Você está na página 1de 66

GENÉTICA

Ricardo Tabach
1 ÁCIDOS NUCLEICOS E HEREDITARIEDADE

Genética é o nome dado ao estudo da hereditariedade, o processo pelo qual as


características são passadas dos genitores para a prole de modo que todos os
organismos, inclusive os seres humanos, se assemelhem a seus ancestrais. O conceito
central da genética é que a hereditariedade é controlada por um grande número de
fatores, os genes, que são pequenas partículas físicas presentes em todos os
organismos vivos.

Neste bloco abordaremos os aspectos fundamentais de genética e as regras que


controlam a transmissão da informação genética em três níveis: do genitor à
descendência, dentro das famílias; do DNA à ação dos genes dentro das células e entre
elas; e ao longo de muitas gerações dentro de populações de organismos. Serão
apresentados alguns dos conceitos básicos dessa disciplina, os quais foram
descobertos ao longo dos últimos 100 anos.

1.1 DNA como material genético

O ácido desoxirribonucleico é uma substância química localizada no núcleo da célula e


está envolvido em várias funções como a transmissão de caracteres hereditários e a
produção de proteínas, além de conter todas as informações necessárias para o
crescimento e desenvolvimento das células e a manutenção das funções celulares ao
longo da vida. Trata-se de uma molécula informacional, que controla diversos
processos como o metabolismo celular, a síntese de macromoléculas, a diferenciação
celular e a transmissão do patrimônio genético de uma célula para outra.

3
1.1.1 DNA: constituição química

O DNA é uma molécula polinucleotídica formada por dois cordões de nucleotídeos


com estrutura helicoidal (dupla hélice), unidos por pontes de hidrogênio. Cada
nucleotídeo é formado por uma base nitrogenada, um fosfato e um açúcar
(desoxirribose) que contém 5 átomos de carbono e inclui-se no grupo das pentoses. As
bases nitrogenadas são classificadas em púricas (adenina e guanina) e pirimídicas
denominadas citosina, timina (exclusiva do DNA) e uracila ( exclusiva do RNA). Um
nucleosídeo é formado pela base nitrogenada e a pentose, ao passo que um
nucleotídeo é formado pelo nucleosídeo ligado a um fosfato.

O DNA é uma estrutura complexa com uma família de proteínas básicas denominadas
histonas e com um grupo heterogêneo de proteínas ácidas não histônicas que estão
bem menos caracterizadas.

O nucleossomo é formado por duas cópias de cada uma das quatro histonas: H2A,
H2B, H3 e H4 em torno do qual um segmento de DNA se enrola duas vezes (140 pares
de bases de DNA), separados por 20 - 60 pares de bases. O nucleossomo é a unidade
estrutural básica da cromatina.

O solenoide é formado pela compactação dos nucleossomos em estruturas de


cromatina secundárias helicoidais com cerca de 30 nm diâmetro. Um solenoide é
composto por seis nucleossomos.

1.1.2 Cromossomos

Os cromossomos são constituídos por duas regiões longitudinais idênticas chamadas


cromátides, que são unidas pelo centrômero. O centrômero, também chamado de
constricção primária, divide os cromossomos em cromátides e, de acordo com a sua
posição, os cromossomos podem ser metacêntricos (braços do mesmo tamanho),
submetacêntricos (braços de tamanhos diferentes) ou acrocêntricos (braços curtos das
cromátides muito pequenos). As células humanas possuem 46 cromossomos, portanto
46 moléculas de DNA, organizados em 22 pares chamados autossomos e um par de
cromossomos sexuais (XX ou XY), que diferem de acordo com o sexo.

4
1.1.3 Conceito de gene

O gene é um segmento do DNA, de tamanho variável de acordo com o tipo de


informação contida nele. A maioria dos genes (sequências codificantes chamadas
éxons) é interrompida por sequências não codificadoras (intercalares ou íntrons) que
são transcritos em RNA no núcleo da célula, mas não estão presentes no RNA
mensageiro maduro, no citoplasma.

1.2 Conceitos básicos em genética

As informações genéticas são codificadas na estrutura molecular dos ácidos nucleicos,


que são de dois tipos: ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA). Os
ácidos nucleicos são polímeros de unidades repetidas chamadas de nucleotídios, e
cada um deles consiste em um açúcar, um fosfato e uma base nitrogenada. A
sequência dessas bases codifica as informações genéticas, sendo que a maior parte
dos organismos carrega suas informações genéticas no DNA. Um gene, do ponto de
vista estrutural, pode ser definido como um segmento do DNA e é a unidade
fundamental da hereditariedade. Muitos genes codificam características ao descrever
a estrutura das proteínas. As informações genéticas são transcritas primeiro do DNA
para o RNA e então o RNA é traduzido na sequência de aminoácidos de uma proteína.

Existem várias formas de apresentação de um gene, denominadas de alelos. Por


exemplo, um gene para cor de pelo nos gatos pode existir como um alelo que codifica
o pelo preto ou um alelo que codifica o pelo laranja, na sua forma dominante ou
recessiva. Os genes alelos sempre ocupam a mesma posição em cromossomos
homólogos e determinam a mesma característica.

O genótipo é o conjunto de informações genéticas que um organismo possui; a


característica observável determinada pelo genótipo é o seu fenótipo.

5
Os cromossomos consistem em DNA e proteínas associadas. As células de cada espécie
têm um número característico de cromossomos; por exemplo, as células bacterianas
têm um único cromossomo, as células humanas têm 46 (organizados em 23 pares) e as
células do pombo, 80. Cada cromossomo carrega vários genes e são separados por
meio de processos de divisão celular, a mitose e meiose.

As mutações gênicas são alterações permanentes nas informações genéticas que


afetam as informações de apenas um único gene. Já as mutações dos cromossomos
alteram o número ou a estrutura dos cromossomos e, portanto, em geral, afetam
muitos genes, originando as aberrações numéricas ou estruturais dos cromossomos.

Algumas características são afetadas por múltiplos genes que interagem de formas
complexas com os fatores ambientais, fazendo com que o fenótipo seja o resultado da
ação conjunto do genótipo e do ambiente. A altura do ser humano, por exemplo, é
afetada por muitos genes, além de fatores ambientais como nutrição.

1.3 Mendelismo e suas extensões

Mendel publicou em 1886 os resultados de uma série de experiências com ervilhas,


que serviram de base para o desenvolvimento da genética. No início, estudou a
transmissão de uma única característica de cada vez (lisa ou rugosa, verde ou amarela,
altas ou baixas entre outras) e quantificou os resultados de várias gerações. Mendel
estudou a herança de sete características diferentes em ervilhas, cada característica
controlada por um gene diferente. A partir dos resultados obtidos, foram elaborados
dois princípios essenciais:

a) O princípio da dominância: em um heterozigoto, um alelo pode ocultar a


presença de outro. Esse princípio é uma afirmação sobre a função genética.
Alguns alelos controlam claramente o fenótipo mesmo quando estão
presentes em uma única cópia.

6
b) O princípio da segregação: em um heterozigoto, dois alelos diferentes
segregam-se um do outro durante a formação dos gametas. Esse princípio é
uma afirmação sobre a transmissão genética. Um alelo é transmitido fielmente
à próxima geração, mesmo que esteja presente com um alelo diferente em um
heterozigoto. A base biológica desse fenômeno é o pareamento e a
subsequente separação de cromossomos homólogos durante a meiose.

Mendel também fez experimentos com plantas que diferiam em duas características
ao mesmo tempo. Ele cruzou, por exemplo, plantas que produziam sementes amarelas
e lisas com plantas que produziam sementes verdes e rugosas. O objetivo desses
experimentos era verificar se a herança das duas características da semente, cor e
textura, era independente. Como as sementes da F 1 eram todas amarelas e lisas, os
alelos para essas duas características eram dominantes. Mendel cultivou plantas a
partir dessas sementes e permitiu a autofertilização. Em seguida, classificou as
sementes da F 2 e contou-as segundo o fenótipo.

A pesquisa de Mendel o levou a formular três princípios da herança:

1) os alelos de um gene são dominantes ou recessivos;

2) alelos diferentes de um gene segregam-se durante a formação dos gametas; e

3) os alelos de diferentes genes são distribuídos de modo independente.

Os estudos de Mendel foram organizados na forma de leis que receberam o seu nome
e que se aplicam a todas as espécies diploides, incluindo a espécie humana.

1) Lei da segregação dos fatores: “Cada caráter é determinado por um par de


fatores que se separam na formação dos gametas, indo um fator do par para
cada gameta, que é, portanto, puro”.

2) Lei da segregação independente: “as diferenças de uma característica são


herdadas independentemente das diferenças em outras características”.

7
Algumas pesquisas posteriores mostraram que podem existir mais de dois alelos por
loco, como é o caso do Sistema ABO dos grupos sanguíneos com os alelos A, B e O.
Além disso, as relações entre os alelos para gerar o fenótipo podem ser variadas. É o
caso da base genética da cor da flor boca-de-leão, onde o alelo W é incompletamente
dominante em relação a w. As diferenças entre os fenótipos poderiam ser causadas
por diferenças na quantidade do produto especificado pelo alelo W. Trata-se de um
caso de dominância incompleta, onde o heterozigoto apresenta um fenótipo
intermediário em relação aos homozigotos. Outro ponto importante é que um gene
pode influenciar outro gene. Quando dois ou mais genes influenciam uma
característica, um alelo de um deles pode prevalecer no fenótipo, sendo epistático em
relação aos outros genes participantes; o termo epistasia vem do grego e significa
“estar acima”. Por exemplo, sabemos que muitos genes participam da pigmentação do
olho em Drosophila (mosca de fruta). Se uma mosca é homozigota para um alelo nulo
em um desses genes, a via de síntese do pigmento pode ser bloqueada, causando
anormalidade da cor do olho. Em essência, esse alelo anula a ação de todos os outros
genes, mascarando suas contribuições para o fenótipo.

Segundo Griffiths et al. (2019, p. 211), às vezes um fenótipo pode não corresponder ao
seu genótipo e existem diversos motivos possíveis como, por exemplo:

1. A influência do ambiente. Indivíduos com o mesmo genótipo podem


demonstrar uma diversidade de fenótipos, dependendo do ambiente.
[No caso dos seres humanos, a cor da pele, a altura e o peso são
exemplos de características influenciadas pelo ambiente].
2. A influência de interação com outros genes. Modificadores não
caracterizados, genes epistáticos ou supressores no restante do
genoma atuam para prevenir a expressão do fenótipo típico.
3. (...)

Conclusão

O DNA é um polinucleotídeo, sendo considerado como uma molécula informacional


que exerce o controle de diversos processos como o metabolismo celular, a síntese de
macromoléculas, a diferenciação celular e a transmissão do patrimônio genético de
uma célula para outra. Associado com proteínas, forma os cromossomos.

8
As Leis de Mendel se aplicam a todos os seres vivos. Contudo, com o passar do tempo
e com o avanço das pesquisas em Genética, outros fatores relacionados com a
transmissão das características hereditárias foram elucidados, caracterizando o que
ficou conhecido como Extensões do Mendelismo.

REFERÊNCIAS

GRIFFITHS, A.J.F. et al. Introdução à genética. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2016.

KLUG, W. et al. Conceitos de genética. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

PIERCE, B. A. Genética: um enfoque conceitual. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara


Koogan, 2017.

SNUSTAD, D. P. Fundamentos de genética. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,


2018.

9
GENÉTICA
Ricardo Tabach
2 HEREDOGRAMAS E PADRÕES DE HERANÇA

A genética clássica analisa as relações entre seres humanos com base em seu
parentesco e, dessa maneira, o padrão de transmissão de determinada característica
monogênica pode ser reconhecido por meio do levantamento da história familiar do
indivíduo portador daquele traço. Com a elaboração de um heredograma ou árvore
genealógica, uma das ferramentas mais utilizadas na genética médica, que nada mais é
do que a representação gráfica de uma história familiar, é possível acompanhar a
transmissão de um traço de pais para filhos em múltiplas gerações de uma genealogia.

Desse modo, o levantamento das informações relativas à determinada condição que


segrega em uma família constitui o primeiro passo para avaliar se a característica em
questão é transmitida de modo monogênico. Da análise do heredograma, que deve
conter o maior número possível de dados de indivíduos em diferentes gerações, será
possível estabelecer o padrão de herança do traço. O pequeno tamanho das famílias,
bem como a falta de informação relativa aos parentes mais distantes, é fator que pode
dificultar ou mesmo impossibilitar a avaliação do padrão de transmissão gênica.

2.1 Elaboração de heredogramas

Heredograma é a representação gráfica de uma genealogia, ou seja, é o estudo de


transmissão de características de uma família. Portanto, trata-se de uma série de
cruzamentos genéticos mendelianos envolvendo parentes e sua análise pode gerar
pistas importantes sobre uma determinada condição genética que o estudo de uma
família ou paciente isolado não consegue.

