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FACULDADE BATISTA DE MINAS GERAIS

Curso de Teologia

Breno Augusto Silveira

JESUS SEGUNDO O ISLAM

BELO HORIZONTE

2017
Breno Augusto Silveira

JESUS SEGUNDO O ISLAM

Monografia apresentada ao Curso de


Teologia da Faculdade Batista de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção
de título de Bacharel em Teologia.

Orientador: Prof. Ms. Luiz Felipe Xavier

BELO HORIZONTE
2017
Breno Augusto Silveira

JESUS SEGUNDO O ISLAM

Nota de apresentação da folha de aprovação

Aprovado em ______ de ______________ de ___________.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________________

Luiz Felipe Xavier – Orientador – Faculdade Batista de Minas Gerais

_________________________________________________________

Componente da Banca Examinadora – Instituição a que pertence

__________________________________________________________

Componente da Banca Examinadora – Instituição a que pertence


Dedico este trabalho à Trindade Divina pelo dom da vida e pelas
dádivas que dela decorrem. À Sanny Rithiely R. J. Silveira,
amada esposa por seu amor e dedicação. À Júlia e Carolina,
filhas que são os bens mais preciosos que o Senhor me confiou.
AGRADECIMENTOS

A todos que tornaram possível a conclusão este trabalho, expresso minha


gratidão especialmente:

Ao professor Luiz Felipe Xavier, pela orientação, confiança e extrema


dedicação e apoio. Suas intervenções pontuais enriqueceram o trabalho em
consistência acadêmica e relevância teológica.
RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo apresentar a doutrina islâmica a respeito da


pessoa de Jesus de Nazaré e seu ministério. É provável que o desconhecimento desta
doutrina, por parte da grande maioria da população ocidental, se dê pelo fato de que
a sua formação foi majoritariamente cristã, e, portanto, não saibam que figura de Jesus
é extremamente relevante para os muçulmanos, ao ponto de não apenas mencioná-
lo no Alcorão pelo profeta Muhammad (Maomé), como também tê-lo em altíssima
estima e profundo respeito no islamismo. A partir destas informações algumas dúvidas
surgem naturalmente: Qual seria, portanto, a concepção islâmica clássica a respeito
da natureza de Jesus? Como interpretam a sua mensagem e seus feitos registrados
no Alcorão? Qual a posição do Islam a respeito do cristianismo? É possível haver uma
compatibilidade entre as duas religiões? A presente pesquisa sugere algumas
conclusões que poderão auxiliar na busca de uma compreensão mais depurada da fé
islâmica a respeito da pessoa de Jesus contribuindo para o avanço teológico nos
campos da cristologia e missiologia.

Palavras chaves: Jesus, Allah, Trindade, Alcorão, Profeta, Islam.


ABSTRACT

The present research aims to present the Islamic doctrine regarding the person of
Jesus of Nazareth and His ministry. It is probable that the ignorance of this doctrine,
by the vast majority of the western population, is due to the fact that its formation was
mostly Christian, and, therefore, do not know that the figure of Jesus is extremely
relevant to Muslims, to the point of not only mentioning in the Quran by the prophet
Muhammad, but also have it in very high esteem and deep respect in Islam. From this
information a few questions naturally arise: What would be the classic Islam conception
regarding the nature of Jesus? How to interpret His message and His achievements
recorded in the Quran? What is Islam’s position on Christianity? It is possible to have
a compatibility between the two religions? The present research suggests some
conclusions that could assist in the search for a more refined understanding of the
Islamic faith regarding the person of Jesus contributing to the theological advancement
in the fields of christology and missiology.

Keywords: Jesus, Allah, Trinity, Quran, Prophet, Islam.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 8

1. BREVE HISTÓRICO DA ORIGEM DO ISLAMISMO .................................................................10


1.1 O CONTEXTO DO SURGIMENTO DA FÉ MUÇULMANA .........................................................10
1.2 A DIVISÃO NO ISLAM ..............................................................................................................14

2. A CONCEPÇÃO SOBRE JESUS NA TRADIÇÃO ISLAMICA ......................................................16


2.1 JESUS NO ALCORÃO...................................................................................................................16
2.2 O EXTRAORDINÁRIO DE JESUS ...............................................................................................19

3. A DOUTRINA SOBRE A DIVINDADE DE JESUS ......................................................................24


3.1 O HOMEM JESUS .....................................................................................................................24
3.2 A SUPOSTA HERESIA DA SANTÍSSIMA TRINDADE .................................................................26

CONCLUSÃO ...................................................................................................................................30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................................31


8

1. INTRODUÇÃO

A humanidade assiste ao crescimento exponencial da fé muçulmana por todo o globo,


comunicando cada vez mais sua cultura especialmente em direção ao Ocidente. O
islamismo é a religião que cresce mais rápido do que a população global e, segundo
especialistas, será a maior do mundo em 2070 1. A pesquisa estima que população de
muçulmanos crescerá 73% entre 2010 e 2050, em comparação com um aumento de
35% dos cristãos, e 37% da população mundial. Logo, se as religiões mantiverem o
atual índice de evolução, os muçulmanos serão os mais numerosos na década de
2070. Fatores como a alta taxa de fertilidade entre as mulheres muçulmanas e a
cosmovisão islâmica, contribuem para esta realidade. Mas eles não são os únicos. O
crescente número de convertidos retrata um cenário típico dos dias atuais onde se
verifica a ausência de princípios e valores absolutos, bem como a ausência de sentido
para a vida. A firme convicção dos princípios e valores comunicados pelo islamismo
inspiram segurança e estabilidade em tempos de puro relativismo e superficialidade
das relações da era pós-moderna.

O mundo ocidental, que ainda é em sua maioria cristão, talvez nem imagine que o
islamismo tem grande respeito e admiração por Jesus, filho de Maria. Mas como o
muçulmano entende Jesus? Certamente suas convicções são radicalmente diferentes
dos cristãos. Jesus é citado inúmeras vezes no Alcorão, escritura que para os
muçulmanos, é o registro exato do que disse Allah (Deus em árabe) a Muhammad ou
Maomé, o seu profeta. Este último é considerado o maior profeta do islamismo. Por
outro lado, consideram Jesus também um grande profeta, mas não divino, o que vai
de encontro com a doutrina cristã, que o considera Filho de Deus sentado à destra de
Deus Pai todo poderoso” (Credo Niceno-constantinopolitano). Portanto, o cristianismo
e o islamismo têm sérias divergências teológicas que são auto excludentes. O objetivo
desta pesquisa é apresentar, por meio da exposição do Alcorão e da tradição
muçulmana, Jesus, filho de Maria, sua natureza, seu ministério e suas obras, além da
opinião islâmica sobre os cristãos.
___________________________________________________________________

1
Levantamento do instituto americano Pew Research Center, que analisou a evolução demográfica
entre as principais religiões do mundo.
9

Para tal, o primeiro capítulo traz um breve histórico do surgimento do islamismo


apresentando os principais eventos que foram fundamentais na institucionalização da
fé muçulmana. O capítulo faz menção às dificuldades que os islâmicos enfrentaram
para manter a unidade de sua fé após a morte de seu líder, Muhammad, expondo os
motivos da primeira cisão que provocou uma divergência hermenêutica afetando
diretamente a concepção e interpretação do Alcorão proporcionando o surgimento de
duas tradições clássicas entre os muçulmanos, os sunitas e os xiitas.

O segundo capítulo apresenta como a pessoa de Jesus de Nazaré é registrada nas


páginas do Alcorão. O capítulo expõe os versos do Alcorão que de alguma forma,
direta ou indiretamente, fazem menção à vida de Jesus como por exemplo, os versos
dedicados à Maria, onde se registra a história de sua concepção e nascimento. A
história de Jesus segundo o Alcorão, é exposta de maneira a facilitar a compreensão
não apenas de sua pessoa, mas também de seu ministério entre os israelitas com
todos os seus sinais miraculosos devidamente registrados no Livro Sagrado dos
muçulmanos.

