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Uma perspectiva interdisciplinar da visão e do tato na afinação de

instrumentos não-temperados

Fausto Borém (UFMG - Escola de Música)


Guilherme Menezes Lage (FUNORTE; Universidade FUMEC)
Maurílio Nunes Vieira (UFMG – Departamento de Física)
João Pardal Barreiros (Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, Portugal)

1. Interseção entre as áreas da Performance Musical, Controle Motor e


Acústica
Dentro da perspectiva de ensino e performance dos instrumentos musicais em
geral, verifica-se, no ambiente acadêmico e na literatura especializada, uma
grande carência de abordagens científicas sobre os processos da Performance
Musical envolvendo o controle da produção do som pelo instrumentista, e dos
movimentos corporais aí envolvidos. Em que pese o conhecimento sobre a
prática, aprendizagem e ensino acumulados por décadas durante a vida
profissional dos grandes pedagogos-instrumentistas, permanece a tradição da
transmissão oral e da imitação intuitiva de modelos de excelência na Performance
Musical. Foi dentro desta vertente que o projeto “Pérolas” e “Pepinos” do
Contrabaixo1 formalizou algumas questões e demandas (BORÉM, 1997a, 1997b),
mas que, só mais adiante, com a formação do grupo de pesquisa ECAPMUS2 em
2002, começaram a ser revisitadas com a devida profundidade. Dentro da
abordagem interdisciplinar entre a Música, a Educação Física e Física, a
Performance Musical passou a se beneficiar de conceitos e metodologias
consolidadas em Aprendizagem Motora (LAGE, BORÉM, BENDA e MORAES,
2002), em Controle Motor e em Acústica (BORÉM, VIEIRA e LAGE, 2003;
BORÉM, LAGE, VIEIRA e BARREIROS, 2005).

Este capítulo é um desdobramento de uma empreitada que se iniciou no Curso de


Bacharelado em Contrabaixo na Escola de Música da UFMG em 1993, a partir da
necessidade de desenvolvimento de um sistema sensório-motor que auxiliasse no
controle e ensino de uma boa afinação deste instrumento. Devido à irregularidade
histórica de seus aspectos construtivos (cujas proporções até hoje não foram
sistematizadas; BORÉM, 2001; BORÉM, 1995), devido à afinação de suas cordas
em quartas justas (e não em quintas justas como no restante da família do violino;
KARR, 1996); e devido às suas grandes proporções (muitas vezes
antianatômicas), o contrabaixo pode ser considerado um dos instrumentos
musicais de aprendizagem mais complexa. De fato, entre as cordas orquestrais
não-temperadas (violino, viola, violoncelo e contrabaixo), foi o contrabaixo que
mais tardiamente vem consolidando sua técnica, escolas e repertório.

1
O projeto “Pérolas” e “Pepinos” do Contrabaixo tem sido apoiado pelo CNPq, FAPEMIG e
FUNDO FUNDEP/UFMG a partir de 1994.
2
ECAPMUS: Ensino, Controle e Aprendizagem na Performance Musical (veja detalhes no Diretório
de Grupos de Pesquisa do CNPq).
Aqui são abordados alguns conceitos básicos do Controle Motor e algumas de
suas possíveis aplicações na música. É um pressuposto deste capítulo a
contribuição desses conceitos na reflexão científica sobre como algumas variáveis
da produção e controle de movimentos estão envolvidas no processo de tocar um
instrumento, cantar ou reger um grupo musical. Assim, são propostos alguns
exemplos com os quais os professores e performeres musicais se identifiquem.
Para facilitar sua localização no texto, os principais termos relacionados ao
assunto principal aparecem simultaneamente em caixa-alta e itálico, quando seu
destaque é necessário.

Dentro da Cinesiologia, o Comportamento Motor subdivide-se em três áreas: (1)


Controle Motor, que pretende explicar e modelar a produção de movimentos,
estudando como os movimentos são coordenados e regulados e quais são as
estruturas neurais responsáveis por estes mecanismos. Como exemplo, uma das
questões centrais investigadas pelo Controle Motor é como as Informações
Sensoriais disponíveis antes e durante o movimento atuam na Programação
Motora e no Processamento de Feedback Intrínseco (aquele que é fornecido pela
própria pessoa); (2) Aprendizagem Motora, que estuda os mecanismos e
processos subjacentes às mudanças de comportamento motor em virtude da
prática, ou seja, a aquisição de habilidades motoras e os fatores que a
influenciam. Dentre as questões levantadas, discute-se como uma habilidade
motora evolui de um estado pouco consistente, inflexível e impreciso para um
estado consistente, flexível e preciso (SCHMIDT e WRISBERG, 2001); e como
novas habilidades motoras emergem a partir de experiências anteriores; como a
informação disponibilizada pelo professor interfere na aprendizagem, dentre
outras; (3) Desenvolvimento Motor, que estuda as mudanças no comportamento
motor, ao longo do ciclo de vida do ser humano, tais como a modificação das
técnicas de locomoção ou do padrão de caminhada, a modificação do tempo de
reação em função da maturação na infância e da degeneração que acompanha o
envelhecimento, ou a variação na capacidade de equilíbrio (LAGE; GOMES;
BENDA, 2004). Apesar de definidas como subáreas distintas de investigação
sobre o Comportamento Motor, as mudanças no controle, aprendizagem e
desenvolvimento motor que ocorrem ao longo da vida como fruto da interação
biológica e da experiência adquirida são estreitamente interrelacionadas devido à
forma como os movimentos são produzidos e controlados em um eixo temporal,
como mostra a FIG.1.
Movimento
Controle Aprendizagem Desenvolvimento

