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BELO HORIZONTE
2019
IGOR GONÇALVES CAIXETA
BELO HORIZONTE
2019
Todas e todos vocês me acolheram, e com todas e todos aprendi muito.
Por isso agradeço e dedico esse trabalho a
Dagmar e Sodaba, que me mostraram o brilho do olhar, Sandra,
que me mostrou o mundo, Thayse, que me mostrou o amor,
Cristina, que me mostrou o cuidado, Stefany e Juliana, que me mostraram a força,
Derick, que me mostrou a alegria, Victor, que me mostrou o estudo,
Gilmar, que me mostrou a fé, Luiz, que me mostrou a amizade,
Comunidade muçulmana belo-horizontina, que me mostrou o encontro,
e a todas e todos os outros
que também compõem esse trabalho, e que me mostraram o caminho.
Jumu’ah, ou oração de sexta-feira (arquivo pessoal).
This research is part of the studies about Islamophobia, the repulse or hostility
manifested towards the Islamic religion and Muslims, which has been taking an
increasingly clear shape in many countries where the group is a religious minority.
Using theorists and researchers that discuss the history and expansion of Islam and
its adaptation across contexts such as Brazil, it intends to understand which elements
explain the different ways in which religion came to be interpreted by both Muslims and
non-Muslims. Especially through postcolonial and decolonial authors who discuss
Islamophobia, this ideological tradition is positioned as an unequal power relation
between parts of the world and identity groups. By means of field research in the
mosque of Belo Horizonte and interviews with Muslim men who attend the place, it is
provided a discussion about the possibilities of encounters of difference and the
specificities of the manifestation of Islamophobia in their daily lives, expressed above
all by jokes and verbal aggressions that mobilize Orientalist discourses.
INTRODUÇÃO..................................................................................................1
1. O ISLÃ E OS MUÇULMANOS (OU A FORMAÇÃO).........................................3
1.1. Definições e surgimento.....................................................................................3
1.2. Expansão e presença no mundo contemporâneo..............................................9
2. ISLAMOFOBIA (OU A REPRESENTAÇÃO)....................................................17
2.1. O termo e sua história......................................................................................17
2.2. Orientalismo.....................................................................................................20
2.3. Racismos.........................................................................................................24
2.3.1. Racismo histórico-global..................................................................................24
2.3.2. Racismo cultural...............................................................................................26
2.3.3. Racismo epistêmico.........................................................................................29
2.4. A política do ódio e medo e o papel das mídias...............................................31
3. O CASO BRASILEIRO (OU A TRADUÇÃO)....................................................36
3.1. Trajetórias da Ummah brasileira......................................................................36
3.2. Aspectos demográficos dos muçulmanos no Brasil.........................................39
3.3. Islamofobia no Brasil........................................................................................42
4. O CASO BELO-HORIZONTINO (OU A APRESENTAÇÃO)............................46
4.1. Breve introdução sobre a Ummah em Minas Gerais
e em Belo Horizonte........................................................................................46
4.2. “No Afeganistão é cheio de gente do Afeganistão,
e aqui tem outras pessoas”.............................................................................47
4.3. Perspectivas e vivências de homens muçulmanos...........................................51
4.3.1. Shahada...........................................................................................................51
4.3.2. Nacionalidades.................................................................................................54
4.3.3. Trabalho............................................................................................................55
4.3.4. Orações............................................................................................................58
4.3.5. Na família, com os amigos e na faculdade.......................................................60
4.3.6. Taqiyah.............................................................................................................63
4.3.7. Mídias...............................................................................................................65
4.3.8. Estigma e encontro...........................................................................................69
4.4. Perspectivas e vivências de mulheres muçulmanas.........................................75
APONTAMENTOS FINAIS..............................................................................78
1
INTRODUÇÃO
foi explorado. Além das diferenças entre cenários, as pessoas e as formas como são
lidas, e como lidam com isso, são múltiplas.
O presente texto se voltará às percepções e vivências de homens muçulmanos
em Belo Horizonte, abarcando experiências variadas, mas recortadas de maneira
específica. As informações sobre as discriminações que o grupo sofre, bem como
acerca dos encontros que empreende, partem, primeiramente, de trabalho de campo.
Foram realizadas vinte e uma visitas, às sextas-feiras, dia de oração em congregação,
ao Centro Islâmico de Minas Gerais, do dia 24/08/2018 ao dia 08/11/2019. As
observações e encontros foram descritas em cadernos de campo, e partes compõem
este trabalho de conclusão de curso. As visões e narrativas estão contidas, ainda, em
catorze entrevistas feitas com homens que frequentam a mesquita belo-horizontina,
que resultaram em cinco horas de áudio posteriormente transcritas.
O texto que se segue não é um apanhado de casos de agressão, nem cobre
apenas aquilo que autores escreveram sobre o preconceito anti-islâmico. Foi pensado
e escrito de forma que qualquer pessoa, sem qualquer contato com o Islã e os
muçulmanos, como é o caso de grande parte da população belo-horizontina, tenha
uma visão geral sobre o problema. Não se pode entender a apresentação da
Islamofobia em Belo Horizonte sem se compreender a tradução da religião ao contexto
brasileiro, e não se entende a forma como o Islã é percebido no Brasil sem que
estejam claras as representações da religião e dos muçulmanos no imaginário global.
Se tais formas são, geralmente, fictícias, faz-se necessário, à princípio, distingui-las
do que é o Islã, e do que possibilitou a ele se tornar o que é hoje.
No primeiro capítulo será explicada a origem do Islã e dos muçulmanos, alguns
conceitos e práticas básicas da religião e sua expansão, globalização e
transnacionalismo. O segundo capítulo explicará o conceito de Islamofobia, a sua
formação político-histórica, seus aspectos raciais, seus usos emocionais e sociais. O
terceiro capítulo abordará o caminho percorrido pela religião no Brasil, as
características da população muçulmana no país e a manifestação do preconceito em
sua versão brasileira. O quarto capítulo trará algumas características gerais sobre o
Islã e seus seguidores em Minas Gerais e na sua capital, a introdução do autor no
campo e as formas de apresentação, representação e encontro de muçulmanos em
Belo Horizonte. Conclui-se, brevemente, tratando sobre alteridade e desumanização.
3
1
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica.
Aparecida, SP: Editora Santuário, 2010. p. 42.
2
Ibidem, p. 42.
3
Ibidem, p. 42.
4
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. Cambridge: Harvard
University Press, 2010. p. 71.
5
Ibidem, p. 71.
6
O uso do termo “muçulmano” de forma mais abrangente esteve presente em falas de entrevistados,
algo discutido posteriormente neste trabalho.
7
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 71.
8
DONNER, Fred M. Modern approaches to early Islamic history. In: ROBINSON, Chase F. The New
Cambridge History of Islam: Volume 1. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 625.
4
9
Ibidem, p. 625-626.
10
Ibidem, p. 626.
11
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007. p. 77. Said pensa no orientalismo como uma tradição de conhecimento e poder
construídos a partir da pressão por representação e dominação daquilo que é nomeado Oriente,
exercida por aquilo que se nomeia Ocidente.
12
DONNER, Fred M. Modern approaches to early Islamic history. p. 628.
13
Ibidem, p. 628.
14
Ibidem, p. 629.
15
Ibidem, p. 632-634.
16
Ibidem, p. 639-641.
5
17
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 1-3.
18
Tal influência sob o Islã, ainda que, segundo Donner (2010, p. 4), pequena quando comparada àquela
exercida pelos bizantinos e os sassânidas, deixou marcas na memória cultural islâmica. O ano de
nascimento de Muhammad é o mesmo ano em que, acompanhado de elefantes, o governador judeu
de Himyar - extensão axumita no território do Iêmen - fracassou ao tentar invadir Meca, sendo
conhecido assim como “ano do elefante”, de acordo com Roman Loimeier (2013, p. 173). A sura
(capítulo) 105 do Alcorão, “A Sura do Elefante”, faz referência a esse acontecimento (NASR, p. 708-
709).
19
Ibidem, 3-32.
20
LEE, Robert; SHITRIT, Lihi Ben. Religion, Society, and Politics in the Middle East. Thousand Oaks:
CQ Press, 2014. p. 211-213.
21
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 9-12.
22
Ibidem, p. 18-20.
23
Ibidem, p. 30.
24
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
39.
25
ROBINSON, Chase F. The rise of Islam, 600-705. In: _____. The New Cambridge History of Islam:
Volume 1. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. p. 177.
26
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 28-30.
6
27
Ibidem, p. 30-35.
28
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
39.
29
Ibidem, p. 39-41.
30
ROBINSON, Chase F. The rise of Islam, 600-705. p. 187.
31
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
39.
32
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 39-40.
33
ROBINSON, Chase F. The rise of Islam, 600-705. p. 184.
34
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 40.
35
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
40.
36
“Como um ‘avisador’ da tradição dos primeiros profetas, ele enfatizou a responsabilidade do homem
para com Deus, Seu poder, as recompensas do Céu e o castigo do Inferno. Ele também criticou as
normas sociais vigentes, protestando contra o infanticídio feminino e os abusos da riqueza.” (tradução
nossa).
“As a ‘warner’ in the tradition of early prophets, he emphasised man’s accountability to God, His power,
the rewards of Heaven and the punishment of Hell. He also levelled criticism against the prevailing social
norms, railing against female infanticide and the abuses of wealth.” (ROBINSON, 2010, p. 187).
37
Ibidem, p, 41.
38
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 41-42.
7
A hijra (migração), como ficaria conhecida a fuga de Meca para Medina em 622,
marca o início do calendário muçulmano 39, e é um ponto definitivo da história religiosa,
política e militar construída pelos primeiros muçulmanos do século 7º 40. Muhammad
foi convidado a ir a Medina, junto de seus seguidores, para que mediasse conflitos
entre clãs rivais da tribo que dominava a cidade e fundasse uma comunidade que
pudesse se dedicar, sem interferências, à vida de adoração a Deus 41. Lá, o profeta
estabeleceu a primeira mesquita (em árabe, masjid, “local para prostrações”), realizou
acordos com diversos clãs e forjou a Ummah, uma comunidade única de fiéis que, à
época, respondiam ao mesmo corpo de regras (a Constituição de Medina ou
documento da Ummah)42. Com a eliminação da oposição e a conversão das tribos
locais à recém proclamada religião baseada na restauração da mensagem
abraâmica, Muhammad passou a governar a cidade, guiado por revelações divinas
sobre questões jurídicas, sociais e morais43.
A experiência em Medina refletiu em diversos aspectos no Islã que se
desenhava - boa parte do Alcorão são revelações que ocorreram na cidade 44, que
junto à inexistência de instituições estatais e importância da religião na constituição
da vida e identidade social de então, produziram um poderoso projeto que estaria
envolto pela autoridade divina45. Uma série de alianças, acordos e de batalhas (contra
tribos judaicas e, principalmente, politeístas) precederam a conquista de Meca pelos
muçulmanos, em 63046, quando o vitorioso líder islâmico destruiu os ídolos da Caaba,
mantendo apenas a peregrinação anual ao local e o santuário, declarado como “casa
de Deus” construída por Abraão47. Segundo a tradição islâmica, o ritual do hajj, ou
peregrinação, foi ensinado por Muhammad em 632, mesmo ano de seu falecimento
em sua casa em Medina48.
39
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
41.
40
ROBINSON, Chase F. The rise of Islam, 600-705. p. 175.
41
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 42-43.
42
Ibidem, p. 44.
43
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
42-43.
44
Pinto (2010, p. 48) explica que há grande ênfase, nas suras reveladas em Medina, a questões sobre
comportamento e organização social, enquanto as passagens de Meca enfocam na disciplina moral,
na relação com o divino e no Juízo Final.
45
ROBINSON, Chase F. The rise of Islam, 600-705. p. 173-175.
46
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 44-49.
47
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
44.
48
CAMPO, Juan E. Encyclopedia of Islam. Nova Iorque: Facts on File, 2009. p. 494.
8
49
Segundo Pinto (2010, p. 46) e Robinson (2010, p. 185), pessoas que haviam presenciado a revelação
de Muhammad serviram de fonte para a codificação corânica, empreendida pelo terceiro califa (644-
656), ‘Uthman (Othman) ibn ‘Affan. A edição definitiva do livro, realizada com a ajuda de escribas,
possibilitou, na análise de Pinto, a estabilização de fronteiras interpretativas da revelação,
impossibilitando sua fragmentação.
50
Ibidem, p. 45.
51
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
44.
52
“Califa é o título do governante da comunidade islâmica após a morte de Muhammad em 632 e foi
reivindicado por muitos pretendentes a essa liderança. Outro título dado ao califa era “comandante dos
fiéis (amir al-muminin).” (tradução nossa). O Califado, portanto, é entidade político-religiosa governada
pelo califa.
“Caliph is the title of the ruler of the Islamic community after the death of Muhammad in 632 and was
claimed by many pretenders to that leadership. Another title given the caliph was “commander of the
faithful” (amir al-muminin).” (CAMPO, 2009, p. 125).
53
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
73-74.
54
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 57-61.
55
Juan E. Campo (2009, p. 387-398) traz outras duas definições de jihad. A primeira, vinculada à
doutrina clássica desenvolvida nos séculos 8° e 9°, refere-se a um estado de guerra: na era inicial
islâmica da conquista, utilizado para justificar conflitos entre muçulmanos e não muçulmanos;
historicamente, para a defesa de governos contra opositores; na modernidade, para legitimar
empreendimentos anticolonialistas, como forma de autodefesa (juridicamente), e como estratégia de
9
relação à religião56. Donner afirma que foi 'Abd al-Malik, o quinto califa, quem
incentivou os “crentes” árabes a se redefinirem, buscando uma diferenciação em
relação a outros monoteístas; gradualmente, muslim ou muçulmano passou a ser
identificado como membro de uma confissão religiosa que reconhece Muhammad
como seu profeta e reverencia o Alcorão57.