Os heredogramas são organizados por geração e representados por símbolos,


conforme pode ser visto a seguir.

10
Fonte: adaptado de GRIFFITHS et al., 2019.

Figura 2.1 – Símbolos de heredogramas.

Aqui está uma dica útil: para começar a interpretar um padrão de herança, inverta a
maneira como normalmente pensa a respeito da transmissão gênica. Em vez de
procurar o surgimento de um traço na prole de uma família, olhe a partir da geração
da prole para trás em direção aos pais. Em outras palavras, comece procurando por
padrões de transmissão movendo sua atenção heredograma acima, não para baixo. Se,
por exemplo, uma criança apresentar um traço dominante, então se espera que um
dos pais o apresente também. A outra direção não é tão certa. Só porque um genitor
possui um traço dominante não significa que um de seus poucos filhos irá
necessariamente herdá-lo.

Um membro de uma família que primeiramente chama a atenção dos parentes ou de


um geneticista é denominado probando, propósito ou caso índice. Normalmente, o
fenótipo do probando é de algum modo excepcional apresentando, por exemplo,
algum tipo de distúrbio clínico. O investigador em seguida traça o histórico do fenótipo
por meio do histórico da família e desenha uma árvore genealógica, ou heredograma,
específica para o caso com a utilização dos símbolos padronizados mais adequados.

11
2.2 Padrões de herança

As características monogênicas em geral são chamadas de mendelianas, pois, assim


como as características das ervilhas estudadas por Mendel, elas ocorrem em média em
proporções fixas entre a prole de tipos específicos de reprodução (NUSSBAUM;
MCINNES; WILLARD, 2008).

Os distúrbios monogênicos são caracterizados por seu padrão de transmissão nas


famílias. Para estabelecer o padrão de transmissão, em geral a primeira etapa é obter
informações sobre a história familiar do paciente e resumir os detalhes sob a forma de
um heredograma, uma representação gráfica de uma árvore genealógica, usando uma
série de símbolos padronizados (NUSSBAUM; MCINNES; WILLARD, 2008).

Os padrões apresentados pelos distúrbios monogênicos nos heredogramas dependem


principalmente de dois fatores:

1) Se o fenótipo é dominante, expresso quando apenas um cromossomo de um par


porta o alelo mutante, a despeito de haver um alelo normal no outro cromossomo do
par) ou recessivo, expresso apenas quando ambos os cromossomos de um par portam
o alelo mutante (NUSSBAUM; MCINNES; WILLARD, 2008).

2) O local cromossômico do gene, que pode ser autossômico (situado em um


autossomo) ou ligado ao X (situado no cromossomo X) (NUSSBAUM; MCINNES;
WILLARD, 2008).

2.2.1 Herança autossômica ou herança ligada ao X?

A distinção entre herança autossômica e ligada ao X depende da localização


cromossômica do gene. A expressão clínica de um gene anormal também depende de
ele ser autossômico ou ligado ao X. Existem duas considerações, que são importantes:
primeiro, os homens têm apenas um X e, portanto, são ditos hemizigotos com relação
aos genes ligados ao X em vez de homozigotos ou heterozigotos. Os homens 46, XY
nunca são heterozigotos para características ligadas ao X (NUSSBAUM; MCINNES;
WILLARD, 2008).
12
Segundo, para compensar o complemento duplo de genes ligados ao X nas mulheres,
os alelos para a maioria dos genes ligados ao X são expressos por apenas um dos dois
cromossomos X em qualquer célula determinada de uma mulher (por exemplo, devido
à inativação do X), enquanto ambos os alelos da maioria dos locus autossômicos, mas
não de todos, estão ativos (NUSSBAUM; MCINNES; WILLARD, 2008). Um critério de
exclusão de herança ligada ao X é a transmissão do fenótipo de homem para homem.

2.2.2 Herança dominante ou herança recessiva?

Por definição, um fenótipo expresso do mesmo modo tanto em homozigotos quanto


em heterozigotos é dominante, enquanto um fenótipo expresso apenas em
homozigotos é recessivo. Os distúrbios autossômicos dominantes são tipicamente mais
graves nos homozigotos que nos heterozigotos. Quando o fenótipo devido a um
genótipo heterozigoto é diferente do fenótipo visto em ambos os genótipos
homozigotos e sua gravidade é intermediária a eles, o fenótipo pode ser descrito mais
precisamente como sendo incompletamente dominante. Se a expressão de cada alelo
puder ser detectada mesmo na presença do outro, os dois alelos serão chamados
de codominantes (NUSSBAUM; MCINNES; WILLARD, 2008).

A distinção entre herança dominante e recessiva não é absoluta. É uma designação


arbitrária baseada em fenótipos clínicos, que pode não ter significado no nível da ação
gênica, Embora um fenótipo recessivo seja definido como sendo clinicamente
indetectável em heterozigotos, muitas características classificadas como recessivas
têm manifestações no heterozigoto quando examinadas no nível celular, bioquímico
ou molecular.

Dessa forma, existem quatro padrões básicos de herança monogênica, sendo duas
autossômicas (ou seja, relacionadas aos cromossomos não sexuais) e duas ligadas ao
cromossomo X (cromossomo sexual). Estas duas últimas serão descritas no subitem 2.3
Herança ligada ao sexo.

13
1) Herança autossômica dominante

Na herança autossômica dominante, um fenótipo é expresso da mesma maneira em


homozigotos e heterozigotos. Toda pessoa afetada em um heredograma possui um
genitor afetado, que por sua vez possui um genitor afetado, e assim por diante. Os
principais critérios para a herança autossômica dominante são:

a) O fenótipo aparece em todas as gerações, e toda pessoa afetada tem um genitor


afetado.
b) Qualquer filho de genitor afetado tem um risco de 50% de herdar o fenótipo.
c) Familiares fenotipicamente normais não transmitem o fenótipo para seus filhos.
d) Homens e Mulheres têm a mesma probabilidade de transmitir o fenótipo aos filhos
de ambos os sexos.

Exemplo: Polidactilia (alteração no formato e número de dedos).

2) Herança autossômica recessiva

Os distúrbios autossômicos recessivos expressam-se apenas em homozigotos, que,


portanto, devem ter herdado um alelo mutante de cada genitor. Os principais critérios
para a herança autossômica recessiva são:

a) O fenótipo é encontrado tipicamente apenas na irmandade do probando e o


fenótipo salta gerações.
b) O risco de recorrência para cada irmão do probando é de 1 em 4.
c) Os pais do indivíduo afetado em alguns casos são consanguíneos.
d) Ambos os sexos têm a mesma probabilidade se serem afetados.

Como exemplos de herança autossômica recessiva podemos citar a fibrose cística, uma
doença pulmonar crônica, acompanhada de insuficiência pancreática e aumento da
concentração de cloreto no suor. O albinismo (ausência de pigmentação da pele) e a
anemia falciforme (alteração do formato de hemácia) também sã exemplos de herança
autossômica recessiva.

14
2.3 Herança ligada ao sexo

Em muitos organismos, incluindo os seres humanos, o sexo é determinado


cromossomicamente, sendo na maioria das vezes XX para a fêmea e XY para o macho.

No caso do ser humano, o cromossomo Y é consideravelmente menor do que o


cromossomo X, existindo regiões homólogas, ou seja, pareadas com o cromossomo X,
e regiões diferenciais, não pareadas, onde se localizam a maioria dos genes que não
tem correspondência no outro cromossomo sexual. A herança ligada ao sexo tem os
seus padrões determinados por genes localizados nas regiões diferenciais dos
cromossomos sexuais e apresentam proporções fenotípicas diferentes em cada sexo.

Assim, podemos classificar este tipo de herança em:

a) Herança ligada ao X: alelos mutantes na região diferencial do cromossomo X;


pode ser dominante ou recessiva.

a.1) Herança dominante ligada ao X

Um fenótipo ligado ao X é descrito como dominante se ele se expressar regularmente


em heterozigotos. Os principais critérios desta herança são:

A. Os homens afetados com companheiras normais não têm nenhum filho afetado
e nenhuma filha normal.

B. Os filhos de ambos os sexos de portadores possuem um risco de 50% de herdar


o fenótipo.

Um exemplo deste tipo de herança é a Síndrome de Rett, caracterizada por uma


síndrome de retardamento mental acentuado.

15
a.2) Herança recessiva ligada ao X: Os genes que determinam esta herança estão
localizados na região do cromossomo X, sem correspondência no Y. Em função disto,
esta herança é mais comum em homens do que em mulheres e há uma ausência de
transmissão pai-filho, mas sim de um homem afetado para todas as suas filhas; além
disso, observa-se um “salto” de gerações quando os genes são passados por mulheres
portadoras, que são heterozigotas para esta característica.

Uma das doenças determinada por este tipo de herança é o daltonismo, em que os
genes para a visão das cores localizados nos braços longos do X sofrem uma mutação.
Entre os vários tipos de daltonismo, temos a deuteranopia (incapacidade para
perceber o verde); a protanopia (incapacidade para perceber o vermelho) e a
tritanopia (incapacidade para perceber o azul). A frequência do daltonismo é maior em
homens do que em mulheres. Um outro exemplo é a hemofilia, em que há um defeito
no processo de coagulação do sangue. A coagulação é um processo fisiologicamente
importante e que depende da ação em sequência de muitas proteínas (cascata da
coagulação); a deficiência de uma destas proteínas chamada fator VIII provoca
sangramento prolongado e severo de lesões e hemorragia tanto nas articulações como
também nos músculos.

b) Herança ligada ao Y: alelos mutantes na região diferencial do cromossomo Y.

b.1) Herança ligada ao Y: neste caso, os genes estão localizados no cromossomo Y, sem
correspondência no X; portanto, trata-se de uma herança restrita ao sexo, pois
aparece apenas no sexo masculino. Também é conhecida como herança holândrica. A
hipertricose auricular é caracterizada pela presença de pelos no pavilhão auditivo,
muito comum em homens indianos, e tem sido considerado talvez o único exemplo, na
espécie humana, de herança holândrica.

16
c) Herança limitada pelo sexo: neste caso, os genes não estão localizados nos
cromossomos sexuais, mas nos autossomos e só se manifestam em um dos sexos.
Como exemplo, temos o tipo de barba, quantidade e distribuição de pelos pelo corpo e
musculatura mais desenvolvida que só se expressam na presença de hormônios
masculinos. Já nas mulheres, o desenvolvimento das glândulas mamárias e tipo de
cintura pélvica, mais larga, só se expressam na presença de hormônios femininos.

d) Herança influenciada pelo sexo: neste tipo de herança, o genótipo se expressa em


ambos os sexo de diferentes maneiras. Como exemplo, temos a calvície, em que o
gene responsável por esta característica é dominante no homem e recessivo nas
mulheres.

Conclusão

A determinação da base genética mais provável de uma característica genética


depende de diferentes tipos de cruzamento e de um grande número de descendentes.
A análise do padrão genético por este método não é possível nos seres humanos, uma
vez que os cruzamentos não podem ser controlados, e o número de descendentes é,
em geral, pequeno. Entretanto, o padrão de herança mais provável pode, em certos
casos, ser determinado examinando-se a segregação dos alelos em algumas gerações
de indivíduos da família. Isto é feito com árvores genealógicas que mostrem o fenótipo
de cada um dos membros da família. Este tipo de diagrama é denominado
heredograma, cuja análise pode revelar distúrbios autossômicos ou ligados aos
cromossomos sexuais, de ambos os tipos, dominante e recessivo.

Em muitos organismos, o sexo é determinado cromossomicamente e, tipicamente, XX


é o sexo feminino e XY é o sexo masculino. Os genes no cromossomo X (genes ligados
ao X) não apresentam correspondentes no cromossomo Y e demonstram um padrão
de herança monogênica que difere nos dois sexos, resultando com frequência em
proporções diferentes nas progênies masculina e feminina.

17
Seguindo a mesma linha de raciocínio, observamos o mesmo processo no Y em relação
ao X (herança restrita ao sexo). Além disso, as diferenças hormonais entre os sexos e
as diferentes formas de manifestação de alguns genes também determinam fenótipos
diversos no sexo masculino ou feminino.

REFERÊNCIAS

BORGES-OSÓRIO, M.R.L.; ROBINSON, W.M. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2013.

GRIFFITHS, A.J.F. et al. Introdução à genética. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2019.

NUSSBAUM, R.L.; MCINNES, R.R.; WILLARD, H.F. Thompson & Thompson, Genética
médica. 7. Ed. Tradução: Luciane Faria de Souza Pontes et al. Rio de Janeiro: Elsevier,
2008.