Segundos Minutos / Horas Meses / Anos

Eixo temporal

FIG.1 – Relação entre movimento e tempo dentro da perspectiva do continuum das sub-áreas do
Comportamento Motor (Controle Motor, Aprendizagem Motora e Desenvolvimento Motor)

Uma simples e atenta observação da performance de um músico no palco revela


que as demandas perceptivas e motoras na tarefa de tocar um instrumento
interferem crucialmente na proficiência de suas ações. Por isso, o conhecimento
produzido pela área do Controle Motor há mais de um século (LASHLEY, 1917;
WOODWORTH, 1899), é de particular interesse tanto para o performer quanto
para o professor de música. Em última análise, a compreensão e aplicação de
conhecimentos que regem os movimentos podem permitir uma diminuição
significativa de erros na Performance Musical e da variabilidade das ações nos
membros envolvidos nos movimentos da realização musical. Embora a produção
de movimentos com instrumentos musicais não tenha constituído um cerne de
estudos em Controle Motor, é evidente que muitas das descobertas neste campo
são pertinentes. Por exemplo, a Lei de Fitts estabelece uma correspondência
entre a possibilidade de realizar movimentos rápidos, a dimensão do alvo e a
distância a percorrer pelo segmento. Em termos práticos, resultados desta
pesquisa (FITTS, 1954) indicam que alvos pequenos para os dedos, ao contrário
de alvos grandes, por exemplo, implicam em movimentos lentos. Entretanto, a
mesma lei prevê uma tendência dos movimentos de grande amplitude serem mais
lentos e menos precisos do que movimentos de pequena amplitude. A aplicação
de teorizações tendo como base o estudo do Comportamento Motor, mais
especificamente aquela da organização de Ações de Precisão, tem se estendido a
outros domínios, como por exemplo, a otimização da manipulação na fisioterapia
(PRINGLE, 2004).

Duas diferentes visões teóricas embasam a maneira de compreender a produção


e o controle dos movimentos. A primeira, denominada de Processamento da
Informação foi desenvolvida inicialmente no quadro conceitual da Psicologia
Cognitiva e ganhou força entre os pesquisadores do comportamento motor a partir
da década de 1970 (ADAMS, 1971; SCHMIDT, 1975). Nesta perspectiva tratou-se
de perceber como mecanismos do sistema central de controle podem gerir
grandes quantidades de informação para a regulação da ação e, sobretudo, o
modo como a memória atua neste processo. A segunda, denominada de
Abordagem dos Sistemas Dinâmicos, atraiu o interesse de parte dos estudiosos a
partir da década de 1980. Esta segunda teve como referência inicial as idéias
formuladas por BERNSTEIN (1967) sobre o problema dos Graus de Liberdade na
neurofisiologia e por GIBSON (1979) sobre Percepção e Ação na psicologia
ecológica (para maiores detalhes sobre essas diferentes visões teóricas veja
ABERNETHY e SPARROW, 1992, GODINHO, BARREIROS e CORREIA, 1997,
GODINHO, 2002). Nesta perspectiva, são valorizadas as questões da auto-
organização em sistemas complexos, em que se buscam modelos de
comportamento, aprendizagem e desenvolvimento que cuidem da questão das
instruções prescritivas prévias. As reflexões apresentadas nesse capítulo têm
como pano de fundo teórico o primeiro construto teórico, ou seja, os pressupostos
do Processamento da Informação.

Dentro da área de Ciências Exatas, a aplicação de técnicas de processamentos


digital de sinais possibilita a obtenção de medidas acústicas (como a freqüência
fundamental das notas) extraídas de registros sonoros. Assim, é possível a
realização de experimentos em que os instrumentistas realizam tarefas
controladas das quais se extraem dados quantitativos para descrever a precisão
de seus gestos.

2. O papel tradicional da cinestesia e da audição na performance dos


instrumentos não-temperados
Um dos grandes desafios para os músicos que tocam instrumentos não-
temperados (cujas distâncias entre as freqüências de cada nota não são fixas ou
pré-determinadas) é o controle da afinação (HAVAS, 1995), que foi reconhecido
por APPLEBAUM (1973, p.15) como um “problema universal”. Diferentemente do
que ocorre no violão, guitarra ou contrabaixo elétrico, a não existência de trastes
nas cordas orquestrais (violino, viola, violoncelo e contrabaixo) para gerar
referências claras sobre as notas a serem atingidas, concorre para a incerteza
sobre os pontos exatos no espelho do instrumento, nos quais o conjunto braço-
mão-dedos do membro superior esquerdo deve ser posicionado (BORÉM, VIEIRA;
LAGE, 2003). Para muitos profissionais torna-se um problema insolúvel,
irremediavelmente ligado à sua auto-estima, desempenho e sucesso profissional,
e no caso dos iniciantes, um dos principais fatores determinantes no abandono do
instrumento ou da própria música. Importante dizer é que esse quadro gera um
círculo vicioso que sustenta o assim chamado Mito do Talento Inato, em que
alguns poucos geneticamente eleitos nasceriam com “ouvido” para a música, mito
que ainda resiste, apesar de guinadas não tão recentes no ensino da música,
como a abordagem revolucionária de Suzuki para as cordas orquestrais (STARR,
1976),3 em que milhões de crianças em todo o mundo passaram a ter acesso ao
fazer musical.

