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RESUMO
A natureza foi alvo de profundas cogitações desde a antiguidade até aos nossos dias, no
entanto esse “objecto de estudo” variou significativamente. A complexidade e a abrangência
do conceito de natureza, tal como a sua dificuldade e ambiguidade, justificarão as mudanças
e oscilações marcantes ao longo do tempo. Na verdade, não existe um único conceito mas sim
vários conceitos de natureza.
Palavras-chave: natureza, natural, artificial, sobrenatural
«Nos tempos que se seguiram, os métodos da mecânica newtoniana foram aplicados com
sucesso a campos cada vez mais vastos da natureza. Tentou-se, por meio de experiências,
isolar determinadas partes do processo natural, observá-las objectivamente e compreender a
sua regularidade.» (HEISENBERG, 1981:8)
«Atravesó varios neveros sin miedo y sus ojos de artista comprobaron el potente azul del
cielo, comparándolo con el de las gencianas. Luego, en sus pinturas dejará de vez en cuando
que los Alpes figuraran como fondo (…) Se sabe que aquel genio admiró y sintió en su más
profundo ser la belleza clásica de las montañas. Él era precisamente la encarnación del
Renacimiento.»(FAUS, 2003: 47-48)
«Importa, então, compreender o percurso que vai da interioridade defendida por Agostinho à
ideia que «ser real quer dizer não estar dentro de mim» (Caeiro). Da interioridade absoluta
ou «realidade de dentro» (de origem divina) transita-se assim para a ideia que «antes de
sermos interior somos exterior/Por isso somos exterior essencialmente» (Caeiro).
(…) O que se dá na experiência sensível – do poeta ou do pintor –, é o entrelaçamento entre o
visível e o vidente.» (HELENO, 2002: 18)
«(…), não são apenas essas entidades reconhecidas pelas civilizações ocidentais como “vivas”,
não são apenas os outros animais e plantas que falam, como espíritos, aos sentidos de uma
cultura oral, mas são também o rio serpenteante onde esses animais bebem, as torrenciais
chuvas da monção e a pedra que encaixa perfeitamente na palma da mão. A montanha
também tem os seus pensamentos.» (ABRAM, 2007: 13)
«Quando enalteço o realismo não estou só a pensar no mundo dado aos sentidos, naquilo a
que chamamos mundo objectivo. Há uma dupla face da realidade: a natural e a sobrenatural.
Entre as duas, o mistério do verbo mediador. A mediação entre o mundo sensível e o mundo
inteligível, entre o natural e o divino, é que é propriamente a metáfora.» (TELMO, 2004: 87)
Pedro Cuiça
Notas
1. A distinção entre filosofia da natureza e ciência da natureza (na verdadeira acepção daquilo que se
considera como ciência moderna) verifica-se, a partir do século XVII, com a invenção do método
experimental.
2. A palavra “Homem” é utilizada para designar a espécie humana, incluindo portanto homens e
mulheres, sem quaisquer intenções de descriminação de género.
3. A palavra “alma” foi inicialmente empregue como sinónimo de “autómato”: a capacidade que a alma
possui de executar per si um conjunto de operações (respiração, alimentação, reprodução, etc.), de
trabalhar de forma regular como um “autómato vivo”. Com o mecanicismo, a partir do século XVII,
passou a estar separada da natureza e é nesse contexto que é referida por Emerson.
4. Situação partilhada, aliás, por outras “religiões do livro”: judaísmo, Islão e Fé Baha’i.
5. «Society speaks and all men listen, mountain speak and wise men listen.» (MUIR)
6. «Suspeito agora que, exactamente como uma manada de veados vive no temor mortal dos lobos, assim
vive uma montanha no temor mortal dos veados. E talvez com mais razão, pois que enquanto um veado
abatido pelos lobos pode ser substituído em dois ou três anos, uma cordilheira desarborizada por um
excesso de veados não consegue reconstituir-se em tantas outras décadas.» (LEOPOLD, 2008: 131)
7. Estamos cientes da existência de diferenças conceptuais entre “alma”, “mente” e“espírito” – diferenças
que por vezes não são tidas em conta (designadamente em determinadas traduções) dando origem a mal-
entendidos e confusões – mas não iremos desenvolver essa temática. Nesse contexto, vem também à
colação distinções, a ter em conta, entre “instinto”, “emoção” e “razão”.
8. Não deixa de ser interessante o facto de o filósofo e médico Francisco Sanches (1550-1622), apesar de
manifestar um posicionamento assumidamente racionalista, afirmar simultaneamente que não se pode
separar o Homem da Natureza. É de sua autoria a fórmula «Solam sequar rationem Naturem» (Vou
seguir a mera natureza com a razão) que «condensa todo o programa da racionalidade moderna»
(CARDOSO et al., 2015: 31).
