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Capítulo 2

Diversidade Genética
Termos
Diversidade alélica, aloenzima,
A diversidade genética é necessária para as populações se
polimorfismo de tamanho de adaptarem às mudanças ambientais. Populações grandes de
fragmentos amplificados (AFLP), espécies naturalmente exogâmicas geralmente têm ampla
fingerprint de DNA, eletroforese, diversidade genética, mas esta é tipicamente reduzida nas espécies
valor adaptativo, genoma, equilíbrio em perigo.
de Hardy-Weinberg, herdabilidade,
hermafrodita, heterozigosidade,
íntrons, loco, microssatélite,
DNA mitocondrial (DNAmt),
monomórfico, carga genética,
exogamia, reação em cadeia da
polimerase (PCR), polimorfismo,
sonda, caráter quantitativo,
variação genética quantitativa, locos
de caracteres quantitativos (QTL),
polimorfismo de DNA amplificado
ao acaso (RAPD), polimorfismo
de tamanho em fragmento de
restrição (RFLP), substituição
silenciosa, polimorfismo de
substituição em um único
nucleotídeo (SNP), substituições
sinônimas

Um jabuti de Galápagos e
um eletroferograma de um
sequenciador de DNA ilustrando
a diversidade genética em um loco
de microssatélite entre indivíduos
dessa espécie
IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE GENÉTICA 13

Importância da diversidade genética

A IUCN, a primeira organização internacional para a conservação, A diversidade genética é


reconhece a necessidade de conservar a diversidade genética como o material bruto sobre a
uma das três prioridades globais de conservação. Existem dois aspec- qual a seleção natural atua
tos principais e relacionados. Primeiro, a mudança ambiental é um para permitir a adaptação e
processo contínuo e a diversidade genética é necessária para as popu- evolução dos organismos e a
lações evoluírem e se adaptarem a tais mudanças. Segundo, a perda da sua adequação às mudanças
diversidade genética está geralmente associada com a endogamia e a ambientais. A perda da
diversidade genética reduz
redução geral na reprodução e sobrevivência (valor adaptativo).
o potencial evolutivo e
Programas de reprodução em cativeiro e manejo da vida silvestre está também associado
geralmente reconhecem a importância de minimizar a perda da diver- com a redução do sucesso
sidade genética e a endogamia. As ações de manejo para populações reprodutivo.
em cativeiro incluem a consulta à pedigrees para o estabelecimento de
casais para a reprodução ou para a escolha de indivíduos para reintro-
dução na natureza. Os níveis de diversidade genética são analisados e
monitorados nas populações selvagens de espécies em perigo, e o fluxo
gênico entre populações selvagens isoladas pode ser aumentado.
Este capítulo discute a base dos dois principais aspectos relaciona-
dos à diversidade genética, define o que ela é, descreve métodos para
medi-la e faz uma revisão das evidências de sua amplitude nas espécies
que estão ou não em perigo.

O que é a diversidade genética?

A diversidade genética é manifestada por diferenças em muitos carac-


Diversidade genética é a
teres, incluindo a cor dos olhos, da pele e do cabelo nos humanos, cor variedade de alelos e genótipos
e padrões de bandamento das conchas dos caracóis, cor das flores nas presentes no grupo sob estudo
plantas, e diferenças nas proteínas, enzimas e seqüências de DNA de (populações, espécies ou grupos
quase todos os organismos. de espécies)
Os genes são seqüências de nucleotídeos em uma região particular
(loco) de uma molécula de DNA. A diversidade genética representa se-
qüências ligeiramente diferentes. Por sua vez, variantes da seqüência
do DNA podem ser expressas em diferenças na seqüência de aminoá-
cidos da proteína codificada pelo loco. Tal variação na proteína pode
ocasionar diferenças em funções bioquímicas, morfológicas ou com-
portamentais que causam diferenças nas taxas reprodutivas, de sobre-
vivência ou no comportamento dos indivíduos.
A terminologia usada para descrever a diversidade genética é defi-
nida na Tabela 2.1. A diversidade genética é geralmente descrita usan-
do polimorfismo, heterozigosidade média, e diversidade alélica. Por
exemplo, a análise eletroforética de aloenzimas (ver adiante) em leões
Africanos revelou que seis dos 26 locos que codificam proteínas (23%)
eram variáveis (polimórficos), 7,1% dos locos, em média, eram hetero-
zigotos, e que existia uma média de 1,27 alelos por loco (diversidade
alélica). Estes níveis de diversidade genética são típicos de variação
eletroforética para mamíferos não ameaçados. Ao contrário, leões Asi-
áticos em perigo têm pouca diversidade genética. Leão Asiático
14 DIVERSIDADE GENÉTICA

Medindo a diversidade genética


A composição genética de uma Técnicas moleculares tais como eletroforese de aloenzimas ou genoti-
população é geralmente descrita pagem de microssatélites (ver abaixo) medem a diversidade genética
em termos de freqüências em locos individuais.
dos alelos, número de alelos e
heterozigosidade

Tabela 2.1 | Terminologia usada para descrever a diversidade genética.


Loco (plural locos) A região em um cromossomo na qual um gene em particular está localizado. A seqüência
nucleotídica em um loco pode codificar para uma estrutura ou função particular, por exemplo, o segmento do DNA
codificando para a enzima álcool desidrogenase é um loco separado daqueles que codificam para as hemoglobinas.
Locos moleculares tais como microssatélites (ver abaixo), são simplesmente segmentos de DNA que podem ter
produtos não funcionais.
Alelos Variantes diferentes da seqüência nucleotídica em um mesmo loco (gene) em cromossomos homólogos, e.g. A1,
A2, A3, A4, etc.
Genótipo A combinação de alelos presente em um loco em um individuo, por exemplo, A1A1, A1A2, ou A2A2.
Genótipos são heterozigotos (A1A2) ou homozigotos (A1A1 ou A2A2).
Genoma O material genético completo de uma espécie, ou indivíduo; a seqüência nucleotídica inteira do DNA,
incluindo todos os locos e todos os cromossomos.
Homozigoto Um indivíduo com duas cópias do mesmo alelo em um loco, por exemplo, A1A1.
Heterozigoto Um indivíduo com dois alelos diferentes em um loco, por exemplo, A1A2.
Freqüência alélica A freqüência relativa de um alelo particular em uma população (freqüentemente referido como
freqüência gênica). Por exemplo, se uma população de uma espécie diplóide tem 8 indivíduos A1A1 e 2 indivíduos
A1A2, então existem 18 copias do alelo A1 e 2 do alelo A2. Assim, o alelo A1 tem uma freqüência de 0,9 e o alelo A2
uma freqüência de 0,1.
Polimórfico A presença em uma espécie de dois ou mais alelos em um loco, por exemplo, A1 e A2. Locos polimórficos
são geralmente definidos como tendo o alelo mais freqüente em uma freqüência menor que 0,99 ou menor que 0,95
(para minimizar problemas com diferentes tamanhos amostrais).
Monomórfico Um loco é monomórfico numa população se este possui somente um alelo, por exemplo, A1. Todos os
indivíduos são homozigotos para o mesmo alelo. Ausência de diversidade genética.
Proporção de locos polimórficos (P) Número de locos polimórficos / número total de locos amostrados. Por
exemplo, se 3 de 10 locos amostrados são polimórficos e 7 são monomórficos,
3
P= = 0,3
10
Heterozigosidade média (H) Soma das proporções de heterozigotos em todos os locos / número total de locos
amostrados. Por exemplo, se as proporções de heterozigotos em 10 locos em uma população são 0,2, 0,4, 0,1, 0, 0, 0,
0, 0, 0 e 0, então
(0,2 + 0,4 + 0,1+ 0 + 0 + 0 + 0 + 0 + 0 + 0)
H= = 0,07
10
Em geral, são empregadas as heterozigosidades esperadas (ver abaixo), considerando que estas são menos sensíveis
ao tamanho amostral do que a heterozigosidade observada. Em populações com acasalamento ao acaso, as
heterozigosidades observada e esperada são usualmente similares.
Diversidade alélica (A) Média do número de alelos por loco. Por exemplo, se o número de alelos em 10 locos são 2,
3, 2, 1, 1, 1, 1, 1, 1 e 1, então
(2 + 3 + 2 +1+1+1+1+1+1+1)
A= = 1,4
10
MEDINDO A DIVERSIDADE GENÉTICA 15

