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3 A imagem figurativa Estéreo 3D:

representação do espaço e “Umwelt” humano


Helio Augusto Godoy de Souza1
Renan Carvalho Kubota2

n27 l 2012/2
ano XVII l n28 2012/1
Resumo: Abstract:
Este artigo parte da Teoria do Umwelt desenvolvida por Jakob von This article takes as its starting point the Umwelt Theory developed
Uexküll para compreender o significado da evolução da represen- by Jakob von Uexküll to understand the meaning of the evolution
tação do espaço nas imagens figurativas. Busca-se explicar como of space representation in the figurative images. It attempts to ex-
a imagem pictórica se tornou complexa ao longo do tempo, in- plain how the pictorial image became more complex over time,
corporando aspectos que imitam o sofisticado sistema de percep- incorporating aspects that mimic the sophisticated system of hu-
ção visual humana do espaço. A história da arte visual figurativa man visual perception of space. The history of figurative visual-art,
assemelha-se ao cumprimento de um “programa” que vem sendo resembles the performance of a “program” that is being carried
executado pela humanidade, o qual dilata nosso Umwelt, tornan- out by mankind, which widens our Umwelt, making the figurative
do a imagem figurativa mais coerente. Para fundamentar nosso image, more coherent. To support our thinking we take as a basis,
pensamento tomamos como base os estudos de teóricos da este- the theoretical studies of stereoscopy and stereo 3D movies.
reoscopia e do filme estéreo 3D.
Keywords:
Palavras Chave: Perception; Stereoscopy; Umwelt; Representation; Artificial Pers-
Percepção; Estereoscopia; Umwelt; Representação; Perspectiva pective.
Artificial.

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Introdução essa noção do mundo, na maioria das vezes, deve (...) o cérebro, em uma análise final - é um
Quando observamos as imagens produ- ser coerente com essa realidade, pois deve garan- orgão criado pela natureza para perceber na-
zidas pela humanidade durante os seus 40.000 tir a sobrevivência dos organismos. tureza. Natureza pode ser comparada com
anos de existência, nos parece que a elaboração De acordo com Uexküll, o Umwelt é uma um compositor o qual ouve o seu próprio tra-
balho tocado em um instrumento de sua pró-
dos signos visuais vai se tornando cada vez mais bolha representacional que rodeia os seres vivos,
pria construção. Isto resulta numa estranha e
complexa na medida em que esses signos vão se ela é invisível para os observadores externos, mas
recíproca relação entre natureza, a qual criou
aproximando, em suas características qualitativas, contêm toda a concepção fenomenológica do o homem, e homem, quem, não somente em
dos signos produzidos pelos transdutores e pro- mundo objetivo, uma espécie de mapa que todo sua arte e ciência, mas também em seu uni-
cessadores orgânicos da espécie humana. Ou seja, ser vivo tem para se manter vivo: verso experimental, criou a natureza (Thure
aquilo que é imagem exteriorizada torna-se cada Von Uexküll, 1992, p.281).
vez mais coerente com as imagens que são produ-
O “Umwelt” de um verme ou de uma pulga é
zidas pelos olhos e processadas pelo cérebro. realmente mais simples que o nosso, mas essa
Para entender a evolução dos signos pictó- Esse conceito nos traz a idéia de organi-
simplicidade é construída com traços selecio- zação complementar da natureza, como se cada
ricos figurativos produzidos pela espécie humana, nados da realidade, que garantem segurança
e corroborar a hipótese principal, acima esboçada, peça, no seu devido lugar, tivesse um plano para
ao sistema. E aí, para nós, o que surge como o
inicialmente apresenta-se a Teoria do Umwelt3, nosso conhecimento aparentemente “sem ob-
desenvolver a sua função dentro de um sistema
que auxilia o entendimento da exteriorização das jetivo” (...) é uma dilatação do Umwelt, que complexo e coincidente. Assim, de acordo com
representações pictóricas internas como forma através da intersubjetividade significa uma Jakob von Uexküll, essa coincidência, nada mais
de dilatação do mundo-próprio representacional construção da espécie e não de um individuo seria do que a concretização do Plano da Natu-
humano; depois são apresentados os fatores psi- (Vieira, 1994, p.117). reza.
cofisiológicos que colaboram para a visualização No artigo “Doutrina do Significado” que
da profundidade espacial e sua utilização nas ima- se encontra no livro “Dos Homens e dos Animais”
A teoria de Uexküll reconhece uma Reali- (publicado em alemão com o título “Streifzüge
gens produzidas exteriormente; por fim com uma dade, externa ao sujeito, que atua influenciando-
visão geral das transformações pictóricas na histó- durch die Umwelten von Tieren und Menschen:
-o. Por isso, nos animais que têm grande capaci- Ein Bilderbuch unsichtbarer Welten. Bedeutungs-
ria das artes visuais, apresenta-se um sentido evo- dade de aprendizagem pode ser observada uma
lutivo para o processo de complexificação dessas lehre. Mit einem Vorwort von Adolf Portmann”.
Dilatação do Umwelt (Vieira, 1994; Souza, 2001) Hamburgo, Rowohlt, 1956; tradução portugue-
imagens. de modo a caminhar para uma compreensão da sa de Alberto Candeias e Anibal Garcia Pereira,
realidade cada vez maior, adaptando-se e sobre- s/data), Jakob von Uexküll define o conceito do
A Teoria do Umwelt vivendo. Sem a adaptação dificilmente se mante- Significado. Para explicar o signo do ponto de vis-
Jakob von Uexküll (1864 – 1944) foi um ria vivo em um meio ambiente caracterizado por ta biológico, Uexküll elaborou uma equação que
biólogo que estabeleceu o conceito de Umwelt, mudanças contínuas. Para dar conta dessa ligação consiste no seguinte: signo = portador de signifi-
uma espécie de mundo perceptivo particular4 dos entre o sujeito, e a Realidade Última acessada por cado + utilizador de significado. Essa formulação
animais, que permite a eles mapearem a realida- meio de um processo fenomenológico, a teoria do procura explicar as complementaridades entre to-
de e realizarem semiose5 com o “mundo externo”. Umwelt traz o conceito de Plano da Natureza, que dos os elementos de uma relação sígnica nos ani-
Esse mundo particular é constituído no ser vivo nos diz que existe a perfeita complementaridade mais. O conceito de significado remete a todo e
por um processo fenomenológico, de modo que entre o aparato biológico do ser vivo e a Realida- qualquer relacionamento entre animais e mundo
ele tem acesso a “fenômenos”, entretanto, ainda de. De acordo com Thure von Uexküll, médico e não vivo. O exemplo que Jakob von Uexküll nos
que essa percepção subjetiva do mundo, não seja filho de Jakob von Uexküll: fornece trata da ação do carrapato ao reconhecer
exatamente idêntica a uma realidade ontológica,

