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Capítulo 7

O manejo genético de espécies


ameaçadas em ambiente
natural
Termos
O manejo genético in situ de espécies ameaçadas abrange a Análise de sensibilidade,
recuperação de populações pequenas e endogâmicas, o manejo de clones, corredor, introgressão,
populações fragmentadas, o impedimento da deterioração genética metapopulação, reprodução
devido à hibridação com espécies relacionadas e a minimização suplementar, suporte reprodutivo,
dos impactos deletérios causados pela retirada de indivíduos da translocação
natureza através da exploração humana. Dentro deste contexto,
as análises de viabilidade populacional podem cumprir o papel de
quantificar os níveis de ameaça e de avaliar comparativamente as
diferentes alternativas de manejo.

O pica-pau em perigo Picoides


borealis, do sudoeste dos EUA
126 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

A relevância da genética para o manejo de


populações ameaçadas
A aplicação da genética em práticas de manejo de espécies ameaçadas
O manejo genético in situ de
populações ameaçadas ainda é em ambientes naturais ainda tem sido bastante limitada, o que ocorre
bastante incipiente especialmente devido à falta de reconhecimento da sua importância.
Já nos referimos anteriormente a alguns dos poucos exemplos existen-
tes, os quais serão apresentados aqui em maiores detalhes.
Com base no que já foi discutido, podemos considerar, em síntese,
que as principais contribuições da genética para a biologia da conser-
vação são:
• a resolução de incertezas taxonômicas para que os responsáveis pelo
manejo possam estar confiantes sobre o status das populações que
se pretende conservar e sobre suas relações com outras populações
(Capítulo 6)
• o delineamento de unidades de manejo distintas dentro das espé-
cies como sendo entidades biologicamente significativas para a con-
servação (Capítulo 6)
• a detecção de declínios de diversidade genética. Os marcadores ge-
néticos mais sensíveis, particularmente os microssatélites, têm o
poder de detectar reduções de heterozigose e de diversidade alélica
em populações pequenas e fragmentadas
• o desenvolvimento de teorias que descrevem o passado e fazem pre-
dições sobre o futuro, em termos de mudanças da variação genética.
Todas estas teorias têm um elemento central em comum - a diversi-
dade genética é dependente do Ne
• o reconhecimento de que os tamanhos efetivos das populações são
comumente em torno de uma ordem de magnitude menor do que o
tamanho obtido através de censos populacionais
• o reconhecimento de que a perda da diversidade genética respon-
sável pela variação quantitativa envolvida no sucesso reprodutivo
reduz a capacidade das populações evoluírem em resposta às mu-
danças do ambiente
• a detecção da depressão causada pelo endocruzamento em espécies
ameaçadas nos habitats naturais
• o reconhecimento de que a depressão por endocruzamento é um
resultado esperado em quase todos os casos de endocruzamento
severo
• o reconhecimento de que a depressão por endocruzamento poten-
cial deve ser inferida através de sua correlação com a redução da
variação genética
• o reconhecimento de que o grau de fragmentação e as taxas de fluxo
gênico podem ser inferidos através da distribuição de marcadores
genéticos dentro e entre populações.
Várias destas aplicações podem ser ilustradas pelo exemplo da
puma da Flórida (Quadro 7.1).
Este capítulo segue aproximadamente a ordem das ações estabeleci-
das para o manejo genético de populações naturais, como apresentado
no fluxograma da Fig. 7.1. Como em qualquer ação conservacionista,
antes de construirmos um plano de manejo devemos conhecer o que
A RELEVÂNCIA DA GENÉTICA PARA O MANEJO DE POPULAÇÕES AMEAÇADAS 127

Quadro 7.1 Identificação de problemas genéticos na puma da Flórida e sua


redução através do manejo genético (Roelk et al. 1993; Barone et
al. 1994; Land & Lacy 2000)

A puma da Flórida é uma espécie ameaçada restrita a uma pequena população de


aproximadamente 60-70 indivíduos no sul da Flórida, especialmente no Big Cypress
e nos ecossistemas adjacentes ao Parque Nacional Everglades. Antes da colonização
européia eram distribuídas por toda a região sudeste dos EUA, e outras subespécies
podiam ser encontradas ao longo da América do Norte e América do Sul. Desde
1973 as principais causas de mortalidade têm sido atropelamentos em estradas,
a caça ilegal, além de diversos outros tipos de injúrias. Uma análise de viabilidade
populacional realizada em 1989 (ver Capítulo 5) estimou que esta população
apresentava uma alta probabilidade de extinção num curto espaço de tempo, a
menos que ações mitigadoras fossem realizadas. Uma avaliação mais recente foi
menos pessimista.
Análises de alozimas, morfologia e DNAmt indicaram que uma parte da
população havia recebido previamente uma introdução de alelos (introgressão) de
uma subespécie de puma da América do Sul. Posteriormente, registros revelaram
que animais da América do Sul haviam sido soltos na população por um criador
privado entre 1956 e 1966. Os animais híbridos estão localizados em áreas afastadas
dos animais mais autênticos.
A população autêntica apresenta níveis de diversidade genética muito inferiores
em relação aos híbridos, outras populações de pumas e felinos em geral.

Subespécie % de heterozigose em % heterozigose em


alozimas (amplitude) fingerprint de DNA
Florida (autêntica) 1,8 10,4
Florida (introgredida) 1,8 29,7
Pumas do oeste dos EUA 4,3 (2,0-6,7) 46,9
Outros felinos 3,0-8,0 -
Gato doméstico - 44,0

As pumas da Flórida autênticas também apresentam evidências de depressão por


endocruzamento, incluindo anormalidades morfológicas (pêlos eriçados e cauda
torcida), problemas cardíacos e o sêmen de pior qualidade entre todos os felinos.
Todos os machos ‘puros’ têm pelo menos um testículo retido na cavidade abdominal
(criptorquidismo). As pumas da Flórida também são altamente vulneráveis a
doenças infecciosas.

Normal Cauda enrolada, acrossomo anormal


128 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

Como a puma da Flórida pode ser recuperada? Dado que se trata de uma
população extremamente pequena, a prioridade é aumentar seu tamanho através
da proteção e melhoria de habitats adicionais e da redução das ameaças existentes.
A construção de corredores sob as estradas reduz significativamente as mortes
causadas por atropelamentos. Uma vez que estas pumas apresentam tanto os
sinais genéticos quanto os sinais físicos da depressão por endocruzamento, ficou
claro que suas performances melhoraram onde houve a imigração de indivíduos de
outras populações. Considerando que não existem outras populações na Flórida, as
únicas fontes de indivíduos são de outras subespécies. A subespécie mais próxima é
a do Texas, a qual foi contígua com a população da Flórida e provavelmente tinham
um histórico de fluxo gênico antes do declínio.
Após estudos extensivos foi tomada a decisão de se introduzir seis a oito
fêmeas do Texas. A ocorrência de depressão por exocruzamento era improvável,
uma vez que não havia evidências sobre este tipo de problema tanto nos animais
híbridos da Flórida quanto em pumas híbridos de cativeiro. Embora o ideal teria
sido a realização de análises genéticas para a comparação das duas subespécies
anteriormente à tomada desta decisão, análises posteriores revelaram que todas as
populações de pumas da América do Norte são muito similares.
Oito indivíduos do Texas foram, portanto, introduzidos. Uma progênie de
trinta e dois sobreviventes exocruzados é conhecida (até junho de 2001), incluindo
alguns indivíduos de segunda geração e proles de híbridos retrocruzados. Os
híbridos F1 não apresentam caudas torcidas e nem pêlos eriçados, e parecem ser
mais robustos do que as pumas da Flórida autênticas.

estamos conservando. Durante todo este capítulo assumiremos que as


incertezas taxonômicas tenham sido resolvidas e que todas as unida-
des de manejo tenham sido identificadas (Capítulo 6), e trataremos do
manejo genético dentro destas unidades.