Muitos dos pontos evocados constituem os cinco pilares do Islã: shahada, a
profissão de fé muçulmana (“Não existe deus além de Deus, e Muhammad é o profeta
de Deus”); salat, a oração islâmica que deve ser realizada em cinco momentos do dia;
zakat, parte da renda do muçulmano destinada ao bem-estar de sua comunidade;
sawm, o jejum de alimentos, bebidas e relações sexuais do nascer ao pôr do sol
durante o mês do Ramadã; e hajj, a peregrinação a Meca que deve ser feita por todo
muçulmano pelo menos uma vez na vida58. De acordo com Paulo Gabriel Hilu da
Rocha Pinto, fazem parte do “denominador comum” de pertencimento ao Islã, além
dos já citados Alcorão e cinco pilares, o caráter exemplar do profeta Muhammad (que
deve ser emulado por outros muçulmanos), os Hadith (conjunto de escritos sobre a
vida do profeta) e a lei islâmica ou sharia59.
islamistas radicais para desafiar o status quo. A outra definição é espiritual: remete à luta interior do
indivíduo contra a descrença e o pecado, e foi pensada por sufis e outros grupos a partir do século 12.
56
DONNER, Fred M. Muhammad and the Believers: At the Origins of Islam. p. 61-83.
57
Ibidem. p. 203-204.
58
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islã: Religião e Civilização – uma abordagem antropológica. p.
53-69.
59
Ibidem, p. 37.
60
A história do Califado é, na verdade, a história de Califados. Houve uma série de conflitos dinásticos,
disputas tribais, revoltas locais e invasões que definiram as sucessões monárquicas e alteraram a
organização política e territorial do império ao longo de sua existência (CAMPO, 2009, p. xxxi).
61
ROBINSON, Chase F. The rise of Islam, 600-705. p. 175.
62
CAMPO, Juan E. Encyclopedia of Islam. p. xxix.
10
63
Ibidem, p. xxix.
64
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. p. 97.
65
CAMPO, Juan E. Encyclopedia of Islam. p. xxix-xxxii.
66
Adeptos ao Sufismo, termo que, de forma generalizante, classifica as tradições místicas do Islã
(CAMPO, 2009, p. 639).
67
“Emigration, trade, intermarriage, political patronage, the systematization of Islamic tradition,
urbanism, and the quest for knowledge must also be recognized. Sufis, too, played a role in the spread
of Islam along trade routes and even to the remotest areas. Pilgrimage should also be recognized as a
factor, especially the annual hajj to Mecca, which gathered scholars, mystics, merchants, and ordinary
believers from many countries together in one place. After performing the required hajj rituals, pilgrims
often took up residence in Mecca to study and meet with scholars and mystics, but eventually they
returned home with stories about the Islamic holy land and new insights about Islam to convey to their
families and neighbors.” (CAMPO, 2009, p. xxxii).
68
PEW RESEARCH CENTER. The Future of World Religions: Population Growth Projections, 2010-
2050. Washington: Pew Research Center, 2015. p. 7.
69
Ibidem, p. 7.
70
Ibidem, p. 72.
71
PEW RESEARCH CENTER. Mapping the Global Muslim Population. Washington: Pew Research
Center, 2009. p. 12.
72
Ibidem, p. 16-17.
11
73
Ibidem, p. 19.
74
Ibidem, p. 1.
75
Ibidem, p. 7.
76
Ibidem, p. 7.
77
Ibidem, p. 24-25.
78
PEW RESEARCH CENTER. Europe’s Growing Population. Washington: Pew Research Center,
2017. p. 4.
79
PEW RESEARCH CENTER. Mapping the Global Muslim Population. p. 21-22.
80
PEW RESEARCH CENTER. Europe’s Growing Population. p. 4.
81
PEW RESEARCH CENTER. Mapping the Global Muslim Population. p. 21.
82
BEYER, Peter. Religion and Globalization. In: RITZER, George. The Blackwell Companion to
Globalization. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2007. p. 444.
12
83
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p.
68.
84
Ibidem, p. 67-69.
85
Além da formação de novas identidades globais e de novas identidades locais que se articulam, Hall
descreve outra consequência possível da globalização para as identidades culturais: o fortalecimento
das identidades locais como reação defensiva de grupos à presença de outras culturas (HALL, 2006,
p. 78-85).
86
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p. 69-77.
13
87
BEYER, Peter. Religion and Globalization. p. 446-453.
88
BAUMANN, Martin. Migration and Religion. In: CLARKE, P. & BEYER, P. The World’s Religions.
Londres: Routledge, 2009. p. 339.
89
“[T]he spatial move of individual persons and groups from one place to another” (BAUMANN, 2009,
p. 339).
90
Ibidem, p. 339-341.
91
Ibidem, p. 341.
92
Ibidem, p. 338-343.
93
Ibidem, p. 344.
94
SHOJI, Rafael. Religiões entre Brasileiros no Japão: Conversão ao Pentecostalismo e Redefinição
Étnica. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, junho de 2008. p. 62-71.
95
BAUMANN, Martin. Migration and Religion. p. 344.
14
96
Ibidem, p. 344.
97
Ibidem, p. 345-346.
98
“Classes for language instruction, both in the language of the migrants and in that of the host country,
may be staged; sport and leisure activities may be provided; the unemployed may receive counselling;
social meetings may be held and family festivities may take place in the spacious halls. The religious
sites provide protected space for the immigrants where the common language is spoken, conventions
are generally known, and prestige and status function in the familiar ways of the former home. In
addition, the religious establishment and its spokesperson may serve as political representatives of the
migrant group for the administration of the local town.” (BAUMANN, 2009, p. 346).
99
GRILLO, Ralph. Islam and Transnationalism. Journal of Ethnic and Migration Studies, Londres, v. 30,
n. 5, setembro de 2004. p. 864.
100
A ideia de Ummah, a “nação do Islã” ou “totalidade de todos os muçulmanos”, é recorrente, presente
nos mais distintos meios de comunicação islâmicos. Ela enfrenta, contudo, obstáculos práticos: as
15
divisões dentro da religião e as relações nacionais e étnicas ao longo da história, como a divergência
entre oeste-africanos negros e norte-africanos “árabes” (GRILLO, 2004, p. 867-868).
101
GRILLO, Ralph. Islam and Transnationalism. p. 865-868.
102
Ibidem, p. 869-871.
103
Ibidem, p. 863-864.
104
Ibidem, p. 864.
105
Ibidem, p. 864.
106
BAYAT, Asef. The Use and Abuse of ‘Muslim Societies’. ISIM newsletter / International Institute for
the Study of Islam in the Modern World, Leiden, v. 13, dezembro de 2013. p. 5.
16
107
Ibidem, p. 5.
108
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. p. 97.
109
Ibidem, p. 97-114.
110
Ibidem, p. 97-102.
111
PEW RESEARCH CENTER. The Future of World Religions: Population Growth Projections, 2010-
2050. p. 7-54.
17
112
VAKIL, Abdoolkarim. Is the Islam in Islamophobia the Same as the Islam in Anti-Islam; or, When Is
It Islamophobia Time?. e-cadernos CES, Coimbra, v. 3, 2009. p. 79.
113
BLEICH, Erik. What Is Islamophobia and How Much Is There? Theorizing and Measuring an
Emerging Comparative Concept. American Behavioral Scientist, Middlebury, v. 55, n. 12, novembro
de 2011. p. 1583-1585.
114
VAKIL, Abdoolkarim. Is the Islam in Islamophobia the Same as the Islam in Anti-Islam; or, When Is
It Islamophobia Time?. p. 81.
115
Ibidem, p. 81-82.
116
Ibidem, p. 82.
117
Ibidem, p. 78.
118
“[R]eferring to dread or hatred of Islam — and, therefore, to fear or dislike of all or most Muslims”
(RUNNYMEDE TRUST, 1997, p. 1).
18
O uso do termo se mostra útil, mas como adiantado, não vem sem algumas
complicações. Seu significado se tenciona relacionalmente a outros conceitos que
podem ser preteridos ou preferidos, como xenofobia, racismo e intolerância 121, e para
alguns autores, o mais aconselhável é empregar categorias mais específicas como
preconceito anti-islâmico ou anti-muçulmano e anti-Muslimism 122. O vocábulo pode
ser problemático, ainda, para psicólogos, pois “fobia” carrega sentidos de um
119
RUNNYMEDE TRUST. Islamophobia: A Challenge For Us All. Reino Unido: Report of The
Runnymede Trust Commission on British Muslims and Islamophobia, 1997. p. 4.
120
“1. Islam seen as a single monolithic bloq, static and unresponsive to new realities. 2. Islam seen as
separate and other - (a) not having any aims or values in common with other cultures (b) not affected
by them (c) not influencing them. 3. Islam seen as inferior to the West - barbaric, irrational, primitive,
sexist. 4. Islam seen as violent, aggressive, threatening, supportive of terrorism, engaged in 'a clash of
civilisations'. 5. Islam seen as a political ideology, used for political or military advantage. 6 Criticisms
made by Islam of 'the West' rejected out of hand. 7. Hostility towards Islam used to justify discriminatory
practices towards Muslims and exclusion of Muslims from mainstream society. 8 Anti-Muslim hostility
accepted as natural and 'normal'.” (RUNNYMEDE TRUST, 1997, p. 5).
121
VAKIL, Abdoolkarim. Is the Islam in Islamophobia the Same as the Islam in Anti-Islam; or, When Is
It Islamophobia Time?. p. 80.
122
BLEICH, Erik. What Is Islamophobia and How Much Is There? Theorizing and Measuring an
Emerging Comparative Concept. p. 1584.
19
123
PRINCE, Jane. The Psychology of Online Islamophobia. PRINCE, Jane. The Psychology of Online
Islamophobia. In: AWAN, Imran. Islamophobia in Cyberspace: Hate Crimes Go Viral. Abingdon:
Routledge, 2016. p. 104.
124
BLEICH, Erik. What Is Islamophobia and How Much Is There? Theorizing and Measuring an
Emerging Comparative Concept. p. 1583.
125
“[I]ndiscriminate negative attitudes or emotions directed at Islam or Muslims” (BLEICH, 2011, p.
1585).
126
Ibidem, p. 1585-1587.
127
Ibidem, p. 1584.
128
VAKIL, Abdoolkarim. Is the Islam in Islamophobia the Same as the Islam in Anti-Islam; or, When Is
It Islamophobia Time?. p. 80.
129
ONU. 66ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Registros Oficiais, A/67/PV.6, Nova
Iorque, setembro de 2012. p. 9.
130
“Quite the opposite of victimhood, then, Islamophobia is about contestation and the power to set
the political vocabulary and legal ground of recognition and redress. It is about the subjectification
of Muslim political subject(ivitie)s.” (VAKIL, 2009, p.75).
20
2.2. Orientalismo
131
VAKIL, Abdoolkarim. Is the Islam in Islamophobia the Same as the Islam in Anti-Islam; or, When Is
It Islamophobia Time?. p. 78.
132
BLEICH, Erik. What Is Islamophobia and How Much Is There? Theorizing and Measuring an
Emerging Comparative Concept. p. 1582.
133
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. p. 112.
134
Ibidem, p. 98-99.
135
A tradução para o português de Orientalismo feita por Rosaura Eichenberg refere-se ao profeta
islâmico pelo nome Maomé (de uso recorrente no Brasil), ao qual se vincula “maometismo”. Opto por
utilizar Muhammad pois foi a forma que encontrei em minhas leituras (acadêmicas e do material de
explicação e divulgação do Islã que recebi no Centro Islâmico de Minas Gerais) e com que os
muçulmanos que conheci se referiam ao profeta.
136
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. p. 99.
137
Ibidem, p. 76-77.
138
Ibidem, p. 213.
21
139
Ibidem, p. 29-33.
140
Ibidem, p. 34.
141
Ibidem, p. 34.
142
“um exército móvel de metáforas, metonímias e antropomorfismos - em suma, uma soma de
relações humanas que foram realçadas, transpostas e embelezadas poética e retoricamente, e que
depois de um longo uso parecem firmes, canônicas e obrigatórias a um povo: as verdades são ilusões,
sobre as quais esquecemos que é isso o que elas são.” (NIETZSCHE, 1954, p.46-7 apud SAID, 2007,
p. 276).
143
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. p. 276.
144
Ibidem, p. 37-40.
145
Principalmente franceses, ingleses e norte-americanos, representantes dos impérios e nações que
exerceram maior domínio sobre o Oriente Médio a partir do século 18 - região e período nos quais Said
foca sua leitura (SAID, 2007, p. 46).
146
Ibidem, p. 284.
147
Ibidem, p. 49-54.
22
somente pela sua diferença148. Como em uma fotografia, ou melhor, em uma pintura
cujo referente é apenas imaginário, o oriental está congelado no tempo para o
orientalista, que reage mais aos seus, à cultura que produz, do que àquele observado,
e durante boa parte da história do Orientalismo acadêmico, voltava-se mais ao período
clássico do que à existência de seu objeto no presente149. Os orientalistas tradicionais
se interessavam pela essência que acreditavam constituir o humano, que prendia seus
objetos em sua especificidade (real ou inventada, a partir da qual se generalizava) e
imutabilidade150, desconsiderando individualidades em favor de entidades artificiais 151,
tais como o Homo islamicus, ser dotado de uma “mente muçulmana”,152 e o “homem
normal”, o europeu descendente da antiguidade grega 153. A separação a partir da
categorização tende a polarizar a distinção num primeiro momento, limitando o
encontro de alteridades humanas, e posteriormente, se se constrói num esquema de
superioridade e inferioridade, colocando, como fazem os orientalistas modernos, de
um lado os ocidentais racionais, lógicos, liberais e pacíficos, e do outro os orientais
como seu oposto, gera um convite para o controle e governo de um sob o outro154 .