Tabela 2.2 | Números e freqüências para cada genótipo do loco que


codifica a proteína da clara do ovo em patos-eider da Escócia. Os
indivíduos foram genotipados por eletroforese de proteínas. R refere-se
ao alelo de migração mais rápida e L ao mais lento.
Genótipos
RR RL LL Total
Números 37 24 6 67
Freqüência genotípica 0,552 0,358 0,090 1,00
Fonte: Milne & Robertson (1965).

As informações que coletamos fornecem os números de cada genótipo Eider ducks


num loco. Isso é ilustrado para o loco de uma proteína da clara do TRADUZIR
ovo do pato-eider escocês, uma espécie que foi severamente reduzida
devido a caça para obtenção de penas para a confecção de travesseiros
(Tabela 2.2). As freqüências genotípicas são calculadas a partir da pro-
porção de cada genótipo na amostra total (por exemplo, freqüência
genotípica de RR = 37/67 = 0,552).
Os resultados são geralmente descritos na forma de freqüências
alélicas, ao invés de freqüências genotípicas. Usamos as letras p e q
para representar as freqüências relativas para os dois alelos no loco. A
freqüência do alelo R (p) é simplesmente a proporção de todos os alelos
examinados que são R. Note que dobramos o número de cada homo-
zigoto e do total, uma vez que os patos são diplóides (cada ave herdou
uma cópia do loco de cada pai).
(2 × FF) + FS
p= (2.1)
2 × Total

O cálculo no Exemplo 2.1 mostra que 73% dos alelos neste loco corres-
pondem ao alelo R e 27% ao L.

Exemplo 2.1 Cálculo das freqüências dos alelos R e L em um loco de


proteína da clara do ovo do pato-eider

A freqüência para o alelo R (p) é obtida como segue:


(2 × 37) + 24
p= = 0,73
2 × 67

e para L (q) como


(2 × 6) + (1 × 24)
q= = 0,27
(2 × 67)

A soma de suas freqüências é igual a 1,00, isto é


p + q = 0,73 + 0,27 = 1,00

As freqüências alélicas também podem ser descritas como


porcentagens.
16 DIVERSIDADE GENÉTICA

A heterozigosidade é a medida A medida da diversidade genética em um loco é expressa como hete-


mais comumente utilizada rozigosidade. A heterozigosidade observada (Ho) é simplesmente a pro-
para caracterizar a diversidade porção dos indivíduos amostrados que são heterozigotos. Por exemplo,
genética para um loco a freqüência de heterozigotos no loco da proteína da clara do ovo no
pato-eider é 24/67 = 0,36 (Tabela 2.2). Em geral, quando comparamos a
amplitude da diversidade genética entre populações ou espécies usa-
mos a heterozigosidade média (Tabela 2.1).

Diversidade Alélica
O número médio de alelos por loco (diversidade alélica) também é
A diversidade alélica também
é usada para caracterizar a usado para caracterizar o nível de diversidade genética. Por exemplo,
diversidade genética existem dois alelos no loco determinando diferenças na proteína da
clara do ovo nos patos-eider e três alelos num loco de microssatélite em
tendilhões-de-Laysan, descrito abaixo no Exemplo 2.2. Quando mais de
um loco é estudado, a diversidade alélica (A) é a média do número de
alelos de todos os locos (Tabela 2.1). Por exemplo, o leão Africano tem
um total de 33 alelos em 26 locos de aloenzimas amostrados, então
A = 33/26 = 1,27.
Examinemos agora os fatores que influenciam as freqüências dos
alelos e genótipos em uma população, e a relação entre as freqüências
alélicas e genótipicas sob o pressuposto de união aleatória dos gametas
(equivalente ao cruzamento ao acaso).

Equilíbrio de Hardy-Weinberg
Em populações grandes onde a
Vamos iniciar com o caso mais simples – o de uma população gran-
reprodução ocorre ao acaso, as de onde o cruzamento é ao acaso e não existe mutação, migração ou
freqüências alélicas e genotípicas seleção. Neste caso, a freqüência dos alelos e genótipos atinge um
em um loco autossômico equilíbrio depois de apenas uma geração. O equilíbrio é chamado de
atingem o equilíbrio após uma equilíbrio de Hardy-Weinberg, em homenagem a seus propositores.
geração quando não existe Embora simples, o equilíbrio de Hardy-Weinberg é crucial na genéti-
a atuação de nenhuma força ca da conservação e genética evolutiva. Ele proporciona a base para
(ausência de mutação, migração detectar desvios do acasalamento ao acaso, para testar a ocorrência
ou seleção)
de seleção, modelar os efeitos da endogamia e seleção, e estimar as
freqüências alélicas em locos que mostram dominância.
Este caso simples pode ser apresentado como um modelo matemá-
tico que mostra as relações entre as freqüências dos alelos e genóti-
pos. Assuma que estamos trabalhando com um loco com dois alelos
A1 e A2 com freqüências relativas de p e q (p + q = 1) numa população
grande onde os cruzamentos ocorrem ao acaso. Imagine organismos
marinhos hermafroditas (no qual cada indivíduo libera esperma e
ovos) espalhando seus gametas na água, de maneira que espermatozói-
des e ovos unem-se ao acaso (Tabela 2.3). Uma vez que a freqüência do
alelo A1 na população é p, a freqüência dos espermatozóides ou ovos
carregando este alelo também é p. A probabilidade de um espermato-
zóide carregando A1 unir-se com um ovo carregando o mesmo alelo e
produzir um zigoto A1A1 é, portanto, p x p = p2, e a probabilidade de
um espermatozóide A2 fertilizar um ovo A2, para produzir um zigoto
A2A2 é, da mesma forma, q x q = q2. Zigotos heterozigotos podem ser
produzidos de duas formas, não interessando qual gameta contribui
EQUILÍBRIO DE HARDY-WEINBERG 17

com qual alelo, e sua freqüência esperada é, portanto, 2 x p x q = 2pq.