Tradicionalmente, o ensino e a performance de instrumentos musicais não-


temperados apóiam-se na utilização de duas fontes sensoriais apenas, no que diz
respeito à produção e o controle de movimentos: a Cinestesia (também

3
Para a questão do Mito do Talento Inato e sua relação com a Prática Deliberada, ver ainda LAGE,
BORÉM, BENDA e MORAES (2002); SLOBODA (1996); SALMELA (1996); MORAES, DURAND-
BUSH e SALMELA (1999); ERICSSON, KRAMPE e TESCH-RÖMER (1993).
denominada Propriocepção ou, embora com alguma variação, Percepção Háptica)
e a Audição (BORÉM; VIEIRA; LAGE, 2003).4 Essas duas fontes sensoriais têm
como uma de suas principais funções gerar informações de retorno (Feedback)
sobre o movimento gerado. Essas informações podem tanto ser utilizadas para
correções online do movimento (quando há disponibilidade de tempo, ou quando o
tempo de movimento é suficientemente dilatado para permitir a intervenção de
circuitos retroativos, caracterizando uma Programação em Circuito Fechado5) ou
utilizadas para otimizar o desempenho em futuras performances.

O predomínio da tradição oral e o dogmatismo no ensino das diferentes “escolas


de cordas” (especialmente aquelas do violino, cujos métodos, tratados e tutoriais
foram melhor e primeiramente sistematizados) elegeu a audição como o sentido
mais importante na aprendizagem e realização musical. De fato, o ajuizamento
final da afinação (bem como de outros atributos do som como timbre, intensidade,
articulação, estilo, intenção musical etc.) se fará sempre por meio do ouvido.
Exceto nos movimentos que o dedo desliza sobre a corda produzindo freqüências
antes de se chegar à nota-alvo (ex. glissando, portamento ou slide), a audição não
pode, ao contrário de outras fontes sensoriais (como a visão, o tato, e mesmo, a
cinestesia), antecipar a localização de uma nota musical antes que ela ocorra (ou
que seja ouvida), especialmente nos movimentos rápidos dos membros
(Movimentos Balísticos), típicos da Programação em Circuito Aberto6, em que não
é possível uma correção do movimento (em amplitude, direção ou velocidade)
antes de se atingir a meta. Em que pese a importância dos músicos
desenvolverem a habilidade de rapidamente corrigir a afinação das notas que não
conseguiram atingir de fato, é fundamental o desenvolvimento de estratégias de
antecipação do movimento correto para se chegar às freqüências desejadas com
acurácia e, por isso, não ser necessário corrigi-las.

Poucas metodologias no ensino das cordas orquestrais têm recorrido ao tato e à


visão como fontes sensoriais relevantes na aprendizagem de uma afinação mais
precisa e em um tempo menor. Há algumas exceções entre pedagogos
reconhecidos internacionalmente, como se pode observar nos métodos
desenvolvidos por Shinishi Suzuki (STARR, 1976), Paul Rolland (ROLLAND e
MUTSCHLER, 1974) e Ivan GALAMIAN (1962). Mas suas abordagens são
pontuais e tratam a visão e o tato como coadjuvantes secundários no ensino e
nenhum deles chega, de fato, a aplicar utiliza conhecimentos correlatos produzido
em outras áreas do conhecimento humano.

4
Dentre os sentidos humanos de interesse para o Comportamento Motor, destacam-se os
Sentidos Interoceptivos (como a Cinestesia) responsáveis por gerar informações sobre as
características do movimento do corpo e do membro, tais como orientação, velocidade e ativação
muscular e os Sentidos Exteroceptivos (como a Audição, o Tato e a Visão) alimentados por
agentes externos ao corpo humano.
5
Circuito Fechado é um tipo de controle que envolve o uso de Feedback para detecção e correção
de erros, a fim de manter a meta pré-definida; utilizada para controlar movimentos lentos.
6
Circuito Aberto é um tipo de controle que envolve o uso de comandos motores previamente
programados e sem utilização de feedback, ou seja, sem correções durante o movimento, utilizada
para controlar movimentos rápidos.
De uma maneira geral, a utilização sistemática da visão no ensino da música
erudita é considerada uma prática não recomendada, muitas vezes tida como um
vício e por isso, condenada por muitos pedagogos. Por outro lado, entre os
profissionais da música popular, cujo ambiente se mostra mais receptivo e
pragmático quanto às inovações e mudanças proporcionadas pela tecnologia e
por novas maneiras de se abordar a Performance Musical, observa-se menos
preconceito na apropriação de outros recursos sensoriais que não a audição e a
cinestesia. Por exemplo, o contrabaixista norte-americano Edgar Meyer (WELZ,
2001), recebedor de destacados prêmios tanto na música erudita quanto popular,
como o Avery Fischer Prize (2000)7 e o Grammy Award (1999, 2000),
respectivamente, perguntado sobre porque utilizava, no espelho de seu
contrabaixo acústico, marcações semelhantes àquelas comuns nos contrabaixos
elétricos, respondeu que simplesmente porque gostava de tocar afinado
(ROBINSON, 2001).