E o terceiro capítulo, expõe a concepção da fé islâmica a respeito da natureza de


Jesus e suas implicações em relação à sua representação na religião muçulmana
como mensageiro de Allah. Compreender a doutrina islâmica sobre a natureza de
Jesus é extremamente importante para o entendimento de toda estrutura da religião
islâmica uma vez que ele é figura central especialmente na escatologia apresentada
na tradição corânica. Portanto, qualquer doutrina que verse sobre a natureza de Jesus
de modo diferente do Alcorão é sumariamente identificada como heresia e blasfêmia
contra a unicidade de Allah. O capítulo traz ainda o posicionamento do islamismo ao
que é chamado de o suposto erro do cristianismo em relação aos dogmas da
divindade de Jesus e de sua associação direta à Deus como membro da Santíssima
Trindade.
10

1. BREVE HISTÓRICO DA ORIGEM DO ISLAMISMO

No presente capítulo é realizado a retomada histórica-contextual do surgimento da


religião islâmica. Para tanto, a proposta empregada se utilizará de fatos históricos, a
fim de descrever a origem, bem como seu desenvolvimento, os desafios para a sua
afirmação no contexto do Oriente Médio, passando pela divisão causada pelo impasse
na escolha do califa (sucessor de Muhammad) que definiu as duas vertentes mais
importantes do Islam, os xiitas e os sunitas.

1.1 O CONTEXTO DO SURGIMENTO DA FÉ MUÇULMANA

O Islamismo surgiu na região do Oriente Médio, na Península Arábica, em 622 d.C.,


precisamente, na cidade de Meca. Assim como na época do surgimento do Islamismo
até os dias de hoje, a região é uma importante rota de comércio por fazer conexão
entre a Ásia e a África. A Arábia não era um mundo fechado. Os povos que viviam
nesta região sempre mantiveram contato com outros povos e conheciam o
monoteísmo judaico e cristão. Provavelmente, o contato com estas duas religiões
tenha influenciado os árabes a buscar também uma crença monoteísta (BRAIK, 2012,
p.36). Segundo a tradição islâmica, que tem por base o Tawrah, “Torá em árabe” ou
Antigo Testamento para os cristãos, os árabes são descendentes diretos de Ibrahim
(“Abraão em árabe”), sendo que o vocábulo “árabe” tem por significado "habitante do
deserto".

O islamismo tem o profeta Muhammad como seu fundador. Ele nasceu na cidade de
Meca, no ano de 570 d.C., e pertencia ao clã de Banu Hashim, da tribo dos coraixitas,
uma da que mais se beneficiaram do crescimento econômico proporcionado pela rota
comercial das caravanas. Foi deserdado pelos familiares de seu pai que agiram de
acordo com a costume local por ter sido filho póstumo, isto é, seu nascimento se deu
após a morte de seu pai. Sua mãe faleceu quando tinha sete anos de idade. Com a
morte de seu avô materno, Muhammad passou aos cuidados de seu tio, o comerciante
Abu Talib. Desenvolveu habilidades comerciais e logo foi contratado como condutor
de caravanas de uma rica viúva de nome Khadija. Mais tarde, aos 25 anos,
Muhammad casou-se com Khadija, 15 anos mais velha do que ele, mulher de muitas
11

posses, com quem teve quatro filhos, o que proporcionou a ele bens materiais e
projeção social. (BRAIK, 2012, p.39).

A região de Meca, lugar onde o profeta Muhammad passou boa parte de sua vida, era
tida como um refúgio espiritual por haver ali centros de adoração e devoção a vários
ídolos, cerca de 360, aproximadamente. O monoteísmo não tinha grande expressão
naquela região. Haviam alguns judeus e cristãos, mas eles eram parte da minoria
daquela sociedade. Os cristãos eram um grupo distinto para aquela sociedade pois,
além acreditarem nos antigos profetas do judaísmo, também creem que Jesus Cristo
é o Messias esperado pelos judeus para redenção de toda criação. Mais ainda,
pregavam que Jesus Cristo é o próprio Deus encarnado que veio ao mundo para
redimi-lo, o que era absolutamente rejeitado pela maioria dos religiosos da época pois
era vista como uma religião exclusivista e herege por associar a essência divina com
a essência humana. É consenso entre a maioria dos historiadores de que Muhammad
não só teve o conhecimento como também foi bastante influenciado por todas estas
crenças em sua vida pessoal. Isso é demonstrado no Alcorão que traz muitas
menções aos profetas do Antigo Testamento e também de Jesus Cristo:

Concedemos o Livro a Moisés, e depois dele enviamos muitos mensageiros,


e concedemos a Jesus, filho de Maria, as evidências, e o fortalecemos com
o Espírito da Santidade. Cada vez que vos era apresentado um mensageiro
contrário aos vossos interesses, vós vos ensoberbecíeis! [...] Os judeus
dizem: Os cristãos não têm em que se apoiar! E os cristãos dizem: Os judeus
não tem em que se apoiar! Apesar de ambos lerem o Livro. Assim também
os tolos dizem coisas semelhante. Porém, Allah julgará entre eles, quanto às
suas divergências, no dia da Ressurreição. (ALCORÃO, sura 2:87; 2:113).

No ano de 610 d.C., em uma de suas meditações, no mês do Ramadã (mês sagrado
de orações para os muçulmanos, geralmente julho), como de costume, Muhammad
meditava em uma caverna no Monte Hira, nas proximidades de Meca. Em um
momento de reflexão naquele local, ele teria recebido a visita da revelação de Allah
pelo anjo Gabriel. Essa foi a primeira de muitas outras que sucederam durante 23
anos, até sua morte no ano de 632 d.C. Acredita-se que as primeiras palavras que lhe
vieram à mente foram: “Recita em nome de teu Senhor, que criou; que criou o homem
de sangue que coagulou! Recita, pois teu Senhor é o mais generoso, que com o
cálamo ensinou a escrever, ensinou ao homem um novo saber!” (ALCORÃO, sura
96:1-5). Para a maioria dos estudiosos, a partir deste momento, Muhammad passou
a crer que estava recebendo mensagens de Allah através do anjo Gabriel. Sua esposa
Khadija o incentivava e foi, portanto, considerada a primeira muçulmana. (ALCORÃO,
12

sura 97:1; 81:19-23; 53:1-18; 74:1-5). O nome Alcorão (ou Corão) vem do árabe
Qur’na que significa “leitura” ou “recitação”. Por este motivo, os muçulmanos devem
ler o Alcorão em árabe, pois não pode ser traduzido pelo fato de conter as palavras
de Allah que não podem ser modificadas. Qualquer texto em outro idioma é
considerado interpretação do Alcorão, mas não tradução. O Livro Sagrados dos
muçulmanos contém 114 capítulos, chamados de suras (ou suratas), organizados do
maior para o menor, e não em ordem cronológica. Estão contemplados temas diversos
como família, casamento, questões legais, éticas e claro, toda a concepção religiosa
islâmica.

Com o passar do tempo, seus amigos também se converteram à fé islâmica


aumentando o número de muçulmanos gradativamente. O crescimento deste grupo
chamou a atenção dos moradores de Meca, o que os levou a serem perseguidos por
grande parte dos cidadãos de Meca, devido a várias questões, mas talvez por uma
questão em especial: a eminente perda de lucro em relação aos ídolos, e os lucros
das constantes peregrinações ao santuário de Meca. A respeito da perseguição a
Muhammad, Jonas Augusto Corrêa diz

Há também uma consequência direta na aceitação de um mensageiro divino,


pois desta aceitação decorre a submissão as mensagens que o mesmo
transmite, e tal submissão implica dentre várias consequências a perda de
autoridade, inclusive governamental. Submissão é alias o significado que
mais traduz em essência o conceito da palavra islã. (CORRÊA, 2012, p.74).

Por causa da perseguição, Muhammad refugiou-se em Yathrib, um oásis localizado


ao norte da Arábia que mais tarde veio a se chamar Medina (a cidade do Profeta), no
ano de 622 d.C. Esta migração ficou conhecida como Hégira, (‫)هجرة‬, que pode
significar “exílio” ou “separação”. Acredita-se que o tempo de estada de Muhammad
nestas duas cidades determinam os dois períodos da base de formação do Alcorão e
do Islã. Num dado momento, o profeta Islâmico percebeu que deveria confrontar seus
opositores. Acreditava que o próprio Allah legitimava suas atitudes em combate.