PIMENTEL, M.M.G.; GALLO, C.V.M.; SANTOS-REBOUÇAS, C.B. Genética essencial. Rio


de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

SCHAEFER, G.B.; THOMPSON, J. Genética médica. Porto Alegre: AMGH, 2015.

18
GENÉTICA
Ricardo Tabach
3 GENÉTICA DOS GRUPOS SANGUÍNEOS

Segundo Borges-Osório e Robinson (2013, p. 336),


O estudo dos sistemas de grupos sanguíneos forneceu importante
contribuição ao conhecimento das leis da hereditariedade na espécie
humana, uma vez que a redescoberta das leis de Mendel e a descoberta do
primeiro sistema de grupos sanguíneos (ABO) ocorreram no mesmo ano,
isto é, em 1900.

De acordo com Griffiths et al. (2019, p. 194),

Os grupos sanguíneos ABO são determinados por três alelos de um gene


que interagem de diversos modos para produzir os quatro tipos sanguíneos
A B
do sistema ABO. Os três alelos principais são i, I e I , mas uma pessoa pode
apresentar apenas dois dos três alelos ou duas cópias de um deles. (...)

Nessa série alélica, os alelos determinam a presença e o tipo de uma


molécula de açúcar complexa presente sobre a superfície dos eritrócitos.
Essa molécula de açúcar é um antígeno, uma molécula de superfície celular
que pode ser reconhecida pelo sistema imune. Os alelos
A B
I e I determinam dois tipos diferentes dessa molécula de superfície celular.
Entretanto, o alelo i resulta na ausência de uma molécula de superfície
celular desse tipo (é um alelo nulo).

O conhecimento sobre os grupos sanguíneos tem uma grande importância para


transfusões, consequências clínicas de incompatibilidades, transplantes, estudos
populacionais e genética forense.

3.1 Genótipo e fenótipo dos grupos sanguíneos

Segundo Borges-Osório e Robinson (2013, p. 334),

O sistema [ABO dos grupos sanguíneos] foi descoberto em 1900 por


Landsteiner, que observou que os indivíduos da espécie humana podiam ser
classificados em quatro grupos ou tipos, de acordo com a presença ou
ausência dos antígenos (ou aglutinogênios) A e B nas hemácias e dos
anticorpos (ou aglutininas) anti-A e anti-B no soro.

Os genes que determinam os diversos tipos sanguíneos são denominados alelos


múltiplos, pois há, no mínimo, três alelos (IA, IB e i), localizados nos autossomos
(cromossomos não sexuais), sendo que um indivíduo pode possuir qualquer
combinação de um mesmo alelo (IAIA, IBIB) ou de dois alelos diferentes (IAi, IAIB etc.).

19
Seguindo esta classificação, temos os seguintes tipos sanguíneos:

a) Tipo sanguíneo A: o gene responsável pela produção do antígeno A é


designado pelas letras IA e é dominante em relação ao gene responsável
pelo tipo O (representado pela letra i), podendo apresentar o genótipo IAIA
(homozigoto dominante) ou IAi (heterozigoto). Quando as células
sanguíneas têm apenas o antígeno A, o sangue é tipo A. No soro destas
pessoas encontramos o anticorpo anti-B, impedindo que estas pessoas
recebam uma transfusão de sangue do tipo B.

b) Tipo sanguíneo B: O gene responsável pela produção do antígeno B é


designado pela letra IB e também é dominante em relação ao gene
responsável pelo tipo O, podendo ser homozigoto dominante (IBIB) ou
heterozigoto (IBi). Quando as células sanguíneas têm apenas o antígeno B,
o sangue é do tipo B. No soro destas pessoas encontramos o anticorpo
anti-A, impedindo que estas pessoas recebam sangue do tipo A.

c) Tipo sanguíneo AB: O fenótipo AB ocorre graças à existência, ao mesmo


tempo, de um alelo IA e um alelo IB, fazendo com que haja a produção dos
antígenos A e B nas hemácias. Os dois alelos devem estar presentes, já que
se trata de um caso de codominância. Desta forma, encontramos tanto o
antígeno A como o antígeno B na membrana das hemácias das pessoas que
possuem este tipo sanguíneo. Neste grupo, não há anticorpos anti-A ou
anti-B.

d) Tipo Sanguíneo O: neste tipo sanguíneo, a pessoa tem um genótipo ii


(homozigoto recessivo) e não produz os antígenos A ou B, mas possui os
anticorpos anti-A e anti-B.

20
O quadro abaixo mostra um resumo das principais características destes grupos:

Antígeno (aglutinogênios Anticorpo


Genótipo Fenótipo
nas hemácias) (aglutininas no plasma)
A A
II A A anti-B
A
Ii A A anti-B
B B
II B B anti-A
B
Ii B B anti-A
A B
II AB A+B Nenhum

ii O nenhum anti-A e anti-B

3.2 Transfusões sanguíneas

Há vários grupos sanguíneos herdados independentemente entre si (ABO, Rh, MNS,


Kell, Lewis, etc). O sistema ABO é o de maior importância na prática transfusional por
ser o mais antigênico, ou seja, por ter maior capacidade de provocar a produção de
anticorpos, seguido pelo sistema Rh.

Os alelos A, B ou O formam um sistema trialélico, no qual dois deles (A e B)


determinam a expressão tanto de A quanto de B do antígeno de superfície eritrocitária
(hemácias), seguindo uma forma codominante (AB). O alelo O (recessivo) resulta da
ausência de da expressão desses antígenos.

O grupo A possui o antígeno A e o anticorpo anti-B; O grupo B possui o antígeno B e o


anticorpo anti- A; o grupo AB não possui anticorpos, mas possui os antígenos A e B e o
grupo O, por sua vez, não possui antígenos, mas possui os anticorpos anti-A e anti-B.
Uma característica do sistema ABO é a relação recíproca em um indivíduo, entre o
antígeno presente nas hemácias e os anticorpos presentes no soro: quando falta o
antígeno A nas hemácias, o soro contém anticorpos anti-A; quando falta o antígeno B,
o soro contém anticorpos anti-B.

21
Acredita-se que a formação de anticorpos anti-A e anti-B, na ausência de um
transfusão prévia, seja uma resposta à ocorrência natural de antígenos semelhantes ao
A e ao B no ambiente, como por exemplo em bactérias, provocando uma sensibilização
do organismo.

Após a sensibilização, os anticorpos permanecem por toda a vida. O conhecimento das


características dos diferentes grupos sanguíneos é importante para a determinação
adequada das transfusões sanguíneas, para o transplante de tecidos e órgãos e para a
prevenção da Doença Hemolítica do Recém Nascido (DHRN), doença que ocorre
devido à incompatibilidade do fator Rh entre mãe e filho.

Em relação às transfusões sanguíneas, o esquema abaixo mostra, de forma


simplificada, as possibilidades existentes relacionadas ao sistema ABO.

Fonte: PIERCE, 2017, p. 98.

Figura 3.1 – Tipos sanguíneos ABO e possíveis transfusões de sangue.

22
Assim resumidamente, temos:
a) Grupo A: transfusão para o grupo A e grupo AB; recebe do grupo A e do grupo
O;
b) Grupo B: transfusão para o grupo B e grupo AB; recebe do grupo B e do grupo
O.
c) Grupo AB: transfusão apenas para o próprio grupo AB, devido à presença de
antígeno A e B.; recebe de todos os grupos, pois não possui anticorpos anti A
ou anti B; se for também Rh-, é considerado como receptor universal.
d) Grupo O: transfusão para todos os grupos, pois não possui antígenos; só pode
receber uma transfusão de outro O devido a presença de anticorpos anti-A e
anti-B; se for também Rh+, é considerado como doador universal.

3.3 Determinação do fator Rh

Segundo Borges-Osório e Robinson (2013, p. 341),

O sistema de grupos sanguíneos Rh foi descoberto por Landsteiner e


Wiener, em 1940. Sua importância é a mesma do sistema ABO, isto é, em
transfusões, em obstetrícia, na incompatibilidade materno-fetal (...).

Esse sistema foi assim denominado porque foram usados macacos Rhesus
(...) nos experimentos que levaram à sua descoberta (...).

(...)

Apesar de ser mais complexo sob o aspecto molecular, para fins didáticos e
práticos o sistema de grupos sanguíneos Rh (...) pode ser descrito com um
único par de alelos, D e d.

(...) as pessoas RhD-positivas, ou simplesmente Rh-positivas, apresentam o


antígeno RhD, codificado pelo gene RHD, (...) enquanto as pessoas RhD-
negativas, ou Rh-negativas, não apresentam o antígeno RhD, porque nelas
está faltando o gene RHD (...).

Este antígeno, a exemplo dos antígenos do Sistema ABO, também é encontrado na


membrana plasmática das hemácias de tal forma que os indivíduos Rh+, determinado
por um gene representado pela letra D, são dominantes (DD ou Dd) em relação ao
gene que determina o Rh negativo (dd). As pessoas negativas para o fator Rh (Rh-), ao
contrário do Rh+, não possuem o antígeno Rh nas hemácias sendo, portanto,
recessivas para essa característica genética.

23
Ainda conforme Borges-Osório e Robinson (2013, p. 344),

Em geral, 85% dos indivíduos caucasoides são Rh-positivos (DD ou Dd) e 15%
são Rh-negativos (dd), mas essa frequência é variável. Por exemplo, a
prevalência de Rh- negativos é de 20 a 30% em europeus, 7% em afro-
americanos e inferior a 1% em chineses e japoneses.

Em afro-brasileiros de Porto Alegre (RS), a frequência de Rh-positivos é de


94% e a de Rh-negativos é de 6%, considerando-se apenas o lócus RHD, que
é o que tem maior importância para transfusões, e o uso somente de soro
anti-D.

Os genes que determinam o fator Rh atuam de forma independente dos genes que
determinam o sistema ABO.

A incompatibilidade materno-fetal relacionada ao fator Rh pode provocar “a doença


hemolítica perinatal (DHPN) (...) também conhecida como doença hemolítica do
recém-nascido ou eritroblastose fetal” (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013, p. 344). Ela
surge quando a mãe é Rh-negativa e o feto, Rh-positivo.

As autoras afirmam que (2013, p. 345-7),

Normalmente, a circulação materna e a fetal são completamente separadas


pela placenta, mas, quando ocorrem falhas nessa membrana, pequenas
quantidades de sangue fetal atingem a circulação materna. A grande
transferência de eritrócitos fetais para a circulação materna ocorre durante
o trabalho de parto e o nascimento, quando a placenta se desprende e um
grande número de hemácias fetais entra na corrente sanguínea da mãe (...).
Geralmente o primeiro filho não sofre a ação dos anticorpos maternos, mas,
em uma segunda gestação, o feto poderá ser prejudicado (...).

Em uma mãe Rh-negativa, as células fetais Rh-positivas que entrarem na


circulação materna (em geral no terceiro trimestre de gestação ou durante o
parto) podem estimular a formação de anti-D pela mãe, o qual pode ser
transferido para a circulação fetal. Quando isso acontece, suas hemácias são
destruídas, o feto torna-se anêmico e libera grande quantidade de
eritroblastos (hemácias imaturas e nucleadas; daí a denominação de
eritroblastose fetal) no sangue. A gravidade da doença hemolítica varia
desde ligeira anemia até morte intrauterina, que pode ser causada por
hidropisia. (...)

Após o nascimento, a rápida destruição das hemácias produz grande


quantidade de bilirrubina, causando icterícia durante as primeiras 24 horas
de vida (...); a fração livre de bilirrubina (não conjugada) irá depositar-se nas
células nervosas da criança, constituindo o chamado kernicterus e
provocando lesão cerebral.

As crianças que sobrevivem à DHPN apresentam, geralmente, surdez,


deficiência mental e paralisia cerebral. (...)

24
Para evitar a sensibilização de uma mulher Rh-negativa, deve ser usado
sempre um sangue Rh compatível em qualquer transfusão de sangue. A
sensibilização e, portanto, a incompatibilidade de Rh após o parto podem
ser evitados pela administração de uma injeção, via intramuscular, de
anticorpos anti-D, na mãe Rh-negativa, nas primeiras 72 horas após o parto,
pois assim qualquer célula fetal Rh-positiva que seja encontrada a caminho
da circulação materna será destruída antes que a mãe seja sensibilizada.

3.3.1 Fator Rh em transfusões sanguíneas

Segundo Borges-Osório e Robinson (2013, p. 347-8),

Os sistemas de grupos sanguíneos ABO e Rh são os mais considerados em


casos de transfusão. Os receptores devem receber sangue de grupo idêntico
ao seu, mas, em casos de emergência, indivíduos de outros tipos sanguíneos
podem ser doadores, contanto que haja compatibilidade sanguínea entre
doador e receptor. (...) Considera-de a presença de antígenos nas hemácias
do doador e de anticorpos no soro do receptor. (...) Os anticorpos no plasma
do doador, normalmente, não são levados em conta, pois em geral não
causam reação transfusional, visto que são muito diluídos no sangue do
receptor e, no caso do sistema ABO, absorvidos quase que totalmente nos
tecidos do indivíduo. (...)