A compreensão do papel das informações cinestésicas e auditivas no controle da


afinação em instrumentos não-temperados levanta algumas questões. A
cinestesia é considerada uma importante fonte de Feedback (ADAMS, 1971), e da
informação que antecede o movimento com a função de orientação sobre a
posição inicial dos membros - informação sobre o estado inicial do sistema.
Entretanto, os ajustes realizados no movimento corrente somente através de
informações cinestésicas sofrem limitações em relação ao nível de sua precisão
(BLOUIN et al., 1993). A reprodução precisa de padrões de distância (como ocorre
com os músicos ao percorrerem o teclado ou o espelho do braço de seus
instrumentos, por exemplo) pode se deteriorar quando são disponibilizadas
somente informações cinestésicas (KELSO, HOLT e FLATT, 1980). Mesmo que
os referenciais teóricos valorizem mais ou menos a posição inicial em um
movimento, não há dúvidas de que o corpo humano dispõe de mecanismos de
comparação entre o estado inicial e outros estados do sistema ao longo do tempo.
A Cinestesia pode, assim, ser entendida não como o “sentido da posição”, mas
como o sentido da “variação de posição”. Uma idéia simplificada é a de que a
função da realização de muitos movimentos nada mais é do que informar sobre
posição, uma vez que sensores subestimulados são menos informativos (hipótese
que busca explicar, por exemplo, porque os tenistas se movem oscilatoriamente
na recepção do serviço, ou sobre as vantagens sensoriais dos cegos oscilarem a
cabeça como forma de produzir estimulação vestibular). Neste sentido, é
importante observar que, de uma forma ou de outra, o eixo referencial do tempo é
chamado a interferir. Mas, para o tempo não dispomos de sensores específicos –
vivemos de construções perceptivas e, quanto muito, de osciladores neurais de
elevada freqüência.

7
Durante seus 26 anos de existência, o Avery Fischer Prize, considerado um dos mais importantes
prêmios da música erudita nos Estados Unidos, foi concedido somente a 16 instrumentistas, entre
ele Yo-Yo Ma e Nadja Salerno-Sonnenmberg.
Por outro lado, ainda em relação à audição, a sua função como Feedback é de
natureza terminal e só ocorre após a primeira tentativa de alcance da freqüência
desejada, a qual é percebida com base em um referencial anterior, que pode ser
uma nota de freqüência diferente ou, ainda, a percepção por meio do ouvido
absoluto (no caso daqueles que o possuem). A realização musical de algumas
obras em que o portamento ou o vibrato mais amplo tornaram-se parte do estilo ou
prerrogativa do intérprete, como é comum em obras do período romântico, o
recurso de ajustar a afinação após um erro na precisão do movimento pode
passar mais desapercebido, mas o músico experiente quase sempre saberá
distinguir entre expressividade e a ocorrência de problemas técnicos. Também em
diversos gêneros da música popular observa-se a utilização da estratégia de
dissimulação do erro da afinação não-temperada e sua correção após o Feedback
Auditivo, especialmente em estilos que incluem os diversos efeitos de alteração ou
distorção das freqüências-alvo (como o slide, o slide vibrato, o bend, o scoop, o
doit, as blue notes etc.)8. Entretanto, trata-se um problema que, pelo menos na
Performance Musical de alto nível, pode ser “remediado”, mas não resolvido na
sua origem, o que significaria necessariamente em percorrer uma distância correta
até a nota-alvo, nem mais, nem menos. Numa situação ideal de execução musical
com freqüências “corretas” apenas, as correções por Feedback Auditivo não
ocorreriam, o que obrigaria o sistema a operar em modo puramente antecipativo-
prescritivo. Na prática, mesmo entre os instrumentistas não-temperados de alto
nível, há uma combinação do Feedback Cinestésico, que pode intervir durante o
curso do movimento, com algumas intervenções do Feedback Auditivo. Pode-se
pensar ainda em situações onde a informação auditiva exercesse uma função de
Feedback Concomitante, ou seja, no percurso entre duas notas a audição
detectaria informações sobre as tendências de trajetória errônea (devidos a erros
na amplitude ou na velocidade do movimento) de maneira a permitir um constante
redirecionamento até que a nota-alvo fosse atingida. Novamente, trata-se de uma
prática limitante, em que o tempo de latência referente à circulação de informação
não se daria em tempos inferiores aos limites de correção dos Movimentos
Balísticos (movimentos realizados com grande velocidade ou aceleração e
teoricamente sem possibilidades de ajustes durante a própria ação), de tal
maneira que sua aplicação excluiria a maior parte das situações musicais, onde,
de fato, são esperadas ações de duração regular do músico. Uma desaceleração
do movimento nas proximidades da nota-alvo para corrigir sua freqüência teria
óbvias interferências no resultado musical.

3. Por uma contribuição das informações sensoriais visuais e táteis na


performance de instrumentos musicais não-temperados
A visão no processamento de Feedback é considerada a mais importante fonte de
informação sensorial quando altos níveis de precisão são exigidos (ABAHNINI;
PROTEAU; TEMPRADO, 1997). Movimentos realizados com disponibilidade de
informações visuais apresentam características cinemáticas de velocidade e
aceleração diferentes dos movimentos sem visão, devido às diferentes estratégias