Conseqüentemente, as freqüências genotípicas esperadas para os zi-
gotos A1A1, A1A2 e A2A2, são p2, 2pq e q2, respectivamente. Estas são as
freqüências genotípicas do equilíbrio de Hardy-Weinberg.

Tabela 2.3 |
Freqüências genotípicas resultante da união ao acaso de
gametas para um loco autossômico.

Ovo
A1 A2
p q
2
A1 p p pq
Espermatozóide A1A1 A1A2
A2 q pq q2
A2A1 A2A2

As freqüências genotípicas resultante na progênie são


A1A1 A1A2 A2A2
2
p 2pq q2
Estas são as freqüências genotípicas do equilíbrio de Hardy-Weinberg.
Note que as freqüências genotípicas somam um,
isto é, p2 + 2pq + q2 = (p + q) 2 =1.

Se as freqüências dos alelos A1 e A2 são 0,9 e 0,1, então


as freqüências genotípicas no equilíbrio de Hardy-Weinberg são:
A1A1 A1A2 A2A2 Total
2 2
0,9 2 x 0,9 x 0,1 0,1 1,0
0,81 0,18 0,01 1,0
TRADUZIR

As freqüências dos dois alelos não mudaram, indicando que as fre- 1,00 A 2A 2 A1A1
Genotype frequency

qüências alélicas estão em equilíbrio. Conseqüentemente, as freqüên- 0,75


cias alélicas e genotípicas estão em equilíbrio depois de uma geração A1A 2
de cruzamento ao acaso e se mantêm assim perpetuamente na ausên- 0,50

cia de outros fatores. 0,25


O equilíbrio de Hardy-Weinberg é esperado para todos os locos,
0,00
exceto para aqueles localizados nos cromossomos sexuais. Esses locos 0,00 0,25 0,50 0,75 1,00
ligados ao sexo possuem diferentes doses de locos em machos e fêmeas Frequency of A1
e tem um equilíbrio de Hardy-Weinberg que difere daquele de outros
locos não ligados ao sexo (locos autossômicos). Fig. 2.1 Relação entre
A relação entre as freqüências alélicas e genotípicas de acordo com freqüências genotípicas e alélicas
numa população em equilíbrio de
o equilíbrio de Hardy-Weinberg é mostrada na Fig. 2.1. A figura ilustra Hardy-Weinberg
dois pontos. Primeiro, as freqüências dos heterozigotos não podem ser
maiores do que 0,5 (50%) para um loco com dois alelos. Isso ocorre
quando ambos os alelos tem freqüências de 0,5. Segundo, quando um
alelo é raro, a maioria de suas cópias está em heterozigose, enquanto
que quando este alelo está em alta freqüência muitos deles estão em
homozigose.
18 DIVERSIDADE GENÉTICA

Para obter o equilíbrio de Hardy-Weinberg nós assumimos:


As freqüências genotípicas para
a maioria dos locos geralmente • Um tamanho populacional grande
correspondem às freqüências • Uma população fechada (sem migração)
genotípicas esperadas de Hardy- • Ausência de mutação
Weinberg em populações • Segregação Mendeliana normal dos alelos
grandes naturalmente • Igual fertilidade dos genótipos dos pais
exogâmicas • União dos gametas ao acaso
• Igual capacidade de fertilização dos gametas
• Igual sobrevivência de todos os genótipos
Na Tabela 2.4, as freqüências genotípicas para o loco da proteína da
clara do ovo do pato-eider são comparadas com as freqüências do equi-
líbrio de Hardy-Weinberg. Os valores de p e q, calculados previamente,
são usados para calcular p2, 2pq, e q2. Essas freqüências são então multi-
plicadas pelo número total (67) para obterem-se os números esperados
para os três genótipos.
Os números observados para cada genótipo são muito próximos
dos números esperados em equilíbrio de Hardy-Weinberg. Em geral,
em populações naturais grandes e exogâmicas (mais ou menos de re-
produção ao acaso), encontramos concordância com as expectativas
para a maioria dos locos. Isto não significa que os locos não estejam
sujeitos a mutação, migração, seleção e efeitos de amostragem, mas
somente que estes efeitos são freqüentemente muito pequenos para
serem detectados com tamanhos amostrais realísticos.

Tabela 2.4 | Comparação das freqüências genotípicas observadas com as esperadas no equilíbrio de Hardy-
Weinberg, para o loco da proteína da clara do ovo do pato-eider.
Genótipos
RR RL LL Total
Números observados (O) 37 24 6 67
Freqüências esperadas p2 2pq q2 1,0
2 2
0,73 2 x 0,73 x 0,27 0,27 1,0
0,5329 0,3942 0,0729 1,0
Números esperados (E) (freqüências esperadas x 67) 35,7 26,4 4,9 67

Desvios do equilíbrio de Hardy-Weinberg


Os desvios das freqüências Quando qualquer dos pressupostos que compõem a base do equilí-
genotípicas daquelas esperadas brio de Hardy-Weinberg (ausência de migração, seleção ou mutação,
no equilíbrio de Hardy- e união ao acaso dos gametas) é violado, então irão ocorrer desvios do
Weinberg são altamente equilíbrio das freqüências genotípicas. Dessa forma, o equilíbrio de
informativos, permitindo-nos Hardy-Weinberg proporciona uma hipótese nula que permite detec-
detectar a ocorrência de tar se a população não apresenta reprodução ao acaso, se esta ocor-
endogamia, fragmentação de rendo migração ou seleção. Trataremos disso neste e nos próximos
populações, migração e seleção
capítulos.

Heterozigosidade esperada
A diversidade genética num loco é caracterizada pela heterozigosidade
esperada, heterozigosidade observada e diversidade alélica. Para um
EQUILÍBRIO DE HARDY-WEINBERG 19

loco com dois alelos com freqüências p e q, a heterozigosidade espera-


A heterozigosidade esperada de
da é He = 2pq (também chamada de diversidade gênica). Quando exis- Hardy-Weinberg é usualmente
tem mais que dois alelos, é mais simples calcular a heterozigosidade utilizada quando descrevemos
esperada como sendo um menos a soma do quadrado das freqüências a diversidade genética, uma
dos alelos: vez que ela é menos sensível
# alelos
a amostragem do que a
He = 1 – ∑ p2i (2.2) heterozigosidade observada
i =1

onde pi é a freqüência do alelo i. Geralmente prefere-se descrever a He


ao invés da heterozigosidade observada.
O Exemplo 2.2 ilustra os cálculos da heterozigosidade esperada
para um loco de microssatélite nos tendilhões-de-Laysan. A heterozigo-
sidade esperada, baseada nas freqüências alélicas desse loco, é 0,663.