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um mamífero. No Umwelt desse animal não há tivos (Umwelten), e são capazes de realizar a ati- -se também, que ocorre uma retroalimentação
distinção entre mamíferos, mas apenas um mamí- vidade de perceber e atuar, desde um simples ser nas duas pontas do sistema. No caso da espécie
fero ideal, de sangue quente, com pelos, e com unicelular até o complexo organismo humano. Por humana é através dessa interação sistêmica que
pele suficientemente branda para que o carrapato signo perceptivo entende-se toda e qualquer sen- ocorre uma Dilatação do Umwelt.
a perfure e bombeie para dentro dele os fluídos do sação elementar, recebida pela célula ou órgão, e A espécie humana vale-se também da uti-
mamífero. Nesse caso o carrapato é o próprio uti- por sugestão perceptiva aquilo que é projetado no lização de extensões do corpo6 para promover a
lizador de significado, e o mamífero o portador de objeto, isto é, como qualidades que são forneci- Dilatação do Umwelt e está, portanto, associada
significado; e o grande significado desse dueto de das pelo organismo, para o objeto (Souza, 2001, ao processo evolutivo humano. Essa dilatação é
significados é: “Reconhecimento da vítima, ata- p.124). parte de um processo de sobrevivência, uma es-
que e absorção do sangue por parte do carrapato” Para exemplificarmos o pensamento ante- tratégia evolutiva para encontrar novas soluções
(Uexküll, Jakob von. Trad. portuguesa, s/data, p. rior recorremos ao seguinte exemplo: nesse exa- para velhos problemas. É importante deixar cla-
189). Assim, o conceito significado ganha um sen- to momento, enquanto escrevo sobre uma teo- ro aqui que, quando utilizamos o termo evolução
tido amplo, que extrapola os limites da Linguística ria que li e refleti, também estou executando o não estamos empregando-o com juízo de valor,
e da Semiótica, e aponta para o processo evolutivo processo do Ciclo Funcional em meu Umwelt, de do que é melhor ou pior, mas sim como um pro-
dos seres e do próprio universo. modo que acesso a teoria por meio de um livro, cesso de continuidade e mudança, em qualquer
Cada espécie animal perceberá o signo de para isso utilizo meus órgãos perceptivos e o do- sistema dinâmico, incluindo, mas não limitado a
uma forma, e, para transpor essa barreira é neces- mínio de um código, que me permite entender a sistemas biológicos (Anderson, 1984, p.17).
sário que a metodologia de pesquisa do Umwelt mensagem, depois escrevo sobre o assunto assimi- De acordo com Vieira (1994) os conheci-
vá além de um único significado para alcançar a lado, transportando o que percebi para o mundo mentos científicos acumulados são conseqüências
função do signo: operacional, produzindo outro signo que entrará de uma Dilatação do Umwelt da espécie humana
em outro Ciclo Funcional. e tem permitido a humanidade acessar níveis mais
complexos da realidade:
(...) significa primeiro que toda verificação de
que os signos registrados pelo observador em
seu próprio universo experimental são tam- O que fazemos em ciência e tecnologia, mas
bém percebidos pelo ser vivo sob observação. também em arte e filosofia, é dilatar nosso
Isto requer uma cuidadosa análise dos orgãos “Umwelt” além dos apelos diretos, materiais,
sensoriais (receptores) do organismo em ques- imediatos do mundo. É claro que o fazemos
tão. Após isto ser realizado, é possível observar para preservar algo e esta é a nossa qualidade
como o organismo procede para decodificar enquanto humanidade. Dilatar os limites de
os signos que tinha recebido (Thure Von Ue- nossa percepção (como Uexküll diz ao des-
xkül, 1992, p.281). crever o “Umwelt” do astrônomo) e através
disso, incorporar traços normalmente inaces-
síveis em nosso “umwelt”, que evolui constan-
Do ponto de vista operacional o Umwelt Figura 1 - Diagrama do Ciclo Funcional. Fonte: UEXKÜLL, temente (Vieira, 1994, p.127).
é constituído por um Ciclo Funcional, o qual é for- Thure von., 1992, p. 303
mado por um Mundo Perceptivo e por um Mun-
do Operacional. O primeiro está relacionado com No diagrama acima vemos que é indicada A utilização de ferramentas como parte de
tudo que o sujeito percebe no mundo externo e uma interação entre o sujeito e o objeto; assim um processo evolutivo não é exclusividade da es-
o segundo a tudo que ele faz. Consideremos que quando o individuo atua sobre a realidade forma- pécie humana, como também não é a transmissão
quaisquer animais, possuem seus universos subje- -se o Umwelt do organismo, nesse processo nota- de conhecimentos adquiridos, mas, certamente

