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Destombamento, valor cultural e apagamento de memória: estudo de

caso do Teatro e da Sede da Sociedade Italiana de Mutuo Socorro Leale


Oberdan.

Carolina Pedro Soares (carollsoares@gmail.com)

Mestranda no programa de Pós Graduação em História da Universidade Estadual


de Campinas, orientada pela Profa. Dra. Cristina Meneguello

Resumo: O presente artigo visa tratar de um destombamento ocorrido no âmbito


da esfera estadual paulista de preservação do patrimônio histórico
(CONDEPHAAT), de bem ligado a prática social e cultural dos bairros operários
paulistanos, o Teatro Oberdan. A análise se centra no processo de tombamento,
cotejando quais motivos e valores são mobilizados nele, e, ao mesmo tempo, nos
agentes e acontecimentos envolvidos na tomada de decisão que levou ao
cancelamento da salvaguarda. Por fim, busca avaliar de que modo pode ser
entendido o processo na chave do apagamento de memória coletiva e a
salvaguarda do patrimônio cultural.

Abstract: This article aims to deal with unlist heritage that occurred within the
state of São Paulo State preservation of historical heritage (CONDEPHAAT), with
a building connected to the social and cultural practice of the workers’
neighborhoods in São Paulo, the Oberdan Theater. The analysis focuses on the
protection of the heritage’s process, considering the motivation and values
mobilized in it, and, at the same time, the agents and the events involved in the
decision making that caused the cancellation of the safeguard. Finally, seeks to
evaluate how the process of unlist heritage, in the key of the erasure of collective
memory and the safeguarding of cultural heritage, can be understood.

Os estudos sobre a memória, há algum tempo, não se restringem ao


campo historiográfico, tangenciam além de outras áreas outros modos de
rememoração que não apenas o escrito ou falado. A discussão de Régine Robin
(2016) sobre memória coletiva é colocada de modo a juntar conceitos da
psicanálise freudiana, também encontrados em Ricoeur. De modo geral, a análise
freudiana passando pela questão da perda, indo ao luto, e posteriormente à
melancolia e a relação entre estes leva a repetição e rememoração, e assim à
lembrança, fazendo com que o domínio consciente destes atos faça a memória
ser aceitável pelos sujeitos.

A proposta colocada pela aproximação de campos – psicanálise e história –


é ressaltada, de modo que a concepção epistemológica de tempo é diferente:
para a psicanálise, o esquecer é um mecanismo ativo da memória e para a
historiografia existe um corte entre passado e presente, que leva em conta as
camadas do tempo e da memória.

A partir disso, Robin pontua que a memória que constitui a ideia de


passado é sempre rememorada e remexida conforme uma exigência do
presente, ou seja, ela pode ficar esquecida, até que alguém queira ou precise se
apropriar dela no presente. Assim, uma memória resgatada no presente,
descolada de seu contexto, retorna, na maior parte das vezes transformada.

A construção dialética entre lembrar e esquecer pode ser aplicada às


políticas de preservação de bens materiais pelo tombamento: escolhe-se um
discurso ou momento histórico ou fato importante para se rememorar em
detrimentos de outros, considerados não tão importantes por quem maneja o
discurso ou a proteção naquele momento. A possibilidade de escolha, colegiada
ou não, técnica ou não, é uma forma de poder.

Assim como tombamento, que foi efetivado legalmente através de um


Decreto Lei, durante o Estado Novo, o destombamento também o foi. Instituído
pelo Decreto-Lei nº 3866/1941 e em vigor há mais de 70 anos em âmbito
federal, sendo utilizado ao longo do tempo em diversos momentos, e com poucos
estudos que o analisem de forma constitutiva como parte das políticas, das
práticas e dos discursos de preservação, seja em seu caráter histórico, jurídico,
ou seu impacto nos bens em que incidiram e na sociedade.
É nesse sentido que a noção de patrimônio é um discurso construído no
presente, preservando para um futuro, relativo à um passado de tradições que
são construídas (LE GOFF, 2012) e que para isso remetem a uma materialidade
da história e de seu território. Em contramão, o destombamento foi
regulamentado para que, em caso de haver interesse público que se sobreponha
ao interesse e função social do tombamento, este possa ter sua salvaguarda
anulada, ficando a decisão a cargo da compreensão do chefe máximo do estado
nacional. Assim, conforme o decreto

O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse


público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso,
interposto pôr qualquer legítimo interessado, seja cancelado
o tombamento de bens pertencentes à União, aos Estados,
aos municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de direito
privado, feito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, de acordo com o decreto-lei nº 25, de 30 de
novembro de 1937 (BRASIL, 1941)

O Decreto-Lei3866/1941 está em vigor até os dias de hoje e, apesar de ter


tido maior utilização durante a vigência de estados de exceção, é uma política
que reverberou em estados e municípios assim como as políticas de preservação.