8
Para uma descrição destes efeitos de alteração ou distorção da freqüência de notas musicais,
veja GRIDLEY (1987)
utilizadas no processamento. Quando o Feedback visual é disponibilizado e há
tempo suficiente para o seu processamento, os movimentos apresentam um
primeiro momento em que, a partir de Dicas Visuais, um rápido impulso (parte
balística do movimento) move o membro para próximo do alvo, e um segundo
momento direcionado visualmente no qual os erros associados ao impulso inicial
podem ser corrigidos, levando a uma maior precisão final (HELSEN, ELLIOTT,
STARKES e RICKER, 1998). Trata-se de um modelo de correção de movimento
baseado em encadeamentos corretivos de amplitude cada vez menor,
coincidentes com o número de ações para atingir o alvo em aproximações
sucessivas. Primeiro percorre-se uma trajetória e depois uma segunda, delimitada
pela dimensão do erro da trajetória inicial. Em trajetórias iniciais muito bem
direcionadas para o alvo, teremos um erro reduzido, e o número de correções
subseqüentes será menor. Contudo, o erro final de precisão espacial pode
permanecer constante. A avaliação destes modelos demanda a utilização de
Electromiografia (EMG) para detecção de impulsos sucessivos de ativação
muscular e de suas de rotinas. Contudo, o número de seqüências identificadas
dentro de uma ação por padrões de ativação eletromiográficos, aponta para um
número reduzido destas subunidades na ação total. Isto significa que este
mecanismo não será relevante no caso de existirem muitas correções sucessivas
porque o número de subunidades é relativamente pequeno. Por exemplo, em
movimentos de precisão e posicionamento pode predominar um Padrão Trifásico -
Pico Agonista de Ativação Inicial (ativação do principal músculo a movimentar o
membro), Pico Antagonista de Frenagem (ativação da musculatura que se opõe
ao agonista) e novo Pico Agonista. Os movimentos manuais realizados na
Performance Musical são de natureza similar aos utilizados nos experimentos em
comportamento motor, o que aponta para a possibilidade de inferências sobre
como a visão pode ser importante na Performance Musical.

Outra fonte de informação sensorial importante é o tato. Sinais gerados nos


receptores cutâneos podem apresentar uma importante função na produção e
controle de movimentos (SCHMIDT e LEE, 1999). O toque não somente provê
informações sobre características da superfície de contato, mas também informa
sobre a posição dos membros (RABIN e GORDON, 2004). As características
físicas dos instrumentos musicais não-temperados (a pestana, o salto do braço, a
lateral esquerda superior do tampo, a região de capo-tasto) possibilitam gerar
pontos de referências táteis que podem ser utilizados no controle da afinação,
funcionando como Dicas Táteis. Duas fontes importantes de informação tátil
podem estar envolvidas em instrumentos de cordas – a informação de Contato
Superficial e a informação de Pressão Subcutânea. Mesmo que a atuação
fisiológica de sensores seja diferençável, a percepção resultante certamente os
integra de forma indistinta. Assim, o instrumentista lidará, no uso da informação
tátil, com os dois tipos de informação, embora não os diferencie.

As Dicas Táteis e Visuais exercem a função de orientação (Guidance), com o


potencial de produzir referências espaciais (SCHMIDT e LEE, 1999) em situações
que exigem altos níveis de precisão, como é o caso da performance em
instrumentos que não apresentam trastes em seus espelhos. Na literatura,
encontramos algumas sugestões de uso de Dicas Táteis (NEHER, 1995;
BARBER, 1991; BARBER, 1990; ROBINSON, 1990; GREEN, 1980) e Dicas
Visuais (BARBER, 1991; BARBER, 1990; ROBINSON, 1990; ALSHIN, 1986;
STARR, 1976; ROLLAND e MUTSCHLER, 1974, GALAMIAN, 1962) como meios
de orientação e melhoria da afinação na Performance Musical. Entretanto, essas
propostas carecem de suportes de pesquisa fundamentada. A partir desta
necessidade, o ECAPMUS vem investigando experimentalmente como a
organização e a manipulação da informação visual e tátil pode otimizar o controle
da afinação no contrabaixo acústico, assim como a sua possível generalização às
demais cordas orquestrais (violino, viola, violoncelo) e o contrabaixo elétrico
fretless.

4. Delineamento da pesquisa
Os experimentos já conduzidos no grupo ECAPMUS investigaram o papel
orientação tátil e visual e de sua integração sensorial no controle da afinação não-
temperada. Devido ao escopo deste capítulo, a sua apresentação não será aqui
pormenorizada, mas sumariamente informar sobre seus princípios básicos, coleta
de dados, análise de dados e discussão dos resultados. Oito músicos de
diferentes instrumentos (temperados e não-temperados), que participaram como
voluntários em três tentativas, tocaram uma seqüência melódica atonal em um
quadro à sua frente, composta por 16 notas, dispersas nos diferentes registros do
contrabaixo (FIG.2). Na primeira tentativa (Tentativa Livre), sem nenhum tipo de
orientação por parte dos pesquisadores, os participantes puderam utilizar, à sua
vontade e sem restrições, todas as suas fontes sensoriais, o que equivaleu a uma
livre utilização de seus sistemas percepto-motores de acordo com suas
experiências prévias.
FIG.2 - Notas da seqüência atonal, sua localização nos registros contrabaixo, Pontos de Busca
Tátil e Pontos de Busca Visual.

Na segunda tentativa (Tentativa com Restrição Máxima), em que somente o


sentido da cinestesia estava disponível (FIG.3), todos os sentidos exteroceptivos
dos participantes foram restringidos: (1) a Audição, por meio de fones de ouvido
alimentados com Ruído Rosa (um sinal sonoro mascarador), (2) a Visão, com a
utilização de uma viseira de Visão Periférica limitada que colocou o espelho do
instrumento fora do campo de visão dos participantes (3) o Tato, com utilização de
pequenas almofadas que alteraram os pontos de contato referenciais estratégicos
no instrumento (pestana, sela do braço e lateral esquerda superior do tampo).