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foi nossa espécie que fez isso de forma mais com- cinema, televisão, etc. rem fora do signo (Santaella, 2005, p.199). Grosso
plexa até o presente momento. A representação É claro que surgiram outras formas modo, se uma imagem nos transmite informação
pictórica é um instrumento para o compartilha- de representação que buscaram se distanciar sobre algo que está fora dela, de forma figurativa,
mento de consciências. Compartilhamento que já da figurativização da imagem, e, o fizeram nela estará dominando o aspecto existente indicial
existia na linguagem verbal e que foi transferida principalmente na área das artes plásticas. Nesse (na relação signo objeto), e dicente (relação signo
para as imagens na arte rupestre. campo podemos tomar como exemplo a represen- interpretante), de acordo com a Semiótica Peirce-
Ao longo do percurso histórico da tação visual desenvolvida pela Arte Moderna, que ana.
espécie Homo sapiens sapiens fomos desenvol- também contribui com a Dilatação do Umwelt, As imagens figurativas estão na maioria
vendo diversas técnicas de representação que possibilitando à mente humana a percepção de das vezes associadas a objetos visíveis, pois não
foram surgindo da interação com a realidade. A uma realidade mais complexa e diferente do que apresentam ambigüidades. Sua identificação se dá
imagem figurativa foi ganhando meios de recriar aquela percebida apenas pelo sistema perceptivo por fatores não só internos à configuração das for-
as mesmas qualidades que já estávamos a obser- biológico. mas, mas também, e, sobretudo, sob o efeito do
var com o nosso sistema perceptivo, e nesse caso, Todavia, nosso foco principal é a evolução reconhecimento da similaridade da aparência do
podemos inferir que isso faz parte do Plano da d�������������������������������������������������
a representação figurativa através do desenvolvi- objeto representado com a percepção que se tem
Natureza. Surge assim uma perfeita complemen- mento de técnicas e próteses sígnicas que tentam daquele objeto no mundo visível. Nessas formas,
taridade entre o aparato biológico e as extensões aproximar a imagem exteriorizada, da forma como que buscam reproduzir o aspecto exterior das coi-
perceptivas e produtoras de signos criadas pela es- se ela é produzida pela percepção visual através sas, os elementos visuais são postos a serviço da
pécie humana, tanto para documentar a realidade do sistema fisiológico humano. Para justificar esse vocação mimética, ou seja, produzir a ilusão de
como para criar visualidades ficcionais. argumento consideramos que o sujeito, desenvol- que a imagem figurada é igual ou semelhante ao
ve novos métodos e signos que visam garantir a objeto real (Santaella, 2005, p.227).
Umwelt e a imagem figurativa permanência de seu sistema vital. Por exemplo, Em sua obra Matrizes da Linguagem e Pen-
Até aqui, procuramos conceituar o “mun- na época da Renascença, Felippo Brunelleschi samento, Santaella (2005, p.207) apresenta o pen-
do particular” dos animais envoltos pela bolha (1387-1446) e Leon Battista Alberti (1404-1472) samento de J. J. Gibson que pode nos auxiliar a
de percepção e de ação no meio ambiente (o desenvolveram a técnica de representação em compreender os fundamentos da principal hipó-
Umwelt). Vamos considerar agora apenas a Dila- perspectiva, que consiste em representar objetos tese deste artigo:
tação do Umwelt humano, no que diz respeito à tridimensionais em um espaço plano. Ora, esse
evolução das técnicas de representação imagéti- foi um grande avanço para as artes e para a ar-
Para a compreensão das especificidades e
ca7. Nesse momento é importante ressaltar que quitetura, pois por meio de técnicas baseadas em
complementaridades entre a percepção dos
este artigo limita-se às imagens figurativas, em um princípios que regem o funcionamento da visuali- objetos do mundo visual e a percepção das
breve panorama que vai das imagens da arte ru- zação do espaço na espécie humana, ela possibi- representações visuais, Gibson (1954, p.9-
pestre da pré-história até os sofisticados aparatos litou uma representação coerente com o Umwelt 23) nos indica uma boa pista. A percepção
tecnológicos de registro e de criação de imagens humano. dos objetos do mundo corresponde a uma
estereoscópicas. No caso das imagens figurativas, o caráter percepção direta, enquanto a percepção das
Partimos da hipótese de que essa repre- indicial acentua-se, visto que a função significativa representações é uma percepção mediada.
sentação vem evoluindo, cumprindo uma espécie do ícone8 fica sempre subjugada à função deno- (Santaella, 2005:185)
de programa, na qual as imagens vão se tornando tativa do índice. Além disso, o poder referencial
mais complexas, e mesmo quando a imagem figu- desses índices não se reporta a uma classe geral
Assim, quando observamos o mundo es-
rativa perde espaço no campo das artes plásticas, de objetos, mas a um objeto ou estado de coi-
tamos estabelecendo uma relação de percepção
ela ganha força em outras áreas como fotografia, sas singulares, que existem ou são supostos existi-

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direta, enquanto que a percepção das represen- Indutores psicofisiológicos da percepção distantes; então, quando observamos que um ob-
tações é uma percepção mediada, que ocorre espacial. jeto opaco está obstruindo a visão do outro, en-
por meio de substitutos visuais, por exemplo, o Estudiosos da estereoscopia como Galifret tendemos que este objeto opaco está mais próxi-
desenho, a pintura, a fotografia, cinema, televisão (1954), Okoshi (1976), Lipton (1982) e Mendibu- mo de nós.
e etc. Todavia, devemos considerar que mesmo a ru (2009), dedicam parte de seus estudos a com- A perspectiva aérea é a informação visual
percepção direta é mediada por signos referentes preensão do funcionamento da percepção visual que temos da profundidade espacial quando, na
aos impulsos nervosos decorrentes dos estímulos de profundidade no ser humano. De acordo com medida em que observamos objetos mais distan-
dos órgãos dos sentidos e suas consequentes re- esses autores os indutores de percepção da pro- tes em um horizonte, eles vão ficando mais ene-
elaborações complexas no cérebro. Mas para fins fundidade podem ser classificados em duas cate- voados; isto ocorre devido às difusões dos raios
didáticos mantemos os termos, “percepção direta” gorias: os fisiológicos e os psicológicos. Esses indu- luminosos. Luz e sombra são indutores psicológi-
e “percepção mediada”, ressalva feita a esta con- tores estão presentes na visualização dos objetos, cos que destacam os objetos em relação a uma
sideração. bem como nas imagens figurativas, e permitem superfície; a luz atua modelando o jogo de claro e
Gibson afirma também que podemos per- acessar as informações a respeito do espaço e do escuro (sombras), tornando-o mais “achatado” ou
ceber a tridimensionalidade e aspectos de profun- relevo. pronunciando seus aspectos volumétricos e suas
didade em superfícies bidimensionais através dos Os indutores de percepção psicológicos texturas. O gradiente de textura, está ligado à re-
substitutos (Santaella, 2005, p.207). Portanto, se são: o tamanho das imagens, perspectiva linear, presentação em perspectiva, e tem relação com
esses mecanismos psicofisiológicos de percepção perspectiva aérea, luz e sombra, oclusão e o gra- repetição de padrões em profundidade; ou seja,
visual direta, também funcionam na percepção diente de texturas. Os indutores de natureza fi- percebemos a textura mais próxima a nossos olhos
mediada, supõe-se que esses mecanismos pode- siológica são: a acomodação visual, a paralaxe de maior, e essa textura parece ir diminuindo confor-
riam ser incorporados com o passar do tempo, na movimento, a convergência monocular e a dispa- me vai ficando mais distante.
imagem figurativa, de modo a tornar-se mais com- ridade binocular. Esses indutores também são utilizados nas
plexa. Ora, a complexidade de um sistema tam- Um dos indutores psicológicos é o tama- expressões pictóricas, que incluem o desenho, a
bém está relacionada à quantidade de elementos nho da imagem, e refere-se ao tamanho das ima- pintura, a fotografia, o cinema e o vídeo; sobretu-
componentes desse sistema, de modo que ao se gens formadas na retina, pois, quando observamos do é importante salientar que a utilização desses
aumentar a quantidade de mecanismos psicofisio- o ambiente, temos a impressão de que os objetos indutores está ligada, com a representação do es-
lógicos, aumenta-se a complexidade do sistema mais próximos ao olho são maiores que os mais paço na imagem figurativa.
perceptivo mediado. distantes. Os seguintes indutores perceptivos estão
Valendo-nos da premissa de que o ser hu- A perspectiva linear permite a percepção classificados na categoria fisiológica. A acomoda-
mano complexificou sua relação de representação de profundidade na medida em que ela parece ção visual está associada à mudança da curvatura
em seus substitutos visuais, incorporando aspectos afunilar linhas que na realidade são paralelas. Por do cristalino; essa lente orgânica do olho é res-
da percepção direta na representação figurativa; exemplo, ao se observar uma estrada, as laterais ponsável por ajustar o foco dos objetos que estão
apresentaremos o ponto de vista dos estudos da da estrada parecem que convergem ao longo do dispostos no nosso campo de visão, controlando
estereoscopia que explicam como funcionam os horizonte. Essa variação de distância aparente en- a distância focal da lente através da mudança de
mecanismos psicofisiológicos de percepção visual tre as linhas paralelas são uma indicação de pro- sua curvatura; isso induz um tipo de percepção de
relativos à percepção da profundidade, aqui de- fundidade. distância e profundidade. A convergência ocular é
nominados indutores psicofisiológicos de percep- Outro indutor psicológico é a oclusão dos representada pelo ângulo formado entre os eixos
ção da profundidade espacial. objetos, esse é o fenômeno no qual os objetos ópticos dos dois olhos, quando olhamos com os
opacos mais próximos ocultam os objetos mais dois olhos para um determinado ponto; o organis-

