Você está na página 1de 9

.

JHARES FILHO -
1 Professor do Departamento· de Letras Vernáculas.
Mestre em Letras. Da Academia Cearense de Letras.

ARIA CONSUELO DE AZEVEDO - Licenciada em Letras, com cursos


de Espanhol na UECE e na UFC. Professora da rede municipal.
CÂNTICOS DOS CÂNTICOS
ARIA JOSÉ SANTA ROSA BORGES DE CASTRO -Licenciada em Letras.
Professora de Gasa Ge· 6ttlitu:a lt&IJafla. ..0 L P"'"lo. ~h. I; J.o._ \.~hU?
~ s h. O. n Oft.Vl(V;, .
iOREIRA CAMPOS - Professor Titular de Literatura Portuguesa do De.
Artur Eduardo Benevides
parlamento de Letras Vernáculas. Coordenador dos Encontros Literá-
rios da UFC. Da Academia Cearense de Letras e da Academia Cea-
1.
rense da Língua Portuguesa. Nunca se sabe onde o sertão começa.
IADJA DA COSTA RIBEIRO MOREIRA - Professora do Departamento Nunca se viu onde o seu chão termina.
de Letras Vernáculas. Mestm em Educação.
O sertão, arco-íris que regressa,
é uma canção em nós. Ou nossa sina.
=>AULO MOSÂNIO TEIXEIRA DUARTE - Professor do Departamento de (: o pátio assombrado da fazenda.
Letras Vernáculas. Uma velha e pálida moenda.
Uma vida de dor e disciplina.
SANZIO DE AZEVEDO - Professor do Departamento de Letras Verná-
(: uma valsa deixada na quermesse.
culas. Doutor em Letras. Da Academia Cearense de Letras.
O lobisomem, em lenda, se anoitece.
Ou uma saudade imensa e peregrina.
2.
O sertão
é o meu coração preso num rio.
A mata entrecerrada. O desafio.
As arapongas, nas albas, martelando.
O dia, em tons vermelhos, despertando.
Ou um violão à luz de acetilena.
Brancas redes armadas. E um solene
redespertar de fé nas procissões.
(: um tiro de fuzil, além, distante,
a pôr o nosso sono expectante
nas casas-grandes e povoações.
3.
O sertão
ão infindas contendas de famílias.
São ouros do Império. São mobílias
do cedro, mogno e jacarandá.
São as brigas de foice e de jucá.
Ou lutas por heranças. Ou cheganças .
Ou o bumba-meu-boi. Os carcarás.
o fogo-pagou. As noivas nos sofás.
Ht~ v. do Lclrns, forlulczn, 7 (1 /2) - jnn./dez. 1984 1
Os alazães. Os bravos cavaleiros.
4. Os que não temem sustos nem visagens
É a prece de sol de um curandeiro.
e de epopéias ficam personagens.
São carnes assadas num braseiro. Ou que correm na mata e laçam bois
É um poldro valente a relinchar.
e não pensam no agora e no depois.
Ou o meu rifle a afugentar ciganos. E sendo fortes e valentes sendo
Os meus olhos altivos, soberanos. as secas e as enchentes vão vencendo.
Ou o tempo vagando, devagar.
8.
5.
Oh, o sertão!
Um mar
O sertão
são azulões. São verdes camaleões. de encantação.
São canários e velhos campanários. Um mar
É a densa caatinga. O carrasca!.
de cantochão.
O balir de ovelhas no curral. Um mar
O mistério ancestral dos caiporas (ao norte e ao sul}
numa estrada deserta, em altas horas. a renovar o azul
Ou as violas, ao longe, enluaradas. de exílios da canção.
E a espera das chuvas e floradas. E há louças de Sêvres. Peças de cristal.
Há velhos oratórios e genuflexórios.
E o antigo costume. O ritual.
6. O traje de montar do coronel.
O espírito indômito e revel.
O sertão Os licores. O mocororó.
é a sagrada hora e vez da apartação. Os rapazes jogando dominó.
A memória do açude que morreu. E todos, indulgentes e felizes,
A força solitária de Anteu. a conservar intérminas raízes.
Ou minha santa e bela romaria.
A igreja no fim da sesmaria. 9.
Os verdes canaviais. Os carnaubais.
Ou o doce embonecar de p~s-de-milho. ó sertão dos mourões e das taquaras!
O meu cavalo árdego e tordilho. Sertão dos bochornos e coivaras.
Meus velhos embornais. Sertão das tanajuras e capoeiras.
Dos camirangas. Das soalheiras.
7. E das araras.
Sertão das recatadas camarinhas.
Ai, existência múltipla e estóica! Sertão das bênçãos e das ladainhas.
Longa História de amor. Canção heróica. Sertão das juras. Das desventuras.
Meu rincão leal e verdadeiro Das doces olas. E das gaiolas.
lembrando a insurreição de Juazeiro. E andorinhas.
Mas como a morte a surpreender
Ou a República do lcó. A Confederação
minha vontade de viver
do Equador, em eterna pulsação.
n seca estende a sua mão
E o longínquo tropel dos cangaceiros.

Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan.fdez. 1984


Rl.lv. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 3
Os alazães. Os bravos cavaleiros.
4.
Os que não temem sustos nem visagens
É a prece de sol de um curandeiro. e de epopéias ficam personagens.
São carnes assadas num braseiro. Ou que correm na mata e laçam bois
É um poldro valente a relinchar.
e não pensam no agora e no depois.
Ou o meu rifle a afugentar ciganos. E sendo fortes e valentes sendo
Os meus olhos altivos, soberanos. as secas e as enchentes vão vencendo .
Ou o tempo vagando, devagar.
8.
5.
Oh, o sertão!
O sertão Um mar
são azulões. São verdes camaleões. de encantação.
São canários e velhos campanários. Um mar
É a densa caatinga. O carrasca!. de cantochão.
O balir de ovelhas no curral. Um mar
O mistério ancestral dos caiporas ( ao norte e ao sul )
numa estrada deserta, em altas horas. a renovar o azul
Ou as violas, ao longe, enluaradas. de exílios da canção.
E a espera das chuvas e floradas. E há louças de Sêvres. Peças de cristal.
Há velhos oratórios e genuflexórios.
E o antigo costume. O ritual.
6. O traje de montar do coronel.
O espírito indômito e revel.
O sertão Os licores. O mocororó.
é a sagrada hora e vez da apartagão. Os rapazes jogando dominó.
A memória do açude que morreu. E todos, indulgentes e felizes,
A força solitária de Anteu. a conservar intérminas raízes.
Ou minha santa e bela romaria.
A igreja no fim da sesmaria. 9.
Os verdes canaviais. Os carnaubais.
Ou o doce embonecar de pés-de-milho. ó sertão dos mourões e das taquaras!
O meu cavalo árdego e tordilho. Sertão dos bochornos e coivaras.
Meus velhos embornais. Sertão das tanajuras e capoeiras.
Dos camirangas. Das soalheiras.
7. E das araras.
Sertão das recatadas camarinhas.
Ai, existência múltipla e estóica! Sertão das bênçãos e das ladainhas.
Longa História de amor. Canção heróica. Sertão das juras. Das desventuras.
Meu rincão leal e verdadeiro Das doces olas. E das gaiolas.
lembrando a insurreição de Juazeiro. E andorinhas.
Ou a República do lcó. A Confederação Mas como a morte a surpreender
do Equador, em eterna pulsação. minha vontade de viver
E o longínquo tropel dos cangaceiros. a seca estende a sua mão

