Você está na página 1de 2

FPRI. 1º Ano, 2021-2022, II SEMESTRE.

Sobre a controvérsia entre o Jusnaturalismo


e o Juspositivismo na História da Filosofia do Direito
Texto 1: Trata-se de um lugar comum já consagrado, um topos recorrente, a afirmação de que o epicentro ou
a força motriz da filosofia do direito se consubstancia no debate positivismo jurídico/direito natural.
Recentemente, vem ecoando no meio académico o mais novo clichê de que a filosofia do direito
contemporânea se caracteriza pela superação da dicotomia juspositivismo/jusnaturalismo. Prova disso é a
alta produção de rótulos que visam caracterizar essa nova era da filosofia do direito: "direito pós-moderno",
"pós-positivismo", "não-positivismo principiológico"... Embora seja comum a exposição a essas formas de
se conceber a filosofia do direito, o que raramente tem acompanhado tal exposição é uma análise minuciosa
das teses ou proposições que servem como notas definitórias do Jusnaturalismo e do Juspositivismo. O
caso é grave. Não se trata apenas da falta de uma análise rigorosa desses conceitos. Muitas vezes esse
cenário conceitual foi construído não apenas de maneira simplória, mas também errada, atingindo
uniformidade mas pagando o preço da distorção”. STRUCHINER, Noel in MAIA, António C. et al. (Org,
2005). Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, pp. 399-400).
Texto 2: “O direito natural remete a uma ordem normativa, objectiva e racional, que, de vários modos o
jusnaturalismo argumenta (especulativa ou teoricamente) estar inscrita ontologicamente na natureza. As
versões prevalecentes do jusnaturalismo relacionam-se com uma determinação voluntarística dessa ordem,
determinada por um poder divino, ou com uma sua derivação racionalística, dedútivel por meio da razão
humana, no modo de ser dos homens, na «natureza das coisas» Tradicionalmente, o jusnaturalismo é
contraposto ao juspositivismo, movimento que, com respeito ao primeiro, tende a ter uma relação
inconciliável (...) No plano filosófico e no plano epistemológico, as assunções próprias do jusnaturalismo, na
qualidade de teoria do direito natural, levam a pressupor a existência de um outro direito diferente do direito
posto e vigente, de todo distinto deste último; em geral, trata-se de um direito concebido de tal modo que
constitui um fundamento ético-natural sobre o qual se apoia ou deveria apoiar-se o direito positivo (...) O
jusnaturalismo adopta uma perspectiva «cognitivista» e «objectivista», que considera cognoscíveis os
princípios éticos ou jurídicos tanto quanto os fatos da natureza, assumindo-os como dados anteriores à
própria atividade cognitiva e independentes desta. Por isso, o jusnaturalismo julga poder justo e injusto de
modo indubitável (por corresponder à natureza das coisas, à verdade ou à recta ractio – recta razão com os
seus ditames, apta a descobrir as leis eternas) e não só provável (...) É a partir desse jusnaturalismo que
assumiu a relevância autónoma, a dedução dos direitos subjetivos como conaturais ao indivíduo,
prevalecendo a função «crítica» do direito natural em relação ao direito posto e vigente, ou seja, ao direito
positivo (...) Mas, não se deve esquecer o retorno contemporâneo aos temas dos direitos e da justiça, até
como pressuposto de um Estado constitucional e democrático, põe em primeiro plano, a questão do seu
fundamento «natural» e /ou «racional» como possível alternativa para perspectivas filosóficas
«construtivistas», ou convencionais (Cf. o normativismo de Kelsen e a teoria do Direito ou realismo jurídico
do sistema de direito válido como textura aberta e sistema de regras primárias e secundárias baseadas em
regras de reconhecimento como factos sociais de H. L. A. Hart) e relativistas, etc.”, in PALOMBELLA,
Gianluigi (2005 [1996]). Filosofia do Direito, trad. de Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, pp.7-8.

