãe teria considerado


um sacrilégio se eu não o fizesse. Meu pai teria pegado a vassoura mais
próxima e me batido com ela. "Os verdadeiros italianos não usam
molho enlatado, Matteo.", dizia ele.
— Sério, então nada de lata?
— A única lata que você pode usar é extrato de tomate, e isso só se
for necessário.
— Isso é tão fascinante. Obviamente, na minha família sempre
tivemos alguém que cozinhava para nós, então nunca aprendi. Minha
antiga babá, bem, o que ela cozinhava para mim eram biscoitos, então, a
menos que você queira que eu faça biscoitos, realmente não posso
contribuir muito. Além disso, quando eu disser para fazer biscoitos, não
poderei fazer do zero, mas posso abrir o recipiente.
Ele ri da minha piada.
— A primeira coisa que precisamos é pegar a carne que vamos usar
no molho. Você sabe que tipo de carne usamos, Viviana?
— Não percebi que isso era uma lição. Será que eu vou falhar? Qual
é a punição? – ele sorri com o meu comentário.
— Você gostaria que eu te punisse?
Suas palavras fazem seu trabalho, me seduzindo e me deixando
quente. Meu lábio franze assim que começo a mordê-lo.
— Talvez. – eu respondo.
— Bem, isso pode ser arranjado... – Sua oferta, ou melhor ainda,
ameaça, paira no ar, tornando difícil respirar por um segundo. O que isso
implicaria? Eu gostaria de descobrir.
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— Bem, então é melhor você continuar com sua lição.


— Talvez eu não devesse.
Inclino a cabeça e reviro os olhos. — Apenas me diga o que há no
maldito molho.
— É uma combinação de carne suína e bovina. É isso que torna o
sabor tão forte.
— Sofisticado.
— É como se você quisesse que eu colocasse você sobre os joelhos.
Meus olhos se arregalam. Mesmo que eu esteja chocada, eu meio
que quero que ele faça isso.
Ele ri antes de continuar.
— Em seguida, você pode usar polpa de tomates. Normalmente,
teríamos que fazer isso, mas Francesca costuma guardar um pouco na
geladeira para mim, caso sinta vontade de cozinhar.
— Isso atinge em você com frequência?
— Muitas vezes? Não. Às vezes.
— Como quando você está tentando impressionar uma garota?
— Não tento impressionar ninguém. E nenhuma mulher veio à
minha casa.
— O que? Mas então...
— Você realmente quer falar sobre isso?
O ciúme incandescente corre em minhas veias e percebo que não, eu
não quero falar. Balanço a minha cabeça de um lado para o outro
inflexivelmente. Mesmo assim, estou curiosa para saber se ele não traz
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mulheres aqui. Quer dizer, espero que não haja mulheres neste
momento, já que ele está comigo, mas nunca perguntei isso a ele. Merda,
aqui estou eu fazendo sexo incrível com o meu marido, mas nunca
conversamos.
— O que está errado? – ele pergunta, e vejo que ele está olhando
para mim de onde está no fogão.
— Quer dizer, eu sei que somos casados e tudo, mas nunca
conversamos nada.
— Que tipo de coisas você queria conversar?
— Não usamos proteção.
— Primeiro, acredito que se você não estivesse bem, você não
deixaria. Segundo, não usarei proteção quando foder com você. Você é
diferente. Você é minha esposa e, como eu disse quando nos casamos,
eventualmente precisaremos ter filhos.
— Tomei a injeção...
— Ah.
É quase como se ele estivesse desapontado.
— A questão é que nós dois estamos bem. Não vou foder você com
camisinha.
— Você não pode dormir com mais ninguém.
— Viviana. Não olhei para outra mulher desde que me casei com
você.
Minha boca abre e fecha. O que ele diz é verdade? Quero que ele se
vire para ver se está dizendo a verdade, mas então me lembro do que ele
me disse uma vez. Ele não vai mentir. Se for esse o caso, e acredito que
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seja, por que mentir agora? Ele não faria isso.


— Ok. – eu resmungo. Começo a mexer no meu lugar enquanto o
observo. Ele voltou a mexer o molho. Levanto-me da cadeira e começo a
andar.
— Você quer uma taça de vinho ou algo assim?
— Sim, você pode pegar uma garrafa aberta na geladeira. As taças
estão no armário mais distante. – eu percebo que estou morando aqui há
algumas semanas e não sei onde está nada.
Nunca precisei fazer isso, já que Francesca sempre esteve aqui. E é
bom ficar sozinha com ele para ver como é estar em casa com ele, ver
como é ter uma vida com ele. Cruzo a cozinha e abro a geladeira,
encontrando uma garrafa de Sauvignon Blanc.
— Se quiser tinto, está nos fundos, logo atrás desta dependência,
naquela porta, e há mais um pouco no porão.
— Tinto ficaria melhor com molho de tomate, mas já que a gente
fica um tempo sem comer, não é? Eu gostaria de uma taça de branco.
— Normalmente, quando faço molho, deixo ferver o dia todo, mas
desta vez vamos fazer uma versão abreviada e deixar ferver apenas por
quarenta minutos.
— E o que faremos enquanto nós esperamos? Vamos começar a
lasanha?
— Francesca deixou macarrão na geladeira, então vou usar apenas
isso. Acho que terei que pensar em outra coisa para matar o tempo.
Ele se volta para a panela e a tampa.
— O que podemos fazer então? – ele para.
Estou prestes a responder, mas então ele está vindo em minha
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direção. No momento em que se aproxima, ele puxa o cordão do meu


roupão, que fica aberto e escancarado na frente. Antes que eu possa
dizer qualquer outra coisa, ele me levanta pelas axilas e me coloca na
bancada da cozinha. E ele está me empurrando novamente para baixo.
Tudo está acontecendo tão rápido que mal consigo compreender antes de
sentir o toque de sua língua.
Ele está com o rosto enterrado entre minhas coxas e está me
adorando. Ele enfia os dedos em mim. Um, dois e três e então ele está
me fodendo com a mão.
Estou tão perto.
Tento agarrar o mármore frio sob minhas costas, mas não consigo
encontrar nada para segurar enquanto corro em direção ao meu orgasmo.
Acho que estou prestes a gozar, mas então sua língua para de se mover e
seus dedos se esticam.
Eu lamento com a sensação de vazio.
Mas não preciso fazer isso por muito tempo, antes que eu possa
compreender completamente, ele está se alinhando com meu núcleo e
me penetrando. Sua mão agora está em volta da minha cintura, me
segurando firme.
Isso é lento?
Isso não é lento.
Não, isso é rápido e forte.
Um apetite insaciável.
Ele não se cansa de mim e eu não me canso dele. Levanto minhas
mãos e as envolvo em seu pescoço, trazendo sua boca até a minha.
Ele começa a me beijar com abandono imprudente, e eu o beijo
também. Dizendo a ele sem palavras o quanto quero isso. O quanto
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preciso dele.
Enquanto ele me penetra e sai de dentro de mim, sua língua imita
seu padrão me fodendo ao mesmo tempo.
Isso começa a construir.
Com o sentimento dentro de mim crescendo.
Seus movimentos se tornam mais erráticos.
A força de seus quadris é mais punitiva.
Ele pulsa dentro de mim e então eu gozo. Nós dois caímos em um
abismo louco que só podemos encontrar nos braços um do outro.
A cabeça de Matteo está apoiada em meu pescoço enquanto nós
dois tentamos recuperar o fôlego. Depois de alguns minutos, nós
recuperamos.
Então ele se levanta e caminha até a pia para pegar uma toalha. Ele
molha com água morna e depois volta para me limpar.
Esse é um gesto doce que não esperaria dele. Mas eu gosto. Assim
que estou limpa, coloco meu roupão de novo, amarro-o na cintura e peço
licença para ir ao banheiro. Depois de fazer minhas necessidades, olho
para meu reflexo no espelho. Minhas bochechas estão rosadas e meu
cabelo uma bagunça. Parece que acabei de fazer sexo na bancada da
cozinha.
Não posso deixar de rir. Quem imaginaria que eu seria essa garota?
Volto para a cozinha e vejo que embora ele fosse esperar para preparar a
lasanha, começou a esquentar o macarrão.
— Você nunca me disse onde aprendeu isso.
— Minha mãe me ensinou um pouco, mas sério, o meu pai me
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ensinou tudo. Ele me disse que o caminho para o coração da minha mãe
foi através do estômago.
— Isso é fofo. – eu provoco.
— Não é exatamente o que eu queria, mas tudo bem.
— Então você ia me dizer por que às vezes gosta de cozinhar?
Ele interrompe seus movimentos, e posso dizer, mesmo observando
os músculos de suas costas, que ele fica tenso. Então ele se vira e olha
para mim. Seus olhos são suaves. Mais suaves do que pensei que seriam.
Com a cor como musgo depois da chuva.
— Quando cozinho, penso neles. Penso na minha família. Passando
tempo juntos...
Ele deixa por isso mesmo. Não estou dizendo mais nada. Mas posso
ler nas entrelinhas, ou talvez em meu coração, espero que sejam essas as
linhas. Mas na minha cabeça, a resposta dele é a seguinte: agora sou sua
família. E é por isso que ele quer cozinhar para mim.

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Não sei por que digo isso a ela. Não sei por que me abro com ela. É
louco. Estou a deixando entrar quando provavelmente não deveria. A
verdade é que ela provou seu valor para mim. Ela provou sua lealdade,
mas ainda assim preciso manter um pouco de distância.
Transar com ela na bancada da cozinha não foi exatamente como
planejei minha noite, mas tenho que admitir que gostei muito.
Agora voltei a cozinhar e ela está sentada bebendo vinho e se
divertindo. Acho que ela também está gostando da vista, porque toda
vez que me viro, a pego me olhando boquiaberta. É um tanto quanto
atraente.
Ainda bem que Lorenzo e Roberto não estão em lugar nenhum
porque gritariam que desisti do meu distintivo de homem. Não desisti, é
claro. Quando chegar a hora e eu precisar ser o executor, o chefe e o
assassino, eu o farei.
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Mas eu estaria mentindo se não gostasse disso aqui, do silêncio, da


paz.
Provavelmente não deveria ter mencionado minha família, mas ela
perguntou, e descobri que não posso negar isso por algum motivo
estranho. Talvez seja porque ela não me escondeu nada.
Depois de preparado o molho, faço a lasanha. Não demora muito,
visto que a maior parte da preparação da comida já foi feita, mas ainda
assim terá um sabor igualmente bom. Sento-me ao lado dela na bancada
e pego uma taça de vinho tinto.
Normalmente bebo uísque, mas esta noite o vinho vai funcionar.
— Se queria tinto, por que não me disse? Eu poderia ter bebido um
pouco.
— Lembro que você gostava de branco. – digo.
— Você tinha aquela garrafa na geladeira para mim?
— Eu tinha, na verdade.
Ela leva a taça à boca e toma um gole.
— Bem, é delicioso, então obrigada.
Ficamos sentados em silêncio por alguns minutos antes que ela abra
a boca.
— Bem, nunca terminamos nosso jogo de Vinte Perguntas, então
talvez devêssemos fazer isso. Não tivemos um relacionamento típico em
que nos conhecíamos antes de nos casarmos, então isso poderia ajudar.
— Pergunte à vontade.
— Você disse que nunca trouxe uma garota aqui... – ela morde o
lábio.
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— Alguma dúvida, Viviana? Ou você só quer saber sobre minha


história?
— Isso significa que você nunca levou ninguém a sério?
— Sim, Viviana. Antes de você, nunca levei ninguém a sério. – eu
enfatizo a palavra ninguém. Ao longo da minha vida, nunca quis me
casar. Mesmo agora, meu casamento tem um propósito. Sim, Viviana é
linda. Sim, adoro fazer sexo com ela e, eventualmente, ela será a mãe
dos meus filhos, mas por mais que veja essas coisas nela, isso não
significa que algum dia irei amá-la.
O amor é algo que não posso ter na minha profissão. Não há lugar
para o amor na máfia.
— Mas havia mulheres...
Isso me faz rir.
— É claro que havia mulheres, mas não acho que você queira saber
quantas.
Ela balança a cabeça. Eu conheço o sentimento. De querer saber,
mas não querer também.
— Não, não quero saber disso.
— E você?
— Nunca nada sério. Já namorei homens, mas nunca houve sentido
em levar a sério, nenhum deles teria sido bom o suficiente para meu pai,
e eu sabia que eventualmente ele tentaria dar minha mão a algum aliado
político. Acho que, neste caso, tentaria dar minha mão para seu primo.
Respiro fundo. Minha raiva é palpável. Posso senti-lo subindo como
bile em meu peito. O maldito pai dela. Você poderia pensar que um
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homem iria querer proteger sua filha. Mas ele é um monstro como meu
primo, como o pai do meu primo. Não sou um bom homem, mas nunca
faria o que ele estava tentando fazer com ela. Não para meu próprio
sangue.
Precisando mudar de assunto porque tenho medo de explodir,
levanto minha bebida e tomo um gole. Quando termino, coloco-a de
volta na mesa e olho para Viviana.
— Qual seu filme favorito?
— Sério, essa é sua próxima pergunta?
— Se eu perguntar qualquer outra coisa, qualquer coisa relacionada
ao seu pai, vou explodir. Eu me recuso que esse pedaço de merda
estrague a nossa noite.
— Férias em Roma.
— Mesmo que não seja um final feliz? – pergunto.
— Nem todas as histórias têm finais felizes.
— Você está muito certa.
— Estou surpreso que você tenha visto isso.
Por alguma razão, essa garota me faz dizer coisas que não digo a
ninguém, mas aqui estou, abrindo a boca.
— Eu assisti com meus pais enquanto crescia.
— Sério?
— Eu não mentiria para você.
Não sobre isso, de qualquer maneira.
— Conte-me como isso aconteceu.
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— Bem, para começar, Férias em Roma acontece na Itália, e meus


pais, com saudades de sua terra natal, fizeram um ritual de que teríamos
que assistir a todo e qualquer filme que acontecesse na Itália. Meu pai
também, bem, acho que ele adorava filmes antigos. Eram filmes
clássicos com os quais ele cresceu. Filmes que ele adorava e queria que
eu os assistisse com ele. É engraçado saber o tipo de homem que ele era,
mas independente de tudo, ele era um homem de família. Neste ramo, as
pessoas afirmam ser um homem de família, as pessoas afirmam que a
família é o mais importante, mas muitas vezes, como acontece com o
meu tio e o meu primo, isso só vai até certo ponto, é apenas tão fundo
quanto a sua carteira.
— E você? Qual é o seu filme favorito?
— Seria muito clichê dizer O Poderoso Chefão? – Ela ri disso, e
posso dizer que ela quer perguntar mais. Ela quer perguntar exatamente
o que quero dizer: se não é meu filme favorito e se estou apenas
brincando com ela. Ela provavelmente quer saber se a história da minha
família é parecida. Ela provavelmente quer saber se enquanto crescia,
quando eu era criança, se parecia com um mundo que víamos no cinema.
Não querendo divulgar mais nada sobre meu passado ou minha
família neste exato momento, pego a taça e termino antes de me levantar
e ir até a garrafa e me servir de outra. A taça de Viviana ainda está cheia,
então me sento ao lado dela.
— Vinte perguntas não está realmente funcionando.
— Bem, acho que não precisamos conversar, mas quero conhecer
você.
— Pergunte e tentarei responder tudo o que puder.
— Sei que não deveria... – ela levanta as mãos entre aspas no ar. —
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A família.
— Isso é apenas em filmes. Você é minha esposa. Esta agora é sua
família. Não posso prometer que posso lhe contar muita coisa, mas
posso tentar.
— Você acha que vai sair?
— Não tenho certeza. Acho que existe um equívoco de que tudo o
que fazemos é vender drogas e matar pessoas. Também ajudamos
pessoas. Ajudamos as empresas a prosperar. Protegemos as pessoas de
quem gostamos. Tenho certeza de que um dia sairemos do tráfico de
drogas, mas o resto...
Ela balança a cabeça como se entendesse, e uma parte de mim pensa
que sim.
Embora tudo isso seja novo para ela, não é como se ela tivesse
vivido uma vida de ignorância. Homens como o pai dela são a razão pela
qual homens como eu estão nos negócios. Malditos políticos corruptos.
E enquanto eles estiverem por perto, provavelmente estarei por perto
também. Soltei um longo suspiro. Esta noite está ficando mais intensa
do que eu esperava.
— Vou verificar a lasanha. – eu me levanto da cadeira e vou até o
forno. Está pronta, então retiro e coloco no fogão. Viviana está ao meu
lado agora. Ela pega dois pratos e talheres e espera que eu nos sirva.
Não é sempre que estamos sozinhos em casa, e eu posso fazer isso.
Na verdade, não me lembro de ter feito isso. Bem, não desde que meus
pais morreram. Essa foi outra coisa que fizemos, mas isso não conto
para Viviana. Algumas coisas são melhores guardadas para si.
Algumas coisas deixam você fraco.
Nunca posso mostrar fraqueza.
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Abri uma exceção para Viviana não só porque ela é minha esposa,
mas porque preciso que me deixe entrar. Talvez eu não a mate no final.
Desde que ela me mostrou sua lealdade, ela pode permanecer intocada,
ilesa, segura e protegida, mas isso não muda o fato de que ainda preciso
dela.
Dessa forma, porém, ela saberá no que está se metendo e, para que
concorde com meu plano, preciso me humanizar com ela. Pode parecer
frio e calculado, mas é a única maneira de conseguir o que quero.
Talvez ela concordasse prontamente, sem qualquer provocação. Mas
desta forma é mais fácil. Se ela me considera mais suave do que sou, se
ela sente uma lealdade por mim que não sente pelo pai, ela deveria estar
mais apta a fazer o que for necessário para destruí-lo.
Isso pode me fazer parecer uma cobra insensível, mas no meu
mundo existem dois tipos. Há um rato no campo e há uma serpente que
o come.
Essa é a única maneira.

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Jantamos em um silêncio sociável. A comida é tão boa que não me
importo com o silêncio, mesmo que signifique que meus pensamentos
sejam altos e claros e às vezes opressores. A verdade é que, por mais
tempo que passamos juntos recentemente, ainda é estranho. Somos
pouco mais que estranhos, mas agora estamos casados, somos íntimos e
estamos nos conhecendo. Estamos fazendo tudo ao contrário.
Quando dou minha última mordida, coloco o garfo na mesa.
— Essa foi a coisa mais deliciosa que já provei.
Matteo coloca os talheres no prato e depois vira a cabeça para olhar
para mim. Ele parece feliz com minha avaliação. Não é um grande
sorriso que aparece em seu rosto, mas é sincero. É engraçado. Não o
conheço há muito tempo, mas agora posso reconhecer seus gestos. Seus
sorrisos diferentes. Sua linguagem corporal. Eu o tenho observado e
analisado, e ele tem pequenos tiques. Não acho que ele percebe. De vez
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em quando tamborila os dedos na mesa. Ele faz isso quando está


desconfortável ou quando quer conversar sobre outra coisa. Depois, há a
maneira como ele silenciosamente fecha o punho no colo. É quando ele
está com raiva. Percebi isso pela primeira vez, antes de nos casarmos, e
depois percebi durante o passeio de carruagem. Ainda estou tentando
descobrir se ele mente, há uma pista para isso? Ele afirma que não, e que
não há necessidade, e uma parte de mim pensa que ele pode estar
dizendo a verdade sobre isso. Por que um homem na posição dele
precisaria mentir?
Não há necessidade. Se ele não gosta de alguma coisa, ele mata. Se
quer alguma coisa, ele pega.
Olhe para mim, um exemplo disso.
Não sou idiota. Eu sei por que esse casamento aconteceu, mas ainda
quero conhecê-lo. Não tenho certeza do que o futuro trará. Não tenho
certeza se algum dia conseguirei entregar meu coração totalmente a ele.
Eu sei com certeza que ele nunca dará seu coração para mim. Ele diz que
não é capaz, mas ouço como ele fala dos pais. Matteo é capaz de amar.
Só não acho que ele seja capaz de se permitir amar.
Ele vê isso como uma fraqueza.
O que é ridículo; é uma força.
— O que está acontecendo nessa sua linda cabeça? – ele pergunta,
interrompendo minha divagação interior.
— Como isso é gostoso.
— Bem, estou feliz que você esteja tão impressionada porque tenho
outros truques na manga.
Sei que ele está falando sobre comida, mas por algum motivo,
parece que há uma insinuação sexual envolvida nesse comentário.
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Estreito meus olhos de brincadeira para ele.


Ele ri e levanta as mãos em sinal de rendição. — Eu estava falando
sobre sobremesa.
Isso me faz dar a ele outro olhar brincalhão. Este inclui revirar os
olhos, dizendo que não estou comprando o que ele está vendendo.
— Ok, me rendo... – Agora é minha vez de ser brincalhona. — O
que é, sobremesa? – eu coloco meu dedo indicador no lábio inferior e
traço sedutoramente a pele carnuda.
As pupilas de Matteo dilatam e sei que estou prestes a vencer este
jogo.
Seu olhar acompanha meu movimento e tenho certeza de que ele
está prestes a atacar. Em vez disso, ele se levanta da cadeira.
Estou prestes a perguntar para onde ele está indo, mas ele se vira
para mim.
Não há como esconder o desejo brilhando em seus olhos.
Sua mão está em seu moletom cinza.
Aquele maldito moletom cinza que se eu não jogar fora vão acabar
sendo a minha morte.
— Abra a boca. – ele ordena, dando um passo mais perto. Com o
lugar onde estou sentada, só há uma razão para ele querer que eu abra a
boca.
Estou diretamente na frente dele.
Diretamente na frente da minha parte favorita dele.
Faço o que ele diz, abrindo a boca, e juro que quando ele abaixa o
moletom, a baba se acumula em meus lábios.
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Há algo tão sexy neste homem.


Ele se aproxima e, quando está duro e pronto, ele me dá minha
sobremesa.
Posso me acostumar a acordar ao lado de Matteo.
Ontem de manhã, ele sumiu antes de eu acordar. Hoje estou
aconchegada em seu peito. Meu cabelo está caindo em sua pele.
Sua respiração suave ecoa pelo quarto. É como um ventilador suave
e calmante. Esta é a primeira vez desde que conheci Matteo que o vejo
tão em paz. Normalmente, mesmo quando está rindo, há uma sensação
de que ele está escondendo alguma coisa. Sua mandíbula ainda está
tensa. Ou às vezes seus olhos não combinam com seu sorriso. Mas aqui,
enquanto ele ronca baixinho, ele realmente parece em paz.
Ele parece mais jovem.
Sem as pequenas rugas que marcam seus olhos e o pequeno vinco
que se forma quando ele franze a testa, ele parece mais jovem.
Ele é um homem lindo. Complicado, no entanto.
É muito difícil entendê-lo. Ontem à noite, novamente, ele estava
insaciável. Como se não importasse quantas vezes ele me fodesse, nunca
serio o suficiente.
Repetidamente, ele me arrebatou como se, quando parasse, eu fosse
desaparecer.
É uma sensação estranha ser desejada por um homem como Matteo.
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Pude ver como alguém pode ficar gananciosa pela aparência,


gananciosa pela maneira como toca, gananciosa por mais dele.
Vai ser preciso tudo dentro de mim para não ceder. Para não me
permitir cair na armadilha.
Porque é isso que é.
É uma armadilha.
De que outra forma você pode descrevê-lo?
Se eu entregar meu coração a ele, não receberei nada em troca.
Ficarei presa na jaula sem saída. Mas se eu não fizer isso... se eu aceitar
um casamento sem amor, em que a minha vida será diferente da minha
mãe?
Ele se mexe durante o sono e então seus olhos começam a se abrir.
— Há quanto tempo você está acordada? – ele pergunta, com sua
voz áspera e rouca.
— Só um minuto ou mais.
— Está com fome?
Isso me faz sorrir. Ele está sempre preocupado com meu apetite.
Desta vez, quando diz isso, não acho que haja outro significado. Acho
que ele realmente quer me alimentar.
— Sempre posso comer.
— Você não seria capaz de dizer.
— O que isso deveria significar?
— Nada. Você é apenas minúscula.
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— Ou talvez você seja grande.


Ele ri. — Touché.
Ele leva as mãos ao rosto e afasta o resto do sono.
Então ele está de pé na cama com seu corpo nu à mostra. Fico
surpresa quando ele não me ataca.
Passamos os últimos três dias um sobre o outro. Ele deve notar
minha confusão porque se inclina e beija meus lábios.
— Vejo esse olhar que você está me dando, Viviana. Se não parar,
aceitarei sua oferta silenciosa. Mas imagino que esteja dolorida e talvez
precise descansar um pouco.
Eu faço cara feia.
— Não estou dolorida.
Sua mão se estende, puxa o cobertor e depois abre minhas coxas.
O ar frio parece celestial contra minha pele aquecida.
Ele me encara por um minuto. Uma guerra assola dentro dele
enquanto ele olha para onde quero que ele me toque.
— Viviana, o que vou fazer com você?
— Foda-me. – digo, com meus dentes superiores mordendo meu
lábio inferior.
— Você será a minha morte. – ele diz enquanto se aproxima da
cama, com os dedos me separando.
Faço uma careta com o contato e ele ri.
— Eu te disse.
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— Estou bem. – digo como uma criança petulante que pensou que
iria tomar sorvete, mas acabou de ser informada de que a sorveteria
estava fechada.
— Não está. Mas sei de algo que vai fazer você se sentir melhor.
Arqueio minha sobrancelha em questão, e ele responde inclinando-
se e passando a língua em minha pele sensível.
Sim.
Isso vai funcionar muito bem.