Exemplo 2.2 Cálculo da heterozigosidade esperada para um loco de


microssatélite no ameaçado tendilhão-de-Laysan (Tarr et al.
1998)

As freqüências alélicas para três alelos são 0,364, 0,352 e 0,284,


respectivamente. Conseqüentemente, a heterozigosidade esperada em
equilíbrio de Hardy-Weinberg é
He = 1 – (0,3642 + 0,3522 + 0,2842) = 1 – (0,1325 + 0,1239 + 0,0807) = 0,663
Nesse loco, as heterozigosidades observada e esperada de 0,659 e 0,663
são muito similares.

Para determinar o potencial evolutivo de uma espécie, é necessário A heterozigosidade média


estimar a amplitude da diversidade genética considerando todos os sobre vários locos é usada
locos no genoma. É improvável que a informação sobre um único loco para caracterizar a diversidade
de uma espécie represente precisamente a diversidade genética para genética numa espécie
todos os locos. Por exemplo, os mamíferos possuem ao redor de 35.000
locos funcionais. Conseqüentemente, as medidas de diversidade ge-
nética (Ho, He) são provenientes da média de muitos locos amostrados
aleatoriamente. Por exemplo, como descrito acima, a heterozigosidade
média detectada usando eletroforese de proteínas para 26 locos nos
leões Africanos é 7,1%.

Estimativa da freqüência de um alelo recessivo


Usando o método de contagem de alelo descrito acima, não é possível O equilíbrio de Hardy-
determinar a freqüência de um alelo que mostre dominância num Weinberg proporciona
loco, uma vez que os homozigotos (AA) não podem ser fenotipicamen- um modo para estimar as
te distinguidos dos heterozigotos (Aa). Entretanto, o equilíbrio de Har- freqüências dos alelos recessivos
dy-Weinberg proporciona um meio de estimar as freqüências de tais em populações com reprodução
alelos. Homozigotos recessivos (aa) são fenotipicamente distinguíveis e ao acaso
têm, para um loco em equilíbrio de Hardy-Weinberg, uma freqüência
esperada de q2. Assim, a freqüência do alelo recessivo pode ser estima-
da como a raiz quadrada dessa freqüência. Por exemplo, a freqüên-
cia do nanismo associado à distrofia de cartilagem dos ossos longos
no condor da Califórnia, uma espécie em perigo de extinção, é 0,03,
20 DIVERSIDADE GENÉTICA

então o alelo recessivo que causa esta condição tem uma freqüência
estimada de √0,03 = 0,17. Esta é uma freqüência surpreendentemente
alta para um alelo recess ivo letal, mas não é incomum em outras po-
pulações derivadas de muito poucos indivíduos fundadores, incluindo
populações de outras espécies em perigo.
Uma vez que existem vários pressupostos na base deste método de
estimativa de q (acasalamento ao acaso, ausência de seleção ou migra-
ção), esse nunca deve ser usado para locos onde todos os genótipos
podem ser distinguidos.

Extensão da diversidade genética


Populações grandes de espécies exogâmicas geralmente contêm uma
Populações grandes de espécies
naturalmente exogâmicas grande quantidade de diversidade genética. Esta é manifestada nas
geralmente têm alta diversidade variações morfológicas, comportamentais e fisiológicas em muitas
genética populações. Esta variação é composta tanto de variações sem base ge-
nética, resultante da influência ambiental sobre os indivíduos, como
por variações com base genética devidas às diferenças nos alelos e na
heterozigosidade em muitos locos. Um exemplo desta grande quan-
tidade de diversidade genética inerente a uma espécie é a variedade
de raças de cachorros que têm sido produzidas a partir do genoma do
lobo (Fig. 2.2). Com exceção de umas poucas mutações, a variedade
de raças de cachorros reflete a amplitude da diversidade genética que
estava presente nos lobos ancestrais.

traduzir

Fig. 2.2 Diversidade de raças de


cachorros. Todas derivam do lobo
cinza.
EXTENSÃO DA DIVERSIDADE GENÉTICA 21

A diversidade genética pode ser medida em diferentes níveis. Isto


inclui a diversidade em caracteres mensuráveis (variação quantitativa),
os efeitos diretos visíveis dos alelos deletérios, variação nas proteínas,
e medidas diretas da variação nas seqüências de DNA.

Variação quantitativa
Os caracteres de maior importância na conservação são aqueles que Os caracteres quantitativos são
determinam a saúde e o sucesso reprodutivo dos organismos. Estes in- os de maior importância para a
cluem atributos como número de descendentes produzidos, produção conservação
de sementes nas plantas, habilidade de acasalamento, longevidade,
taxa de crescimento, comportamentos para evitar predadores, peso
corporal, altura, força, etc. Coletivamente, esses tipos de característi-
cas são chamados de caracteres quantitativos. Virtualmente todos os
caracteres quantitativos numa espécie exogâmica exibem diversidade
genética. Por exemplo, diversidade genética tem sido encontrada para
caracteres reprodutivos (produção de ovos nas galinhas, número de
descendentes em carneiros, camundongos, porcos e moscas de frutas,
produção de sementes em plantas, etc.), para taxa de crescimento no
tamanho (em gado, porcos, camundongos, galinhas, moscas de fruta e
plantas), para composição química (conteúdo de gordura em animais,
níveis de proteína e de óleo no arroz), para comportamento (em insetos
e mamíferos) e para resistência a doenças em plantas e animais. Carac-
terísticas quantitativas são determinadas por muitos locos (locos de
caracteres quantitativos, ou QTL).
A diversidade genética para um caráter quantitativo é geralmente
determinada medindo-se as similaridades do caráter entre muitos
indivíduos relacionados e determinando a proporção da variação
fenotípica que é herdável (herdabilidade). Discutiremos isto no Ca-
pítulo 3.

Alelos deletérios
A amplitude da diversidade encontrada nas populações que é atribu- Todas as populações exogâmicas
ível a alelos deletérios é critico em biologia da conservação porque possuem uma ‘carga’ de alelos
esses alelos reduzem a viabilidade e o sucesso reprodutivo quando deletérios raros que podem ser
ocorrem em homozigose devido ao endocruzamento. Alelos deletérios expostos pela endogamia
são constantemente gerados por mutações e removidos pela seleção.
Conseqüentemente, todas as populações exogâmicas contêm alelos
raros deletérios (carga genética). Geralmente eles ocorrem em freqü-
ência menor que 1%. São exemplos as síndromes genéticas humanas
raras, tais como fenilcetonúria, albinismo e doença de Huntington.
Síndromes equivalentes existem nas populações selvagens de plantas
e animais. Por exemplo, mutações que levam a ausência de clorofila
são encontradas em muitas espécies de plantas. Uma gama de defeitos
com bases genéticas têm sido descritas em muitos animais que estão
em perigo (nanismo no condor da Califórnia, má absorção de vitamina
E no cavalo-de-Przewalski, criptorquidismo e defeitos cardíacos fatais
na pantera da Florida, ausência de testículos em coalas e ausência de
pelagem nos lêmures vermelho-com-colar (red-ruffed lemur).
22 DIVERSIDADE GENÉTICA