O aumento do tamanho da população


Um dos principais objetivos do Um dos principais objetivos do manejo de espécies ameaçadas é rever-
manejo de populações selvagens ter o declínio populacional, o que reduz simultaneamente a maioria
é aumentar o tamanho das dos efeitos estocásticos ameaçadores (demográficos, ambientais, catas-
populações pequenas tróficos e genéticos). Quando populações grandes passam por declínios
recentes de Ne ≥ 50 e se expandem rapidamente, os impactos genéticos
são mínimos. Apesar do gargalo, reduções de curto prazo desta magni-
tude oferecem poucas oportunidades para que a variação seja perdida
por deriva genética (Capítulo 4).
O primeiro passo do processo de aumento populacional é identi-
ficar e remover as causas do declínio. Esta é a área de atuação dos bi-
ólogos e ecólogos de campo. As medidas a serem tomadas incluem o
controle legal da caça e da exploração, a criação de reservas, a redução
dos poluentes, a melhoria da qualidade dos habitats e a erradicação
dos predadores e competidores exóticos. Estas ações geralmente bene-
ficiam muitas espécies nativas que habitam a região manejada. Dessa
maneira, as espécies ameaçadas atuam como ‘bandeiras’ para proteger
toda a comunidade.
Tais procedimentos têm resultado em sucesso para diversas espé-
Rinoceronte-indiano cies. Por exemplo, os rinocerontes indianos aumentaram de 27 para
aproximadamente 600 indivíduos no Parque Nacional Chitwan, no
O AUMENTO DO TAMANHO DA POPULAÇÃO 129

Não
O status UBYÂOPNJDPF
ESU são conhecidos?

t"O°MJTFTDSPNPTTÂNJDBF
Sim moleculares para resolver
a taxonomia - comparar
com espécies relacionadas
Cruzar com plantas de outras Sim
A espécie é uma t%FUFSNJOBSBFTUSVUVSBEF
populações, se houver redução
planta autofertilizável? populações
do valor adaptativo

Não
Se a assexuada: Não
conserve clones A espécie é um diplóide
Se autofertilizada: ou poliplóide exogâmico?
conserve populações
Sim

Não A população é pequena


Monitorar
ou sofreu gargalo no A espécie é cultivada?
tamanho e Ne
passado ou é fragmentada?

Sim Sim

t.FEJSEJWFSTJEBEFHFO·UJDB
Avaliar risco de comparar com outras Um dos Ocorre
extinção (PVA) populações ou táxons seleção para
sexos é
t1SFEJ[FSQFSEBEB tamanho,
diversidade genética selecionado? adornos, etc?
t"VNFOUBSGMVYPH¹OJDPTF
fragmentada Sim Sim
Há alto risco?
Ne é Se mudou o
Sim A população mostra baixa Sim reduzido? fenótipo,
preserve uma
diversidade genética ou é proporção da
Aumentar tamanho, Não predita ser altamente população
reduzir ameaças, endogâmica? fora do
monitorar N, Ne cultivo

Sim
Se possível, realize
Monitorar a população cruzamentos exogâmicos,
Não Sim aumente o tamanho da
para depressão Há evidência de depressão
população e reduza
endogâmica, Ne, endogâmica?
estresses e ameaças
aumentar N

Nepal, após a caça ter sido banida e a reserva de caça real ter sido trans- Fig. 7.1 Fluxograma das questões
formada em Parque Nacional. Da mesma maneira, o elefante marinho consideradas no manejo genético
do norte expandiu sua população de 20-30 indivíduos para mais de de espécies ameaçadas na natureza.
150000 após a eliminação da caça e a criação de proteção legal. As po-
pulações do falcão-de-Maurício, da águia careca e do falcão peregrino
se recuperaram após o controle do uso do DDT e a realização de progra-
mas de reprodução assistida.
Após a implementação de medidas de proteção, que incluem o
uso de amas-secas e translocações, Petroica traversi, um passeriforme
das ilhas Chatham, Nova Zelândia, aumentou sua populaçao de cinco
para mais de 140 indivíduos. A população de uma outra ave, Gallirallus
sylvestris, da ilha Lord Howe, Austrália, que chegou a apenas 20-30 indi-
víduos, se recuperou após a erradicação de sua ameaça principal, que
130 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

eram os porcos, e a criação de um programa de reprodução em cativeiro


e soltura de curto prazo, tendo atingido em torno de 200 espécimes. No
caso das plantas, muitas espécies têm se recuperado após a implemen-
tação de medidas como a proteção legal, a minimização da exploração,
a criação de reservas e a remoção de herbívoros exóticos. Nos casos em
que os números são extremamente baixos, formas de conservação ex
situ têm sido utilizadas para posterior reintrodução (Capítulo 8).
Ao mesmo tempo em que as informações genéticas devem ajudar
a alertar os biólogos da conservação para a extensão das ameaças, as
ações de manejo acima citadas envolvem pouco, ou até mesmo nada,
de genética. No entanto, a recuperação do tamanho em populações
altamente endocruzadas pode ser melhorada substancialmente após a
introdução de variação genética adicional (veja abaixo).

O diagnóstico de problemas genéticos


A maior contribuição do Antes de se aplicar o manejo genético numa população natural é ne-
manejo genético para as cessário diagnosticar suas condições (Capítulos 2 e 4). Cinco questões
populações selvagens tem sido o devem ser respondidas:
diagnóstico do status genético
1. Qual o tamanho da população (Ne)?
2. Ela passou por gargalos significativos no passado?
3. Ela perdeu diversidade genética?
4. Ela está sofrendo depressão por endocruzamento?
5. Ela é geneticamente fragmentada?

Estas questões têm sido respondidas para muitas espécies ameaçadas,


como os gueopardos, o marsupial Lasiorhinus krefftii, o pica-pau Picoides
borealis e o pinheiro de Wollemi. Nos casos em que não há medidas di-
retas de diversidade genética ou de endocruzamento, pode-se utilizar
a teoria para estimá-las, como mostrado no Exemplo 7.1.
Até o momento, a realização de tais diagnósticos tem sido a prin-
cipal contribuição da genética para a conservação das populações

Exemplo 7.1 Estimativa da perda de diversidade genética e endocruzamento


devido ao tamanho reduzido das populações

Logo após 1900 a população de pumas da Flórida declinou para apenas


30-50 animais. Assumindo-se um Ne/N de 0,10, um intervalo entre gera-
ções de 7 anos e N = 50 de 1920 a 1990, seríamos capazes de pressupor
que as pumas da Flórida apresentavam baixa diversidade genética e fo-
ram altamente endocruzadas em 1990?
Partindo-se da equação 4.2, a proporção da heterozigose original res-
tante numa população é:
t 10
Ht ⎛ 1 ⎞ ⎛ 1 ⎞
= 1– = ⎜1 – ⎟ = 0,910 = 0,35
H 0 ⎜⎝ 2 N e ⎟⎠ ⎝ 2 × 5 ⎠

dado que Ne = 50/10 = 5 e 70 anos = 10 gerações.


A RECUPERAÇÃO DE POPULAÇÕES PEQUENAS, ENDOCRUZADAS E COM BAIXA DIVERSIDADE GENÉTICA 131

Baseando-se apenas na teoria, seríamos capazes de estimar que apro-


ximadamente 65% de sua heterozigose teria sido perdida, um valor pró-
ximo da perda observada estimada a partir da comparação das pumas da
Flórida com os pumas do oeste dos EUA (Quadro 7.1). A partir da equação
4.4 espera-se um coeficiente de endocruzamento de 0,65, nível este em
que efeitos deletérios seriam certamente esperados.

selvagens. Entretanto, o uso destas informações no planejamento de


ações de conservação ainda é incipiente. Abaixo são consideradas as
ações de manejo que deveriam ser tomadas para reduzir os problemas
genéticos.