Em relação à legislação estadual que se utiliza do Decreto de 149/19691,


para a composição e os trabalhos de Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Artístico, Arquitetônico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), e
que, também, atribui à Secretaria de Cultura o tombamento dos bens, “móveis
ou imóveis, encontrados em seu território, cuja proteção, preservação ou
conservação seja de interesse público em razão de seu valor estético ou
histórico”. Isso faz com que o Conselho funcione, até certo modo, como um
Conselho Consultivo, pois apesar de ser necessária a deliberação por parte do
colegiado, a decisão final cabe ao Secretário da Cultura, não sendo necessária a
concordância entre as partes para que seja feita a salvaguarda dos bens. Ou,
como no caso, o cancelamento da salvaguarda.

1
Novamente um Decreto-Leide período em que vigia um estado de Exceção e que, inclusive, em seu
preâmbulo trás a seguinte redação “O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso da atribuição que, por
força do Ato Complementar n.º 47, de 7 de fevereiro de 1969. lhe confere o § 1.º, do artigo 2.º, do Ato
Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968” remetendo diretamente à um dos maiores ataques à
democracia brasileira, o AI-5.
Mesmo em relação ao Decreto Estadual 13.426, de 16 de março de 1979,
cujos artigos 134 a 149 permanecem em vigor e que também são colocados
como justificativa, em nenhum trecho coloca o tombamento como possível de ser
cancelado. Figura, no entanto, a possibilidade de o recurso do proprietário para
que o mesmo não seja efetivado, chegando até a instância máxima com o
Governador do Estado se assim lhe couber.

Assim, o cancelamento do tombamento é, de fato, uma figura existente,


porém não regulamentado pela esfera estadual, sendo pensada como o
cancelamento previsto dentro do direito administrativo, onde é possível cancelar
ou rever ou ainda refazer, tendo em vista o princípio da autotutela em que a
administração “ao constatar algum erro em seu exercício, pode ela mesma rever
o ato. Ou seja, havendo alguma atuação à margem da lei, deve a administração
adequar o ato ainda que, para tanto, ele seja revogado” (RADUN, 2016: 62).

A concepção de história está em disputa. A tradição dos oprimidos e a


tradição dos opressores, quem será lembrado e monumentalizado na história e
na arte; a estetização da política. Mas, "nunca houve um monumento da cultura
que não fosse também um monumento da barbárie"(BENJAMIN, 1995; 225),
barbárie contra os oprimidos, que não tem domínio ideológico; que não possuem
o direito de intervir de maneira efetiva no que lhes representa e dignifica. Apesar
de existir intervenção popular nos processos de tombamento, no período pós-
redemocratização com a inclusão do patrimônio cultural na Constituição Federal
de 1988, art. 216, quem decide, de fato, o que valorizar e preservar e o que não
cabe na narrativa dos órgãos são os técnicos, os conselhos de preservação e os
representantes do executivo – ministros e secretários de cultura –, ou seja, os
agentes do patrimônio cultural.

A Sede daSociedade Italiana de Mutuo Socorro Leale Oberdan.

A temática do patrimônio industrial perpassa não apenas as grandes


catedrais da indústria, as fábricas, mas também outros espaços de produção,
como ferrovias, hidrelétricas, cinemas. Neste sentido, também é essencial pensar
que a memória operária, ligada à essa indústria, não está restrita aos locais
produtivos, e deve-se considerar os lugares de sociabilidade nessa construção,
sendo, também, considerados lugares patrimoniais. Assim, Scifoni e Nascimento
pontuam que

a compreensão dos lugares da memória operária envolver pensar na ordem local,


como dimensão na qual se criam os laços de identidade e de solidariedade, o
plano em que se dá a vida cotidiana marcada pelo ritmo da fábrica e pelas lutas e
resistência ao processo de alienação do trabalho, atravessadas contraditoramente
pelas contingências da ordem distante, do mundial. (2012: 06)

A Sociedade Italiana de Mútuo Socorro (SIMS) Leale Oberdan, se enquadra


nessa memória operária ligada não ao local produtivo, mas aos locais de
socialização e construções identitárias de apoio aos imigrantes italianos chegados
à cidade de São Paulo, em sua maioria para trabalhar nas fábricas e no terceiro
setor, prestando apoio social e econômico, já que estes não contavam com
nenhuma salvaguarda legal para sua mão de obra.