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Os próximos dias passam em êxtase.
Nós não fazemos muito. Fazemos caminhadas na neve, preparamos
muitas refeições e nos entregamos aos corpos um do outro no que deve
ser cada cômodo da casa.
Foi a semana mais perfeita.
Eu realmente nunca pensei que Matteo pudesse ser tão carinhoso,
nem pensei que ele estaria disposto a passar tanto tempo comigo.
Infelizmente, porém, nosso tempo sozinhos chegou ao fim.
Lorenzo, Roberto e alguns de seus outros homens retornarão dentro
de uma hora. Matteo está lá embaixo, no porão, malhando, e eu estou em
nosso quarto tomando banho e me preparando para o dia.
Odeio que isso tenha que acabar, mas sei que é necessário.
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Não podemos viver numa bolha para sempre.


Independentemente de quanto divertida seja essa bolha.
Porque as bolhas, aprendi, são coisas frágeis e finas. Projetadas para
estourarem e explodirem.
Enquanto ensaboo meu cabelo, a porta de vidro se abre. Eu não o
ouvi entrar, mas aqui está ele, nu e entrando no chuveiro.
Dou um passo para trás, dando espaço a ele, e então ele fecha a
porta, nos envolvendo no vapor.
Posso senti-lo endurecer ao meu lado e tenho que admitir que estou
feliz com isso, porque quando acordei esta manhã, ele tinha ido embora,
e sinto falta de acordar com ele provocando meu corpo.
— Você fez um bom treino? – pergunto a ele.
Seus olhos parecem mais escuros que o normal, famintos de luxúria.
— Você realmente quer falar sobre o meu treino... – ele fala
lentamente.
— Não, na verdade não.
— Então o que você quer, Viviana? Você terá que me dizer para
que eu possa dar a você.
— Sua boca.
Ele se inclina e me beija.
Um beijo faminto que me diz que ele sentiu falta da nossa sessão
matinal tanto quanto eu.
— O que mais?
— Suas mãos.
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Ele estende a mão e começa a me tocar. Suas mãos envolvem


suavemente minha garganta, depois descem pela cavidade do meu
pescoço, entre meus seios.
— Aqui. – ele pergunta, com um sorriso malicioso presente.
Eu balanço minha cabeça.
— Aqui. – Seus dedos traçam uma linha ao redor do meu umbigo.
Balanço minha cabeça novamente.
Suas mãos abaixam, traçando os ossos do meu quadril.
Ele interrompe seus movimentos. — Aqui?
Excitada demais para me importar, eu o agarro e enfio sua mão
entre minhas coxas.
— Aí. – grito acima da água, e ele ri. Um barulho alto e impetuoso.
Um que é apenas para os meus ouvidos.
E eu amo isso.
Amo cada minuto disto.
Depois de tomarmos o banho mais longo da história, nós dois
saímos do banheiro vestidos e completamente satisfeitos.
Ele está vestido com uma roupa mais formal do que estou
acostumada. Uma jaqueta esporte cinza, camisa de botão branca e calça
comprida.
Se eu não tivesse sido completamente destruída por ele no chuveiro,
eu pediria a segunda rodada, então, em vez disso, inclino a cabeça. —
Para onde você vai?
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— Tenho uma reunião em Albany.


— Você está indo até Albany?
Meu coração começa a bater forte porque não o verei por alguns
dias. Também estou preocupada com o que é os negócios dele. Se tem
algo a ver com o papai.
— Só por algumas horas. Estou indo falar com o governador sobre
alguns negócios.
— Sentirei sua falta. – digo, com minha voz mais fraca do que
gostaria.
— Voltarei para o jantar... e sobremesa.
Eu sabia que esse dia estava chegando. Novamente, não espero que
fiquemos sozinhos para sempre, mas ainda assim, isso me incomoda.
O que eu vou fazer?
Devo perguntar sobre como conseguir um emprego novamente?
Não consigo imaginar que o momento seja melhor. Ele ainda está
em guerra.
— O que está errado?
— Nada.
— Não minta para mim.
Às vezes esqueço que ele consegue me ler muito bem.
— Só estava me perguntando o que eu iria fazer.
— Você gostaria que eu chamasse Giana?
— Prefiro tentar ver se Julia irá me ver.
— Ela ligou para você?
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— Não. – eu admito.
— Então por que se preocupar?
— Ela significa muito para mim. Ela é minha família.
Ele me observa por um momento antes de balançar a cabeça.
— Ligue para ela, então. Se ela responder, se ela disser sim, pedirei
a Luka que providencie isso.
— Posso ir para a cidade?
— Eu preferiria que ela viesse aqui. Onde sei que você está segura.
— OK. Obrigada. – eu me inclino na ponta dos pés e beijo seus
lábios. Depois que ele vai embora, pego meu celular de onde o coloquei
há alguns dias.
Não usei meu celular na semana passada.
Não querendo que nada a destrua.
Verifico se tenho alguma chamada perdida.
Não há nada.
Nem mesmo uma mensagem de texto.
É uma sensação preocupante saber que ninguém sente sua falta.
Pelo menos eu tenho Matteo.
Meus pensamentos me chocam.
Como isso aconteceu tão rápido?
Como é que, em apenas algumas semanas, este homem se enterrou
dentro de mim?
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Apesar de todos os meus esforços, percebo que estou loucamente


apaixonada por ele.
Isso não é bom.
Pego o celular e ligo para Julia. Espero que ela atenda, melhor
dizendo.
O celular toca uma, duas vezes e, no terceiro toque, ouço a voz dela.
— Alô. – É difícil ouvi-la. Ela está falando baixo ou talvez sua boca
esteja longe do celular.
— Ei, Jules. – Ela não diz nada. Ela fica quieta. — Sei que você está
com raiva de mim, mas sinto muito. Acredite ou não, eu queria te contar,
mas havia coisas além do meu controle.
— Eu sei.
— Você sabe? Sim... Jonathan ouviu seu pai falando. – Jonathan,
seu irmão gêmeo, trabalha para meu pai. Na verdade, estou surpresa que
ele tenha dito algo sobre mim que pudesse me ajudar. Ele odeia tudo
sobre mim.
Não é um ódio infundado.
Na verdade, ele odeia todos da minha família.
Estou chocada que ele trabalhe para meu pai, mas acho que nem ele
poderia recusar um emprego confortável no gabinete do governador.
Junte isso à reforma completa que ele aparentemente decidiu se dar e
nenhuma parte dele é reconhecível do garotinho com quem eu brincava
quando era menina.
— O que ele ouviu?
— Que você foi forçada.
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— Não foi exatamente assim.


Mais uma vez, ela está quieta e odeio ter dito isso. Agora tornei tudo
estranho de novo.
— Julia, estou com saudades de você. Queria saber se você queria
vir aqui.
— Para onde você mora com Matteo Amante. O gangster.
— Para onde eu moro, sim.
— Sim, irei, mas não por nada além de curiosidade. – diz ela ao
celular.
— Curiosa sobre o quê?
— Ah, a razão pela qual você lutaria para sair de uma jaula só para
se jogar em outra diferente.
— Não é desse jeito.
— Ah, não... – ela pausa para dar ênfase. Eu poderia discutir isso o
dia todo com ela, mas quando não respondo à sua provocação, posso
ouvi-la soltar um suspiro. — Diga-me onde e quando.
— Na verdade, fica fora da cidade. Vou mandar um carro para você.
— Hum. Isso funciona.
Posso ouvir o julgamento em sua voz. Está lá claro como o dia,
tocando a cada segundo em que não falamos.
— Ele estará aí em breve. Vejo você em breve.
Desligo antes que ela possa dizer mais alguma coisa. Sabendo que
preciso contar a Matteo, desço as escadas para procurá-lo. Há uma boa
chance de já ter partido, mas alguém conseguirá transmitir a mensagem.
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Foi então que me dei conta de que nem tenho o número do celular
do meu marido.
Encontro Luka no escritório que conheço das minhas “escapadas de
hospedagem”.
— Olá, Luka. Minha amiga Julia precisa que alguém vá buscar ela.
— Tratarei disso, Sra. Amante.
Ouvi-lo me chamar pelo sobrenome de casada ainda soa estranho
aos meus ouvidos.
Parece estranho para mim, mas parece certo.
Depois de terminar isso, vou para a cozinha para tomar um café e
tomar café da manhã.
Encontro Francesca lá dentro. Ela paralisa ao ouvir meus passos.
— Ah, Senhora. Não sabia que você já estava acordada. Por favor,
aceite minhas desculpas. Se você for para a sala de jantar...
— Não há necessidade de pôr a mesa e torná-la formal. Posso comer
aqui.
Como passei tanto tempo nesta cozinha com o Matteo, seria
estranho estar na sala de jantar formal.
Ela parece confusa e abalada com a minha decisão.
— Senhor...
— Está bem. Eu não quero colocar você em apuros. Só não queria
ficar sozinha. – admito.
Ela me dá um pequeno sorriso e acena com a cabeça. — Ok, vou
preparar aqui mesmo.
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Ela se move pela cozinha e pega tudo que preciso, depois sai para
pegar meu café. — O que você gostaria de comer?
— Tudo o que for fácil. Além disso, tenho uma amiga chegando em
breve.
— Vou me certificar de fazer um bom almoço para dois.
Poucos minutos depois, ela me traz uma tigela de pudim de Chia
com frutas frescas e coco. Está perfeito.
— Muito obrigada... – Ela vai se virar, mas não quero que ela vá
embora ainda. — Francesca.
Ela olha para mim. — Matteo disse que você está com ele há anos.
– Seus olhos se arregalam um pouco e percebo meu erro imediatamente.
Ela tem medo que eu saiba sobre seu passado. — Só queria saber sobre
Matteo.
— Não posso falar dele. – Sua resposta é firme.
— Não. Você me entende mal. Ele fez muito por mim na semana
passada e quero fazer algo de bom por ele. Imaginei se alguém sabe do
que ele gosta.
— Não tenho certeza se posso ajudar. – Eu aceno e olho para baixo.
— Mas vou pensar sobre isso.
— Obrigada.
Francesca então sai da cozinha e fico sozinha.
O mesmo resultado de comer na sala de jantar, mas aqui guardo
ótimas lembranças. Memórias que me fazem corar, mas ainda assim me
fazem companhia.
Eu quero fazer algo de bom para ele. Esperançosamente, ela poderá
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ajudar. Se não, talvez Giana consiga.


Vou precisar ligar para ela um dia desses.
Matteo mencionou me dar o número dela.
Ela poderia ser uma boa pessoa para ter ao meu lado. Além disso,
preciso expandir meu círculo social se quiser que isso funcione aqui.
O tempo passa devagar enquanto como sozinha. Logo estou
colocando meu prato na pia e voltando para a parte principal da casa.
Mal posso esperar para mostrar o lugar a Julia.
Esta casa é gigantesca. Maior que a casa do governador e, depois, a
propriedade onde cresci antes de o meu pai trocar a nossa casa colonial
georgiana por uma ainda maior. Alguém com pilares gigantes, ele só
pode esperar que o leve ao maior deles.

É bom vê-la. Não percebi o quanto sentia falta de Julia até que ela
estava na minha frente novamente. Envolvo meus braços em volta do
pescoço dela; ela solta uma risadinha.
Assim que paramos de nos abraçar, ela finalmente se afasta, e é aí
que ela olha em volta.
— É aqui que você está morando?
— Sim. Esta é a casa de Matteo e acho que agora é minha.
O hall de entrada ao nosso redor fica em silêncio. Como uma pausa
significativa, enquanto espero que ela diga mais alguma coisa, mas
quando ela não diz, decido falar.
— Vamos, vamos para a sala. Podemos conversar lá, e você pode
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me contar o que está acontecendo em sua vida, e eu farei o mesmo.


Deve ser um choque o tamanho deste lugar ou algo assim, porque
ela ainda tem uma expressão estranha nos olhos. Mas quando começo a
andar, ela se recupera, me seguindo para fora do hall de entrada, pelo
corredor e até a sala de estar.
— Esta sala é gigante. – ela finalmente deixa escapar, com os olhos
arregalados. — A casa inteira é, na verdade. Ele é como um bilionário,
não é?
Não sei o que dizer sobre isso.
A única coisa que posso fazer é encolher os ombros, não me
sentindo confortável para falar sobre as finanças do meu marido.
— Acho que é uma casa de família. Herdada de geração em
geração. Na verdade, nunca perguntei a Matteo. Ele me contou um
pouco sobre isso, mas não tenho certeza.
— Bem, é magnífica, não importa o que aconteça. Parece que sua
decisão improvisada de se casar com um chefe da máfia valeu a pena.
Meus olhos se arregalam com o que ela diz.
A dor e a amargura em seu tom não passaram despercebidas por
mim.
Não tenho ideia qual o problema dela, mas não gosto disso.
— Escute, eu sei que você está chateada comigo, mas você não acha
que foi longe demais? Sim. Casei-me com Matteo sem te contar.
— Sim, eu não convidei você. Mas há coisas que você não entende
sobre as circunstâncias. Não tive escolha de fazer do jeito que fiz. Sinto
muito por ter machucado você, mas não pude...
— O que você não está me contando?
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— Meu pai... Ele ameaçou. – Balanço minha cabeça de um lado


para o outro. Não posso dizer mais nada.
Embora muito disso a preocupe, ela não sabe muito e eu nem sei
como contar a ela. Eu nem sei por onde começar.
— E quanto a mim, você não pode confiar em mim?
— Sinto muito, podemos conversar sobre outra coisa?
Acho que ela vai discutir. Acho que poderia até sentar-se, levantar-
se e depois exigir que a levassem para outro lugar, mas não o faz, o que
é um pouco chocante para mim.
— Pode pelo menos me dizer se ele é horrível com você? Você
poderia pelo menos ser honesta sobre isso?
— Verdade?
— Sempre quero a verdade de você. – Mais uma vez, suas palavras
pairam no ar. O ar que agora parece opressivo com minhas mentiras.
Mas estou realmente mentindo? Reter informações é mentira?
Há muitos, muitos anos, quando era uma garotinha, muito jovem
para entender as ramificações de minhas ações, fiz uma promessa a um
homem muito mau.
Na época, eu não percebi no que estava me metendo. Se eu soubesse
o que sei agora, teria lidado com as consequências das minhas ações em
vez de fazer um acordo com o diabo.
Meu pai.
É engraçado como, doze anos depois, fiz um acordo diferente com
um demônio diferente. Só posso esperar que este acabe melhor.
— Acredite ou não, ele realmente tem sido bom comigo.
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Ótimo, se você considerar ele na cama.


— Então é real agora, é um casamento de verdade? Você algum dia
voltará para a cidade?
— Não tenho certeza. – admito, passando a mão pelos meus cabelos
escuros.
— Ele ainda tem residência na cidade?
— Ele tem. Não é nada parecida com este lugar.
— O que você quer dizer?
Por alguma razão, sinto que não devo falar sobre o apartamento dele
na cidade. Ele não disse nada especificamente, mas eu também não disse
que faria isso. Lembro-me vagamente dele dizendo que as pessoas não
sabem onde fica, mas dizer a ela onde é e como é são duas entidades
diferentes. Já estamos brigando tanto que posso sentir a tensão no ar.
Qual é o problema?
— Ele na verdade é dono de um armazém. É muito legal. Do lado
de fora, você pensaria que é uma espelunca, mas por dentro é de última
geração. Os quartos são lindos. Nada disso, é moderno, contemporâneo,
um pouco estéril, mas ainda assim bonito.
— Deve ser legal.
Levanto uma sobrancelha. — O que você quer dizer?
— Nada, só quero dizer que deve ser bom ter duas lindas casas. Isso
é tudo.
Ela me dá um sorriso... mas não chega a atingir seus olhos. Uma
parte de mim pensa que ela está com ciúmes.
E do ponto de vista dela, posso entender como tudo isso parece um
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pouco maluco.
Inferno, para mim parece loucura e tenho todas as informações.
Para ela, ela tem tão pouco disso.
Você poderia contar a ela.
A voz muda e insistente na minha cabeça me interrompe, exigindo
que eu dê voz a ela.
Mas não posso.
Essa foi a estipulação.
Nunca contar a Julia.
Nunca contar a Jonathan.
O dinheiro iria parar.
Fiz tudo o que podia para cuidar da família, tudo para chegar tão
perto de encontrar uma saída.
— Diga-me o que você tem feito? – pergunto, tentando mudar a
conversa de Matteo e eu.
Pela maneira como ela sorri, parece que ela está bem com essa
transição.
— Eu conheci um cara.
— Ah. – eu me animei, feliz pela distração, e por ela. — Ele tem um
nome?
— Não. Vou ser tão suspeita quanto você. Ele é maravilhoso. Sexy.
Ele tem cabelos castanhos, olhos verdes. Ele tem essa arrogância.
— Ok, onde você conheceu o homem misterioso?
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— Em um clube.
— Acha que pode ficar sério?
— Talvez. Nunca se sabe. Talvez ele me leve para uma grande
mansão como esta um dia. – ela ri.
Ouvir sua risada me faz rir também.
— Além do homem gostoso com quem você está transando... como
vai você?
— Quem disse alguma coisa sobre sexo. – Seus lábios se erguem e
sei que ela está brincando comigo. — Claro, que estamos fodendo.
Gosto de vê-la sorrir. Deus sabe que ela passou por uma situação
difícil. Ela merece isso.
Tudo isso.

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Aterrissamos em Albany um pouco depois da uma da tarde.
Esta será uma viagem rápida.
Um almoço tardio com o governador de Nova York em sua mansão.
Nos livros, possuo muitas empresas. Sou um empresário respeitável
que possui propriedades à beira-mar em todos os lugares, então não é
incomum que eu me encontre com ele.
Mas, extraoficialmente, foi ele quem originalmente me avisou de
Marino.
Por mais que Marino tenha tentado fazer negócios comigo no
passado, nunca precisei fazer isso com o governador Thomas. Consigo
realizar a maior parte do que preciso.
Mas meu afastamento do idiota de Jersey acabou me custando caro.
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Julguei mal Salvatore.


Nunca me ocorreu que ele iria se conectar com um governador
excessivamente ambicioso do estado vizinho e convencê-lo de que ele
era a melhor opção.
Marino vinculou as suas aspirações políticas ao homem errado.
Por princípio, não vou ajudá-lo.
Nem mesmo se ele estiver pendurado na encosta de uma montanha e
precisando de uma mão.
Eu ainda iria embora.
Agora, de carro, fazemos o trajeto do avião particular até a mansão
do governador. Não é uma viagem longa e, quando chegamos à imensa
propriedade, não muito diferente daquela de Jersey, não consigo deixar
de pensar em minha esposa.
Pegando meu celular, mando uma mensagem.

Eu: Você está aproveitando o seu dia?


Viviana: Quem é você?

Isso me faz sorrir. Minha esposa é muito agressiva para o seu


próprio bem.

Eu: Seu marido.


Viviana: Ah... desculpe. Você nunca me deu seu número. Então eu
não sabia.
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Eu: Quem você achou que era?


Viviana: Eu não tinha certeza.

Olho para o meu celular. Ela achava que era um antigo namorado?
A ideia de alguém falando com ela faz com que minhas mãos se
fechem em punhos cerrados.
Não vou compartilhar minha esposa com ninguém.

Eu: É melhor que ninguém esteja mandando mensagens para você.


Eu: Você é minha e só minha.
Digito antes que possa me conter, deixando minha possessividade
transparecer em minhas palavras.
Provavelmente não deveria ter digitado, mas é verdade.

Viviana: Isso vale para você?

E aí está. A pergunta que fez na primeira noite em seu apartamento.


Uma que eu não estava preparado para responder, mas depois de todas
essas semanas, e sabendo agora como é me enterrar dentro dela, se
perder em seu abismo, a resposta não é tão difícil.

Eu: Sim. Página 325

Coloquei meu celular de volta no bolso. Não querendo dizer mais


nada. É ao mesmo tempo que eu faço isso, o carro para. Chegamos.
Saímos do carro e então meu homem e eu vamos até a porta da
frente, onde somos recebidos pela equipe de segurança do governador
Thomas. Dois de seus homens procuram armas. Eles sabem que minha
equipe de segurança tem uma, meu homem tem uma arma com ele, mas
todos estão próximos. Esta não é a primeira vez que venho aqui e não
será a última.
O governador Thomas vem até mim, estende sua mão e nós
apertamos.
Ele então me leva até a sala de jantar, onde comeremos e
conversaremos. Assim que me sento, um copo de uísque já está na
minha frente. Sua equipe me conhece bem.
— Nós temos um problema.
— Sim. Marino é sempre uma pedra no meu sapato. No entanto,
pensei que, ao se casar com a filha dele, você esmagaria a oposição.
— Parece que ainda não. Meu plano é derrubá-lo... – O Governador
Thomas levanta a mão.
— Eu não quero ouvir sobre isso.
Ele respira fundo. Ele parece cansado e abatido, como se tudo isso
fosse demais para ele aguentar. Eu conheço o sentimento. Às vezes me
pergunto por que me preocupo. Mas então penso no monstro que meu
tio era. Penso no monstro que Salvatore se tornará se tiver oportunidade.
O governador Thomas também sabe disso, e é por isso que concordou
em me ajudar. Não melhora nada. Tenho certeza de que ele gostaria de
poder me expulsar, mas cabe a ele me ter ao seu lado e em Nova York.
— Não tenho muitas informações para você. – diz ele. — O que
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posso dizer é que você está no radar de todos. Governador Marino, está
mesmo atrás de você. Você não pode usar nenhuma das rotas originais.
— Disso eu sei.
— Meu melhor conselho é também não armazenar nada no novo.
Levanto minha sobrancelha.
— Marino tem conversado individualmente com todos na Capitania
dos Portos. Ele também tem participado de reuniões com os estivadores,
a Guarda Costeira, etc.
— Homem ocupado.
— Ele está determinado a destruir você.
— E está envolvido com meu primo. – digo.
— Não podemos permitir que isso aconteça, Matteo.
— Eu concordo. Em ambos os assuntos, na verdade.
Ele sabe tão bem quanto eu que, se isso acontecer, ninguém estará
seguro.
Salvatore não ficará feliz em lidar apenas com drogas e golpes.
Ele só tem uma coisa com a qual quer lidar...
Uma empresa de tráfico de bilhões de dólares foi deixada em aberto
quando Cyrus Reed se envolveu e fechou tudo.
Ninguém quer que os italianos ocupem o vazio deixado pelos
russos.
— Meu conselho, se você decidir levar, é trazer e transportar
imediatamente. Coloque-o em algum lugar que ninguém pensaria... até
que esteja pronto para transporte novamente. Eu não quero saber de
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nada. Não quero que meu nome seja mencionado. Eu não gosto...
— Essa parte do negócio está sendo eliminada gradualmente.
Infelizmente, até que meu primo esteja fora de cena, não posso arriscar
que meus homens fiquem com raiva.
— Aja rápido. Fora do radar. Farei o que puder para tirar Marino do
seu pé.
Levanto-me da cadeira e aperto sua mão.
— Obrigado.
— Você não pode perder, Matteo.
— Eu não vou.
Perder não é uma opção. Vou queimar tudo, queimar tudo se for
preciso, antes de deixar um homem sádico como Salvatore liderar.
Agora de volta ao avião, enfrento Lorenzo e Roberto.
Eles estão sentados bem na minha frente.
— Ele quer que movamos a carga assim que ela chegar ao porto.
Ele não acha que as docas sejam seguras. O governador Marino está
furioso desde que me casei com Viviana. O homem fará tudo o que
estiver ao seu alcance para corrigir o mal que pensa que lhe cometemos.
O governador Thomas acredita que o melhor plano é um local obscuro,
com espaço de armazenamento suficiente, mas não óbvio.
Cada um de nós fica quieto. Encontrar um local próximo que
ninguém pense é a parte difícil.
— E o restaurante da família de Marco?
— Você quer armazenar nossas drogas em um restaurante? Planeja
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colocar com o açúcar? Talvez as ervas sejam mais parecidas?


Balanço a cabeça com a brincadeira entre Roberto e Lorenzo.
Mas isso me fez pensar. Se Lorenzo acha que é uma ideia boba,
então talvez ela realmente tenha algum mérito.
— Ok, quando voltarmos ao complexo, eu quero falar com Marco.
Daremos à família dele um bom incentivo se concordarem. O andar
inferior tem um túnel.
— É por isso que sugeri. Foi usado para contrabandear bebidas
alcoólicas na época da Lei Seca.
— Isso mesmo. Roberto, acho que você está no caminho certo. A
localização é perfeita e o túnel é um bônus. Podemos trazer e retirar as
drogas sem que ninguém perceba. Além disso, posso fazer check-in com
frequência. É um restaurante. Não seria inimaginável eu levar minha
esposa para lá... muitas vezes.
Quanto mais penso sobre isso, melhor parece. Agora que isso está
resolvido, desvio minha atenção dos meus homens e olho pela janela
durante o restante do voo de quarenta e cinco minutos de volta para
minha casa.
Tenho muito que trabalhar quando voltar.
É hora de falar com Viviana sobre seu pai. É hora de encontrarmos
a localização de Salvatore.
Também preciso ver onde está meu próximo carregamento de
armas. Parece que meu trabalho não tem fim e tudo que quero fazer é
tirar mais um dia de folga e seguir meu caminho com minha esposa.
Não tenho certeza de quando isso aconteceu, mas percebo que
Viviana me irritou apesar de meus melhores esforços.
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Ela é como um vício.