2 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984


Rcv. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 a
pela amplidão. 13.
E as ovelhinhas (engraçadinhas)
talengolangam pelos cercados 6 chão dos meus aléns
abandonados. e meus teréns!
E tudo dói na solidão. Sertão do muçambê
sertão de massapê
10. sertão da caninana
sertão da muçurana
6 grandes feiras! 6 nuvens caminheiras! sertão do mucunzá
6 dança heróica do maneiro-pau! sertão do jatobá
E o açum-preto. O errante bacurau. sertão do tejuaçu
Os segredos no fundo do baú. sertão do sanhaçu
O olhar aquilino do urubu. sertão do gravatá
Os ermos. Os tabuleiros . sertão do Ceará!
As batidas dos ferreiros.
E nas botas de couro cru.
14.
11 .
E não se sabe onde o sertão começa.
6 sertão do cavalo.do-cão! Nunca se soube onde o seu chão termina.
Das cigarras. Das almanjarras. Mas sua alma em nós está impressa
Do besouro mangangá. e vem de antigos ritos, peregrina.
Das formigas. Das espigas. ;í: uma glosa na voz de violeiros.
Do sisal. Do caroá. São estranhas memórias de guerreiros.
6 serestas perdidas! Tristes cançonetas! Ou o doce olhar de dengue das meninas
6 Africas doendo no canto das mães-pretas! a iluminar as matas matutinas.
6 Europa chegando í: o meu burro cardão, passarinheiro.
na canção da espada de Rolando! O meu espírito forte, aventureiro.
E os antigos cantares de Provença? Ou o sino das seis.
E as honras do nome? A velha crença? Ou o ferro em brasa no lombo de uma rês.
A bela Cantiga do Vilela
na sala iluminada à !uz de vela.
15.

12 . Meu sertão! Quanta emoção!


Meus caboclos valentes nas tocaias.
6 vero amor vivido com ardor! Meus papagaios me passando vaias.
E as histórias de causas encantadas? Minha fábula. Minha dimensão.
As orações. Parlendas. Consoadas. Minhas nambus e meus mandacarus.
E os feitos dos índios, mesmo agora, Minha terra despida e abandonada.
brilhando como outrora? Minha Amada. Minha pobre Amada.
Tudo é sertão. í: mito e encantação. Minha gente, com fé, sempre lutando.
E lanço sobre os sonhos o meu laço, Ou abrindo roçados. Ou sonhando.
colhendo os fragmentos, passo a passo. Sem nunca se assustar. E sem ter pressa.

4 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 5
pela amplidão. 13.
E as ovelhinhas (engraçadinhas)
talengolangam pelos cercados ó chão dos meus aléns
abandonados. e meus teréns!
E tudo dói na solidão. Sertão do muçambê
sertão de massapê
10. sertão da caninana
sertão da muçurana
ó grandes feiras! ó nuvens caminheiras! sertão do mucunzá
ó dança heróica do maneiro-pau! sertão do jatobá
E o açum-preto. O errante bacurau. sertão do tejuaçu
Os segredos no fundo do baú. sertão do sanhaçu
O olhar aquilino do urubu. sertão do gravatá
Os ermos. Os tabuleiros. sertão do Ceará!
As batidas dos ferreiros.
E nas botas de couro cru.
14.
11 .
E não se sabe onde o sertão começa.
ó sertão do cavalo-do-cão! Nunca se soube onde o seu chão termina.
Das cigarras. Das almanjarras. Mas sua alma em nós está impressa
Do besouro mangangá. e vem de antigos ritos, peregrina.
Das formigas. Das espigas. it uma glosa na voz de violeiros.
Do sisal. Do caroá. São estranhas memórias de guerreiros.
ó serestas perdidas! Tristes cançonetas! Ou o doce olhar de dengue das meninas
ó Africas doendo no canto das mães-pretas! a iluminar as matas matutinas.
ó Europa chegando t o meu burro cardão, passarinheiro.
na canção da espada de Rolando! O meu espírito forte, aventureiro.
E os antigos cantares de Provença? Ou o sino das seis.
E as honras do nome? A velha crença? Ou o ferro em brasa no lombo de uma rês.
A bela Cantiga do Vilela
na sala iluminada à luz de vela.
15.
12. Meu sertão! Quanta emoção!
Meus caboclos valentes nas tocaias.
ó vero amor vivido com ardor! Meus papagaios me passando vaias.
E as histórias de causas encantadas? Minha fábula. Minha dimensão.
As orações. Parlendas. Consoadas. Minhas nambus e meus mandacarus.
E os feitos dos índios, mesmo agora, Minha terra despida e abandonada.
brilhando como outrora? Minha Amada. Minha pobre Amada.
Tudo é sertão. t mito e encantação. Minha gente, com fé, sempre lutando.
E lanço sobre os sonhos o meu laço, Ou abrindo roçados. Ou sonhando.
colhendo os fragmentos, passo a passo. Sem nunca se assustar. E sem ter pressa.