Em nome de Deus, Cheio de Compaixão, Sempre compassivo. É permitido o


combate aos que são combatidos, porque são oprimidos. E Deus por certo é
capaz de propiciar-lhes vitória. Aqueles que são expulsos de seus lares sem
causa justa, exceto por dizerem: Nosso Senhor é Deus. (ALCORÃO, sura
22:39-40).
13

Vivendo em Medina, Muhammad consegue um número maior de adeptos a sua


mensagem. Assim, ele estabelece alguns costumes fundamentais da religião islâmica.
Ele ordena a manutenção prática das cinco orações diárias que começou em Meca.
Continua a recitar os trechos do Alcorão que começou na mesma cidade onde se
encontrava, e supervisiona a construção da primeira mesquita. Sobre as práticas
religiosas o Alcorão registra:

Em verdade, o teu Senhor sabe que tu te levantas para rezar, algumas vezes
mais do que dois terços da noite, outras, metade, e outras, ainda, um terço,
assim como (o faz) uma boa parte dos teus; mas Allah mede a noite e o dia,
e bem sabe que não podeis precisar (as horas), pelo que vos absolve. Recitai,
pois, o que puderdes do Alcorão! Ele sabe que, entre vós, há enfermos, e
outros que viajam pela terra, à procura da graça de Allah, e outros que
combatem pela causa de Allah. Recitai, pois dele (Alcorão) o que puderdes,
e observai a oração, pagai o zakat e concedei a Allah um bom empréstimo.
E todo o bem que fizerdes, será em favor às vossas almas, e achareis a sua
recompensa em Allah, o Qual é preferível e mais recompensador. Implorai,
pois, o perdão de Allah, porque Allah é Indulgente, Misericordioso.
(ALCORÃO, sura 73:20).

Os princípios do Islam são conhecidos como os “cinco pilares”: Shaada (Credo ou fé)
consiste em dizer “Não há divindade além de Allah e Muhammad é mensageiro de
Allah”. A Salat (Oração) que é a oração obrigatória dos muçulmanos, que deve ser
praticada cinco vezes ao dia em horários específicos, de acordo com a posição do sol.
Durante o salat o muçulmano recita o Alcorão e faz súplicas prescritas pelo Profeta
Muhammad, de acordo com o que foi revelado por Allah a ele. O Zakat (Caridade) é
a doação compulsória de 2,5% para aqueles que tem capacidade de paga-la, ou seja,
que possuem valor de bens acima de 85 gramas de ouro. O valor é pago sobre a parte
que excede esses 85 gramas de ouro e é geralmente pago para instituições que fazem
a distribuição dos valores entre pobres e necessitados. Sawm (Jejum): todo
muçulmano que tiver capacidade para tal, deve fazer jejum durante todo o mês lunar
do Ramadan iniciando o jejum antes do sol nascer e encerrando após o sol se por. E
a Hajj (Peregrinação a Meca) deve ser feita pelo menos uma vez na vida pelos
muçulmanos com condições para tal. Na peregrinação, vários rituais são praticados
de acordo com a tradição abraâmica da peregrinação, tendo este pilar sido iniciado
com o profeta Abraão em suas visitas à Meca. (BRAIK, 2012, p.44).

Muhammad e os muslimin (que significa submetidos, origem da palavra muçulmanos,


que eram seus seguidores), guerrearam contra as tribos as tribos rivais. Ele detestava
aqueles que desobedeciam aos conselhos do Alcorão. Conhecia os ensinos do livro
sagrado dos judeus e dos cristãos, a Bíblia, (talvez ele mesmo a tenha lido, se sabia
14

ler, ou então veio a conhecê-la por tradição oral). Ele ficava irado contra a hipocrisia
do povo; a idolatria e qualquer coisa que era desonrosa para Allah o revoltava
bastante. Acreditava que Allah tinha revelado a Torá e o Injil “Evangelho em árabe”.
É neste contexto que surge o termo jihad islâmica. Sendo que os sinônimos mais
próximos dessa palavra são: esforço, batalha, empenho, combate. (CORRÊA, 2012).

O termo jihad é frequentemente traduzido como guerra santa. Porém, a interpretação


da palavra jihad nos dias atuais, tem no mínimo duas variações importantes. A
primeira interpretação diz que a palavra jihad significa uma espécie de guerra armada
contra os infiéis. A segunda interpretação, que é utilizada pela maioria dos
muçulmanos, especialmente os que vivem no ocidente, é de que o termo jihad deve
ser interpretado como uma batalha interna contra o pecado (imoralidade, injustiças e
etc.) e não uma guerra armada contra outro ser humano. Está escrito no Alcorão: “E
combatei-os até que não haja mais idolatria e que a religião pertença exclusivamente
a Deus. Se desistirem, Deus observa o que fazem” (ALCORÃO, sura 8:39).

1.2 A DIVISÃO NO ISLAM

Após a morte de Muhammad no ano 632 d.C., os muçulmanos se desentenderam a


respeito de quem seria o sucessor do profeta. Como agravante a esta situação,
Muhammad não havia designado ninguém como seu sucessor. Nem o Alcorão nem
os hadiths (relatos de seguidores do Profeta) trataram deste assunto. Surgiram então
várias interpretações a respeito da mensagem do islamismo. A dúvida quanto a quem
deveria ser o novo líder do Islam, estava relacionada a questão de que se o mesmo
deveria ser da família de Muhammad ou se poderia ser qualquer outro, desde que
aceito em consenso pela comunidade muçulmana. Alguns muçulmanos acreditavam
que o genro e primo de Muhammad, Ali Ibn Abi Talib, deveria ser o sucessor. Porém,
estes eram a minoria. A maioria dos muçulmanos acreditava que Abu Bakr, grande
amigo do profeta, deveria ser o líder, o que realmente veio a acontecer. Abu Bakr foi
o primeiro califa (khalifa em árabe, é uma abreviação de khalifatu rasulil-lah e que
significa sucessor do mensageiro de Allah, o profeta Muhammad), a governar os
muçulmanos, porém não conseguiu pôr fim a divisão que havia por causa das
divergências quanto ao sucessor de Muhammad.
15

Após Abu Bakr, foram líderes do povo muçulmano: Umar Ibn Al-Khattab, considerado
fundador do Império Árabe; Uthman Ibn Affan, considerado responsável pelo
estabelecimento do texto oficial do Alcorão; Ali Ibn Abi Talib, primo e genro de
Muhammad. O califa Ali enfrentou dura oposição de Moawiya, então governador
muçulmano da Síria que havia sido escolhido por boa parte dos muçulmanos, se opôs
ao califado, alegando que Ali teria participação na morte de Uthman. Ali foi morto por
um grupo dissidentes de seu próprio exército, Hawarig, que significa “os que saem”.
Tal grupo, que ficou conhecido como os Kharidjitas acabaram por se revoltar contra o
califado de Ali, e mais um cisma muçulmano se instalou.

Após sua morte, os seguidores de Ali denominaram-se Shiat Ali, que significa,
“Partidários de Ali”, expressão que originou o termo “xiita” que só aceitavam o Alcorão
como escritura sagrada. A ala opositora aos xiitas foi formada pelos seguidores da
Sunna, que é reunião dos ditos e ações de Muhammad, formada pelos califados acima
e mencionados. Os sunitas escolheram Moawiya como califa sucessor a Ali. Após a
morte de Moawiya, o califado deixou de ser escolhido por consenso e passou a ser
por hereditariedade.

Os seguidores da Sunna são denominados sunitas nos dias atuais. Naturalmente, os


xiitas não aceitaram, e ainda não aceitam, Moawiya como califa sucessor de Ali, e
nem seus antecessores. Os xiitas defendem que o primeiro califa posterior a
Muhammad foi Ali, por ele ser o único parente do profeta e, portanto, somente ele
poderia ser denominado califa. Ambos os grupos, apesar de suas divergências, creem
na autoridade do Alcorão pois é a autoridade máxima na religião islâmica. Jesus Cristo
é figura importante na tradição religiosa do islamismo. O Alcorão lhe descreve de
maneira honrosa narrando cenas de sua vida e ministério entre os israelitas. Jesus é
aceito, honrado e admirado tanto por xiitas quanto por sunitas.
16

2. A CONCEPÇÃO SOBRE JESUS NA TRADIÇÃO ISLÂMICA

O islamismo interpreta a pessoa de Jesus de Nazaré através do estudo de seu livro


sagrado, o Alcorão. Nele estão os registros do nascimento, de seu ministério entre os
israelitas, bem como os sinais miraculosos atribuídos a ele. São muitas referências
dedicadas à sua pessoa. Jesus é sem sobra de dúvidas, uma personagem de extrema
relevância para os muçulmanos.

2.1 JESUS NO ALCORÃO

Pela análise dos textos do Alcorão é possível concluir que Jesus Cristo, filho de Maria,
é admirado e respeitado por todos os muçulmanos. Estima-se que uma em cada cinco
pessoas no mundo, conhece algo sobre Jesus através do Islã e do Alcorão 2. Os
muçulmanos, inclusive os mais simples, acreditam conhecer Jesus o suficiente pelo
Alcorão. Segundo o Alcorão, Jesus foi um grande profeta anterior a Muhammad. Ele
foi concebido de forma milagrosa no ventre de Maria, que nunca se relacionou com
nenhum homem. Jesus Cristo é um profeta de Allah enviado aos israelitas para
anunciar o arrependimento e manifestar vários sinais entre os judeus.