Com relação ao sistema sanguíneo Rh, um indivíduo Rh-negativo deve


receber somente sangue de indivíduos Rh-negativos. Quando se desconhece
o grupo sanguíneo do receptor, em casos de emergência, por exemplo,
deverá ser-lhe transfundido sangue de indivíduo Rh-negativo.

(...)

Quando há necessidade de transfusões sanguíneas frequentes, em casos de


indivíduos talassêmicos ou com anemia falciforme, deve haver a maior
similaridade antigênica possível entre doador e receptor, porque os
indivíduos politransfundidos, por receberem grandes volumes de sangue,
ficam mais expostos a estímulos de antígenos que eles não possuem.

Ao unirmos os dois sistemas, temos as seguintes situações:

a) Tipo A Rh+: Uma pessoa do grupo A Rh+ possui os genes para o tipo A
(IAIA, IAi) e para o Rh+ (DD, Dd).

b) Tipo A Rh-: Se for deste tipo sanguíneo, possui os genes para o tipo A
(IAIA ou IA i) e para o Rh- (dd , recessivo) para esta característica.

c) Tipo B Rh+: Pessoas com este fenótipo possuem o genótipo IBIB ou IB i e


o antígeno B na membrana das hemácias. Também possuem o fator Rh nas
hemácias e o genótipo DD ou Dd para o Rh+

25
d) Tipo B Rh-: Por outro lado, a pessoa com o tipo sanguíneo B Rh- tem os
genes para o tipo B (IBIB, IBi,), apresentam o antígeno B em suas hemácias e o
anticorpo anti-A no soro. No caso, o genótipo para o Rh- é recessivo (dd)

e) Tipo AB Rh +: No fenótipo AB, os dois alelos IA IB estão presentes. Por ser


também Rh+, esta pessoa tem o genótipo dominante (DD ou Dd) para esta
característica e, por consequência, o fator Rh em suas hemácias.

f) Tipo AB Rh-: No tipo AB Rh-, esta pessoa tem, além do IAIB, o genótipo
recessivo (dd) para esta característica.

g) Tipo O Rh+: neste tipo sanguíneo, a pessoa tem um genótipo ii


(recessivo) e não produz antígeno A ou B. Contudo, por ser Rh+, possui este
antígeno (Fator Rh) nas suas hemácias, tendo um genótipo DD ou Dd para
esta característica.

h) Tipo O Rh-: neste tipo sanguíneo, a pessoa tem um genótipo ii


(recessivo) e não produz antígeno A ou B. Contudo, por ser Rh-, também não
possui este antígeno nas suas hemácias, tendo um genótipo dd para esta
característica.

Conclusão

O gene responsável pela produção dos antígenos A e B é designado pela letra I. Ele
tem três alelos: Ia, IB e i. O alelo Ia especifica a produção do antígeno A e o alelo IB, a
produção do antígeno B. No entanto, o alelo i não especifica antígeno. Entre os seis
genótipos possíveis, há quatro fenótipos – os tipos sanguíneos A, B, AB e 0. Nesse
sistema, os alelos Ia e IB são codominantes e o alelo i é recessivo em relação os dois
alelos (A e B). Quanto ao fator Rh, 85% da população humana é Rh+ (DD ou Dd) e
apenas 15% recessivas (dd). Os dois sistemas tem grande importância transfusional,
uma vez que determinados tipos de sangue são incompatíveis entre si.

26
REFERÊNCIAS

BORGES-OSÓRIO, M.R.L.; ROBINSON, W.L. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2013.

GRIFFITHS, J.F. et. al. Introdução à genética. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2019.

PIERCE, B. A. Genética: um enfoque conceitual. 5. ed. Tradução Beatriz Araujo do


Rosário. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

SCHAEFER, G.B.; THOMPSON, J. Genética médica. Porto Alegre: AMGH, 2015.

SNUSTAD, D. P. Fundamentos de genética. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,


2018.

27
GENÉTICA
Ricardo Tabach
4 ERROS INATOS DO METABOLISMO

As reações químicas em organismos vivos normalmente são facilitadas por enzimas,


que são simplesmente catalisadores bioquímicos. Estas reações químicas são tais que
poderiam ocorrer de forma espontânea, ou seja, sem a participação de enzimas,
embora de forma mais lenta. Enzimas (catalisadores) “empurram” as reações naturais
em um ritmo mais acelerado e podem ter sua atividade aumentada pela presença de
cofatores (às vezes chamados de coenzimas), que atuam em conjunto e costumam ser
compostos não proteicos que se ligam a uma enzima. As vitaminas são tipicamente
cofatores orgânicos. Para algumas enzimas, uma deficiência de cofator reduzirá sua
atividade, para outras, a enzima poderá não funcionar sem ele. Algumas enzimas
precisarão de múltiplos cofatores para funcionar de forma efetiva.

Os erros metabólicos hereditários são distúrbios bioquímicos determinados


geneticamente, nos quais um defeito enzimático específico produz um bloqueio
metabólico que pode originar uma doença. A questão mais importante é o que
acontece quando a enzima não funciona? Quais são as consequências metabólicas
desta anormalidade? Como isso se traduz de fato em sintomas para o paciente?

A resposta intuitiva para estas questões é que um bloqueio enzimático resultará em


uma deficiência do produto da reação enzimática. Esta é uma consideração
importante. Igualmente importantes, há outras consequências fisiopatológicas de um
bloqueio enzimático, pois além de uma deficiência do produto da reação, um bloqueio
também levará a um acúmulo de precursor, que de alguma forma terá que ser
eliminado.

A maioria dos erros metabólicos hereditários, nos quais seja identificado um produto
gênico deficiente ou anormal, pode ser diagnosticada no período pré-natal e
geralmente é autossômica recessiva com alguns sendo ligados ao X.

28
4.1 Definição e características gerais dos erros inatos do metabolismo

O metabolismo é composto por reações bioquímicas por meio das quais um sistema
vivo obtém energia do ambiente e a armazena ou a utiliza para seu crescimento e
outras atividades biológicas. Erros inatos do metabolismo (EIMs) ocorrem quando há
um bloqueio em uma rota metabólica devido a um defeito hereditário em uma
enzima. As enzimas são catalisadores proteicos que aceleram as reações químicas e
estas reações definem as mudanças estruturais e os eventos bioquímicos que ocorrem
em todos os níveis da atividade biológica. Isso significa que uma pequena quantidade
de uma determinada enzima pode ter um efeito potencialmente grande nas reações
bioquímicas que ela catalisa.

Uma mutação que altera o funcionamento de uma enzima pode causar um problema
em uma rota metabólica de pelo menos duas formas. A mutação pode resultar em um
produto ausente ou deficiente, ou causar o acúmulo de um precursor anterior. Ambos
os mecanismos podem ter consequências fenotípicas sérias e o conhecimento acerca
do efeito de cada mutação permitirá, em última análise, que os pesquisadores
mapeiem a relação entre as etapas de uma rota bioquímica ou de desenvolvimento e o
gene e, portanto, a enzima ativa responsável em cada reação catalítica.

Uma das primeiras doenças metabólicas humanas reconhecidas foi a fenilcetonúria


(PKU) em que alterações genéticas incapacitam a enzima fenilalanina hidroxilase de
converter a fenilalanina em tirosina.

Isso leva a quantidades reduzidas de tirosina, o que, por sua vez, provoca vários
problemas como, por exemplo, o comprometimento da síntese de proteínas em geral,
devido ao fato de que não há tirosina suficiente para a síntese de qualquer proteína.

Além disso, a tirosina é um precursor da síntese dos neurotransmissores L-dopa


dopamina, norepinefrina e epinefrina. Baixo nível de tirosina provoca uma redução
dessas importantes substâncias químicas, com o consequente surgimento de
problemas neurológicos, como a irritabilidade, convulsões e vômitos nas primeiras
semanas de vida; a pele é seca com lesões inflamatórias e eruptivas ou eczema
generalizado.
29
Outros achados comuns são microcefalia, postura peculiar das mãos com tremores,
reflexos aumentados, anormalidades de eletroencefalograma e convulsões epilépticas.
Além disso, a tirosina está na rota metabólica da síntese de melanina, o pigmento
responsável pela cor da pele.

Portanto, pessoas com PKU tendem a ter uma pigmentação mais clara da pele. Além
de uma deficiência do produto da reação, um bloqueio também levará a um acúmulo
de precursor. Intuitivamente, pode-se imaginar que possíveis problemas podem
resultar a partir da presença de fenilalanina em excesso no sistema e que algo precisa
ser feito para eliminá-la.

Na PKU, a fenilalanina excedente é desviada para outras vias, resultando no excesso de


ácido feniláctico, ácido fenilpirúvico e fosfoetanolamina. A secreção destes compostos
em excesso na urina é responsável pelas “fenilcetonas”, a partir das quais a condição
recebe seu nome. A grande quantidade de ácido fenilpirúvico é a fonte do odor
almiscarado da urina associado a pacientes não tratados.

Finalmente, o excesso de fosfoetanolamina apresenta uma variedade de efeitos, um


dos quais pode ser a estimulação do SNC, que foi associada à hiperatividade observada
em pessoas portadoras destas alterações.

4.2 Classificação dos erros inatos do metabolismo

Os erros inatos do metabolismo podem ser classificados da seguinte maneira:

a) Distúrbios do metabolismo de aminoácidos: a alcaptonúria foi uma das


primeiras condições metabólicas descritas e é causada por um defeito no
catabolismo de fenilalanina e tirosina. O resultado é o acúmulo de ácido
homogentísico, um metabólito intermediário na degradação da tirosina. A
principal característica deste distúrbio é que o ácido homogentísico na urina
escurece ao entrar em contato com o ar e geralmente anuncia o diagnóstico
antes do aparecimento de sintomas (i. e., pigmentação do tecido conectivo
causando um distúrbio conhecido como ocronose, doença arterial coronariana
e cálculos renais).

30
A homocistinúria é um distúrbio de aminoácidos sulfurados (metionina), devido
à deficiência da enzima cistationina β-sintase (CBS). Este bloqueio metabólico
produz um aumento no nível de homocisteína, que possui o efeito de aumentar
a coesividade das plaquetas. A tendência para “plaquetas pegajosas” leva a um
risco aumentado de trombose, além de contribuir para alterações cognitivas e
reduzir a longevidade.

b) Distúrbios do metabolismo de carboidratos: são causados por defeitos


enzimáticos que tornam a pessoa incapaz de metabolizar adequadamente o
respectivo açúcar. A galactosemia e a frutosemia, por exemplo, são distúrbios
do metabolismo dos açúcares galactose e frutose, respectivamente. As crianças
com estas condições apresentam sintomas semelhantes que incluem vômitos,
disfunção hepática, insuficiência renal e, se não tratadas, colapso sistêmico
global. A atenção especial com a história alimentar e o conhecimento dos
momentos de alterações na dieta podem ser inestimáveis para se chegar a um
diagnóstico rápido. A base do tratamento para ambas as condições é a
eliminação do respectivo açúcar da dieta.

As doenças de depósito de glicogênio constituem um grupo de condições que


compartilham alguma perturbação do metabolismo do glicogênio – ou sua
síntese, ou sua degradação e são caracterizadas por uma hipoglicemia em
jejum. Algumas podem apresentar uma hepatomegalia (aumento do tamanho
do fígado) bastante significativo. A doença de Pompe é, de certa forma, única
neste grupo, pois se caracteriza por hipotonia infantil grave precoce e
miocardiopatia. A enzima defeituosa (α-glicosidase ácida), é uma enzima
“limpadora” que, em condições normais, degrada rapidamente o glicogênio de
maneira indireta.