Texto 3: “Positivismo Jurídico e Direito Natural: Positivismo jurídico, em sentido óbvio, é a negação do
direito natural, e a afirmação de que o único direito que realmente existe é o direito positivo. Entretanto,
alguns autores positivistas (positivismo inclusivo) confessam admitir o direito natural; outros, se bem que
explicitamente o rejeitem (positivismo exclusivo), admitem-no implicitamente. E um positivismo jurídico
absoluto (a teoria pura do direito de Hans Kelson, por exemplo), que negue por completo o direito natural, só
é defensável, sem ilogismo, pelos que reduzem o direito às determinações arbitrárias (...) Para bem
compreender o positivismo jurídico (que remonta ao séc. XVIII, e segundo outros, a Thomas Hobbes),
importa lembrar a evolução ideológica do direito natural. Antes do positivismo, passara o conceito
clássico de direito natural por deturpações que muito o desprestigiaram, favorecendo o sucesso dos sistemas
que procuravam desterrá-lo para o mundo das quimeras. Há certas doutrinas de direito natural
excessivamente abstratas e constituídas pelo abuso do método dedutivo: as que se formaram depois de
Grócio, Puffendorf, Rousseau e Kant. Mas há também um sistema de direito natural baseado na evidência
dos primeiros princípios do conhecimento e resultante de uma análise objetiva da natureza racional do
homem. Esse sistema encontra-se naquela conceção que, proveniente dos filósofos gregos e dos
jurisconsultos romanos (Cícero, Ulpiano, etc.), se incorporou ao património doutrinário da filosofia chamada
por Bergson a metafísica natural da inteligência humana. Geralmente, as críticas feitas ao direito natural
atingem apenas o “ jusnaturalismo” abstrato e dedutivo. Entretanto, abroquelando-se nos argumentos
utilizados por tais críticas, precipitam-se muitos a uma negação sumária de todo direito natural.
Concepção Clássica do Direito Natural: A expressão direito, correspondente ao latim ius (jus), é usada
hoje para designar o que os antigos chamavam de iustum (dikaion - o justo objetivo), lex (a norma de
direito), licitum e potestas (direito subjetivo) e jurisprudentia (ciência do direito). Trata-se de um termo
análogo, isto é, que tem sentidos diversos mas relacionados entre si. É a lei que estabelece o que é justo e
determina os direitos subjetivos. Mas as leis não podem ser elaborados arbitrariamente pelo legislador. Há
uma justiça anterior e superior à lei escrita, há direitos que precedem a feitura das normas estatuídas
pelo poder social competente. Esta justiça e estes direitos, que não dependem das prescrições da ordem
jurídica positiva, fundamentam-se na lei natural. Distinguia Aristóteles o justo por natureza, do justo por lei.
E os mestres da jurisprudência em Roma afirmavam que, além do direito próprio de cada Estado, existe um
direito decorrente da natureza humana e, portanto, universal.” in SOUSA, J. P. Galvão (1940). O
Positivismo Jurídico e o Direito Natural. São Paulo: LAEL, pp. 3-5.
Texto 4: “A velha polémica entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico gira em torno da relação entre
direito e moral. Uma descrição simplista do conteúdo dessa polémica diria que, enquanto o jusnaturalismo
afirma que há uma conexão intrínseca entre direito e moral, o positivismo jurídico nega tal conexão.
Porém, ...há muitas maneiras diferentes de defender a existência de um vínculo importante entre direito e
moral. Não é possível supor que o jusnaturalismo ratifique todas as teses e o positivismo se oponha a todas
elas. Qual é, então, a tese sobre a relação entre direito e moral que o jusnaturalismo defende e que o
positivismo ataca? (…) Acima das normas determinadas pelos homens, há um conjunto de princípios
morais universais e imutáveis que estabelecem critérios de justiça e direitos fundamentais inerentes à
verdadeira natureza humana. Nele se incluem o direito à vida e à integridade física e o direito de expressar
opiniões políticas, de praticar cultos religiosos, de não ser discriminado por razões de raça, etc. e de não ser
coagido sem um devido processo legal. Esse conjunto de princípios configura o que se convencionou
chamar “direito natural”. As normas positivas determinadas pelos homens são normas - somente na medida
em que se ajustam ao direito natural e não o contradizem”. In NINO, Carlos Santiago (2010). Introdução à
Análise do Direito, trad. de Elza M. Gasparotto. São Paulo: WMF Martins-Fontes. pp.17-21.
Texto 5: Por uma correlação dialéctica entre o Direito Natural e o Direito Positivo: “O Direito Natural
tem sido uma constante histórica, no sentido de que, apesar de todas as profundas objeções que lhe foram e
são feitas, permanece sempre como um problema inarredável dos domínios da cognição jurídica. Mesmo nas
épocas de mais arraigado positivismo, quando parecia superada de vez a tese jusnaturalista (tomado este
termo na sua acepção ampla, sem reduzi-lo ao racionalismo abstrato pré-kantiano), não se poderá afirmar
que, mesmo então, a ideia de Direito Natural tenha deixado de ser um problema para se converter apenas em
uma indagação ilusória, devida à persistência inadmissível de um equívoco (...) O que desejo dizer, em
suma, é que, aceite-se ou não o Direito Natural, o seu problema (a começar pelo da sua existência ou
validade) continua sempre na ordem do dia, dando origem a uma série de questões quanto à “natureza” do
Direito Natural, às suas notas essenciais constitutivas, ou à sua pragmaticidade, isto é, ao seu significado no
plano da práxis jurídica, quer no plano legislativo, quer no doutrinário ou jurisprudencial” . REALE, Miguel
(1984). Direito Natural / Direito Positivo, São Paulo: Saraiva, pp. IX; 1.
Grandes Filósofos do Direito Natural: Sófocles; Aristóteles; Cícero; Tomás de Aquino; Leo Strauss
(1950); Eric Voelegin (1957); John Finnis (1980); Javier Hervada (1980; 1989); Michel Velley (2003;
2005), etc.
Questões:
1) Como é que o dualismo conceptual phusis-nomos (natureza e convenção) influenciou a história da
Filosofia do Direito?
2) Existem leis naturais relativas à justiça ou essa ideologia será uma mera ilusão como afirma Hans Kelsen?
3) O que significam exactamente as expressões “direito natural” e “direito positivo”?
4) Deve-se ou não falar da completude do direito natural e direito positivo? Se sim, o que isso significa
exactamente para a Filosofia do Direito?
5) Têm os supostos direitos naturais alguma relação com a ideia de uma ética especista?

Você também pode gostar