“O que devemos levar em conta é um longo e lento processo de apropriação,
pelo qual a Europa, ou a consciência europeia do Oriente, passou de textual e
contemplativa a administrativa, econômica e até militar.”155 Ao passo que pelo menos
desde a Antiguidade Clássica o Oriente já era representado como um “outro” do
europeu156, formalmente o Orientalismo se iniciou em 1312 e durou, na forma do que
aparenta ter sido um “Orientalismo cristão”, até o início da Renascença 157. No século
18 teve início o “Orientalismo moderno”, que impulsionado pela ambição de tipificação
da natureza e do homem (e desejo de poder nela envolto) e por outros elementos
secularizadores que começavam a vigorar na Europa158, atravessou diversas escolas
de pensamento, diversificando-se e se consolidando159, sem que perdesse seu ímpeto
148
Ibidem, p. 52-74.
149
Ibidem, p. 53-88.
150
Ibidem, p. 70-146.
151
Ibidem, p. 217.
152
ARJANA, Sophia Rose. Muslims in the Western Imagination. Nova Iorque: Oxford University Press,
2015. p. 9.
153
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. p 146-147.
154
Ibidem, p. 80-85.
155
Ibidem, p. 285.
156
Ibidem, p. 93-96.
157
Ibidem, p. 85-100.
158
Ibidem, p. 167-174.
159
Ibidem, p. 77.
23
160
Além de ter sido, durante muito tempo, um sistema de concepção da realidade cristão e cientificista,
o Orientalismo, enquanto tradição etnocêntrica (SAID, 2007, p. 277), constituiu-se como uma lente e
um princípio masculino (SAID, 2007, p. 281-282) e branco (SAID, 2007, p. 305-331) que deu origem a
formas específicas de se ver e agir no mundo.
161
Ibidem, p. 170-177.
162
Ibidem, p. 170.
163
Ibidem, p. 73-74.
164
Ibidem, p. 74-75.
165
Ibidem, p. 155-156.
166
Ibidem, p. 402-428.
167
Ibidem, p. 156-158.
168
Ibidem, p, 372-374.
24
2.3. Racismos
A perspectiva a seguir é parte daquilo que Hall chamou de uma “história global”,
um momento histórico em que diferentes partes do mundo se entrelaçaram num
sistema cultural, social e econômico interdependente171. Essa articulação se originou
no desenvolvimento de uma linguagem mundialmente compartilhada, um “sistema de
representação” que tem em seu centro a noção da existência de um Ocidente e de
um Resto172. O autor afirma que o Ocidente não é um conceito geográfico, mas
histórico, e que seu significado equivale, hoje, à palavra “moderno”173. A “ideia”
ocidental não surgiu para nomear uma sociedade pré-existente, mas ela mesmo foi
169
Ibidem, p. 352-353.
170
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. Islamophobia Studies Journal,
Berkeley, v. 1, n. 1, 2012. p. 10.
171
HALL, Stuart. O Ocidente e o Resto: Discurso e Poder. Projeto História, São Paulo, n. 56, maio-
agosto de 2016. p. 317-318.
172
Ibidem, p. 317-318.
173
Ibidem, p. 315.
25
utilizada para criá-la, a partir de uma identificação cristã que tanto delimitava as
divisões entre europeus (de um lado, a Europa Ocidental católica, do outro, a Europa
Oriental ortodoxa), quanto forjava uma humanidade que os de dentro - mas não
todos - poderiam compartilhar174. “Sua identidade continental era inicialmente cristã,
pois era mais frequentemente chamada de Cristandade do que de Europa.” 175
Em 1492, a monarquia cristã espanhola iniciou importantes processos: chegou
às Américas, onde engendrou a colonização dos indígenas, e reconquistou a parte
da península hispânica sob domínio islâmico, banindo árabes e judeus que ali viviam
e forçando aqueles que ficaram à conversão ao cristianismo 176. A perseguição aos
mouriscos, os muçulmanos convertidos, prolongou-se até sua expulsão final em 1609,
mas sua transformação em “outro” subalterno dentro da Europa, junto aos judeus 177,
apenas começava, e acompanhava a atribuição do lugar do “outro” aos povos
indígenas, fora do continente europeu178. O primeiro marcador da diferença no sistema
de dominação ocidental foi a identidade religiosa: os “outros” internos eram vistos
como “povos com a religião errada”, enquanto os “outros” externos, “povos sem
religião”179. Há autores que consideram a desconfiança e hostilidade com que
muçulmanos e judeus eram tratados como mero ensaio para a formação racial a que
outros povos seriam dispostos, dado que a oposição a estes grupos era interpretada
tão somente por sua religião180. Nasar Meer, em contrapartida, recorda que, antes da
formação de categorias raciais durante a escravidão transatlântica e colonização pós-
Iluminismo (antes até mesmo da Reconquista), cultura religiosa e biologia constituíam,
juntos, o que se entendia por um grupo racial 181. Afinal, na visão dos inquisidores, a
eliminação de judeus e muçulmanos traria uma “pureza de sangue” à Espanha182.
174
Ibidem, p. 317-330.
175
MANN, 1988, p.10-15 apud HALL, 2016, p. 329.
176
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 11.
177
Além de muçulmanos e judeus, é possível incluir enquanto representações do “outro” interno do
Ocidente, historicamente, os europeus do leste, frequentemente chamados de “bárbaros”, e as
mulheres (HALL, 2016, p. 319).
178
Ibidem, p. 11.
179
Ibidem, p. 11.
180
MEER, Nasar. Racialization and religion: race, culture and difference in the study of antisemitism
and Islamophobia. Ethnic and Racial Studies, v. 36, n.3, 2012. p. 387.
181
Ibidem, p. 387.
182
SHOHAT, Ella. The Sephardi-Moorish Atlantic: Between Orientalism and Occidentalism. In:
ALSULTANY, Evelyn & SHOHAT, Ella. Between the Middle East and the Americas: The Cultural Politics
of Diaspora. Michigan: University of Michigan, 2013. p. 51-52.
26
183
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 12.
184
Ibidem, p. 12-13.
185
VAKIL, Abdoolkarim. Is the Islam in Islamophobia the Same as the Islam in Anti-Islam; or, When Is
It Islamophobia Time?. p. 76.
186
GARNER, Steve & SELOD, Saher. The Racialization of Muslims: Empirical Studies of Islamophobia.
Critical Sociology, dezembro de 2014. p. 3.
187
Ibidem, p. 3.
188
Véu utilizado por mulheres muçulmanas.
27
189
Ibidem, p. 4.
190
Ibidem, p. 4.
191
MEER, Nasar. Racialization and religion: race, culture and difference in the study of antisemitism
and Islamophobia. p. 391.
192
Ibidem, p. 386-390.
193
GARNER, Steve & SELOD, Saher. The Racialization of Muslims: Empirical Studies of Islamophobia.
p. 6.
194
“Using racialization as a key analytical concept allows us to make sense of the fact that regardless
of physical appearance, country of origin and economic situation, Muslims are homogenized and
degraded by Islamophobic discourse and practices in their everyday lives. In a set of social interactions,
they are ‘interpellated’, to use Althusser’s (2001 [1971]) term, solely as Muslims. This interpellation
relates dress to visible physical markers, transforming their bodies into racialized Others: Muslims.
Paradoxically, this is illustrated in the experiences of white converts to Islam, who see their whiteness
questioned and downgraded as a consequence of their new belonging to the Muslim faith”. (GARNER
& SELOD, 2014, p. 9).
195
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 14.
28
196
TYRER, David. The Politics of Islamophobia: Race, Power and Fantasy. Londres: Pluto Press, 2013.
p. 37.
197
Ibidem, p. 14.
198
“[...] o árabe é um fornecedor de petróleo. Essa é outra característica negativa, porque a maioria
dos relatos sobre o petróleo árabe equipara o boicote de 1974-4 (que beneficiou principalmente as
companhias ocidentais e uma pequena elite árabe governante) à ausência de quaisquer qualificações
morais nos árabes para possuir reservas tão imensas. Sem os eufemismos habituais, a pergunta
formulada com mais frequência é por que povos como os árabes têm o direito de manter o mundo
desenvolvido (livre, democrático, moral) ameaçado. Dessas perguntas provém a sugestão frequente
de que os campos de petróleo árabes sejam invadidos pelos fuzileiros navais.” (SAID, 2007, p. 383).
199
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 15-16.
200
SHOHAT, Ella & ALSULTANY, Evelyn. The Cultural Politics of “the Middle East” in the Americas:
An Introduction. In: _____. Between the Middle East and the Americas: The Cultural Politics of Diaspora.
Michigan: University of Michigan, 2013. p. 5.
201
Ibidem, p. 15.
202
PEROCCO, Fabio. Anti-Migrant Islamophobia in Europe: Social roots, mechanisms and actors.
Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, Brasília, v. 26, n. 53, agosto de 2018. p. 28-29.
29
203
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 13.
204
GARNER, Steve & SELOD, Saher. The Racialization of Muslims: Empirical Studies of Islamophobia.
p. 7.
205
Ibidem, p. 6.
206
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 18.
207
GROSFOGUEL, Ramón. Racismo epistémico, Islamofobia epistémica y ciencias sociales coloniales.
Tabula Rasa, Bogotá, n. 14, janeiro-junho de 2011. p. 343.
208
Ibidem, p. 343.
209
Ibidem, p. 354-355.
210
HALL, Stuart. O Ocidente e o Resto: Discurso e Poder. p. 353.
30
211
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 20.
212
GROSFOGUEL, Ramón. Racismo epistémico, Islamofobia epistémica y ciencias sociales coloniales.
p. 344.
213
Ibidem, p. 352.
214
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 22.
215
“El fundamentalismo eurocéntrico se ha normalizado a tal punto que nunca vemos en las primeras
planas de los periódicos un titular que diga «el fundamentalismo eurocéntrico con su terrorismo de
estado ha asesinado a más de un millón de civiles en Iraq».” (GROSFOGUEL, 2011, p. 346).
216
GROSFOGUEL, Ramón. Racismo epistémico, Islamofobia epistémica y ciencias sociales coloniales.
p. 345.
217
Ibidem, p. 345.
218
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 30.
219
GROSFOGUEL, Ramón. Racismo epistémico, Islamofobia epistémica y ciencias sociales coloniales.
p. 353.
31
analisada por Said, hoje, não faltam “especialistas” ocidentais carregados de uma
autoridade esvaziada de conhecimento sério sobre a tradição islâmica 220. Ignora-se,
pois, o papel fundamental que muçulmanos desempenharam na filosofia ocidental,
resgatando e levando à Europa os filósofos gregos, bem como na ciência moderna,
desenvolvendo a biologia, a física, a matemática e a astronomia221. Esquece-se que
800 anos antes que europeus, muçulmanos em Bagdá já haviam descoberto que a
teoria do geocentrismo estava errada, e que enquanto a Inquisição perseguia qualquer
questionamento ao pensamento cristão em uma Europa medieval profundamente
obscurantista, a civilização islâmica era um grande centro de produção científica,
intelectual e criativa222. Despreza-se a herança islâmica na formação das sociedades
europeias, pois essa lembrança foi intencionalmente apagada: se mesmo no período
medieval muitas eram as trocam entre os “dois mundos”, a partir da Renascença foi
construído o mito de uma linhagem cultural e epistêmica pura, que substituiu a
importância árabe e muçulmana pela influência ateniense223.
220
GROSFOGUEL, Ramón. The Multiple Faces of Islamophobia. p. 31.
221
GROSFOGUEL, Ramón. Racismo epistémico, Islamofobia epistémica y ciencias sociales coloniales.
p. 348.
222
Ibidem, p. 348.
223
QURESHI, Emran; SELL, Michael A. Introduction: Constructing the Muslim Enemy. In: _____ . The
New Crusades: Constructing the Muslim Enemy. Nova Iorque: Columbia University Press, 2003. p. 21.
224
Cito, neste capítulo, apenas exemplos da politização da Islamofobia nos Estados Unidos e na
Europa, mas há produções acadêmicas sobre o fenômeno em países (escritos por autores) como
Austrália (Scott Poynting & Linda Briskman), Mianmar (Francis Wade), Índia (Sitara Thobani) e China
(Luwei Rose Luqiu & Fan Yang).
32
225
BAYRAKLI, Enes & HAFEZ, Farid. European Islamophobia Report 2017. Istambul: SETA, 2018. p.
9-24.
226
BLAKEMORE, Brian. Online Hate and Political Activist Groups. In: AWAN, Imran. Islamophobia in
Cyberspace: Hate Crimes Go Viral. Abingdon: Routledge, 2016. p. 68.
227
KUMAR, Deepa. Islamophobia and the Politics of Empire. Chicago: Haymarket Books, 2012. p. 113-
134.
228
Ibidem, p. 113-134.
229
LEAN, Nathan. The Islamophobic Industry: How the Right Manufactures Fear of Muslims. Pluto
Press: Londres, 2012. p. 83-122.
230
ELSHEIKH, Elsadig & SISEMORE, Basima; LEE, Natalia. Legalizing Othering: The United States of
Islamophobia. Berkeley: Haas Institut, 2017. p. 26.
231
LEAN, Nathan. The Islamophobic Industry: How the Right Manufactures Fear of Muslims. p. 4-10.
33
232
ELSHEIKH, Elsadig & SISEMORE, Basima; LEE, Natalia. Legalizing Othering: The United States of
Islamophobia. p. 26.
233
GREEN, Todd H. The Fear of Islam: An Introduction to Islamophobia in the West. Filadélfia: Fortress
Press, 2015. p. 205-206.