A SIMS Leale Oberdan, fundada em 1889, reforçava seus laços


identitários, congregando uma base regional ligada ao norte da Itália, foi a que
teve a mais longa atuação e a com maior número de associados– excetuando-se
a Società Italiana di Benificenza– que foi

aumentando ao longo das duas primeiras décadas do século XX, passando


de 104, em 1904, para 1060, em 1914. O maior crescimento foi depois de
1907, quando ainda tinha 260 sócios, passando para 403 em 1908, e para
759 em 1911 (BIONDI, 2012: 85)

A Leale Oberdan tem sua ideologia ligada ao republicanismo italiano, e a


unificação da Itália, e, durante as greves gerais de 1907 e 1917 teve papel
central no suporte financeiro aos operários grevistas.

O caso da greve de 1917, de fato, tem raízes na crise do desemprego e da


inflação de 1914, onde as SIMS atuantes no cenário paulistano se uniram e
criaram o Comitato di Difesa Proletaria como forma de reivindicar e pressionar o
poder público que tomasse as providências cabíveis, com uma série de
reivindicações. O Comitê criado constituiu “a base dos protestos e do movimento
que foram gradualmente emergindo em São Paulo nos anos da Primeira Guerra
Mundial e que tiveram seu ápice na greve geral de 1917” (BIONDI, 2012: 102).
Biondi ainda pontua as contradições das SIMS entre o apoio aos grevistas de
1917, e ao exército italiano, contextualizando a participação da Leale Oberdan
o movimento grevista de 1917 (e, particularmente, a greve geral de julho de
1917) colocou desafios de certo porte para o mundo mutualista italiano de São
Paulo em sua relação com o movimento operário, pois a comunidade de imigrados
italianos estava, na época, sujeita às pressões dos comitês locais de arrecadação
de fundos para o Exército italiano em guerra, sem contar que não poucas famílias
tinham parentes na frente na Europa. Portanto, aquelas tensões geradas pelos
diferentes nacionalismos (o liberal conservador e o democrático socialista) se
reapresentavam radicalizadas nesse contexto. É preciso lembrar que o conflito
dividiu, em um plano global, internamente, as diversas “grandes famílias” da
esquerda da época (social-democratas, anarquistas e sindicalistas
revolucionários). Havia leituras e apropriações revolucionárias do conflito, e
geralmente as sociedades de socorro mútuo italianas no exterior,
independentemente de sua leitura, apoiavam a guerra, em conjunto com toda
aquela parte do empresariado imigrado que estava na primeira fila dos
entusiastas do conflito. Por outro lado, as SIMS não deixavam de ter relações com
o mundo dos trabalhadores e de ter em seu interior militantes socialistas e
sindicalistas firmemente contrários a essa configuração pró-guerra e depois
envolvidos plenamente (como foi o caso de Monicelli, que frequentava a sociedade
Leale Oberdan) na greve geral de 1917. As mais importantes sociedades italianas
de socorro mútuo de São Paulo, (Leale Oberdan, Galileo Galilei e Lega Lombarda)
participavam da coleta dos fundos para os comitês em prol da Itália em guerra.
(...) Contudo, a participação no Comitato Italiano Pro-Patria não impediu que
sociedades como a Vittorio Emanuele II (a mais antiga SIMS de São Paulo) ou a
Leale Oberdan interviessem em prol dos grevistas, com anúncios e manifestos de
solidariedade moral ou financeira. A SIMS Leale Oberdan, por exemplo, funcionou
como mediadora entre os proprietários de oficinas metalúrgicas e uma comissão
de grevistas que representava os operários dessas mesmas oficinas (2012: 102-
103).

O (des)tombamento do teatro Guglielmo Oberdan.

Dentro deste cenário político e social em que a SIMS Leale Oberdan foi
criada, a mesma possuía uma sede no bairro do Brás, e território dominado pela
vida e produção fabril, o qual, além de sede era um espaço cultural. Há ainda o
registro de outro nome à mesma SIMS, de Sociedade Beneficência Paulistana
Guglielmo Oberdan2, sendo que este o nome legal da SIMS Leale Oberdan, que
tinha Guglielmo Oberdan3 como homenageado e que dava nome, também, a
sede da SIMS à Rua Brigadeiro Machado, 71, em São Paulo. “Consta ainda que a
direção da sociedade daria fomento moral e material em promoções de
espetáculos e festas, com fundos especialmente destinados” (Processo
CONDEPHAT, 1980: 57).