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mo percebe as relações de contração e distensão com o modo como nós percebemos o mundo.
musculares para inferir a profundidade do objeto Considerando o que foi exposto, e reto-
observado. mando o conceito de Ciclo Funcional da Teoria do
A paralaxe de movimento permite a per- Umwelt, o que a nossa espécie tem feito é incor-
cepção de profundidade quando um observador porar aspectos do mundo perceptivo, aos quais te-
desloca-se em relação a algum objeto. Por exem- mos acesso por meio do nosso complexo aparato
plo, ela ocorre quando estamos viajando em um psicofisiológico, aos aspectos do mundo operacio-
veículo, ou até mesmo com um movimento lateral nal, quando produzimos as imagens figurativas de
da cabeça, e percebemos que as árvores e os ob- forma correlata a do nosso sistema perceptivo. É
jetos mais próximos parecem se movimentar mais uma extrusão do Umwelt para fora do organismo,
rápidos do que os objetos que estão ao longe no uma dilatação, usada para fins de compartilha-
horizonte. mento de consciência dentro da própria espécie. Figura 3 - Egito. Detalhe do Mural Túmulo de Khumontep
Por fim, a disparidade binocular ocorre 1900 aC
porque nossos olhos enxergam imagens de posi- Os indutores perceptivos e sua incidência
ções ligeiramente diferentes umas das outras; es- nos substitutos
sas duas imagens são combinadas no cérebro, for- A seguir ilustraremos a complexificação
mando uma única imagem em relevo. das representações figurativas relacionando o sur-
Estes indutores, tanto os psicológicos, gimento da utilização dos indutores psicofisiológi-
quanto os fisiológicos são mecanismos que nos au- cos nesse tipo de imagem. É importante lembrar
xiliam na percepção visual do espaço no ambien- que não estamos analisando o contexto social dos
te; eles foram sendo incorporados na representa- povos que produziram essas representações, mas
ção visual figurativa, sempre com a finalidade de estamos olhando para o signo em si (a imagem fi-
destacar os objetos do plano para representar seu gurativa) e sua evolução.
volume. Nós procuramos “imitar” a representação
do nosso mapa mental de modo a criar substitutos
representativos coerentes na percepção mediada.
Para melhor situar a hipótese de que a re- Figura 4 – Creta. Palácio Cnosso - Afresco. As Damas Azuis.
1600 aC
presentação figurativa tornou-se mais complexa
ao longo do tempo, incorporando os aspectos de Nas imagens das figuras 2, 3 e 4 o indutor
nossa percepção direta na percepção mediada, em questão é a oclusão. A Figura 2 ������������
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uma repre-
apresentamos um breve recorte na história da re- sentação dos Bisões na gruta de Lascaux; nessa
presentação visual humana. É importante lembrar imagem, datada de 30.000 aC, percebemos que
que não estamos afirmando que os mecanismos há uma organização espacial que acrescenta uma
psicológicos e fisiológicos da imagem representa- informação de profundidade por meio da oclusão,
da são capazes de nos fazer confundir a percep- onde uma representação do animal está na frente
ção mediada com a percepção direta do mundo, da outra.
mas acreditamos que esses recursos possibilitaram Figura 2 - Lascaux. Bisões Paleolítico 30.000 aC Como podemos notar na Figura 3, pro-
à representação figurativa uma maior coerência veniente da arte egípcia de mais de 25 mil anos,