No Alcorão, Jesus é citado 25 vezes, enquanto o Profeta Muhammad é mencionado


apenas cinco vezes. (CARABALLO, 2010, p.23) O nome de Jesus em árabe pode
variar de acordo com a tradição local. Estas são algumas possibilidades: Isa, Issa ou
Yasu. Ele é designado de várias maneiras: al-Masih (messias), nabi (profeta), rasul
(mensageiro), Ibn Maryam (filho de Maria), min al-muiarraben (entre os que estão
próximos de Deus), wadjih (digno de louvor neste mundo e no próximo), mubarak
(abençoado) e Abd Allah (servo de Allah). (ALCORÃO 2:87, 136, 253 / 3:42-59, 84 /
4:156-159, 84 /5: 17, 46, 72, 75, 78, 110-118 / 6:85 / 9:30-31 / 19:1-40 / 23:50 / 33:7 /
42:13 / 43:57-65 / 57:27 / 61:6,14).

_________________________________________________________________________________
2
Mario Joseph, hoje católico, foi um Iman muçulmano na Índia. Em seu livro publicado em espanhol
“Encontré a Cristo en el Corán”, ele narra sua história de conversão ao cristianismo e traz a informação
de que uma em cada cinco pessoas no mundo sabe algo de Jesus pelo Alcorão.
17

O Alcorão registra a história daquele que anunciou o nascimento de Jesus, João, o


batista. É sabido que Muhammad tinha grande conhecimento das escrituras judaica e
cristã. É possível que tal conhecimento pode tê-lo influenciado a dedicar alguns versos
sobre importantes personagens bíblicas. Conforme registra o Alcorão, foram anjos
que disseram a Zacarias que ele teria um filho. Essa informação está em consonância
com o registro bíblico do livro de Lucas 1:18, 57-60, o Alcorão diz:

Então, Zacarias rogou ao seu Senhor, dizendo: Ó Senhor meu, concede-me


uma ditosa descendência, porque és Exorável, por excelência. Os anjos o
chamaram, enquanto rezava no oratório, dizendo-lhe: Deus te anuncia o
nascimento de João, que corroborará o Verbo de Deus, será nobre, casto e
um dos profetas virtuosos. Disse: Ó Senhor meu, como poderei ter um filho,
se a velhice me alcançou a minha mulher é estéril? Disse-lhe (o anjo): Assim
será. Deus faz o que Lhe apraz. Disse: Ó Senhor meu, dá-me um sinal.
Asseverou-lhe (o anjo): Teu sinal consistirá em que não fales com ninguém
durante três dias, a não ser por sinais. Recorda-te muito do teu Senhor e o
glorifica-O à noite até as horas da manhã. (ALCORÃO, sura 3:38-41).

O Alcorão conta como foi a concepção miraculosa de Jesus começando pela vida de
Maria, sua mãe. É importante ressaltar que Maria é a única mulher referenciada pelo
nome no Alcorão. Conforme o Livro Sagrado dos muçulmanos, ela era uma mulher
extremamente devota a Deus e por isso, teria recebido bênçãos diretas de Allah, como
por exemplo, alimentos do céu e proteção divina contra Satanás. Sobre ela o Alcorão
diz

Sem dúvida que Deus preferiu Adão, Noé, a família de Abraão e a de Imran,
aos seus contemporâneos, Famílias descendentes umas das outras, porque
Deus é Oniouvinte, Sapientíssimo. Recorda-te de quando a mulher de Imran
disse: Ó Senhor meu, é certo que consagrei a ti, integralmente, o fruto do meu
ventre; aceita-o, porque és o Oniouvinte, o Sapientíssimo. E quando
concebeu, disse: Ó Senhor meu, concebi uma menina. Mas Deus bem sabia
o que ela tinha concebido, e um macho não é o mesmo que uma fêmea. Eis
que a chamo Maria ponho-a, bem como à sua descendência, sob a Tua
proteção, contra o maldito Satanás. Seu Senhor a aceitou benevolentemente
e a educou esmeradamente, confiando-a a Zacarias. Cada vez que Zacarias
a visitava, no oratório, encontrava-a provida de alimentos, e lhe perguntava:
Ó Maria, de onde te vem isso? Ela respondia: De Deus!, porque Deus agracia
imensuravelmente quem Lhe apraz. (ALCORÃO, sura 3: 33-37).

Maria foi eleita por Allah que a aceitou de forma benevolente: “Recorda-te de quando
os anjos disseram: Ó Maria, é certo que Deus te elegeu e te purificou, e te preferiu a
todas as mulheres da humanidade! ” (ALCORÃO, sura 3:37). “Ele a fez crescer em
beleza e pureza”. (ALCORÃO, sura 3:42). Maria não é uma invenção para corroborar
a história de Jesus, muito pelo contrário! Maria era uma mulher verídica" (ALCORÃO,
sura 5:75). A concepção de Jesus foi extraordinária devido o estado virginal de Maria
exatamente porque ele não teve pai (ALCORÃO, sura 21:91 e 66:12). Portanto, ao
18

contrário do que registra a Bíblia Sagrada, no relato do Alcorão não existe a figura de
José. Maria nunca foi desposada ou prometida e não se casou com nenhum homem.
Sua concepção ocorreu pela vontade de Allah como diz o Alcorão:

Recorda-te de quando os anjos disseram: Ó Maria, é certo que Deus te


elegeu e te purificou, e te preferiu a todas as mulheres da humanidade! Ó
Maria, consagra-te ao Senhor! Prostra-te e genuflecte, com os genuflexos!
Estes são alguns relatos do incognoscível, que te revelamos (ó Mensageiro).
Tu não estavas presente com eles (os judeus) quando, com setas, tiravam a
sorte para decidir quem se encarregaria de Maria; tampouco estavam
presentes quando rivalizavam entre si. E quando os anjos disseram: Ó Maria,
por certo que Deus te anuncia o Seu Verbo, cujo nome será o Messias, Jesus,
filho de Maria, nobre neste mundo e no outro, e que se contará entre os diletos
de Deus. Falará aos homens, ainda no berço, bem como na maturidade, e se
contará entre os virtuosos. Perguntou: Ó Senhor meu, como poderei ter um
filho, se mortal algum jamais me tocou? Disse-lhe o anjo: Assim será. Deus
cria o que deseja, posto que quando decreta algo, diz: Seja! e é. (ALCORÃO,
sura 3:37-47).

Conforme a tradição islâmica, o nascimento virginal de Jesus foi um tipo de criação


segundo o qual não estamos familiarizados. O pensador islâmico Simon Alfredo
Caraballo, comunica a compreensão muçulmana sobre a suposta criação
extraordinária de Jesus e também de como ele teria se livrado de ser tocado por
Satanás ainda no ventre de Maria.

Outro Hadice, também referido por Bukhari, acrescenta: “Quando qualquer


ser humano nasce, Satanás o toca em ambos os lados do corpo com seus
dois dedos, com exceção de Jesus, filho de Maria, a quem Satanás tentou
ferir, mas só conseguiu raspar na placenta”. Esta foi uma resposta de Deus à
súplica de sua avó, esposa de Imran, como lemos no Alcorão 3:36: “Eis que
a chamo Maria; ponho-a bem como à sua decência, sob a Tua proteção
contra o maldito Satanás (CARABALLO, 2010, p.26).

A aparência de Jesus nunca foi algo com o que a maioria dos cristãos se apegassem
com tanto vigor. Curiosamente o teólogo Muhammad Atá Ur’Rahim, na obra “Jesus
um profeta do Islam” faz um relato de qual seria a provável aparência de Cristo.
Segundo o autor, Jesus

Era um homem rosado, tendendo para o branco e não tinha cabelo comprido.
Nunca ungiu a cabeça e costumava andar descalço; não tinha casa, nem
bens, nem roupas, não usava adornos e não levava consigo provisões,
exceto os alimentos necessários para o próprio dia. O seu cabelo era
desgrenhado e o rosto pequeno. Era um asceta neste mundo, esperando
ansiosamente pelo próximo a fim de adorar a Deus. (UR’RAHIM, 1995, p.19).