31
c) Distúrbios do ciclo da ureia: um outro tipo de alteração metabólica está
relacionado com os distúrbios do ciclo da ureia O catabolismo de proteína
resulta, em última instância, na geração de amônia, um composto
extremamente tóxico. Níveis excessivos de amônia resultarão em danos
neurológicos graves e irreversíveis. Os pacientes podem apresentar convulsões,
letargia ou coma. Em casos menos graves, os sintomas podem incluir alterações
sensoriais e/ou distúrbios psiquiátricos. O ciclo da ureia existe para eliminar a
amônia rapidamente do organismo. Erros inatos em qualquer uma das cinco
reações do ciclo levarão a graus variados de hiperamonemia e os sintomas
resultantes são graves, pois a amônia é muito tóxica e o dano é irreversível.

d) Distúrbios da oxidação dos ácidos graxos: a oxidação dos ácidos graxos é um


processo complexo de mobilização da gordura estocada para suprir maiores
demandas de energia. Os principais componentes desse processo são a
mobilização de ácidos graxos livres nos adipócitos mediada por enzima
(lipases), a captação destes ácidos pelas células, a ativação dos ácidos graxos
em derivados de acetil-CoA e a β-oxidação de ácidos graxos na mitocôndria.
Diferentes tipos de moléculas de ácidos graxos são processados por diferentes
enzimas específicas para o tipo e tamanho das partículas. A interrupção de
qualquer fase desse processo resultará em reduções significativas na produção
de energia e o principal sintoma clínico é a hipoglicemia, acompanhada de
letargia e convulsões.

e) Distúrbios de depósito lisossomal: os lisossomos são organelas celulares que


realizam uma variedade de processos catabólicos via hidrolases ácidas. A
manifestação típica deste tipo de distúrbio é uma pessoa que é normal quando
bebê, mas que, em certo ponto posterior da vida, começa a apresentar
problemas progressivos relacionados com o acúmulo de substâncias
bioquímicas não eliminadas. Existem cerca de 40 distúrbios diferentes,
categorizados pelo tipo de substância bioquímica acumulada (p. ex.,
mucopolissacarídeos, complexos proteolipídios, mucolipídios e glicoproteínas).

32
f) Distúrbios de metais: metais (ferro, cobre, zinco, manganês, cádmio e assim por
diante), ocorrem em quantidades mínimas (partes por milhão) no organismo, e
ainda assim possuem papéis significativos na saúde global do indivíduo, pois
atuam como cofatores para enzimas.

A doença de Menkes é um distúrbio do transporte de cobre e sua consequência


patológica principal é o transporte deficiente de cobre para os compartimentos
subcelulares onde ele é necessário, provocando uma disfunção/degeneração
neurológica. Por causa da deficiência de cobre, o cabelo é hipopigmentado,
quebradiço e bastante encaracolado.

A doença de Wilson (também conhecida como degeneração hepatolenticular) é


outro distúrbio do metabolismo do cobre, com herança autossômica recessiva.
O gene responsável foi identificado, mas o mecanismo fisiopatológico exato
ainda precisa ser completamente decifrado. O resultado final observado,
entretanto, é a sobrecarga de cobre e uma das características observadas é a
presença de anéis circunferenciais na periferia da íris chamados de anéis de
Kayser-Fleisher.

A hemocromatose é um distúrbio do metabolismo do ferro. É um dos distúrbios


genéticos humanos conhecidos mais comuns, também autossômica recessiva.
Embora o mecanismo patogênico exato não seja conhecido, está claro que os
genes responsáveis possuem papéis críticos no transporte de ferro. Os
resultados finais são uma variedade de sintomas devidos à sobrecarga de ferro,
incluindo problemas hepáticos (cirrose e tumores), diabetes, disfunção
gonadal, dores nas articulações e miocardiopatia. As pessoas do sexo masculino
são mais gravemente afetados.

33
g) Distúrbios de ácidos nucleicos: existem vários distúrbios do metabolismo de
ácidos nucleicos relatados. A condição mais bem conhecida é a síndrome de
Lesch-Nyhan cujas características mais marcantes são déficits cognitivos,
distúrbios do movimento e comportamentos autodestrutivos dramáticos
(mordidas graves com mutilação dos lábios e dedos). É um distúrbio recessivo
ligado ao X, causado por alterações na enzima hipoxantina-guanina fosforribosil
transferase (HgPRT), que possui um papel central no metabolismo das purinas
(bases que fazem parte da composição dos ácidos nucleicos).

Outro defeito do metabolismo de nucleotídeos é a deficiência de adenosina


desaminase (ADA), que produz imunodeficiência combinada grave.

h) Vitaminas e cofatores: muitos distúrbios metabólicos devidos a anormalidades


de vitaminas ou cofatores associados a reações enzimáticas específicas foram
relatados. A deficiência de biotinidase é um distúrbio da reciclagem do cofator
biotina, provocando a deficiência deste composto. Pacientes com este distúrbio
terão sintomas progressivos de distonia, erupção cutânea semelhante a
eczema, déficits cognitivos e convulsões. O tratamento é fácil e efetivo –
simplesmente suplementar com biotina.

i) Distúrbios do metabolismo de esteróis: também vale a pena ressaltar os


distúrbios do metabolismo de esteróis. Apesar de toda a má publicidade que o
colesterol recebe, ele é um composto crítico. Ele é um dos principais
componentes da membrana celular e um precursor chave na síntese de
substâncias bioquímicas como esteroides, vitamina D, ácidos biliares e assim
por diante. A síntese do colesterol começa com acetil-CoA, que então procede
através de mais de 15 passos enzimáticos até que o produto final colesterol
seja atingido. O distúrbio melhor caracterizado entre estes é a síndrome de
Smith-Lemli-Opitz, que é uma alteração da etapa final da síntese de colesterol.

34
A Síndrome de Smith-Lemli-Opit se deve em parte a uma deficiência global de
colesterol e de todos os seus muitos derivados metabólicos, devido à uma
deficiência enzimática. Os pacientes com esta síndrome apresentam acentuada
deficiência do desenvolvimento neurológico e comportamento autista, além de
anormalidades faciais, digitais e genitais. Hoje, sabe-se que a deficiência dessa
enzima resulta em um déficit na produção de colesterol e em um aumento do
precursor 7-desidrocolesterol.

4.3 Tratamento dos erros inatos do metabolismo

Os avanços em terapias para erros inatos do metabolismo (EIM) estão bem à frente da
maioria das outras condições genéticas e isso se deve muito à natureza patogênica
desses distúrbios. O tratamento dos diferentes tipos de erros metabólicos geralmente
tem uma abordagem multidisciplinar envolvendo diversas especialidades como, por
exemplo, a pediatria, genética, patologia, nutrição e a fisioterapia, entre outras. Entre
as várias formas de tratamento do EIM, serão abordadas as seguintes:

1. Restrição alimentar: indicadas para paciente com fenilcetonúria (PKU). Com o


advento dos programas de saúde pública em rastreamento neonatal, bebês com
PKU puderam ser identificados nos primeiros dias de vida, permitindo que as
terapias pudessem ser instituídas antes do início dos sintomas graves. A base do
tratamento é a modificação da dieta, que é pobre em fenilalanina, mas adequada
em outros nutrientes. Ao longo do tratamento, os pacientes são monitorados
regularmente quanto aos níveis de fenilalanina e tirosina.

2. Reposição: indicada para doenças genéticas onde há deficiência de alguma


substância como, por exemplo, os metabólitos essenciais, cofatores ou hormônios.
É o caso do Hipotireoidismo congênito, uma doença que se caracteriza por um
defeito na glândula tireoide ou na formação da tiroxina, um dos seus principais
componentes, fazendo com que a pessoa tenha baixos níveis desta substância. A
administração de tiroxina deve ser iniciada o mais cedo possível a fim de prevenir
os graves defeitos intelectuais provocados pela ausência desta substância.

35
3. Inibição enzimática: este tipo de tratamento é eficaz quando há um acúmulo de
uma determinada substância produzida pelo organismo como, por exemplo, a
hipercolesterolemia familiar, ou seja, o excesso de colesterol no sangue. O
tratamento se baseia na utilização de medicamentos que inibem a enzima hepática
responsável pela síntese de colesterol. Os medicamentos mais conhecidos com
esta finalidade são as estatinas

4.3.1 O teste do pezinho

Segundo o site do Ministério da Saúde (2009), é um exame feito a partir de sangue


coletado do calcanhar do bebê com a finalidade de identificar doenças metabólicas
graves como, por exemplo, o hipotireoidismo congênito e a fenilcetonúria, além das
hemoglobinopatias (doenças que afetam o sangue).

Por que fazer o teste?

Porque essas doenças não apresentam sintomas no nascimento e, se não


forem tratadas cedo, podem causar sérios danos à saúde, inclusive retardo
mental grave e irreversível (BVS, 2009).

Conclusão

As consequências patológicas dos bloqueios enzimáticos podem ser:

a) Por falta do produto final, causando ausência de reação subsequente para a qual
esse produto seria o substrato ou prejuízo do mecanismo de controle do tipo inibição
retroativa;

b) Por acúmulo do substrato, com o próprio substrato acumulado sendo prejudicial ou


causando a utilização de vias metabólicas alternativas, com superprodução de
metabolitos tóxicos; e

c) Por interferência nos mecanismos reguladores, uma vez que a falta de um produto
final ou o excesso de um substrato pode interferir nos mecanismos reguladores,
causando vários tipos de doenças.

36
O tratamento dos erros inatos do metabolismo tem avançado muito nos últimos anos.
O desenvolvimento de novas medidas de abordagem torna mais importante o
diagnóstico precoce, impulsionando a expansão de programas de triagem neonatal, o
que, por sua vez, proporciona intervenções mais precoces e mais bem sucedidas.

REFERÊNCIAS

BORGES-OSÓRIO, M.R.L.; ROBINSON, W.L. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2013.

OTTO, P.A.; MINGRONI NETO, R.C.; OTTO, P.G. Genética médica. São Paulo: Roca,
2013.

SCHAEFER, G.B.; THOMPSON, J. Genética Médica. Porto Alegre: AMGH, 2015.

37
GENÉTICA
Ricardo Tabach
5 CROMOSSOMOS HUMANOS E CARIOTIPAGEM

Segundo Maluf et al. (2011, p. 70),

A estabilidade do número e da estrutura dos cromossomos é fundamental


para que o desenvolvimento ocorra de maneira correta. Como os genes
estão dispostos nos cromossomos, qualquer modificação em sua estrutura
ou número pode alterar a expressão gênica, produzindo um individuo
fenotipicamente inviável ou anormal. (...) cada cromossomo é uma fita de
DNA linear e contínua que contém um número variável de genes. A partir
desse conhecimento, pode-se supor que uma alteração no número de
cromossomos deva trazer consequências graves ao fenótipo do portador,
pelo aumento ou pela diminuição do número de cópias dos genes presentes
no cromossomo envolvido. Desta forma, poucas alterações no número de
cromossomos são compatíveis com a vida, quando presentes em todas as
células do indivíduo.

5.1 Estrutura e organização dos cromossomos humanos

De acordo com Borges-Osório e Robinson (2013, p. 94-5),

Há um princípio geral na organização de todo o material genético: ele ocorre


como uma massa compacta em uma área delimitada, e as atividades de
replicação e transcrição são realizadas dentro desses limites.

(...) Esse empacotamento é importante, pois permite que a longa molécula


de DNA fique contida em um pequeno espaço, enquanto satisfaz também as
suas necessidades de replicação e transcrição.

(...) o cromossomo pode ser definido como uma estrutura autoduplicadora


que se cora com corantes básicos, tendo uma organização complexa,
formada de DNA, RNA e proteínas básicas e ácidas, contendo os genes do
organismo.

(...)

Na interfase, [período em que a célula não está se dividindo,] o material


genético apresenta-se como filamentos emaranhados e bem corados,
formando a cromatina, uma desoxirribonucleoproteína formada de partes
iguais de ácido desoxirribonucleico (DNA) e proteínas histônicas e não
histônicas. As histônicas são proteínas básicas ricas em arginina e lisina,
enquanto as não histônicas são proteínas ácidas.

38
(...) A eucromatina, que constitui a maior parte do cromossomo, apresenta
fibras menos condensadas e coloração uniforme durante a interfase. A
heterocromatina corresponde a regiões cromossômicas mais densamente
espiralizadas e, por isso, são coradas com mais intensidade. A cromatina
muda constantemente do estado eucromático para o heterocromático,
significando que esses estados representam diferentes graus de
condensação do material genético, que está organizado de modo que ambos
os estados alternativos possam ser mantidos lado a lado na cromatina,
permitindo a ocorrência de trocas cíclicas no empacotamento da
eucromatina entre a interfase e a divisão.

Há uma correlação entre a condição estrutural do material genético e sua


atividade transcricional: durante a divisão, quando o DNA está compactado
em cromossomos visíveis, não há transcrição; por outro lado, quando ele
está desespiralizado, é que se dá a transcrição.

A heterocromatina pode ser constitutiva ou facultativa. A constitutiva


consiste em regiões especiais que normalmente não são expressas e
correspondem a regiões de DNA altamente repetitivo, enquanto que a
heterocromatina facultativa resulta da inativação de cromossomos inteiros
de uma linhagem celular, embora eles possam expressar-se em
determinadas circunstâncias, como é o caso de um dos cromossomos X da
fêmea dos mamíferos, geneticamente inativo. Assim, uma condensação
muito compacta do material genético está, então, associada à inatividade.
(...)