A recuperação de populações pequenas,


endocruzadas e com baixa diversidade genética
Uma estratégia de manejo efetiva para a recuperação de populações
Populações pequenas e
pequenas, endocruzadas e com baixa diversidade genética é a introdu- endocruzadas podem ser
ção de indivíduos de outras populações, o que permite melhorar a efi- recuperadas através da
ciência reprodutiva e restaurar a diversidade genética. Existem muitas introdução de indivíduos não
evidências experimentais de que este procedimento pode resultar em relacionados
sucesso. Como exemplo, uma pequena população isolada da serpente
Vipera berus, na Suécia, e uma pequena população da ave Tympanuchus
cupido, do estado de Illinois, apresentaram aumento das taxas reprodu-
tivas e dos tamanhos populacionais após a introdução de imigrantes
(Fig. 7.2).
Apesar dos evidentes benefícios deste procedimento, existem pou-
cos exemplos de sua utilização (veja abaixo).
Vipera berus
Fonte de imigrantes não aparentados para a recuperação genética
Os indivíduos escolhidos para serem introduzidos em populações en-
Indivíduos de populações
docruzadas para recuperação da capacidade reprodutiva e da diversi- geneticamente distantes, ou de
dade genética devem ser: outros táxons que resultem em
• não endocruzados (se disponíveis), ou cruzamentos férteis, podem
• endocruzados, mas geneticamente diferenciados em relação à po- ser utilizados para aumentar
pulação na qual estejam sendo introduzidos. o tamanho de pequenas
populações endocruzadas
Um exemplo da situação acima é evidenciado pelos wallabies australia-
nos (Capítulo 5). A espécie Petrogale lateralis apresenta várias populações
endocruzadas em ilhas, que poderiam ser combinadas para aumentar
a diversidade genética e a capacidade reprodutiva da espécie. O mate-
rial genético combinado das populações de todas as ilhas deve conter a
maior parte dos alelos de microssatélites encontrados nas populações
do continente. No futuro, possivelmente será necessário o uso de indi-
víduos resultantes de cruzamentos entre as populações das ilhas para
reintrodução em localidades do continente, desde que as raposas, sua
principal ameaça, sejam eliminadas.
Quando não há disponibilidade de indivíduos não aparentados do
mesmo táxon, indivíduos de outras subespécies podem ser utilizados Tympanuchus cupido
132 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

(a) Vipera berus (b) Tympanuchus cupido

Proporção de ovos eclodidos


Translocação 1992
40 1 200

Número de machos
Adultos
150
Introdução de
Número

novos machos ovos eclodidos


20 0,5 100
Recrutamento
Machos
50

0 0 0
81 85 89 93 97 63 73 93 93
Ano Ano

Fig. 7.2 Recuperação do sucesso reprodutivo devido à introdução de imigrantes em


populações pequenas e parcialmente endocruzadas de (a) Vipera berus, na Suécia (Madsen
et al. 1999), e (b) Tympanuchus cupido, em Illinois – as translocações tiveram início em
1992 (Westemeier et al. 1998).

para reduzir os efeitos negativos do endocruzamento, como realiza-


do, por exemplo, na puma da Flórida (Quadro 7.1) e na coruja Ninox
novaeseelandiae undulata (Capítulo 6).
Se uma espécie ameaçada persiste na forma de uma única popula-
ção, a única fonte possível de material genético adicional é de espécies
com as quais possam se cruzar com sucesso. Uma clorose de origem
chinesa reduziu severamente os castanheiros norte-americanos. Con-
siderando que a espécie chinesa de castanheiro é resistente à clorose,
ela tem sido cruzada com a espécie americana para introduzir alelos
de resistência.
A opção de cruzar uma espécie ameaçada com uma espécie relacio-
nada requer extremo cuidado. Deve ser avaliada com base em dados
experimentais, para que haja certeza de que os híbridos da F1 e das ge-
rações subseqüentes sejam férteis e viáveis. Ao mesmo tempo em que
existe uma ampla gama de potenciais benefícios, existem também sé-
rios riscos de depressão por exocruzamento. Em alguns casos, mesmo
que um determinado nível de depressão por exocruzamento ocorra, a
depressão por endocruzamento será amplamente reduzida e a seleção
natural irá eventualmente remover a maior parte, ou toda a depressão
causada pelo exocruzamento. Dado que a magnitude da diferenciação
genética varia consideravelmente entre as espécies, dentro de alguns
táxons os cruzamentos entre espécies podem ser equivalentes aos cru-
zamentos entre subespécies de outros táxons (Tabela 6.1).
Para as espécies que são
constituídas por uma única
população endocruzada, as Manejo de espécies restritas a uma única população e de diversidade
únicas opções de manejo genética baixa
são melhorar seus habitats e Sob a perspectiva genética, a pior situação é a existência de uma es-
minimizar os riscos associados pécie ameaçada representada por uma única população, sendo esta
com as mudanças ambientais endocruzada e sem subespécies ou espécies relacionadas disponíveis
(especialmente doenças) e para adicionar variação. Nestes casos, as informações sobre a perda de
com os pequenos tamanhos diversidade genética servem apenas como indicadores da fragilidade
populacionais
da espécie. Quanto menor a diversidade genética, menor o potencial
MANEJO GENÉTICO DE POPULAÇÕES FRAGMENTADAS 133

evolutivo, menor o valor adaptativo, e maiores as probabilidades de


que a espécie tenha um comprometimento de sua capacidade de resis-
tir às mudanças do ambiente. Para espécies frágeis, os procedimentos
de manejo devem ser instituídos para:
• aumentar o tamanho populacional (veja acima)
• estabelecer populações em várias localidades (para minimizar os
riscos de catástrofes)
• maximizar as taxas reprodutivas melhorando os habitats
• considerar a implementação de programas de reprodução em cati-
veiro e outros procedimentos de conservação ex situ
• isolá-las das mudanças ambientais.
O regime acima deve incluir quarentena contra doenças introduzidas,
o controle de pestes, predadores e competidores e a realização de mo-
nitoramento, de maneira que ações de proteção possam ser iniciadas
tão logo surjam novas ameaças. Por exemplo, o recentemente desco-
berto e ameaçado pinheiro de Wollemi, da Austrália, não apresenta
diversidade genética alguma, tanto dentro quanto entre as populações
(Capítulo 1). A recuperação desta espécie de planta requer (a) restrição
do acesso às populações mantendo-se suas localizações em segredo, (b)
permissão de acesso apenas a pessoas com autorização, (c) implemen-
tação de um protocolo de higiene restritivo para se evitar a introdução
de doenças, (d) manejo do fogo e (e) a manutenção de amostras ex situ
de cada planta em jardins botânicos. Além disso, a propagação da es-
pécie para fins comerciais está aumentando o tamanho populacional,
reduzindo os riscos de efeitos estocásticos.
O furão-de-pés-negros apresenta uma baixa diversidade genética,
mas é um caso menos extremo. Seu plano de recuperação requer a
criação de uma população de cativeiro que possa fornecer indivíduos
para o restabelecimento de 10 populações na natureza, em diferentes
localidades, para minimizar os riscos de doenças e de outras catástro-
fes ambientais.

Manejo genético de populações fragmentadas


Muitas espécies ameaçadas têm seus habitats fragmentados, como As conseqüências genéticas
ilustrado pelo panda gigante (Fig. 7.3). As opções de manejo para maxi- da fragmentação populacional
mizar a diversidade genética e minimizar o endocruzamento e o risco podem ser aliviadas com o
de extinção destas populações são restabelecimento dos níveis
• aumentar a área e a qualidade do habitat históricos de fluxo gênico entre
• aumentar artificialmente os níveis e as taxas de fluxo gênico atra- os fragmentos, com a melhora da
vés da translocação de indivíduos, de maneira a se atingir os níveis qualidade dos habitats e com o
restabelecimento de populações
históricos
em áreas onde a espécie tenha se
• criar corredores de habitats, e tornado extinta
• restabelecer populações em habitats adequados onde a espécie te-
nha se tornado extinta O fluxo gênico deve ser
Para se reduzir ou evitar as conseqüências genéticas deletérias da restabelecido para reduzir os
fragmentação, o fluxo gênico deve ser restabelecido movendo-se indi- riscos de extinção em fragmentos
geneticamente isolados
víduos (translocação) ou gametas, ou ainda, estabelecendo-se porções
134 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

Xi’an
Montanhas
Qinling

Montanhas
Minshan

Habitat do panda
Montanhas
Qionglai
Chengdu

Montanhas China Beijing


Xiangling
Xi’an
Chengdu
Panda
tze
ng
o Ya
Ri
Montanhas
Liangshan

Fig. 7.3 Fragmentação dos habitats do panda gigante na China (Lu et al. 2001).