4 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan.jdez. 1984 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan.fdez. 1984 5
E jamais soube onde o sertão começa. 18 .
E seu rosto nos chega em grã surdina.
r~ sombra do eterno e não termina. Igual à voz de um carrilhão
E a rósea tarde desce numa valsa, digo: sertão! sertão! sertão!
qual menina e mulher, nua e descalça, Dos lnhamuns. Do Caldeirão.
dando-se toda, em luz, à poesia, Das capoeiras. Das bolandeiras.
ante as fogueiras, no final do dia. Das ciganadas. Das goiabeiras.
Dos galamartes e do pião.
16. Sertão das cucas e arapucas.
Da rês cardã. Do rude afã.
Sertão feroz. Sertão feraz. Do lenga-lenga dos bons burrinhos,
Sertão de guerra. Sertão de paz. sob cangalhas, pelos caminhos,
Sertão: ferreiro da maldição. nas friorentas antemanhãs .
Das estiagens com seu flagelo. Chão do Trancoso e do Tinhoso.
Do baraço. Do cutelo. Do fedegoso. Do cansanção.
Das aves de arribação. Dos cariris. Das juritis.
Do tenho-um-pé-de-cá-te-espera. Da minha grã veneração.
Da tradição que se venera. Sertão de raça. Sertão de caça.
Ou dos pais-d 'éguas de muitos lotes Sertão de igrejas coloniais.
a se espojar pelos serrotes. Sertão - mistério que nunca passa
Ou das histórias da Moura Torta. no brilho forte de seus punhais.
De Inês, rainha depois de morta. Nos cafundós
Do Rei Arthur e do Magriço. dos bisavós
Da lenda viva, de muito viço. reina o demônio pelo sertão.
Nas vãs procuras
das aventuras
17 . tudo se faz com decisão.
r~ o meu sertão do sol-e-dó.
Sertão do côco e do forrobodó.
O meu sertão do pão-de-ló.
De martelos, moirões e outros cantares.
Das baraúnas. Das graúnas.
Dos que já nascem desatando nó
E do jiló.
e lançam suas queixas pelos ares .
Sertão das tricas e das futricas.
Sertão do sol. Sertão de terras planas. Das eleições municipais.
De velhos ódios. De paixões tiranas. Das maniçobas. Das oiticicas.
De cascavéis no dorso das caatingas . Dos juremais.
De seridós. Agrestes. Tabatingas. ó santo mel da jandaíra!
De benzeduras. De Superstições. ó mil cordéis do Curupira!
De rebeldias e de romarias. ó jaçanãs e curiantãs!
De legendas frontais nos caminhões. ó meu sertão!
De belos bem-te-vis-carrapateiros. Meu imbatível corrupião.
De caixeiros-viajantes. De arrieiros. Minhas comarcas ribeirinhas.
Do pau peroba. Do baobá. Meus avelãs. Meus flamboyants.
Da macax.eira. Da lavadeira Minhas !apinhas.
que lava os sonhos do Ceará. E os bacuris e maturis?
6 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan.jdez. 1984 Rcv. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 7
E jamais soube onde o sertão começa. 18.
E seu rosto nos chega em grã surdina.
ft sombra do eterno e não termina. Igual à voz de um carrilhão
E a rósea tarde desce numa valsa, digo: sertão! sertão! sertão!
qual menina e mulher, nua e descalça, Dos lnhamuns. Do Caldeirão.
dando-se toda, em luz, à poesia, Das capoeiras. Das bolandeiras.
ante as fogueiras, no final do dia. Das ciganadas . Das goiabeiras.
Dos galamartes e do pião.
16. Sertão das cucas e arapucas.
Da rês cardã. Do rude afã.
S-ertão feroz. Sertão feraz . Do lenga-lenga dos bons burrinhos,
Sertão de guerra. Sertão de paz. sob cangalhas, pelos caminhos,
Sertão: ferreiro da maldição. nas friorentas antemanhãs .
Das estiagens com seu flagelo. Chão do Trancoso e do Tinhoso.
Do baraço. Do cutelo. Do fedegoso. Do cansanção.
Das aves de arribação. Dos cariris. Das juritis.
Do tenho-um-pé-de-cá-te-espera. Da minha grã veneração.
Da tradição que se venera. Sertão de raça. Sertão de caça.
Ou dos pais-d'éguas de muitos lotes Sertão de igrejas coloniais.
a se espojar pelos serrotes. Sertão - mistério que nunca passa
Ou das histórias da Moura Torta. no brilho forte de seus punhais.
De Inês, rainha depois de morta. Nos cafundós
Do Rei Arthur e do Magriço. dos bisavós
Da lenda viva, de muito viço. reina o demônio pelo sertão.
Nas vãs procuras
das aventuras
17. tudo se faz com decisão.
rÉ o meu sertão do sol-e-dó.
Sertão do côco e do forrobodó . O meu sertão do pão-de-lá.
De martelos, moirõ-es e outros cantares. Das baraúnas. Das graúnas.
Dos que já nascem desatando nó
E do jiló.
e lançam suas queixas pelos ares. Sertão das tricas e das futricas.
Sertão do sol. Sertão de terras planas. Das eleições municipais.
De velhos ódios. De paixões tiranas. Das maniçobas. Das oiticicas.
De cascavéis no dorso das caatingas. Dos juremais.
De seridós. Agrestes. Tabatingas. ó santo mel da jandaíra!
De benzeduras. De Superstições. ó mil cordéis do Curupira!
De rebeldias e de romarias. 6 jaçanãs e curiantãs!
De legendas frontais nos caminhões. 6 meu sertão!
De belos bem-te-vis-carrapateiros. Meu imbatível corrupião.
De caixeiros-viajantes. De arrieiros. Minhas comarcas ribeirinhas.
Do pau peroba. Do baobá. Meus avelãs. Meus flamboyants.
Da macax.eira. Da lavadeira Minhas !apinhas.
que lava os sonhos do Ceará. E os bacuris e maturis?