Durante muito tempo, não se sabia exatamente como o DNA, o RNA e as


proteínas estavam organizados para formar as fibras de cromatina. Estudos
relativamente recentes evidenciam que essas fibras estão formadas por um
eixo de histonas, não necessariamente continuo, em torno do qual se enrola
uma molécula contínua de DNA. Ao microscópio eletrônico, essa estrutura
mostra, na interfase, uma imagem semelhante à de um colar de contas: cada
“conta” está constituída por uma partícula central formada por quatro tipos
diferentes de moléculas de histona (H 2 A, H 2 B, H 3 e H 4 ). O DNA, então,
enrola-se em torno dessa partícula central, formando o nucleossomo, que é
a subunidade básica estrutural da cromatina (...).

Assim, cada nucleossomo está formado por uma partícula central de histona
envolvida por uma espiral de DNA, cujo comprimento corresponde a uma
volta e 3⁄4 de volta, abrangendo cerca de 140 pares de bases. Os
nucleossomos estão unidos entre si por segmentos de DNA, chamados DNA
de ligação e formados por 15 a cem pares de bases; esse DNA de ligação
está associado à quinta histona, H 1 (...).

As histonas são essenciais para o empacotamento do DNA. Além do


enrolamento primário da dupla-hélice do DNA, há um enrolamento
secundário ao redor das histonas (constituindo os nucleossomos) e um
enrolamento terciário dos nucleossomos para formar as fibras de cromatina
que compõem alças em uma estrutura de proteínas ácidas não histônicas.
Portanto, essas proteínas não histônicas também fazem parte da estrutura
do cromossomo, sendo sua função contribuir para a conformação estrutural
do cromossomo e/ou para a regulação gênica.

A figura abaixo mostra esquematicamente a organização de um nucleossomo até a


formação de um cromossomo.

39
Fonte: SCHAEFER; THOMPSON, 2015, p. 86.

Figura 5.1 – A hierarquia do empacotamento do DNA em um cromossomo.


(Reproduzida, com permissão, de Brooker RJ: Genetics: Analysis & Principles, 3rd ed.
New York: McGraw-Hill, 2008.)

40
Conforme Borges-Osório e Robinson (2013, p. 95),

Percebe-se, então, que o cromossomo apresenta uma estrutura para


empacotar o material hereditário. Essa estrutura desempenha importante
papel na mitose e na meiose, assegurando a precisa transmissão de um
conjunto gênico completo de uma célula para outra, bem como de uma
geração para outra. Os cromossomos podem ser vistos como estruturas
dinâmicas que facilitam a função do DNA por intermédio do ciclo celular.

(...)

Os cromossomos só podem ser visualizados individualmente por um breve


período, durante a metáfase da divisão celular, quando estão condensados
ao máximo. Nessa fase, apresentam-se formados por dois filamentos, as
cromátides, unidas pelo centrômero ou constrição primária, que é uma
região heterocromática que mantém juntas as cromátides e, por meio do
cinetócoro, se prende às fibrilas do fuso acromático, na mitose e na meiose.
Sendo produto da replicação ocorrida no período S do ciclo celular, essas
duas cromátides são geneticamente idênticas e chamadas de cromátides-
irmãs (...).

(...)

Até 1956, o número de cromossomos da espécie humana não era conhecido


exatamente. O desenvolvimento de técnicas específicas (...), [a partir de
então,] possibilitou a identificação de cada cromossomo, bem como a
visualização adequada do seu conjunto, formado por 46 cromossomos ou 23
pares [de cromossomo homólogos].

(...)

O momento ideal para estudar os cromossomos humanos[, como foi dito


anteriormente,] é durante a metáfase por se apresentarem espiralizados ao
máximo; por isso, devem ser utilizados tecidos com alta taxa de
multiplicação celular (...) [como, por exemplo, os linfócitos do sangue
periférico].

As células são separadas e a mitose estimulada. Posteriormente, a divisão celular é


interrompida e o material é centrifugado por alguns minutos. O sobrenadante é
desprezado e ao sedimento adiciona-se uma solução hipotônica, a qual penetra nas
células, inchando-as e possibilitando uma dispersão maior dos cromossomos. Esse
material é distribuído sobre laminas e corado adequadamente, para análise. Por meio
de fotografia, a imagem dos cromossomos é arranjada de modo a organizar cada par
cromossômico. Este procedimento está representado no esquema abaixo.

41
Fonte: PASSARGE apud BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013, p. 98.
Figura 5.2 – Microcultura ou cultura de leucócitos para análise dos cromossomos
humanos.

42
5.2 Classificação de Denver e montagem de um cariótipo

Segundo Santos (2018), “Cariótipo é o nome dado ao conjunto de cromossomos de


uma dada espécie que apresenta forma, tamanho e número característicos”.

Já para Borges-Osório e Robinson (2013, p. 96), “A ordenação dos cromossomos de um


cariótipo segundo a classificação-padrão (i.e., de acordo com o tamanho do
cromossomo e a posição do centrômero em cada par) é denominada cariograma ou
idiograma”.

“A morfologia desses cromossomos é constante para a espécie, entretanto o número


pode variar em casos de alterações cromossômicas” (SANTOS, 2018).

Na espécie humana, existem 46 cromossomos organizados em 23 pares, que possuem


o mesmo tamanho e mesma posição do centrômero e são denominados cromossomos
homólogos. O centrômero, também chamado de constricção primária, divide os
cromossomos em braços denominados cromátides. Os braços curtos são
representados pela letra p (do francês petit) e os braços longos pela letra q (queue).

De acordo com a posição do centrômero, os cromossomos podem ser metacêntricos


(braços de tamanhos iguais), submetacêntricos (centrômero divide os cromossomos
em braços ligeiramente desiguais), acrocêntricos (braços curtos e longos) e
telocêntricos (centrômero na extremidade, com ausência de braços curtos), conforme
pode ser visto na figura abaixo (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013).

43
Figura 5.3 – Classificação de cromossomos de acordo com a localização do
centrômero.

Além da constrição primária (centrômero), certos cromossomos apresentam


estreitamentos que aparecem sempre no mesmo lugar, geralmente nas extremidades
dos cromossomos denominadas constrições secundárias (Figura 5.4).

Fonte: BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013, p. 106.

Figura 5.4 – Cromossomo.

Em 1960, um congresso internacional realizado na cidade de Denver, nos Estados


Unidos, reuniu renomados geneticistas que propuseram regras com a finalidade de
padronizar a nomenclatura e a classificação básica dos cromossomos humanos. Com o

44
avanço das técnicas de análise cromossômica, esta padronização foi aperfeiçoada ao
longo do tempo em outras conferências internacionais (Paris, Londres, Chicago), mas
ficou conhecida como Classificação de Denver.

Resumidamente, foi proposto que:

a) Divisão dos cromossomos humanos em 7 grupos, distribuídos de acordo


com tamanho e morfologia que foram denominados com letras (A a G).
b) Descrição morfológica detalhada dos grupos.
c) Regras para a descrição do cariótipo (fórmula cariotípica: 46,XX mulher;
46, XY homem).
d) Criação dos símbolos utilizados na descrição de cariótipos normais.

A tabela abaixo mostra os sete grupos de cromossomos de acordo com esta


classificação:

Tabela 5.1 – Classificação dos cromossomos humanos

Fonte: BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013, p. 106.

45
5.3 Aberrações numéricas e estruturais

Segundo Snustad (2018, p. 110-25),

Os fenótipos de muitos organismos são afetados por variações no número


de cromossomos em suas células; às vezes, até mesmo alterações em parte
de um cromossomo podem ser significativas. Essas diferenças numéricas
geralmente são descritas como variações da ploidia do organismo (...).
Organismos com conjuntos completos, ou normais, de cromossomos são
euploides (do grego, “bom” e “vez”). Organismos que têm conjuntos
adicionais de cromossomos são poliploides (do grego, “muitas” e “vezes”), e
o nível de poliploidia é descrito referindo-se a um número básico de
cromossomos, geralmente designado por n. Assim, diploides, com dois
conjuntos básicos de cromossomos, têm 2n cromossomos; os triploides,
com três conjuntos, têm 3n; os tetraploides, com quatro conjuntos, têm 4n;
e assim por diante. Os organismos nos quais há deficiência ou excesso de
um determinado cromossomo, ou segmento de cromossomo, são
aneuploides (...). Quanto à distinção entre aneuploidia e poliploidia, a
aneuploidia é uma alteração numérica em parte do genoma, geralmente em
um único cromossomo, enquanto a poliploidia é uma alteração numérica
em um conjunto completo de cromossomos. (...)

Os citogeneticistas também catalogaram vários tipos de alterações


estruturais nos cromossomos dos organismos. Por exemplo, um fragmento
de um cromossomo pode ser fundido a outro cromossomo, ou um
segmento dentro de um cromossomo pode ser invertido em relação ao
restante desse cromossomo. Essas alterações estruturais são
denominadas rearranjos. (...)

Aberrações numéricas

A poliploidia, presença de conjuntos extras de cromossomos, é bastante


comum em vegetais, mas muito rara em animais. Metade dos gêneros
conhecidos de vegetais contém espécies poliploides, e cerca de dois terços
das gramíneas são poliploides. Muitas dessas espécies têm reprodução
assexuada. Em animais, nos quais a reprodução é basicamente sexuada, a
poliploidia é rara, provavelmente porque interfere no mecanismo de
determinação sexual.

Um efeito geral da poliploidia é o aumento do tamanho da célula. (...) As


espécies poliploides tendem a serem maiores e mais robustas que as
diploides correspondentes. Essas características têm um significado prático
para os seres humanos, cuja alimentação depende de muitas espécies
vegetais poliploides. Tais espécies tendem a produzir sementes e frutos
maiores, portanto, têm maior rendimento agrícola. Trigo, café, batata,
banana, morango e algodão são vegetais poliploides, assim como muitas
plantas ornamentais cultivadas, entre elas rosas, crisântemos e tulipas (...).

(...)

46
Aneuploidia é a alteração numérica de parte do genoma, geralmente a
alteração na dose de um único cromossomo. Indivíduos que têm um
cromossomo a mais, um cromossomo a menos ou uma combinação dessas
anomalias são aneuploides. Essa definição também inclui segmentos de
cromossomos. Assim, um indivíduo com deleção do braço de um
cromossomo também é considerado aneuploide.

(...)

A anormalidade cromossômica mais conhecida e mais comum de


aneuploidia em seres humanos é a síndrome de Down, distúrbio causado
por um cromossomo 21 extranumerário [trissomia do 21]. Essa síndrome foi
descrita pela primeira vez em 1866, por Langdon Down (...). As pessoas com
síndrome de Down geralmente são baixas e têm hipermobilidade articular,
sobretudo nos tornozelos, crânio largo, narinas amplas, língua grande com
sulcos característicos, mãos curtas e largas com prega palmar e
comprometimento mental. A expectativa de vida das pessoas com síndrome
de Down é muito menor que das outras pessoas. Além disso, quase sempre
desenvolvem doença de Alzheimer, um tipo de demência bastante comum
em idosos. As pessoas com síndrome de Down, porém, desenvolvem essa
doença na quarta ou quinta década de vida, muito mais cedo que as outras
pessoas.

(...)

A trissomia do 21 pode ser causada por não disjunção [não separação] do


cromossomo em uma das divisões meióticas (...). O evento de não disjunção
pode ocorrer em qualquer um dos pais, porém é mais provável no sexo
feminino. Além disso, a frequência de não disjunção aumenta com a idade
materna. (...)

Também há relato de trissomias dos cromossomos 13 e 18. No entanto, são


raras, os indivíduos afetados apresentam anormalidades fenotípicas graves
e vivem pouco, geralmente morrendo nas primeiras semanas de vida. Outra
trissomia viável observada em seres humanos é o cariótipo triplo-X, 47, XXX.
Esses indivíduos sobrevivem porque dois dos três cromossomos X são
inativados, reduzindo a dose do cromossomo X, de maneira que se aproxime
do nível normal de um. Os indivíduos triplo-X são do sexo feminino e têm
fenótipo normal, ou quase; às vezes há leve comprometimento mental e
diminuição da fertilidade.

O cariótipo 47, XXY também é uma trissomia viável em seres humanos.


Esses indivíduos têm três cromossomos sexuais, dois X e um Y. Têm fenótipo
masculino, mas também podem apresentar algumas características sexuais
secundárias femininas e geralmente são estéreis. Em 1942, H. F. Klinefelter
descreveu as anormalidades associadas a esse distúrbio, agora
denominado síndrome de Klinefelter; inclui testículos pequenos, mamas
aumentadas, membros longos e menor desenvolvimento dos pelos
corporais. O cariótipo XXY pode originar-se pela fertilização de um ovócito
excepcional XX por um espermatozoide Y ou pela fertilização de um ovócito
X por um espermatozoide excepcional XY. (...)