de habitats que possam servir como corredores de migração entre os


fragmentos. Os benefícios da imigração têm sido observados em mui-
tos casos. Na pequena planta Scabiosa columbaria indivíduos resultan-
tes de cruzamentos entre diferentes populações apresentaram valor
adaptativo 2,5 vezes maior do que aqueles resultantes de cruzamentos
realizados dentro de uma única população. De maneira similar, proje-
ções computacionais indicaram que a imigração irá reduzir os riscos
de extinção de duas pequenas populações de rinocerontes negros do
leste da África (Quadro 7.2).
A translocação de indivíduos entre populações pode ser financei-
ramente custosa, especialmente para grandes animais. Existem tam-
bém os riscos de injúrias, como a transmissão de doenças e problemas
comportamentais advindos da soltura. Por exemplo, leões machos
matam os filhotes, assim como machos sexualmente maduros de mui-
tas espécies matam os intrusos. No entanto, os custos da translocação
podem ser reduzidos pela inseminação artificial, em espécies para as
quais esta tecnologia tem sido aperfeiçoada (veja abaixo). Os mesmos
cuidados que se deve adotar para evitar a depressão por exocruzamen-
to, discutidos previamente, devem ser exercitados para se planejar as
translocações.
Corredores entre fragmentos de habitats (freqüentemente reco-
mendados por razões não genéticas) podem restabelecer o fluxo gêni-
co entre populações isoladas. As espécies variam em suas necessidades
MANEJO GENÉTICO DE POPULAÇÕES FRAGMENTADAS 135

Quadro 7.2 Modelagem dos efeitos da depressão por endocruzamento e da


imigração na sobrevivência de populações de rinocerontes negros
no Quênia (Dobson et al. 1992)

As populações de rinocerontes-negros são ameaçadas ao longo de toda a


área de distribuição da espécie, principalmente devido à caça. No leste da África
nenhuma população apresentava mais do que 60 animais no início dos anos 90, e a
situação se encontra provavelmente pior atualmente. A distribuição é fragmentada
e não há fluxo gênico entre a maioria, senão todos, os fragmentos.
Dobson e seus colaboradores investigaram os fatores demográficos e genéticos
que provavelmente estariam contribuindo com os riscos de extinção, além de
aspectos que deveriam ser considerados no manejo. Simulações computacionais Rinoceronte-negro
estocásticas (PVA) foram utilizadas para projetar a história de cada indivíduo,
desde seu nascimento até sua morte, incluindo sua contribuição como reprodutor
(Capítulo 5). Para a construção dos arquivos de entrada foram utilizados dados de
populações encontradas em santuários de vida selvagem, contendo a identidade e a
filiação de cada indivíduo e taxas de sobrevivência e reprodução específicas de cada
idade e sexo, além das taxas de imigração de diferentes classes etárias e sexos.
As populações de Lewa Downs e do Parque Nacional de Nakuru, no Quênia,
foram modeladas para 200 anos, considerando-se (a) ausência de imigração
e depressão por endocruzamento (apenas as estocasticidades ambientais e
demográficas), (b) depressão por endocruzamento, mas ausência de imigração e
(c) depressão por endocruzamento e imigração de um indivíduo a cada 10 anos
durante os 50 primeiros anos. O valor utilizado para representar os efeitos do
endocruzamento na sobrevivência foi uma aproximação obtida da média dos
valores apresentados por várias populações de mamíferos mantidos em cativeiro.
Os números iniciais de indivíduos das duas populações foram baseados em seus
tamanhos reais, sendo 10 fêmeas e 3 machos em Lewa Downs e 7 fêmeas e 11
machos no Parque Nacional Nakuru.
Probabilidade de persistência

0,1

0,6
Lewa Downs N = 13
K = 20

0,2
0 50 100 150 200
Probabilidade de persistência

0,1

Nakuru N = 18
K = 71
0,6
sem depressão endogâmica
com depressão endogâmica
com depressão endogâmica + imigrantes
0,2
0 50 100 150 200

Anos
136 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

No caso (a) os parâmetros estocásticos levaram a um risco de extinção de mais


de 50% após 200 anos na menor população, Lewa Downs, mas menos de 10% na
população maior (Nakuru). Considerando-se a depressão por endocruzamento
(caso b), as probabilidades de extinção aumentaram para 76 e 22%, respectivamente.
Considerando-se a depressão por endocruzamento e a imigração, os riscos de
extinção foram reduzidos para aproximadamente 40 e 5%, respectivamente (caso
c). Conseqüentemente, pressupõe-se que a imigração reduza os riscos de extinção
dessas populações fragmentadas de rinocerontes. Migrações adicionais após os 50
primeiros anos resultam em reduções adicionais nos riscos de extinção.

para que um corredor seja um caminho de migração efetivo. A propos-


ta mais ambiciosa deste tipo é o ‘The Wildlands Project’ – cujo objetivo
é estabelecer corredores do norte ao sul da América do Norte. Estes
corredores ligariam as reservas existentes, e tanto as reservas quan-
to os corredores, seriam protegidos por zonas tampão compostas por
habitats adequados para os animais e plantas. Devido aos desafios
sociais, políticos e financeiros, o intervalo de tempo para se atingir
este objetivo seria de centenas de anos. No entanto, este sistema será
essencial se pretendemos conservar a biodiversidade em longo prazo.
Com as mudanças climáticas globais, plantas e animais precisarão
mudar suas distribuições para acompanhar os movimentos das zonas
climáticas. Na situação atual, tais movimentos seriam freqüentemen-
te impedidos por habitats antrópicos que se encontram entre as áreas
protegidas.
O manejo genético de Apesar de serem freqüentes os casos de fragmentação de populações
populações fragmentadas de espécies ameaçadas, ainda existem poucos casos de uso da imigra-
é o grande desafio ainda ção como uma medida prática para se reduzir o endocruzamento e a
não atingido na genética da perda de diversidade genética em populações selvagens de animais e
conservação plantas. Indivíduos têm sido introduzidos em pequenas populações do
pica-pau em perigo Picoides borealis, dado que simulações computacio-
nais haviam previsto que seriam extintos se o número de indivíduos
não fosse aumentado. Outros casos de aplicação desta estratégia em
animais são a puma da Flórida (Quadro 7.1) e o mico-leão-dourado
(Quadro 8.3).
Dois exemplos da botânica envolvem plantas auto-incompatíveis,
nas quais a perda de alelos dos locos que determinam a auto-incompa-
tibilidade tem reduzido a taxa reprodutiva devido à escassez de pólen
compatível (Capítulo 5). A população ameaçada de Hymenoxys acaulis,
de Illinois, estava incapacitada de se reproduzir porque continha pou-
cos alelos de auto-incompatibilidade (S). Por isto, foram cruzadas com
plantas do estado de Ohio. Além disso, sementes das populações de
Ohio e Ontário foram introduzidas para aumentar a diversidade de
alelos S e recuperar a capacidade reprodutiva da população.
O excesso de consumo por ovelhas reduziu a população de Argyroxi-
phium sandwicense para apenas 50 plantas adultas. Posteriormente, 450
indivíduos foram cultivados e introduzidos na natureza para aumen-
tar as populações. Entretanto, análises genéticas revelaram que todos
os indivíduos introduzidos foram obtidos a partir da progênie de ape-
Argyroxiphium sandwicense nas duas plantas fêmeas. Por isto, apresentavam diversidade genética
MANEJO GENÉTICO DE POPULAÇÕES FRAGMENTADAS 137

menor do que a população original selvagem. Como se trata de uma


espécie auto-incompatível, os indivíduos plantados produziram ape-
nas 20% da quantidade normal de sementes. Para contornar este pro-
blema, os indivíduos plantados têm sido polinizados com pólen de
indivíduos não aparentados da população natural, o que aumentou
a produção de sementes para 60%, possivelmente porque este pólen
carrega diferentes alelos S.

Manejo do fluxo gênico


O manejo do fluxo gênico requer que as seguintes questões sejam Muitas variáveis devem
consideradas: ser consideradas ao se
• quais indivíduos translocar? manejar o fluxo gênico. Isto
• quantos? requer um monitoramento
• com que freqüência? genético contínuo, projeções
• de onde para onde? computacionais para otimizar as
• quando a translocação deve começar? estratégias de manejo e manejo
adaptativo
• quando deve ser cessada?
Com tantas variáveis, projeções computacionais do tipo apresentado
no Quadro 7.2 serão freqüentemente necessárias para se otimizar o
manejo. O objetivo é identificar um regime que mantenha populações
geneticamente viáveis e seja adequado às outras necessidades de ma-
nejo, além de ser economicamente compatível. As análises genéticas
devem ser incluídas nos programas de monitoramento para garantir a
manutenção da capacidade adaptativa.