Uma amostra nunca será suficiente.
Sem Julia, não há muito o que fazer. Minha vida se tornou bastante
chata. Preciso falar com Matteo sobre isso. Preciso de um emprego e de
um propósito. Eu quero fazer a diferença.
Não há como passar mais um dia sem fazer nada.
Sem pensar nisso, desço as escadas até o andar de baixo. Para o
andar onde sei que Matteo vai quando não está comigo.
Não tenho certeza se tenho permissão para ficar aqui, mas estou
fazendo isso de qualquer maneira. Abrindo a porta da sala de vigilância,
Luka e Tony olham para mim.
Eles não estão chocados por eu estar aqui. Como eles podem estar?
Bem na tela gigante à minha frente está o corredor que acabei de descer.
— Você não deveria estar aqui. – diz Luka.
Eu encolho os ombros. — Estou entediada.
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— O chefe não gostaria disso. – As costas de Tony estão voltadas


para mim novamente, com suas mãos digitando no teclado.
— Eu cuido de Matteo.
— Tenho certeza que sim. – Luka ri. — Você certamente o tem
enrolado em seu dedo mínimo.
— Este. – eu levanto meu dedo mindinho.
— Sim, é esse.
— Prometo contar a ele e prometo que ele não ficará bravo. Estou
sozinha. Francesca desapareceu e não tenho nada para fazer. Coloque-
me para trabalhar.
— Não é uma boa ideia. – Tony diz para Luka, e eu reviro os olhos.
— Por mais que eu tenha certeza de que nós gostaríamos da sua
companhia, tenho que concordar com Tony. Depois de obtermos
permissão do chefe, a história é diferente.
— Ligue para ele.
Luka parece se divertir comigo. Tony, no entanto, está visivelmente
irritado.
Um minuto depois e com um sorriso no rosto, Luka faz um gesto
para que eu me sente na cadeira ao lado dele.
— Só posso mostrar certas coisas.
— Como o que?
— Como algumas das câmeras que temos em casa.
Tony começa a digitar e então, na minha frente, está meu antigo
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quarto e minha antiga cama. Meu rosto fica quente e tenho certeza de
que estou vermelha como uma beterraba.
— Na verdade, tenho algo que preciso fazer. – digo enquanto corro
para sair da sala com a pouca dignidade que me resta.
Boa jogada, Matteo. Boa jogada.
Depois do meu encontro embaraçoso, fui para a academia e malhei.
Depois li um pouco de um livro, mas agora não há nada para fazer
enquanto fico sentada na sala como uma garota patética e espero.
A verdade é que já é hora de ganhar dinheiro. Tenho dívidas que
precisarei pagar em breve.
Estou sentada na cadeira, lendo, quando ouço passos. Não levanto
os olhos até que eles estejam bem na minha frente. Eu estico o pescoço
para ver quem é, mas pela maneira como minha pele se arrepia,
hiperconsciente de sua presença, sei que é ele.
Nossos olhares se cruzam e seus olhos estão mais escuros que o
normal.
Nenhum de nós diz nada.
Incapaz de aguentar mais, fico de pé e me movo até que meu peito o
toque, e então juro que subo nele como um macaco subindo em uma
árvore.
Meus braços envolvem seu pescoço e minhas pernas envolvem sua
cintura.
Nossos lábios colidem em seguida, e sua boca é o paraíso.
Eu poderia beijá-lo para sempre.
Esse pensamento deveria me assustar, e na verdade assusta um
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pouco, mas não pelos motivos que assustou no início.


Não tenho medo do meu desejo por ele.
Estou com medo do nosso futuro e do que ele traz.
O que farei se o perder?
Hoje, quando estávamos mandando mensagens de texto, percebi que
não apenas não quero mais ninguém, mas também não quero que ele
fique com ninguém além de mim.
Quando ele ficou possessivo, eu também fiquei.
Nosso beijo se intensifica até que ele me joga no sofá e nossas bocas
se separam.
— Você está com saudades de mim. – ele ri.
— Sim. Mesmo que você seja um idiota. – eu respondo enquanto
dou um tapinha de leve no braço dele.
Não faz sentido mentir depois dessa exibição. Eu poderia muito bem
possuí-lo.
— Ótimo. Porque eu também senti sua falta.
Se minha boca pudesse cair de choque, isso aconteceria.
— Todo mundo me viu. – Ele se inclina para frente, pairando sobre
mim, equilibrando o peso nos braços.
— Não. Só eu, dei permissão a eles para acessar o monitor, mas só
nessa condição.
— Mas você me viu?
— Sim, e você me viu. Estamos quites. – Sua boca toca meu
queixo. — Eu perdi isso. – Ele me beija novamente nos lábios. Então ele
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se move para o meu pescoço. Sua língua desce pela minha garganta e
pela minha clavícula até chegar à cavidade do meu pescoço.
Ele então se inclina e abre minha camisa. Os botões abrem o tecido
com um som de estalo.
— A porta...
— Não me importo se eles virem. Deixe-os me ver adorando você.
Estou prestes a protestar, mas então sua boca e língua me calaram.
Não me restam objeções.
Algum tempo depois, e depois de dois orgasmos, estou exausta.
Ainda entrelaçados nos braços um do outro, respiro fundo e
satisfatoriamente antes de falar.
— Você teve uma boa viagem? – pergunto.
Ele se move para tirar o peso do meu corpo antes de se sentar, me
deixando ainda nua no sofá da sua sala. — Fiz o que precisava fazer.
— O que?
— Eu estava com o governador de Nova York.
— Isso era sobre meu pai?
— Era.
Vou me sentar e vestir minha blusa, embora seja difícil fazer isso
com metade dos botões faltando.
— Há alguma coisa que você precisa me dizer?
Sua cabeça se inclina para baixo e depois para cima enquanto ele
balança a cabeça.
— Não agora. Estou trabalhando em algumas coisas...
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— Você pode confiar em mim.


Ele se inclina para frente, puxando meu lábio inferior com o dele.
Gemo em sua boca como uma vadia devassa que não apenas transou.
Quando ele se afasta, eu gemo. Isso provoca uma risada dele.
— Preciso ir trabalhar agora.
Quero fazer cara feia e pedir que ele não faça isso, mas me recuso a
fazer isso. Ainda não chegamos lá. Nem tenho certeza de onde estamos.
Foi só hoje que ele concordou em não ficar com outras mulheres.
Não quero parecer carente, o que normalmente não sou. No passado,
nunca me importei em estar em um relacionamento.
Mas por alguma razão, com Matteo, eu me importo.
E não tenho certeza de como me sinto sobre isso.
Matteo se levanta do sofá e arruma a calça, fechando o zíper e
abotoando-a.
Com ele ocupado sabe Deus por quanto tempo, volto para o nosso
quarto. Preciso tomar banho e me limpar depois da nossa brincadeira
improvisada.
Quando saio do banho e estou limpa, meu celular toca.
Cruzo o quarto até onde deixei meu celular na mesinha lateral.
Ali na tela está uma mensagem de Julia.

Julia: Eu me diverti muito hoje. Senti a sua falta. Me desculpe se


pareci estranha. Tudo isso tem sido estranho, mas estou feliz por você.
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Olho para o celular e um suspiro audível escapa da minha boca. Eu


não percebi o quanto eu precisava que ela dissesse isso.
Eu: Obrigada! Também senti sua falta. Você sempre será uma
família para mim.
Julia: Podemos nos ver de novo?
Eu: Que tal na próxima semana?
Julia: Eu adoraria isso.
Eu: Eu também. <3

Coloco o celular de volta na mesa e vou me vestir.


Matteo ainda não voltou, mas presumo que quando voltar, estará
com fome e comeremos. No entanto, com ele, você nunca sabe. É
provável que me diga que estamos renunciando ao jantar e indo direto
para a sobremesa.
De qualquer forma, estou feliz.
E essa é a coisa mais louca de tudo...
Como estou feliz.
O pensamento é petrificante.

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Marco se senta na minha frente e balança a cabeça enquanto falo,
mas não diz nada.
Não consigo imaginar que ele me dirá não, mas poderia. Destaco
todos os detalhes, sendo totalmente sincero sobre tudo. Ele precisa
conhecer todos os riscos envolvidos, mas também precisa conhecer as
recompensas.
Se ele me abrir a sala da Lei Seca para guardar as drogas, pagarei a
ele uma boa comissão. Sua lealdade também não será esquecida.
Se ele for pego e algo acontecer com ele, sua família sempre estará
protegida por mim.
Quando termino de falar, faço sinal para ele falar.
— Sim.
— Há alguma pergunta? – pergunto, já que isso é muito para
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absorver.
— Confio em você, chefe.
— Prometo a você, se alguma coisa...
— Eu sei. – ele diz com um sorriso. Levanto e aperto sua mão.
Marco está comigo há muito tempo. Antes de mim, ele estava com meu
pai. Ele está fora da maior parte do negócio ultimamente, mas pelo que
Lorenzo me contou, sua família tem lutado sem o dinheiro extra que
trabalhar mais para mim teria trazido.
Feito isso, deixo meus homens e vou em busca de Viviana. Depois
de procurar por todos os cômodos do andar principal, encontro-a em
nosso quarto.
A palavra “nosso” vem tão naturalmente que faz meus pés pararem.
Você está ficando muito confortável, Matteo.
Ela está no canto, sentada em frente a uma penteadeira que meus
empregados colocaram no quarto para ela. Ela está passando batom.
— Oi. – ela diz para mim. Ela não se vira. Em vez disso, ela fala
comigo através do espelho.
Aproximo-me até ficar atrás dela e então me inclino e dou um beijo
em sua testa. — Você está pronta para ir jantar?
— Ir? Estamos saindo?
Esta noite decidi nos levar ao restaurante do Marco para conhecer o
espaço.
Com Viviana a tira colo, partimos. Desta vez, para ficar fora do
radar, saímos pelos fundos.
Vejo que Viviana está confusa. Ela está espiando pela janela do
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banco de trás. Seu corpo inteiro não está virado, apenas seu rosto, mas
quando saímos pelo portão secreto dos fundos, ela olha em minha
direção.
— É a nossa saída secreta.
— Posso ver isso, mas por que precisamos sair por aqui? – Às vezes
esqueço que Viviana não é como nenhuma outra mulher que já conheci.
Ela é bem versada na vida pública. E embora ela provavelmente entenda
que deve sair pela porta dos fundos por causa do pai, posso entender por
que ela parece preocupada.
— Aconteceu alguma coisa que eu não sei?
Debato se devo contar a verdade a ela agora ou se devo esperar até
outra hora. Opto por esperar. Uma pequena parte de mim ainda se
pergunta se posso confiar nela.
— Não. Nada aconteceu. Mas não podemos estar muito seguros.
Meu primo tem estado quieto, mas eu não duvidaria que ele tivesse
alguém vigiando os portões. Normalmente, eu não me importaria, mas
como tenho você comigo, prefiro ser mais cuidadoso.
Viviana deve gostar da minha resposta porque ela vira o corpo
totalmente em minha direção, desafivela o cinto de segurança e se
aproxima. Agora sentada no banco do meio, ela reajusta o cinto e deita a
cabeça no meu ombro.
— Então, vamos jantar? – ela pergunta.
— Vamos.
— Para onde estamos indo?
Posso contar a ela ou não, mas por alguma razão, brincar com ela
não tem mérito. Talvez seja porque eu sei que ela é um cachorro com
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osso quando quer informações.


— Eu tenho um funcionário. Não tenho certeza se você o conheceu.
O nome dele é Marco e sua família é dona de um restaurante. É muito
bom e eu queria levar você até lá.
— Isso parece legal. – Durante o resto do trajeto, não falamos de
nada importante. Ela me faz pequenas perguntas, não sobre nada que
mude sua vida, e eu respondo. Quando chegamos ao estacionamento,
descobri que, enquanto morava na cidade, ela oferecia o pouco tempo
livre que tinha para passear com os cachorros em um abrigo e ensinar as
crianças a ler.
Minha esposa é uma santa. Eu não a mereço, mas foda-se se não
vou tentar mantê-la.
O carro para e eu abro a porta, estendendo a mão para ajudá-la a sair
do carro. O restaurante do Marco é o local perfeito visto de fora. Está
fora dos roteiros mais conhecidos, situado no alto de uma colina, mas
com vista para a água.
Estou surpreso por nunca ter estado aqui antes. É tranquilo e
pitoresco, e saber que tem adega é um bônus.
Ninguém pensaria neste lugar e, como fica perto do oceano, não fica
muito longe do porto. Quanto menos tempo em trânsito, melhor.
Segurando a mão de Viviana, eu nos conduzo para dentro do
restaurante. O sol está começando a se pôr ao longe e, quando Viviana
entra, a vista das janelas a faz arfar. Eu não tinha ideia de que seria
assim, mas agora vendo isso, posso ver por que ela está me olhando com
estrelas nos olhos.
Este lugar é romântico pra caralho. O restaurante está relativamente
vazio. Existem algumas mesas em que as pessoas se sentam. Marco está
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lá para nos receber. Ele nos leva até uma mesa ao lado da grande janela
saliente com vista para a água.
Há algumas velas já acesas. A mesa está posta e parece que eu já
tinha planejado isso. Vou ter que juntar algum dinheiro extra para
agradecê-lo.
— Marco, esta é minha esposa, Viviana. Viviana, este é Marco.
Eu os apresento. Marco estende a mão e pega a mão pequena de
Viviana. Ele dá um beijo no topo da mão dela. Se ele não fosse tão
velho, velho o suficiente para ter a idade do meu pai, eu provavelmente
lhe daria um soco por tocar na minha esposa, mas posso dizer que não
há desejo nisso, apenas respeito.
— É um prazer conhecê-la, Viviana. – Seu forte sotaque italiano
arrasta o nome dela em sua língua como pérolas.
Ela sorri calorosamente para ele. — O prazer é todo meu.
Nós nos sentamos, com nossas cadeiras sentadas uma ao lado da
outra. Assim que não estamos mais de pé, coloco a mão na perna dela.
Ela está olhando pela janela, apreciando a vista.
— Este lugar é perfeito.
— Bem, é o mínimo que posso fazer por deixar você tanto sozinha
em casa.
— Sobre isso... – ela parece... diferente. Há um tom severo em sua
voz.
— Sobre o que?
— Estou entediada. – ela faz beicinho. — Sem você lá para me
distrair, preciso de algo para fazer.
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— OK.
— OK?
— Sim. Não acho que conseguir um emprego na cidade agora seja
tão viável, mas talvez possamos encontrar algo que te faça feliz por
enquanto.
— Qual? – Sua testa franze.
— Você pode ajudar Giana.
— Ajudá-la com o quê?
— A família administra muitas operações diferentes.
— Eu não acho...
— Não esse tipo de operação. Nada com essa parte dos negócios.
Uma das coisas em que Giana trabalha é o nosso trabalho de caridade.
— Você faz caridade?
— Claro, eu faço caridade. Que tipo de homem você pensa que eu
sou? Esqueça isso, não responda.
Viviana estende o braço por cima da mesa e segura minha mão.
— Acho que você é um bom homem. Acho que para a maioria das
pessoas você finge ser diferente, mas eu vejo você. Você não é o vilão
que a maioria das pessoas diz que você é.
— Embora aprecie o sentimento, sou exatamente o monstro que
dizem que sou.
Sua cabeça se inclina para o lado como se estivesse avaliando o que
eu disse, mas em vez de parecer chocada ou assustada, ela olha para
mim com olhar de adoração. Olhar que me faz pensar que posso contar
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tudo a ela. Mostrar tudo a ela. Conversar com ela sobre tudo.
— O que é? – ela pergunta, e parece que consegue me ler mais do
que eu imaginava. — Há algo que você não está dizendo.
— Preciso de sua ajuda.
— OK.
— Você ainda não sabe o que estou pedindo.
— Eu não ligo. A resposta ainda está é sim.
— Preciso de sua ajuda para destruir seu pai.
Pronto, eu disse isso. O desafio foi lançado, então agora vamos ver
como ela responde.
— Tudo o que você precisar, Matteo. – ela se inclina para frente,
colocando seus lábios nos meus. — Sou sua.

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Fico surpresa com suas palavras, mas acima de tudo, estou chocada
com a disposição que me ofereço para ajudá-lo.
Ele nem me disse o que isso implica, mas eu nem me importo.
Eu estou dentro.
Farei qualquer coisa por Matteo.
O pensamento é revelador para mim.
Não tenho certeza de quando isso aconteceu, mas em algum
momento nos últimos dois meses comecei a sentir uma conexão com ele.
Uma lealdade a ele que nunca senti por mais ninguém. Claro, sinto
lealdade a Julia, mas isso é diferente. Isso parece diferente.
Não estou pronta para dizer uma palavra sobre como é isso. Ainda
estou com muito medo de admitir que o que está acontecendo aqui é
mais do que jamais pensei que seria, e estou muito preocupada que algo
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dê errado.
— Tem certeza? Porque assim que você concordar, vou começar a
lhe contar coisas que provavelmente não deveria, e se algum dia você
for contra mim...
Levanto minha mão, sabendo muito bem que há uma ameaça vindo
em seguida. Eu nunca iria contra ele. Ele não precisa me dizer que vai
me matar porque, independentemente disso, mesmo que essa seja a
consequência, eu não faria isso.
— Eu não vou.
— Sei que você não vai, e é por isso que estou lhe contando isso.
— Você acha que deveríamos esperar até chegarmos em casa?
— Não há muitos detalhes. Quando tivermos mais detalhes,
falaremos sobre isso em casa. Por enquanto, quero que você fale com
seu pai. Quero que o faça pensar que está concordando com o plano
dele. Quero que você o alimente com informações falsas.
Seu plano não é tão diferente do meu plano original. Originalmente,
eu esperava usar Matteo como meio de destruir meu pai, e agora ele está
me oferecendo o mesmo.
Eu me inclino para mais perto dele.
— Quando concordei em me casar com você... – digo. — Esperava
que você pudesse me ajudar com meu problema.
— E que problema é esse, em si?
— Assim como você, meu problema é meu pai.
À menção do meu pai, a mandíbula de Matteo contrai. — Estou
ouvindo.
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— Ele é capaz de me controlar.


— OK.
— E eu não quero mais que ele faça isso.
Ele me encara por um minuto antes de suas feições suavizarem. —
Você quer me contar para que eu possa ajudá-la?
Lágrimas começam a encher meus olhos. Mas me recuso a estragar
a nossa noite.
— Hoje não.
Ele acena concordando.
— Em breve, porém. – digo.
— Conte-me sobre o que você gosta de ler.
— Além dos contos de fadas?
Matteo ri. — Além deles. – ele sorri para mim. — Você gosta de
algum outro gênero?
— Gosto de todos eles. Você tem que entender que crescer na
família em que cresci foi tudo o que tive.
— Me fale sobre sua família.
— Minha mãe sempre foi a mulher que você conheceu, uma mulher
triste e solitária em busca do amor, que bebia demais. Meu pai ficou
ressentido comigo desde o dia em que nasci.
— Por que você diz isso?
— Como eu já disse uma vez, acho que ele nunca me quis. Ele sabia
termos políticos, porém, para suas aspirações, precisava ser um homem
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de família. E em público, ele é o marido perfeito, o homem de família


perfeito, mas quando as portas se fecham, ele é tudo menos isso.
— Ele te machucou?
— Fisicamente?
Ele acena.
— Não exatamente. Emocionalmente... sim.
— O que ele fez?
— Chantagem emocional. Tudo tinha um preço. Alguns mais
íngremes que outros.
Matteo se inclina para frente e enxuga uma lágrima solitária que
deve ter escorrido.
— Então, lembra de quando lhe contei como meus pais nunca me
deram um cachorrinho...
— Sim.
— Havia mais nessa história. Eu não te contei tudo.
— Você pode me dizer agora.
— Um ano, depois que parei de sonhar e ter esperança de ter um
cachorro, minha mãe comprou um cachorrinho para mim. Eu deveria ser
bem comportada o tempo todo, mas descobri que isso era difícil para
mim. Aparentemente foi difícil para eu não responder e agir como uma
jovem adequada.
Matteo ri. — Eu não tinha percebido. – ele diz, e eu reviro os olhos.
— Bem, eu o envergonhei. E quando voltei para casa, o preço foi
óbvio.
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— O que aconteceu?
— Ele devolveu o cachorrinho ao abrigo para cães.
— Isso é horrível.
— Foi, mas fiquei feliz porque o cachorrinho não se machucou.
Mais tarde, descobri que minha babá, Ana, soube do ocorrido e pediu a
uma amiga dela que adotasse o cachorrinho. Ana costumava me trazer
fotos.
Outra lágrima cai, mas não foi pelo cachorro. Esta é por Ana.
— Olhe para mim. Eu sou um desastre. Aqui está você, me trazendo
a este restaurante incrível, e estou estragando tudo. Rápido, me diga
alguma coisa, qualquer coisa, para que eu esqueça o passado.
— Este lugar costumava ser usado durante a Lei Seca para
armazenar bebidas contrabandeadas. – diz ele, gesticulando ao redor do
restaurante. O andar debaixo é uma antiga adega.
Inclino-me para frente na cadeira, com os cotovelos apoiados na
mesa. — Isto é tão legal.
— Não é?
— Eu adoraria ver isso.
— Depois do jantar.
Concordo com a cabeça, animada com a perspectiva de ver algo
assim.
Nós não pedimos. Em vez disso, Marco nos diz que nos trará todos
os pratos especiais da casa. E como os outros lugares que visitamos,
Matteo nunca precisa pagar.
Quando a comida termina, Matteo se levanta e segura minha mão.
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Juntos, descemos até ao porão escondido.


É a coisa mais legal que já vi. É como todo filme antigo, onde há
uma alavanca no armário que dá acesso a uma sala secreta.
É incrível.
Eles ainda armazenam a bebida aqui por causa da temperatura.
Sinto que fui transportada de volta no tempo.
Quando finalmente estamos prontos para sair, envolvo meus braços
em volta dele.
— Obrigada.
Ele sorri para mim enquanto eu me afasto.
— Você nunca precisa me agradecer, Viviana.
— Não importa que eu não precise. Eu quero.
E com essa última afirmação, ele me puxa para perto e me beija
com firmeza, ferozmente, como se nunca fosse me deixar ir.

Algumas semanas se passaram.


Eles têm sido incríveis.
Matteo me mostrou sua biblioteca e, embora não seja tão grande e
bonita quanto a New York Public Library, ainda é maior do que
qualquer coisa que eu pudesse imaginar.
Não é tocada há anos. Isso fica óbvio pela coleção de poeira nas
prateleiras superiores.
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Preciso de uma escada para ver os livros em algumas prateleiras.


Que é o que estou fazendo agora. Estou no topo de uma delas,
procurando ver que romance clássico vou ler enquanto espero a chegada
de Julia.
— Ei. – eu ouço atrás de mim. Cuidadosamente viro minha cabeça
por cima do ombro ao som de sua voz.
— Você está aqui.
— Bem, você enviou um carro para me buscar.
Eu rio disso. Foi uma declaração muito boba, já que ela está certa.
Roberto a pegou hoje para trazê-la aqui para passar um tempo comigo.
— Me dê um minuto. Já vou descer.
Pego o livro que encontrei na parede e desço cuidadosamente os
degraus até voltar ao chão firme.
— O que você tem aí? – Julia pergunta enquanto desço da escada e
cruzo o espaço até ficar na frente dela, no centro da sala.
Levanto o livro, virando-o na direção dela para que ela possa ver a
capa.
— Jane Eyre.
— Escolha interessante.
Olho dela para o livro degradado. Senhor Rochester é um pouco
parecido com Matteo quando cheguei aqui, mas quanto mais olho para
ele, mais penso em Ana, a mãe de Julia.
Um arrepio percorre minhas costas.
Sou rápida em colocar o livro na mesinha. Precisando afastá-lo de
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mim agora que fiz uma conexão.


É estúpido, realmente.
Não há semelhanças.
Exceto, que Ana era uma governanta moderna.
— O que você quer fazer hoje? – pergunto a ela.
— Podemos escolher?
— Claro, podemos escolher.
— Ah, e aqui pensei que estávamos trancadas em um castelo. Que
livro seria esse? – ela repreende, claramente tirando sarro do meu amor
pela literatura e da situação em que me encontro.
Há uma aspereza em sua voz, um que eu nunca ouvi antes.
Eu me pergunto o que é isso. Recentemente, notei um lado diferente
dela. Já que ela está aqui, obviamente não é sobre mim. Eu me pergunto
o que está acontecendo na vida dela.
— Bem, claro que não, só precisaríamos levar um dos motoristas.
— Para onde iríamos?
— Bem, há um ótimo restaurante que Matteo e eu temos
frequentado perto da água. Costumava ser como um bar clandestino, eu
acho. Talvez possamos ir para lá. Ou podemos sentar aqui e conversar.
Francesca pode nos trazer o almoço.
— Vamos ficar aqui.
— Ah, tudo bem.
Sento-me e faço um gesto para que ela se junte a mim. — O que há
de novo? Sinto que algo está acontecendo com você.
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— Não exatamente. Ainda estou procurando emprego. – diz ela. O


irmão dela trabalha para meu pai, e ela também pode, mas sabe o que
sinto por ele. A ideia disso me deixa mal.
— Acho que vou trabalhar no gabinete do governador.
Tento controlar minhas feições e não demonstrar o quanto odeio que
a vida dela seja ditada por meu pai.
— Você acha isso inteligente?
— Bem, não há ninguém contratando, e já dependemos muito dele.
– Sua voz está hesitante e aí está.
O assunto não falado que nenhum de nós aborda.
O acidente que mudou todas as nossas vidas há doze anos.
O acidente que tirou Ana de mim e a mãe dela.
— Você não precisa trabalhar para ele.
Ela balança a cabeça. — Com a experiência e os empregos em
nossos currículos valem a pena para nós.
Suas palavras são claras. Ela e seu irmão gêmeo não têm as mesmas
perspectivas que eu tive na vida.
Ela não percebe que sua imaginação é melhor que a verdade.
Nunca tive isso. Com a chantagem do meu pai nunca me permitindo
a liberdade.
Um acordo feito com o diabo.
Ela acha que a grama é mais verde. Ela acha que todas as portas
estão abertas para mim. Ela não percebe que para ela ter as portas
abertas, a minha deve estar fechada.
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Não tenho certeza de qual foi a abordagem do meu pai. Por que ele
contratou os dois filhos de Ana. É quase como se fosse outra coisa me
atormentando. Outra maneira de me controlar.
Teria funcionado também. Especialmente se eu nunca tivesse
conhecido Matteo.
Mas quando lhe contar tudo, quando lhe disser tudo, cada detalhe
sórdido, ele me ajudará a traçar um plano.
Eu sei que ele vai.
Não há outra saída para eles ou para mim, a menos que ele faça isso.
— Por favor, não faça nada precipitado. Sei que parece o emprego
dos sonhos, mas trabalhar para meu pai nunca é uma boa ideia.
— Alguns de nós não podem se dar ao luxo de mais nada.
— Eu... eu...
— Se as contas forem pagas...
— Não se preocupe com isso. As contas serão pagas.
— E como você saberia? Você não está mais lá para saber.
— Julia. – Cruzo o espaço e sento no mesmo sofá que ela. Eu agarro
a mão dela. — Prometo, não vou deixar nada de ruim acontecer.
Ela me encara, mas seu olhar, embora em mim, parece vago, como
se ela não me visse. Como se ela nem estivesse lá.
Demora um segundo, mas, eventualmente, ela balança a cabeça e
consegue se recuperar.
Ela se levanta do sofá e aponta para a porta.
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— Vamos pegar algo para comer. Estou faminta.