O cariótipo 47, XYY é outra trissomia viável em seres humanos. Esses


indivíduos são do sexo masculino e, exceto pela tendência a serem mais
altos que os homens 46, XY, não apresentam uma síndrome constante de
características. Todas as outras trissomias em seres humanos são letais no
período embrionário, mostrando a importância da dose correta do gene. (...)

47
A monossomia ocorre quando há ausência de um cromossomo em indivíduo
diploide. Em seres humanos, só existe um monossômico viável, o cariótipo
45, X. Esses indivíduos têm um só cromossomo X e um complemento
diploide de autossomos. O fenótipo é feminino, mas, por terem ovários
rudimentares, são quase sempre estéreis. Os indivíduos 45, X geralmente
são baixos; têm pescoço alado, deficiência auditiva e anormalidades
cardiovasculares significativas. Henry H. Turner foi o primeiro a descrever o
distúrbio em 1938; por isso, agora é denominado síndrome de Turner. (...)

Aberrações estruturais
A ausência de um segmento cromossômico é
denominada deleção ou deficiência. (...) Um exemplo clássico é a síndrome
do miado do gato, também conhecida como síndrome cri-du-chat (do
francês, “miado de gato”) em seres humanos (...). Esse distúrbio é causado
por deleção no braço curto do cromossomo 5. O tamanho da deleção varia.
(...) Esses indivíduos podem apresentar grave comprometimento mental e
físico; o choro queixoso, semelhante ao miado de gato na infância, dá nome
à síndrome.

(...)

A presença de um segmento cromossômico extra é denominada duplicação.


O segmento extra pode estar unido a um dos cromossomos ou pode
constituir um novo cromossomo separado, ou seja, uma “duplicação livre”.
O efeito é o mesmo nos dois casos: o organismo é hiperploide em relação a
parte de seu genoma (...) [e] pode estar associada a um efeito fenotípico.

As deleções e duplicações são dois tipos de aberrações na estrutura do


cromossomo.

Rearranjos da estrutura do cromossomo

Na natureza há considerável variação no número e na estrutura de


cromossomos, mesmo entre organismos muito próximos. Por exemplo, a
Drosophila melanogaster [mosca de fruta muito utilizada em estudos
cromossômicos] tem quatro pares de cromossomos, que incluem um par de
cromossomos sexuais, dois pares de autossomos metacêntricos grandes –
cromossomos com o centrômero no meio – e um par de pequenos
autossomos puntiformes. A Drosophila virilis, cujo parentesco não é muito
distante, tem um par de cromossomos sexuais, quatro pares de autossomos
acrocêntricos – cromossomos com o centrômero perto de uma extremidade
– e um par de autossomos puntiformes. Portanto, as espécies, ainda que do
mesmo gênero, podem ter diferentes arranjos dos cromossomos. (...) Esses
rearranjos podem modificar a posição de um segmento do cromossomo, ou
podem unir segmentos de diferentes cromossomos[, alterando a ordem dos
genes. As mais comuns são a inversão e translocação].

A inversão ocorre quando um segmento do cromossomo se desprende, gira


cerca de 180° e se fixa novamente ao restante do cromossomo; logo, há
uma inversão da ordem dos genes no segmento. (...)

48
(...) As inversões pericêntricas incluem o centrômero e as
inversões paracêntricas, não. A consequência disso é que uma inversão
pericêntrica pode alterar os comprimentos relativos dos dois braços do
cromossomo, enquanto a inversão paracêntrica não tem esse efeito. Assim,
se um cromossomo acrocêntrico sofre uma inversão com um ponto de
quebra em cada braço (i. e., uma inversão pericêntrica), pode ser
transformado em um cromossomo metacêntrico. Mas se um cromossomo
acrocêntrico sofre uma inversão em que as duas quebras estão no braço
longo (i. e., uma inversão paracêntrica), a morfologia do cromossomo não se
altera. (...)

(...)

A translocação ocorre quando um segmento de um cromossomo se


desprende e se une a outro cromossomo (i. e., não homólogo). O significado
genético é a transferência dos genes de um cromossomo para outro.

A troca de fragmentos de dois cromossomos não homólogos sem perda de


material genético é denominada translocação recíproca. (...)

(...)

Às vezes, um cromossomo funde-se ao seu homólogo, ou duas cromátides-


irmãs se unem, formando uma unidade genética única. Um cromossomo
composto pode ser estável em uma célula desde que tenha apenas um
centrômero ativo; se houver dois centrômeros, cada um deles pode se
mover para um polo diferente durante a divisão, separando o cromossomo
composto. O cromossomo composto também pode ser formado pela união
de segmentos de cromossomos homólogos. (...) Às vezes a citogenética
chama essa estrutura de isocromossomo (do prefixo grego para “igual”),
porque seus dois braços são equivalentes. A diferença entre o cromossomo
composto e a translocação é que o primeiro é a fusão de segmentos de
cromossomos homólogos. Já a translocação é a fusão de cromossomos não
homólogos.

(...)

Os cromossomos não homólogos também podem se fundir em seus


centrômeros, com criação de uma estrutura chamada translocação
robertsoniana (...), em homenagem ao citologista F. W. Robertson. Por
exemplo, a fusão de dois cromossomos acrocêntricos produz um
cromossomo metacêntrico; os diminutos braços curtos dos cromossomos
participantes são perdidos nesse processo. Ao que tudo indica, essas fusões
de cromossomos foram bastante frequentes durante a evolução.

Conclusão

Os cromossomos são estruturas autoduplicadoras, tendo uma organização complexa,


formada de DNA, RNA, proteínas básicas e ácidas, contendo os genes do organismo e
que só podem ser visualizados durante a metáfase da divisão celular . Nessa fase,
apresentam-se formados por duas cromátides, unidas pelo centrômero.

49
O desenvolvimento de técnicas citogenéticas permitiu a observação de cada
cromossomo e a contagem do conjunto formado por 46 cromossomos ou 23 pares.
Desses, 44 (ou 22 pares) são homólogos nos dois sexos – os autossomos. Os dois
restantes são os cromossomos sexuais, que contém os genes responsáveis pela
determinação do sexo.

Quanto à sua forma, os cromossomos metafísicos são constituídos por duas cromátides
unidas pelo centrômero, que divide as cromátides em braços cromossômicos: p (braços
curtos) e q (braços longos); de acordo com sua posição, os cromossomos humanos são
classificados em três tipos: metacêntricos, submetacêntricos e acrocêntricos.

Quanto ao tamanho, os cromossomos são considerados grandes, médios e pequenos,


sendo classificados, em ordem decrescente de tamanho, em sete grupos denominados
A a G e numerados, aos pares, de 1 a 22, além dos cromossomos sexuais.

As alterações cromossômicas podem ser numéricas, estruturais ou rearranjos


cromossômicos. Várias alterações cromossômicas autossômicas são responsáveis por
síndromes clínicas com fenótipos variados.

REFERÊNCIAS

BORGES-OSÓRIO, M.R.L.; ROBINSON, W.L. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2013.

GRIFFITHS, J.F. et. al. Introdução à genética. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2019.

MALUF, S.W. et al. Citogenética humana. Porto Alegre: Artmed, 2011.

SANTOS, V. S. dos. O que é cariótipo? Brasil Escola, 11 jan. 2018. Disponível em:
<https://bit.ly/2NCFB1C>. Acesso em: 2 ago. 2019.

SCHAEFER, G.B.; THOMPSON, J. Genética médica. Porto Alegre: AMGH, 2015.

SNUSTAD, D. P. Fundamentos de genética. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,


2018.

50
GENÉTICA
Ricardo Tabach
6 HERANÇA MULTIFATORIAL

Todas as variantes fenotípicas, normais ou patológicas, resultam da interação de


fatores genéticos com o meio ambiente. Todavia, quando as tendências hereditárias
preponderam claramente, como em cor dos olhos e em doenças como as distrofias
musculares progressivas, simplificamos a situação considerando tais fenótipos como
inteiramente hereditários. Por outro lado, taxamos as doenças infecciosas e
parasitárias de totalmente ambientais, embora seja cada vez mais evidente que a
predisposição e a resistência a elas varie de uma pessoa para outra.

A maioria das constituições normais e certo número de defeitos e doenças não se


enquadram, entretanto, nesse esquema. É que, em sua etiologia, tanto a influência
genética como a ambiental são claramente reconhecíveis, embora quase sempre
desequilibradas. O mecanismo multifatorial só pode ser entendido reconhecendo-se a
complexa interação entre diferentes genes do indivíduo e, por outro lado, entre o
conjunto deles e os fatores ambientais. Vários pares de alelos, espalhados por diversos
locos, exercem um efeito integrado e cumulativo; e esses sistemas poligênicos
combinam, em geral, seus efeitos com os de variados fatores ambientais. Portanto,
nesse mecanismo, o fenótipo dos indivíduos resulta da ação integrada de genes
espalhados pelos diversos cromossomos (mecanismo poligênico) e de sua interação
com fatores não genéticos comumente referidos como ambientais.

51
6.1 Princípios da herança multifatorial

Muitas características, como peso, altura e vários aspectos do comportamento não


apresentam padrões simples de herança, embora os genes exerçam influência sobre
essas características. Uma indicação disso é o fato de que indivíduos com relação
genética próxima são semelhantes como é o caso entre irmãos, entre pais e filhos e, às
vezes, entre parentes mais distantes. O caso extremo é o de gêmeos monozigóticos,
cuja semelhança é, com frequência, surpreendente, tanto em comportamento quanto
em aparência. Em geral, porém, essa base genética é complexa, pois há a participação
de vários ou muitos genes (poligênica), e é difícil distinguir os efeitos isolados de cada
gene por análise genética convencional, além da própria influência do ambiente.
Desse modo, são necessárias outras técnicas para estudar a herança destas
características, denominada herança multifatorial.

Várias características complexas variam continuamente em uma população como


tamanho do corpo, altura, peso, atividade enzimática, pressão arterial e capacidade
reprodutiva. A variação fenotípica desses tipos de características pode ser quantificada
por sua medida em uma amostra de indivíduos da população. Poderíamos, por
exemplo, capturar camundongos e pesar cada um deles ou colher espigas de milho de
uma plantação e contar o número de grãos de cada uma. Esse método quantitativo
reduz os fenótipos de cada indivíduo da amostra a números, que podem ser analisados
por técnicas estatísticas, possibilitando a investigação de sua base genética.
Características sensíveis a esse tipo de tratamento são denominadas quantitativas e
sua qualidade essencial é a mensurabilidade, uma vez que podem ser medidas por
uma escala numérica.

Um traço (ou característica genética) complexo é qualquer traço que não demonstre
herança mendeliana simples e pode ser um traço descontínuo, tal como a presença ou
a ausência de uma determinada doença, ou um traço continuamente variável, tal
como a altura em seres humanos, que apresenta uma grande variação e é influenciada
por inúmeros fatores, tanto genéticos como ambientais.

52
Na agropecuária, vegetais e animais foram modelados pela propagação de indivíduos
com características desejáveis – maior teor de proteína, menor gordura corporal,
maior produtividade, resistência a doenças, e assim por diante. Essa capacidade de
modificar fenótipos por cruzamento seletivo indica que as características têm base
genética. Em geral, porém, essa base genética é complexa. Há a participação de vários
ou muitos genes, e é difícil distinguir os efeitos individuais por análise genética
convencional. Desse modo, são necessárias outras técnicas para estudar a herança de
características complexas.

Algumas características que não variam continuamente na população também


parecem ser influenciadas por vários fatores. Na doença cardíaca, por exemplo, o
peso, a atividade física, a alimentação, o nível de colesterol, o tabagismo e a existência
de doença cardíaca em parentes próximos exercem um papel importante para o seu
surgimento.

Existem, também, algumas doenças genéticas que são determinadas pela combinação
de alelos de vários genes, sendo que a suscetibilidade ou predisposição a elas depende
da combinação genotípica que o indivíduo possui dos alelos para esses genes e,
algumas vezes, também de fatores ambientais que contribuem para sua manifestação
ou não. Desta forma, podemos dizer que essas doenças têm herança multifatorial.

A predisposição a essas doenças pode ser representada por uma distribuição contínua
(curva normal), representada na figura abaixo. As pessoas que se encontram na
extremidade mais baixa da distribuição têm poucas chances de desenvolver a doença
porque possuem poucos alelos ou estão pouco expostas a fatores ambientais que
propiciam o aparecimento da doença. Já as que estão próximas da extremidade mais
alta da distribuição possuem um maior número de genes causadores da doença ou
têm maior predisposição ambiental e são mais propensos a desenvolvê-la.

Existe um limiar: abaixo desse limiar o indivíduo provavelmente é normal e, acima


dele, será afetado pela doença. Sob o aspecto qualitativo, abaixo desse limiar estariam
as pessoas normais, não doentes, com distintos graus de suscetibilidade e acima as
pessoas afetadas pela doença.

