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Epigenética e comportamento

Prof. Téo
Citologia e Genética
Mesmo DNA, diferentes fenótipos?
Consideremos a espécie humana (Homo
sapiens). Quando analisamos o material
genético da espécie (feito memorável
realizado pelo Projeto Genoma, entre
1998 - 2004), verificamos que, apesar de
pequenas mudanças em bases nos
cromossomos, a sequência genética de
todos os indivíduos difere muito pouco,
ou seja, o mesmo material que você tem,
uma pessoa da Indonésia terá. Como
então as diferenças entre os seres
humanos por vezes são tão grandes?
Como existem pessoas baixas, altas, com
cabelo crespo, liso, ondulado, pretas,
caucasianas, amarelas?
A base mendeliana das diferenças
Mendel, a partir de seus estudos acerca da hereditariedade, trouxe a tona a
definição dos genes a partir de alelos: em cromossomos homólogos, um gene
pode ser expresso de modos diferentes, por poder possuir alelos diferentes:
dominantes, recessivos, ou estabelecer dominâncias incompletas e até mesmo
serem codominantes, expressando fenótipos diferentes nos seres vivos, além de
terem base herdável.
Explicando a base mendeliana à luz da biologia molecular
Os alelos são unidades ótimas para o
estudo de características e disfunções
pontuais, como o estudo a partir de
heredogramas. Contudo, a
complexidade dos alelos é a mesma
complexidade relacionada à genética
molecular: um alelo A e um a possuem
a mesma base genotípica, mas podem
ter pequenas diferenças de bases
nucleotídicas que farão a ser
mascarado, não ser expressado (em
dominâncias completas) ou ser
expressado em menores porcentagens.
Os íntrons como base regulatória dos genes
Apesar de diferentes alelos serem
fatores importantes para as diferenças
fenotípicas, outros fatores são tão
importantes (ou até mais) para essa
diferenciação, como os íntrons.
Sabemos que os íntrons realizam o
controle da expressão gênica, mas
como eles fazem isso?
Os íntrons como base regulatória dos genes
Boa parte dos íntrons que são
excisados da estrutura do mRNA
imaturo, a partir do processo de splicing
formam estruturas regulatórias da
expressão gênica. Eles formam RNA’s
chamados miRNA (microRNA) e
siRNA (small interfering RNA) que, por
meio de ligações com regiões iniciais da
fita do mRNA, regulam a expressão
destes, controlando assim as
concentrações de proteínas.
A derrubada das definições clássicas
Até 1970 acreditava-se que os mecanismos de regulação da expressão gênica
sempre estavam relacionados diretamente com o material genético em si,
sobretudo com o DNA. Descobertas acerca da estrutura geral do material
genético e de seus associados derrubaram com veemência essa definição,
recuperando e surgindo uma nova definição para o termo epigenética.
A epigenética
A definição atual traz a epigenética como “o estudo das alterações na função do gene que podem ser
herdadas por mitose ou meiose e que não envolvem mudança na sequência de nucleotídeos do DNA”, ou
seja, a epigenética se caracteriza como mecanismo de variação fenotípica em indivíduos e
populações sem mudanças na estrutura genética. Além disso, esses mecanismos
extranucleicos são herdáveis e possuem reversibilidade.
Qual a base da epigenética?
“Um exemplo desse nível de atuação da
Se os diferentes fenótipos dados pela epigenética pode ser observado em gêmeos
monozigóticos, que carregam genomas idênticos
epigenética não são vinculados a mudanças no e, no entanto, exibem algumas diferenças