Proteínas
Muitas informações sobre a A primeira medida de diversidade genética molecular foi feita em 1966
diversidade genética têm sido pelo estudo da variação alélica em locos que codificam para proteínas
obtidas usando-se eletroforese solúveis. A técnica usada para distinguir as variantes é a eletrofore-
para separação de proteínas se, a qual separa as moléculas de acordo com a sua carga elétrica e
massa molecular em um gradiente de potencial elétrico (Quadro 2.1).
Entretanto, somente cerca de 30% das mudanças no DNA resultam em
mudanças nas cargas das proteínas, de maneira que essa técnica subes-
tima significativamente a medida total da diversidade genética.
A eletroforese de proteínas é tipicamente realizada usando-se amos-
tras de sangue, fígado ou rim em animais, ou folhas e pontas de raízes
nas plantas, uma vez que estes contêm ampla quantidade e variedades de
proteínas solúveis. Conseqüentemente, os animais devem ser capturados
para obterem-se amostras de sangue, ou mortos para obterem-se amostras
de fígado ou rim. Estas práticas são indesejáveis para espécies em perigo.
Proteínas solúveis são moléculas relativamente frágeis e as técnicas para
o seu estudo, ao contrário das técnicas para estudo do DNA, requerem
amostras frescas ou recém-congeladas logo após sua obtenção.
As primeiras análises de variações eletroforéticas, em humanos e
Existe extensiva diversidade
genética em locos que codificam
moscas de frutas, surpreendentemente revelaram altos níveis de di-
para proteínas na maioria das versidade genética. Resultados similares são encontrados para muitas
populações grandes de espécies espécies que possuem tamanhos populacionais grandes. Por exemplo,
exogâmicas. Através da análise em humanos (baseado em 104 locos) 32% dos locos são polimórficos
em eletroforese verifica-se com uma heterozigosidade média de 6%. A Tabela 2.5 sumariza as
que, em média, 28% dos locos heterozigosidades de aloenzimas para vários grupos taxonômicos
são polimórficos e 7% são principais. A heterozigosidade média (H) dentro das espécies é menor
heterozigotos nos vertebrados (6,4%) do que nos invertebrados (11,3%), possivelmente
devido ao menor tamanho populacional nos vertebrados.

Tabela 2.5 | Diversidade genética de aloenzimas em diferentes taxa. H é a


heterozigosidade média das populações.
H
Vertebrados
Total 0,064
Mamíferos 0,054
Aves 0,054
Répteis 0,090
Anfíbios 0,094
Peixes 0,054
Invertebrados
Total 0,113
Insetos 0,122
Crustáceos 0,063
Moluscos 0,121
Plantas
Total 0,113
Gimnospermas 0,160
Monocotiledôneas 0,144
Dicotiledôneas 0,096
Fonte: Hamrick & Godt (1989); Ward et al. (1992).
EXTENSÃO DA DIVERSIDADE GENÉTICA 23

Quadro 2.1 Medindo a diversidade genética em proteínas usando eletroforese


de aloenzimas
A seqüência de aminoácidos que compõem uma proteína é determinada
pela seqüência de bases no DNA que codifica aquela proteína. Uma parte das
mudanças de bases que ocorrem no DNA resulta na mudança de aminoácido
na posição correspondente da proteína. Como cinco dos 20 aminoácidos que
ocorrem naturalmente são eletricamente carregados (lisina, arginina e histidina [+],
ácido glutâmico e ácido aspártico [–]), aproximadamente 30% das substituições de
bases resultam em mudanças na carga elétrica da proteína. Essas mudanças podem
ser detectadas separando-se as proteínas em um gradiente de potencial elétrico
e posteriormente visualizando-as através do uso de coloração histoquímica loco-
específica. Este processo é chamado de eletroforese de aloenzimas. Por exemplo,
se o DNA nos alelos de um loco tem as seqüências:

DNA DNA com


substituição de bases
Fita do DNA . . . TAC GAA CTG CAA . . . . . . TAC GAA CCG CAA . . .
RNAm . . . AUG CUU GAC GUU . . . . . . AUG CUU GGC GUU . . .
Seqüências . . . met– leu– asp– val . . . . . . met– leu– gly– val . . .
dos aminoácidos
a proteína a direita irá migrar mais lentamente em direção ao ânodo em
um gradiente de potencial elétrico devido a substituição do aminoácido
glicina (gly), que não possui carga elétrica, pelo aminoácido ácido aspártico
(asp), de carga negativa.

Negative pole

Power Buffer
supply Initial positions
of proteins

S Positions of
F proteins after
migration
Gel

Buffer traduzir

Positive pole

Um aparelho de gel de eletroforese (depois de Hedrick 1983). Os extratos de proteínas


solúveis são colocados em posições espaçadas ao longo do topo do gel. Um gradiente de
potencial elétrico aplicado ao gel causa a migração das proteínas através do gel. Proteínas
codificadas pelo mesmo loco gênico, mas com diferentes cargas, migram para posições
diferentes (R-rápida vs. L-lenta), permitindo a identificação de diferentes alelos num
loco. Proteínas de locos específicos são detectadas através de sua atividade enzimática
utilizando-se colorações histoquímicas.
24 DIVERSIDADE GENÉTICA

DNA
Coleta de amostras de DNA para medidas de diversidade genética
Qualquer material biológico contendo DNA pode ser usado para medir
a diversidade genética com técnicas moleculares modernas. São apro-
priados, por exemplo, pêlos soltos, pele, penas, fezes, urina, cascas de
ovos, sangue, tecidos, saliva e sêmen. Peles de museu e tecidos preser-
vados proporcionam material adequado e até mesmo fósseis podem
ser genotipados. Os únicos requisitos são que as amostras contenham
algum DNA não degradado e que não exista contaminação com DNA
de outros indivíduos ou espécies proximamente relacionadas.

Amplificação do DNA usando a PCR


A genotipagem dos indivíduos Muitos métodos atuais utilizados para medir a diversidade do DNA
pode ser feita após uma baseiam-se na reação em cadeia da polimerase (PCR), a qual permite
amostragem não-invasiva ou a amplificação no laboratório de seqüências especificas do DNA, fre-
‘remota’ e amplificação via PCR qüentemente a partir de pequenas amostras iniciais (Fig. 2.3).
do DNA

traduzir

Fig. 2.3 Amostragem não-invasiva do DNA e o uso da reação em cadeia da polimerase


(PCR) para amplificar o DNA. A PCR é usada para amplificar (gerar múltiplas cópias) o DNA
a partir de pequenas amostras. A PCR é essencialmente uma versão em tubo da replicação
do DNA, exceto pelo fato de que através dessa técnica replica-se somente uma região de
interesse do DNA. O DNA é extraído e purificado de amostras biológicas e adicionado a uma
mistura de reação contendo todos os reagentes necessários. Estes incluem oligonucleotídeos
iniciadores, uma enzima termoestável de replicação do DNA (Taq polimerase), magnésio,
os quatro nucleotídeos que compõem o DNA e uma solução tampão. Os iniciadores
são homólogos às seqüências conservadas de DNA existente nas extremidades (regiões
flanqueadoras) da seqüência de DNA a ser amplificada (isto é, o loco de interesse). A enzima
Taq polimerase replica o DNA, os nucleotídeos são usados para a construção da nova fita de
DNA e o magnésio e a solução tampão são necessários para que a enzima trabalhe.
Ciclos repetidos de temperatura são usados para desnaturar o DNA (separar as fitas),
para permitir aos iniciadores se aderirem às regiões de flanqueamento (anelamento) e
para replicar as seqüências de DNA entre esses iniciadores (extensão). Cada ciclo dobra a
quantidade do DNA de interesse.
EXTENSÃO DA DIVERSIDADE GENÉTICA 25