Mesmo que eu esteja quase sem fome, acolho com satisfação a ideia
de sair desta sala e dessa conversa.
De pé, passo por ela, abro a porta fechada e faço um gesto para que
ela saia.
Assim que ambas saímos da sala, fechei a porta.
Envolvendo o Sr. Rochester, Jane e os fantasmas na sala.

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Caímos numa rotina.
Uma bastante agradável nisso.
Trabalho durante o dia e à noite me dedico à minha esposa.
Duas vezes por semana vamos ao restaurante do Marco.
Gosto de ir para ter certeza de que tudo está em ordem para o envio.
Quando chegamos, eles desfazem as malas e, quando saímos, está
pronto.
Essa noite.
— Você realmente ama o restaurante do Marco. – ela diz enquanto
abotoa a blusa e depois se senta em frente à penteadeira para se maquiar.
Eu aceno com a cabeça, mas pelo seu reflexo no espelho, posso ver
um vinco em sua testa.
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— Que olhar é esse?


— Que olhar?
Ela coloca o pincel de maquiagem na mesa e vira na cadeira para
me encarar.
— Acredite ou não, Matteo, sei que estamos casados há pouco
tempo, mas conheço você e posso dizer quando está escondendo algo de
mim. O que é?
— Ah... você quer fazer isso? Você quer trocar segredos?
— O que isso significa?
— Você sabe exatamente do que estou falando.
— Eu realmente não quero. – ela murmura.
— Sim, você quer, mas muito bem, começarei primeiro. Eu lhe
contei sobre minha reunião com o governador.
— Nova York.
— Sim.
— Ele queria que eu guardasse minha remessa em outro lugar.
— E...?
— A sala da Lei Seca. – É como se uma lâmpada se acendesse em
sua linda cabecinha. — É por isso que fomos. – Meus lábios se curvam.
— Não é perfeito?
— Eu nunca teria adivinhado.
— É isso que o torna perfeito. – eu sorrio amplamente.
— E sempre saímos pelo portão dos fundos.
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A compreensão se torna presente agora.


— Sua vez.
Seus olhos se arregalam. — Preciso mesmo? – eu arqueio minha
sobrancelha. — Minha história não é tão divertida quanto a sua. Se eu te
contar antes do jantar...
Ela não quer estragar a noite.
— Você promete me contar todos os seus segredos depois?
— Assim que chegarmos em casa.
— OK. Você está fora de perigo. – eu me inclino e beijo sua boca.
— Por agora.
Ela abaixa a cabeça, vira-se na cadeira e volta a se maquiar.
Estou no espelho ao lado da pia quando o celular dela toca.
Olho para ela em questão. Ela se vira para mim.
— Julia. – ela murmura.
— Olá. – Eu a ouço dizer enquanto me preparo.
— Sim. Estamos apenas nos preparando.
Há silêncio.
— Sim. Jantar de novo.
Silêncio. Julia deve estar falando.
— Sim. Duas vezes por semana, como um casal de idosos. Sempre
o mesmo. – ela ri. — Matteo é uma criatura de hábitos, eu acho.
— Hum. Ok, falo com você mais tarde.
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Volto até ela. — Tudo bem?


— Sim, ela teve que ir. Ela está agindo de forma estranha. Eu me
pergunto se ela está com raiva de mim de novo. – ela se move para
morder o lábio, mas balanço a cabeça para ela, me aproximando,
diminuindo o espaço. — Criatura de hábitos?
— Bem, você é.
Abro suas pernas com um chute e caio no chão na frente dela.
— Isso parece uma criatura de hábitos?
Minha língua sai e desliza em sua pele.
— Sim.
Deslizo minha língua e a lambo mais rápido. — Que tal agora? –
murmuro contra sua carne.
— Sim. – Enfiei um dedo dentro dela, depois dois. Eu me afasto,
olhando para ela enquanto a fodo com a mão.
— Ainda é entediante?
— Sim.
— É isso, você pediu. – eu fico de pé, puxando-a comigo, e então a
movo até que ela esteja na frente da minha pia e a empurro para encostar
na bancada.
— Coloque as mãos para baixo. – ordeno enquanto coloco minha
mão em suas costas, empurrando-a para baixo para um ângulo melhor.
Seu corpo agora se curva ligeiramente, e coloco minhas mãos em volta
de sua cintura para apoiá-la.
Retiro minha mão direita e a coloco entre suas coxas.
— Você quer que eu te foda nesta pia? – eu então enfio meu dedo
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dentro dela. Suas paredes internas se apertam ao meu redor.


— Mmm, é isso que você quer, esposa? – Continuo a mover meu
dedo para dentro e para fora, curvando-os para atingir o ponto ideal
dentro. Ela começa a tremer e é quando finalmente retiro minha mão.
Sem perder mais um minuto, me coloco na entrada dela e começo a
provocá-la, enfiando apenas a ponta dentro. Ela geme em protesto, então
respondo a penetrando, entrando profundamente em seu núcleo. Suas
paredes se contraem instantaneamente. Ela já está perto de gozar.
Lentamente, muito lentamente, eu me afasto... então penetro novamente.
Posso senti-la, e a sensação é excelente. A maneira como seu corpo
se aperta ao meu redor me faz correr para gozar também.
Assim que o faz, ela fica sem forças contra o meu peito. Depois de
entrar dentro dela, beijo seu pescoço, gozando em meu próprio orgasmo,
e finalmente saio do calor de seu corpo.
— Ainda sou uma criatura de hábitos?
— Discutível.
— Por isso, vou puni-la mais tarde.
— Promessas, promessas.
Eu me arrumo e fecho o zíper da calça.
— Estarei lá embaixo. – digo, enquanto saio pela porta e desço o
corredor.
Quando estou no hall de entrada, vejo Roberto vindo em minha
direção.
— Tudo programado.
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— Sim. Estamos prontos para ir.


— Eles estarão lá para a entrega esta noite, conforme planejado.
— Ótimo. Quando você vai?
— Qualquer minuto. – Ouço o som dos sapatos dela. — Falando no
diabo.
— Estou pronta. – diz Viviana.
— Vejo que você está linda como sempre.
— Pela frente ou pelos fundos? – As palavras de Roberto me
impedem de olhar abertamente para minha esposa.
— Qualquer um está bem. – digo a ele. — A rota é segura. Vamos a
um restaurante. Eles já desapareceram, certo?
Os olhos de Roberto se arregalam, mas então ele balança a cabeça.
Não contei a ele que contei a Viviana, mas agora acho que ele sabe.
Ando alguns degraus até a escada e pego a mão de Viviana, e então a
levanto até a boca, encostando meus lábios em sua pele macia.
— Vamos.
Roberto abre a porta da frente e nos leva até o carro em que
costumamos viajar. Depois, com minha esposa ao meu lado, saímos para
jantar.
Enquanto dirigimos, olho para minha esposa, me perguntando como
chegamos aqui. Como em tão pouco tempo aprendi a cuidar dela.
Espalhei beijos em sua testa e sussurro todas as coisas obscenas que
pretendo fazer quando voltarmos para casa. Ela ri e sorri, me fazendo
desejar que não tivéssemos que ir a lugar nenhum esta noite, mas nós
vamos, e quando formos para casa, devemos conversar. Meus planos de
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seduzir minha esposa novamente talvez tenham que esperar.


O jantar, como sempre, é agradável. Rimos e contamos histórias de
coisas engraçadas que nos aconteceram no passado. Percebo que a
maioria de suas histórias são de quando ela era menina. Quando
pergunto sobre sua adolescência, o humor de Viviana muda e ela fica
mais sombria. Mudo o assunto de volta para conversa fiada até a hora de
voltar para casa.
No caminho para casa, percebo que quanto mais nos aproximamos,
pior fica o humor dela.
Eu sei que é porque ela tem que me contar tudo sobre seu passado.
Esta noite, ela vai desvendar o mistério que venho tentando desvendar
desde a primeira vez que a vi.
Um segredo bem guardado que ainda estou chocado por não ter
descoberto.
Paramos na entrada. Depois que o carro é estacionado, saio e, como
sempre, abro mais a porta e pego a mão dela para ajudá-la a sair. Ela está
mordendo o lábio.
Estou prestes a falar quando a porta se abre e um Lorenzo frenético
sai furioso. Assim que o vejo, minha mão solta a dela.
Roberto também se posiciona.
— Fomos atacados. O restaurante do Marco foi atacado.
As palavras cruzam o ar, com meu cérebro girando, enquanto a
única conclusão cai sobre mim. Atinge o Roberto ao mesmo tempo
porque ele está sacando a arma e apontando na cabeça da minha esposa.
Eu me movo, de frente para ela.
Ela me traiu.
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— Foi tudo um estratagema. – digo. — Toda essa triste história é


um grande estratagema. – eu ando, empurrando-a contra o carro.
Bloqueando-a com uma arma apontada para sua cabeça...
— E... eu não fiz isso.
— Porra, que não. Você é a única que sabia. Ninguém mais sabe.
Confiei em você, porra.
— Matteo! Por favor. Eu não faria isso. Eu não. Eu te amo!
Eu rio na cara dela. — Ama. Você me ama?
Com um amor assim, quem precisa de inimigos?
Lágrimas escorrem de seus olhos. Eu vou dizer isso dela. Ela é uma
ótima atriz. Ela age quase tão bem quanto fode.
— Eu não fiz isso.
— Você quer que eu acredite que no mesmo dia em que eu conto o
que estamos armazenando, você não avisou seu pai?
— E... eu não avisei. Por favor. Por favor, você tem que acreditar
em mim.
Eu giro o cano. Uma pequena roleta russa.
— Matteo... – Luka interrompe.
— Cale a maldita boca! – grito. — Agora voltando para você,
Princesa. Uma bala na sua cabeça aqui, ou eu deixo você cair no degrau
do seu pai como o lixo que você é?
Eu giro o tambor.
Pressionando o cano contra seu crânio.
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— Alguma coisa a dizer, esposa?


— Você tem que acreditar em mim. Saímos pela frente. Eles
poderiam ter nos seguido...
— Se fosse esse o caso, eles teriam tentado me matar. Mas não é
conveniente que eles só tenham feito isso quando você estava segura? –
Observo enquanto as lágrimas caem de seus olhos. Não sinto nada por
ela. Apenas traição. — Nada mais a dizer? Muito bem. – Ela soluça
desconfortavelmente. A maquiagem dos olhos está escorrendo pelo rosto
em riachos escuros.
O mesmo tipo de lágrimas que no passado me machucaria ver, mas
a pequena parte de mim que estava começando a sentir se transformou
em pedra.
A traição é demais.
Eu puxo o gatilho.

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O tempo para enquanto ouço o cano girar e então o gatilho é
puxado.
Nada.
Apenas um clique.
Eu estou viva.
Mesmo que apenas por pouco. Meus soluços vêm mais rápido
agora. Com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
O que acontece agora? Ele puxará o gatilho novamente? Não é esse
o jogo?
Meu corpo treme.
Quando ele puxou o gatilho, eu tinha certeza de que morreria. Em
vez disso, meu corpo caiu no chão porque minhas pernas não conseguem
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mais me sustentar.
— Por favor...
— Pare de falar. – ele murmura entre os dentes. Ele dá um passo
para o lado, me deixando deitada no cascalho.
— Coloque-a no carro. – ele ordena a seus homens.
— Não. Você tem que acreditar em mim.
Ele se aproxima. A ponta do seu sapato preto brilhante está
perigosamente perto do meu rosto. — Tem vontade de morrer? – ele diz.
Então ele está recuando. Nunca vi ódio antes como ele me odeia.
— Por favor. – sussurro em meio aos soluços, mas é tarde demais.
Ele não está mais olhando para mim. Ele está voltando para casa. Mãos
ásperas agarram meus braços e, antes que eu possa contestar, sou
levantada.
Então as portas se abrem e sou jogada no banco de trás do carro. Eu
me movo para sair, mas sou impedida.
— Fique feliz por não estar no porta-malas. Na verdade, fique feliz
por não estar morta. – Eu não falo, mas aceno. Eu deveria estar morta.
Para todos os efeitos, foi isso que Matteo disse que faria comigo.
Ele acha que sou uma traidora. Eu não sou. Fomos tolos em não
tomar precauções. É óbvio que eles nos seguiram.
— Devíamos simplesmente matá-la. – diz um de seus homens a
Roberto.
— O chefe disse para levá-la de volta. – Levá-la de volta? Voltar
para onde? Parece que um atiçador em brasa está sendo enfiado em meu
peito, onde deveria estar meu coração. No entanto, meu coração já
estava partido antes de saber que estava sendo deixada na casa do meu
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pai. Então, em vez disso, a sensação de facada se intensifica à medida


que nos aproximamos.
O trajeto parece durar uma eternidade. A cada curva, a cada
quilômetro, imploro que me escutem. Choro para que parem e me
ouçam, o que sei que fazem, mas não fazem nenhum gesto para me
demonstrar. Em vez disso, o carro percorre a distância da mesma forma
que um animal se alimenta de um corpo em decomposição.
Quando o carro para em frente à casa do meu pai, a porta é aberta e
sou empurrada para fora da garagem.
Cai no chão com um baque. Uma lágrima solitária escorre pelo meu
rosto, como a primeira gota de chuva a cair antes de uma tempestade
iminente.
Não há dúvida de que o céu se abrirá. É apenas uma questão de
quando.
Tento segurá-las. Com a cabeça erguida, caminho em direção à
casa.
Eu iria para qualquer outro lugar se pudesse, mas este é o único
lugar para mim agora. Se eu quiser manter meus entes queridos seguros,
não tenho outra escolha senão ficar aqui e seguir as regras do meu pai
novamente. Terei que suportar morar aqui novamente.
É por isso que Matteo escolheu isso como meu castigo.
Matteo sabe que este é o lugar mais doloroso para mim.
Meu próprio inferno pessoal.
Ele me quer morta.
Este é o equivalente.
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Meu pai não descansará até que eu sofra pela minha insolência.
Boa jogada, marido.
Esfrego a pele molhada e não quero mais desmoronar. Já é ruim o
suficiente eu estar aqui. Não vou deixar essas pessoas me verem
desmoronar.
Abaixo da minha calça, tenho certeza de que minhas pernas estão
arranhadas por cair no chão.
A cada passo que dou, minhas pernas protestam, mas coloco um
sorriso grande e falso.
Não lhes mostre dor.
Meu sorriso é contundente o suficiente para cortar vidro.
O carro derrapa, levantando cascalho. O ar estava denso com o
cheiro de borracha queimada.
Fico ereta e orgulhosa. Endireitando os ombros, caminho com
determinação até a porta gigante de mogno.
A porta se abre e meu pai está parado na soleira. Ele parece
satisfeito consigo mesmo.
— Isso não demorou muito. Vejo que ele já está entediado com
você. – Eu me recuso a deixá-lo me ver sofrer, então dou um sorriso
falso.
— Tivemos uma briga e, como desisti do meu apartamento, decidi
vir para cá. Não há nada para se gabar. Tenho certeza de que tudo
voltará ao normal amanhã.
Eu minto. Não há como desmoronar na frente dele.
— Eu duvido disso. Mas acredite no que quiser. Eu teria preferido
que você o mantivesse sob controle um pouco mais, mas tenho certeza
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de que podemos encontrar outra maneira, mais útil, de usá-la. Talvez


Salvatore pegue os restos de seu primo.
— Por que você me odeia tanto?
Ele me olha nos olhos. — Eu não te odeio. Você simplesmente não
tem propósito e, sem propósito, você pode muito bem estar morta.
— Eu sou sua filha.
— É por isso que preciso de você viva, mas prefiro morrer se seu
pequeno ato rebelde me fizer perder minhas chances de algo maior.
Você será útil para mim. – Suas palavras me deixam com uma sensação
de frio e vazio. Passo por ele e entro no hall de entrada.
Não tenho certeza de onde minha mãe está, mas presumo que ela
esteja em algum lugar com uma taça de martini na mão. Subo as escadas
e entro no antigo quarto onde vivia antes de me mudar para a cidade
para fazer faculdade.
Quando estou na segurança do meu quarto, eu me despedaço. Minha
alma está sangrando do meu corpo em torrentes quentes de lágrimas.
Esta é uma dor que nunca senti antes. O que eu disse ao Matteo é
verdade. Eu me apaixonei por ele.
Em algum lugar ao longo do caminho, me apaixonei pelo vilão. E
como todas as coisas más, ele me desmontou pedaço por pedaço e
depois esmagou o que sobrou.
Ele me arruinou.
Nunca serei a mesma.
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— Você a deixou viver. – Lorenzo deixa escapar, tão chocado
quanto eu, entrando em meu escritório.
— Eu não a deixei fazer nada. Um jogo de roleta russa permitiu-lhe
respirar ar por mais um dia.
— E quem sabe realmente por quanto tempo? Tenho certeza de que
o pai dela ainda está furioso com ela por ter ido contra o plano original.
Tenho certeza de que até o final da semana ela será vendida para
Salvatore. Talvez até a prêmio.
Apesar da minha raiva pela traição dela, suas palavras fazem meu
punho cerrar. Não tinha pensado nisso. Posso querer matar a minha
mulher, mas essa vida, uma vida de escravatura, não é o que quero para
ela.
Nós dois ficamos em silêncio por um minuto, e então Lorenzo se
senta à minha frente.
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— Por que a deixou ir? – Sua voz diminui. Ele está me fazendo uma
pergunta que não quero responder.
Ele está me perguntando se eu me apaixonei por minha esposa.
Em vez de responder, estendo a mão sobre a mesa e pego a garrafa
de vidro que está ali. Ao lado estão copos vazios.
— Quer beber comigo? – Quando ele balança a cabeça, sirvo uma
bebida para nós dois. Deslizo a dele para ele, levanto a minha e tomo um
gole.
— Não estou apaixonado por Viviana. – respondo, mas não posso
negar que há uma sensação estranha dentro de mim. Parece que estou
vazio. É um sentimento que nunca senti antes, nem mesmo quando meus
pais morreram. Mas não digo isso a ele. Em vez disso, bebo outro gole.
Desta vez, quando a coloco sobre a mesa, com o líquido caindo no vidro.
— Matá-la teria sido muito fácil e não teria ajudado a nossa causa. –
digo finalmente.
— Então, você tem um motivo para mantê-la viva? – ele pergunta.
— O celular dela ainda está grampeado. A bolsa dela ainda está
grampeada.
— Você planeja usá-la.
— Parece justo.
— E então, se ela não for útil. E se o pai dela não cair na armadilha?
— Bem, então talvez tenhamos sorte e ela acabe nas mãos de
Salvatore, afinal.
— E você ficará bem sabendo o que ele provavelmente fará com
ela?
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— Sim. – digo, mas a palavra parece amarga na minha língua. Giz.


Como se a poeira estivesse assentando sobre ela e eu quisesse tossir.
— Chefe, você nunca mentiu para mim antes. Você não precisa
fazer isso agora.
Não sei o que dizer. Foi isso que ela fez comigo? Eu sinto algo por
ela? Eu me importo? É por isso que minhas palavras são vazias? É por
isso que a ideia de meu primo tê-la parece como se eu estivesse
mastigando cacos de vidro?
— Eu não a amo. – digo novamente, mas desta vez parece mentira
até para mim. Ele balança a cabeça e pega sua própria bebida, sentando-
se em silêncio. Quando nossos dois copos terminam, coloco o meu sobre
a mesa e me afasto para ficar de pé.
— Certifique-se de que um homem esteja ouvindo tudo o que está
acontecendo naquela casa. Não quero que nada passe sem que eu saiba.
Você entende?
— Entendo.
Cruzo a sala, saindo e deixando Lorenzo sozinho. Subo as escadas,
desço o corredor e, quando abro a porta, percebo que ela realmente se
foi. Eu sei que ela me traiu. Eu estava preparado para isso, mas como
estava errado. Eu não estava preparado. Eu não estou preparado. Não
pela maneira como o quarto parece vazio.
Ou como está quieto. Não pelo cheiro persistente de seu perfume no
ar. Ou a maneira como as roupas dela ainda estão penduradas no meu
closet. Não importa porque terei que aceitar isso. Assim como terei que
aceitar o futuro. Há uma boa chance de ela acabar morta, ou pior, mas
ela me traiu. Somente no silêncio do meu quarto posso admitir que sim,
minha esposa me irritou. Isso não importa, no entanto. Seu destino está
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selado.
No dia seguinte, encontro-me na minha sala de vigilância, curioso
para ver o que a noite reservou para minha querida esposa.
— Algum telefonema? Alguma coisa importante?
— Não. Nada.
— E a escuta na bolsa, qual era o áudio? – Meus homens olham
para mim, mas não falam.
— Diga-me.
— Ela estava chorando. Ela se manteve firme enquanto seu pai a
repreendia, mas quando ficou em silêncio, ela chorou. Provavelmente
depois que ele a deixou sozinha.
Ouvir que ela chorou deveria me fazer sentir melhor, mas não faz.
Não sabemos por que ela chorou. Talvez porque o pai dela mais
uma vez a tenha sob seu controle, o que é a verdade. Sempre soubemos
que ele tinha. Nós simplesmente não sabíamos a coisa interessante que
ela iria me contar na noite em que decidiu me trair. Volto-me para
Lorenzo.
— Você precisa descobrir agora qual é o segredo dela.
— Você não acha que nossos recursos serão melhor atendidos se
encontrarmos seu primo?
Ele está certo, está, mas preciso saber de qualquer maneira. Uma
pequena parte de mim pensa que foi por isso que ela decidiu me trair. O
que quer que seu pai esteja escondendo sobre ela é a chave.
— Faça as duas coisas. – digo, e então me viro e saio furioso da
sala.
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Deixando meus homens trabalhando freneticamente atrás de mim.