6 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan.fdez. 1984 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 7
Os meus cruéis gatos do mato? Nas leis de Deus tens fé, temente.
As milagrosas mãos de beato? És messiânico e valente.
E os buritis? ÉS forte. Novilho brabo.
E os meus capulhos de algodão? E enquanto longe me acabo
O joão-de-barro? O gavião? escutas longas retretas.
As selas ricas, sob os coxins? Vês as Naus Catarinetas.
E as mesas fartas, com seus quindins? Cavalhadas. Marujadas.
E as causas reencantadas
19. em teu inóspito chão.
Sertão! Sertão! Tens alma ingênua e violenta.
Só me sujigam por traição. Se te vais o amor te inventa.
Vindo de frente ninguém me pega. Mesmo em silêncio és canção.
Nunca perdi qualquer refrega.
D-eixo na pele o meu ferrão. 22.
Se um dia, acaso, entrar em briga,
se não ganhar Deus me castiga. Ao longe,
Cabra valente não morre à-toa. qual vasta sombra do andar de um monge,
Derribo um boi. Remo canoa. passa, vagarosa, a luz da História.
Sou nadador de rio em cheia. E tudo o que se ama é vã memória.
Nunca temi o nó da peia. Ou busca em desconforto a solidão.
Sou touro velho: sou barbatão. E usamos mesclas e mandapolão.
Só vivo em paz no meu sertão. E lutamos. Sonhamos. Esperamos.
20. No Caicó. No Mossoró.
No Cariré. No Canindé.
Meu verso canto. Cravo no chão: No Tianguá. No Quixadá.
Sertão. Sertão. Ou no lcó.
Sertão. Sertão. Em qualquer rincão
Tudo é poema. Tudo é canção. o sonho é o nosso chão.
No sonho em fome és o meu pão. Lá,
Meu pão de côco. Meu pão de mel. onde as boiadas nas madrugadas
Meu sarrabulho e sarapatef. enxugam o orvalho do Ceará.
E o nome é sol. A voz, trovão.
Por isso dóis em solidão. 23.
E por te amar vivo a cantar:
Sertão. Sertão. Se fujo de ti - que maldição!
Sertão. Sertão. Do tempo trazes o sim e o não.
Sertão de dentro. Sertão geral. Piso unhas-de-gato e sinto o mato.
Na encruzilhada do bem e do mal. Vejo a flor dos cardeiros e os celeiros
vazios como os teus rios.
21. E com meu sangue, já quase exangue,
., teu nome escrevo com gratidão:
AI.
Fronteiras tuas ninguém demarca. Sertão! Sertão! Sertão!
Domínios teus ninguém abarca. Seeerrrtttãããooo!
J:s colossal e passional. Sertããããããooo!