FIG.3 – Participante tocando seqüência atonal no contrabaixo com restrições sensoriais na


Tentativa com Restrição Máxima.

Na terceira tentativa (Tentativa Integrada), os participantes foram orientados pelos


pesquisadores a utilizarem novamente todas as suas informações sensoriais, mas
desta vez com instruções sobre os Pontos de Busca Visual (as Dicas Visuais
representadas por três pequenos pontos pintados no espelho do contrabaixo) e os
Pontos de Busca Tátil (as Dicas Táteis, representados por três pontos de apoio
tátil no corpo do instrumento).

Os equipamentos utilizados para a captura e processamento dos sinais de áudio


do contrabaixo foram um captador Fishmann preso ao instrumento, amplificado
por uma mesa de áudio e digitalizado em um computador. As notas foram
analisadas individualmente por um programa extrator de freqüência fundamental
(MEDAN, YAIR, e CHAZAN, 1991) e cada valor medido foi comparado com a
freqüência da nota almejada.

A FIG.4 mostra a média do desempenho dos oitos participantes, representada


pela medida de erro relativo, ou seja, os percentuais de erro (para mais ou para
menos) em relação à nota alvo. Para a análise estatística, foi utilizado o Teste de
Friedman para detectar possíveis diferenças entre as tentativas. O teste indicou
uma diferença significativa entre as três tentativas (X2 = 14,25, n = 8, df = 2, p <
0.01). Para análise das diferenças entre os pares de tentativas, foi utilizado o
Teste de Wilcoxon, que indicou que o desempenho dos participantes na Tentativa
Livre foi estatisticamente superior a Tentativa com Restrição Máxima (Z = 2,52, p
< 0.01). A Tentativa Integrada (na qual os participantes estavam instruídos sobre
como utilizar as Dicas Táteis e Dicas Visuais) apresentou desempenho superior a
Tentativa Livre (Z = 2,10, p < 0.05), assim como foi também superior à Tentativa
com Restrição Máxima (Z = 2,52, p = 0.01).

8
7
Erro Relativo (%)

6
5
4
3
2
1
0
TL TRM TI
Tentativas
FIG.4 - Desempenho dos participantes na Tentativa Livre (TL), na Tentativa com Restrição Máxima
TRM) e na Tentativa Integrada (TI).

5. Discussão dos resultados


Na Tentativa Livre, os participantes obtiveram um desempenho superior àquele da
Tentativa com Restrição Máxima. Esse resultado confirma a eficiência da
tradicional e milenar prática de ensino dos instrumentos de música, ou seja, não
somente a cinestesia, mas sim, a sua integração com outras fontes sensoriais,
como a audição, gerada por anos de prática musical, ainda que não sistematizada,
leva a um nível satisfatório de desempenho.

Os resultados mais importantes, entretanto, estão relacionados às comparações


da Tentativa Integrada com as demais, o que corrobora os achados de pesquisas
sobre o papel da visão e do tato na produção e controle de movimentos (HELSEN,
ELLIOTT, STARKES e RICKER, 1998; RABIN e GORDON, 2004). Como
esperado, o desempenho dos participantes na Tentativa Integrada superou o
desempenho dos mesmos na Tentativa com Restrição Máxima. Já a Tentativa
Livre, que representa o comportamento sensório-motor tipicamente desenvolvido
através da prática diária, mas sem a utilização sistemática de Dicas Sensoriais, foi
superada pela orientação visual e tátil integradas, fornecida aos participantes
pelos pesquisadores. A aparente organização sistemática dessas informações na
Tentativa Integrada aponta para um quadro otimista em que a prática diária e
sistemática destes procedimentos pode levar a uma aprendizagem da afinação
não-temperada com um alto nível de precisão. Este resultado mostra que o efeito
exploratório das informações disponíveis, porém sem referenciais bem definidos, é
importante, mas não tão significativo quanto aquele proporcionado pela orientação
e referenciação dessa exploração através de informação suplementar de
orientação.

Diversos estudos já ressaltaram o papel da exploração ativa da informação


disponível e proporcionada pela própria ação (VEREIJKEN, 1990; VEREIJKEN,
WHITING & BEEK, 1992) e outros sublinharam o papel da orientação na utilização
de informação disponível (PRINGLE, 2004; ANDERSON, MAGILL, SEKIYA &
RYAN, 2005). A relevância relativa destes dois procedimentos, normalmente
enquadrada no estudo de validade da Hipótese da Orientação (Guidance
Hypothesis) (SCHMIDT & YOUNG, 1991), tem apontado para a vantagem não só
da exploração de informação como auxiliar de aprendizagem, mas também para a
vantagem da oferta de Pistas Aumentadas de Feedback em termos de precisão de
movimento. Contudo, os efeitos de Orientação no aumento da precisão de
movimentos podem não corresponder aos ganhos efetivos de aprendizagem a
longo prazo. Esses efeitos negativos na aprendizagem têm sido observados
quando as Dicas Sensoriais são retiradas. Entretanto, em situações na música em
que as Dicas Cinestésicas estão, em princípio, sempre presentes, e naquelas em
que as Dicas Visuais são acrescidas ao espelho dos instrumentos não-
temperados (como foi o caso do contrabaixo), sugere-se que esses efeitos
negativos de dependência no processo de aprendizagem da afinação não-
temperada possam não ser observados. Por isso, novos estudos são necessários
para observar o efeito da orientação na afinação sob a perspectiva da
Aprendizagem Motora (cf. LAGE, BORÉM, BENDA, MORAES, 2002).