Imagem 1 – Foto da Fachada frontal do Teatro Oberdan voltada para a Rua


Brigadeiro Machado, 71, 1980. Fonte: Processo CONDEPHAAT 21324/1980.

2
Este nome aparece designando a SIMS Leale Oberdan no processo de tombamento da sede, onde consta,
também, que na bandeira da sociedade estava a inscrição “Società Italiana di Mútuo Socorro Leale Oberdan”,
assim, fica a compreensão de um nome identitário lido como a SIMS Leale Oberdan e um nome atrelado as
burocracias paulistanas para aceitação e inscrição das sociedades dos imigrantes como Sociedade de
Beneficiência Paulista Guglielmo Oberdan.
3
Guglielmo Oberdan estave ligado ao movimento nacionalista italiano, que unificou o território da Itália, tendo
em sua base ideais republicanos.
Imagem 2 – Foto da Fachada frontal do Teatro Oberdan voltada para a Rua
Brigadeiro Machado, 71, 1980. Fonte: Processo CONDEPHAAT 21324/1980.

O principal ponto abordado nos estudos históricos feitos por Jandira Lopes
de Oliveira, inseridos no processo de tombamento é o uso da sede como espaço
cultural, onde se desenvolvia trabalhos de alfabetização dos trabalhadores, e
informativos sobre acontecimentos nacionais e internacionais, colocando o local
como núcleo de comunicação. Assim, as atividades realizadas eram
desenvolvidas pelos próprios operários e contavam com diversos objetivos, entre
eles o teatro como propaganda, recreação, prática de apoio mútuo em caso de
doença e desemprego, assistência à família de deportados e presos e escola
instrutiva (Processo CONDEPHAT, 1980: 58).

No processo, o local é ainda associado à constituição do teatro brasileiro


que “muito se beneficiou dessas manifestações operárias, pois de seus palcos
sairam profissionais-atores de destaque”(Processo CONDEPHAT, 1980: 59). É
descrito, também, o teatro musical, que em sua maioria era composto por
mulheres imigrantes. Salienta-se que a maior parte das peças tinha cunho
eminentemente social, de reivindicação de melhorias de vida e mesmo de
protesto, sempre ligada a realidade operária, com cunho educativo de
conscientizar outros operários de suas condições e soluções de seus problemas.
Imagem 3 – Foto do salão interno do Teatro Oberdan, ao fundo se vê o palco.
Fonte: Processo CONDEPHAAT 21324/1980.

Imagem 4 – Foto do salão interno do Teatro Oberdan, que traz em destaque o


palco. Fonte: Processo CONDEPHAAT 21324/1980.
Há uma descrição arquitetônica detalhada do prédio, em que se salienta a
adaptação do uso anterior – Templo Maçonico – para atender as necessidades de
uso da atual função, porém sem perder seu valor do ponto de vista do assistente
Técnico Raphael Gendler, ressaltando que é um dos poucos residuais desse
exemplar arquitetônico em São Paulo. E assim, com o parecer do Conselheiro
Relator Ulpiano Bezerra de Meneses, decide-se, em 04 de fevereiro de 1981, pelo
tombamento do Edifício Teatral, que sugere ainda que se elabore um estudo
sócio-economico para uma solução para o proprietário e os que lá residiam.

Isto se dá pois, quando da abertura do estudo, em 1980, e início da


limitação para intervenções, é protocolado no processo um pedido e informação
do então proprietário Mario Farina que residia no espaço e tinha implantado um
sistema de moradia coletiva, similar a um cortiço. É este embate que se repete
ao longo do processo por três vezes no ciclo: recurso protocolado pelo
proprietário, análise da área técnica e decisão do Conselho que mantém o
tombamento; que se segue até a publicação da Resolução de tombamento em
19.01.1987, assinada pelo então secretário da cultura Jorge da Cunha Lima e
publicada no Diário Oficia do estado em 20.01.1987, as páginas 149.