O restabelecimento de populações extintas


Para se maximizar o tamanho populacional e minimizar os riscos de Para manter o tamanho da
extinção, as populações que se tornaram extintas devem ser restabele- população o maior possível,
cidas a partir das populações remanescentes, isto, é claro, se os habi- as populações extintas devem
tats ainda puderem suportá-las. ser restabelecidas através
Quais populações devem ser utilizadas para restabelecer as popu- da translocação de outras
lações extintas? Para minimizar o endocruzamento e maximizar a populações
diversidade genética, a população re-fundada deve ser uma amostra
da maioria ou de todas as populações existentes. Um caso de má esco-
lha de populações é apresentado para o coala no sudoeste da Austrália
(Quadro 7.3). Populações de ilhas com baixa variabilidade genética fo-
ram utilizadas para reintrodução, dado que havia um grande número
de indivíduos disponíveis nestes locais. Os aspectos genéticos foram
ignorados, o que resultou em efeitos deletérios.
Quando existem evidências de diferenciação genética adaptativa
entre as populações existentes (por exemplo, em muitas espécies de
plantas), os indivíduos translocados devem vir das populações mais
prováveis de serem as melhores adaptadas ao habitat em questão.
Freqüentemente, esta será a população sobrevivente mais próxima
geograficamente.
O restabelecimento deve ser feito utilizando-se a população mais
diversificada geneticamente e com o maior sucesso reprodutivo no
tipo de ambiente em que será realizada a soltura. Alternativamente,
uma amostragem de todas as populações pode ser utilizada quando
todas elas têm o mesmo nível de adaptação ao ambiente de soltura.
138 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

Quadro 7.3 Reintrodução de coalas no sudoeste da Austrália: um programa


mal projetado com impactos genéticos adversos (Houlden et al.
1996; Sherwin et al. 2000; Seymour et al. 2001)

O coala é um marsupial singular, endêmico do oeste da Austrália. Além de ser


um ícone cultural, presta um importante papel nos lucros obtidos com o turismo.
Originalmente era encontrado de Queensland a Victoria e no sul da Austrália, mas
seus números têm sido reduzidos devido à caça, à perda de habitats e doenças. Nos
anos 30, os coalas já habitavam menos de 50% de sua distribuição original, tendo
desaparecido no sul da Austrália e estava quase extinto em Victoria. No entanto,
eles ainda eram considerados comuns em Queensland, onde eles se recuperaram
Coala sem assistência em larga escala. O comércio de peles deixou de existir nesta época
e os coalas se tornaram protegidos por lei em todos os estados. Desde então,
muitos esforços têm sido feitos para a conservação desta espécie.
Muitas translocações de animais ocorreram na região sudeste. Uma população foi
fundada a partir de dois ou três indivíduos em French Island (FI), Victoria, no final do
século 19. Na ausência de predadores, essa população rapidamente atingiu a capacidade
suporte. Indivíduos excedentes de French Island foram utilizados para fundar uma
outra população em Kangaroo Island (KI) (18 adultos fundadores, mais alguns jovens)
em 1923-25, e para suplementar uma população fundada em Phillip Island (PI) por
volta de 1870. As populações de Phillip e French Island foram amplamente utilizadas
para suplementar as populações continentais de Victoria, e a população de Kangaroo
Island foi utilizada para reforçar as populações continentais do sul da Austrália.
A população continental re-estocada do sul da Austrália sofreu, portanto, três
gargalos, Victoria continental → French Island → Kangaroo Island → sul da Austrália
continental. Desde 1923, 10000 animais foram translocados para 70 localidades.
O reforço de populações utilizando-se indivíduos de populações que passaram
por gargalos resultou em perda de diversidade genética e endocruzamento. As
populações de Victoria e do sul da Austrália apresentam em torno da metade
da diversidade genética das populações menos perturbadas localizadas mais ao
norte. A população de Kangaroo Island apresenta a menor diversidade genética de

Queensland

Sul da
Austrália
New South
Wales

KI Victoria

PI FI
CONSIDERAÇÕES GENÉTICAS NO DESENHO DE RESERVAS 139

todas as populações amostradas. Todas as populações do sudoeste demonstram


freqüências similares de alelos de microssatélites, enquanto as populações localizadas
mais ao norte exibem considerável diferenciação genética interpopulacional. As
translocações também levaram a um aumento de freqüência de machos sem
testículos (aplasia testicular), o que é mais acentuado na população continental do
sul da Austrália, na qual o gargalo foi mais severo.
O que deveria ter sido feito para evitar estes problemas? A perda de diversidade
genética e a depressão por endocruzamento teriam sido evitadas se a população
de French Island tivesse sido fundada com um número maior de indivíduos, ou se a
diversidade genética tivesse sido aumentada para dar-lhe uma base melhor.
O que pode ser feito para reverter os problemas atuais? A estratégia mais
eficiente seria introduzir mais diversidade genética nas populações do sudoeste
(tanto nas ilhas quanto no continente) a partir de populações próximas que
apresentem alta diversidade genética.

Considerações genéticas no desenho de reservas


Muitas questões ecológicas, políticas e genéticas devem ser levadas em
As reservas precisam ser
consideração para o desenho de reservas naturais. Soulé & Simberloff
suficientemente grandes para
sugeriram que três passos devem ser seguidos: (a) identificar espécies suportar as espécies alvo, e
alvo, ou espécies-chave, cujas perdas reduziriam significativamente a conter os habitats aos quais as
biodiversidade na reserva, (b) determinar o tamanho mínimo popula- espécies estejam adaptadas. O
cional necessário para garantir uma alta probabilidade de sobrevivên- fluxo gênico, natural ou artificial,
cia destas espécies em longo prazo, e (c) utilizando-se as densidades deve ocorrer entre as reservas
populacionais conhecidas destas espécies, estimar a área necessária
para manter os números mínimos. Já as questões genéticas envolvidas
no desenho de reservas seriam:
• a reserva é grande o suficiente para suportar uma população gene-
ticamente viável?
• a espécie ocorre na área da futura reserva?
• deve haver uma grande reserva ou várias reservas menores?
A partir dos argumentos apresentados no Capítulo 5, seria necessária
uma reserva de tamanho suficiente para manter uma população efe-
tiva de pelo menos algumas centenas de indivíduos e uma população
real de vários milhares de indivíduos.
As espécies ameaçadas devem ser mantidas em uma única grande
reserva ou em várias reservas menores? Geralmente, uma única grande
reserva é mais desejável sob o ponto de vista genético, principalmente
se existe o risco de as populações se tornarem extintas nas reservas
pequenas. Por outro lado, a proteção contra catástrofes requer mais
de uma reserva. A situação mais segura é manter mais de uma reserva
de tamanhos consideráveis, garantindo-se que haja fluxo gênico entre
elas de maneira natural ou artificial. Na prática, a escolha tem sido um
processo fortuito, determinado muito mais pelas políticas locais, pelos
usos alternativos do solo e pela necessidade de reservas para propósi-
tos de usos múltiplos (por exemplo, recreação), do que por princípios
biológicos.
140 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