Meus olhos estão inchados quando eu acordo. Vermelhos e
manchados, com os sinais óbvios de uma noite que passei chorando até
dormir. Faz muito tempo que não acontecia. Só aproximadamente às
quatro da manhã, e quando finalmente adormeci, isso foi agitado.
Pesadelos me atormentavam.
Repetidamente, vi Matteo parado acima de mim.
Repetidamente, ele puxou o gatilho.
Cada vez que acordava, saltava da cama com lágrimas escorrendo
pelo rosto. Preciso falar com ele. Preciso dizer a ele que não o traí.
Mas as chances de isso acontecer são poucas e raras. Uma coisa que
sei é que Matteo não perdoa.
Ele não vai ouvir o que tenho a dizer e, conhecendo o meu pai,
quando Matteo se acalmar o suficiente para falar comigo, já terei ido
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embora.
Tenho certeza de que está planejando a anulação do meu casamento
agora. Tenho certeza de que os advogados dele já estão aqui redigindo
os papéis. Tenho certeza de que Salvatore está esperando por mim.
Salvatore, um homem que até Matteo diz que eu deveria temer.
Como meu pai pode se vender para esse homem? Levanto da cama
e vou até a cômoda, onde joguei minha bolsa, pego o meu celular e
começo a procurar para ver se tenho alguma ligação perdida.
Não que eu achasse que Matteo iria me ligar, mas ainda assim
verifico, espero, sonho e então, como esperado, fico decepcionada. Não,
essa não é uma palavra forte o suficiente.
Estou arrasada.
Um suspiro trêmulo e audível escapa da minha boca enquanto vou
para o banheiro anexo ao meu quarto.
O que está olhando para mim é assustador.
Meu cabelo escuro, normalmente liso, está ondulado por causa da
umidade das lágrimas. Meus olhos, como eu suspeitava, estão vermelhos
e inchados. Meu nariz parece inchado e sei que meu lábio está seco e
coberto de sangue no local onde me mordi.
Viro-me e ligo a água do chuveiro, então, quando o vapor se espalha
ao meu redor, tiro a roupa. Ainda estou com as mesmas roupas que usei
ontem. Uma vez nua, entro sob a água escaldante. Minha pele queima,
mas a dor é bem-vinda. Tudo machuca minha pele, mas me faz bem.
Nunca deveria ter me apaixonado por ele. Eu nunca deveria ter
confiado nele com meu coração, porque agora ele o arrasou. Parte de
mim quer resolver isso, bolar um plano, mas outra parte, uma parte
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muito maior, quer se esconder na minha cama pelas próximas três


semanas.
Demoro mais alguns minutos para tirar o shampoo do cabelo,
depois coloco uma toalha em volta de mim, volto para a cama e vou
dormir.
Os dias passam.
Passo-os fazendo exatamente a mesma coisa todos os dias: durmo,
acordo, como e, ocasionalmente, tomo banho. Não tive notícias de
Matteo.
Não tenho forças para falar com Julia. Não quero que ela diga que
avisou.
Não quero que ela diga nada. Eu evito minha mãe. Eu evito meu
pai. Ando pela casa como um zumbi, mas não falo com ninguém.
Vejo o irmão de Julia olhando para mim.
Ele me dá um olhar feio. Um que diz que ele está feliz por eu estar
sem sorte.
Houve um tempo atrás em que éramos amigos, mas desde que ele
começou a trabalhar para meu pai é como se ele me odiasse.
Talvez ele nunca tenha gostado de mim.
Acho que é isso que acontece quando você mora no porão de uma
casa. Você se ressente da mulher que vive no topo. Independentemente
das coisas que fiz para ajudar a sustentá-lo, ele ainda me odeia. Sempre
pensei que, por causa da minha amizade com Julia, ele não faria isso,
mas ele se ressente ainda mais de mim por isso.
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Às vezes me pergunto se ele sabe a verdade sobre aquela noite, e


talvez seja por isso, mas então me lembro que as únicas pessoas que
sabem a verdade somos meu pai e eu.
Hoje, me aventuro aqui embaixo. Posso ouvir a voz do meu pai
berrando no ar, gritando sabe Deus para quem. Continuo andando, e
dessa vez o irmão de Julia, Jonathan, nem finge me ignorar.
— Você está péssima. – diz ele, e acho que espera que eu diga
alguma coisa, discuta, faça qualquer coisa, mas não faço isso. Estou
cansada demais para fazer isso, então passo por ele e vou para a cozinha.
Não comi nada hoje. Meu estômago ronca com a falta de comida
que consumi. Já faz tanto tempo que tenho certeza que encolheu, então
uma banana é tudo que preciso.
Quando pego e saio da cozinha, esbarro em meu pai. — Você está
fora da cama.
— Eu estou.
— Ótimo, já era hora.
— Hora para quê?
— É hora de você conhecer Salvatore.
— Porque eu faria isso? – eu estou confusa.
— Porque o plano continuará conforme planejado anteriormente.
Vou garantir o apoio de Salvatore. Você desempenhará o papel que
sempre deveria desempenhar. – Eu não estava errada. Eu apenas pensei
que tinha mais tempo. Mas acho que estava errada.
Meus ombros caem para frente.
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— Troque-se e esteja apresentável. Ele estará aqui em breve. –


Acho que essa poderia ter sido minha chance. Eu poderia ter contado a
Matteo sobre isso. Corro para o meu quarto e ligo para ele. Ele me
manda para o correio de voz.
Eu: Por favor, me responda. Ele está vindo para cá.
Matteo: Como se eu fosse cair na sua armadilha novamente. Fique
feliz por não ter colocado uma bala na sua cabeça.

Tento ligar para ele novamente, mas desta vez minha ligação não é
completada. Estou realmente sozinha. Sem a ajuda de Matteo, não tenho
escolha. Eu tenho que enfrentar isso sozinha.
Arrumo meu cabelo e tiro uma roupa velha do closet, depois pego
minha bolsa. Quem sabe se estamos indo para algum lugar. Talvez eu
mesmo tenha a oportunidade de matá-lo, mas duvido muito.
Desço as escadas e encontro meu pai em seu escritório. No canto da
sala está Salvatore Amante. Seus olhos estão focados em mim, focados
intensamente. Ele cruza a distância. Devorando o espaço, como um
carnívoro faminto numa pradaria de ovelhas.
— Deixe-nos. – ele diz ao meu pai, e fico imediatamente assustada.
Dou um passo para trás. Minhas costas batem na porta agora fechada.
Ele se aproxima. Seu grande corpo está pairando sobre mim. Olho ao
redor da sala, procurando uma maneira de escapar. Eu poderia usar a
porta atrás de mim. Mas do jeito que seus braços me bloqueiam, não
tenho certeza se conseguirei.
— Entendo por que meu primo roubou você de mim.
Ele se inclina, com seu rosto muito próximo do meu. Posso sentir
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sua respiração contra minha bochecha. Eu me movo para virar, mas sua
mão levanta e agarra meu queixo.
— Solte-me. – digo.
— Não. Eu não acho que vou. Seu sorriso sarcástico faz um arrepio
percorrer minha espinha. Ele parece assustador e, pela primeira vez,
estou com medo de verdade.
Nunca tive tanto medo de Matteo.
Seu aperto em minha mandíbula é forte, mas diminui enquanto
desliza pelo meu pescoço.
— Pelo que ouvi, meu primo gostava muito de você. Posso ver o
motivo. – diz ele enquanto continua a trilhar seu toque pela curva do
meu pescoço.
— Por favor, não me toque.
Ele lambe os lábios e o medo dentro de mim se multiplica. Meu pai
realmente deixará que ele faça isso comigo? Vai deixá-lo me machucar?
Como se estivesse lendo minha mente, ele sorri, mas me solta.
— Que pena. Prometi ao seu pai que não tocaria em você, não até
matar meu primo e me casar com você. Aparentemente, ele não acredita
na minha palavra de que irei ajudá-lo.
— Você iria?
Ele sorri novamente, com as palavras que ele não diz tão claras
quanto o dia... não.
— Por que eu? Por que sou importante para este acordo?
— Além do óbvio, o acordo com seu pai para o controle total de
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todos os portos de Nova York e Nova Jersey?


— Sim.
— Porque Matteo pegou você, porque ele se apaixonou por você, e
por causa disso. – Sua mão me toca novamente. — Eu vou me divertir
imensamente.
— Ele me deixou. Ele não se importa comigo.
— É aí que você está errada. Se não se importasse, você já estaria
mora.
Suas palavras despertam o pouco de força que tenho, e eu o empurro
para longe de mim.
— Eu disse, não me toque.
Ele então ri, uma risada sádica, com seus olhos brilhando com a
profundidade do mal que nunca vi antes.
— Vou gostar de quebrar você. E assim que eu fizer isso, entregarei
você aos meus homens.
— Meu pai...
— Você ainda estará viva. Ainda será a mulher ao meu lado. Vou
garantir que todos os seus hematomas não possam ser vistos. – eu bato
em seu rosto e ele apenas ri. — Fuja, garotinha. Gosto da perseguição.
E é exatamente isso que eu faço.
Eu corro.

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A guerra paira no ar.
Todos os meus homens e eu ficaremos no complexo da cidade. Faz
mais sentido. Salvatore não sabe de sua existência. No entanto, não tem
sido tão fácil fazer remessas.
O que não é bom para os negócios.
Eles atacaram todos os antigos armazéns que mantive. Os originais
que datam da época do meu pai. Felizmente, não encontraram aquele
que usamos atualmente.
Mas ainda precisamos fazer entregas.
Meus homens estão ansiosos. Porra, neste momento, eu também
estou.
Não houve nenhuma palavra sobre nenhuma escuta em Viviana. É
como se ela fosse um fantasma.
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Ela não tentou me ligar novamente. Não que a ligação dela seria
atendida se ela tentasse, mas ainda assim. Ela nem tenta ligar para a
amiga. Quanto a escuta em sua bolsa, ela não foi a lugar nenhum. Até o
rastreador GPS mostra que ela não saiu da mansão durante todo o tempo
que esteve lá.
O celular toca na sala de vigilância. Roberto atende a ligação. Eu o
ouço falando, mas não consigo entender muito. Então ele desliga.
— Estávamos certos.
— Sobre?
— Marino está seguindo seu plano original. – esclarece.
Eu arqueio minha sobrancelha.
— Salvatore esteve na casa há alguns dias.
Meu punho bate na mesa. — Por que só estou sabendo disso agora?
Mas você sabia. Ela disse a você. Ela avisou que ele estaria lá.
— Eddie não conseguiu nos avisar.
— E Viviana? – Minha boca seca quando digo o nome dela. — Ela
está... – eu me interrompo. O que quero dizer: ok, ferida, morta? Porra.
Eu nem sei como me sinto sobre todas as opções.
— Eddie disse que Salvatore ficou sozinho com ela. – Meu punho
se fecha. — Mas não demorou muito e ele não ouviu nada.
Isso não me faz sentir bem, de qualquer maneira. Quem sabe o que
aconteceu atrás de uma porta fechada?
— Ela estava carregando sua bolsa? – pergunto, e Tony se vira para
mim.
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— Ele não disse, mas posso verificar a escuta.


A sala ao nosso redor fica em silêncio enquanto todos esperam.
Então sua voz cruza o ar. Sua voz assustada.
Parece que estou sendo esfaqueado. Os homens ao meu redor estão
tensos. A mandíbula de Luka contraiu. Ouvi-la me faz lembrar, e não
quero lembrar.
Quanto mais ela fala, mais difícil fica de ouvir, mas são as palavras
do meu primo que me fazem apertar os punhos, e meu estômago parece
que há pedras dentro de mim.
— Desligue isso.
Não consigo ouvir mais.
Por que você se importa? Ela é uma traidora. Independentemente do
que queira sentir, do som da voz dela, do jeito que implorou, suplicou,
chorou... Balanço minha cabeça para mim mesmo. Não.
Foi ela quem me traiu. Tudo isso foi uma manobra. Mas ela tentou
lhe dizer que Salvatore estaria lá. Você poderia ter sido enganado.
Provavelmente foi uma armação. Mas Eddie não saberia se era e nos
contaria sobre isso? Especialmente agora, depois do fato, que não
caímos nessa.
Uma sensação de pressão invade meu interior. Talvez eu não tenha
visto isso direito.
Não.
Eu me recuso a acreditar nisso. O momento foi perfeito demais.
— O que você quer fazer? – Lorenzo pergunta.
Ele quer saber se eu quero aceitar minha esposa de volta.
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— O que você acha? – pergunto. Seus olhos se arregalam. Não é


sempre que peço a opinião de alguém, especialmente sobre algo assim.
— Podemos recuperá-la. Ou podemos deixá-la. Ela traiu você.
Quem sabe o que mais ela dirá? Ela pode contar a eles sobre esse lugar...
Nunca pensei sobre isso. Porra, meus homens estão seguros? Talvez
ela não se lembre.
— Acho que precisamos descobrir uma maneira de recuperá-la. É a
única maneira de garantir que este lugar permaneça seguro. Assim que a
recuperarmos, você terá que matá-la. – Eu aceno com a cabeça. Ele não
está errado. Ela é um risco. Ela conhece todos os locais. Ela esteve aqui,
então poderá contar a eles. Não sei por que ela ainda não fez isso, mas
ainda não confio nela.
— Como podemos tirá-la de lá?
— Usamos o Eddie. É a única maneira.
— Ligue para ele e organize isso. Peça-lhe que a leve para um ponto
perto da propriedade.
Eddie ainda não sabe sobre este local.
Não é algo que eu possa colocar no papel, então a propriedade
parece uma ideia melhor.
— OK. Tratarei disso. – A maioria dos meus homens sai da sala,
mas Lorenzo fica.
— E aí? Você tem algo que quer dizer? Eu o encaro.
— Quando chegar a hora, chefe, eu posso fazer isso. – Agora olho
para ele como se não tivesse ideia do que ele está dizendo. — Posso
matar Viviana para você, Matteo. – Sua voz diminui enquanto esclarece
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o que quer dizer.


Ele acha que eu me apaixonei por ela. Ele não está errado, mas o
que está errado é que pensa que sou fraco demais para matar a mulher
que amo.
Sim. Eu a amo. Eu descobri isso depois que puxei o gatilho naquela
noite e não a matei.
Quando o cano clicou, a sensação não foi de decepção. Não, em vez
disso, foi uma sensação de alívio. Foi quando eu soube.
O fato ainda permanece, ela foi contra a família. Amando ou não,
desta vez puxarei o gatilho.
Eu não sou fraco.

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Felizmente, não tive desentendimentos recentes com Salvatore.
Ele não esteve aqui. A presença dele, apenas uma lembrança agora,
como uma miragem que desaparece e você gostaria de nunca ter visto.
Isso o lembra de quanto perto você esteve de escapar de um destino pior
que a morte, mas assim que você foi salvo, nada disso era real.
Eu estava perto de provar a liberdade.
Se eu tivesse feito algo a respeito antes. Confiei em Matteo antes.
Mas, infelizmente, não fiz e agora estou presa aqui, ganhando tempo.
A porta do meu quarto se abre e dou um pulo para trás, esperando
ver Salvatore. Não é ele, e fico surpresa ao ver esse homem parado no
meu quarto. Ele nunca esteve perto de mim. Ele nunca falou comigo.
— O que você quer? – murmuro.
— Vou tirar você daqui. – ele estreita os olhos.
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— Eu não entendo.
Seus olhos são escuros e ilegíveis. Por que ele está me ajudando?
— Falei com Matteo. Ele quer que eu tire você daqui. Meu coração
começa a bater no meu peito. Ele finalmente acredita em mim.
— OK.
— Precisa de alguma coisa? – ele pergunta.
Olho ao redor do quarto, procurando por qualquer coisa que eu
queira levar. Pego minha bolsa e jogo meu celular nela.
— Algo mais?
— Não. – eu balanço minha cabeça.
— OK, vamos lá. Temos que sair pelos fundos, para que ninguém
nos veja.
— Por que está me ajudando? – pergunto novamente, sem entender.
— Estou trabalhando para Matteo. – ele esclarece. Estreito os olhos,
mas ter um espião dentro de casa é algo que Matteo faria. Juntos,
pegamos a escada dos fundos e descemos por um corredor longo e
estreito.
Eventualmente, leva à cozinha. Está completamente vazia e me
pergunto se foi planejado ou apenas um golpe de sorte. Ele abre a porta
dos fundos e para logo em frente a um SUV preto.
— Você precisará se abaixar enquanto passamos pela segurança.
Aceno com a cabeça, vou para o banco de trás e rastejo pelo chão
até ficar quase enfiada o mais próximo possível sob o assento da frente.
Ainda bem que sou baixa, ou esse plano nunca teria funcionado.
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Posso ouvi-lo falando ao celular, mas com os ouvidos encostados no


carpete, não tenho certeza de quem é.
O carro desvia e faz uma curva rápida para a direita, e tenho certeza
de que ele está recebendo instruções de Matteo e tentando confirmar se
ninguém está nos seguindo ao mesmo tempo.
Dirigimos em silêncio, exceto pelos telefonemas ocasionais que ele
recebe. Ele nunca fala comigo. Ele nunca diz nada. Minha mente está a
mil por hora, imaginando o que acontecerá quando eu estiver com
Matteo novamente. Isso significa que ele acredita em mim? Isso
significa que me perdoa ou significa algo completamente diferente? De
qualquer forma, estou feliz que ele me tirou de lá, porque eu tinha
certeza de que meu pai iria tentar me usar como isca, eventualmente.
Acho que ele esperava usar, pelo menos.
Pelo menos foi isso que Salvatore deu a entender. Talvez assim
possamos bolar um plano juntos. Todas as cartas na mesa. Já é hora de
não haver segredos, o que significa que precisarei contar tudo a Matteo.
Terei que contar para Julia e Jonathan também. Mas primeiro
precisamos chegar até Matteo, depois posso me preocupar com o resto.
O carro começa a desacelerar e estou impaciente para me levantar
de onde estou agachada.
Certamente, ninguém está nos seguindo agora.
Não depois da maneira como estávamos dirigindo. Fico de joelhos e
levanto até estar no banco de trás do carro. Eu não vejo nada. Está vazio.
É como se fosse um estacionamento abandonado.
Alguém está vindo?
É Matteo?
Página 387

Então vejo o carro parar, enquanto nosso carro desacelera quase até
parar.
É ele.
Assim paro de se mover. Abro a porta do carro antes mesmo que ele
pise no freio. Quando estou do lado de fora, bem na frente do capô do
outro carro, ouço duas portas se abrindo.
Uma vem atrás de mim. A outra veio na frente do meu carro.
Matteo sai. Ele está perto, mas não o bastante. Seus olhos
encontram os meus, mas sinto como se tivesse levado um soco. O olhar
que ele me dá é o mesmo da última vez que o vi.
Ainda ódio.
Ainda dói.
Ainda com seu desejo de me ver morta.
E então eu sei a verdade.
Ele não está aqui para me salvar. Ele está aqui para me matar.
Eu me viro rapidamente, olhando para os olhos escuros que estão
estreitados. Implorando para que ele me salve. Para me levar de volta.
— Obrigado, Eddie, por me ajudar a recuperá-la. – Matteo ri atrás
de mim.
Sombrio e ameaçador. Eu deveria estar com medo. Eu deveria me
virar e implorar pela minha vida, mas não posso. Então algo mais me
atinge e fico paralisada no lugar ao ouvir o nome que ele disse.
Eddie...
Olho para os olhos escuros, escuros como antes, ainda ameaçadores.
Página 388

Pela primeira vez, os olhos sorriem para mim.


O medo, um medo antinatural, corre pelo meu sangue. Meu
estômago parece que está caindo no chão. Agora eu sei o que é isso. Esta
não uma armadilha para mim.
É para o Matteo.
Este homem não se chama Eddie...
Este homem é Jonathan.
Meu pai é o infiltrado.
O irmão de Julia...
E ele é o traidor.
— Não! – grito, entrando em ação, virando-me para encarar Matteo.
— É uma armadilha! – Tudo acontece tão rápido, e antes que eu possa
me conter ou pensar melhor, estou correndo, mais como se estivesse
pulando, na frente de Matteo.
É aí que o mundo para e, como num filme em que o diretor muda
para câmera lenta, tudo para...
Tudo se move lentamente.
Jonathan chega atrás dele.
Meu coração bate no peito enquanto ele saca sua arma.
Thump.
Ele aponta.
Thump.
Seu dedo recua.
Página 389

É quando o tempo chega.


Há um som.
Um tiro ecoa no ar. Uma pontada aguda de dor. E então...
Silêncio.

Página 390
Tudo acontece rápido. Primeiro, vejo minha esposa correndo em
minha direção.
Algo muda nela. A mudança foi impressionante.
Um olhar de compreensão surgiu em suas feições e então ela pulou
na minha frente.
O som do gatilho, de uma arma disparando e de uma bala cruzando
pelo ar ecoa em meus ouvidos.
Eu me preparo para o impacto.
Mas isso nunca acontece.
É quando eu a sinto. Não posso fazer nada além de observar. Ela
está ali, bem na minha frente, e então ela não está.
À distância, posso ver meus homens correndo em direção a Eddie.
Sua arma ainda está em sua mão, apontada para mim.
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Lorenzo dispara e ele cai.


Não tenho certeza se ele está vivo. Não posso me incomodar com
nada disso quando vejo Viviana cair no chão.
Ajoelhando-me, me movo ao lado dela. Virando-a cuidadosamente
de costas.
Meu mundo para quando vejo sua pele geralmente corada, agora
branca, pálida e sem vida.
Seus olhos estão fechados. Examino seu corpo e é aí que o vejo. O
vermelho se espalhando por sua barriga.
Ele encharca sua camiseta, acumulando-se no tecido branco. Seu
sangue cobre minhas mãos enquanto tento parar o fluxo. Ele escorre
pelos meus dedos. Eu pressiono, mas não importa o quanto eu faça, o
fluído se recusa a parar.
Seus olhos se recusam a abrir.
A poça abaixo dela continua a se espalhar. Meu coração bate forte
enquanto observo a poça escarlate que se forma abaixo dela.
Ela não está se movendo.
Por que ela não está se movendo, caramba?
Ao fundo, ouço gritos, punhos atingindo à carne, mas não consigo
ver isso agora.
Não quando ela pulou na frente de uma bala.
Ela me salvou.
O som de passos pode ser ouvido e então Lorenzo está ao meu lado.
— Ela está morta? – ele pergunta.
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— E... eu não sei. – respondo, com a minha voz baixa, meu tom
embargado.
Tudo dentro de mim se quebra quando vejo a mulher que amo no
chão.
Lorenzo se move sobre ela, inclinando-se.
Não consigo encontrar forças para verificar.
Normalmente forte, ela roubou minha força.
Quando ela se moveu na minha frente, tudo mudou.
— Ela está viva.
Como um botão pressionado em meu coração, suas palavras me
trazem de volta à vida.
— Precisamos sair daqui. Precisamos da ajuda dela.
— Vou ligar para o médico.
Ele não precisa esclarecer. Temos instalações de última geração no
complexo. Ela estará mais segura e confortável no hospital que tenho.
Meu médico e a equipe que ele trará com ele garantirão que ela esteja
bem.
— Precisamos movê-la. – diz ele. — Com cuidado. – Juntos,
Lorenzo e eu pegamos Viviana e a colocamos na traseira do SUV. Entro
com ela, segurando sua cabeça. Ela está inconsciente. Pressiono meu
dedo em seu pescoço, certificando-me de que ela está viva.
Por enquanto, ela está. Mas a cada segundo que passa, o batimento
cardíaco dela fica cada vez mais suave. O bom é que o complexo fica a
menos de dois quilômetros de distância. É uma das razões pelas quais
escolhemos este local. Parece que uma eternidade passa enquanto
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percorremos a distância.
Cada segundo passa cada vez mais.
Não consigo parar de vê-la pulando. Não consigo parar de ouvi-la
gritar. Esse tempo todo pensei que fosse ela, quando, na verdade, era eu.
Meu homem era o traidor. A confiança que depositei no meu homem é a
razão pela qual Viviana está deitada em meus braços, sangrando.
Deveria ser eu.
Eu deveria ser o único a atirar.
Nunca vou me perdoar se ela morrer. Sei disso com toda minha
vida.
E depois disso, vou queimar tudo para deter meu primo, para deter
Marino.
Para buscar vingança.
Não apenas pelo que fizeram comigo, mas por causa dela.
Eu deveria ter confiado nela, mas não confiei.
Passarei o resto da minha vida tentando provar a ela que a amo.
Tentando ser um homem melhor para ela.
Dou um beijo em seus lábios.
Sua cabeça está apoiada em meu colo. Ela não se move, mas por
enquanto ainda está viva.
Meu dedo ainda sente o pulso que a mantém respirando. Mesmo que
seja leve, está lá.
Logo estamos parando nos portões e então estamos na entrada da
garagem.
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Meu médico já está lá.


Há uma maca pronta para levá-la embora.
— Dê uma intravenosa. – ele grita. — Movam-se! Movam-se!
Movam-se!
Tudo acontece tão rápido a partir daquele momento. Num minuto
ela está deitada em meus braços com a cabeça no meu colo, e no minuto
seguinte, ela está em casa, e eu estou parado ali na entrada circular me
perguntando como diabos isso aconteceu. Lorenzo vem até mim.
— Ela vai ficar bem, chefe.
— É melhor que ela fique, ou haverá um inferno para pagar. Como
isso aconteceu? Como não sabíamos... e como ela fez isso?
Existem enormes lacunas na história aqui. Aquelas que preciso
descobrir.
— Onde ele está?
Quando saímos do terreno, deixamos todos os outros homens para
trás com o traidor.
— A caminho. Deve estar alguns minutos atrás de nós.
Não houve tempo para esperar antes.
— Eu o quero no porão.
— Em uma cela? Ou na sala...
Ele não esclarece qual sala, mas nós dois sabemos qual sala, a sala
de tortura.
Sim, mantive intacta a sala do meu tio no porão.
Assim como meu pai.
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Mas apenas para os culpados.


E Eddie...
É esse...?
O carro para então, levantando cascalho.
O pedaço de merda é retirado do carro assim que ele para. Seu rosto
sangrando, seu ombro sangrando pelo que só posso presumir ser um
ferimento de bala, quando ele tentou, sem sucesso, disparar outro tiro
para me matar.
Lorenzo sinaliza aos meus homens para levá-lo ao porão. —
Prenda-o.
Isso é tudo que ele diz. Eles conhecem as ordens agora. Começo
andar em direção à casa, entro pela porta e vou para o extremo oposto do
imóvel.
Não preciso contar a ninguém para onde estou indo. Está escrito em
todo o meu rosto.
Quando abro as portas, vejo o vidro que protege a sala.
Posso ver o médico já tirando suas roupas e começando a cuidar
dela.
Há cadeiras na sala, mas não consigo sentar.
Como posso? Há muita energia correndo através de mim.
Eu ando de um lado para o outro.
Quero dar um soco em alguém. Quero dar um soco no meu porão,
mas primeiro preciso ter certeza de que minha esposa vai ficar bem.
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— Alguma novidade, chefe? O que está acontecendo? – Lorenzo


vem atrás de mim.
— O médico ainda não saiu nem me atualizou, mas parece que ela
está em cirurgia.
Eu começo a andar. Há muito nervosismo dentro de mim para ficar
parado.
— Matteo, você pode falar comigo. – diz Lorenzo, e eu me viro
para olhar para ele.
Assim como eu, o sangue de Viviana está em suas roupas. Eu
balanço minha cabeça. Não posso falar. Não consigo encontrar palavras.
Parece que minha garganta está se fechando, como se estivesse cheia de
cimento, e não importa o quanto eu tente, não consigo me libertar.
— Sei que você é meu chefe... – ele começa a dizer, com os olhos
severos e cheios de dor. Ele também está com medo. Ele cuida dela
também. — Mas você é meu amigo primeiro.
Meu peito se expande enquanto respiro fundo, forçando as palavras
a saírem dos meus lábios secos. — Eu não posso perdê-la.
— Você não vai.
— Como você sabe disso? – eu respondo, não com raiva dele, mas
com raiva de mim mesmo. Eu poderia perdê-la, e é tudo culpa minha. —
Eu não a mereço. – murmuro.
— Quem diz quem merece quem?
— Eu sou o diabo. O tirano. Eu sou o que seus pesadelos são feitos.
Ela estaria melhor se eu levasse a bala e saísse da vida dela.
Lorenzo se aproxima de mim, estendendo a mão e tocando meu
ombro. É uma mudança estranha entre chefe e empregado, mas como
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meu amigo, como minha família, agradeço o conforto neste momento.