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posterior à arte pré-histórica, o mecanismo de in- presentação tridimensional em que o objeto se si-
dução de profundidade continuou sendo a oclu- tua num sistema de três eixos coordenados sem
são, ou seja, a orientação de profundidade ainda ponto de fuga. É importante lembrar que na medi-
era dada por sobreposições. Mas do ponto de vista da em que vão surgindo novos indutores de pro-
simbólico, a arte produzida no Egito era altamente fundidade na representação figurativa, na maioria
elaborada; fazia parte deste simbolismo o tama- das vezes, esses não vão substituindo os anterio-
nho das figuras humanas representadas, que não res, mas vão acumulando-se uns sobre os outros,
tinha a ver com o tamanho das pessoas, mas sim ou seja, vão tornando mais complexo o sistema de
com a sua importância social. representação da imagem.
Na Figura 4 temos um exemplo do Palácio
Cnosso, 1600 aC, da civilização minoica; eles apri-
moram a representação da figura humana, que era
geralmente mostrada em meio a festas ou rituais,
mas a orientação de profundidade na tela utilizava
o mesmo mecanismo de sobreposição das repre-
sentações anteriores; a oclusão. Onde a figura e o Figura 6 – Aachen. Período Carolíngeo.
Iluminuras. Os quatro Evangelistas
fundo eram separados pela cor. 780 – 900 dC

Figura 8 – Giotto. Apresentação de


Cristo no Templo. 1310 dC

Figura 7 - China. Zhang Zeduan. Ao Longo do Rio (excerto)


Sec.1100 - 1200 dC

Na Figura 5 (afresco da Vila dos Mistérios,


séc. I aC) observam-se pessoas em escala natural
em um panorama arquitetônico que se assemelha
a um cenário de teatro. Nessa representação for-
temente figurativa surge um novo indutor de pro-
fundidade de campo, a luz e a sombra, que atua
Figura 5 –Pompéia. Roma Antiga - Vila dos Misterios - separando a figura humana do fundo, deixando-a
figuras 1,50m - Sec. I aC com um aspecto volumétrico forte.
A Figura 6 e a Figura 7 são exemplos de
perspectiva isométrica��������������������������
, que é um processo de re- Figura 9 -Renascimento Leonardo Da Vince

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A virgem dos rochedos. 1483.

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No Renascimento a representação figura- “inventamos”, leis que não são nossas, mas
tiva avança consideravelmente, atingindo uma im- que viemos a aprender usando, entre outras
pressionante coerência com a percepção direta. coisas, esse olho (Vieira, 1994, p.121).
Essa grande revolução foi provocada na imagem
graças à descoberta da representação do espaço Por isso, podemos afirmar que a descober-
através da perspectiva artificialis, que é uma técni- ta da perspectiva, feita no Renascimento, pode ser
ca de representar objetos tridimensionais em uma classificada como uma Dilatação do Umwelt Hu-
superfície bidimensional. mano, baseada que estava nos mecanismos psico-
Nosso posicionamento em relação à pers- fisiológicos do espaço na espécie humana. Dito
pectiva artificial vem ao encontro do ponto de vis- isto, podemos considerar o salto que o Renasci-
ta psicofisiológico; acreditamos que esse tipo de mento resultou para a representação figurativa;
representação mantém coerência com o sistema nota-se na Figura 8, que a imagem se tornou mais
perceptivo humano e, portanto, apesar de não ser coerente com o modo como visualizamos o espa- Figura 11 – Fotografia. Louis Daguerre
exatamente como enxergamos o mundo através ço. Nessa obra, testemunha das mudanças figura- Boulevard du Temple 1838
da binocularidade, a perspectiva artificial parte tivas provocadas pela retomada da antiguidade o
de aspectos da própria visão monocular para se clássica, os indutores de percepção que existem Na Figura 10, um exemplo de imagem do
chegar a uma codificação. Sabemos que uma ima- na imagem são: oclusão, sombras, tamanho da Barroco, a luz é trabalhada com mais sofisticação
gem produzida dentro de uma câmera escura já imagem, perspectiva artificial e gradiente de tex- de modo que a luz ambiente é bastante direciona-
contém automaticamente, em si mesma, a pers- turas. Na Figura 9 também temos uma imagem do da, promovendo fortes indicadores volumétricos
pectiva, obtida por ação das leis físicas da óptica. período da Renascença, mas nela, além dos outros através das sombras, presentes anteriormente mas
Mas não é o olho uma câmara escura com lentes, indutores já citados, surge também a perspectiva aprimoradas neste período.
desenvolvida ao longo do processo evolutivo dos aérea que, como já falamos, é esse “enevoar” da Com a fotografia, os indutores de percep-
animais? Vemos aqui a exemplificação do concei- imagem que aumenta na medida em que as figu- ção de profundidade continuam os mesmos isso
to de Plano da Natureza de Jakob von Uexküll: ras se apresentam mais distantes. se deve também ao fato de que tanto a pintura
renascentista quanto a fotografia foram influen-
ciadas pelo mesmo principio técnico, a câmara
Bem, então os cientistas observam o mun-
do, aprendem física, constroem enunciados
escura, que por sua vez tem um funcionamento
de leis, por exemplo da óptica (leis sígnicas, semelhante ao olho humano. Por exemplo, o ori-
afinal) e com elas constroem lentes, câmeras fício por onde passa a luz, na câmera fotográfica
fotográficas, telescópios, microscópios... e conhecido como diafragma, no olho é a íris, já o
quando o anatomista ou oftalmologista disse- suporte onde a imagem é formada no dispositivo
ca um olho, encontra lá uma lente, tão lente fotográfico é o filme ou o CCD ou CMOS na ima-
quanto as que produzimos com as nossas leis gem digital; e no sistema biológico a imagem é
artificiais... o “plano” de Uexküll, da nature- formada na retina onde se encontram as células
za, é mapeado no sucesso de nossa Física. (...) fotoreceptoras que decodificam a imagem envian-
Um olho não é só um transdutor de signos, ou do esse sinal ao cérebro. A Figura 11 nos mostra
um eficiente produtor de signos: é uma inter-
que a grande mudança na evolução da represen-
face real entre o real e o signo, regido em sua
evolução por leis compatíveis com as leis que
tação figurativa ocorrida com a fotografia não é
Figura 10 – Barroco. Caravaggio
A ceia em Emaus. 1601. a utlização de indutores de percepção visual do