Os muçulmanos, portanto, creem em Jesus como um grande profeta de Allah, que


pregou em Israel exortando os judeus a voltarem para a verdadeira fé. Ele seria o
penúltimo profeta enviado por Deus para anunciar o arrependimento das práticas
pecaminosas e convidá-los a uma fé na unidade de Allah. Ele foi enviado a Israel
19

trazendo consigo a mesma mensagem que todos os antigos profetas desde Adão, o
primeiro, anunciaram. O centro de sua mensagem era a unidade e unicidade
indivisível do Criador (Eloh em hebraico ou Allah em árabe), que deveria ser aceita
por todos, a fim de se harmonizarem à vontade divina, se preparando para a vida do
"mais além" a eternidade. Assim diz o alcorão:

O Mensageiro crê no que foi revelado por seu Senhor e todos os fiéis creem
em Deus, em Seus anjos, em Seus Livros e em Seus mensageiros. Nós não
fazemos distinção entre os Seus mensageiros. Disseram: Escutamos e
obedecemos. Só anelamos a Tua indulgência, ó Senhor nosso! A Ti será o
retorno! (Sura 2: 285).

E ainda:

Dize: Cremos em Deus, no que nos foi revelado, no que foi revelado a Abraão,
a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos, e no que, de seu Senhor, foi concedido
a Moisés, a Jesus e aos profetas; não fazemos distinção alguma entre eles,
porque somos, para Ele, muçulmanos. (Sura 3:84).

A fé islâmica aponta para um Jesus histórico, nascido de forma miraculosa, enviado


por Allah para pregar aos israelitas a mesma fé monoteísta dos patriarcas do povo
judeu e o arrependimento de suas más obras. O ministério de Jesus foi marcado por
grandes feitos e sinais extraordinários. Para os muçulmanos, crer na sua mensagem
e nos seus sinais é condição obrigatória para a verdadeira fé em Allah. O Alcorão
relata milagres que não são registrados na Bíblia Sagrada. Alguns inclusive, durante
a infância mais tenra de Jesus.

2.2 O EXTRAORDINÁRIO DE JESUS

Assim como a Bíblia Sagrada, o Alcorão registra vários episódios em que Jesus Cristo
fez coisas extraordinárias. A mensagem de Jesus contra os maus hábitos dos
israelitas e a corrupção de sua religião foi sem dúvidas uma atitude fora dos padrões
religiosos de sua época. Seguindo o estilo dos profetas do passado, Jesus tem uma
mensagem forte e direta contra o pecado. É sabido que o sistema religioso judaico da
época de Cristo estava altamente comprometido com as forças políticas dominadoras
do Império Romano. Roma passou a controlar o povo por meio de seus sacerdotes, o
que teria levado Jesus a se levantar contra o absurdo de tal sacrilégio.

Criticando os ensinamentos impróprios dos rabis, os quais foram


responsáveis pela degeneração da verdadeira religião (din), Jesus (as) aboliu
20

regras inventadas pelos próprios rabis e através das quais obtinham ganhos
pessoais. Ele convocou os Filhos de Israel para a unicidade de Allah, para a
honestidade e para a conduta virtuosa. (YAHYA, 2001, p.8).

Os muçulmanos têm Jesus como um homem extraordinário por diversos fatores. Entre
eles está o fato de que ele falou literalmente aos israelitas desde sua mais tenra
infância, isto é, desde o berço. No Alcorão, encontra-se registrado passagens que
afirmam que Jesus, ainda no berço falou ao povo. (ALCORÃO 3:46 / 19:29-30 / 5:110).
Não poucas vezes, os sermões dele eram acompanhados de algum sinal miraculoso
que endossava a pregação. O Alcorão registra alguns milagres de Jesus no 3º sura
denominado Ál Imran. Estão relacionados milagres e maravilhas realizados à vista de
todos como por exemplo, tomar nas mãos o barro e transformá-lo em pássaros que
ganhavam vida instantaneamente conforme registra o Alcorão:

E (Jesus) será um mensageiro para os israelitas, (e lhes dirá): Apresento-vos


um sinal do vosso Senhor: eis que plasmarei de barro a figura de um pássaro,
no qual assoprarei, e a figura se transformará em pássaro, como o
beneplácito de Allah; curarei o cego de nascença e o leproso; ressuscitarei
os mortos, pela vontade de Allah, e vos revelarei o que consumis e o que
entesourais em vossas casas. Nisso há um sinal para vós, se sois crentes.
(ALCORÃO, sura 3:49-51).

Além desta passagem, o Alcorão relata muitos outros milagres de Jesus como a cura
de um cego de nascença (Sura 3:49 e 5:110) e a ressurreição de um morto (Sura
3:49/5:110). Jesus tinha habilidades extraordinárias como conhecer qual o alimento
que as pessoas estocavam e consumiam (ALCORÃO, sura 3:49). Ele também
recebeu de Allah uma escritura sagrada, o Evangelho, a mensagem Deus para que
humanidade siga o monoteísmo, faça o bem e pratique a caridade. Sua vida é
inspiração para todos; seu exemplo de humildade e obediência é um modelo a ser
seguido conforme registra o Alcorão: “E venho confirmar o que existia antes de mim
na Tora, e tornar legal parte do que vos estava proibido; e vim para vós como um Sinal
do vosso Senhor. Portanto, temei a Allah e obedecei-me”. (Sura 3:50). O teólogo
YAHYA escreveu:

O que na realidade Jesus (as) fez, foi apenas chamar o povo para o
verdadeiro caminho, e eliminar as falsas regras introduzidas no Judaísmo
pelos próprios rabis. O povo de Israel distorcera a sua religião, proibindo o
que era permitido pela revelação original, e permitindo o que era proibido pela
mesma. Deste modo, haviam mudado completamente o verdadeiro caminho
revelado por Allah. Dado isto, Allah enviou Jesus (as) para purificar a
verdadeira religião de todas as inovações nela incorporadas numa fase
precedente. Jesus (as) chamou o seu povo para o Injil (Evangelho), o qual
confirmava a verdadeira Tora (Tawrah) revelada o Moisés (Mussa) (as). O
versículo em causa no Alcorão é o seguinte: Surah 3, Al ‘Imran: 50. (YAHYA,
2001, p. 21).
21

Mesmo tendo realizados todos estes sinais, a tradição islâmica entende que Jesus
não os realizou por si próprio, pois os seus próprios ensinamentos são baseados na
crença em um único Deus sem associados e no amor à humanidade. Realizou muitos
milagres, mas nunca creditou os milagres a si mesmo, mas sempre a Allah
(CARABALLO, 2010, p. 22). Como um bom profeta, Jesus sempre rendeu glórias a
Allah dizendo que tudo o que fazia não fazia de si mesmo, mas só podia realizar tais
coisas porque Deus lhe concedera que fizesse. Para endossar esta doutrina, os
islâmicos se valem de alguns trechos bíblicos como João 5:30 “Por mim mesmo, nada
posso fazer; eu julgo apenas conforme ouço, e o meu julgamento é justo, pois não
procuro agradar a mim mesmo, mas àquele que me enviou” e no livro de Atos 2:32:
“Israelitas, ouçam estas palavras: Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus diante de
vocês por meio de milagres, maravilhas e sinais, que Deus fez entre vocês por
intermédio dele, como vocês mesmos sabem”.

O término do ministério terreno de Jesus também é bem diferente do que a registraram


os autores dos evangelhos que tem como ponto alto de seus registros a morte e
ressurreição de Cristo. A cruz de Cristo é tema central para a fé cristã. Já para a
compreensão islâmica a realidade é outra, pois o próprio Alcorão nega
veementemente que Jesus tenha morrido na cruz. Os muçulmanos creem que houve
uma conspiração dos inimigos de Jesus para pôr fim em sua vida, mas Deus o salvou
e o elevou para Ele. (IBRAHIM, 2002, p.58). Para a fé islâmica, Jesus não morreu
conforme diz o Alcorão:

E por dizerem: Matamos o Messias, Jesus, filho de Maria, o Mensageiro de


Allah, embora não sendo, na realidade, certo que o mataram, nem o
crucificaram, mas o confundiram com outro. E aqueles que discordam quanto
a isso estão na dúvida, porque não possuem conhecimento algum, mas
apenas conjecturas para seguir; porém, o fato é que não o mataram.
(ALCORÃO, sura 4:157).