— Quem te disse isso? – ele pergunta. — Ela não. Ela te ama, cara.
Ela se colocou na frente de uma bala por sua causa. – ele respira fundo.
— Estávamos todos errados.
— Acima de tudo, eu.
— Não foi só você. Fui eu, o Roberto, e foi o Luka também. Todos
nos sentimos traídos. Todos nós pensamos...
— Não importa, ela confiou em mim e eu a decepcionei. –
interrompi, não querendo ouvir nada além de expressar minha própria
dor, minha própria culpa.
— Bem, então você passa o resto da sua vida compensando isso
com ela.
— Eu vou.
— Ela vai ficar bem.
— Espero que sim.
Porque não quero viver em um mundo onde ela não viva.

Passaremos as próximas horas no mesmo estado. Sangue seco em


nossas roupas, andando pela sala. Então a porta se abre e meu médico
caminha em minha direção.
— Ela saiu da cirurgia. Felizmente, não houve complicações.
Tiramos a bala e paramos o sangramento. Conseguimos suturá-la e
fechar a ferida, mas ela precisa descansar.
— Ela vai ficar bem?
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Ele concorda. — Ela vai ficar bem.


Continuo andando de um lado para o outro. Não tenho certeza de
quanto tempo ando, mas eventualmente a porta se abre e uma das
enfermeiras coloca a cabeça para fora desta vez.
— Você pode entrar e sentar-se com ela agora, Sr. Amante.
Entrando na sala, sento-me ao lado da cama dela.
— Viviana.
Bip.
— Por favor, acorde.
Bip.
— Sinto muito.
Bip.
— Por favor, abra os olhos.
Bip.
— Eu não sei como fazer isso.
Bip.
— Eu não sei viver sem você.
Bip.
— Sinto muito. – murmuro. — Deveria ter ouvido você. Eu deveria
ter deixado você explicar. Isso é tudo minha culpa. Deveria ter sido eu.
Eu deveria estar morto... Você me salvou. Página 399
Bip.
Bip.
Bip.
O som de uma máquina atravessa meu sonho, me chamando para
acordar.
Tento abrir os olhos. Tento superar a dor, mas minhas pálpebras
estão muito pesadas.
Bip.
Bip.
Bip.
Reunindo toda a energia do meu corpo, tento novamente. Desta vez
minhas pálpebras se abrem.
Página 400

— Matteo... – Eles se abrem e Matteo entra em foco.


Nunca o vi assim. Ele parece devastado e completamente
transtornado. — Eu... – As palavras que quero dizer não saem da minha
boca. Em vez disso, minha voz falha e minha garganta queima de dor.
— Shh. Você não precisa falar. Descanse. Precisa descansar.
Pisco os olhos para ele. O que aconteceu? Num minuto, eu pude ver
meu destino, ele me queria morta e no próximo... Jonathan.
— Você está ferido?
Matteo se inclina para frente e dá um beijo em meus lábios. — Não,
baby, não estou ferido. Você me salvou.
Tudo volta correndo.
O pânico começa a me consumir.
Ele está aqui?
Ele morreu?
Não consigo respirar. Parece que alguém está pisando no meu peito.
— Você precisa se acalmar. Respire, Viviana.
Sua mão toca minha bochecha e tento me afastar.
Matteo queria me matar. Ele estava me levando de volta para me
matar.
— O que está errado?
Minha cabeça balança de um lado para o outro. Meu coração bate
forte no peito, fazendo com que o som da máquina enlouqueça.
— Por favor, acalme-se. Isso não é bom para você. Ninguém vai te
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machucar novamente.
— Você me machucou. – sussurro. — Você ia me matar. –
Lágrimas escorrem pelo meu rosto. — Por que estou aqui?
Ele estende a mão e pega minha mão. — Você está aqui porque me
salvou. Você está aqui porque estava certa. Você está aqui porque eu te
amo. – Devo parecer atordoada porque ele leva minha mão à boca. —
Eu amo. Eu te amo. Demorei muito para perceber, mas você é tudo para
mim, Viviana.
— Mas você queria me matar.
— Eu realmente não fiz isso. Pensei que poderia. Mas quando puxei
o gatilho, percebi que te amava. Eu estava com muito medo de admitir
os sentimentos que tinha. Com muito medo de me permitir isso, mas
quando vi você caída no chão, percebi que faria qualquer coisa para
protegê-la.
O quarto fica em silêncio. Sua confissão pairava no ar. Minha
própria declaração pesa muito na minha língua, mas não tenho certeza se
posso contar a ele. Se posso confiar nele com meu coração novamente.
— Não precisa dizer isso de novo. Eu te ouvi. Eu fui um idiota, mas
isso não significa que não a ame. Isso não significa que suas palavras
não estejam gravadas para sempre em meu coração. – Às vezes esqueço
que Matteo pode ver através de mim. Ele vê tudo. A única vez que ele
ficou cego foi porque pensou que eu o traí.
Posso perdoá-lo?
Posso nos dar outra chance?
Depois do que ele fez comigo e me fez passar. Posso superar isso?
Devo superar isso?
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Olho em seus olhos verdes. Olhos nos quais me permiti me perder


várias vezes.
Tudo o que vejo olhando para mim é a verdade.
Sua verdade.
Ele me ama.
— Eu te amo. – sussurro.
— Eu também te amo. Você pode me perdoar?
Deixei meus lábios se curvarem em um sorriso. — Isso vai te custar.
Sua própria boca se abre em um sorriso malicioso. — Ficarei feliz
em pagar o preço. Qualquer preço que você achar adequado.
— Rastejando...
Nossas bocas se tocam e ele me beija como se eu fosse seu
oxigênio.
Ficamos abraçados por mais alguns momentos, mas, eventualmente,
Matteo se afasta e olha para mim.
— Como você sabia?
— Sobre o que?
— Que era uma armadilha.
O que ele quer dizer... ele já não sabia disso? Franzo a testa. —
Você não sabia?
— Meus homens ainda estão interrogando o Eddie. Você ouviu
alguma coisa quando ele estava trabalhando na casa do seu pai?
— Quem você acha que Eddie é?
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— O que você quer dizer? Ele trabalhou para mim. Ele era meu
informante.
Meus olhos se arregalam e eu agarro sua mão. — Matteo. Ele não é
assim. Ele nunca foi seu homem. Ele é do meu pai.
— O que?
— O nome dele nem é Eddie. O homem que me trouxe até você, o
nome dele... é Jonathan. Ele é irmão de Julia.
— Esse tempo todo, porra. – Sua mão levanta e puxa a raiz do
cabelo. — Como não vi isso? Até investiguei a família de Ana, mas não,
nunca o conheci. Ele passou pelas minhas verificações de segurança.
— Quando ele começou a trabalhar para meu pai, sua aparência
mudou drasticamente. Achei que fosse por causa do novo emprego, mas
agora vejo que foi para mudar a aparência dele para te enganar. Meu pai
realmente pensou em tudo. Mas o que não entendo é por que tentar
matar você? Por que ele faria algo assim pelo meu pai? A menos que
meu pai lhe contou a verdade. A menos que ele o esteja chantageando
também.
— Chantageando? Verdade? O que você não está me contando?
Já adiei isso por tempo suficiente. É hora de contar tudo a ele.
— Quando eu era criança, tive uma babá. Ela começou a trabalhar
para meus pais quando eu era pequena. Ela morava em nossa casa.
Naquela época morávamos em uma grande propriedade parecida com
esta. Pertenceu à família da minha mãe. Minha mãe tinha o dinheiro.
Cresci com Jonathan e Julia. Eles eram a coisa mais próxima que eu
tinha de irmãos. Quando eu tinha dez anos, tive uma ideia maluca.
Queria trazer um bolo de aniversário para Ana. Eu não tinha bolo, então
peguei um dos meus cupcakes e coloquei uma vela nele. Ana não estava
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no quarto quando fui. Procurei por ela e foi então que vi a luz da
brinquedoteca acesa. Ouvi a voz dela porque ela estava conversando
com alguém. Deixei o cupcake ali em uma mesa ao lado da
brinquedoteca. Foi um acidente. Havia papéis sobre a mesa, tudo pegou
fogo. Não sei como, mas a Ana ficou presa no quarto, a porta estava
trancada. Não me lembro de nada. Não me lembro como isso aconteceu.
Minhas lágrimas caem mais rápido agora. Minhas palavras são um
soluço. — Tudo o que sei é que, quando ela se foi, meu pai me disse que
eu havia matado Ana. Eu não entendi então. Meu pai me disse que eu
seria mandada para a prisão. Pior que isso, sua família não teria nada.
Aos dez anos não percebi, mas fiz um pacto com o diabo. Ele concordou
em sempre cuidar da família dela, pagar as contas, e tudo que eu
precisava fazer era manter a boca fechada sobre a minha parte. Eu não
sabia então que o plano era me atormentar. Para sempre. E eu não sabia
a pior parte... – eu soluço mais alto.
— O que ele está te ameaçando?
— Primeiro, o segredo. Ele me disse que eu iria para a cadeia. Eu
seria levada para longe de minha casa. Quando fiquei mais velha,
percebi que ele mentiu, que não podiam me levar embora por causa
disso... Foi quando ele ameaçou parar de pagar Julia e Jonathan. Veja,
eu sabia que eles eram pobres. Meu pai pediu a um detetive particular
que tirasse fotos deles. Eles só foram mantidos juntos por causa do
dinheiro que meu pai deu aos seus novos tutores. Ele foi capaz de me
ameaçar com isso. Mostrando-me imagens, fazendo-me curvar-me à sua
vontade. Quando eles finalmente se formaram no ensino médio, pensei
que poderia sair, mas me enganei de novo. Eles não tinham dinheiro
para pagar a faculdade, então eu sempre fazia o que ele pedia, e o pior
era o que descobri...
Com a cabeça baixa, sussurro o resto do meu segredo. Tudo isso.
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Cada detalhe eu sei. Quando finalmente paro de chorar, fico sentada em


silêncio por um minuto, me perguntando se ele vai dizer alguma coisa,
mas ele não diz.
— Você acha que Jonathan sabe a verdade? Você acha que foi por
isso que ele fez isso? Por causa da mãe dele.
— Eu não sei, mas quando você estiver disposta, por que não desce
e descobre por si mesma?

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Assim que Viviana adormece, dou um beijo em sua bochecha e digo
à enfermeira que voltarei.
Não gosto de deixá-la aqui sozinha, mas sei que ela ficará bem.
Quando estou lá embaixo, entro na sala onde estamos mantendo o
bastardo que agora conheço como Jonathan.
Abrindo a porta, entro.
Ele está amarrado à cadeira desde que chegou.
Ele ainda está completamente vestido, mas o sangue encharca a
camisa.
Tenho certeza de que meus homens já cuidaram de seu ferimento à
bala, mas ainda pode ser divertido brincar com o ferimento se ele não
responder às minhas perguntas.
— Jonathan.
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— Acho que ela não está morta. – ele repreende.


Tenho que me conter para não arrancar sua língua. Infelizmente, ele
não consegue falar sem isso. Em vez disso, terei que inventar algum
outro meio de tortura.
Eu decido dar um soco em seu rosto.
Forte o suficiente para ele cuspir sangue, agora há mais em sua
camisa.
Ele está péssimo.
— Você estava trabalhando para ele o tempo todo? – Ele olha para
mim, com sangue escorrendo de sua boca agora. — Acho que a resposta
é sim, considerando quem você é. – Os olhos de Jonathan se arregalam.
— Sim, ela me contou tudo sobre você. E sim, para responder à pergunta
que você não fez, ela está bem. Perfeitamente bem. Você é um péssimo
atirador.
— Eu não estava mirando em você.
— Por quê?
— Por que não? – ele encolhe os ombros. Ele não vai falar, pelo
menos não ainda. Ele precisa de mais tempo para cozinhar.
— Eu voltarei.
Isso foi uma perda de tempo.
Subo as escadas e entro no meu hospital improvisado.
Viviana continua presa a todas as máquinas e descansando. Seus
olhos se abrem quando ela me ouve entrar.
— Está tudo bem? – Sua voz está sem energia. Rouca como se ela
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precisasse de água.
Vou para o lado do quarto e faço exatamente isso, enchendo um
copo e levando para ela.
— Aqui. Beba isso.
Coloco um canudo no copo e inclino para que ela possa tomar um
gole. Quando ela termina, coloco-o de volta na mesa e me sento ao lado
dela na cadeira.
— Você pode ficar comigo?
— Eu já estava planejando ficar aqui com você a noite toda.
— Você pode sentar aqui, quero dizer. – ela dá um tapinha na cama
ao lado dela.
— Não acho que seja uma boa ideia.
— Por favor.
Não posso dizer não a esta mulher. Agora não. Nunca.
Inclino levemente a cabeça para ela e depois me deito na cama ao
lado dela.
— Você tem sorte de este não ser um hospital de verdade.
— Nunca caberíamos naquelas camas.
Ela está certa. Esta cama é de tamanho grande, o que, embora seja
apertada, é pelo menos viável.
— Durma. – eu dou um beijo em sua têmpora.
— O que aconteceu com Jonathan?
— Não se preocupe com ele agora. Você precisa descansar.
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Quando sua respiração fica superficial e ela finalmente adormece,


eu me permito finalmente respirar.
Não penso mais em Jonathan, Marino ou Salvatore.
Estou muito feliz por tê-la em meus braços novamente.
A manhã seguinte chega antes que eu perceba.
Quando abro os olhos, vejo que os dela ainda estão fechados. Ela
parece em paz enquanto descansa. Eu não quero acordá-la. Ela precisa
reunir suas forças. Não podemos nos dar ao luxo de não retaliar em
breve. Isso significa que os próximos dias serão fundamentais para
derrotar meus oponentes. Se ela estiver disposta a isso, precisará vir
comigo conversar com Jonathan. Está tudo interligado. O pai dela, meu
primo e esse suposto assassino que tranquei em uma cela no meu porão.
— Bom dia. – ela diz.
— Bom dia. – gentilmente a puxo para mais perto de mim, tomando
cuidado para não machucá-la.
— Como você está se sentindo? Você está com dor?
— Não. Eu estou bem. – ela suspira em meu peito, e eu sei, por
enquanto, que ela está.
Independentemente disso, agora também sei, mais do que nunca,
que preciso cuidar da ameaça de uma vez por todas.
Viviana nunca estará segura num mundo onde o seu pai anda livre,
nem num mundo onde o meu primo respira.
Eu preciso matá-los.
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O tempo passa bem devagar quando você está confinado a uma
cama de hospital e não consegue se levantar. Mas com o passar dos dias,
Matteo nunca sai do meu lado.
Ele lê para mim também.
Ao lado da minha cama há uma pilha de clássicos.
Todos os livros que cresci lendo.
Se não houvesse um buraco no meu estômago de onde uma bala foi
arrancada, eu diria que o tempo que passamos juntos neste quarto foi
perfeito.
Porém, há uma coisa, e no fundo da minha mente, mesmo que
Matteo cuide de mim, há também a questão de Jonathan.
Ele está em algum lugar desta casa.
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Preso.
Pelo que sei, ele está sendo torturado.
A questão é que eu deveria odiá-lo. Ele atirou em mim, mas algo me
diz que há mais nesta história.
Muito mais.
Ao meu lado, Matteo se mexe e então move seu corpo até pairar
sobre o meu. Ele toma cuidado para não apoiar seu peso sobre mim,
embora, por um pouco de dor, valesse a pena. Estou em casa há dias e,
além de um pequeno beijo nos lábios, ele não me tocou.
— Nem pense nisso. – diz ele, com sua voz matinal áspera e rouca.
— Pensar sobre o quê? – A minha é tímida.
— Você sabe o que. Você ainda está se curando. – ele me repreende
como se eu tivesse acabado de ser chamada à sala do diretor.
— Tudo bem, mas você não é divertido. – eu faço beicinho e ele me
cala com outro maldito beijo.
Ele ri contra meus lábios, e o som é celestial. Também me lembra
que não podemos viver nesta bolha por muito tempo.
Temos que lidar primeiro com a bagunça no porão.
— Estou pronta. – eu deixo escapar, e o olhar confuso em seus
olhos é fofo.
É engraçado o quanto ele mudou ao longo desta semana. Já vi
vislumbres deste homem antes, doce e carinhoso, mas agora que ele
admitiu que me ama, é muito mais.
— Pronta para... – ele para. — Sexo? Achei que tinha acabado de
dizer não.
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Balanço de brincadeira para ele. — Não é sexo, pervertido. Estou


pronta para descer ao porão e falar com Jonathan.
Seu olhar travesso de apenas um segundo atrás já desapareceu. É
substituído por olhos estreitos e um vinco entre as sobrancelhas. Com
um semblante preocupado em seu rosto.
— Tem certeza? – Até a voz dele mudou. Não há leveza alguma.
Isso tudo é chefe da máfia. O marido brincalhão e zeloso é substituído
por um assassino.
— Sim. Me ajude.
Ele se levanta da cama e me puxa para ficar ao lado dele.
Embora os médicos me façam caminhar todos os dias, ainda é
estranho estar de pé. Como um cervo aprendendo os primeiros passos,
estou vacilante e instável.
Matteo me ajuda a ir ao banheiro e, enquanto me preparo para
descer, ele também desce.
Demoro uma boa hora para me recompor. Posso ter calculado mal a
extensão dos meus ferimentos.
— Tem certeza que quer fazer isso?
— Sim. Eu preciso também. Preciso saber o que ele sabe.
A verdade é que essa é a parte assustadora. Não tenho certeza se
meu pai lhe contou alguma coisa e não tenho certeza de como ele reagirá
se não souber a verdade.
Meu estômago revira de nervosismo.
— Você está bem?
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Aceno com a cabeça, mas Matteo coloca o dedo no meu lábio, o


lábio que estou mordendo no momento, por minha conta.
— Fale comigo.
— E se ele não souber a verdade? E se meu pai descobrir que eu
contei?
— Não se preocupe com seu pai. – ele repreende. — Cuidarei dele e
cuidarei de tudo. Você nunca mais terá que se preocupar em estar sob o
controle de seu pai. Você me entende?
— Sim.
— Ótimo. Agora vamos embora.
Cada passo que damos parece mais difícil que o anterior. Indo em
direção ao porão parece que sou uma prisioneira caminhando para o
corredor da morte. Estou com medo, mas mantenho a cabeça erguida.
Depois de descermos as escadas e virarmos a corredor, eu o vejo.
Ele está em uma cela.
Amarrado.
Ele está vestido, com as suas roupas rasgadas e retalhadas.
Seu cabelo está sujo, oleoso dos dias em que esteve preso aqui.
Há um fedor no ar.
No canto de sua cela há um vaso sanitário, um balde de água e uma
velha bandeja de comida.
Pelo menos eles o estão alimentando.
— Olha o que o gato trouxe. – ele debocha atrás das grades.
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— Jonathan. – digo, me aproximando. — Por quê?


— Como se você realmente precisasse perguntar. – ele responde.
— Acho que precisamos conversar.
— A hora de conversar foi há doze anos, não acha? – ele responde.
Se alguma vez me perguntei por que ele tinha tanta animosidade
comigo, agora sei.
— Você está pronto para conversar? – Matteo pergunta, abrindo a
grade. No começo, tenho medo que ele salte e nos ataque, mas é quando
vejo que no canto da cela há uma corrente de metal presa ao seu pé.
A bile se acumula em meu estômago quando me lembro da história
que Matteo me contou.
Vendo este lugar, eu percebo como é importante não deixarmos
Salvatore ter sucesso.
Não sendo capaz de olhar para seu rosto presunçoso, vou até
Jonathan e dou um tapa em seu rosto.
— Como você poderia trabalhar com ele? – sussurro. — Olhe a sua
volta... você tem alguma ideia do que ele quer fazer? Meu pai está
disposto a fechar os olhos aos desejos de Salvatore... mas você. Como
você se sentiria se Julia fosse negociada como ovelha? Trancada aqui
como um animal.
— E está tudo bem, o que seu precioso marido está fazendo? Estou
preso aqui como uma "ovelha".
Dói quando cruzo os braços na altura do peito, mas o movimento
me faz sentir mais segura e mais forte enquanto respondo.
— Você é um animal que tentou matá-lo. Você merece tudo que
vem até você. Mas as mulheres inocentes que você deseja machucar... –
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eu respiro fundo, tentando acalmar as emoções dentro de mim. — Elas


não merecem isso. Você está realmente disposto a dar-lhes esse destino?
— Como se você se preocupasse com os inocentes.
— Tudo o que meu pai disse a você... – Meus olhos se enchem de
lágrimas não caídas com a lembrança, com todas as mentiras que contei.
— Há mais do que isso. Deixe-me explicar.
— Não quero ouvir nada de você.
— Então você me ouvirá. – Matteo se aproxima e algo brilha em
sua mão. Uma faca. Não é qualquer faca, esta parece um cutelo de
cozinha.
Estou prestes a dizer algo a ele, opor-me a esta forma de tortura.
Não importa o que Jonathan tenha feito comigo, ele ainda é irmão da
minha melhor amiga. Mas Matteo balança a cabeça para mim, sabendo
muito bem o que eu estava prestes a fazer.
— Você sempre trabalhou para meu primo? – Matteo pergunta.
Jonathan se recusa a responder.
— Tudo bem. Você quer jogar assim, tudo bem, mas vou fazer você
falar... eventualmente. Diga-me isso, antes que a diversão comece. Qual
era o plano? Ou você ao menos tinha um plano? Foi só para me matar?
— Eu ia matar vocês dois, na verdade.
— Jonathan... – eu começo, mas não sei o que dizer. Ele apenas
admitiu querer me matar. Como posso explicar que tudo o que fiz foi
para proteger ele e sua irmã? Aproximo-me dele, pronta para dizer mais.
Para contar a ele tudo o que tenho certeza que meu pai não contou
quando ouço uma briga e passos.
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Os olhos de Jonathan se arregalam, olhando por cima do meu ombro


para ver de onde vem o som.
Lá, andando com fita adesiva na boca, está Julia. Saio correndo da
cela e vou em direção a minha amiga. Minhas mãos se levantam
enquanto empurro Roberto para longe dela. No momento em que faço o
movimento, percebo meu erro, e a dor irradia através de mim devido ao
ferimento à bala.
— O que diabos está fazendo, Roberto? – eu me viro para Matteo.
— Por que ela está aqui? – grito com meu marido. É melhor que haja um
bom motivo, ou ele será meu futuro ex-marido.
— Que porra você está fazendo com ela? – digo novamente, e dessa
vez Matteo se aproxima de mim, com as mãos levantadas, como se ele
fosse um treinador de animais tentando capturar uma fera selvagem.
— Pensou que ela era inocente? – Matteo pergunta, claramente
perplexo comigo, e quando ele percebe que sim, seus olhos suavizam em
simpatia. Eu realmente não tenho ninguém além dele que se preocupa
comigo. Ele estende a mão e pega a minha, depois aperta suavemente.
— Ela tem trabalhado com o irmão o tempo todo. – Sua voz está mais
baixa que o normal, me tratando como um pássaro ferido que pode voar
para longe.
— Isso é verdade? – pergunto à minha amiga, uma mulher que
basicamente foi minha irmã.
Roberto arranca a fita. — É verdade. – Julia sorri. Com a traição me
apunhalando no coração.
— Mas... – Uma lágrima solitária me trai ao cair pelo meu rosto. —
Por que você está fazendo isso?
— Você tirou minha vida. Você levou minha mãe. Você a matou.
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Você é a razão pela qual ela está morta. Seu pai nos contou tudo. Todos
os dias, durante doze anos, você me traiu. Você olhou nos meus olhos e
me traiu. Você é desprezível e eu gostaria de saber antes. Porque então
eu nunca teria me permitido amar você.
Cada emoção que pensei que sentiria com esta revelação está
completamente errada. A dor que sinto por machucá-la se transformou
na raiva e no ódio que sinto por meu pai agora.
No final, ele os usou.
Ele usou minha amiga em uma conspiração complicada para matar
meu marido e se vingar de mim por ter ido contra ele.
— Ele mentiu para você.
— Corta essa, Viviana. Por que outro motivo você estaria à sua
disposição? É porque matou minha mãe e ele estava encobrindo seu
segredo.
— Porque sua mãe não está morta.