8 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 9
Os meus cruéis gatos do mato? Nas leis de Deus tens fé, temente.
As milagrosas mãos de beato? És messiânico e valente.
E os buritis? És forte. Novilho brabo.
E os meus capulhos de algodão? E enquanto longe me acabo
O joão-de-barro? O gavião? escutas longas retretas.
As selas ricas, sob os coxins? Vês as Naus Catarinetas.
E as mesas fartas, com seus quindins? Cavalhadas. Marujadas.
E as causas reencantadas
19. em teu inóspito chão.
Sertão! Sertão! Tens alma ingênua e violenta.
Só me suj igam por traição. Se te vais o amor te inventa.
Vindo de frente ninguém me pega. Mesmo em silêncio és canção.
Nunca perdi qualquer refrega.
D-eixo na pele o meu ferrão. 22.
Se um dia, acaso, entrar em briga,
se não ganhar Deus me castiga. Ao longe,
Cabra valente não morre à-toa. qual vasta sombra do andar de um monge,
Derribo um boi. Remo canoa. passa, vagarosa, a luz da História.
Sou nadador de rio em cheia. E tudo o que se ama é vã memória.
Nunca temi o nó da peia. Ou busca em desconforto a solidão.
Sou touro velho: sou barbatão. E usamos mesclas e mandapolão.
Só vivo em paz no meu sertão. E lutamos. Sonhamos. Esperamos.
20. No Caicó. No Mossoró.
No Cariré. No Canindé.
Meu verso canto. Cravo no chão: No Tianguá. No Quixadá.
Sertão. Sertão. Ou no lcó.
Sertão. Sertão. Em qualquer rincão
Tudo é poema. Tudo é canção. o sonho é o nosso chão.
No sonho em fome és o meu pão. Lá,
Meu pão de côco. Meu pão de mel. onde as boiadas nas madrugadas
Meu sarrabulho e sarapatel. enxugam o orvalho do Ceará.
E o nome é sol. A voz, trovão.
Por isso dóis em solidão. 23.
E por te amar vivo a cantar:
Sertão. Sertão. Se fujo de ti - que maldição!
Sertão. Sertão. Do tempo trazes o sim e o não.
Sertão de dentro. Sertão geral. Piso unhas-de-gato e sinto o mato.
Na encruzilhada do bem e do mal. Vejo a flor dos cardeiros e os celeiros
vazios como os teus rios.
21 . E com meu sangue, já quase exangue,
., teu nome escrevo com gratidão:
A I.
Fronteiras tuas ninguém demarca. Sertão! Sertão! Sertão!
Domínios teus ninguém abarca. Seeerrrtttãããooo!
E:s colossal e passional. Sertããããããooo!

8 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan./dez. 1984 Rev. de Letras, Fortaleza, 7 (1/2) - jan.fdez. 1984 9

Você também pode gostar