6. Perspectivas
Dentro do próprio delineamento experimental discutido acima, há a perspectiva de
se estudar o controle da afinação não-temperada como uma variável dependente
de diversas outras variáveis. Por exemplo, (1) quanto aos registros dos
instrumentos (grave, médio, agudo e super-agudo, no caso do contrabaixo); (2)
quanto aos graus de expertise do instrumentista (iniciante, intermediário e
avançado); (3) quanto ao tipo de afinação em que o participante é treinado
(temperado e não-temperado); (4) quanto à direção do movimento (do grave para
o agudo; do agudo para o grave); (5) em movimentos grossos (envolvendo
mudanças de posição da mão esquerda) e em movimentos finos (mão esquerda
fixa, mas com movimentos entre os dedos); (6) quanto ao tipo de percepção
exteroceptiva analisada isoladamente (apenas visão, apenas tato, apenas
audição); (7) quanto ao tamanho do instrumento (piccolo, 3/4, 4/4 etc.).

Uma outra perspectiva vislumbrada no ECAPMUS são os estudos sobre os


padrões de Undershoot e Overshoot, os quais têm sido amplamente estudados
quanto à sua amplitude (espaço percorrido pela mão sobre o espelho ou teclado,
no caso da música), direção (do grave para o agudo ou vice-versa, no caso da
música) e velocidade nas áreas de Comportamento Motor e Engenharia de
Controle de Sistemas Dinâmicos. Os movimentos manuais caracterizados como
Undershoot são padrões de movimento em que a amplitude é menor que a
desejada, nos quais o conjunto braço-mão dedos (ou partes deste conjunto) pára
antes de atingir o alvo. Por outro lado, nos padrões de Overshoot, ocorre um erro
por excesso, pois o movimento, mais amplo que o necessário, só pára após
passar pelo alvo. Ambos podem ser gerados por diversos fatores inerentes à
Performance Musical.

De acordo com BORÉM, LAGE, VIEIRA e BARREIROS (2005), um destes fatores


mais influentes é a disponibilidade ou não das fontes sensoriais tanto para a
preparação do movimento, quanto para as correções durante o movimento
(Feedback). A restrição da visão, por exemplo, leva a um padrão predominante de
Undershoot (PROTEAU e ISABELLE, 2002). Uma das possibilidades explanativas
é que, na programação de movimentos direcionados a um alvo, são geradas duas
fases. Inicialmente, é gerado um subcomponente do movimento que tende a ficar
aquém do alvo e, à medida que o membro se aproxima do alvo, são realizadas
correções finais no sentido de atingir a meta com precisão. Entretanto, essas
correções finais são realizadas com maior proficiência quando a informação visual
é disponibilizada (KHAN e FRANKS, 2003).

Três outros fatores que influenciam os padrões de Undershoot e Overshoot


merecem destaque. Primeiro, além da posição final, a posição inicial do membro
superior (IMANAKA, 1989). Por exemplo, na performance de instrumentos não-
temperados (como o violino, o violoncelo, a viola, o contrabaixo acústico e o
contrabaixo elétrico fretless), a constante mudança da posição inicial do membro
esquerdo pode gerar dificuldades nos ajustes aos pontos requeridos.

Segundo, os tipos de estratégias de Controle Motor adotadas (HIRATA e


YOSHIDA, 2000). Destacam-se três, de acordo com a velocidade e a
disponibilidade de determinadas fontes sensoriais. Na estratégia de programação
em Circuito Aberto, todas as informações necessárias à realização do movimento
são preparadas e organizadas antes do início do movimento (SCHMIDT, 1975).
Este tipo de estratégia é utilizado quando se tem pouco tempo disponível para o
processamento de Feedback, característica encontrada em trechos musicais que
requerem velocidade e aqueles nos quais as distâncias a serem percorridas no
espelho do instrumento são muito curtas. Por outro lado, quando se dispõe de
tempo suficiente para utilizar as informações provindas do Feedback (por
exemplo, informações providas pelas Dicas Visuais ou Dicas Táteis), a
programação é realizada em Circuito Fechado (ADAMS, 1971). Há ainda o
Controle Híbrido unindo o processamento central (Circuito Aberto) e o
processamento periférico (Circuito Fechado) (SCHMIDT, 1975).

Terceiro, a existência de atividades interpoladas (CARLTON e CARLTON, 1984),


cujos movimentos são caracterizados pela aleatoriedade de direção. Assim,
durante a performance, os movimentos ascendentes e descendentes são
interpolados continuamente, gerando, por isso, uma maior probabilidade de
produção de padrões de Undershoot ou Overshoot.

Embora ainda não existam estudos conclusivos sobre a tendência dos músicos de
instrumentos não-temperados de preferirem antes desafinar “para aquém”
(Undershoot) do que “para além” (Overshoot) das freqüêncis-alvo, pode-se
especular (BORÉM, LAGE, VIEIRA e BARREIROS, 2005) sobre o acirramento
desta percepção quando a correção da afinação demanda um movimento
contrário ao movimento inicial, o que pode explicar a sensação psico-acústica de
uma maior desafinação (FIG.5).

overshoot

posição inicial
movimento ideal (sem correções)

nota-alvo mais aguda undershoot


(posição final)

FIG.5 – Undershoot, Overshoot, percepção da desafinação e correção (setas tracejadas) da


afinação não-temperada.