Introgressão e hibridação
Introgressão é o fluxo de alelos de uma espécie ou subespécie para outra.
Algumas espécies são
ameaçadas devido ao Tipicamente, as hibridações ocorrem quando o homem introduz espé-
cruzamento com espécies cies exóticas nas áreas de ocorrência de espécies raras aparentadas, ou
relacionadas mais abundantes. altera o habitat, de maneira que espécies previamente isoladas são postas
Análises genéticas podem em contato secundário. A introgressão é uma ameaça à integridade ge-
ser utilizadas para detectar nética de vários canídeos, patos, peixes, plantas, e outros organismos.
a introgressão e indivíduos A introgressão pode ser detectada utilizando-se uma ampla varie-
híbridos dade de marcadores genéticos, incluindo alozimas, microssatélites,
fingerprints de DNA e, quando apropriado, cromossomos. Análises de
alozimas em leões asiáticos de cativeiro detectaram alelos de leões
africanos. As ameaçadas pumas da Flórida consistem de duas popu-
lações, uma das quais apresenta introgressão de uma subespécie de
puma sul-americana (Quadro 7.1). Fêmeas do criticamente em perigo
lobo da Etiópia têm se hibridado com cães domésticos, em níveis que
variam nas diferentes populações (Exemplo 3.1).
Uma forma particularmente deletéria de hibridação é aquela que
ocorre entre populações diplóides e tetraplóides, resultando em tri-
plóides estéreis. Um exemplo deste tipo de hibridação ocorre na planta
em perigo Rutidosis leptorrhynchoides, da Austrália.
Controle da introgressão
A árvore Cercocarpus traskiae (Quadro 7.4) é um exemplo de manejo de
uma espécie sujeita à hibridação. Neste caso, a informação genética
foi fundamental para se descobrir o problema da hibridação e para a
Rutidosis leptorrhynchoides
identificação dos indivíduos híbridos, mas teve um papel limitado no
processo de recuperação.
Algumas opções para solucionar o problema da introgressão in-
A introgressão pode ser
cluem a eliminação da espécie introduzida, ou a translocação de in-
reduzida através da remoção
da espécie que potencialmente divíduos puros para regiões isoladas ou para o cativeiro. O sucesso é
se hibridiza, da eliminação difícil de ser atingido. Por exemplo, não seria nada prático remover
dos indivíduos híbridos ou todos os cães domésticos do habitat do lobo da Etiópia.
da expansão do número de
indivíduos puros
Quadro 7.4 Cercocarpus traskiae: identificação de híbridos com uma
espécie aparentada e implementação de um plano de
recuperação (Rieseberg & Swensen 1996)
Cercocarpus traskiae é uma pequena árvore em perigo quase inteiramente restrita a
uma única encosta da Ilha Santa Catalina, na Califórnia. A espécie é extremamente
rara, tendo declinado de 40 para 11 plantas em 1996. Este declínio ocorreu como
conseqüência da introdução de cabras no local. Um inventário botânico realizado
na ilha no final dos anos 70 identificou vários indivíduos que lembravam uma outra
espécie, C. betuloides, ou indivíduos com características intermediárias entre as duas
espécies. Estudos genéticos utilizando alozimas e RAPDs identificaram seis das 11
árvores adultas como sendo C. traskiae puras e as outra cinco como sendo híbridas
com C. betuloides.
O manejo de C. traskiae teve início colocando-se cercas ao redor das C.
traskiae verdadeiras, o que resultou na produção de aproximadamente 70 mudas,
sendo a maioria alozimicamente puras. Várias amostras das plantas puras têm
sido propagadas e 16 indivíduos foram plantados na ilha. O maior problema que
permanece é a presença de cabras, porcos e os bisões e veados recentemente
Cercocarpus traskiae introduzidos, que comem as plantas e arrancam suas raízes.
OS IMPACTOS DA EXPLORAÇÃO 141

Os impactos da exploração
Muitas espécies de animais e plantas selvagens são coletadas ou caça-
A exploração pode alterar a
das, por exemplo, peixes, árvores, cervos e elefantes. Estas práticas re- razão sexual, o Ne, o sistema
duzem os tamanhos efetivos e a diversidade genética das populações, reprodutivo, o intervalo entre as
trazendo conseqüências deletérias. Para os elefantes asiáticos, por gerações, o fluxo gênico e pode
exemplo, a caça tem impactado a razão sexual, a taxa reprodutiva e o resultar em endocruzamento
tamanho efetivo populacional (Quadro 7.5). Além disso, estima-se que e em perda de diversidade
a caça irá reduzir drasticamente a diversidade genética dos alces e dos genética
veados de cauda branca.

Quadro 7.5 Os impactos da caça na razão sexual, no tamanho efetivo


populacional, no sucesso reprodutivo e na viabilidade populacional
dos elefantes asiáticos (Sukumar et al. 1998)

A caça pelo marfim tem causado um impacto devastador na razão sexual,


dado que apenas os elefantes asiáticos machos apresentam presas. Nos últimos
20 anos, a caça no sul da Índia dizimou a população de machos, de maneira
que na reserva Periyar existem apenas seis machos adultos para 605 fêmeas.
Da equação 4.7, Ne = 24. Além disso, com um número tão pequeno de machos,
as taxas reprodutivas das fêmeas também declinaram. As fêmeas que não se Elefante asiático
reproduzem durante a juventude permanecem estéreis pelo resto da vida. A
caça não afeta apenas a razão sexual e o tamanho efetivo, mas também reduz o
sucesso reprodutivo.

A caça seletiva deve favorecer fenótipos particulares dentro das po- A exploração seletiva imposta
pulações. Por exemplo, grandes peixes, elefantes com as maiores presas pelo homem pode alterar
e os veados com grandes galhadas são preferencialmente capturados. a composição genética e os
Isto deve resultar em pressões de seleção que mudam os fenótipos das fenótipos das populações
espécies, conflitando com as forças da seleção natural e reduzindo o
valor adaptativo da população. Por exemplo, a caça pelo marfim está
aumentando a freqüência de elefantes machos sem presas em várias
populações da África e da Ásia. Estes machos sem presas têm menor
capacidade de obter pares para o acasalamento e são menos capazes
de enfrentar predadores.
A solução óbvia para este problema é reduzir a seletividade da
Os impactos da exploração
caça, mas isto é difícil de ser conseguido na prática. A caça aos elefan- seletiva podem ser aliviados pela
tes é uma atividade ilegal e, por isto, não sujeita a regulamentação. mudança dos regimes de coleta
Apesar de muitos acordos internacionais, a pesca também é difícil ou eliminando-se as coletas em
de regulamentar, o que pode ser atestado pelo colapso de muitos re- parte das populações
cursos pesqueiros. Como as espécies comerciais ocorrem freqüente-
mente em grandes quantidades, embora muitas estejam se tornando
escassas, uma opção é preservar uma proporção da população. Dessa
maneira, estoques completamente selvagens são mantidos para re-
povoar as áreas de coleta, minimizando os impactos genéticos da
pesca.
Os impactos genéticos e evolutivos da caça seletiva têm recebido
muito pouca atenção no manejo de espécies ameaçadas.
142 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

Manejo genético de espécies sem reprodução


biparental
Muitas espécies de plantas e alguns animais não apresentam reprodu-
As espécies que não
ção biparental. Portanto, requerem estratégias de manejo modificadas.
apresentam reprodução
biparental requerem um manejo Isto inclui:
genético modificado, dado que • espécies que se reproduzem assexuadamente
diferem na distribuição e nas • espécies autógamas
taxas de perda de diversidade • espécies poliplóides (muitas espécies de plantas e algumas poucas
genética e em suas respostas ao espécies de animais)
endocruzamento Abaixo consideramos suas características e as modificações que acarre-
tam no manejo genético.

Espécies assexuadas
Muitas espécies de plantas são capazes de reprodução vegetativa, atra-
Em espécies assexuadas, muitos vés de brotos, bulbos, rizomas, etc. Espécies com reprodução exclusiva-
indivíduos devem apresentar mente assexuada em geral ocorrem na forma de um ou poucos tipos de
genótipos idênticos, de maneira
clones. Os clones são essencialmente idênticos, embora possa ocorrer
que é necessário um grande
cuidado para se amostrar toda a diversidade genética entre os diferentes tipos. Por exemplo, o arbusto
diversidade de clones existentes triplóide australiano em perigo Lomatia tasmanica existe na forma de
dentro delas um único clone, e a planta em perigo Limonium dufourii, da Espanha,
consiste de vários tipos de clones triplóides.
Numa espécie totalmente clonal o endocruzamento não é uma pre-
ocupação. No entanto, espécies que existem na forma de um único
clone essencialmente não apresentam variação para se adaptarem às
mudanças do ambiente. Elas são similares a populações endocruzadas
de espécies sexuadas. Esta fragilidade requer um tipo de manejo pare-
cido com o utilizado no pinheiro de Wollemi (veja acima).
Em espécies que realizam tanto a reprodução sexuada quanto a
assexuada, o número de indivíduos geneticamente distintos deve ser
muito menor do que o número de indivíduos de uma amostra. Por
exemplo, 53 indivíduos do arbusto australiano em perigo Haloragoden-
dron lucasii consistiram de apenas sete tipos de clones, uma diversidade
genética bastante reduzida se comparada a uma espécie equivalente
de reprodução sexuada.
A manutenção da diversidade genética em espécies de reprodução
assexuada requer que a estrutura das populações seja considerada na
conservação in situ, no restabelecimento de populações extintas e na
obtenção de amostras para conservação ex situ. A maior prioridade é
identificar e manter o maior número possível de clones distintos.
Espécies autógamas geralmente
apresentam menos heterozigose
dentro das populações e
Espécies autógamas
maior diferenciação entre as Aproximadamente 20% das espécies de plantas fazem autofecundação
populações, se comparadas com freqüência, como a espécie em perigo Stephanomeria malheurensis,
com as espécies de reprodução e 40% das espécies fazem autofecundação ocasionalmente, como Bank-
biparental. Conseqüentemente, sia brownii.
é necessário um esforço muito Espécies predominantemente autógamas são geralmente menos
maior para se preservar a heterozigotas do que espécies com fecundação biparental, com maior
diversidade interpopulacional proporção da diversidade genética distribuída entre populações, do
dessas espécies
que dentro delas. As populações comumente contêm alelos únicos.
A AVALIAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE RECUPERAÇÃO 143