Conforme a concepção islâmica, Jesus nunca foi levado à cruz. Entendem que ao
encontrarem um modo diferente de interpretar a religião, os judeus sentiram-se
frustrados com o aconselhado por Jesus e por isso tentaram contra a sua vida como
registra o Alcorão. (Sura 43:63-65) (YAHYA, 2001, p. 22). Quando os judeus tentaram
dar cabo da vida do profeta de Allah que estava pregando em Israel, os anjos vieram
ao seu encontro e o elevaram até Deus. No entanto, um outro homem morreu na cruz.
Talvez o mais improvável de todos, Judas Iscariotes, o tesoureiro. Ele teria aceito a
promessa de receber trinta peças de prata, caso ajudasse a capturar Jesus. Para
22

evitar maiores problemas com o povo que seguiam a Cristo, esperaram até o
anoitecer. Judas tinha ordens para identificar o nazareno com um beijo para que
ficasse evidente aos soldados quem era o profeta. Porém, ao chegarem pela noite,
um grande alvoroço se estabeleceu e os dois judeus confundiam-se no escuro e os
soldados, erradamente prenderam Judas em vez de Jesus que aproveitou a
oportunidade para fugir. Conforme UR-RAHIM, a tradição islâmica está em
consonância com a narrativa do Evangelho de Barnabé que também afirma que Jesus
não foi morto na cruz e sim Judas. O autor afirma:

Na descrição feita por Barnabé, diz-se que, na ocasião da captura, Judas foi
transformado pelo Criador de maneira a que até a sua mãe e os seus
seguidores mais próximos acreditassem que ele era Jesus. Só foram
informados do que tinham sucedido realmente, quando Jesus lhes apareceu,
depois de sua suposta morte. Isso iria explicar por que razão existe tanta
confusão à volta dos acontecimentos que tiveram lugar naquela altura, e por
que alguns registros, escritos por pessoas que não estiveram presentes
nesses acontecimentos, apoiam a falsa crença de que Jesus foi crucificado.
(UR-RAHIM, 1995, p. 38).

Jesus, portanto, nunca passou pelo sofrimento e pela humilhação da cruz conforme
autores do Novo Testamento bíblico afirmam. Os muçulmanos não acreditam que
Jesus foi crucificado, pois entendem se tratar apenas de plano malsucedido dos
inimigos de Jesus para matá-lo, mas Deus o salvou e o elevou para Ele. Existe ainda
uma outra tradição que diz que a aparência de Jesus teria sido colocada sobre um
outro homem e que os inimigos de Jesus, pegaram esse homem e o crucificaram
pensando que ele fosse Jesus. (IBRAHIM, 2002, p. 58).

E me fez gentil para com a minha mãe, não permitindo que eu seja arrogante
ou rebelde. A paz está comigo, desde o dia em que nasci; estará comigo no
dia em que eu morrer, bem como no dia em que eu for ressuscitado. Este é
Jesus, filho de Maria; é a pura verdade, da qual duvidam. (ALCORÃO, sura
19:32-34).

A ascensão de Jesus até os céus foi seu escape definitivo das mãos dos incrédulos.
Para os muçulmanos, Allah o fez subir e agora, Jesus é contado entre aqueles que
hão de herdar a terra. Portanto, Jesus não era um homem comum, mas sim, alguém
que foi gerado de forma extraordinária e também alguém que realizava muitos sinais
e maravilhas que ainda não passou pela morte pois foi elevado pelos anjos até Allah.
A teologia islâmica também ensina que o mesmo Jesus que foi elevado aos céus um
dia regressará. Sobre o assunto YAHYA escreve:

Jesus (‘Issa) (as), tal como todos os outros profetas, é um servo escolhido
por Allah, a quem Allah destinou convocar as pessoas para o verdadeiro
caminho. Contudo, existem determinados atributos de Jesus que o
23

distinguem dos outros profetas, sendo que o mais importante é o facto dele
ter sido elevado por Allah, e o de que regressará à Terra uma segunda vez.
(YAHYA, 2001, p. 6).

A segunda vinda de Jesus é aguardada com muita expectativa pelos muçulmanos


pois entendem que ele voltará num período de tempo denominado “o fim dos tempos”.
Este termo configura-se num período próximo do fim do mundo, não sinônimo do
mesmo. Nele ocorrerão terríveis provações do Djjal (anticristo) como terremotos, o
aparecimento de Yajuj e Majuj (Gog e Magog), e a Terra experimentará um tempo de
maldade e dor. Porém, no momento final do “fim dos tempos” será abençoado. Haverá
paz, justiça e bem-estar nunca antes visto na humanidade onde o caminho do Alcorão
prevalecerá e as pessoas se converterão aos valores anunciados pelo Islam. É o
tempo em que todas estas benções substituirão, a injustiça a imoralidade, os conflitos
e as guerras. É, com certeza, o tempo abençoado em que os princípios morais
Islâmicos penetrarão em todos os aspectos da vida. (YAHYA, 2001, p. 6).

Jesus não passou pela morte porque não havia proveito algum em sua morte,
conforme a tradição islâmica. Jesus é um profeta a serviço de Allah e nada mais do
que isso. O cristianismo discorda radicalmente deste ponto pois crê que Jesus Cristo
é uma das Pessoas da Santíssima Trindade. A teologia islâmica por sua vez, reúne
vários argumentos para combater tais afirmações e assim, constrói um cabedal
religioso antagônico ao cristianismo negando pontos fundamentais para fé evangélica.
24

3. A DOUTRINA SOBRE A DIVINDADE DE JESUS

Encontra-se no Alcorão não apenas narrativas sobre o ministério de Jesus de Nazaré


e seus milagres. É possível perceber nos textos do Livro Sagrado dos muçulmanos
várias referências a respeito da natureza de Cristo. A concepção islâmica sobre a
natureza de Jesus é baseada na premissa alcorânica de que Allah é único, isto é,
nada nem ninguém pode ser comparado ou associado a ele.

3.1 O HOMEM JESUS

A natureza de Cristo sempre foi um tema importante para a teologia de um modo geral.
Esta polêmica foi teoricamente pacificada para o cristianismo no concílio de Nicéia em
325 d.C., com a conclusão de que Cristo possuía as duas naturezas, humana e divina.
Porém, este tema ainda permaneceu vivo entre religiosos de diversos segmentos
inclusive para o Islam. Como já exposto neste trabalho, o Alcorão retrata a pessoa de
Jesus como um grande profeta que tinha uma vida dedicada a Allah e que operou
muitos milagres pelo poder de Allah, contudo, isso não significa que ele, Jesus, era
divino. “Ele (Jesus) não é mais do que um servo que agraciamos, e do qual fizemos
um exemplo para os israelitas”. (ALCORÃO, sura 43:59).

A teologia cristã tem por base o reconhecimento da pessoa de Jesus Cristo como o
Filho de Deus, ou seja, da mesma essência de Deus Pai e Deus Espírito Santo,
portanto, Deus Filho, participante da Santíssima Trindade. Porém, a concepção
islâmica é antagônica a esta doutrina pois considera uma grande blasfêmia atribuir
qualidades ou prerrogativas divinas a qualquer pessoa. O Alcorão atribui somente a
Allah e a nenhum outro o status divino, isto é, nenhum ser ou espírito deve ser
equiparado a Allah. O Islam, por exemplo, não reconhece a doutrina do Espírito Santo
como legítima pois a considera uma heresia por parte dos cristãos. Portanto, Jesus
Cristo jamais pode ser comparado ou associado à Allah pois de acordo com o a
tradição muçulmana, ele não foi nada mais que um mensageiro humano que realizou
grandes sinais e maravilhas apenas porque isso lhe foi concedido.
25

O Islam crê que o próprio Jesus deixou claro ele dependia diretamente de Allah e que
o poder para realizar atos miraculosos não estava nele, mas vinha de Allah. Para os
muçulmanos, a divindade de Jesus, deve ser fortemente rejeitada porque ela ofende
diretamente a doutrina da unicidade de Allah. Nem mesmo o extraordinário fato de
Jesus Cristo ser o único ser humano gerado miraculosamente, isto é, sem a
participação masculina na sua concepção, lhe confere título divino ou qualquer outra
espécie de associação à Allah como filho, irmão ou qualquer outro grau de parentesco.
Para o Islam ele é um homem sagrado, porém, jamais pode ser venerado, adorado
ou reconhecido como Deus. Os versos do Livro Sagrado dos muçulmanos dão
fundamento a esta tradição por asseverarem que Jesus não é um “Deus”. Cita-se o
Alcorão:

São blasfemos aqueles que dizem: Allah é o Messias, filho de Maria. Dize-
lhes: Quem possuiria o mínimo poder para impedir que Allah, assim
querendo, aniquilasse o Messias, filho de Maria, sua mãe e todos os que
estão na terra? Só a Allah pertence o Reino dos céus e da terra, e tudo quanto
há entre ambos. Ele cria o que Lhe apraz, porque é Onipotente. (ALCORÃO,
sura 5:17 e 72).