DNA, como eles ocorrem? fenotípicas, que se acentuam com o passar dos
anos; gêmeos monozigóticos têm genomas
As mudanças ocasionadas podem ser de idênticos, mas seus epigenomas são diferentes.”
diferentes tipos. As mais comuns se relacionam
com alterações estruturais externas do DNA e
modificações das proteínas histonas. Em linhas
gerais, esses mecanismos ocorrem na fase do
zigoto, sendo vitais para as células primordiais
se diferenciarem nos quase 200 tipos e subtipos
celulares existentes no ser humano e a partir da
interação do genoma de um organismo com os
meios ambientes interno e externo durante toda
a vida.
Mudanças externas no DNA | Metilação do DNA
A metilação do DNA é uma modificação epigenética na qual há a adição de grupamentos metil (-CH 3) em
algumas bases nitrogenadas do DNA, sobretudo em citosinas (C). Como são marcas epigenéticas, essas
podem ser colocadas e retiradas devido mudanças ambientais. Em mamíferos, a metilação é um processo
importantíssimo quando acontece em regiões de transcrição, pois pode reprimir a expressão completa de
um gene; já quando ela ocorre no interior de um gene, a metilação pode até mesmo estimular a transcrição
de um gene, aumentando o processo de expressão gênica.
Modificação de proteínas histonas
O DNA em seres eucariotos fica restrito ao
núcleo e, como sabemos, está associado em
proteínas histonas, formando as estruturas
condensadas denominadas heterocromatina (HC)
e eucromatina (EC), sendo uma mais densa (HC)
e outra mais frouxa (EC). As histonas associadas
ao DNA possuem caudas polipeptídicas que
podem sofrer alterações de diferentes tipos:
metilações (-CH3), acetilações (-CH2-CH3) e
fosforilações (-PO4), que desenvolvem marcas
ativadoras ou silenciadoras da expressão gênica
por meio do aumento ou diminuição da
condensação da estrutura da cromatina.
Mecanismos epigenéticos clássicos | Inativação do X
Um dos mecanismos relacionados ao
processo de modificação das histonas é a
inativação de um cromossomo X em
mulheres. O cromossomo X é imenso se
comparado ao cromossomo Y. Assim, a
presença de dois funcionais geraria um
desequilíbrio da dosagem gênica entre os
dois sexos biológicos. Com isso, a espécie
humana e muitas outras espécies de
mamíferos realizam, em seu
desenvolvimento embrionário, um
silenciamento de uma cópia do
cromossomo X, de modo aleatório, em
todas as células somáticas.
Mecanismos epigenéticos clássicos | Inativação do X
A estrutura assim é condensada ao
extremo, formando uma massa
heterocromática visível facilmente em
microscópio ótico e que recebe o nome
de corpúsculo de Barr.
Um exemplo a ser dado é da inativação
ocasionada em gatas da raça escaminha.
Seu cromossomo X possui
heterozigose em um gene que define
coloração, sendo A para preto e a para
amarelo. Com a inativação de um X
aleatório para suas células, sua pelagem
exibe um fenótipo misto, com tufos
pretos e tufos amarelos.
Mecanismos epigenéticos clássicos | Imprinting
O imprinting é um fenômeno no qual há
mudanças epigenéticas em quase 100
genes. A principal característica é a
expressão de apenas um alelo do gene,
ou parental, ou materno. Relacionado
com efeitos de metilação do DNA, o
imprinting tem atuação voltada à
regulação do desenvolvimento
pré-natal e na biologia placentária, no
crescimento fetal e na regulação-chave
de processos de termogênese, ingestão
de alimentos e adiposidade, tanto em
bebês como em adultos.
Doenças humanas epigenéticas | Síndrome de Beckwith-Wiedemann