234
PICKEL, Gert & ÖZTÜRK, Cemal. Islamophobia Without Muslims? The “Contact Hypothesis” as an
Explanation for Anti-Muslims Attitudes - Eastern European Societies in a Comparative Perspective.
Journal of Nationalism, Memory & Language Politics, v. 12, n. 2, 2018. p. 163-166.
235
Meer (2012, p. 393) aponta a noção de “Eurábia”, uma teoria sobre a dominação numérica e cultural
de forma planejada da Europa pelo Islã e pelos muçulmanos. Essa ideia, presente em obras de autores
de best-sellers, possui muitos elementos de Os Protocolos dos Sábios de Sião, teoria conspiratória
utilizada por nazistas a qual apresentava os judeus como agentes da dominação global.
236
AWAN, Imran. Cyber-Islamophobia and Internet Hate Crime. In: ______. Islamophobia in
Cyberspace: Hate Crimes Go Viral. Abingdon: Routledge, 2016. p. 2-7.
237
RAMAN, Mohammed. The Media Impact of Online Islamophobia: An Analysis of the Woolwich
Murder. In: AWAN, Imran. Islamophobia in Cyberspace: Hate Crimes Go Viral. Routledge: Abingdon,
2016. p. 85-86.
238
Ibidem, p. 85-96.
34
que passam a ser vistos como uma parte normal do ambiente online, apenas um tipo
de opinião239.
O uso da internet tornou-se um poderoso instrumento 240 para a normalização e
disseminação da Islamofobia, movimento geralmente conectado à extrema-direita241.
Nesse espaço, estruturas organizacionais transnacionais tornam-se mais fluidas,
mantendo sua efetividade sem necessitar de uma alta formalização 242. O anonimato
e a acessibilidade que sites como o Twitter oferecem fazem deles arenas populares
para a prática de ódio digital243. A possibilidade de ser identificado por pessoas que
pensam da mesma forma também pode aumentar a agressividade daquele que
comunica, ideia desenvolvida a partir da teoria da desindividuação, que propõe um
menor monitoramento do comportamento do indivíduo em situações sociais 244 . Mídias
sociais ampliam e alteram os processos de construção, reprodução e manutenção de
identidades coletivas245. As tecnologias de informação e comunicação compõem um
cenário mais amplo de globalização, marcado pela “compressão espaço-tempo”, que
gera a sensação de um mundo menor onde eventos num determinado lugar impactam
imediatamente locais e pessoais a grandes distâncias246. Dessa forma, “as
identidades se tornam desvinculadas - desalojadas - de tempos, lugares, histórias e
tradições específicos e parecem flutuar livremente”247.
Os discursos sobre o Islã e muçulmanos que irrompem na atualidade
constituem uma linguagem de disputa, empregada e difundida como resposta a
239
PERRY, Barbara & OLSSON, Patrick. Cyberhate: the globalization of hate. Information &
Communications Technology Law, v. 18, n. 2, 2009. p. 190.
240
Milan (2015b, p. 2-3) argumenta que mais que ferramentas, as mídias sociais devem ser pensadas
como agentes - a interação de humanos com máquinas resulta num processo sociotécnico de
construção de sentido, no qual as tecnologias não atuam de forma neutra. Além de contarem com a
presença de bots, as mídias sociais operam através de algoritmos que categorizam usuários a partir de
seus comportamentos, personalizando o conteúdo oferecido de acordo com dados recolhidos. Toda a
arquitetura destes sites ou aplicativos, como a metrificação de interações (curtidas, por exemplo), altera
e induz reações dos usuários.
241
AWAN, Imran. Cyber-Islamophobia and Internet Hate Crime. p. 9.
242
EARL, Jennifer; HUNT, Jayson & GARRETT, R. Kelly. Social movements and the ICT revolution. In:
HEIJDEN, Hein-Anton von der. Handbook of Political Citizenship and Social Movements. Northhampton:
Edward Elgar, 2014. p. 373.
243
AWAN, Imran. Virtual Islamophobia: The Eight Faces of Anti-Muslim Trolls on Twitter. In: ______.
Islamophobia in Cyberspace: Hate Crimes Go Viral. Abingdon: Routledge, 2016. p. 24.
244
PRINCE, Jane. The Psychology of Online Islamophobia. p. 110.
245
MILAN, Stefania. From social movements to cloud protesting: the evolution of collective identity.
Information, Communication & Society, 2015. p. 2.
246
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p. 75.
247
Ibidem, p. 75.
35
248
TARROW, Sidney. The Language of Contention. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. p.
63.
249
HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio : Apicuri, 2016. p. 17-37.
250
PRINCE, Jane. The Psychology of Online Islamophobia. p. 106-114.
36
A cultura letrada dos malês, ou pelo menos de sua elite religiosa, contribuiu
para sua capacidade de organização257. Atuando de forma preponderante em
insurreições no início do século 19, o grupo ficaria mais conhecido pela “Revolta dos
251
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 39, n.
1, 2019. p. 171.
252
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. El Islam en Brasil: elementos para una antropología histórica.
Istor: Revista de Historia Internacional, vol. 45, 2011. p. 3-4.
253
Ibidem, p.3-4.
254
Ibidem, p. 3-4.
255
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. Estudos de Religião,
v. 26, n. 43, 2012. p. 109-110.
256
FREYRE, 1980, p. 310-311, apud RIBEIRO, 2012, p. 111.
257
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. El Islam en Brasil: elementos para una antropología histórica.
p. 5.
37
Malês”, quando tomou, por horas, o controle de Salvador 258, ao fim do Ramadã de
1835259. Os revoltosos sofreram desde castigos físicos e extradição para a África até
punição letal, e sua religião foi duramente perseguida, o que levou à dispersão desses
indivíduos para regiões do Brasil fora da Bahia260. Muitos autores defendem, a
despeito do controle e temor por parte do Estado, a permanência do Islã no Brasil 261,
do “escuro das senzalas” até o sincretismo com o catolicismo e o candomblé 262. As
comunidades muçulmanas declinaram, contudo, devido à forte repressão estatal
contra sua religião e à perda de contato com a África, no final do século 19 263.
Sequencialmente ao fim da fase de origem africana, teve início no Brasil o Islã
de origem árabe. Generalizados sob a alcunha de “turcos”, grupos de sírios, libaneses
e palestinos ancoraram em terras brasileiras a partir de 1860, fugindo de conflitos e
perseguições, bem como na busca por sustento e fortuna264. Dentre esses imigrantes,
15% eram muçulmanos, que não se envolveram com as comunidades malês265, e a
grande maioria era constituída de cristãos (maronitas, melquitas e ortodoxos),
havendo ainda judeus entre eles266. Desamparados pelo estado e sem capital para
investir, os imigrantes se tornaram mascates 267, transportando produtos por “longas
distâncias pelo Brasil adentro”268. Novas levas de imigrantes muçulmanos chegaram
no país com o declínio do Império Otomano (no período entre-guerras), e por volta da
metade do século 20 em diante, devido a conflitos bélicos no Oriente Médio269.
Foi principalmente no século 20, graças em boa medida aos esforços de
imigrantes e governos de países do Oriente Médio, que o Islã se institucionalizou no
Brasil. Foram fundadas sociedades beneficentes, que além de terem sido espaços
258
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. p. 172.
259
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 112.
260
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. p. 172.
261
Ibidem, p. 172.
262
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 113-117.
263
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. El Islam en Brasil: elementos para una antropología histórica.
p. 7-9.
264
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 118.
265
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. El Islam en Brasil: elementos para una antropología histórica.
p. 7-8.
266
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 118.
267
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. p. 173.
268
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 118.
269
CASTRO, Cristina Maria de. Usar ou não hijab no Brasil? Uma análise da religiosidade islâmica em
um contexto minoritário. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 35, n. 2, 2015. p. 367.
38
para a realização das orações diárias e das festas islâmicas, permitiram a socialização
dentro dos costumes das comunidades muçulmanas, bem como os encontros
matrimoniais entre árabes270. Em São Paulo, surgiram, nos anos 1970, centros
voltados à difusão do Islã na sociedade brasileira, com ações menos no sentido de
converter brasileiros de origem não-muçulmana, e mais a fim de recobrar a
consciência religiosa entre descendentes de imigrantes271, uma vez que era
recorrente a perda dos costumes religiosos (em razão da falta de mesquitas e de
líderes religiosos, dos casamentos com brasileiros de origem cristã e da imersão
católica facilitada pelo fato de que muitos imigrantes muçulmanos, agricultores e
comerciantes, nem mesmo sabiam ler e escrever o árabe) 272. No século 20 e 21,
houve ainda a construção de algumas escolas islâmicas em São Paulo e no
Paraná273, e dezenas de mesquitas e mais de uma centena de salas de oração foram
inauguradas em todo o Brasil, com auxílio financeiro da Arábia Saudita, Irã, Líbia e
Kuwait274.
Além de imigrantes e de seus descendentes, o Islã no Brasil é adotado também
por brasileiros que se convertem, denominados dentro da tradição islâmica de
“revertidos”, pois se crê que todos os humanos nascem muçulmanos, e sua conversão
é apenas um retorno a seu estado original275. Para Pinto, há quatro tipos de conversão
ao Islã no Brasil: matrimonial, através do casamento com um(a) muçulmano(a);
afetiva, a partir da admiração despertada pelo contato com muçulmanos em relações
de proximidade; intelectual, fruto de um interesse acadêmico ou de origem midiático
pelo Islã; e ideológica, na qual o Islã ocupa o posto político da esquerda de combate
ao imperialismo ocidental276. Há ainda, segundo Castro, aqueles que convertem-se
como forma de resgate da sua ancestralidade africana277. O Islã vem crescendo nas
periferias e comunidades negras brasileiras, onde foi verificado que atitude do hip-hop
270
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. El Islam en Brasil: elementos para una antropología histórica.
p. 8.
271
Ibidem, p, 9.
272
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 120.
273
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. p. 177.
274
Ibidem, p. 119-120.
275
Ibidem, p. 121.
276
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. El Islam en Brasil: elementos para una antropología histórica.
p. 13.
277
Ibidem, p. 367.
39
278
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 127.
279
Ibidem, p. 367-368.
280
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 121-122.
281
PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. El Islam en Brasil: elementos para una antropología histórica.
p. 10-11.
282
MONTENEGRO, Silvia Maria. Identidades muçulmanas no Brasil: entre o arabismo e a islamização.
Lusotopie, 2002. p. 63.
283
Ibidem, p. 67-72.
284
Ibidem, p. 66.
40
285
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. p. 178.
286
RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. p. 108.
287
CASTRO, Cristina Maria de. A construção de identidades muçulmanas no Brasil: um estudo das
comunidades sunitas da cidade de Campinas e do bairro paulistano do Brás. Tese de doutorado
apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Centro de Educação e Ciências
Humanas da UFSCar, como requisito para obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais. 2007.
p. 33-34.
288
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. p. 178.
289
Ibidem, p. 187.
290
Ibidem, p. 180.
291
Ibidem, p. 180.
292
Ibidem, p. 180-181.
293
Ibidem, p. 191.
294
Ibidem, p. 181.
41
mas seu nível educacional era bastante superior ao de não-muçulmanos, bem como
seu rendimento salarial médio, que chegava, somando todos os trabalhos, a 4133
reais, quase 3000 reais a mais que da média do restante da população 296. Castro e
Vilela indicam que o perfil socioeconômico médio dos praticantes do Islã pode se
converter em certos ganhos para muitos do grupo:
acreditamos ser possível afirmar que, em um país profundamente desigual
como o Brasil, um perfil demográfico majoritariamente masculino, branco,
altamente escolarizado e de elevado rendimento confere indubitáveis
vantagens simbólicas e práticas a esse segmento religioso, fazendo com que,
apesar da baixa expressividade numérica, conquiste concessões e suportes
para a prática de sua fé minoritária. Apesar dos casos de islamofobia
reportados pela mídia e por pesquisadores, podemos apontar, a nível estatal,
favorecimentos a essa parcela da população, como a permissão do uso do
véu islâmico na foto de carteira de motorista, em São Paulo e no Paraná, e
295
Ibidem, p. 181.
296
Ibidem, p. 182-185.
42
297
Ibidem, p. 191.
298
Ibidem, p. 187.
299
Ibidem, p. 179.
300
Ibidem, p, 179.
301
Os números foram somados a partir de dados presentes em quatro edições do relatório “Refúgio
em Números”, disponibilizados pela Conare. Os relatórios podem ser encontrados em:
https://www.justica.gov.br/seus-direitos/refugio/refugio-em-numeros. Acesso em 15/11/2019.
302
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. p. 13.
43
(ou ainda virtual), nem que seus templos possam ser depredados no país 303. Se no
capítulo anterior foi abordado como a hostilidade contra muçulmanos pode se
manifestar enquanto uma forma de racismo, bem como foi descrito, no capítulo que
se lê, o perfil dos muçulmanos brasileiros como majoritariamente branco (e de alto
rendimento), é necessário que se pontue que o preconceito enfrentado pelo grupo
nem sempre atinge os níveis daquele experienciado por praticantes de religiões como
as afro-brasileiras. Shohat e Alsultany afirmam que, diferentemente da Europa, na
América Latina, judeus e muçulmanos não são o “outro” ameaçador primário, posição
ocupada historicamente por indígenas e negros304.