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espaço, mas sim a relação física entre o suporte de objetivas mais luminosas. Portanto, para atingir
de gravação e o objeto fotografado; a fotografia a quantia de luz adequada à película era preciso
possibilitou a fixação da luz automaticamente em trabalhar com uma grande abertura do diafragma
um suporte sensível. que consequentemente provocava a diminuição
Do ponto de vista da semiótica, a repre- da profundidade de campo. Durante o período do
sentação deixa de ser indicial degenerada e passa fim do cinema mudo e do início do cinema falado
a ser genuína. Para Peirce os índices genuínos são a profundidade de campo praticamente desapa-
aqueles que estabelecem uma conexão física com receu.
o objeto, já os degenerados, do ponto de vista da No entanto, com o melhoramento das
representação visual, são aquelas imagens que películas, a profundidade voltou ao cinema du-
buscam registrar com fidelidade o objeto referen- rante a década de 1950. No filme Cidadão Kane,
ciado, como é o caso dos desenhos e pinturas, que de Orson Welles, de 1941, (DVD - Citizen Kane,
estabelecem apenas uma relação de semelhança Figura 13 - Cinema. Orson Welles.
Orson Welles, Warner Home Video, EUA, 2011,
com seu objeto. O efeito da indicialidade que sur- Cidadão Kane 194110 95 min, p&b), são utilizadas distâncias focais cur-
giu na fotografia reside na ontologia da imagem. A tas, produzindo uma espacialidade profunda, que
relação com o objeto que representa é de ordem O surgimento do dispositivo cinemato- serve como um recurso para ampliar o espaço cê-
física, ou seja, há a ação da luz que automatica- gráfico incorporou o movimento à representação nico, fazendo um uso elaborado da profundidade
mente impressiona o material sensível. Assim, no figurativa, e com isso, incorporou também o in- de campo. Exemplo disso nesse filme é a famosa
âmbito da Semiótica Peirceana, podemos dizer dutor de paralaxe de movimento. Todavia antes cena em que o pai e a mãe assinam o contrato
que tal signo é um índice genuíno, ao contrário de tratar da questão do movimento e do indutor em primeiro plano, enquanto, ao fundo, através
das representações imagéticas apresentadas até de percepção de profundidade relacionada a ele, da janela se vê o jovem Kane a brincar na neve (fi-
então. é necessária uma pequena análise da presença gura 13). Ao se considerar outro filme de Welles, A
do indutor de perspectiva linear no cinema. A Marca da Maldade, de 1958, (DVD - Touch of Evil,
perspectiva é plenamente percebida na imagem Orson Welles, Universal, EUA, 2003), principal-
fotográfica ou cinematográfica se, e somente se, mente no elaborado plano sequência de abertura,
houver suficiente profundidade de campo, caso podemos observar como esse diretor associa o in-
contrário a perda de foco embaça a continuidade dutor paralaxe de movimento com a profundidade
das linhas da perspectiva. de campo como mais um recurso para se contar a
O plano representado pela figura 12 ilus- história; nesse caso uma representação do espaço
tra como a profundidade de campo vem sendo da fronteira entre o México e os Estados Unidos
utilizada desde as primeiras filmagens dos irmãos da América.
Lumière. Esse plano consiste na visão de uma câ- Todavia, para que se avance na compreen-
mera dentro de um barco e um grupo de remado- são do indutor denominado paralaxe de movimen-
res deslocando-se na direção de uma embarcação to é necessário estabelecer uma comparação entre
localizada no fundo do quadro. Todavia a evolu- o sistema perceptivo direto e o sistema tecnológi-
Figura 12 – Cinema. Irmãos Lumière co de exibição audiovisual. A principal caracterís-
1895-1896, Paris9 ção posterior do cinema complicaria a situação da
profundidade de campo, porque depois de 1925 tica dos sistemas audiovisuais é a integralização de
o cinema adotou as películas pancromáticas, que fragmentos de representações temporais (fotogra-
eram menos sensíveis a luz, obrigando a utilização mas, quadros, linhas) que ao serem apresentados

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em sequência temporal, recuperam a impressão precisa fazer é tomar nota das posições distin-
do contínuo temporal, tão cara a nossa forma de tas dos objetos entre «quadros» sucessivos e, a
entender os fenômenos temporais a nossa volta. partir deles, calcular a direção e velocidade do
Em recente artigo de divulgação científi- movimento (SACKS, 2008).
ca, Oliver Sacks (2004) discute a idéia de fluxo do
pensamento e questiona se a consciência é conti- Assim, parece que o movimento é perce-
nua, ou apenas parece ser, promovendo uma ilu- bido fragmentadamente e depois o reconstruímos
são de continuidade, análoga ao zootrópio11. de uma maneira semelhante a uma exibição ci-
Sacks compara a percepção e o fluxo de nematográfica, remontando os quadros distintos
consciência humana com a linguagem do sistema num fluxo aparentemente contínuo.
audiovisual; ele traz, por meio de relatos de al- A idéia de Uexküll, de Plano da Na- Figura 14 – Cinema. James Cameron. Avatar 2009 14
guns casos médicos, discussões que nos levam a tureza também parece caber nessa situação, pois
questionar se ao “construir” um sistema audiovi- existe uma complementaridade, entre o modo Em “Avatar” (2009) (figura 14), o diretor
sual não estamos apenas imitando o sistema de como temos acesso ao espaço e ao tempo em James Cameron constantemente utiliza a paralaxe
percepção direta, através do qual temos acesso ao nossa consciência, e ao modo como vemos e pro- de movimento associada à estereoscopia de modo
mundo. O médico relata o caso de uma paciente, gramamos as imagens em movimento no sistema a tornar a imagem S3D 15 mais imersiva. É como
Hester Y., que sofria de congelamento perceptivo, audiovisual; ele parece tão coerente pra nós, por- se o recurso tecnológico permitisse a um filme,
como se o seu fluxo de pensamento fosse inter- que foi criado ao molde de nossa consciência, tal enquanto signo, potencializar o seu interpretante,
rompido substancialmente, por exemplo, quando como uma extensão do nosso sistema perceptivo utilizando-se de outras informações espaciais que
a paciente ia encher a banheira para tomar banho, direto. Assim aquela mesma paralaxe de movi- podem ser exploradas no ecrã; a cinematografia
ela ligava a torneira, e então percebia a água a mento que funciona em nosso sistema perceptivo S3D introduz novos planos de profundidade no
uma determinada de altura, mas quando se dava direto, como um indutor de percepção de profun- jogo de cena. No filme estereoscópico, os demais
conta, ela���������������������������������������
já havia inundado tod�����������������
o o banheiro. Sa- didade, também vai funcionar no sistema audiovi- indutores psicofisiológicos de profundidade conti-
cks cita as pesquisas de Dale Purves12, na qual o sual (percepção mediada). nuam a funcionar como sinalizadores de profundi-
sistema visual processa informações em episódios A disparidade binocular 13, o último indutor dade, da mesma forma como o fazem na percep-
sequenciais, normalmente apreendidas como um de percepção a ser incluído na representação figu- ção direta com o objetivo de ressaltar os aspectos
fluxo perceptivo contínuo. rativa é responsável pela visualização das imagens da tridimensionalidade espacial na imagem.
tridimensionais. No cinema estereoscópico, a dis- Até o momento, o cinema S3D é a tecno-
De fato, sugerem Purves e seus colaboradores, paridade binocular é adicionada à paralaxe de logia mais avançada para representar naturalmen-
é possível que achemos o cinema convincente movimento que é adicionada à perspectiva arti- te o espaço e as qualidades estéticas dos objetos,
precisamente porque nós mesmos fragmenta- ficial, e a todos os outros indutores de profundi- ressaltando o volume 16. O que se deve perguntar
mos o tempo e a realidade de maneira seme- dade, permitindo uma visualização tridimensional é qual será o impacto disso nas formas de se nar-
lhante ao que faz a câmera cinematográfica, que se aproxima da visão binocular humana. Isso rar uma história ficcional ou de principalmente se
em quadros distintos, que então remontamos acontece porque para quem enxerga com os dois representar conceitos e fatos em documentários.
num fluxo aparentemente contínuo. Na visão olhos, as imagens de cada olho, que são formadas Acreditamos que resida aqui o grande impacto do
de Purves, é exatamente essa decomposição na retina, possuem uma pequena disparidade no filme estereoscópico: o conhecimento a respei-
daquilo que vemos em uma sucessão de mo- to de outros espaços, outros seres vivos e outras
sentido horizontal (estereopsis), é essa característi-
mentos que capacita o cérebro a detectar e culturas. Com maior coer~encia com a percep-
computar o movimento, pois tudo o que ele
ca fisiológica que nos permite a sensação de pro-
fundidade espacial mais intensa. ção direta, o documentário estará a permitir uma