Essas datas são necessárias para entender que, entre a abertura de


estudo de estudo de tombamento, em 1980, e sua conclusão em 1987, foram
sete anos de embates entre os agentes envolvidos e o que a única perda real foi
do próprio bem tombado. Atingido por um incêndio que consumiu seu telhado
em 1985, em vistoria realizada ainda no inicio de 1987, verificou-se que o estado
de conservação ainda era o mesmo. Em março de 1987, é anexado ao processo
um Boletim de Ocorrência em que se registra o óbito de um transeunte por
desabamento de uma das paredes da edificação, ao qual leva a uma vistoria
onde se constata a demolição irregular de parte do prédio, o que possivelmente
comprometeu a estrutura do mesmo e aos quais se anexam as fotos que se
seguem.
Imagem 5 – Foto da Fachada do Teatro Oberdan, 1987. Fonte: Processo
CONDEPHAAT 21324/1980.

Imagem 6 – Foto da Lateral do Teatro Oberdan, 1987. Fonte: Processo


CONDEPHAAT 21324/1980.
Imagem 7 – Foto da parte interna do Teatro Oberdan, 1987. Fonte: Processo
CONDEPHAAT 21324/1980.

Ao fim e ao cabo, a última documentação produzida no processo consiste em um


parecer da Consultoria Jurídica da Secretaria de Cultura em que se recomendam
obras emergenciais, sanções de multa por obra irregular ao proprietário e o
envio a Procuradoria Geral do Estado para as questões legais envolvidas no óbito
e descaso consciente e reiterado do proprietário que levou à ruína do edifício.

Em 1994, é feita nova vistoria, em que se constata que o edifício está


totalmente destruído. É então levado ao Conselho que termina o cancelamento
da Resolução SC 02/1987, tendo em vista “a inexistência do objeto de
tombamento”. Assim, é publicada em 19 de dezembro de 1995, a Resolução SC
53 de 18 de dezembro de 1995 que cancela o tombamento do imóvel a Rua
Brigadeiro Machado, 71, no Bairro do Brás.
Imagens 8 e 9 – Resolução de cancelamento do tombamento do Teatro Oberdan,
1995. Fonte: Processo CONDEPHAAT 21324/1980.

Considerações Finais

Como Meneses coloca, “há escolhas, mas elas não são aleatórias e
mecânicas, pois dependem as significações que lhes atribuímos e dos juízos com
que as hierarquizamos” (MENESES, 1996: 90) e que assim, a atribuição de valor
a determinada prática ou local, está intrinsecamente ligada ao juízo individual.
Isto, por sua vez, isso não deveria criar uma hierarquização entre as culturas
que se constituem, apenas tipos diferentes que coexistem, inclusive entre sua
existência material ou não. O valor cultural seria dado pelas relações sociais que
pautam a sociedade contemporânea. Assim, ruínas também podem ter seu valor
atribuído e contarem uma narrativa, inclusive eficácia e diálogo dos órgãos de
preservação com a sociedade.

A ausência de se pensar no tombamento do Teatro Oberdan como


constituinte de uma trama histórica, com valor coletivo de ambiência a ser
rememorado, abre precedentes para que outros proprietários da região deixem
seu imóvel ruir, para que com a perda da materialidade, essa seja destombada.
Estaria o tombamento ligado apenas à questão material? Mesmo quando se
pensa em tombamento de móveis, há uma atribuição de valor subjetiva que faz
com que aquilo seja considerado proeminente na história

Em 2019, o único registro que ficou desta memória foi um processo de


tombamento, de cerca de 250 folhas, poucos estudos sobre a SIMS Leale
Oberdan que de fato remontem a memória da vida social do operário imigrante
paulistano, permeado de práticas culturais e políticas ligadas àquele espaço na
região do Brás.

Referências Bibliográficas

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política. Ensaios sobre a literatura e história da cultura. Brasiliense, 1995.
Obras Escolhidas: volume 1.
BIONDI, Luigi. Mãos unidas, corações divididos. As sociedades italianas de
socorro mútuo em São Paulo na Primeira República: sua formação, sua
lutas, suas festas.. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, v.
16, p. 75-104, 2012.
BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.866, DE 29 DE NOVEMBRO DE 1941. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del3866.htm.
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LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: Editora UNICAMP, 2012.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Os Usos Culturais da Cultura. In: YAZIGI,
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ROBIN, Regine.A memória saturada. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 2016.

SCIFONI, Simone ; NASCIMENTO, Flávia Brito do . Memória e esquecimento. O


patrimônio cultural dos trabalhadores paulistas. In: VI Colóquio Latino
Americano sobre Recuperação e Preservação do Patrimônio Industrial,
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Preservação do Patrimônio Industrial. São Paulo: Centro Universitário Belas
Artes, 2012. v. 1. p. 1-23.

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