Segundo levantamento do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa &
Direitos Humanos (CEPLIR), disponibilizado pelo Centro de Articulação de
Populações Marginalizadas (CEAP), no primeiro semestre de 2015, 71,5% das
denúncias de intolerância religiosa no estado do Rio de Janeiro relataram atos contra
seguidores de algum tipo de fé afro-brasileira305. Denúncias de agressões contra
muçulmanas e muçulmanos só aparecem no relatório da CEPLIR no segundo
semestre do mesmo ano, quando representaram 32% dos casos, superando as
denúncias realizadas por candomblecistas306. Esse aumento em 2015 “pode estar
associado à ocorrência de fatos internacionais ligados às ações do Estado Islâmico,
o que no Brasil acabou por resultar em práticas e ações contra a comunidade
islâmica”307. Luciana Soares Neres Rosa de Carvalho, em sua monografia sobre
discurso de ódio e Islamofobia no Brasil, relatou, a partir de entrevistas, picos de
Islamofobia subsequentes à exposição midiática de atentados terroristas308.
Desde o fim da década de 1960, produções de ficção e de telejornalismo
nacionais vem moldando uma memória visual sobre o Islã e os muçulmanos no
imaginário brasileiro309. Símbolos e ideias sobre a cultura islâmica se disseminaram
no Brasil de forma mais contundente após a exibição da telenovela “O Clone”, no
303
SANTOS, Babalawô Ivanir dos… [et al.]. Intolerância religiosa no Brasil: relatório e balanço. Rio de
Janeiro: Klínē Editora, 2016. p. 27.
304
SHOHAT, Ella & ALSULTANY, Evelyn. The Cultural Politics of “the Middle East” in the Americas:
An Introduction. p. 9.
305
SANTOS, Babalawô Ivanir dos… [et al.]. Intolerância religiosa no Brasil: relatório e balanço. p. 24.
306
Ibidem, p. 24-25.
307
Ibidem, p. 25.
308
CARVALHO, Luciana. Discurso do ódio e Islamofobia: quando a liberdade de expressão gera
opressão. Monografia apresentada à Faculdade de Direito da UFBA, como requisito para obtenção do
grau de bacharela em Direito, 2017. p. 105-106.
309
Ibidem, p. 239-241.
44
horário nobre da Rede Globo310. Exibida por volta de duas semanas após os atentados
de 11 de setembro de 2001, a novela retirou do telejornalismo o monopólio de
representações sobre os muçulmanos e sobre sua religião, trazendo, por uma
“dimensão didático pedagógica”, informações sobre a culinária e os costumes árabes,
aproximando a tradição islâmica da tradição cristã e abordando diferentes
posicionamentos dentro da comunidade muçulmana 311. Ainda que tenha,
positivamente, humanizado os muçulmanos, a produção ficcional, levada a mais 90
países, repetiu alguns estereótipos e clichês orientalistas, transmitindo noções
equivocadas sobre poligamia, haréns, véu e dança do ventre, por exemplo 312.
A cobertura jornalística sobre o Islã, por sua vez, é permeada por
“generalizações, simplificações e a ausência de contextualização”313. A partir da
análise da Veja, de 2001 a 2005, a pesquisadora Ana Virginia Borges Queiroz
identificou uma série de termos preconceituosos ou reificantes pelos quais a revista
se referia aos muçulmanos: “‘barbudos’, ‘fanáticos islâmicos ensandecidos’,
‘sociedades dos turbantes’, ‘universo de turbantes’, ‘loucos de Alá’ e ‘fanático
muçulmano’”314. Montenegro afirma que a mídia impressa brasileira ecoa a forma
como se discute o Islã no plano internacional, através da dicotomia Islã/Ocidente e
das outras oposições que as ideias, supostamente contrárias, evocam 315. A autora
conta que, como resposta, líderes e membros da Sociedade Beneficente de
Muçulmanos do Rio de Janeiro elaboraram um texto com a finalidade de corrigir
equívocos difundidos sobre sua religião316. O texto rebatia a ideia de que muçulmanos
são “terroristas, violentos e extremistas”, a noção de Jihad enquanto “guerra santa”,
as concepções recorrentes sobre poligamia e opressão de mulheres e a existência de
um “Islã árabe, negro ou tropical”, indicando que “o islamismo pode ser professado
por pessoas das mais variadas origens”317.
310
Ibidem, p. 239.
311
Ibidem, p. 239-246.
312
SHOHAT, Ella & ALSULTANY, Evelyn. The Cultural Politics of “the Middle East” in the Americas:
An Introduction. p. 24.
313
GOMES, Ingrid. A cobertura jornalística do Islamismo – narrativas marginalizadas e moralizantes.
Intercom – RBCC, São Paulo, v.37, n.1, janeiro-junho de 2014. p. 73.
314
QUEIROZ, 2005, p. 4 apud GOMES, 2014, p. 79.
315
MONTENEGRO, Sílvia Maria. Discursos e contradiscursos: o olhar da mídia sobre o islã no Brasil.
Mana, v. 8, n. 1, 2002. p. 72-73.
316
Ibidem, p. 77.
317
Ibidem, p. 77-84.
45
318
CASTRO, Cristina Maria de. Usar ou não hijab no Brasil? Uma análise da religiosidade islâmica em
um contexto minoritário. p. 368-372.
319
CARVALHO, Luciana. Discurso do ódio e Islamofobia: quando a liberdade de expressão gera
opressão. p. 88-98.
320
RIBEIRO, Gustavo. Marcha Cristã tem pouco de religião e muito
de intervenção militar. Disponível em: https://epoca.globo.com/sociedade/noticia/2017/10/marcha-
crista-tem-pouco-de-religiao-e-muito-de-intervencao-militar.html. Acesso em 01/09/2019.
321
GRIN, Monica; GHERMAN, Michel & CARACIKI, Leonel. Beyond Jordan River’s Waters:
Evangelicals, Jews, and the Political Context in Contemporary Brazil. International Journal of Latin
American Religions, Suiça, 2019. p. 6.
46
322
IBGE, Censo Demográfico 2010. Ranking de populações muçulmanas nos estados brasileiros.
Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pesquisa/23/22107?detalhes=true&indicador=22451&ano=2010&
tipo=ranking. Acesso em 17/11/2019.
323
IBGE, Censo Demográfico 2010. Ranking de populações muçulmanas nos municípios mineiros.
Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/pesquisa/23/22107?detalhes=true&indicador=22451&ano=2010&
tipo=ranking&localidade1=310620. Acesso em 17/11/2019.
47
13 de abril de 2019, sexta-feira, dia de Jumu’ah. Fazia quase cinco meses que
eu não visitava a mesquita, e fui recebido com um sorriso. “Al-hamdu lil-lah!”329, soltou
um brasileiro ao me ver. Me sentei numa das cadeiras destinadas aos visitantes, atrás
do local onde os homens fazem suas orações. Dali escutava primeiro o Adhan, o
chamado para as orações, depois a Khutba, ou sermão de sexta-feira (feito também
em datas especiais), e acompanhava os outros ritos. Na mesquita de Belo Horizonte,
os sermões do sheikh eram sempre proferidos primeiro em árabe e depois em
português. Acompanhei apenas um dia de orações conduzido por outro membro da
mesquita, um indiano, que realizou o sermão apenas em português. Lá, as mulheres
324
Ibidem.
325
SENA, Edmar Avelar de. Islã e modernidade: um estudo sobre a comunidade muçulmana de Belo
Horizonte. Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Humanas da UFJF, como requisito para
obtenção do grau de mestre em Ciência da Religião, 2007. p. 42.
326
Ibidem, p. 51.
327
Ibidem, p. 51.
328
HACHEM, Zakia Ismail. Um olhar sobre a Ummah belo-horizontina. Monografia apresentada à
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, como requisito para obtenção do grau de
bacharela em Ciências Sociais, 2008. p. 64.
329
Do árabe, “graças a Deus”. Compõe o vocabulário, tanto de brasileiros quanto de estrangeiros não-
árabes (além dos próprios árabes, é claro) com quem tive contato na mesquita de Belo Horizonte, um
conjunto de palavras e frases na língua árabe.
48
rezam num mezanino, acima dos homens, os únicos que eu conseguia ver durante as
orações. Sentam-se no chão para escutar os ensinamentos, “como no tempo do
profeta Muhammad”, recordou um revertido certa vez, e realizam os ritos lado a lado,
em fileiras demarcadas por linhas no chão, para que fiquem voltados em direção à
Caaba, em Meca. O sheikh330 iniciou o sermão falando sobre a importância do jejum
no Ramadã, período em que as orações de cada um são lacradas, como em
envelopes, e levadas aos céus. Indicou à comunidade que começasse a jejuar desde
já, para que se preparasse e se acostumasse quando o mês do Ramadã chegasse.
Pediu também que os fiéis orassem pelos irmãos 331 da China e da África, e narrou
algumas histórias da época do profeta. Após as orações em congregação, passei ao
lado do jardim, que fica no centro da mesquita, e fui até a parte da frente, onde os
homens geralmente conversam - em português, urdu, árabe, francês, inglês e,
provavelmente, muitas outras línguas faladas no continente africano e asiático que
não conheço.
O idioma utilizado depende do(s) irmão(s) ou da(s) irmã(s) com quem se
encontra; quando não compartilham outra língua, geralmente os diálogos se dão em
português. Um homem de uns 30 e poucos anos, com quem já tinha falado
rapidamente uma vez, se aproximou e me ofereceu um prato do arroz picante que
estava sendo servido, que felizmente eu aceitei, e então começamos a conversar. Na
outra ocasião, ele havia se apresentado: era afegão, morava em Belo Horizonte há
quatro meses, tinha vivido em São Paulo, estava há dois anos no Brasil e não sentia
falta da comida de seu país (que disse ser gordurosa e muito boa), porque sua mulher,
que também era afegã, cozinhava em casa. Perguntei a ele se a mesquita era muito
diferente das que ele tinha visto de onde ele vinha; me respondeu que era tudo igual,
só que no Afeganistão era cheio de afegãos, enquanto aqui havia outras pessoas.
Não me lembro o nome, mas o homem me disse a cidade de onde vinha, e perguntei
se lá estava tranquilo, ou se havia algum problema com o Talibã. Ele afirmou que era
tranquilo, sua cidade tinha mais ou menos dois milhões de habitantes e os ataques do
Talibã aconteciam mais nas áreas rurais.
330
Figura de liderança, no caso, o líder religioso da mesquita de Belo Horizonte.
331
Forma como muitos muçulmanos que conheci na mesquita se referiam entre si, e às vezes, se
referiam a mim.
49
332
ONU. World Population Prospects 2019: Data Booklet. 2019. p. 17.
333
BARFIELD, Thomas. Afghanistan in the Twentieth Century: State and Society in Conflict. In:
______ . Afghanistan: a cultural and political history. Princeton: Princeton University Press, 2010. p.
170-172.
334
UNICEF. Homicídios de crianças e adolescentes. Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/homicidios-de-criancas-e-adolescentes. Acesso em 20/11/2019.
50
outros, que nos mantém distantes. Contudo, mais que frequentemente, há uma
linguagem em comum que permite que nos comuniquemos. Decidi finalmente me
posicionar de forma mais concreta dentro do texto, depois de uma longa revisão e
análise da teoria, pois como afirmei, “as leituras” têm seus limites. Antes de começar
esta pesquisa sobre a Islamofobia no contexto belo-horizontino, reiniciando as visitas,
frequentei o Centro Islâmico de Minas Gerais por aproximadamente seis meses, como
bolsista de uma iniciação científica que se iniciou em fevereiro de 2018. Devo
confessar que estava no mínimo receoso a primeira vez que entrei ali. Esperava
encontrar um grupo sério, fechado e apenas conservador.
Até que se deu o encontro, que acredito, desde que ambas as partes estejam
abertas, tem o potencial de destruir muitas das fronteiras, das representações irreais,
dos preconceitos. Me deparei com uma comunidade diversa, que me recebeu de
forma educada, prestativa, e às vezes até calorosa. A iniciação científica, sob
orientação (e companhia na saída da mesquita e no caminho de volta para casa) da
professora Cristina Maria de Castro, visava identificar as formas de adaptação da
comunidade a alguns pontos da normatividade islâmica. Um dia, sentado após as
orações, comendo e conversando com alguns brasileiros revertidos que frequentam o
centro islâmico, me falaram sobre as dificuldades de se revelar a religião para os
colegas da universidade, e em um caso específico, sobre ter que mantê-la em segredo
frente à própria família. A partir de então, quis entender como se manifestava essa
forma específica de preconceito (pouco discutida no Brasil) na cidade de Belo
Horizonte, especialmente entre os homens, que não são o alvo primário da
Islamofobia (a Islamofobia atinge principalmente as mulheres, uma vez que são mais
facilmente identificadas, pelo uso do véu, por sua religião, dentre outros motivos que
abordarei mais à frente).
Toda palavra tem sua origem, todo texto tem seu enunciador, e deixo claro
aqui a minha voz. Me apresento. Um não-muçulmano que depois de muitos encontros,
muitas conversas, muito ouvir, desnaturalizou certos estereótipos, entendendo um
pouco mais sobre a humanidade em comum que permeia as diferenças. Mas não é
sobre essa voz que se trata esta pesquisa, não é ela que pode romper com
intolerâncias. Dado o tema infeliz - o preconceito - me propus a escrever um texto que
não se limitasse a ser um relatório sobre agressões. Elas são importantes, revelam a
gravidade e complexidade de questões tantas vezes tornadas invisíveis, mas não
cobrem todas as vivências de uma pessoa. Espero conseguir ir além, e falar sobre as
51
4.3.1. Shahada
Você vai levantar a mão e falar: Ash hadu an la ilaha illal lah wa ashhadu anna
Muhammadan Rasulullah - não tem outra divindade além de Deus, o Deus é
único, e que o profeta Muhammad é o seu mensageiro na Terra. E você que
falou, ninguém te obrigou. Ele te falou, ele te deu a definição, te falou, “isso e
isso e isso e isso, você concorda com isso?”, “sim”, “então repita pra todo
mundo escutar”. Quando você repetiu, você escutou, então você leva. O dia
que você não vai querer ser muçulmano, é você e Deus. Ninguém te obrigou.