53
Algumas doenças crônicas muito frequentes também têm etiologia multifatorial como
por exemplo a hipertensão arterial idiopática, o diabetes mellitus tipo I (e tipo II) a
doença arterial coronariana, a esquizofrenia e o autismo, entre outras.

Fonte: PIMENTEL; GALLO; SANTOS-REBOUÇAS, 2017, p. 175.

Figura 6.1 – Curva normal que mostra a distribuição de suscetibilidade para um


fenótipo quantitativo dicotômico hipotético em uma população. O limiar distingue
duas categorias de indivíduos: normais e afetados. A área sombreada evidencia a
proporção de indivíduos que apresentam o fenótipo anormal, em função de terem
ultrapassado o limiar critico de propensão ao fenótipo.

6.2 Características quantitativas e poligênicas

Nem sempre a relação genótipo-fenótipo ocorre de modo simples e previsível. Na


realidade, a maioria da variabilidade fenotípica observada em todos os organismos,
animais ou vegetais, não resulta da expressão de um gene único que produz um efeito
fenotípico nítido, mas decorre da ação combinada de alguns ou de vários genes em
diferentes loci espalhados no genoma, ou seja, é de natureza poligênica.

54
Na herança poligênica, além dos efeitos e interações entre os múltiplos genes
envolvidos, fatores ambientais também podem contribuir para a variação observada
nessas características, constituindo o que denominamos herança multifatorial.

Como exemplos de fenótipos resultantes de interações complexas entre genes e


ambiente, destacamos estatura, peso, cor da pele e do cabelo, inteligência, atividade
metabólica e inúmeras doenças complexas.

Praticamente todos os traços poligênicos são influenciados pelo modo de vida e outros
fatores ambientais. Na verdade, não se herda determinada altura, peso ou cor, e sim
uma potencialidade (predisposição genética), quantitativa, que será desenvolvida em
maior ou menor grau, pelo ambiente, representado, no caso da estatura e peso, pela
nutrição e exercício e, no caso da pigmentação da pele, pela exposição ao sol. A
estatura é um bom exemplo de característica multifatorial, por ser um traço genético
condicionado por vários genes (natureza hereditária) e também influenciado pelo
ambiente (dieta e atividade física). É intuitivo que pessoas mais altas tenham
tendência a ter filhos mais altos, além da influência exercida pelo ambiente. Esta
característica apresenta variação contínua, pois observamos a presença de fenótipos
sucessivos, ou seja, diferentes padrões de altura, sem uma separação nítida de
categorias.

Figura 6.2 – Estatura: herança multifatorial com variação contínua.

55
O peso (figura abaixo) também decorre da interação entre fatores genéticos, incluindo
fatores ligados ao metabolismo, e ambientais (culturais, familiares, atividade física
etc). Pode-se ganhar peso facilmente com hábitos alimentares inadequados, inclinação
genética, vida sedentária, distúrbios psicológicos ou problemas familiares sendo,
portanto, uma característica também determinada por herança multifatorial, com
variação contínua.

Figura 6.3 – Peso: herança multifatorial com variação contínua.

A grande variação de cor da pele entre adultos não pode ser explicada por um par de
alelos de um único loco mendeliano (mecanismo monogênico). É evidente que existem
tons de pele geneticamente condicionados, além de branco, mulato médio e negro. Os
descendentes da união entre mulatos médios apresentam uma variação contínua de
tons, desde branco até negro, seja branco o homem ou a mulher. Portanto, a hipótese
de que vários locos diferentes determinam a cor da pele é a mais adequada para
explicar essa diversidade de fenótipos e encontra respaldo na descoberta de inúmeros
genes em humanos que exercem influência sobre esta característica.

56
Figura 6.4 – Cor da pele: vários fenótipos (variação contínua).

Os organismos apresentam uma plasticidade fenotípica, ou seja, são sensíveis às


variações ambientais e capazes de expressar fenótipos diferentes em ambientes
diversos. É importante salientar que os vários genes envolvidos na herança
multifatorial podem ser poligenes com efeitos aditivos; vários genes, um deles com um
efeito principal ou maior; poligenes, com efeito maior de dois ou mais genes.

Além disso, quanto maior a influência do componente genético em relação aos fatores
ambientais na variabilidade fenotípica de um traço, mais genético esse traço será e
quanto menor a influência do genótipo sobre a variabilidade fenotípica, menos
genético ele será.

A variabilidade fenotípica relativa a qualquer traço multifatorial pode ser representada


como a soma da variância genotípica, que mede os efeitos das diferenças genéticas
entre os organismos, com a variância ambiental, que mede os efeitos das variações no
ambiente.

Todo genoma é sensível às variações ambientais e inúmeros estudos buscam


compreender de que maneira esses fatores, mais precisamente hábitos de vida,
interferem no genótipo, modificando a atividade gênica e ocasionando determinados
fenótipos.

57
Em algumas doenças multifatoriais, como a hipertensão, é fácil identificar alguns
agentes ambientais de risco (obesidade, altos níveis de sódio na dieta, baixa atividade
física, entre outros). Entretanto, na maioria dos traços multifatoriais, muito pouco
ainda se sabe sobre os fatores ambientais que representam risco e sobre aqueles que
são protetores. Essa compreensão é de real importância, pois abrirá novos caminhos
para o delineamento de intervenções preventivas para inúmeros distúrbios.

6.3 Patologias de origem multifatorial

A maioria dos defeitos e malformações presentes ao nascimento é determinada por


esse tipo de mecanismo, ou seja, apresentam etiologia multifatorial. São exemplos
típicos o lábio leporino (com ou sem palato fendido), os defeitos de fechamento de
tubo neural (espinhas bífidas, meningomieloceles e anencefalia), os diversos tipos de
pé́ torto congênito, a estenose hipertrófica do piloro e a luxação congênita do quadril.
Também são condicionadas por esse tipo de mecanismo doenças comuns na
população, geralmente nos grupos etários um pouco mais avançados, como úlcera
péptica gastroduodenal, epilepsia, hipertensão arterial, obesidade, muitos casos de
diabetes, transtornos do humor e doenças neurodegenerativas, como as de Parkinson
e Alzheimer.

Modernamente, as doenças com esse tipo de mecanismo são denominadas doenças


complexas, mas o certo deveria ser doenças com mecanismo complexo, uma vez que
algumas delas são perfeitamente explicáveis ou entendidas, em um nível qualquer de
causalidade (molecular, citológico, embriológico etc.), resultando de uma alteração
básica relativamente simples. Também faz parte do conceito de doenças complexas
que uma fração dos casos ocorra em famílias excepcionais, em que a transmissão da
doença tem lugar de modo praticamente mendeliano, por exemplo, com herança
autossômica dominante. Explicam-se esses casos admitindo-se que, ocasionalmente,
surja um alelo deletério (gene defeituoso) nesse sistema, com efeito muito drástico
sobre o fenótipo, que segregue nas famílias, acarretando muitos casos da doença.
Situações assim acontecem por exemplo na doença de Alzheimer e na hipertensão
arterial.

58
Um exemplo bem conhecido de patologia de origem multifatorial é o lábio leporino
acompanhado ou não de fenda palatina, que é um defeito resultante do fechamento
defeituoso de estruturas normalmente presentes no embrião (figura abaixo). O traço é
familial, isto é, é mais comum nos parentes dos afetados do que nos parentes de
pessoas normais tomadas como controle, o que sugere que o defeito seja determinado
geneticamente. Como se trata de um fenótipo contrastante com o presente nas
pessoas normais da família, sem o defeito, pensa-se logo em herança monogênica,
determinada por alelo dominante ou recessivo, conforme as leis de Mendel. Todavia, a
frequência de pessoas afetadas nas famílias de quem tem o defeito é muito menor do
que a esperada sob hipótese de herança monogênica. Admite-se, por isso, o
mecanismo multifatorial poligênico, com limiar. A predisposição poligênica, combinada
com influências ambientais intrauterinas, promove uma distribuição continua de
suscetibilidades, que só desencadeia o defeito quando ultrapassa um determinado
limiar.

Fonte: SCHAEFER; THOMPSON JR, 2015, p. 221.

Figura 6.5 – Pacientes apresentando o espectro de fendas labiais e palatinas. (a) Fenda labial
e palatina bilateral. (b) Fenda labial unilateral com fenda palatina. (c) Fenda labial unilateral
envolvendo alvéolo. (d) Fenda palatina. (e) Fenda palatina submucosa (oculta).
59
Outra patologia de origem multifatorial inclui os defeitos de tubo neural (DTNs), que
são malformações congênitas do tubo neural embrionário. A falha do tubo neural em
fechar adequadamente levará à anomalias do encéfalo e/ou da espinha dorsal e das
estruturas ósseas adjacentes. Existe uma variedade de expressão dependendo de
onde/quanto do tubo neural falha em fechar e estes defeitos são relativamente
comuns, ocorrendo em cerca de 1 a 2 por 1.000 nascimentos. Uma das formas de
expressão é a anencefalia, com ausência parcial ou completa da abóbada craniana e
dos hemisférios cerebrais. Os bebês que apresentam esta alteração são natimortos ou
resistem por poucas horas após o nascimento (Figura 6.6).

Fonte: OTTO; MINGRONI NETO; OTTO, 2013, p. 323.

Figura 6.6 – Criança com anencefalia. Paciente da Escola Paulista de Medicina,


Universidade Federal de São Paulo (genti- leza do Dr. Décio Brunoni).

60
O Pé Torto Congênito (PTC) caracteriza-se por flexão plantar e supinação com a face
plantar do pé voltada para a linha mediana do corpo e predomina no sexo masculino,
de modo que a proporção sexual ao nascer entre afetados é de 2:1. O PTC pode
aparecer isoladamente ou fazer parte de várias doenças e síndromes. Entre suas causas
preponderantes ou coadjuvantes estão os fatores mecânicos, como posição defeituosa
de feto, ou pressão exagerada na cavidade uterina. Finalmente, a causa primária
poderia ser esquelética, neurológica ou muscular e não está esclarecido se uma dessas
explicações é a única verdadeira ou se todas ou algumas se combinam. O tratamento
do PTC deve ser iniciado no primeiro dia de vida, com aplicação de aparelhos gessados
ou, dependendo do caso, cirurgia.

O termo epilepsia é usado para descrever várias afecções convulsivas, como os diversos
tipos de epilepsia mioclônica (com convulsões espasmódicas) e a epilepsia
centroencefálica. A incidência conjunta das diversas formas, na população geral, é
relativamente alta, da ordem de 1/200 nascimentos. Apesar dos recentes avanços na
área de genética molecular, existe ainda um grau de incerteza significativo quanto ao
determinismo genético das muitas formas. Mesmo naquelas com possível herança
monogênica, há considerável grau de heterogeneidade genética. Por outro lado, não
existem dúvidas de que uma porção significativa dos casos de epilepsia são
determinados por mecanismo multifatorial.

É importante salientar que, com frequência, há uma dificuldade de avaliação das


patologias de origem multifatorial, pois o número de genes que contribuem para a
doença muitas vezes é desconhecido; a constituição genética precisa dos pais não foi
determinada, pois, apesar dos avanços recentes para localizar os poligenes
responsáveis por essas doenças e defeitos por meio de técnicas moleculares, não se
tem uma ideia exata do total de genes envolvidos em cada um desses defeitos; além
disso, nem sempre é possível avaliar com exatidão a influência variável dos efeitos
ambientais.

61
Conclusão

A maior parte dos traços de importância na medicina, na agricultura e na biologia


evolutiva demonstra herança multifatorial, pois sã determinada por fatores genéticos
e ambientais. Exemplos incluem algumas doenças em seres humanos, a produção de
soja, a produção de leite em vacas leiteiras e o espectro total de fenótipos que
diferenciam a grande maioria das espécies de plantas, animais e microrganismos.

As características determinadas por este tipo de herança apresentam variação


contínua (peso, altura, cor da pele etc.) ou descontínuas (presença ou ausência de uma
doença, por exemplo) e se manifestam com diferentes níveis de intensidade devido á
multiplicidade de fatores que influenciam na sua expressão.

REFERÊNCIAS

GRIFFITHS, A.J.F. et al. Introdução à genética. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2019.

KLUG, W. et al. Conceitos de genética. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

OTTO, P.A.; MINGRONI NETO, R.C.; OTTO, P.G. Genética médica. São Paulo: Roca,
2013.

PIMENTEL, M.M.G.; GALLO, C.V.M.; SANTOS-REBOUÇAS, C.B. Genética essencial. Rio


de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

SCHAEFER, G.B.; THOMPSON, J. Genética médica. Porto Alegre: AMGH, 2015.

62

Você também pode gostar