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maior eficiência na disseminação de conhecimen- dade de aprofundar e ampliar o seu mundo. organização, programação, complementaridade,
tos. Cabe lembrar que mesmo em usos indevidos Só o reconhecimento de que tudo na Na- complexidade e criatividade, que a partitura dessa
desse tipo de imagem, também se observará o tureza é criado segundo o seu significado composição contém.
mesmo processo de coerência, seja em processos e que todos os mundos-próprios são inse-
ridos, como vozes, na partitura do mun-
de comunicação persuasiva, ou em imagens vio-
do, nos abre o caminho para a evasão
lentadoras da dignidade humana, os efeitos noci-
da estreiteza do nosso mundo-próprio.
vos são ainda imprevisíveis. Não é a dilatação do espaço do nosso mundo- Referências
-próprio em milhões de anos-luz que nos ele-
Considerações finais va acima de nós próprios, mas o reconhecer ANDERSON, Myrdene, et al. �������������������
A Semiotic perspec-
A nosso ver, a representação figurativa foi que, além do nosso mundo pessoal, também tive on the sciences: Steps toward a new paradigm.
se tornando mais complexa ao longo da história, os mundos-próprios dos nossos irmãos huma- Semiótica 52 - 1/2, 1984.
pelo simples fato de ir incorporando cada vez mais nos e irracionais estão contidos num plano
indutores de percepção de profundidade (oclu- que tudo abrange (Uexküll, s/ data, pag. 216). AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papi-
são, perspectiva artificial, paralaxe de movimen- rus, 1993
to, binocularidade) na representação figurativa; Assim, a mimetização da percepção hu-
o desenvolvimento das técnicas de desenho e de mana na imagem figurativa, por si só já representa GALIFRET, Y. La perception du relief et la projec-
pintura, do conhecimento tecnológico, da psico- uma Dilatação do Umwelt humano, todavia não tion cinématographique. In: Revue Internationale
fisiologia da visão e do aprimoramento dos meios nos leva muito além do que já somos, enfim. O de Filmologie. Tomo V: no. 18-19, 1954.
de produção automática de imagens; possibilitou que se configura como um ganho, é que passa-
que a imagem figurativa se tornasse mais coeren- mos a conhecer que nossa percepção direta do GIBSON, James J. The perception of the visual
te, simulando cada vez mais o modo pelo qual se espaço não passa de uma forma representacional, world. Cambridge: The Riverside Press, 1950.
dá a visualização do espaço pela espécie humana. eficiente para a permanência da espécie. Ora, seja
Assim aquelas imagens que no início da humani- a representação do espaço na percepção direta, LINPTON, Lenny. Foundations of the Stereo-
dade (40.000 anos atrás) existiam somente como ou a representação do espaço na percepção me- scopic Cinema, a study in depth. New York: Van
imagem mental, no seio do primitivo Umwelt hu- diada, pela imagem figurativa S3D, nos leva à ob- Nostrand Reinhold Co., 1982.
mano, exteriorizaram-se e chegaram a uma forma servação eficiente do espaço, independentemen-
representacional que imita a forma pela qual elas te de se dar diretamente ou através do substituto. MCLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunica-
ocorrem interiormente, uma dilatação do Umwelt. Portanto, além do significado próprio do fato em ção como extensões do homem. São Paulo: Cul-
Com o objetivo de procurar esclarecer o si, abre-se uma grande oportunidade de maior trix, 1969.
significado das transformações da imagem figurati- compartilhamento de consciência entre humanos,
va descritas neste artigo, cita-se Uexküll: nunca antes experimentada dessa forma, e com MENDIBURU, B. 3D Movie making, stereoscop-
o alcance que o cinema e televisão S3D estão a ic Digital Cinema from Script to Screeen. Nova
permitir. Esperamos que, além dos usos para con- York: Focal Press / Elsevier, 2009.
A nossa vantagem sobre os animais está em que
podemos ampliar os limites da natureza inata trole social que esses meios já realizam, seja efe-
do homem. É certo que não nos é possível criar tivamente aproveitado para o uso informacional, OKOSHI, T. Three-Dimensional Imaging Tech-
novos órgãos; podemos, no entanto, muni-los educacional, e que enfim, possibilite uma amplia- niques. Nova York: Academic Press, 1976.
de meios auxiliares. Criamos instrumentos de ção do conhecimento humano a respeito do pró-
percepção e trabalho que oferecem, àque- prio Plano da Natureza, com toda a sua ordem, SACKS, O. 2008. A torrente da consciência.
les de nós que saibam utilizá-los, a possibili- Caderno de Ciência da Folha de São Paulo (on