A grande vantagem de medir a diversidade no DNA, ao contrário


da variação na proteína, é que a amostragem pode freqüentemente ser
realizada de forma não-invasiva e os genótipos podem ser identifica-
dos após a amplificação do DNA. Uma vez que amostras extremamente
pequenas de DNA (tão pequenas quanto o conteúdo de uma única cé-
lula) podem ser amplificadas milhões de vezes pela PCR, somente mi-
núsculas amostras biológicas são agora necessárias para a realização
das análises genéticas moleculares. Isto contrasta com a eletroforese
de proteínas onde os animais devem ser capturados ou mortos para
obterem-se as amostras. Conseqüentemente, o desenvolvimento de
metodologias de amostragem ‘remota’ representa um grande avanço
para as espécies de interesse na conservação.
Para amplificar um segmento de DNA de interesse, regiões conser-
vadas específicas em cada um dos lados do segmento de interesse de-
vem ser identificadas para permitir o desenvolvimento de iniciadores
para as reações de PCR. O segmento a ser amplificado é definido pelos
iniciadores e encontra-se entre eles. As seqüências dos iniciadores po-
dem freqüentemente ser deduzidas das informações de seqüências
publicadas para o DNA mitocondrial (DNAmt), mas freqüentemente
devem ser desenvolvidas para os locos nucleares, especialmente para
microssatélites (veja abaixo). Iniciadores desenvolvidos para uma es-
pécie podem também funcionar numa espécie proximamente relacio-
nada. Por exemplo, iniciadores humanos geralmente funcionam em
chimpanzés, e alguns dos iniciadores dos ruminantes domésticos fun-
cionam na gazela da Arábia, que está em perigo.
Existe uma série de técnicas disponíveis para medir direta ou indi- Uma ampla variedade de
retamente a variação na seqüência de bases do DNA, e novos métodos métodos está disponível para
são desenvolvidos regularmente (Quadro 2.2). O seqüenciamento do medir a diversidade genética nas
DNA é conduzido rotineiramente, especialmente para propósitos taxo- seqüências de bases do DNA,
nômicos. Os microssatélites (número variável de repetições curtas em sendo os microssatélites o
tandem) tornaram-se os marcadores de escolha para estudos popula- método atualmente preferido
cionais. Os microssatélites apresentam vantagens sobre os outros mé-
todos disponíveis para se avaliar o polimorfismo do DNA uma vez que
eles são altamente variáveis, genótipos individuais podem ser direta-
mente inferidos, e indivíduos podem ser genotipados após amostragem
não-invasiva. Eles têm a desvantagem de que novos iniciadores devem
ser desenvolvidos para cada espécie, embora iniciadores de espécies
relacionadas irão freqüentemente funcionar em ambas espécies.

Quadro 2.2 Técnicas para medir a diversidade genética no DNA


MICROSSATÉLITES: REPETIÇÕES DE SEQÜÊNCIAS SIMPLES (SSR) OU
REPETIÇÕES CURTAS EM TANDEM (STR)
Locos de microssatélites são repetições em tandem de pequenos motivos de
DNA, que tipicamente apresentam tamanho entre 1-5 bases. Como exemplo, são
mostradas seqüências de DNA com as bases CA repetidas 7 e 9 vezes. Repetições
CA são encontradas em muitas espécies. O número de repetições de microssatélites
é muito variável devido a ‘escorregões’ durante a replicação do DNA. Abaixo são
ilustrados as seqüências da fita dupla do DNA de três genótipos, dois homozigotos
diferentes e um heterozigoto, junto com seus padrões de bandas visto em gel
de eletroforese. X e Y são seqüências conservadas de DNA que flanqueiam a
repetição do microssatélite e que representam os sítios de ligação dos iniciadores.
26 DIVERSIDADE GENÉTICA

A1A1 A1A2 A2A2


X C AC AC AC AC AC AC AY XCACACACACACACACACAY XCACACACACACACACACAY
X G TG TG TG TG TG TG T Y XGTGTGTGTGTGTGTGTGTY XGTGTGTGTGTGTGTGTGTY

X AC AC AC AC AC AC ACY X AC AC AC AC AC AC ACY XACACACACACACACACACY


X TG TG TG TG TG TG TG Y X TG TG TG TG TG TG TG Y XTGTGTGTGTGTGTGTGTGY

Tamanhos dos fragmentos no gel (Amostras aplicadas no topo, migração para a


parte inferior da página, com os fragmentos menores, de migração mais rápida,
produzidos pelo alelo A1).

A diversidade dos microssatélites é detectada pela amplificação do DNA usando


PCR. Seqüências únicas conservadas (iniciadores) flanqueando os microssatélites são
usadas para especificar a região do DNA a ser amplificada. Os fragmentos de DNA
resultantes são separados de acordo com o tamanho usando eletroforese em gel
de acrilamida ou agarose. Após a separação, os fragmentos são detectados por (1)
géis corados com brometo de etídio (um corante de DNA), (2) uso de iniciadores
marcados radioativamente e autoradiografia de géis, ou (3) uso de iniciadores
marcados com fluorescência e separação do produto da PCR em seqüenciador
automático de DNA. Como mostrado acima, se um indivíduo é heterozigoto para
dois alelos de microssatélites que apresentam números diferentes de repetições,
serão detectadas duas bandas de diferentes tamanhos.
Os microssatélites medem a variação genética para locos que são neutros
(não sujeitos a seleção) uma vez que as repetições em tandem estão geralmente
localizadas em segmentos não-codantes do DNA.