Portanto, de acordo com a tradição islâmica, o próprio Jesus teria negado a sua
divindade deixando isso muito claro em suas palavras e ações, dizendo que ele, nem
sua mãe, a virgem Maria, eram deuses ou algum tipo de divindade, por isso, não
deveriam ser considerados como tal. Para corroborar esta doutrina, os muçulmanos
se valem de versículos bíblicos que supostamente dariam base para esta questão.
Um dos versículos mais utilizados é o de João capítulo cinco, verso 30, que diz: “Por
mim mesmo, nada posso fazer; eu julgo apenas conforme ouço, e o meu julgamento
é justo, pois não procuro agradar a mim mesmo, mas àquele que me enviou". Outras
passagens como em Mateus 12:28; Lucas 11:20; João 10:29; 14:28; Atos 2:22; são
amplamente utilizadas com o mesmo propósito de desmistificar a divindade de Jesus.
Portanto, qualquer doutrina que afirme a divindade de Cristo, assim como a da
Santíssima Trindade, incorre em um erro gravíssimo segundo o Islam. Cita-se o
Alcorão:

Ó adeptos do Livro, não exagereis em vossa religião e não digais de Allah


senão a verdade. O Messias, Jesus, filho de Maria, foi tão-somente um
mensageiro de Allah e o seu Verbo, que Ele enviou a Maria, e um Espírito
d'Ele. Crede, pois, em Allah e em Seus mensageiros e não digais: Trindade.
Abstende-vos disso, que será melhor para vós; sabei que Allah é Uno.
Glorificado seja! Longe está a hipótese de ter tido um filho. A Ele pertence
tudo quanto há nos céus e na terra, e Allah é mais do que suficiente Guardião.
(ALCORÃO, sura 4:171).
26

E ainda

E recorda-te de que quando Allah disse: Ó Jesus, filho de Maria! Foste tu que
disseste aos homens: Tomai a mim e a minha mãe por duas divindades, em
vez de Allah? Respondeu: Glorificado sejas! É inconcebível que eu tenha dito
o que por direito não me corresponde. Se o tivesse dito, tê-lo-ias sabido,
porque Tú conheces a natureza da minha mente, ao passo que ignoro o que
encerra a Tua. Somente Tu és Conhecedor do desconhecido. ”Não lhes
disse, senão o que me ordenaste: Adorai a Allah, meu Senhor e vosso! (Sura
5:116 - 118).

Como exposto, a fé islâmica defende que Jesus foi enviado especificamente ao povo
de Israel para confirmar a mensagem de submissão a Allah deixada pelos profetas
anteriores a ele e também entregar as boas novas que seria o evangelho puro, isto é,
uma mensagem diferente da que os cristãos chamam hoje de Evangelho, porque este
que se encontra na Bíblia Sagrada estaria comprometido por inserções indevidas e
supostas alterações arbitrárias realizadas por comunidades cristãs que forjaram
mentiras a respeito do profeta Jesus para idealizá-lo como Deus encarnado (UR’
RAHIM,1995, p.14). Segundo o islamismo, o evangelho original teria se perdido com
o tempo, mas graças às revelações do anjo Gabriel à Muhammad na formação do
Alcorão, a verdade sobre a pessoa de Jesus teria sido resgatada e registrada no Livro
Sagrado do Islamismo.

Conforme a tradição Islâmica, Jesus teria profetizado um mensageiro que viria após
ele para consolar seus seguidores e dar continuidade ao ministério profético, este
seria Muhammad, o fundador do islamismo. O Alcorão assim registra:

E de quando Jesus, filho de Maria, disse: Ó israelitas, em verdade, sou o


mensageiro de Deus, enviado a vós, corroborante de tudo quanto a Tora
antecipou no tocante às predições, e alvissareiro de um Mensageiro que virá
depois de mim, cujo nome será Ahmad!”. (Sura 61:6)

3.2 A SUPOSTA HERESIA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

A doutrina cristã da Santíssima Trindade é amplamente difundida em regiões onde o


Islam atua para a conversão de novos adeptos à fé muçulmana. Como já exposto, um
método bastante utilizado por líderes e pensadores muçulmanos para corroborar
ensinos e tradições islâmicas é a utilização à la carte de versículos bíblicos em
detrimento de seu contexto. Para dissertar sobre o tema em questão não seria
diferente. O texto bíblico utilizado para afirmar que Jesus, profetizou a vinda
27

Muhammad é o de João capítulo 14, verso 16, que diz: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos
dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre”. O termo grego utilizado
nesta passagem é (parákletos), que pode ser traduzido como
“chamado”, “convocado para estar ao lado de alguém”, “intercessor”, “conselheiro de
defesa” ou “advogado” (STRONG, 2002, p.1708). No entanto, a tradição islâmica
afirma que o termo não está correto, que na verdade, o texto original traz o termo
 (períklytus), que seria uma corrupção de parákletetos que pode ser
traduzido como “o elogiado”, este termo seria equivalente ao nome árabe Ahmad, que
é uma forma abreviada do nome Muhammad. O pensador muçulmano A. Guthrie e
EFF Bishop, defende a tese de que a palavra grega original usada era períklytus, e
que os cristãos a substituíram por parákletos. Contudo, tal proposição não encontra
amparo nos manuais de exegese bíblicas para o texto grego, tampouco nos
dicionários de língua grega. Cita-se o autor:

Os primeiros tradutores não sabiam nada sobre a surpreendente leitura de


periklutos para parakletos e sua possível interpretação como Ahmad [...]
Periklutos não entra em cena até Ibn Ishaq e Ibn Hisham. O engano não é
deles. A oportunidade de apresentar Ahmad não foi aceita - embora seja
altamente improvável que eles estivessem cientes de que era uma possível
tradução de Periklutos. Ele teria garantido o argumento de ter seguido as
referências de Johannine com uma citação do Alcorão (BISHOP, 1951, p.253-
254).

Portanto, de acordo com a tradição islâmica, Jesus teria feito muitas menções à
Muhammad e seu importante ministério que guiaria a humanidade na direção da fé
verdadeira. Para endossar essa doutrina, os muçulmanos também utilizam o próprio
Evangelho, que em várias ocasiões é alvo de severas críticas pela tradição islâmica
no que tange a legitimidade do conteúdo da mensagem, mas que em alguns casos
serve de amparo ao pensamento muçulmano. Com o intuito de pavimentar sua
hermenêutica, os trechos do Evangelho de João 16:7, 12 a 14, confirmariam a tese
de que Cristo profetizou a vinda de Muhammad, o consolador. Portanto, se Jesus
negou sua divindade e ainda profetizou a vinda de Muhammad e não do Espirito
Santo, a doutrina da Santíssima Trindade é uma afronta à fé muçulmana. O livro
sagrado do islamismo condena quem assim acredita.

São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria, ainda
quando o mesmo Messias disse: Ó israelitas, adorai a Deus, Que é meu
Senhor e vosso. A quem atribuir parceiros a Deus, ser-lhe-á vedada a entrada
no Paraíso e sua morada será o fogo infernal! Os iníquos jamais terão
socorredores. São blasfemos aqueles que dizem: Deus é um da Trindade!
Porquanto não existe divindade alguma além do Deus Único. Se não
desistirem de tudo quanto afirmam, um doloroso castigo açoitará os
28

incrédulos entre eles. Por que não se voltam para Deus e imploram o Seu
perdão, uma vez que Ele é Indulgente, Misericordiosíssimo? (Sura 5:72-74).

O pensamento islâmico diz que a Trindade é uma heresia e uma afronta a Allah, e
claro, afirmam que Jesus não é membro da Trindade nem ao menos pode ser
considerado Filho de Deus ou seu parente. Para os muçulmanos, Jesus não teria sido
o único homem a quem os israelitas atribuíram o título de Filho de Deus. Segundo o
Islam, Esdras (Ezra), também foi chamado de Filho de Deus, da mesma forma que os
cristãos chamam a Jesus. (ALCORÃO, sura 9:30 e 19:35). Contudo, para a os
muçulmanos, Jesus é considerado a "Palavra de Deus", e um "Espírito d’Ele".
(ALCORÃO, sura 4:171). Isto significa que Jesus, seria um homem escolhido por
Allah, para uma obra profética, que foi acompanhada de sinais e maravilhas, mas
ainda assim, um ser humano comum, que por exemplo, se alimentava juntamente com
sua mãe, de alimentos terrenos como qualquer ser humano. (ALCORÃO, sura 5:75).
Apesar de não reconhecerem sua divindade, os muçulmanos, creem e se submetem
as palavras de Jesus Cristo, assim como se submetem a todos os profetas anteriores
e ao próprio Maomé.