Você pode não continuar a ser muçulmano, ou continuar sendo muçulmano,
só que se você não quis ser muçulmano, cê não vai falar que Malick335 que
falou que é pra eu não ser muçulmano. Por que a religião é de todo mundo!
A religião é de todo mundo! Allah tá aqui pra todo mundo. Ele não tá aqui pra
um muçulmano, pra um católico, ele tá aqui pra todas as criaturas. Nós somos
criaturas de Deus na Terra. Portanto as religiões, todas, ele fala que as
religiões todas são iguais. Por isso que sempre, o imam, quando ele faz o
sermão lá, ele fala “o muçulmano que não acredita em Jesus, em Moisés e
os outros como Abraão, Ismael, etc, você não é muçulmano”. Porque as
outras religiões… o profeta Muhammad, ele fez só a continuação do trabalho
de Moisés e de Jesus. Ele fez a continuação, ele não inventou outra coisa. A
Torá veio, depois veio a Bíblia, depois veio o Alcorão. Então o Alcorão é
também a continuidade do trabalho das outras religiões. Um bom muçulmano
tem que acreditar em Jesus, e acreditar em Moisés.
335
Optei por utilizar um nome fictício para preservar a identificação do entrevistado.
336
Pinto afirma que a shahada, além de pronunciada por aqueles que querem se converter à religião,
“é sussurrada no ouvido dos recém-nascidos nos países da África do Norte e do Oriente Médio” (PINTO,
2010, p. 54).
337
“[I]ndivíduos nascidos em posições estruturais e ambientes sociais particulares podem não ter
necessariamente uma escolha irrestrita de sua afiliação religiosa.” (tradução nossa).
“[I]ndividuals born into particular structural positions and social environments might not necessarily have
completely unfettered choice in their religious affiliation.” (MOODOD, 2005; MEER, 2008 apud TYRER,
2013, p. 50).
52
era pelo coração da própria pessoa. No caso dos estrangeiros, manter a religião
tampouco me parece resultado de algum tipo de coerção, já que a comunidade
muçulmana de Belo Horizonte é muito pequena e não se fixa num lugar específico 338.
Os caminhos que levaram ao Islã os brasileiros entrevistados e outros com
quem conversei na mesquita são diversos, mas muitos chegaram a partir da pesquisa
individual. Um estudante de Filosofia disse que, na faculdade, sempre buscou
aprender sobre tudo, e ouvia muito falar sobre o Islã de maneira pejorativa; decidiu,
então, fazer sua própria pesquisa, e se encantou pela religião. Outro, policial militar,
era católico praticante mas se sentia muito incompleto, “tinha alguma coisa que não
encaixava”, até que, após pesquisar, encontrou a mesquita, e desde então, por 10
anos, vem professando sua fé. O encontro com a religião se deu como um “click”,
segundo um dos revertidos, quando, passando por uma crise e em busca de
respostas, encontrou o Alcorão em uma livraria, após ler vários outros livros. Um dos
entrevistados disse que não tinha religião anteriormente, que achava besteira, até que
leu sobre o Islã, tentando desqualificá-lo como havia feito com outras religiões, mas
acabou acreditando naquilo que lia. O relato de um gaúcho de 46 anos ilustra esse
tipo de busca:
Eu sou natural de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, então foi lá todo esse
processo, eu tô morando há quatro, cinco anos aqui, no máximo. Foi uma
busca, assim, de um bom tempo, que se não me engano começou com 18,
17 e foi acabar com 24 anos. Fui nessa busca, onde é que tinha o Islã etc,
consegui comprar uma tradução do Alcorão, num sebo e tal. Li etc, e só lá
pelos 24, 25 anos encontrei alguém que me deu um ponto de referência lá
em Porto Alegre, na mesquita de Porto Alegre. Aí foi mais um processo de
um mês ainda, meu, meu processo, de um mês, de observar as pessoas
rezando etc, vamos dizer. Eu tinha uma tradução do Alcorão então eu li, eu
peguei e tá… o que é escrito, vamo ver se é apresentado aqui. Foi, foi um
processo de um mês, um mês depois eu entrei no Islã.
338
Nove dos quatorze entrevistados vivem na cidade de Belo Horizonte, e alguns me disseram seus
bairros: São João Batista, Nova Suíça, Concórdia, Floramar, Santo Antônio e Prado. Quatro vivem na
zona metropolitana: Vespasiano, Santa Luzia, Lagoa Santa e “Betim… ou Ibirité, tanto faz”. Um disse
que alternava entre Belo Horizonte e Bambuí, no oeste mineiro. Um senegalês, que não entrevistei,
mora no bairro São Francisco, em Belo Horizonte. Conversei uma vez com um sírio que de vez em
quando vai à mesquita e mora em Ouro Preto.
53
ainda um brasileiro que queria fazer a reversão e acompanhava os cultos “de longe”,
e que chegara até ali depois de sonhar que estava dentro de uma mesquita. Outro
brasileiro, de 60 anos, me explicou que não chegou exatamente a se reverter, já que
a religião islâmica sempre esteve presente em sua vida, mas de uma forma sincrética:
Meus avós eram sírios, né. Eles vieram da Síria no século 19. Depois foi
casando, como foram pro interior, como os típicos mascates que era muito a
tradição sírio-libanesa… Depois eles se estabeleceram como proprietários
rurais na região de Bambuí. [...] Eu sempre tive essa relação com eles, né.
Mas acontece que nessa época 70% da população morava no meio rural,
houve muitos casamentos com pessoas... principalmente católicas. Tinha um
grupo também de pessoas judaicas na cidade. Então ficou uma mistura de
certa forma, de certa forma minha família é misturada de muçulmanos com
católicos e judeus. É bem mista.
339
RIYAD AS-SALIHIN. Livro 1, Hadith 412. Diponível em: https://sunnah.com/riyadussaliheen/1/412.
Acesso em 21/11/2019.
54
Os profetas anteriores a Muhammad eram muito citados nos sermões que ouvi,
e um dos livros que vi sendo dados para visitantes na mesquita tinha como título “Meu
Grande Amor Por Jesus Me Conduziu Ao Islã”. Castro e Vilela afirmam que “[a] alusão
ao cristianismo, principalmente em sua versão católica, é constante por parte dos
muçulmanos no Brasil, ao longo de toda sua história.”340
4.3.2. Nacionalidades
340
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. p. 171.
55
perdendo duas horas, é muita coisa pra mim”. Entende? Não são liberados.
De vez em quando, não sei como acontece, se eles pedem os patrões uma
vez por mês se eles poderiam liberar eles pra ir, aí de vez em quando eles
vão. Mas senão é muito difícil eles serem liberados. E outro fator que faz eles
não irem muito, porque eles são comerciantes, né? E vão muito nas feiras,
entendeu? Tem feiras que a prefeitura organiza, às vezes, nas cidadezinhas
assim, então eles vão. Aí tem, não sei se é um ônibus, alguma coisa que eles
disponibilizam, que a prefeitura disponibiliza pra eles, eles dão uma
contribuição. Aí eles levam eles pras zonas rurais, sabe? Eles vão lá fazer
feiras e voltam. Às vezes eles ficam lá uma semana. Por isso que é difícil
encontrar eles. Mas quando eles ‘tão livres, eles têm um tempinho, ‘cê vê que
é tudo cheio.
4.3.3. Trabalho
a maioria dos contratantes não é um problema, e que eles querem até mesmo
aprender sobre a religião, afirmou que era mais fácil conseguir liberação para a
Jumu’ah, as orações congregacionais de sexta-feira, do que para os Eid, as festas
islâmicas, pois
“[q]uando é uma festa assim que não tá ligada a um feriado nacional, então
gera um certo constrangimento pra empresa, é mais difícil. Agora as sextas-
feiras, que seja, a Jumu’ah, já são mais fáceis, porque são pouco tempo, já
não é mais um Eid né, não é uma festa. É só um sermão, uma obrigação que
o homem tem pra fazer341 e depois volta para o trabalho novamente.
341
Na tradição islâmica, as orações coletivas de sexta-feira não são obrigatórias nem para mulheres,
nem para xiitas (CAMPO, 2009, p. 242).
57
exemplo, duas horas, três horas. Só isso, nada mais. Depois você que faz
seu horário, nunca tive problema.
Já um brasileiro, revertido há um ano e meio, afirma que sua religião não está
tão em evidência no seu local de trabalho:
Eles sabem que eu sou muçulmano mas não há uma lida com isso. Eu chego
no meu horário, faço o meu trabalho e com quem eu tenho mais intimidade,
é o meu chefe direto, com quem eu almoço, eu converso alguns aspectos da
minha religião dentro da oportunidade, do contexto. Mas não é algo que é o
meu cartão de visita, vamo’ dizer assim, no meu ambiente de trabalho, de
ficar falando sobre a minha religião ou impondo questão das minhas práticas,
né? Faço as minhas orações, já tenho acertado com o meu chefe direto, que
58
eu saio em determinado local, lá, eu posso fazer as minhas orações, mas fora
isso eu sigo as práticas dentro da minha particularidade. Então, vou dar um
exemplo, os muçulmanos não comemoram aniversário, então às vezes tem
as reuniões pra comemorar os aniversariantes do mês, reúne numa salinha
com bolo, pessoal vai, faz a reunião e eu não vou, eu fico lá na minha sessão
fazendo o meu trabalho. Agora, eu não chego e explico porque eu não estou
lá ou alguém pergunta. Então as coisas fluem dessa maneira, havendo um
respeito mútuo entre as partes. E em algumas oportunidades, com um ou
outro, eu comento.
4.3.4. Orações
motivo pro cê brigar. [...] Só pro ‘cê ter uma ideia, só te contar duas histórias
dentre um monte delas. Uma vez aqui, no Parque Municipal, eu ‘tava rezando,
uns meninos começaram a jogar terra no meu tapete. E falar um monte de
bobagem. Eu continuei fazendo a minha oração como se eles nem tivessem
ali, parece que isso irritou eles mais ainda. Quando você não dá bola, as
pessoas ficam muito mais irritadas, cara. Hora que eu terminei de fazer minha
oração, dobrei o meu tapete, coloquei ele na pasta, olhei pra cara deles e falei
“puxa vida, cara, mas ‘cês perderam um tempo enorme de ficar me enchendo
o saco, ‘cês podiam tá fazendo tanta coisa melhor da vida” e fui embora. Uma
vez, num aeroporto, lá em… No aeroporto de Heathrow… E olha que foi uma
experiência que eu nunca esperava passar na minha vida, porque em
Londres existem muitos muçulmanos, e assim, é muito comum a presença
dos muçulmanos entre os londrinos, entre os ingleses de uma forma geral. E
deu hora da minha oração, tem uma coluna perto da agência da Qantas, e eu
fui lá, atrás da coluna, não foi nem uma coisa assim, fácil de ver. Eu fui atrás
da coluna, pus o meu tapete, rezei. Hora que eu terminei de rezar, tinha um
monte de gente parada me olhando. Foi muito engraçado, cara. Um monte
de gente parada me olhando e… terminei de fazer a oração, dobrei o tapete,
coloquei na mala, tô voltando assim, né, como se não tivesse ninguém na
minha frente, eu tô voltando e tal. Chega uma senhora, e com um inglês muito
assim, alemão, com aquele inglês, com aquele som alemão forte, sabe? Ela
chegou pra mim e perguntou pra onde que eu ‘tava indo, aí eu falei que minha
passagem era pro Brasil, aí ela ‘tá assim, “ai, que bom, tô voltando pra
Alemanha”. Falei, “pô, será que ela ficou com medo de pegar o mesmo avião
que eu?”. Então assim, tem muita coisa estranha que acontece mas eu não
me incomodo com isso não. Eu não saio na rua pra me perturbar com a
presença dos outros, não, eu não ‘tô nem aí não. [...] Já me aconteceu, uma
vez, de ‘tá rezando numa estação de metrô de Porto Alegre, eu vou muito ao
sul, tanto que hoje, quando eu rezo na estação do metrô, o pessoal já ‘tá tão
acostumado comigo, nessa estação em especial, que eles ficam perto de
mim, os seguranças ficam perto de mim pra proteger minha pasta. Então
assim, uma das primeiras vezes que isso aconteceu, eu ‘tô rezando numa
estação do metrô, o rapaz bateu o cacetete dele assim, “que que ‘cê tá
fazendo aí?”, aquele gauchão, né, forte, “ah, que que tu tá fazendo aí?”. Olhei
pra ele, “eu ‘tô rezando”, parei minha oração pra responder porque senão ele
ia me bater com o cacetete na cabeça, “‘tô rezando”. “Que reza é essa?”. Ai
meus sais minerais... Então assim, acontece de tudo, sabe? Eu não ligo pra
isso, eu vou importar com o que as pessoas fazem?
e ter honra disso, né? E ter honra dessa postura de ser muçulmano. As
pessoas ficam curiosas, porque é diferente a maneira muçulmana de rezar,
‘cê viu, né? Da maneira judaica, da maneira católica, ou mesmo reformista,
os outros grupos cristãos, por exemplo. A maneira específica, peculiar, que é
rezada no mundo inteiro da mesma forma. [...] Rezar por exemplo, às vezes
a gente… vou com dois amigos, a gente vai lá pra Praça da Liberdade.