FINGERPRINT DE DNA: MINISSATÉLITES OU NÚMERO VARIÁVEL DE


REPETIÇÕES EM TANDEM (VNTR)
Seqüências com número variável de repetições em tandem são encontrados por
todo o genoma de humanos e outros eucariotos. Essas seqüências de minissatélites
têm seqüências centrais de repetição com tamanhos variáveis de 10-100 bases
(isto é, são maiores do que os microssatélites). A tipagem de indivíduos para
um fingerprint de DNA resulta em um ‘código de barras’, onde cada indivíduo é
geralmente único. Para identificar minissatélites, o DNA é purificado, cortado com
uma enzima de restrição que corta fora da repetição, liberando o fragmento de DNA
minissatélite, e o DNA fragmentado é separado de acordo com o tamanho em um
gel de agarose. As duas fitas dos fragmentos de DNA são separadas (desnaturadas)
e transferidas para uma membrana (Southern blotting). A membrana com o DNA
aderido é colocada em uma solução contendo muitas cópias de DNA de fita simples
da seqüência central de repetição marcado radioativamente (sonda). As sondas
radioativamente marcadas ligam-se (hibridam-se) a fragmentos de minissatélites
sobre a membrana por complementaridade de pareamento de bases. As sondas
de DNA fita simples não hibridadas retiradas através de lavagens, a membrana é
secada e a posição dos minissatélites é revelada por autoradiografia.
O número de repetições é altamente variável, de forma que cada indivíduo
em espécies exogâmicas normalmente tem um fingerprint de DN A único (com
exceção dos gêmeos idênticos). São ilustrados abaixo três genótipos para um único
loco de minissatélites e os seus padrões de bandas no gel. ‘o’ representa uma única
repetição da seqüência central. Muitos desses locos são tipados simultaneamente,
resultando em um padrão de bandas equivalentes a um código de barras.
EXTENSÃO DA DIVERSIDADE GENÉTICA 27

-----ooooo----- -----oooooo----- -----oooooo-----


-----ooooo----- -----ooooo----- -----oooooo-----
Fragmentos de DNA sobre o gel

Os fingerprints de DNA são altamente variáveis, identificam a variação do DNA


nuclear sob uma ampla faixa de locos, e não necessitam de conhecimento a priori
da seqüência de DNA nas espécies a serem genotipadas. As desvantagens são
que os locos não são normalmente identificáveis separadamente, uma vez que
os fragmentos derivam de muitos locais diferentes no genoma. A herança das
bandas não é definida e, por requerer uma considerável quantidade de DNA, essa
técnica não pode ser usada em casos de amostragem não-invasiva. Atualmente
o fingerprint de DNA está sendo substituído por métodos que permitam a
amostragem não-invasiva e seguida pela análise por PCR, tais como microssatélites,
AFLP ou RAPDs.

SEQÜENCIAMENTO DE DNA
A maneira mais direta para medir a diversidade genética é determinar a seqüência
de bases do DNA. Isto é geralmente feito usando-se seqüenciadores de DNA.
O seqüenciamento ainda é relativamente demorado e caro, e tem sido usado
primariamente para propósitos taxonômicos, onde o DNAmt e/ou locos nucleares
são seqüenciados para um pequeno número de indivíduos. Entretanto, melhorias
técnicas têm reduzido marcadamente os custos e o tempo para o seqüenciamento
de DNA, como é evidente no Projeto Genoma do DNA Humano e em esforços
similares para outras espécies.

OUTROS MÉTODOS
Outros métodos, incluindo polimorfismo de tamanho em fragmento de restrição
(RFLP), polimorfismo de DNA amplificado ao acaso (RAPD), polimorfismo de
tamanho em fragmento amplificado (AFLP), polimorfismo de conformação em fita
simples (SSCP) e polimorfismo de um único nucleotídeo (SNP) são detalhados em
Frankham et al. (2002).

DNA Mitocondrial (DNAmt)


A mitocôndria possui uma pequena molécula de DNA circular que é O DNA mitocondrial é
maternalmente herdada (da mãe para a prole) na maioria das espécies. maternalmente herdado na
O DNAmt é relativamente abundante, uma vez que existem muitas mi- maioria das espécies. Ele é
tocôndrias por célula, e é fácil purificar. A diversidade genética nesse amplamente usado para estudar
DNA pode ser detectada através de diversos métodos, incluindo cortes as relações taxonômicas e as
com enzimas de restrição (RFLP), SSCP e seqüenciamento (Quadro 2.2). diferenças entre as populações
de uma espécie
Já estão disponíveis iniciadores para vários locos do DNAmt que fun-
cionam para muitas espécies. Esses locos podem ser amplificados via
PCR e os produtos seqüenciados. O seqüenciamento do DNAmt tem
algumas vantagens sobre outras técnicas, como o fato de poder ser uti-
lizado após uma amostragem não-invasiva, apresentar uma alta taxa
de mutação e ser altamente variável, e poder ser usado para rastrear
especificamente a linhagem feminina dos descendentes ou os padrões
de migração. Sua desvantagem é que investiga somente a unidade de
herança materna. Nos Capítulos 6 e 9 apresentaremos considerações
28 DIVERSIDADE GENÉTICA

adicionais sobre a variação do DNAmt, considerando que seu principal


uso na conservação está na resolução de incertezas taxonômicas, na
definição de unidades de manejo, e no auxílio ao entendimento de
aspectos importantes da biologia das espécies.
O DNA dos cloroplastos das plantas pode ser usado para propostas
similares.

Níveis de diversidade genética no DNA


Existe uma grande diversidade O primeiro estudo extensivo da variação na seqüência do DNA em
genética nas seqüências do um loco numa população foi realizado para o loco do gene álcool de-
DNA entre os indivíduos de sidrogenase (Adh) em moscas de frutas. Entre 11 amostras, 43 sítios
uma espécie exogâmica foram polimórficos ao longo de 2379 pares de bases. A maioria das mu-
danças de base (42/43) não resultou em substituições de aminoácidos
(isto é, são silenciosas, ou substituições sinônimas) uma vez que elas
ocorriam em regiões não-codantes dos locos (íntrons), ou envolviam
a terceira posição do códon que determinava o aminoácido. Tais va-
riações não são detectadas pela eletroforese das proteínas. Variações
de seqüências no loco da Adh foram ainda maiores em duas espécies
de plantas exogâmicas da família Brassica do que a encontrada nas
moscas de frutas.
A maioria do polimorfismo
Os maiores níveis de diversidade genética no DNA são tipicamente
encontrado no DNA tem encontrados nas seqüências com pouco significado funcional. Essas va-
pouco significado funcional, uma riantes ou não codificam para produtos funcionais, ou as substituições
vez que ocorrem em regiões não mudam as funções das moléculas, isto é, não são fenotipicamen-
não-codantes do genoma, ou te expressas. Dessa forma, a seleção não atua contra tais mudanças.
não alteram as seqüências de Inversamente, a menor diversidade genética é encontrada em regiões
aminoácidos de uma proteína
moleculares funcionalmente importantes, tais como os sítios ativos
das enzimas. Muito do DNA em um organismo não codifica para pro-
dutos funcionais.
Existem duas exceções importantes para a generalização de que o
polimorfismo é menor em regiões com funções importantes. Essas são
o complexo de histocompatibilidade principal (MHC – uma grande fa-
mília de genes que desempenham um papel central no sistema imune
dos vertebrados e no combate a doenças) e os locos de auto-incompa-
tibilidade (SI) em plantas. Ambas as regiões têm níveis extremamente
altos de diversidade genética devido à seleção natural que favorece
diferenças entre indivíduos dentro das populações.
Os microssatélites são atualmente usados rotineiramente para
Os microssatélites
proporcionam uma das medir a diversidade genética em uma variedade de espécies, muitas
maneiras mais práticas delas em perigo. Tipicamente eles mostram altos níveis de polimorfis-
e poderosas atualmente mo e muitos alelos por loco. Por exemplo, repetições CA são comuns
disponíveis para acessar a e freqüentemente variam em número de repetições dentro de uma
diversidade genética em população. Tal diversidade tem sido encontrada em todas as espécies
espécies ameaçadas até agora examinadas. Dados de uma pesquisa sobre a variação de mi-
crossatélites em oito locos em 39 chimpanzés selvagens detectaram
uma média de 5,75 alelos por loco e uma heterozigosidade média de
0,70 (Tabela 2.6). O poder de resolução dos microssatélites permite a
determinação de paternidades e a detecção de migrantes, geralmente
impossível de ser realizado com a resolução das aloenzimas.
BAIXA DIVERSIDADE GENÉTICA EM ESPÉCIES AMEAÇADAS 29