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— O... o que você quer dizer? – Julia gagueja, com a voz fraca e os
lábios pálidos e os dentes batendo.
— Ela está viva. Ele está mentindo há anos.
— Mas então, como você sabe? – Jonathan deixa escapar atrás de
mim e eu me viro para encará-lo.
— Meu pai me contou. Ele me ameaçou e me mostrou os papéis
para provar isso.
— Quanto tempo? Há quanto tempo você sabia que minha mãe
estava viva e não me contou?
— Não muito. Eu descobri por acaso. Não acho que ele planejou me
contar. Mas quando eu disse a ele que não me casaria com Salvatore, ele
contou. Foi quando as coisas pioraram. Muito. Meu pai... não tive
escolha a não ser concordar com seus termos. Se eu o ajudasse em sua
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trama, ele não a machucaria. Ele vem me chantageando há anos. Para


coisas diferentes. Mas isto foi a pior. Ele ameaçou interromper o
tratamento dela. Ameaçou acabar com seu sofrimento. Ameaçou parar
de sustentá-los. Eu não sabia o que fazer. Eu não tinha ninguém.
— Você me tinha.
— Mas você não vê? Esse é o problema. Se eu te contasse, ele a
teria matado.
Dou um passo mais perto de Matteo. Ao meu marido, que prometeu
ajudar. — Quando Matteo veio até mim, pensei que poderia contar. Ele
teria o poder de impedir isso. Levei muito tempo para confiar nele, mas
quando finalmente estava pronta para pedir ajuda, o restaurante de
Marco foi invadido. Foi você? – pergunto a Julia.
Pela primeira vez desde que foi trazida até aqui, ela olha para o
chão. Ela finalmente está começando a entender o que suas ações lhe
custaram.
Entendo quanto custou as minhas. Sempre sentirei a dor em meu
coração.
— Por quê? – A voz suave soa estranha vinda de Jonathan. Isso me
lembra o garotinho que conheci. Aquele que brincava comigo e com
Julia, minha antiga amiga. — Por que ele mentiria? Por que a manteria
lá? Não faz sentido. – ele começa a divagar sozinho. Não consigo
entender a maior parte, mas uma coisa é clara. Sempre me fiz a mesma
pergunta.
Viro-me para Jonathan. — Isso me atormenta há meses. Esta mesma
pergunta. Quando descobri que ele mentiu para mim e que ela não
estava morta, me perguntei por quê. De que adiantou tecer essa teia de
mentiras? O que ele tinha a ganhar?
— O que você descobriu? – Julia pergunta.
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Mesmo que doa, começo a andar.


— Nada. Não consegui descobrir nada. Não tinha certeza se o que li
era verdade. No momento em que vi os papéis de admissão que ele
tinha, eu deveria ter ido até vocês, mas a essa altura...
— Ele estava chantageando você? – ela pergunta.
— Eu gostaria que você tivesse me contado. – diz Matteo.
Eu concordo. — Me desculpe por não ter confiado em você. Eu só...
– Matteo se aproxima de mim, inclina minha cabeça e dá um beijo em
meus lábios.
— Não merecia sua confiança. Eu a teria usado contra você
também.
Balanço minha cabeça. — Você não teria.
Suas sobrancelhas se arqueiam e eu sei que ele não vê o homem que
eu vejo. O homem que eu amo.
— Sinto muito. – Julia diz atrás de mim, e eu me movo para encará-
la. — Eu... eu. – Seus olhos estão focados na minha barriga e onde a
bandagem volumosa é claramente visível através da minha camisa. —
Você poderia ter morrido. Jonathan e eu...
Levanto minha mão para silenciá-la. — Isso não é culpa sua. É
minha.
— Como se não fosse. – Matteo intervém. Sua voz áspera de raiva.
— Eles tentaram matar você.
— Acredito que estávamos realmente tentando matá-la.
— Fale por você mesma. Eu estava tentando matar os dois. – Todos
nós nos viramos para encarar Jonathan. Ele encolhe os ombros em sua
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cela. — Não há razão para mentir. Eu estava. Agora que sei a verdade,
obviamente me sinto um merda, mas mesmo assim é a verdade.
Tudo parece tão confuso que minhas pernas começam a tremer
embaixo de mim.
Matteo me pega nos braços e, antes que eu perceba, Roberto está
puxando uma cadeira para eu sentar.
— Você está bem? – Matteo agora está na mesma altura que eu.
Olhando para mim como se estivesse com medo de que eu morresse.
— Estou bem. – eu estendo minha mão e toco sua mandíbula. —
Solte o Jonathan. – Minhas palavras chocam até a mim, mas na verdade,
agora que a verdade foi revelada, não tenho medo dele. Se alguém
deveria ter medo, é meu pai.
— Você está louca? – eu o encaro. — Viviana, não posso deixá-lo
ir.
Olho por cima do ombro de Matteo, olhando diretamente para
Jonathan agora. — Ele pode deixar você ir? Você vai nos matar?
Jonathan parece cansado – não apenas fisicamente, mas também
mentalmente.
— Eu não vou machucar nenhum de vocês.
— Não. – A voz de Matteo é mais alta do que eu esperava. — Ele
machucou você.
— Olhe para isso da perspectiva dele. Ele pensou que matei a mãe
dele. O que você faria se tivesse a chance de matar a pessoa que matou a
sua?
A mão de Matteo envolve meu braço e me puxa para longe de
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todos.
— Isso não me impede de querer matá-lo por machucar você.
— Eu sei.
— Não, você não sabe! – Sua raiva não ferve mais na superfície.
Agora, é um inferno violento, que não tenho certeza de como apagar. —
Pensei que tinha perdido você. Pensei que você tivesse morrido. Você é
tudo para mim. Você é minha vida. Você me ouve? Você é minha vida.
Levanto minha mão e toco sua mandíbula. Sua mandíbula rígida que
acho que vai quebrar ao meio. — Tudo bem. Estou bem.
Sua cabeça está baixa. — Você poderia ter morrido, e foi por minha
causa. Eu não protegi você.
— Eu te perdoo, Matteo. Agora é hora de você se perdoar. Eu te
amo. Você não pode manter isso dentro de você. – Pegando sua mão, eu
nos levo de volta para ficar na frente da cela.
— Eu não posso deixá-lo ir. Não consigo superar o fato de ele ter
tentado tirar você de mim.
— Mas eu posso. Eu o perdoo. Faça isso por mim. Confie em mim.
Por favor...
Matteo solta um longo suspiro e depois acena com a cabeça para
Roberto. Ele claramente parece tão chocado quanto Matteo por eu pedir
isso a eles.
— Se você olhar para minha esposa, ou mesmo para mim, não me
importo com o que ela diga, você está morto.
— Nunca foi contra você. – diz Jonathan.
— Com certeza foi assim quando você apontou uma arma para
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minha cabeça.
— Marino disse que tinha mais informações sobre minha mãe. Ele
prometeu que se eu cuidasse do problema, ele me contaria.
Um suspiro audível escapa da minha boca. — Ele estava
chantageando você também. Acha que ele iria lhe dizer que ela estava
viva?
— Neste momento, não. Acho que ele estava usando Julia e eu para
fazer o trabalho sujo. Uma vez que Matteo estivesse fora de cena, não
tenho dúvidas de que ele não teria feito isso.
— Eu não sei. – murmuro baixinho.
— O que você não sabe? – Matteo me pergunta.
Levanto-me da cadeira e caminho até a cela de Jonathan. Suas
correntes caem no chão, com o som metálico do metal ecoando no
concreto.
— Por que passar por todo esse trabalho para lhe contar alguma
coisa? – pergunto a Jonathan. — Quando ele te contou sobre sua mãe?
— Depois que você se casou com Matteo.
— E antes disso, por que você trabalhava para ele?
— Ele me abordou sobre o trabalho. Eu ia me mudar e ele me disse
para ficar. No início, pensei nas vantagens. Então ele me abordou para
trabalhar disfarçado com Matteo, para me vender como alguém em
quem ele pudesse confiar. Ele me contou muita coisa, mas como sempre
me apoiou, achei que devia isso a ele. – Seus punhos cerram ao seu lado.
— Tantas coisas não batem.
— Não, elas não querem.
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— Acho que só há uma solução. – diz Julia ao meu lado. — Precisa


nos levar até nossa mãe.
— Ela está em um hospital administrado por meu pai. Você pode
nos fazer entrar? – pergunto ao meu marido. Se alguém tem as conexões,
é ele.
— Eu posso.
— Bom, então vamos.
— Só há uma coisa. – digo. — Onde Salvatore se encaixa nisso?
Nada disso faz sentido.
— Pode ser tão simples quanto dinheiro. O acesso ao porto
representa um lucro de bilhões de dólares. Adicione as mulheres que ele
planeja trazer. Triplique.
— Isso tudo é uma questão de dinheiro para ele?
— E para se vingar de mim. Acho que Marino e Salvatore também
estão fazendo isso como uma oportunidade de unir forças, para poder
matar dois coelhos ao mesmo tempo. Ajudando-se mutuamente de uma
forma mutuamente benéfica.
— Há uma coisa que preciso lhe contar. – sussurra Julia.
— Neste ponto, fale logo. – Jonathan diz à irmã. — Ela descobrirá,
eventualmente. Obviamente, tudo é uma grande manobra gigante, e nós
éramos os malditos peões. – A raiva e o veneno não passam
despercebidos para nenhum de nós.
— O homem com quem eu estava namorando...
Lembro-me vagamente dela me contando que conheceu um homem
em um clube.
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Ah, meu Deus.


— Não.
Ela balança a cabeça.
— Era o Salvatore.

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Cada peça do quebra-cabeça começa a se encaixar. Tantas variáveis
para as quais estávamos todos cegos.
Agora que sei o papel que meu primo teve em toda essa confusão,
não estou surpreso. Ele usou informações falsas que Marino deu aos
gêmeos e depois adoçou o acordo para que fizessem o que ele queria.
Quase funcionou também.
Se Viviana não tivesse se colocado na frente de uma bala por minha
causa, estaríamos todos mortos. Depois, pensar nas inúmeras mulheres
que teriam sido feridas.
Puxo minha esposa para mim e a abraço. Intrigada com meu
movimento, ela olha para mim. — Por que disso?
— Por me salvar.
Não estou falando apenas da bala desta vez.
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— Sempre.
Depois de dar um beijo em sua boca, eu me afasto.
— Vamos. – eu me viro para Lorenzo. — Faça Price invadir as
instalações. Não quero que nos vejam.
— Entendi, chefe.
A partir daí, tudo se move bastante rápido.
Chegamos do complexo ao nosso destino em menos de uma hora.
Instruídos por Jaxson Price através de um fone de ouvido, nós
conseguimos evitar a segurança usando uma porta dos fundos e um
código de segurança que ele hackeou.
Vou precisar dar um aumento para esse garoto, isso ou convencê-lo
a trabalhar só comigo.
Uma vez lá dentro, nós somos conduzidos pelos corredores.
Caminhamos como se nós pertencêssemos aqui, mesmo que não
pertençamos.
Ninguém nos impede.
Uma parte de mim se pergunta se isso é muito fácil ou uma
armadilha, mas então me dou conta. Marino provavelmente pensa que a
filha está morta. Ele provavelmente pensa que estou morto.
Ou ele pensa que Jonathan está, e como sou temperamental, nunca
conseguimos chegar ao fundo da questão.
Ao abrirmos a porta do quarto, Julia cai no chão. Ali, no canto, está
uma mulher que se parece com ela. Exceto que em vez de cabelo loiro, é
grisalho e oleoso. Seus olhos estão opacos e sem vida.
Há uma grande marca de queimadura em seu rosto, deixando-a
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desfigurada.
Olho melhor e vejo que os seus braços também estão gravemente
queimados. O fogo era verdade.
Agora, tudo o que aconteceu depois disso ainda é um mistério.
— Mãe. – Julia corre até ela. Ao meu lado, Viviana soluça baixinho.
Eu apoio meus braços em volta dela, deixando-a chorar em meu peito.
— Ela está viva. Eu sei que ele me contou... mas ele não me deixou
vê-la.
Ana, a mãe dos gêmeos, parece fortemente sedada.
Ela não olha para os filhos, mas começa a falar.
Suas palavras não fazem sentido.
Apenas as repete indefinidamente.
Não tenho certeza se é por causa da medicação ou se é por causa do
acidente que aconteceu há muito tempo, mas é óbvio que a mulher que
conhecem e amam já se foi há muito tempo. Se ela algum dia voltará é a
questão.
— O que vocês estão fazendo aqui? – A enfermeira grita para nós,
mas quando vê Julia no chão ao lado da mãe chorando, ela entende.
— Ela é minha mãe. – diz Jonathan, vindo de trás para caminhar até
sua irmã. Ele coloca a mão nela.
— Ela não pode receber visitas.
— Por favor, ela é minha mãe. – Julia chora. — Não me faça ir.
— Ele não a deixa receber visitas. Vocês não podem estar aqui. Se
ele descobrir... – Seu rosto está pálido e ela não precisa nos dizer de
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quem está falando.


Marinho.
— Ele não saberá que estamos aqui. Por favor, conte-nos tudo o que
puder sobre o caso dela.
Como se fosse uma deixa, Ana começa a balbuciar novamente.
— Ela fala?
— Eu realmente não sei. Sou nova aqui, mas desde que estou aqui...
não.
— É por causa do fogo? – pergunta Viviana, claramente arrasada
com o que suas ações podem ter causado.
— Não sei. – admite a enfermeira.
— Então, poderia ser por causa dos medicamentos?
— Talvez. Sou nova, não quero me meter em encrencas. Eu só
distribuo os remédios que o médico fornece.
Aceno com a cabeça, sabendo que está assustada. — Vamos
consertar isso. – digo a todos no quarto, e estou falando sério. Não
importa o que aconteça, vou garantir que Ana não esteja mais neste
inferno. — Há mais alguma coisa que você possa nos contar? Qualquer
coisa que possa ajudar? – Ela balança a cabeça. Ana começa a balbuciar
novamente. — O que ela está falando?
— Boneca.
— Não tenho muita certeza, mas acho que é uma boneca.
— Vocês precisam ir. Eles estão começando os turnos novamente.
Só entrei porque ouvi vocês. Se eu pude ouvir vocês...
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Volto-me para Julia, que agora segura a mão da mãe. — Julia,


prometo que farei tudo ao meu alcance para tirá-la daqui, mas primeiro
temos que sair daqui.
— Tudo bem. – ela sussurra antes de se inclinar e beijar sua mãe.
Jonathan é o próximo, seguido por Viviana, que pede desculpas.
Horas depois, estamos todos de volta ao complexo.
É engraçado como ainda hoje cedo eu tive certeza de que mataria os
dois, e agora, sentado na cadeira, com uísque na mão, vejo todos
chorarem juntos pelo que acabamos de descobrir.
Mas a questão permanece: por que Marino a tem?
— O que você ganharia em mantê-la?
— Essa é a minha pergunta também. Por que ele passaria por todo
esse trabalho para mantê-la escondida?
Todos ficamos em silêncio enquanto a pergunta permanece no ar.
Por quê?
— Uma apólice de seguro. Ela sabe de alguma coisa e, ao mantê-la
no estado em que está, ela não consegue falar.
Uma mistura de emoções surge nos rostos de todos.
Raiva. Tristeza e depois alívio.
Porque se for esse o caso, talvez a Ana volte para nós.
— Você ainda acha que ela está lá?
— Não há como saber. – digo ao grupo. — Anos de medicação...
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mas talvez. Ela falou, então talvez.


— O que ela estava dizendo? – Julia pergunta.
— A enfermeira disse que ela sempre balbucia a mesma coisa...
boneca. Talvez uma casa de bonecas.
— Ah, meu Deus.
— O quê? – Todos perguntam a Viviana ao mesmo tempo.
— Isso é de quando eu era criança.
— O que acha que isto significa? Você acha que essa foi a maneira
dela de nos dizer que sabia que estávamos lá?
Viviana balança a cabeça. — Não. A enfermeira disse que a equipe
estava tentando descobrir o que isso significava há anos. Essa é a única
coisa que ela diz.
— Precisamos encontrá-la. Talvez signifique alguma coisa.
— Onde está Viviana?
— Com minhas coisas.
— E onde seria isso?
— Na mansão do governador.

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Primeiro passo, destruir meu pai. Passo dois, lide com Salvatore.
Nessa ordem.
Não tenho certeza de como encontraremos a casa de bonecas, mas
temos que tentar. Mesmo que isso signifique morrer.
Viro-me para Jonathan.
— Você tem que me levar de volta.
Ele inclina a cabeça e me olha como se achasse que sou maluca.
— E como exatamente você pensa que eu farei isso?
— Diga ao meu pai que escapei. Diga que eu levei um tiro. Diga
qualquer coisa, mas o convença. Eu preciso ir naquela casa.
— Você honestamente acha que sua mãe ainda a tem?
— Você não entende. Claro, que ela tem. Aquela casa de bonecas
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não é qualquer casa de bonecas. É herdado de geração em geração. Eu


garanto que ela tem. É um símbolo da família dela.
— E onde ela a guardaria?
— Se fosse eu, seria no porão ou no sótão.
— Espero que não. Esses lugares são assustadores. – intervém Julia.
Ainda estamos no carro. Desta vez, em vez de irmos para casa,
vamos para a mansão do governador.
— Talvez devêssemos apenas invadir? Seria mais fácil.
— Ótima ideia. – anuncia Matteo ao carro. — Estamos entrando
pela porta da frente. Direi a ele que você tentou fugir. Jonathan foi atrás
de você e eu decidi que não queria você. Eu atirei em você... e agora,
porque não quero sua morte na minha porta, vou deixá-la lá.
— Não há como ele acreditar nisso.
— Bem, acho que é melhor você convencê-lo então, baby.
Olho para Jonathan, que está todo machucado, e para meu ferimento
enfaixado por baixo da camisa, aceno com a cabeça e arranco o curativo.
— Que porra você está fazendo? – Matteo resmunga.
— O convencendo. – eu pisco. — Alguém me dê uma faca.
— Porra, não.
— Preciso de sangue na minha camisa para ele acreditar.
Matteo resmunga, mas enfia a mão no bolso, tira uma faca e corta o
próprio braço. Meus olhos saem das órbitas, mas antes que eu possa me
opor, ele está esfregando o sangue em mim.
— Acho que isso também funciona. – eu reviro os olhos.
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Mais vinte minutos se passam antes de chegarmos em casa, então


Matteo sussurra um “sinto muito” antes de me puxar com força para fora
do carro. Lorenzo tem toda a equipe à tiracolo.
A segurança deve ter avisado meu pai porque quando chegamos à
porta da frente, ela se abre e ele está lá. Minha mãe ofega e nos diz para
entrar.
Ela está desviando do sangue para não pisar em nada.
Eu a odeio. Ela tolerou o comportamento dele e talvez não estivesse
diretamente envolvida, mas tolerou. Ela é igualmente culpada.
— Preciso falar com você agora, Marino.
Meu pai olha de um lado para o outro e segue Lorenzo, Roberto e
Matteo para fora.
— Mãe. Onde fica a casa de bonecas?
— O quê? – ela pergunta, com sua voz dando lugar à confusão.
— A casa de bonecas, mãe. Aquela com quem Ana e eu brincamos.
Diga-me onde está! – murmuro.
— Porão. Despensa.
— Vamos. – digo a Jonathan e Julia, e então partimos nessa direção.
As escadas que descem são escuras como breu. Procuramos as luzes,
mas quando não conseguimos encontrá-las, Jonathan usa a lanterna do
celular.
Subimos as escadas mais rápido do que eu deveria na minha
condição e então basicamente corremos para a despensa.
Aí está.
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No corredor. Exatamente como eu me lembro.


— Rápido, há alguma coisa lá?
A casa de bonecas é antiga, provavelmente na minha família desde a
década de 1920, pelo menos. Revistamos cada quarto com uma lanterna.
Então começamos a virar os móveis. A cozinha, o banheiro... quando
chegamos ao quarto, puxo a cama e a viro.
Minha respiração deixa meu corpo em um suspiro.
Colado na parte inferior da cama está um pendrive.
— Caralho. Eu encontrei. Rápido, vamos embora.
Desta vez, enquanto corro, posso sentir uma dor imensa em cada
passo que dou, mas continuo. Precisando sair daqui e descobrir o que há
no pendrive.
Ligando para Matteo, digo que temos que sair agora.
Não tenho certeza de como vamos conseguir isso, mas por algum
motivo, acho que estou presa aqui.
O som dos passos do meu pai é tudo que consigo ouvir agora. Não
há como sairmos ilesos desta casa. Não sem ele saber que estamos
tramando alguma coisa.
Matteo está caminhando com seus homens ao lado dele.
— Eu não a matei por cortesia. – diz Matteo. — Eu também não
matei seu garotinho de recados. Espero que considere isto uma oferta de
paz. Considere meu acordo. Deixe-me saber sua resposta.
Matteo terminou de falar. Ele caminha ao meu lado, me prendendo
contra a parede.
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— Seu pai me convenceu a conceder-lhe a anulação e não matá-la.


Não tente voltar para mim. Eu não quero você. – Seu tom é perverso,
mas sei o que é isso. Conheço Matteo melhor do que ninguém.
— Não. – eu jogo junto, envolvendo meus braços em volta dele. —
Por favor. – eu coloco o pendrive na mão dele.
— Você foi uma decepção. – ele deixa escapar, e então, como o
malvado chefe da máfia que ele é, ele se afasta de mim...
Com o pendrive na mão.

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— Acha que ele comprou isso? – Roberto pergunta quando
entramos no carro.
— Esperemos. Deixei a porra da minha esposa naquela casa. – digo,
não muito feliz com isso.
— Ela vai ficar bem.
— É melhor que ela fique, porque se eu perdê-la...
— Você não vai.
Este plano não é ideal. Tenho o pendrive, e Jonathan e Julia querem
saber o que há nele.
Eles terão que esperar, no entanto. Marino saberia se eu os levasse
conosco. E como Viviana está machucada, preciso que ela tenha Julia
com ela.
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Assim que voltamos ao complexo, entramos na sala de vigilância e


ligamos os monitores.
Documento após documento é aberto.
Meus olhos se arregalam.
Puta merda.
Marino não será mais um problema.
Graças à Ana, agora tenho o governador sob controle.
Agora, como lidar com isso é outra questão.
A primeira coisa que preciso fazer é contar a Julia e Jonathan o que
descobri. Mas não existe uma maneira fácil de fazer isso.
Não sem machucá-los. Não sem machucar Viviana.
Fiz esta viagem mais do que deveria. Mas depois de hoje, nunca
mais terei que fazer isso.
Eles anunciam minha presença. Então estou esperando no hall de
entrada.
A necessidade de vê-la me consome e, quando ela descer as escadas,
sei que vou querer ir até ela e tomá-la nos braços.
Não tenho tempo para isso.
A polícia estará aqui em breve. A evidência estava programada para
chegar ao detetive na caixa de entrada da minha folha de pagamento a
qualquer minuto.
Estaremos longe antes que eu me permita ficar preso a essa
confusão. Isto precisa ser feito em particular, mas o tempo não está do
nosso lado. Não podemos mais nos dar ao luxo de esperar, então mesmo
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que não seja o ideal, farei isso agora. Porque a cada momento que passa
há mais chances de Marino fazer algo drástico, e não posso mais arriscar
deixar Viviana aqui.
A primeira pessoa que vejo é Jonathan. Sua irmã está logo atrás
dele.
— O que havia no pendrive?
Respiro fundo e entrego-lhe as cópias impressas. Ele começa a
vasculhá-las. Posso ver como suas pupilas se dilatam enquanto ele lê as
palavras. A maneira como seu punho se fecha de vez em quando.
Vejo quando ele se depara com isso.
Quando a veia em sua testa parece que vai explodir.
No momento em que ele percebe quem ele realmente é. Como a
presença dele realmente atinge tudo. Julia é a próxima a analisar o
motivo pelo qual sua mãe está trancada no purgatório de sua mente.
Os soluços não podem ser enganados.
A maneira como ela cai no chão...
Não é todo dia que você descobre uma verdade como essa.
Não é todo dia que descobre que é filho ilegítimo de um monstro.
Demorei um pouco para compreender o que Ana havia salvado.
Pelas evidências colhidas, Marino e Ana tiveram um caso. Ela era
amante dele quando engravidou e foi decidido que ela não podia contar.
Sonhos políticos e tudo mais. Não tenho certeza se ele a ameaçou ou
se ela ficou sem amor...
Só Ana pode contar essa história, mas o que sei é que em algum
momento ela descobriu um segredo sobre seu amante, sobre o pai de
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seus filhos.
O segredo é tão grande que não tenho certeza se Viviana alguma
vez teve alguma coisa a ver com o incêndio.
Nos documentos estão todas as provas de que precisaremos para
manter Marino atrás das grades pelo resto da vida, e se meu primo
descobrisse, Marino estaria morto.
Ali, documentados, estavam todos os crimes.
Todas as mulheres.
De alguma forma, Marino conseguiu provas incriminatórias sobre a
operação de tráfico humano do pai de Salvatore. Havia fotos das garotas
tiradas e dos homens que as compraram. Todos os registros de anos de
abuso foram salvos.
Ele queria manter o chefe da máfia no bolso. Mas com os arquivos
que recebeu, ele se esqueceu de removê-los. Aqueles que comprovaram
seu conhecimento e a sua participação na operação. Aparentemente ele
era um cliente muito fiel.
— Puta merda. – diz Jules, enquanto ela finalmente se recompõe.
— Porra. – A voz de Jonathan interrompe em seguida. — Ele é
nosso pai. – ele sussurra. — Nosso maldito pai.
— Precisamos contar primeiro a Viviana. Onde ela está? –
pergunto.
— Eu vou buscá-la. – Julia sai, subindo as escadas.
— O que você está fazendo aqui, Amante? Achei que tinha deixado
minha posição perfeitamente clara. Quando não respondi, não quis o seu
acordo.
— O acordo está fora de questão, de qualquer maneira. O único
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acordo que você deveria considerar agora é com a promotoria.