Chegou a hora da oração, a gente tá lá, a gente reza lá na grama, por
exemplo. As pessoas ficam olhando, às vezes. Mas também a gente não tá
nem aí pras pessoas. Acho que é curiosidade das pessoas, mas isso não
atrapalha a gente, o que atrapalha é o barulho, a pessoa ficar falando… sabe,
assim, ironizando muitas vezes, e tal. Nesses ambientes você deve evitar
fazer as suas orações. Eu já fiz muito ali na Praça Sete, de frente a rodoviária,
fazendo Dawa, lendo livros, né, sobre o Islamismo. E Praça da Liberdade
também a gente faz isso. Você sai com um amigo, às vezes sozinho, vai na
Praça do Papa, tá sozinho, chegou a hora da oração, cê vai lá e faz sua
oração. [...] O pessoal tem muito respeito. Eu nunca fui incomodado em
relação a minha religião. Nunca teve nenhum tipo de brincadeira de mal
gosto, essas coisas e tal, porque eu também, pra mim, isso não… Se você
for fazer uma brincadeira de mal gosto, pra mim isso não… entra aqui e sai
aqui, quer dizer, isso não me altera em nada. Aí eu não vou brigar com você
também por causa disso, né? Esse não é o objetivo. A pessoa faz uma
brincadeira mas você deixa pra lá. [...] Isso não pode comprometer a sua
prática religiosa, entendeu?
342
Limpeza, com água, das mãos até os cotovelos, rosto e pé, feita antes da realização de orações.
61
deixou marcado comigo pra eu evitar rezar na frente das pessoas. Então se
chegou a hora da oração, eu vou… Eu trabalhei no Diamond Mall. Eu ‘tava
indo num lugar, um quarto vazio, eu rezo e saio, sabe. Eu fico evitando ficar
no meio das pessoas.
Ateu a princípio, um sírio disse que após sua reversão, devido a mudanças em
sua vida, como parar de consumir bebidas alcoólicas, pessoas do seu círculo de
convivência se afastaram. Já um brasileiro disse que no início a informação de que é
muçulmano “é um abalo” para todas as pessoas, mas que com o passar dos anos a
relação vai se aprimorando, restando apenas uma minoria que pensa que ele é “muito
gente boa, mas acham que o problema está na religião”. Ele mesmo, quando já era
revertido, até passar a frequentar a mesquita mantinha certa distância, por ter medo
62
343
Do árabe, “que a paz esteja com ele”.
63
ser, não sei, acredito que alguma coisa de Iemanjá, alguma coisa assim,
enfim, isso é irrelevante, mas ela se dizia assim. Então ela falou “eu te
amaldiçôo”, eu simplesmente escutei e parei de olhar pra ela, nunca mais eu
olhei. Então teve… teve essa situação dela falar isso, que foi desagradável,
então eu parei de olhar pra ela a partir desse momento, e ela me criticou,
falou assim “eu to falando, cê olha pra mim… tem que olhar pra mim, porque
eu tô falando com você”. Eu falei assim “isso aí eu não vou fazer, eu tenho
esse direito de não olhar nos seus olhos, eu vou utilizá-lo”. E ficou essa
situação desagradável.
4.3.6. Taqiyah
64
344
Conjunto prescritivo de textos que reúnem as práticas e costumes dos muçulmanos.
65
roupa longa, que é abaya, não tem a obrigação de usar, então até mesmo lá
na Síria eu uso muito raro. Só quando eu… na sexta-feira, às vezes, ou
quando eu tô no Ramadã, ou pro Eid, mas geralmente por causa do trabalho
e do dia a dia, então é mais prático você usar roupa normal.
Outro sírio, que vive no Brasil desde criança, disse que não usa a vestimenta
porque não gosta, acha feio. O uso é bem mais frequente entre os brasileiros que
entrevistei. A peça não compõe o vestuário de um deles, que já usou inclusive em
público e não passou por qualquer constrangimento. Outro, que também já usou mas
não mais se veste assim, afirmou que a taqiyah nem mesmo é islâmica, mas que
muitos utilizam para se identificarem como muçulmanos, e para isso havia outras
formas como a barba, que ele prefere, e o próprio comportamento. Nas vezes que
utilizou, notou um certo receio, que encarava como natural:
Com a taqiyah o pessoal fica meio… meio... como é que a gente fala,
sestroso, meio medroso. Por um pré-conceito. Nem preconceito, um pré-
conceito. Elas te olham, assim, e tal, outras ficam tirando sarro. Eu encaro
como normal isso aí. Se o cara tivesse uma argola no meio do nariz, os caras
iam olhar com uma cara espantada, com a taqiyah eles vão olhar com cara
espantada da mesma forma.
Dois brasileiros disseram que utilizam na mesquita ou para falar sobre o Islã
em algum lugar, e que nunca foram hostilizados. Para um deles, que não usa
cotidianamente para se preservar, era uma sunnah que o profeta recomendava, mas
não obrigava, enquanto o outro pontuou que a taqiyah, bem como um shador, véu ou
turbante, representavam a ligação divina do profeta, que, analfabeto, recebeu a
revelação mentalmente. “Seria uma proteção dessa parte da sua cabeça que o profeta
recebeu… É de certa forma uma homenagem a ele, no sentido que ele recebeu
memorizando.” Outro, de 33 anos, utiliza na mesquita e em locais públicos, mas não
no trabalho pois “pode haver repulsa” por parte das outras pessoas, e ele precisa do
dinheiro para sobreviver. Além disso, ainda não conseguiu utilizá-la na faculdade, e
encara a vestimenta como uma forma de identificação e de proteção, “como um
capacete”. Apesar de ter dito que as reações a seu uso eram sempre de curiosidade,
narrou um momento em que foi repreendido:
Eu tive uma breve experiência assim, mas foi com a minha mãe. Ela me viu,
não foi só com a taqiyah, ela me viu com a roupa e ela falou assim “não, não
dá pra você viajar assim”. Quer dizer, ‘tava dentro do carro, eu falei “ah, vou
como muçulmano”, pensei né, cogitei. Aí ela não concordou, aí eu peguei e
obedeci ela. Eu falei, “constrangi ela”, pensei que não ‘tava fazendo nada de
ruim. Deixar de constranger ela já é uma caridade da minha parte, é um papel
islâmico, entendeu?
são chamados de “homem bomba”, “terrorista”, e pessoas até saem de perto. Apesar
disso, dizem já nem se importar com tais atitudes.
4.3.7. Mídias
Com exceção de dois dos entrevistados estrangeiros, que disseram não ter
contato, todos os homens tinham algo a dizer sobre a forma como a mídia brasileira
retrata muçulmanos. Os temas evocados são muitos, e giram em torno das formas de
representação, de interpretação, das fontes escolhidas e dos “donos” da mídia. As
principais opiniões são sobre a forma fantasiosa, errônea e sensacionalista de
representar e interpretar o Islã, o fato das corporações midiáticas serem tendenciosas,
isto é, beneficiarem grupos, as possibilidades benéficas de evidenciação do Islã pela
mídia, as diferenças entre os grupos midiáticos e sobre a parcela de culpa dos
muçulmanos no processo de estigmatização.
Eles não sabem o que é Islã e não conhecem os muçulmanos, entendeu? A
mídia retrata o Islamismo de uma forma baseada só no que alguns grupos
fazem. Eles generalizam, colocam muçulmanos todos extremistas, fechados,
que maltratam as mulheres, mas essa não é a realidade. Pra você saber o
que é Islã, cê tem que ir numa mesquita, se você quer conhecer os
muçulmanos, converse, vá numa mesquita, converse com as mulheres pra
saber se elas sofrem preconceito, se elas são felizes ou infelizes. Porque o
Islã... não existe imposição na religião. Nem com parte pra você seguir, no
caso da mulher, do homem e tal, você faz as coisas que você sabe que tem
que fazer. Mas ninguém te obriga a fazer, não. Ninguém vai na minha casa
pra saber se eu tô fazendo as cinco orações diárias. Ninguém vai na minha
casa pra saber se eu tô fazendo o jejum. Eu sei o que eu tenho que fazer. Eu
tinha a orientação na mesquita. Agora, se eu faço ou deixo de fazer, Deus
sabe melhor. Agora, da forma que a mídia fala dos muçulmanos… totalmente
errado. Eles passam uma visão que assim, pra causar medo. Principalmente
quando tem algum atentado terrorista, aí se fala muito daquele assunto. Aí a
visão que... quem não conhece os muçulmanos, vai achar que todo
muçulmano é terrorista, todo muçulmano é extremista. A minha família
pensou isso quando eu quis me reverter ao Islã.
Eles mostram o que beneficia pessoas, por exemplo, tem uma parte que vai
beneficiar dessas notícias, e tudo, sobre o Islã, eles vão colocar na televisão.
Mas geralmente tem muita coisa errada que eles mostram. Por exemplo, a
maioria das pessoas, quando eles sabem que eu sou da Síria, eles
conversam comigo, “ah, porque a guerra tá acontecendo lá? Porque a gente
ouve que é por causa do Islã, da religião… Islã, muçulmanos, contra cristãos”.
Mas eu falo “não, por que é tudo diferente”. Eles só sabem sobre Estado
Islâmico, mas Estado Islâmico, se eles lerem sobre o Alcorão e o Islã, eles
vão perceber que o que o Estado Islâmico tá fazendo não tem nada a ver com
o Islã. Eles fazem tudo de errado, não como eles tão seguindo o Islã. E se
eles tão seguindo uma parte do Islã, eles tão seguindo do jeito rígido. Então,
tem muita coisa na mídia que precisa reformar, precisa mostrar a parte da
realidade sobre o Islã, sobre o Alcorão, sobre os muçulmanos. Por exemplo,
também, o conceito que as mulheres no Islã não têm direitos, elas ficam em
casa, não podem trabalhar, não podem fazer isso, aquilo, não tem nada a ver.
pessoas falam pra fora, “ó o homem bomba, Bin Laden, Saddam Hussein”…
o que ‘tiver na moda, né, o que ‘tiver na moda, o que cair na boca da mídia.
Na época do Bin Laden era o Bin Laden, na época do Saddam Hussein é
Saddam Hussein.
O muçulmano, ele não consegue transmitir pra opinião pública de uma forma
geral, toda a opressão, toda a pressão, todo o extermínio que é causado e é
transformado nas atitudes que as pessoas vêem e que a mídia publica. Então
a mídia, ela não vai publicar que os muçulmanos fizeram isso ou aquilo
porque antes aconteceu outra coisa. Então a culpa do estereótipo que a mídia
transmite não é da mídia não, a culpa é nossa. Quando as mentalidades
tacanhas do mundo islâmico começarem a se abrir pra mostrar pras pessoas
que as atitudes são respostas a coisas que… ao massacre físico e psicológico
praticado contra o mundo muçulmano, e ele responde dessa maneira, aí eu
acredito que essa visão se modifique um pouco. Infelizmente filho, hoje em
dia, as grandes… as lideranças do mundo islâmico, essas lideranças se
preocupam tanto em segurar… em não perder as rédeas do mundo islâmico,
que eles esquecem que nós poderíamos ter uma visibilidade maior, melhor,
se nós nos abríssemos mais. Infelizmente, assim… as nossas mentes, elas
são muito pequenas.
345
WEAVER, Simon. A rhetorical discourse analysis of online anti-Muslim and anti-Semitic jokes. Ethnic
and Racial Studies, v. 36, n. 3, 2012. p. 4.
346
Ibidem, p. 3.
347
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara, 1988. p. 12-53.
348
CHÉRIF, Mustapha. O Islã e o Ocidente: Encontro com Jacques Derrida. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2013. p. 88.
71
mas não analisam o contexto que aquele versículo foi revelado, porque ele
foi revelado durante o período de guerra. E as pessoas tomam aquilo dali
como a verdade absoluta e como se aquilo daquilo fosse o que os
muçulmanos fizessem. E essa não é a realidade. Hoje em dia nós temos 1
bilhão e 700 milhões de muçulmanos. Se todo muçulmano fosse terrorista, o
mundo já tinha acabado em guerra. A gente não pode generalizar uma
pequena quantidade de pessoas e falar que toda aquela religião tem aquele
mesmo pensamento. Islã é uma religião de paz. Quem comete esses
atentados é porque desconhece a própria religião. Porque Islã deriva da
palavra salam, e salam é paz. [...] É o que muita gente para e me pergunta,
“ah, eu li tal trecho, assim, do Alcorão, e tal, pra matar todo mundo, pra
perseguir e tal”. Não, leia o contexto, entenda qual que foi a história, o período
histórico que foi revelado aquilo dali, pra depois você bater o martelo.
Conheça quem são os muçulmanos, os muçulmanos de verdade, né, porque
esses que se dizem muçulmanos aí, a maioria não segue o que realmente o
profeta falou pra gente fazer e não segue o Alcorão.
349
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. p. 15.
72
tranquilo em relação àquilo que ele é. Então o muçulmano, ele não tem que
ficar se importando com o que as pessoas tão falando ou aquilo que as
pessoas pensam, não. ‘Cê acha que eu vou me importar com o que o ‘sô Zé
das couves pensa de mim? Eu quero é fazer minha oração, quero é fazer
meu jejum, sabe? Eu quero é… se alguém me oferecer uma cachaça, uma
cerveja, eu quero é dizer que não, porque eu não bebo. Eu quero viver a
minha vida de muçulmano. Se a dona Maria das louças lá tá preocupada com
isso, o seu Zé das couves… não ‘tô nem aí. Olha, se me agredir verbalmente,
num ‘tô nem aí.