Tabela 2.6 | Variação em oito locos de microssatélites em 39


chimpanzés selvagens do Parque Nacional Gombe, Tanzânia. São
dadas as freqüências alélicas em cada um dos oito locos, com as
proporções de heterozigosidade individual (H) para cada loco e o
número médio de alelos por loco (A).
Loco
Alelo D19S431 D9S905 D18S536 DS243 D1S548 D9S922 D2S1326 D9S302
1 0,458 0,086 0,412 0,197 0,219 0,016 0,258 0,071
2 0,097 0,186 0,074 0,224 0,516 0,210 0,182 0,014
3 0,042 0,057 0,074 0,210 0,266 0,064 0,061 0,057
4 0,014 0,243 0,265 0,013 0,290 0,288 0,014 Komodo Mago
5 0,028 0,429 0,176 0,132 0,355 0,182 0,071 TRADUZIR
6 0,361 0,224 0,064 0,030 0,100
7 0,586
8 0,029
9 0,057
H 0,647 0,712 0,718 0,799 0,615 0,737 0,780 0,629
H média = 0,705
A = 5,75
Fonte: Constable et al. (2001). Komodo dragon
TRADUZIR

Baixa diversidade genética em espécies ameaçadas


A abundante diversidade genética encontrada em populações grandes
Populações pequenas ou
contrasta com a encontrada em muitas populações pequenas ou popu- populações que sofreram
lações que sofreram gargalo. Por exemplo, o elefante marinho do norte gargalo freqüentemente têm
foi caçado até quase a extinção, mas subseqüentemente se recuperou uma diversidade genética
do gargalo em seu tamanho populacional. Esta espécie não exibe va- reduzida
riação em aloenzimas e possui nível substancialmente reduzido de va-
riação em microssatélites em comparação a espécies relacionadas que
não passaram por um gargalo.
A maioria das espécies ameaçadas tem menor diversidade genética
Espécies ameaçadas geralmente
do que espécies relacionadas não ameaçadas, com grande tamanho têm menores níveis de
populacional (Tabela 2.7). De 137 espécies ameaçadas examinadas, diversidade genética do que
77% têm menor diversidade genética do que espécies relacionadas não espécies não ameaçadas
em perigo. Por exemplo, espécies em perigo tais como o marsupial
Lasiorhinus krefftii do norte e o lobo da Etiópia apresentam pouca va-
riação em locos de microssatélites quando comparados com espécies
relacionadas não ameaçadas. No geral, espécies ameaçadas têm 60%
da diversidade genética das espécies não ameaçadas. Como veremos, a
explicação mais provável é que espécies ameaçadas sofreram reduções
no tamanho populacional que resultaram diretamente na perda da
diversidade genética.
30 DIVERSIDADE GENÉTICA

Tabela 2.7 | Níveis de diversidade genética de microssatélites numa série de espécies ameaçadas e espécies
relacionadas não ameaçadas. O número médio de alelos por loco (A) e heterozigosidade (H) são dados
para os locos polimórficos. As espécies globalmente ameaçadas, ou previamente ameaçadas, são colocadas
adjacentes às espécies não ameaçadas mais relacionadas para as quais existem dados disponíveis.
Espécies ameaçadas A H Espécies não ameaçadas A H
Rinoceronte preto 4,2 0,69 Búfalo Africano 8,6 0,73
Lobo mexicano 2,7 0,42 Lobo cinza 4,5 0,62
Lobo da Etiópia 2,4 0,21 Coiote 5,9 0,68
Cachorro selvagem Africano 3,5 0,56 Cachorro doméstico 6,4 0,73
Gueopardo 3,4 0,39 Leão Africano 4,3 0,66
Corvo Mariana 1,8 0,16 Corvo Africano 6,0 0,68
Falcão-de-Mauritius 1,4 0,10 Falcão Europeu 5,5 0,68
Falcão-de-Seychelles 1,3 0,12 Falcão Maior 4,5 0,59
Falcão peregrino 4,1 0,48 Falcão Menor 5,4 0,70
Coala 8,0 0,81
Lasirhinus krefftii do norte 2,1 0,32 Lasirhinus krefftii do sul 5,9 0,71
Marsupial Potorous de pata-longa 3,7 0,56 Wallaby Petrogale assimilis 12,0 0,86
Wallaby Onychogalea fraenata 11,6 0,83
Dragão-de-Komodo 4,0 0,31 Jacaré Americano 8,3 0,67
Mogno 9,7 0,55 Mogno Real 9,3 0,67
Fonte: Frankham et al. (2002).

Quais componentes da diversidade genética


determinam a habilidade para evoluir?
A variação genética quantitativa O potencial evolutivo é medido de forma mais direta estimando-se
para características de a variação genética quantitativa para o sucesso reprodutivo. O sucesso
história de vida é a principal reprodutivo é o número de descendentes férteis com que um indivíduo
determinante do potencial contribui para a próxima geração, e inclui a sobrevivência até a matu-
evolutivo. Infelizmente, temos ridade sexual e a habilidade de reproduzir e criar seus descendentes.
pouca informação sobre esta Infelizmente, esta variação genética quantitativa é a mais difícil de ser
forma de diversidade genética e medida e é o aspecto da diversidade genética para o qual temos menos
ela é a mais difícil de ser medida informação nas espécies ameaçadas. Outras medidas tais como a varia-
ção no DNA e em aloenzimas somente refletem o potencial evolutivo
se estiverem correlacionados com a variação genética quantitativa.
Infelizmente, as correlações entre as medidas moleculares e quantita-
tivas da diversidade genética são freqüentemente baixas.

LEITURAS SUGERIDAS
'Frankham, R., J. D. Ballou & D. A. Briscoe. 2002. Introduction to Conservation
Genetics. Cambridge University Press, Cambridge, UK. Chapters 3--5
have extended treatments of these topics, plus references.
Avise, J. C. & J. Hamrick. (eds.) 1996. Conservation Genetics: Case Histories
from Nature. Chapman & Hall, New York. Advanced scientific reviews
on the conservation of major groups of animals and plants, including
considerable information on genetic diversity.
Smith, T. B. & R. K. Wayne. (eds.) 1996. Molecular Genetic Approaches in
Conservation. Oxford University Press, New York. Contains information
on genetic diversity in threatened species and the diverse molecular
Cheetah methods for measuring it. Advanced.

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