Entre outras perspectivas já vislumbradas dentro desta linha de pesquisa do


ECAPMUS, que integra a Performance Musical, o Comportamento Motor e a
Acústica, destacamos também os estudos a serem realizados sobre o controle dos
parâmetros do vibrato, como a taxa, a amplitude e a regularidade (DEJONCKERE,
HIRANO e SUNDBERG, 1995), e os problemas comumente encontrados na sua
aprendizagem. Dentro de uma visão global da história da música, observa-se que
o vibrato tem sido um procedimento técnico intrinsecamente ligado à expressão
musical nos diversos períodos estilísticos ou com diferentes valores dentro das
diversas tendências estéticas musicais eruditas e populares. Descortina-se então
um amplo panorama de temas que instigam questões na sua pesquisa: (1) a
valoração histórica do vibrato, que passa da categoria de ornamento discreto nos
séculos XVII e XVIII a um procedimento de utilização contínua na estética
romântica, como uma ferramenta psico-acústica de aumento da intensidade
sonora; (2) os tipos de vibrato desde o barroco (vibrato-de-dois-dedos nos
instrumentos de cordas; vibrato por pressão no cravo) até as tendências modernas
como o vibrato funk do contrabaixo elétrico fretless; (3) o emprego controlado e
não-individualizado do vibrato pelos músicos nos naipes orquestrais e a sua
utilização (e ausência) orgânica deliberadamente construída, pelos grandes
solistas, a partir de variações de sua taxa e amplitude; (4) os diversos
estereótipos e nuances do vibrato entre os cantores eruditos e populares e sua
relação com as palavras e sua carga emocional na partitura; (5) os problemas de
produção do vibrato (como amplitude insuficiente, taxa excessiva, vibrato
epasmódico, goat vibrato). Há poucas pesquisas científicas sobre o vibrato e sua
aplicação na Performance Musical. Para a maioria dos pedagogos da música e
instrumentistas, o conhecimento sobre o vibrato ainda se encontra na seara da
intuição e sua aprendizagem é francamente baseada na imitação de modelos
auditivos. Em que pese a sua natureza artística e sua finalidade final como
ferramenta da expressão, o vibrato carece de ser conhecido nas suas estruturas
invisíveis ao olhar do músico que toca. É neste espaço que uma visão
interdisciplinar entre a Música, o Comportamento Motor e a Física pretende
contribuir.

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Fausto Borém (fborem@ufmg.br / www.musica.ufmg.br/~fborem) é coordenador do grupo de


pesquisa ECAPMUS (Ensino, Controle e Aprendizagem na Performance Musical), que realiza
estudos interdisciplinares entre as áreas de Música, Educação Física e Física. Na UFMG, onde
criou o Mestrado em Música e a revista Per Musi, é professor de Contrabaixo, Música de Câmara,
Pesquisa em Música e Práticas de Performance. Pesquisador do CNPq desde 1994, é Doutor em
Contrabaixo pela University of Georgia e Mestre em Contrabaixo pela University of Iowa, EUA. Tem
representado o Brasil nos principais eventos nacionais e internacionais do contrabaixo acústico
(EUA em 1993, 1995, 1997, 1999, 2001, 2005; França em 1994, Escócia em 1998, Inglaterra em
2004) e de pesquisa sobre música em geral. Publicou dezenas de artigos em importantes
periódicos nacionais e internacionais nas áreas de performance, composição, análise e
musicologia histórica, áreas nas quais recebeu diversos prêmios no Brasil e no exterior.

Guilherme Menezes Lage (menezeslage@aol.com) é pós-graduado pela UFMG como Mestre em


Educação Física e Especialista em Treinamento Esportivo. É professor de disciplinas relacionadas
ao comportamento motor na Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE) e Universidade
FUMEC, é coordenador do Laboratório do Comportamento Humano (LACOH) da FUNORTE onde
atualmente desenvolve trabalhos sobre Estruturas de Prática, Modelagem, Transferência de
Aprendizagem e Assimetrias no Comportamento Motor. É integrante dos grupos de pesquisa
ECAPMUS (Ensino, Controle e Aprendizagem na Performance Musical) e GEDAM (Estudos em
Desenvolvimento e Aprendizagem Motora), ambos da UFMG. É guitarrista amador.

Maurílio Nunes Vieira (maurílio@fisica.ufmg.br) é Doutor em Engenharia Elétrica pela


Universidade de Edimburgo (Escócia) na área análise clínica da voz, Professor no Departamento
de Física da UFMG e integrante dos grupos de pesquisa ECAPMUS (Ensino, Controle e
Aprendizagem na Performance Musical) e CEFALA (Centro de Estudos da Fala, Acústica,
Linguagem e Música). É flautista amador e leciona disciplinas ligadas à acústica da produção e
percepção da voz, eletrônica e processamento digital de sinais.

João Pardal Barreiros (jbarreiros@fmh.utl.pt) é Doutor em Ciências da Motricidade


(Desenvolvimento Motor) e Professor da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, Portugal,
onde realiza pesquisa na área de Comportamento Motor (Controle, Aprendizagem e
Desenvolvimento Motor). Integrante dos grupos de pesquisa ECAPMUS (Ensino, Controle e
Aprendizagem na Performance Musical) e GEDAM (Estudos em Desenvolvimento e Aprendizagem
Motora).
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