Quatro entrevistados, três brasileiros e um sírio, que viveu quase toda a vida
no Brasil, acreditam que a discriminação contra muçulmanos está aumentando no
Brasil. Um deles disse que era difícil inferir, que isso deveria ser feito estatisticamente,
mas que supunha que há um aumento dada a projeção que o Islã toma enquanto
religião que mais cresce no mundo. Para ele, o preconceito não existiria se as crianças
aprendessem, nas escolas, a história do país. Outro associa esse aumento ao
crescimento das religiões evangélicas no Brasil, especialmente neopentecostais, mas
disse que o preconceito não é só contra o seu grupo. De acordo com o relato de um
terceiro, que sempre se veste de forma tradicional, o preconceito religioso “acaba
acontecendo muito porque é muito evidente, eu vou num supermercado vestido desse
jeito sofro muitos olhares, muitas piadinhas”. Ele tampouco se vê como o único alvo,
afirmando que o brasileiro é historicamente preconceituoso em termos raciais, de
gênero, de orientação sexual, e que “o radicalismo das pessoas tem aumentado
muito”350. Sua opinião vai de encontro com a de um quarto entrevistado:
Hoje tá virando moda odiar, quer dizer, nós estamos num tempo bem sinistro,
a gente entrou numa era sinistra, né? [...] A lava tava lá, concentrada, então
entrou em erupção um vulcão, as pessoas ‘tão mostrando o que elas são. A
gente é um país extremamente racista, xenófobo, se diz caridoso, mas não é
caridoso ovo nenhum, nada, bulhufas, certo? É pelo contrário, bem egoísta o
nosso país, individualista. Mas isso daí tem explicação social… isso aí é
construção de anos, né? Mas que tá aumentando? Sim, sim, porque ‘tá na
moda mostrar, mostrar aquilo que tu é. Então ‘tá aumentando sim, pra todos,
todos, não é só pra nós, pra todos.
350
Espero não imputar um ideal de “progressismo” aos homens muçulmanos de Belo Horizonte, pois
como acontece na maioria dos grupos, há muita diversidade de opiniões entre eles. Ouvi, também,
falas de oposição ao “homossexualismo” e ao feminismo na mesquita (algo que na minha opinião,
infelizmente, também ocorre na maioria dos grupos). A comunidade é politicamente diversa. Há desde
frequentadores que parecem se identificar mais com “a esquerda”, até um entrevistado que se declarou
conservador de direita (e que disse ter uma simpatia pela esquerda, mas que ficava irritado com uma
certa condescendência com que já foi tratado por pessoas que reduzem o conflito em seu país, a Síria,
a uma mera situação de imperialismo estadunidense, enquanto o próprio governo sírio assassina civis).
73
dentro de um ônibus, que foi repreendida por todos que estavam ali. Para um
revertido, a situação é melhor no Brasil do que em outros lugares:
Olha, como eu tenho basicamente, assim, pouco tempo de Islã, né, de
muçulmano, tem 4, 5 anos, eu nunca parei pra fazer essa analogia de como
era, de como ‘tá sendo ou de como poderá ser. Mas como meu professor
disse, eu concordo com ele, o brasileiro muçulmano raramente sofre risco de
vida por ser muçulmano, por fazer uma oração em público. Eu não conheço
nenhum relato de que alguém foi morto no Brasil sendo muçulmano ou
fazendo uma oração em público enquanto muçulmano. E o contrário acontece
em várias partes do mundo. Então essa intolerância religiosa, que possa vir
a existir, que existe em parâmetros diferentes, esse aspecto de
sobrevivência, é algo bom que nós temos aqui no Brasil. A gente consegue
sobreviver.
Nas Europas eu acho mais violento, Estados Unidos, bem mais violento.
Então, os brasileiros, [nos deixam] mais inseridos. Mesmo você estrangeiro,
sabe, ele abre porta, deixa você entrar. Você incorpora nas famílias
brasileiras muito mais fácil que os outros, sabe? Então na verdade eu sinto
mais brasileiro do que eu sou do Oriente. Eu acho isso aqui uma coisa muito
boa, porque os brasileiros são realmente receptivos. Porque, eu fui na
Europa. As pessoas… muito duras, sabe? ‘Cê fala bom dia, ri, ninguém olha
pra você, responde, às vezes responde, sabe? Aqui… quem entra beija,
abraça. Mas… reação do povo brasileiro é bem melhor do que nos outros
lugares que eu já conheci. Então a maioria das pessoas que vieram de fora,
‘tão na busca de oportunidade. Eles saíram de injustiça, falta de chance no
país deles, pra tentar uma vida nova. É igualzinho os brasileiros que vão pros
Estados Unidos. Ele ‘tá achando aqui bagunçado, não tem muitos empregos,
a qualidade de vida lá é melhor, então cara, cada vez [mais] pessoas vão lá
com pensamento que lá a qualidade de vida é melhor. Então a gente chegou
aqui da mesma forma, a gente sai de lá, vamos imaginar, refugiados da sua
cidade, de falta de emprego, de desigualdade… sabe quando você ‘tá de saco
cheio? Você vê, realmente, desigualdade enorme? Então, da mesma forma
que as pessoas saem daqui a gente sai de lá e vem aqui. E… eu acho
realmente eles muito parecidos com o meu povo lá do Egito. Eles gostam
muito das pessoas de fora, gostam de ajudar. Eu vim aqui, eu não sabia de
nada, não falava inglês, não falava português. Trabalhei, eu ‘tava escrevendo
os bilhetes, levando nos cartórios, as pessoas me ajudavam, não sei o que.
Então eu me senti realmente bem confortável aqui.
Finalizo este tópico pontuando que o muçulmano não é passivo ao estigma que
sofre. Retorno à teoria de Goffman, para quem existem “técnicas de controle da
informação” empreendidas por grupos estigmatizados. O autor afirma que, por um
lado, o indivíduo pode reduzir a visibilidade sobre o seu estigma 351 (no caso estudado,
optando por não usar a taqiyah ou ocultando a religião de parte da família, por
exemplo), algo similar ao que a tradição islâmica denomina taqiyya352. Para Goffman,
“[d]evido às grandes gratificações trazidas pelo fato de ser normal, quase todos os
que estão numa posição em que o encobrimento é necessário, tentarão fazê-lo em
alguma ocasião.”353
Destaco que “normal” deve ser pensado apenas como uma
categoria teórica. Neste sentido, recordo o intelectual argelino Mustapha Chérif:
“[a]o mesmo tempo para os não muçulmanos e para os muçulmanos, é vital lembrar
que ninguém tem o monopólio do universal. Resta, hoje, trabalhar juntos para
encontrar um universal comum”354. Chérif vê a fé como condição básica do laço social,
não uma fé necessariamente no divino, mas uma fé no outro:
351
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. p. 54-102.
352
O termo é comumente propagado por grupos anti-islâmicos como a possibilidade de mentir para a
propagação do Islã, mas segundo um especialista em lei islâmica da Universidade de Toronto, trata-se
de uma ocultação ou dissimulação da religião em contextos persecutórios. (DARO, 2018).
353
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. p. 86.
354
CHÉRIF, Mustapha. O Islã e o Ocidente: Encontro com Jacques Derrida. p. 88.
75
Não posso dirigir-me ao outro, qualquer que seja, quaisquer que sejam sua
religião, sua língua, sua cultura, sem lhe pedir para acreditar em mim ou me
dar crédito. A relação com o outro, o endereçamento ao outro, supõe a fé.355
355
Ibidem, p. 63-64.
356
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. p. 41-50.
357
Ibidem, p. 115.
358
Líder religioso islâmico.
359
CHÉRIF, Mustapha. O Islã e o Ocidente: Encontro com Jacques Derrida. p. 66.
76
Outro brasileiro revertido relatou que sua esposa foi alvo de “piadinhas”
maliciosas, relacionadas a sua religião, onde trabalhava, e que todos os colegas de
trabalho disseram não ter ouvido nada, somente um disse que não ouvira, mas não
duvidava da possibilidade. A mesma mulher, segundo seu esposo, também recebeu
uma mensagem de um homem que utilizou o endereço de e-mail do próprio local, uma
companhia pública, que dizia “eu te vi indo lá em tal local, descobri teu e-mail ‘tô
mandando esse e-mail pra que tu te arrependa daquilo que tu é e retorne a Jesus”. O
entrevistado reclamou da falta de suporte para esse tipo de situação:
Se ele for injuriado, caluniado, alguma coisa, ele não vai fazer nada, porque
não acredita já. Já não tá acreditando na polícia, não acredita em política, não
acredita em nada. Então o cara absorve isso aí. Eu vejo errado isso aí. Mas
ao mesmo tempo, quem nos dá suporte? Quem nos dá suporte? Ao mesmo
tempo, ninguém nos dá suporte e a gente não cria um mecanismo de suporte.
Sei lá, tem muçulmanos advogados e não se procura eles, e ao mesmo tempo
eles não desenvolvem alguma coisa a favor da comunidade muçulmana.
Cada um defende o seu, isso aí é a verdade, cada um defende o seu e a
nossa mobilização, pelo menos em Belo Horizonte, é muito, muito pequena.
Ao contrário de São Paulo, São Paulo já tem uma junta de advogados
muçulmanos. E ‘tá rolando, e rola várias coisas lá, de cusparada, pedrada e
a maioria é mulher. Os cara vão atrás, mas tem, tem, acontece. Se tu quiser
procurar na internet é ANAJI, A-N-A-J-I, se não me engano são essas as
iniciais. Formaram, não sei se só muçulmanos, não sei, mas partiu de
advogados muçulmanos numa forma de mobilização [...]”
O fato de ser homem, para ele, torna o tratamento diferente, de modo que “a
proporção é bem menor em relação às mulheres”. Para ele, as razões são o machismo
e a imposição física de homens em relação a mulheres. Outro entrevistado, também
360
CASTRO, Cristina Maria de & VILELA, Elaine Meire. Muçulmanos no Brasil: uma análise
socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. p. 185.
77
361
LOURENÇO, Aline & PEREIRA, Maria Irenilda. Muçulmanas que vivem em BH revelam rotina de
preconceitos. Estado de Minas, agosto de 2018. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2018/08/19/interna_gerais,981224/muculmanas-que-vivem-
em-bh-revelam-rotina-de-preconceitos.shtml. Acesso em 22/11/2019.
362
CASTRO, Cristina Maria de. Usar ou não hijab no Brasil? Uma análise da religiosidade islâmica em
um contexto minoritário. p. 365.
363
Ibidem, p. 368.
78
social digital, foi mandado embora do país, demonstra um paralelo com o ponto ‘c’,
mas apenas a partir de sua fala não há como saber se o que gerou o ataque foi o
“chapéu”, o restante das vestimentas ou ambos. A principal comparação, portanto,
entre a recepção de brasileiros (ou, no caso deste estudo, belo-horizontinos) ao uso
do hijab e da taqiyah é a associação ao terrorismo, expressa no ponto ‘d’ por Castro.
Apesar disso, a taqiyah não parece ter o mesmo peso que o hijab, tanto por não ser
utilizada por boa parte dos homens muçulmanos – por não ser encarado como uma
obrigação, não por coerção, para a maioria – quanto por não carregar os outros
sentidos atribuídos ao véu.
Reforço que o estudo de caso desta pesquisa permite uma compreensão (e
uma compreensão limitada, dada a diversidade da comunidade) sobre as experiências
de homens muçulmanos que vivem em Belo Horizonte e região. Aspectos geográficos,
étnico-raciais, etários, de classe e de gênero definem a forma como diferentes
muçulmanos serão percebidos, de modo que, como disse Adbeljalid Sajid, é mais
correto tratar sobre Islamofobias, no plural364.
364
GARNER, Steve & SELOD, Saher. The Racialization of Muslims: Empirical Studies of Islamophobia.
p. 4.
79
APONTAMENTOS FINAIS
acredito que a presente pesquisa possa contribuir para área, principalmente pelo
recorte de gênero e geográfico. A partir da compreensão sobre as percepções e
experiências de homens muçulmanos que vivem em Belo Horizonte e região, em
relação à discriminação decorrente de sua religião, é possível realizar estudos
comparativos dentro da mesma comunidade, abordando as visões femininas, assim
como se pode comparar este estudo com os casos de muçulmanos em outras cidades
(onde os muçulmanos não são tão minoritários, por exemplo) ou com outras
comunidades religiosas estigmatizadas. O texto pode ser utilizado para discussões
que interseccionem religião, gênero e/ou preconceito a migração, mercado de
trabalho, mídias (tradicionais e digitais) e vestuário.
A comunidade muçulmana belo-horizontina e de outros lugares também pode
fazer uso desta produção, enquanto um registro, a partir das falas dos próprios
muçulmanos, de desafios que podem ser enfrentados para a prática da fé islâmica no
Brasil (ou em contextos minoritários). O texto foi pensado de forma que também
explicasse pontos importantes da religião e de sua globalização, podendo ser útil para
aqueles que querem se debruçar sobre o tema, e os que desejam corrigir equívocos
decorrentes da desinformação. Por fim, amplia a visão sobre a intolerância religiosa
no quadro mineiro e belo-horizontino, incluindo uma religião geralmente invisibilizada
no estado e na cidade.
Há, contudo, muitas limitações. O recorte de gênero não permite que se
compreenda a fundo as opiniões e reações de belo-horizontinos não muçulmanos ao
Islã e seus seguidores, uma vez que os homens não são tão identificados nem
visados. O estudo aborda pouquíssimas experiências femininas, que ainda deverão
ser investigadas, juntamente com os posicionamentos de não-muçulmanos sobre o
Islã e seus fiéis. Há ainda que se pesquisar a ocorrência da Islamofobia no Brasil a
partir de dados das mídias sociais digitais. Mesmo que tenha ouvido relatos bastante
múltiplos, vindos de pessoas que pacientemente cederam seu tempo (aos quais sou
profundamente grato), os homens da comunidade muçulmana de Belo Horizonte têm
origens muito mais diversas, não só em relação à nacionalidade. Este trabalho
compreende apenas parte desses homens e parte das experiências que se pode ter
como muçulmano, migrante ou estigmatizado na capital mineira.
Tentei desenvolver, ao longo do quarto capítulo deste trabalho de conclusão de
curso, a teoria de um esforço sobre o qual pensei, e pelo qual passei, durante esses
dois anos de pesquisa. Trata-se do empreendimento básico que nos é ensinado nas
82
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