Conseqüentemente, alelos têm maiores probabilidades de serem eli-


minados pela perda de populações locais em espécies autógamas do
que em espécies biparentais. O endocruzamento não é um problema
tão grave para as espécies autógamas, dado que geralmente sofrem me-
nos depressão por endocruzamento.
No entanto, muitas populações autofecundantes fazem fecunda-
ção biparental periodicamente, e a oportunidade de fazê-la deve ser
preservada em espécies ameaçadas.
A redução do fluxo gênico devido à fragmentação das populações é
menos importante em espécies naturalmente endocruzadas, dado que
muitas vezes elas já são altamente fragmentadas. Para se preservar a
diversidade genética dentro das populações e a heterozigose nos in- Banksia brownii
divíduos, pequenas populações fragmentadas devem ser aumentadas
com indivíduos de outros fragmentos.

Espécies poliplóides
O manejo genético de espécies poliplóides de fecundação biparental (a
maioria das angiospermas e pteridófitas) segue os mesmos princípios
As recomendações para o
das espécies diplóides com sistema reprodutivo similar. No entanto, os manejo genético de espécies
problemas genéticos são geralmente menos sérios do que nos equiva- poliplóides são similares a
lentes diplóides. Por exemplo, uma população de tetraplóides contém aquelas feitas para espécies
duas vezes mais cópias de cada alelo do que uma população diplóide diplóides, embora pequenos
de mesmo tamanho efetivo. Portanto, os poliplóides provavelmente tamanhos populacionais e
sofram menos depressão por endocruzamento e menos perda de di- o endocruzamento sejam
versidade genética em pequenas populações do que os diplóides. Con- preocupações menores
seqüentemente, os poliplóides devem tolerar tamanhos populacionais
menores do que os diplóides. Entretanto, os tamanhos necessários para
se evitar as estocasticidades demográficas e ambientais, bem como as
catástrofes, são similares (veja Capítulo 5).

A avaliação das estratégias de recuperação


Muitos procedimentos têm sido recomendados para a recuperação de
populações ameaçadas, incluindo as restrições legais à exploração, a
As análises de viabilidade
remoção de predadores, a melhora e preservação dos habitats, a repro- populacional são amplamente
dução em cativeiro, etc. Análises de Viabilidade Populacional (PVA) são utilizadas como uma ferramenta
freqüentemente utilizadas para se avaliar e comparar estas opções (Ca- de manejo que permite
pítulo 5). Em geral, inicia-se com análises de sensibilidade, seguidas de comparar opções para se
PVAs detalhadas que comparam as várias opções específicas de manejo. recuperar espécies

Análises de sensibilidade
As análises de sensibilidade constituem uma importante ferramenta
para se avaliar programas de recuperação de espécies ameaçadas. Es- As análises de sensibilidade
tas análises envolvem variações progressivas nos valores médios dos envolvem a determinação do
diferentes parâmetros utilizados nas PVAs, em ambas as direções, e a impacto relativo de diferentes
avaliação de seus efeitos no risco de extinção ou no tamanho das popu- parâmetros sobre os riscos de
lações. Dessa maneira, os parâmetros cujos valores mais influenciam extinção
no resultado podem ser identificados. Por exemplo, o resultado é mais
sensível a variações na sobrevivência dos juvenis, ou taxas reproduti-
vas dos adultos, ou níveis de predação, etc?
144 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

Opções alternativas de manejo podem, portanto, ser comparadas.


Por exemplo, a sobrevivência no primeiro ano de vida demonstrou ser
o parâmetro cuja variação mais causou impactos sobre o crescimento
populacional da ave Tympanuchus cupido. Conseqüentemente, o manejo
deve focar no aumento do sucesso dos ninhos e na sobrevivência das
ninhadas e dos jovens de até um ano de idade.
As análises de sensibilidade podem mudar nossa percepção sobre
a importância dos fatores de ameaça. Por exemplo, a predação dos fi-
lhotes por leões e hienas tem sido considerada a maior ameaça para
a viabilidade dos guepardos. Entretanto, análises de sensibilidade
revelaram que esta espécie é muito mais sensível a mudanças na so-
brevivência dos adultos do que de filhotes. Da mesma maneira, duran-
te muitos anos o manejo da tartaruga Caretta caretta focou a questão
aparentemente óbvia de que o aumento da sobrevivência dos recém
nascidos iria reverter o declínio populacional. Mas análises de sensibi-
lidade demonstraram que a redução da mortalidade dos adultos pelas
redes de pesca de camarão era a maneira mais eficiente de se prevenir
o declínio.

Estudos de caso
Gallirallus sylvestris
A população de Gallirallus sylvestris declinou para 20-30 indivíduos nos
anos 70 devido à exploração pelo homem no passado e, principalmen-
te, devido a predação e destruição do habitat por porcos introduzidos.
A recuperação desta ave procedeu-se com o extermínio dos porcos e
com um programa de reprodução em cativeiro e reintrodução, no
qual 86 indivíduos nascidos em cativeiro foram soltos num período
de quatro anos. Uma análise retrospectiva do programa de recupera-
Gallirallus sylvestris
ção confirmou que os procedimentos de manejo implementados eram
realmente necessários. A probabilidade de extinção para 100 anos era
de 100% se nenhuma ação fosse adotada, 40% se apenas os porcos tives-
sem sido controlados e 2% para a combinação de controle dos porcos e
reprodução em cativeiro. Embora apenas o controle dos porcos já teria
removido a principal causa de ameaça, isto por si só não garantiria que
a população atingisse números suficientes para evitar a extinção por
fatores estocásticos.
Atualmente, G. sylvestris tem uma população relativamente estável
de aproximadamente 200 indivíduos na ilha, e seu status foi mudado
de em perigo para vulnerável. Enquanto o lado ecológico desse pro-
grama é considerado um modelo, o manejo genético ficou longe de
ser satisfatório. Considerando que apenas três casais contribuíram
para o programa de reprodução em cativeiro, a população total será
muito mais endocruzada do que antes do programa. Além disso, é
provável que a variação genética seja perdida devido à contribuição
desigual desses casais. Portanto, seria desejável que a base genética
do programa de reprodução em cativeiro tivesse sido aumentada
pela adição de mais indivíduos férteis, uma vez que se sabia que se
reproduziam com sucesso no cativeiro. Infelizmente, análises da
variabilidade genética da população não têm sido realizadas e ne-
nhuma ação corretiva foi planejada. Além disso, o monitoramento
rotineiro cessou.
REPRODUÇÃO SUPLEMENTAR E TECNOLOGIAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA 145

Uma PVA prospectiva concluiu que a população é altamente sen-


sível a pequenas mudanças nas taxas de mortalidade e fecundidade
(por exemplo, devido à depressão por endocruzamento) e catástrofes
causadas por espécies exóticas ou doenças. O estabelecimento de uma
segunda população numa outra ilha foi recomendado para minimizar
estes riscos, mas este procedimento não foi implementado.

O salmão Oncorhynchus tshawytscha


Em Oregon, EUA, o salmão Oncorhynchus tshawytscha tem declinado dra-
maticamente desde o início do século passado, primariamente devido
à degradação do seu habitat causada pelo acúmulo de matéria em sus-
pensão produzido pela construção de estradas e pelo desmatamento.
A cada ano, na primavera, menos de 300 indivíduos têm subido o rio
South Umpqua para desovar. Uma PVA dessa população estimou riscos
muito baixos de extinção em 100 e 200 anos, assumindo-se que o habi-
tat não se torne mais degradado. No entanto, esta conclusão foi alta-
mente sensível a incertezas dependentes da densidade populacional. O
risco de extinção estimado foi de 100% assumindo-se a continuação da
Oncorhynchus tshawytscha
degradação do ambiente em taxas similares às do passado.