9. Sendo certo que o latino homo (homem) se relaciona com humus (solo, terra), de onde deriva também
“humildade”, o Homem ao ignorar o facto de ser inseparável da terra, da natureza e dos seres vivos –
pervertendo o sentido original de cultura (cultura de integração harmoniosa no mundo e não de
desintegração violenta) –, o Homem, dizíamos, passa a re-colher(colere), não os frutos benéficos e
salutares do cultivo amoroso da terra e do espírito, mas os efeitos destrutivos da sua própria violência
(BORGES, 2014: 107). Será também oportuno salientar que a vida surgiu no mar-oceano (em meio
aquático) e que o corpo humano, sendo feito em parte de terra, é composto por cerca de 70 a 75% de
água.
10. «A origem da palavra cultura encontra-se na raiz indo-europeia kwel, que reencontramos no
sânscrito chakra, o qual designa uma roda ou disco, seja a roda da lei universal (dharma), a ronda das
existências condicionadas (samsāra) ou a dos centros de energia subtil no corpo humano. A cultura está
assim ligada à imagem dinâmica da roda, que no plano material foi uma descoberta maior da
humanidade e no plano simbólico figura a lei que rege todas as coisas, regulando a transformação dos
seres e da energia vital que os anima. A mesma raiz origina o grego kuklos, que designa toda a forma
redonda e de onde procedem o inglês wheel (roda) e o português ciclo. Em latim, é assim a raiz
originária do verbo colere, de onde procede directamente o latino cultura, no sentido literal de “mover-
se habilmente” no cultivo da terra e no sentido de cultivar o espírito (“cultura animi”, em Cícero),
cortejar alguém ou cultuar uma divindade. Daí a proximidade entre cultura, agricultura e culto. »
(BORGES, 2004: 105-106)
Referências bibliográficas
· ABRAM, David [1996]: A Magia do Sensível – Percepção e Linguagem num mundo mais do que
humano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, pp. 340.
· BALLU, Yves (1997): Les Alpinistes – Chronique raisonnée de leurs aventures remarquables dans
les Alpes; Grenoble: Editions Glénat, pp. 548.
· BRETON, David le (2000) : Passions du risque; Paris: Éditions Métailié, pp. 196.
· BOOKCHIN, Murray [1983]: Sociobiologia ou Ecologia Social?. Lisboa: Sementeira, 1989, pp. 56.
· BORGES, Anselmo (2014): Deus ainda tem futuro?. Lisboa: Gradiva, 334.
· BORGES, Paulo (2014): Quem é o meu próximo. Lisboa: Mahatma, pp. 258.
· CARDOSO, Adelino et al. (2015): Autómato vivo – A vida, um artefacto natural?. Lisboa: Edições
Húmus, pp. 80.
· EMERSON, Ralph Waldo [1836]: A Natureza. Cascais: Sinais de Fogo, 2001, pp. 104.
· EVOLA, Julius [1974]: Meditaciones de las Cumbres. Barcelona: Ediciones Nueva República, 2003,
pp. 143.
· FAUS, Agustín (2003): Historia del Alpinismo – Montañas y Hombres: Hasta los albores del siglo
XX; Cuarte: Barrabés Editorial, vol. I, pp. 304.
· FAUS, Agustín (2005): Historia del Alpinismo – Montañas y Hombres: De 1900 a 1960; Cuarte:
Barrabés Editorial, vol. II, pp. 352.
· HEINEMANN, Fritz et al. (1983): A Filosofia no Século XX. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
3ª ed., pp. 578.
· HEISENBERG, Werner [1955]: A Imagem da Natureza na Física Moderna. Lisboa: Livros do Brasil,
1981, pp. 240.
· HELENO, José Manuel (2002): A Experiência Sensível – Ensaio sobre a linguagem do sublime.
Lisboa: Fim de Século, pp. 142.
· JAMIESON, Dale et al.[2001]: Manual de Filosofia do Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 2005, pp.
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· LEOPOLD, Aldo [1939]: Pensar como uma Montanha. Águas Santas: Edições Sempre-em-Pé, 2008,
pp. 220.
·MACFARLANE, Robert (2004): Mountains of the Mind – A History of a Fascination; London: Granta
Books, pp. 308.
·MOSCOSO, David (2003): La Montaña y el Hombre; Cuarte: Barrabés Editorial, pp. 296.
· TELMO, António (2014): Gramática Secreta da Língua Portuguesa precedida de Arte Poética. Sintra:
Zéfiro, pp. 218.
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