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line). Disponível em: http://www1.folha.uol.com. Notas: rado, e resulta de uma, como que selecção, por
br/fsp/ciencia/fe1502200401.htm. Acesso em 1 Possui Doutorado em Comunicação e Semiótica este realizada, dentre todos os elementos do am-
15/07/2011. pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo biente, em virtude de sua própria estrutura espe-
(1999); Mestrado em Cinema pela Escola de Co- cífica - o seu mundo-próprio”. Assim sendo, por
SANTAELLA, Lúcia e NÖTH, Winfried. Ima- municação e Artes da Universidade de São Paulo respeito à tradução portuguesa ora em pauta, op-
gem. Cognição, Semiótica, Mídia. São Paulo: (1990); e Graduação em Ciências Biológicas pelo tamos por denominar Umwelt como um conceito,
lluminuras, 2001. Instituto de Biociências da Universidade de São um termo, assim, no gênero masculino.
Paulo (1982). É diretor e produtor de documentá-
SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos: rios, e autor do livro “Documentário, Realidade e 4 As possíveis traduções do conceito de Umwelt a
Semiose e Autogeração. São Paulo: Editora Ática, Semiose: os sistemas audiovisuais como fontes de que temos acesso são as seguintes: universo sub-
1995. conhecimento” (AnnaBlume 2001)”. É Professor jetivo, mundo subjetivo, universo particular, mun-
do Programa de Mestrado em Estudos de Lingua- do-próprio. Mas, seja qual for a tradução, sempre
SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da Linguagem e gem, e do Curso de Graduação em Artes Visuais se refere à forma como o ambiente é percebido
Pensamento. São Paulo: Editora Iluminuras/FA- da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. por uma espécie animal, e não por apenas por um
PESP, 2005. Há dez anos desenvolve pesquisa sobre Tecnolo- indivíduo.
gia e Linguagem dos Filmes 3D Estereoscópicos.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Pau- Email: helio.ag.souza@ufms.br. 5 Na Teoria dos Signos de C. S. Peirce trata-se da
lo: Thomson, 2002. ação de qualquer tipo de signo, o fluxo das infor-
2 Graduado em Comunicação Social com habilita- mações sígnicas.
SOUZA, Hélio A G. Documentário, Realidade e ção em jornalismo, pela Universidade Federal de
Semiose, os sistemas audiovisuais como fontes Mato Grosso do Sul (2009). Mestre em Estudos de 6 Extensão no sentido dado por Marshall McLuhan
de conhecimento. São Paulo, AnnaBlume/FAPESP, Linguagens, na Área de Concentração de Linguís- em Os Meios de Comunicação como extensões do
2001. tica e Semiótica (2012). Trabalha como repórter homem. trd. Décio Pignatari. São Paulo, Cultrix,
fotográfico na empresa Diário Digital e é Professor 1969.
UEXKÜLL, Jakob von. Dos Animais e dos Ho- de Fotografia no Curso de Comunicação Visual do
mens. Tradução de Alberto Candeias e Anibal Centro de Educação Profissional Ezequiel Ferreira 7 Necessário é repetir que essas representações
Garcia Pereira. Lisboa: Livros do Brasil, s/ data. Lima/CEPEF em Campo Grande. Email: renanku- imagéticas são objetivamente uma exteriorização
bota@yahoo.com.br. das mesmas representações que estavam interna-
UEXKÜLL, Jakob von. Doutrina do Significado. In: lizadas nos processamentos mentais e cerebrais
Dos Animais e dos Homens. Tradução de Alberto 3 Na tradução do alemão para o português de humanos.
Candeias e Anibal Garcia Pereira. Lisboa: Livros Alberto Candeias e Anibal Garcia Pereira, do li-
do Brasil, s/ data. vro Streifzuge durch die umwelten von tieren 8 Índices, ícones e símbolos: na acepção de C. S.
und menschien, feita de acordo com a Rowolhts Peirce, são tipos de signos, classificados de acordo
UEXKÜLL, Thure von. Introduction: The sign theo- Deutsche Enzyklopadie, é apresentada a seguin- com a relação que estabelecem com o objeto que
ry of Jakob von Uexküll. In: Semiotica 89-4, 1992. te explicação: “o termo Umwelt corresponde em representam.
Português a ambiente, mundo ambiente ou, com
VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Semiótica, Siste- menos propriedade, meio ambiente. No sentido, 9 VHS -Lumière Brothers First Films, EUA-França,
mas e Sinais. Tese de Doutorado em Comunica- porém em que o autor o emprega, ele significa Kino International / Institut Lumière, 1996, 61
cão e Semiótica. São Paulo: PUC/SP, 1994. qualquer coisa que depende do ser vivo conside- min, p&b.

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10 DVD - Citizen Kane, Orson Welles, Warner
Bros, EUA, 2011, 119 min. p&b.

11 Zootrópio foi o primeiro aparelho a possibili-


tar a reprodução do movimento, figuras no lado
interior de um cilindro girante, olhadas através
de fendas na sua circunferência, aparecem como
uma única figura animada. Criado para servir de
brinquedo óptico, aproximadamente, em 1833,
por Willian James.

12 Artigos detalhados, a respeito dos experimen-


tos de Purves e colaboradores, podem ser encon-
trados em http://www.purveslab.net/publications/

13 A imagem estereoscópica contém uma repre-


sentação distinta para a visão de cada um dos
olhos; as diferenças entre uma imagem e outra é
denominada de paralaxe, que é a distância entre
pontos correspondentes no olho direito e esquer-
do na imagem projetada na tela.

15 Para se evitar confusões entre as técnicas este-


reoscópicas e as técnicas de animação por mode-
lagem computacional, que são normalmente de-
nominadas de 3D, observa-se o uso internacional
do termo S3D para os filmes estereoscópicos (do
inglês: Stereo 3D).

16 A holografia, apesar das promessas, ainda não


resolveu no âmbito de sua disseminação as ques-
tões como a transmissão das imagens em movi-
mento, bem como a representação cromática dos
objetos.

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