Defeitos relacionados aos processos de


regulação gênica podem causar ativação
ou inibição de genes de forma
inapropriada, gerando síndromes e
doenças, como a Síndrome de BW, que
desenvolve o aumento do crescimento
de variadas estruturas corporais e a
predisposição à variados tipos de
tumores e malformações congênitas.
Essa síndrome se relaciona com a
hipometilação de um gene devido um
defeito de imprinting.
Doenças humanas epigenéticas
Várias evidências apontam que as marcas epigenéticas conhecidas possuem forte
relação com fatores externos nocivos, como poluição, fumaça do tabaco e afins.
A fumaça do tabaco é associada ao aumento da metilação de genes supressores
de tumores em células pulmonares, diminuindo sua expressão e ativando
mecanismos de oncogenes.
A epigenética do câncer
Variados cânceres, como os de mama, hepático, cólon, endométrio, pele, bexiga e leucemias
possuem forte influência epigenética, caracterizados pelos efeitos de metilação em regiões
gênicas de supressão tumoral.

“Epigenética e câncer. O painel superior indica a situação em células normais e, abaixo, as modificações epigenéticas identificadas em células tumorais. Genes supressores de tumor
estão ativos (retângulo verde) em células normais; no câncer, estes genes podem ser silenciados pelo ganho de metilação em citosinas localizadas em ilhas CpG na sua região promotora
(pirulitos brancos denotam citosinas não metiladas, pirulitos vermelhos, citosinas metiladas) e essa hipermetilação de promotor gênico ocasiona silenciamento da transcrição do gene
associado (retângulo vermelho). Em sequências repetitivas de DNA (retângulos em azul), que normalmente estão metiladas em células normais, ocorre perda de metilação em células
tumorais (hipometilação global do genoma).” RIVAS, M.P.; TEIXEIRA, A.C.B., KREPISCHI, A.C.V. SBG, 2019.
Herança epigenética | A fome holandesa
Ponto interessante: os filhos dos filhos gerados
A fome holandesa foi um evento ocorrente na II no período de privação alimentar também
Guerra Mundial, em 1944, devido ao baixo exibiram padrões epigenéticos para
fornecimento de alimentos em regiões holandesas suscetibilidade a diabetes e obesidade! “Isto
poderia ser explicado pela exposição das células
tomadas pelos nazistas, afetando toda população germinativas (gametas) dos fetos das mulheres
local, inclusive mulheres grávidas com fetos em que sofreram desnutrição logo no início da
diferentes fases de gestação. gestação. Dessa forma três gerações são expostas
As crianças provenientes destas gravidezes nasceram e afetadas pela mesma condição ambiental, seja
com baixo peso e propensão a intolerância à glicose, dieta, toxinas, hormônios, entre outros.”
deixando-as mais suscetíveis à doenças crônicas não
transmissíveis como diabetes, obesidade,
cardiopatias e doenças renais.
Análises médicas realizadas a longo prazo
verificaram que essa condição se deu por alterações
na epigenômica causadas pelo fator ambiental. A
principal evidência foi a análise do epigenoma dos
irmãos desses indivíduos que não sofreram privação
alimentar (as mães analisadas engravidaram pós II
Guerra Mundial).
Herança epigenética | A cidade de Överkalix
Outro caso interessantíssimo ocorreu
na cidade de Överkalix, na Suécia.
Durante as gerações, rigorosos
invernos desenvolveram na história da
cidade períodos de fome. Ao analisar
os dados dos moradores em períodos
historiográficos diferentes, se
evidenciou que indivíduos com avós
paternos com maior ingestão calórica
na adolescência (proveniente de
períodos com invernos menos
rigorosos) tinham risco aumentado de
mortalidade por diabetes, obesidade
etc. se comparados àqueles com avós
paternos que passaram por situação de
restrição alimentar.
A epigenética e suas relações com o comportamento
A epigenética possui fortes relações no comportamento da
prole. Evidências sustentam que o ato das fêmeas de ratos
de lamber seus filhotes realizam a diminuição de metilações
no DNA, fator que contribui para a diminuição de
sintomas de ansiedade, medo e outros processos
comportamentais relacionados com o hipocampo.
A epigenética e suas relações com o comportamento
Efeitos epigenéticos de estresse precoce
nos seres humanos

Exemplo 1: em um estudo, pesquisadores


examinaram os cérebros de 24 pessoas que
cometeram suicídio, metade das quais
haviam sofrido maus tratos na infância. Eles
descobriram que as que sofreram
maus-tratos tinham um grau maior de
metilação do gene do receptor do
glicocorticoide, um gene envolvido na
resposta ao estresse, do que as que não
sofreram maus-tratos;

Exemplo 2: pesquisadores descobriram que


crescer em um ambiente socioeconômico
inferior antes dos 5 anos alterou a expressão
de mais de 100 genes relacionados com a
função imunológica dos adultos.
A epigenética e suas relações com o comportamento
Muito obrigado!

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