— Que porra você está falando? Eu possuo este estado. Ninguém
está vindo atrás de mim.
— Tem certeza sobre isso? – eu pego os papéis e jogo o arquivo
para ele com indiferença.
Suas narinas inflam e seus olhos se arregalam de raiva.
— Onde diabos você conseguiu isso?
— Você não gostaria de saber.
— Eu deveria ter matado a vadia quando tive chance.
E então o inevitável finalmente acontece. Um suspiro reverbera pelo
espaço quando a compreensão atinge Jonathan.
— Você... Você fez isso com ela? – Não há necessidade de
esclarecer. — Você a colocou naquele lugar e deixou todos nós
acreditarmos nisso, porra. Você nos deixou acreditar que foi nossa irmã.
Você ia nos fazer machucar nossa irmã. Porra. Eu quase a matei. –
Jonathan agora cai no chão, arrasado com tudo o que aconteceu.
Atrás de mim, ouço passos. Viro-me para ver Viviana, mas é apenas
Julia.
— Onde ela está? – pergunto a ela.
— Ela não estava lá.
Viro-me para Marino. — Onde diabos está minha esposa?
— Você está muito atrasado.
Dou um passo à frente, com minhas mãos envolvendo sua garganta.
— Fale.
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— Salvatore a tem, e conhecendo-o...


Seus olhos estão desprovidos de emoção. Escuro e sinistro.
Ele veio à casa do meu pai e me levou. Meu pai me ofereceu a ele
como um porco premiado pronto para o matadouro.
Agora estou no que parece ser um armazém abandonado.
Sozinha, esperando que ele me diga o que quer de mim.
A algema em volta do meu tornozelo faz com que arrepios subam
pela minha nuca. Mas é a cama no canto que realmente me assusta.
Prefiro morrer a ser o brinquedo desse monstro.
Me mata.
Mas não antes de ele me machucar, não antes de me fazer pagar por
desafiá-lo.
Eu sabia quando esse plano foi colocado em ação, que isso poderia
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acontecer. Eu esperava que conseguíssemos fazer isso.


Mas agora, na escuridão deste espaço úmido, sei que estava apenas
me enganando. Este sempre seria o resultado.
Independentemente de eu nunca ter me casado com Matteo, esse era
o meu destino.
Não me arrependo nem um minuto.
Nem um se isso me trouxe até Matteo.
O som de passos pesados me faz recuar e tentar me esconder. Mas
não há para onde ir.
Sua risada sinistra ecoa pelo ar e meu olhar vira em direção a ele.
Ele está vindo em minha direção, grande e ameaçador.
— O que você vai fazer comigo?
— Se está preocupada que eu vou estuprar você, não se preocupe.
Você dá mais problemas do que vale.
— Então por que estou aqui?
— Qual é, Viviana, você é mais esperta que isso.
— Isca.
— Ding. Ding. Um ponto para a rainha da máfia.
— Ele não virá atrás de mim. Ele não se importa.
Ele ri novamente. — É melhor você torcer para que ele faça isso.
Caso contrário, terei que mandar você para ele, pedaço por pedaço, até
que ele não tenha escolha a não ser pegar suas sobras.
— Você presume demais. – murmuro, mesmo sabendo que estou
mentindo. Só espero que ele não venha. Eu ficaria feliz em morrer para
protegê-lo.
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— Meu primo ama você. E ele virá atrás de você. Quando ele fizer
isso, estarei aqui para matá-lo. E depois, se você me causar problemas...
– ele deixa a ameaça pairar no ar. — Vou ligar para ele em breve. Há
alguma coisa que você quer que eu diga a ele para você? – Seus lábios
se curvam em um sorriso malicioso.
— Vá se foder.
Seu sorriso amplia e ele parece totalmente sinistro sob essa luz.
— Com uma boca dessas, espero que o Matteo não venha. Vou
ganhar muito dinheiro com você. Irônico com quem é seu pai.
Minha confusão deve estar estampada em meu rosto. — Ah, você
não sabe? Você nunca se perguntou por que fiz negócios com ele? Por
que eu sabia que ele não seria contra minhas ideias de expansão?
Isso me atinge no estômago e o ar sai dos meus pulmões com sua
declaração.
Eu sempre soube que meu pai era mau, mas isso...
Lágrimas enchem meus olhos, mas me recuso a deixá-las cair.
Não posso mostrar a ele minha tristeza ou meu medo. Ele irá
consumi-lo como uma súcubo reza pelos fracos.
— Que lindo, você não sabia.
Fico paralisada no lugar com suas palavras enquanto minha mente
gira freneticamente.
Com as peças estranhas que não conhecia de um quebra-cabeça se
encaixando.
Meu corpo está virado, não sendo mais capaz de olhar para ele.
Não posso.
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Ele é o presságio da morte.


É só uma questão de tempo.
A coisa está tensa no carro no caminho de volta para o complexo.
Não temos ideia de quando ele a pegou ou para onde a levou. Quando
voltamos, ficamos no hall de entrada sem nenhuma orientação sobre
como proceder. A única opção agora é ligar para meu primo. Eu sei isso.
Meus homens sabem disso.
Temos que sacrificar o rei para salvar a rainha.
Lorenzo finalmente quebra o silêncio, dizendo: — O que fazemos?
— Temos que descobrir onde ela está e então invadir e buscá-la.
— Não é tão simples assim. – Lorenzo começa a andar de um lado
para o outro. — Você não pode se render. É isso que ele quer.
— Se é assim que a salvo, é exatamente isso que precisa ser feito.
— Sei onde ela está. – Todos nós voltamos para onde Julia está.
Ninguém fala, apenas olha para ela. — Eu sei. – Desta vez a voz dela
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está mais alta e cheia de convicção. — Deixe-me ajudar.


— Isso cheira a armadilha.
— Não é. Ela é minha melhor amiga. Ela... ela é minha irmã. Eu
nunca faria nada para machucá-la.
Lorenzo dá um passo à frente, praticamente encurralando-a. Ele
parece uma fera ao lado dela. — Você já fez isso. – ele zomba.
— E eu pedi desculpas. Eu me sinto horrível. É minha culpa que ela
tenha se machucado, mas nunca mais cometerei esse erro. Você tem que
acreditar em mim.
— Não acho que seja uma boa ideia. – murmura Lorenzo.
Claramente, ele não confia em Julia. Eu também não confio nela. Mas
isso não vem ao caso.
— Acho que é a única que temos. – diz Jonathan. — E acredite em
mim, não digo isso levianamente. Há uma boa chance de Salvatore ligar
para você. Quando ele fazer isso, você estará caindo em uma armadilha.
A única coisa que temos a nosso favor é o elemento surpresa. – Jonathan
aponta para sua irmã. — Ela traz esse elemento.
— Não. – eu balanço minha cabeça. — Existem muitas variáveis
desconhecidas. Apenas nos diga onde ela está e nós o eliminaremos.
Jonathan interrompe. — E arriscar que ela se machuque?
Estou prestes a dizer mais alguma coisa quando Julia se aproxima
de mim e coloca a mão no meu braço.
— Eu vou. Você não tem outra escolha. Por favor... confie em mim.
– É verdade, nós não temos. — Use-me como isca. Então mate Salvatore
de uma vez por todas.
— Matteo, posso falar com você... sozinhos? – Lorenzo me diz e eu
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aceno com a cabeça e depois me viro para Roberto. — Fique com eles.
Quando estamos sozinhos, ele cruza os braços na altura do peito. —
Vai trabalhar com eles? – Eu aceno. — Isso fará você parecer fraco.
— Não é fraco admitir que precisa de ajuda. Eles são nossa entrada.
Nossa única entrada, e antes que fale sobre o passado, eu entendo. Eu
não os culpo. Eu teria feito a mesma coisa para descobrir sobre meus
pais.

Se vamos deixá-la entrar, garantiremos que não seja uma armadilha.


— Fale com Jaxson Price no telefone.
O celular toca nos alto-falantes do carro.
— Matteo. Estou começando a pensar que deveria aumentar meus
preços. O que posso fazer por você agora?
— Salvatore está com minha esposa.
Há uma pausa significativa em minhas palavras, seguida por uma
tosse. — Porra, cara. Desculpe. O que você precisa?
— Temos uma localização, mas preciso saber se é legítima. – digo a
ele.
— Você quer que eu verifique se há pessoas?
— Quero que você me diga exatamente onde eles estão, para não ser
pego de surpresa.
— Sem problemas.
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Dou-lhe a localização e, ao fundo, eu posso ouvi-lo digitando


furiosamente no celular.
— Ok, eu invadi um satélite. Há dois homens do lado de fora, na
frente e dois nos fundos. Depois de entrar, há apenas mais dois.
— Você tem certeza disso?
— Cem por cento. A menos que seu primo esteja usando uma roupa
de gelo, o índice de calor não mentirá.
— Tem certeza de que não quer trabalhar diretamente para mim,
Price?
— Eu não estou à venda.
— Todo mundo tem um preço.
— Você não poderia me pagar.
— É discutível, mas agora preciso pegar minha garota, então vamos
adiar a discussão. – eu me volto para meus homens. — Vocês estão
prontos? – pergunto.
— Qual é o plano? – Lorenzo pergunta.
— Se Julia não está mentindo e já esteve aqui antes, os homens dele
deveriam conhecê-la. – diz Roberto, obviamente ainda não confiando
nela.
— Não estou mentindo. Entendo por que vocês não acreditam em
mim, mas não acredito.
— Como Roberto estava dizendo, mandamos Julia... quando ela
estiver distraindo Salvatore, eliminamos os homens do lado de fora. Mas
temos que fazer isso silenciosamente. Vamos colocar uma escuta. Dessa
forma, ela pode nos ouvir e podemos ouvi-la. Assim que sinalizarmos
que todos estão mortos, chegaremos com armas em punho. – Viro-me
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para Julia. — Você pode lidar com isso?


— Sim.
— OK, vamos lá. Pare o carro em um quarteirão fora da fábrica.
Vamos a pé.
— Entendido.
Roberto para no acostamento da estrada abandonada antes da curva
que vai dar até onde está Viviana.
Quando todos saímos do carro, Julia senta no banco do motorista.
— Vocês podem me ouvir? – ela sussurra.
— Alto e claro.
— Ok, estou chegando.
A linha fica em silêncio, com o único som vindo de sua respiração
rápida.
— Acalme-se, Julia. – diz o irmão dela através dos fones de ouvido
que todos usamos.
— Desculpe. – ela murmura tão baixo que quase não conseguimos
ouvir.
O som da porta do carro abrindo é a única indicação do que está
acontecendo.
— O que você está fazendo aqui?
— Estou aqui para falar com Salvatore. – É óbvio que ela estava
profundamente enraizada nesta trama, pois não há objeções. Em vez
disso, ouvimos o som da pesada porta de metal se abrindo.
Depois, o som de seus passos no concreto.
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— A vadia ainda está viva.


— Julia? – Viviana diz, com sua voz claramente chocada. Eu me
pergunto se ela sabe que tudo isso faz parte do plano, ou se em algum
lugar dentro dela, ela teme que sua amiga tenha ido contra ela mais uma
vez. Ela ainda não sabe o que encontramos no pendrive.
— Sim, sou eu. Embora deva dizer que estou bastante decepcionada
por você estar aqui e, para ser honesta, você nem parece machucada. –
ela resmunga, mas agora sabemos que Viviana não está ferida.
— O que você está fazendo aqui? – A voz de Salvatore ecoa no fone
de ouvido.
O som de passos ecoa novamente. — Senti a sua falta.
Quando ouvimos o som de Julia beijando Salvatore, levanto minha
mão, sinalizando para meus homens.
— Vamos.
Ao mesmo tempo, com silenciadores nas nossas armas, começamos
um ataque sincronizado.
Com armas em punho.
— Em três.
— Um. Dois. Três.
Pop. Pop. Pop.
Os homens caem como dominós caindo.
— Estamos chegando. – anuncio ao microfone, avisando Julia para
se proteger.
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Com isso, abrimos a porta, com armas em punho. Mas assim que o
fazemos, Salvatore se move rápido demais. Sua arma agora está
apontada para a cabeça de Julia.
— Solte a garota. – eu resmungo.
— E perder minha própria ferramenta de barganha?
— Ela não é uma ferramenta, seu merda. – Jonathan se aproxima,
com a arma em punho.
Salvatore olha para todos nós. Há mais de nós do que ele, então não
há como ele sair dessa vivo. No entanto, ele não parece nem um pouco
irritado.
É quase como se ele soubesse algo que nós não sabemos. Então eu
ouço e sei que é porque ele ouve.
Carros parando bruscamente, portas batendo, botas pesadas
avançando em nossa direção. É uma porra de uma emboscada.
Seu lábio se inclina para cima e então ele ri. — No momento em
que você chegou a casa do Marino, sabia que você viria. Julia aparecer
sozinha foi a cereja do bolo.
— Você nos deixou matar seus homens lá fora?
— Baixas de guerra.
O filho da puta maluco permitiu que seus homens servissem de isca
para que entrássemos aqui, praticamente nos encurralando.
— Espalhem-se. Protejam as garotas! – grito, mas com Salvatore
mantendo Julia como refém, isso será mais difícil.
Leva um momento para perceber o que está acontecendo, mas
então, como um relâmpago, Julia joga a cabeça para trás e, ao mesmo
tempo, Jonathan ataca.
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O inferno desabou.
É um pandemônio completo.
Salvatore levanta sua arma e atira. Jonathan cai no chão. Ele nem
deu dois passos antes de ser atingido.
Porém, foi tempo suficiente para a irmã dele escapar e correr até
Viviana e tempo suficiente para eu perder o foco e quase ser nocauteado
pelo meu primo. Felizmente, eu me endireito quando ele vem em minha
direção, e apenas minha arma cai no chão.
Ao meu redor, uma guerra está sendo travada. Armas disparam.
Os meus homens estão a proteger-se e a disparar de volta.
Pelo canto do olho, enquanto estou de pé, posso ver Julia virando a
cama para dar proteção a ela e a Viviana acorrentada contra os tiros.
— Eu deveria ter matado você também. – ele dá o primeiro soco. Eu
bloqueio e golpeio de volta.
— Também?
Um sorriso maligno e olhos escuros me dizem todas as respostas
que preciso saber. Ele ri sozinho, claramente se divertindo. — Sério,
você realmente não sabe?
— Você matou meus pais.
— Claro que sim. Seu pai matou meu pai. Ele tirou meu legado. Ele
roubou meu trono e você se colocou nele. Você nunca pertenceu a esse
lugar. Ele sempre foi meu. Deixei você esquentá-lo por alguns anos, mas
vou retirá-lo.
— Uma ova que vai, porra.
Mesmo sem minha arma, vou matá-lo.
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Eu o acuso novamente. Desta vez, permito que todo o peso do meu


corpo colida com o dele.
Lutamos no chão.
Sangue se espalha entre nós. Ele agarra minha cabeça, tentando
bater no concreto, eu me preparo para o impacto, mas quando ele se
move, eu dou uma cabeçada nele, quebrando seu nariz e nos virando.
Agora montando nele, minhas mãos envolvem seu pescoço.
Eu seguro cada vez mais forte.
Sua vida escorregando pelos meus dedos.
Está quase acabando.
Pelo canto do olho, posso ver seu olhar mudar, com seu braço se
estendendo. Sigo o seu campo de visão. Seus dedos estão agora
perigosamente perto da arma descartada.
Se ele conseguir, estou morto.
Se isso acontecer, minha esposa terá um destino pior do que o meu.
Eu sei isso. Ela sabe disso. Salvatore sabe disso. Não importa o que
aconteça, não posso deixar isso acontecer, mesmo que tenha que morrer
para protegê-la. Soltá-lo é um movimento calculado enquanto minhas
mãos descem de seu pescoço. O oxigênio vem para ele e é o suficiente
para me dar a vantagem que preciso. Eu levanto.
Ele é rápido em seguir.
Meus dedos sentem o metal.
Com minha mão envolvendo-o.
Pego a arma e miro.
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Bang.
O som ecoa no ar.
Estrondoso.
Bem na cabeça.
Matei meu primo.
Eu vinguei meus pais.
Acima de tudo, salvei o amor da minha vida.
Com seu corpo agora no chão, deitado em uma poça de sangue, eu
me levanto para poder ir até Viviana.
Seus homens estão todos subjugados, alguns mortos. Julia está
pegando as chaves de um dos corpos e movendo para libertar minha
esposa.
Estou cansado, muito cansado, mas então a vejo correndo e, apesar
dos ferimentos em recuperação, ela está correndo em minha direção.
Envolvendo os braços em volta do meu pescoço e me beijando como se
tivesse certeza de que eu havia morrido.
Foi por pouco.
Mas no final, vencemos.
— Eu te amo. Nunca mais faça isso.
— Não posso dizer nunca.
E essa é a verdade honesta. Não posso. Não no meu ramo.
Posso desistir?
Eu poderia sair?
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Ela olha para mim como se eu fosse sua salvação, não sua maldição,
e eu sei naquele momento que posso.
Por esta mulher, posso desistir de tudo.
Talvez não hoje.
Ou amanhã.
Mas logo.

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Faz apenas três meses que tudo aconteceu. As coisas estavam uma
loucura no início. Prenderam meu pai. Foi um caso aberto e resolvido. A
prova que Ana coletou de seu envolvimento com a rede de tráfico
humano do tio de Matteo era substancial. Ele não sairá da prisão tão
cedo. Não falo com minha mãe desde que Salvatore me levou, e não
pretendo fazer isso. Pela última vez que ouvi, ela deixou o país e está
morando com a família que temos na Sicília, longe de qualquer
escândalo relacionado ao meu pai.
Matteo e eu estabelecemos uma rotina confortável, por mais
confortável que seja quando você é casado com a máfia.
Passamos as primeiras semanas garantindo que Ana recebesse o
melhor atendimento disponível. Agora que ela está em um bom lugar,
um lugar seguro, estou pensando no que quero fazer do resto da minha
vida.
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Por mais que adore dias ociosos com meu marido, preciso trabalhar.
Julia costuma pensar comigo e temos ótimas ideias, mas nada de
concreto ainda.
Ouço os passos antes de vê-lo.
Virando-me por cima do ombro, sorrio para ele enquanto ele entra
na sala.
— Ele já está treinado para ir ao banheiro no lugar certo? – ele
pergunta, olhando para o meu colo. Aconchegando-se contra mim está o
cachorrinho resgatado que adotamos no mês passado. Não temos certeza
de qual raça ele é, mas se eu tivesse que adivinhar, diria que ele é uma
mistura de cavalier e poodle. Matteo afirma que precisávamos de um
cachorro grande e assustador, mas quando vi Bruce, sabia que ele era
para mim.
Segundo o abrigo, alguém deixou Bruce na beira da estrada.
No momento em que ouvi a história, senti uma conexão instantânea.
Não que eu tenha ficado na beira da estrada, mas sabia o que era não ser
desejado pela família.
Desde então, tenho passado quase todas as horas do dia com o
pequeno pacote de pelos. Matteo, no entanto, demorou a se animar, não
apreciando o fato de Bruce não gostar de fazer xixi lá fora. Em vez
disso, ele prefere fazer xixi nos móveis e no carpete... e bem, em
qualquer lugar que deixe meu marido louco.
— Ele está melhorando. – respondo.
— Então, ele ainda está cagando em todo lugar?
— Ele não está cagando em todo lugar. – murmuro baixinho.
Sua sobrancelha direita se levanta, me desafiando.
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— Tudo bem. Ele teve um acidente... ou três hoje. – Os olhos de


Matteo se arregalam com minhas palavras. — Mas ele está totalmente
tentando.
— Como quiser. – Matteo entra mais na sala antes de parar mais
perto de mim. Meu queixo escolhe esse momento para tremer por causa
do ar frio. — Está com frio?
O cobertor enrolado em mim e o cachorrinho sentado no meu colo
pouco me aquecem.
— Um pouco.
— Deixe-me acender a lareira.
— Tudo bem .. – eu paro, olhando para o chão. Sua mão toca meu
queixo e o levanta, então estou mais uma vez olhando em seus olhos.
— Viviana. – Sua voz é poderosa, mas reconfortante quando ele diz
meu nome.
— Sim. – eu sussurro.
— Você acha que eu iria machucar você?
Minha cabeça balança de um lado para o outro. — Claro que não.
— Você acha que eu deixaria qualquer coisa te machucar? – ele nos
conduz, e sei exatamente o que ele está insinuando. Meu medo irracional
do fogo.
— Bem, não. Mas...
— Sem desculpas. Eu não vou. Então agora. Bem aqui. Em nossa
casa, vou te ensinar como acender a lareira. Vou mostrar a você como
mantê-la controlada.
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Ele estende a mão para mim e eu olho para ele sem expressão. Eu
sei que meu medo é estúpido. Não me permiti nem acender uma vela ou
fogo desde então. Mesmo quando perdemos a energia há tantos meses e
Matteo as acendeu, não consegui controlar a forma como meu coração
disparou.
— É estúpido. Não sei por que não posso.
Ele me agarra e me puxa para cima, com Bruce saindo de cima de
mim e se encolhendo como uma bola, nos observando de onde ele agora
descansa enquanto Matteo me puxa em direção à lareira. Ao lado estão
toras.
— Vamos começar colocando duas toras de madeira na grelha. – ele
se move para pegá-los, fazendo o trabalho para mim. Estou aliviada com
isso, mas algo me diz que ele vai me fazer acendê-lo. Depois de colocar
as toras na mesa, ele pega alguns pedaços de jornal que estão sobre a
mesa, prontos para esse exato momento. Ele amassa. Quando está
pronto, ele se vira para mim. — Você está pronta para acender as toras?
— Não.
— Você consegue fazer isso. Você enfrentou meu primo, levou um
tiro por mim, pode acender a lareira. – Sua voz não deixa espaço para
objeções.
Olho para o fósforo e para o papel agora enfiado na madeira.
Pegando o fósforo na mão, fico olhando para ele. Como pode algo
tão pequeno ser tão assustador?
É aí que me dou conta de que, às vezes, Ana me dizia citações
diferentes.
O que ela disse sobre o medo?
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Uma citação de Aristóteles... “Aquele que supera o seu medo será


verdadeiramente livre." – Foi isso.
Neste momento, percebo a verdade nessas palavras. Não importa o
quanto longe eu tenha chegado, quanto incrível seja minha vida agora,
nunca serei capaz de seguir em frente até vencer meu medo.
Sem pensar duas vezes, acendo o fósforo e coloco-o na lareira.
Ele ganha vida.
Respirando vida nas chamas.
Observo enquanto ele se move diante de mim, com a mão de Matteo
segurando a minha e, juntos, sentimos o calor.
O calor que não queima mais.

As coisas se acalmaram desde a noite louca em que recuperei minha


esposa.
Desde então, tenho sido um tirano. O tirano.
Nunca a perdi de vista. De vez em quando ela reclama, mas sei que
secretamente adora.
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Ela adora quando sou um idiota possessivo.


O único momento em que ela fica sozinha é quando vou trabalhar,
mas logo isso também vai mudar.
Viviana passa esses momentos com a irmã. Isso foi um choque, mas
agora que o tempo passou, é a coisa mais natural do mundo para ela.
Hoje, quando chego em casa, encontro-a na biblioteca. Viviana está
pegando livros para doar para a biblioteca gratuita que ela e Julia
criaram.
Começou como um pequeno projeto, mas agora, pelo que está
acontecendo na sala, vai ocupar seu tempo.
— Oi. – ela sorri para mim do chão.
— Parece que você está ocupada.
Ela ri. É uma risada linda, que posso e irei passar o resto da minha
vida ouvindo.
Colocando os livros de lado, ela se levanta e dá um beijo em meus
lábios.
— Como foi seu dia, querido? – ela brinca. É a nova maneira
favorita dela de me receber, como se fôssemos apenas um casal normal e
eu não comandasse a máfia.
Eu a puxo para mais perto, intensificando o beijo, e ela ri contra
meus lábios. — Isso é bom.
— Tenho algo para conversar com você. – digo enquanto me afasto.
— Isso parece sério. – Vou até o sofá e ela faz o mesmo.
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— Está feito.
— O que foi feito?
— Eu abdiquei. Lorenzo está assumindo meu lugar.
Sua boca está aberta. — O que... tem certeza de que está bem com
isso?
— Eu estou. Não vou parar de trabalhar. Eu administrarei as partes
licitas dos negócios. Isso é o que meu pai sempre quis também. Ele
simplesmente nunca teve a oportunidade por causa de seu irmão. Mas
agora que Salvatore está morto, posso viver o seu sonho.
Viviana pula de onde está sentada no meu colo.
— Estou tão feliz por você. – ela solta um suspiro de alívio e agora
tenho certeza de que tomei a decisão certa.
Todos os dias que a deixei nos últimos meses, pude ver o medo em
seus olhos. Agora acabou.
— Tenho mais uma surpresa.
— Outro? Ops. – ela grita. — Eu adoro surpresas!
Levanto-me do sofá e estendo a mão para ela pegar.
Agora, juntos, saímos da biblioteca. Eu a levo até o hall de entrada.
É lá que Julia e Jonathan estão esperando com a surpresa.
Quando ela vira o corredor, um suspiro sai de sua boca.
Foi um longo caminho, um longo ano, mas todo o trabalho duro
valeu a pena.
— Ana... – Um soluço escapa de seus lábios e lágrimas escorrem
por seu rosto.
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A mulher que criou minha esposa está parada na porta.


Ela ainda está frágil e às vezes sua mente fica confusa devido aos
anos de medicação, mas a cada dia ela melhora um pouco com a ajuda
dos melhores médicos do mundo. Uma parte dela, uma vez perdida, é
restaurada.
— Minha garota, minha Vivi. – O termo carinhoso faz minha esposa
chorar mais.
Lentamente, ela caminha até ela e elas se abraçam.
Elas se abraçam por um minuto antes de acompanharmos Viviana e
a família até a sala. Esta noite será preparado um jantar para celebrar a
família.
Lorenzo também se juntará a nós, assim como Roberto. Minha
família.
A vida mudou para mim no ano passado, mas agora percebo que o
poder não é importante. Nem o dinheiro e a fama.
Tudo o que importa é isso...
Ter pessoas para valorizar, pessoas para amar.
É quando você finalmente está completo.

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