Pedicularis furbishiae
Esta planta herbácea perene e em perigo já chegou a ser dada como ex-
tinta. Entretanto, aproximadamente 5000 indivíduos foram descober-
tos em 28 colônias ao longo de um trecho de 230 km de um único rio
localizado em Maine e New Brunswick, noroeste da América do Norte.
Esta espécie ocorre apenas nos barrancos do rio voltados para o norte,
num tipo de ambiente que sofre distúrbios periódicos. Trata-se de uma
hemiparasita de estágios iniciais de sucessão que não pode invadir os
barrancos dos rios degradados pelo menos nos três primeiros anos de
sucessão, e em fases mais tardias são eliminadas por competidoras
mais altas, o que leva a um ciclo regular de colonização e extinção (a
Pedicularis furbishiae
espécie existe como uma metapopulação). Uma PVA demonstrou que
as populações individuais tinham probabilidade de extinção de 87%
em 100 anos, de maneira que a sobrevivência da espécie é criticamen-
te dependente do balanço entre colonização e extinção. Como as ex-
tinções freqüentemente excedem as colonizações, a viabilidade desta
espécie em longo prazo é bastante tênue. Além disso, a capacidade da
população de se adaptar em longo prazo é questionável, dado que as
quatro populações da espécie não apresentaram diversidade genética
em 22 locos de alozimas.

Reprodução suplementar e tecnologias de


reprodução assistida
A reprodução em cativeiro é uma importante opção de conservação
para espécies com alto risco de extinção na natureza. No próximo ca-
pítulo trataremos do manejo genético de populações em cativeiro, ou
ex situ. Concluiremos este capítulo enfatizando brevemente três casos
que são intermediários entre manejo na natureza e em cativeiro.
146 O MANEJO GENÉTICO DE ESPÉCIES AMEAÇADAS EM AMBIENTE NATURAL

Reprodução suplementar
A reprodução suplementar
A reprodução suplementar é utilizada amplamente no manejo de pei-
envolve a captura de adultos xes para aumentar as populações selvagens. Isto difere da reprodução
da natureza, a reprodução em cativeiro tradicional porque adultos selvagens são trazidos para o
em condições controladas e a cativeiro, se reproduzem, e suas progênies são parcialmente criadas
soltura da prole na natureza antes de serem soltas. Não há populações de cativeiro permanentes.
O manejo destes programas tem dois objetivos freqüentemente confli-
tantes: a soltura de um grande número de juvenis e a manutenção da
diversidade genética das populações selvagens. Para espécies altamente
prolíferas, como muitos peixes, apenas um pequeno número de adul-
tos é necessário para produzir os juvenis para serem soltos, e a captura
deste pequeno número de adultos pode ser o desejado para espécies
ameaçadas. Entretanto, este procedimento deve reduzir a diversidade
genética e aumentar o endocruzamento à medida que as populações
selvagens passam a experimentar tamanho efetivo reduzido devido ao
tamanho desigual das famílias (Capítulo 4). Embora a genética tenha
inicialmente recebido pouca atenção nestes programas, nos últimos
passou a ser mais enfatizada.

Suporte reprodutivo
Algumas populações selvagens Algumas populações selvagens que não são autosustentáveis são man-
são regularmente aumentadas tidas pela soltura regular de populações de cativeiro (suporte repro-
com indivíduos de populações dutivo). O ganso Nene (ganso havaiano) tem sido sujeito a um longo
de cativeiro, mas isto pode ser programa de reintrodução, considerando que as populações selvagens
em longo prazo geneticamente não parecem ser autosustentáveis. Estoques de peixes de cativeiro são
prejudicial amplamente utilizados para aumentar as populações selvagens de
muitas espécies, especialmente aqueles que favorecem os pescadores.
Esses suportes reprodutivos geralmente apresentam impactos dele-
térios de longo prazo na composição genética e no sucesso reprodutivo
dos estoques selvagens, como: (a) redução do tamanho efetivo popula-
cional, (b) perda de diversidade genética, (c) depressão por endocruza-
mento e (d) redução do sucesso reprodutivo resultante de adaptações
genéticas ao cativeiro que são deletérias na natureza. Adaptação gené-
tica é um problema em peixes quando os habitats selvagens são repo-
voados utilizando-se populações que passaram por muitas gerações em
cativeiro, dado que eles geralmente têm menor capacidade reproduti-
va nos ambientes selvagens (ver Capítulo 8).

Tecnologias de reprodução assistida


Nene
As tecnologias de reprodução assistida, incluindo a inseminação artifi-
cial, bancos genéticos, coleta e criopreservação de gametas, fertilização
in vitro, transferência de embriões, transferência nuclear (clonagem)
A inseminação artificial, os
e os bancos de sementes e tecidos, estão avançando rapidamente. O
bancos genéticos de longo
prazo, a coleta de gametas, a objetivo em longo prazo é suplementar as populações selvagens com
criopreservação de gametas, indivíduos produzidos em cativeiro, ou mesmo ressuscitar espécies ex-
a fertilização in vitro e a tintas a partir de tecidos ou materiais genéticos preservados. Embora
transferência de embriões e muitas destas tecnologias ainda estejam em fase de desenvolvimento
de núcleos (clonagem), podem e não estejam disponíveis para muitas espécies selvagens, elas têm o
contribuir para a conservação potencial de contribuir significativamente com a conservação genéti-
de espécies ameaçadas
ca das seguintes maneiras:
REPRODUÇÃO SUPLEMENTAR E TECNOLOGIAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA 147

• a transferência de material genético entre populações altamente


fragmentadas pode ser facilitada pela criopreservação de sêmen de
machos de alguns fragmentos e a inseminação artificial de fêmeas
em outros
• bancos genéticos de espécies altamente ameaçadas podem preser-
var a diversidade genética em longo prazo sem a perda de alelos que
acompanha a reprodução normal ao longo de muitas gerações
• a contribuição genética de indivíduos mortos pode ser resgatada
pela coleta de seus gametas logo após a morte
• embriões de espécies em perigo podem ser implantados em espé-
cies relacionadas, aumentando as taxas reprodutivas das espécies
em perigo
• a transferência de núcleos e a clonagem pode facilitar o manejo ge-
nético quando os números de indivíduos limitam as oportunidades
reprodutivas
A aplicação das tecnologias reprodutivas no manejo genético de ani-
mais ameaçados tem focado as populações de cativeiro e têm sido
utilizadas em apenas algumas poucas espécies. Enquanto estes pro-
cedimentos têm considerável potencial de aplicação em espécies de
animais ‘carismáticos’ em perigo, para os quais a consciência pública
daria suporte às despesas envolvidas, não é provável que sejam ampla-
mente aplicáveis. Entretanto, em plantas, bancos de tecidos e semen-
tes e a criopreservação têm amplas aplicações.

LEITURAS SUGERIDAS
Frankham, R., J. D. Ballou & D. A. Briscoe. 2002. Introduction to Conservation
Genetics. Cambridge University Press, Cambridge, UK. Os capítulos 16
e 20 oferecem um tratamento mais extenso sobre estes tópicos, mais
referências.
Avise, J. C. & J. L. Hamrick. (eds.) 1996. Conservation Genetics: Case Histories
from Nature. Chapman & Hall, New York. Contém histórias de casos
sobre manejo na natureza de espécies ameaçadas.
Beissinger, S. R. & D. R. McCullough. (eds.) 2002. Population Viability
Analysis. University of Chicago Press, Chicago, IL. São os resultados de
uma conferência sobre PVA que revisou a contribuição das PVA para o
manejo de espécies ameaçadas.
Ecological Bulletin. 2000. Volume 48: Population Viability Analysis. Um volume
especial dedicado ao processo de PVA e suas contribuições para a
conservação.
Falk, D. A. & K. E. Holsinger. 1991. Genetics and Conservation of Rare Plants.
Oxford University Press, New York. Contém uma série de capítulos
sobre o manejo na natureza de espécies de plantas ameaçadas.
Lanza, R. P., B. L. Draper & P. Damián. 2000. Cloning Noah’s ark. Scientific
American 87 (5), 84-89. Descreve o uso real e potencial de tecnologias de
reprodução artificial na conservação.
Woodford, J. 2000. The Wollemi Pine: The Incredible Discovery of a Living Fossil
from the Age of the Dinosaurs. Text Publishing, Melbourne, Australia.
Um livro popular interessante e bem escrito sobre a descoberta,
conservação e a genética do pinheiro Wollemi

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