Nem uma vez Jesus é referido como "Deus, o Filho", mas apenas como o
"Filho de Deus", cerca de 68 vezes no Novo Testamento da Bíblia, o que
significava que ele não é de forma alguma Deus. Dizer que ambas as
referências são uma e a mesma coisa em significado nega as regras da
linguagem, deixando-as absolutamente inútil como um instrumento de
comunicação. (CAVE, 1996, p. 75).

O pensador muçulmano M. A. C. Cave, afirma na obra A doutrina da Trindade é


realmente divina? (1996), que o conceito da trindade tem confundido todas as
denominações cristãs. Ele mesmo diz ter sido ser um cristão que acreditava na
Trindade, porém, quando se propôs a pesquisar sobre a origem da doutrina, descobriu
que ela teria sido desenvolvida posteriormente aos textos do Novo Testamento e que
na verdade, era uma engenhosidade por parte dos cristãos, e por isso teria se
convertido ao islamismo. Classificando-a como “doutrina de homens”, CAVE afirma
que a doutrina da Santíssima Trindade contém várias contradições internas e tem
origens pagãs. Sua teoria se baseia na racionalidade pura e numa lógica que se limita
a compreensão imanente para um tema transcendente.

O credo cristão afirma que as "Três Pessoas" estão unidas em um só corpo


(três em um Deus). Como pode qualquer membro da Trindade de Deus ser
considerado completo quando, na realidade, cada um deles constitui apenas
1/3 da Divindade? É absurdo pensar que cada um é um Deus completo
quando os três estão em um só ser e, assim, constituem um Deus. (CAVE,
1996, p. 76).
29

No intuito de descredenciar a veracidade da divindade de Jesus Cristo e desmistificar


a doutrina da Santíssima Trindade, o autor muçulmano registra em seu já referido
livro, uma pesquisa realizada na Inglaterra pelo jornal Daily News do Reino Unido, sob
o título “Pesquisa Chocante dos Bispos Anglicanos”, cujo o conteúdo afirma que mais
da metade dos Bispos Anglicanos da Inglaterra concordam que os cristãos não são
obrigados a crer que Jesus Cristo era de fato Deus. Nesta reportagem consta a
afirmação de que 31 dos 39 Bispos Ingleses negam a divindade de Jesus e a
ressureição e, por conseguinte, tornam completamente nulas as duas das mais
fundamentais doutrinas cristãs: a divindade de Jesus e a doutrina da Santíssima
Trindade. Eles atribuem estes conceitos antigos às imprecisões na Bíblia. (1996, p14).
Cite-se o autor:

A expressão "Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo" não é apenas o
sinônimo de cristianismo, mas o núcleo da fé cristã. No entanto, esta crença,
considerada como a fonte da religião cristã, não era conhecida ou defendida
por Jesus ou pelos primeiros cristãos. Padres Apostólicos e as gerações
seguintes até o último quarto do século 4 d.C., nunca pensaram em um Deus
trino. Eles acreditavam em Um Criador Onipotente, Onisciente e
Transcendente que deve ser adorado sozinho. (CAVE, 1996, p.35).

E ainda:

Embora se pregue e se acredite que a Bíblia seja a Palavra de Deus, ela não
contém a celebrada doutrina da Trindade. Se a doutrina da Trindade fosse
verdadeira, deveria estar claramente apresentada na Bíblia porque
precisamos conhecer a Deus e a maneira de como adorá-Lo. Nenhum entre
os profetas de Deus, desde Adão até Jesus, teve o conceito da Trindade ou
de um Deus Uno e Trino. Nenhum deles fez qualquer declaração, ainda que
velada, com esse efeito; também não há qualquer referência tanto no Antigo
como no Novo Testamento confirmando tal doutrina. É, portanto, estranho
que nem Jesus, nem os seus discípulos falam sobre a Trindade na Bíblia.
Pelo contrário, Jesus diz: “... o Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único
Senhor." (Marcos 12:29, na Bíblia). E de acordo com São Paulo: "Israelitas,
ouçam estas palavras: Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus diante de
vocês por meio de milagres, maravilhas e sinais que Deus fez entre vocês
por intermédio dele, como vocês mesmos sabem." (Atos 2:22, na Bíblia).
(CAVE, 1996, p.38).

Como exposto, a tradição islâmica nega com veemência qualquer associação à Allah,
ou seja, Jesus Cristo, que na teologia cristã é tido como o Filho de Deus, na concepção
islâmica é apena um profeta que rejeitou ser comparado a Deus e negou toda doutrina
que não expusesse a unicidade de Allah, isto é, Jesus não deixou nenhuma margem
para que se acreditasse na doutrina da Santíssima Trindade. Ao que parece, o
relevante tema da divindade de Cristo, e a doutrina da Santíssima Trindade são o
divisor de águas entre as duas religiões, pois em nenhum outro ponto as divergências
são tão claras e antagônicas entre si.
30

CONCLUSÃO

Jesus de Nazaré é, sem dúvida, a personagem mais extraordinária da história


humana. O mundo foi impactado por sua presença e profundamente afetado por seu
ministério. É inegável a sua relevância e influência em toda e qualquer sociedade.
Duas das maiores religiões do mundo, o Cristianismo e o Islamismo, reconhecem sua
origem miraculosa e sua mensagem transformadora. Pode ser surpreendente para
muitas pessoas, o fato de que o próprio Alcorão, não apenas faz menção a Jesus,
filho de Maria, como também narra diversos fatos de sua vida. A fé islâmica diverge
do cristianismo radicalmente, quanto a pessoa de Jesus e sua natureza. Segundo a
tradição islâmica, Jesus Cristo não é o Filho de Deus, isto é, ele não possui nenhuma
natureza divina, portanto, os cristãos estão terrivelmente enganados.

O muçulmano vê Jesus como um importante profeta de sua religião e jamais como


Deus. Considera seus ensinos como continuação da mensagem de Allah que
convocou os judeus à unicidade e unidade da fé em submissão (Islam). Tais
divergências são irreconciliáveis. Porém, eis um ponto de contato entre as duas
religiões que pode fomentar possíveis diálogos para uma melhor compreensão da fé
islâmica: a verdadeira história de Jesus de Nazaré. O assunto a respeito da pessoa
de Jesus na tradição islâmica é muito amplo e esta pesquisa não tem a pretensão de
esgotá-lo. Contudo, este trabalho surge como um ponto de partida para o complexo
intelectual religioso que envolve questões centrais da teologia. Desdobramentos desta
pesquisa inicial podem surgir devido a potencialidade fértil deste campo teológico que
busca compreender de forma inter-religiosa dogmas e doutrinas tão caras a fé cristã.
O fato da pesquisa ter se concentrado na busca da concepção islâmica sobre Jesus,
pesquisando diretamente nas fontes muçulmanas, confere mais clareza e limpidez
quanto às doutrinas e tradições presentes no mundo islâmico.
31

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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compartilhar as Boas-Novas com confiança. São José dos Campos: Fiel, 2015.
BRAIK, Patrícia Ramos. Estudar História. Das origens do homem à era digital, São
Paulo: Moderna, 2012.
BÍBLIA de estudo Arqueológica. Tradução Nova Versão Internacional. São Paulo:
Vida, 2013.
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ed. XLI, 1951 [S.I].
CARABALLO, Simon Alfredo A. Maria A. Meu grande amor por Jesus me conduziu
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CORREA, Jonas Augusto. Estado de Direito Laico e os direitos fundamentais:
uma abordagem do Islã frente a Laicização Turca. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
CAVE, M. A. C. A doutrina da Trindade é Realmente Divina?, São Paulo:
FAMBRAS, 2010.
ECLESIA. In: Credo Apostólico Niceno-constantinopolitano. Disponível em:
http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/fe_crista_ortodoxa/o_credo_niceno_constantin
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https://oglobo.globo.com/sociedade/religiao/islamismo-sera-maior-religiao-do-mundo-
em-2070-diz-estudo-20998454#ixzz4nBy6MuLO. Acesso em: 18/07/2017.
UR’RAHIM, Muhammad Atá. Jesus, um profeta do Islam, Loures: Ál Furqán - 1995.

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