Você está na página 1de 21

Epigenética, Plasticidade Fenotípica e Evolução Biológica

Disponível em https://www.saberatualizado.com.br/2019/03/epigenetica-plasticidade-
fenotipica-e.html

O termo epigenética tipicamente se refere a modificações químicas na cromatina


ou em DNA transcrito que podem influenciar na atividade e na expressão genéticas sem
mudanças na sequência de DNA (1). Nos últimos 20 anos, vários avanços no campo dos
estudos genômicos possibilitaram a exploração desse mecanismo de regulação, o qual
acompanha o processo geral de plasticidade fenotípica para englobar informações de
expressão fenotípica que estão além do codificado pelos genes no genoma de um
organismo. Apesar de já estar bem estabelecido o papel da epigenética e da plasticidade
genotípica na emergência de doenças e de fenômenos adaptativos a partir de gatilhos
ambientais diversos, ainda estamos no início de começarmos a entender em mais detalhes
como os mecanismos não-geneticamente determinados contribuem para o processo
evolucionário. Englobando hipóteses próximas de se transformarem em teorias, como o
Efeito Baldwin, alguns vêm se referindo a esse campo de estudo evolutivo como 'Neo-
Lamarckianismo'.

PLASTICIDADE FENOTÍPICA E EPIGENÉTICA


Tanto a plasticidade fenotípica quanto a epigenética alteram a expressão de um
fenótipo ou de um gene sem causar mudanças na sequência de DNA. Definir uma linha
que separe ambos os processos é difícil, já que vários marcadores epigenéticos são
ambientalmente induzidos, e a plasticidade em si própria pode ser mediada por
modificações epigenéticas, e efeitos transgeracionais podem ser devidos à plasticidade
materna ou à herança epigenética.
EPIGENÉTICA
É ainda bastante controverso as tentativas de definição do termo 'epigenética'.
Decompondo a palavra, temos que 'epi' significa 'além' e genética significa 'DNA,
sequência', ou seja, algo que se refere a uma camada de informação que existe além
daquela codificada na sequência de DNA, e, portanto, fazendo o genoma funcionar de
forma distinta em diferentes tipos de células ou de ambientes. Essa definição engloba
todas as modificações de cromatina e de DNA, e de outros reguladores de transcrição que
agem no contexto da cromatina, e que são possíveis de serem transmitidos durante a
replicação celular ou mesmo de forma vertical (aos descendentes diretos). De modo
generalista, epigenética seria um mecanismo de 'liga e desliga' dos genes.
Porém, para alguns autores, essas generalizações geram mais desinformações do
que coerência, especialmente entre o público (Ref.1). Por exemplo, a metilação do DNA
não necessariamente marca um processo epigenético. Mudanças na composição dos
subtipos de célula, variabilidade na sequência de DNA e causação reversa (transcrição
alterando a metilação do DNA ao invés deste ser alterado pela metilação) podem ser os
mecanismos moleculares alternativos. Segundo esses autores, uma proposta de definição
mais coerente para epigenética seria a referência a dois tipos de eventos: reprogramação
celular e a formação de diferentes proporções de tipos celulares através do uso variável
de creodes ('policreodismo') - termo que representa o caminho de desenvolvimento
seguido por uma célula à medida que ela cresce para formar parte de um órgão
especializado. Em outras palavras, voltaríamos ao significado histórico de epigenética no
século XX dado pelo biólogo C.H. Waddington em 1942 no seu artigo "The
Epigenotype" para se referir ao processo que baseia a geração de vários tipos celulares a
partir de uma única célula zigótica, mesmo com todas as células possuindo a mesma
sequência de DNA.
Nesse sentido, informações que estariam contidas além do genoma - e que atuam
desligando e ligando genes - seriam descritas como regulações de transcrição, as quais
podem agir via epigenética ou outro mecanismo molecular.
Mas, contornando esses debates, podemos pegar emprestado a mais recente
definição do GHR (Genetics Home Reference) - pertencente ao NIH (U.S. National
Library of Medicine) - de epigenética (Ref.2): modificações no DNA que não mudam a
sequência de DNA mas que podem afetar a atividade genética, ou compostos químicos
que são adicionados a genes únicos que podem regular suas atividades. Nesse sentido, o
assim chamado epigenoma engloba todos os compostos químicos que foram adicionados
ao longo de um genoma de forma a regular a atividade (expressão) de todos os genes
dentro desse genoma. Bem, isso desagrada alguns acadêmicos, mas é a definição mais
comumente encontrada na literatura científica.
Os compostos químicos do epigenoma não fazem parte da sequência (fita) de
DNA, mas estão sobre ou anexados ao DNA - apesar de serem produzidos a partir do
genoma, assim como as histonas. As modificações epigenéticas permanecem à medida
que as células se dividem e, em alguns casos, podem ser passadas de geração para geração
em organismos mais complexos caso alcancem as células germinativas (diretamente
associadas aos gametas reprodutivos; espermatozoide e óvulo, por exemplo), via meiose
e mitose - contrariando, portanto, o dogma implicado na genética Mendeliana que
permeou o século XX. Influências ambientais, como dieta e exposição a poluentes, podem
impactar/engatilhar o epigenoma.
Mudanças epigenéticas podem ajudar a determinar se um ou mais genes são
ativados (ligados) ou desativados (desligados), influenciando a produção de proteínas em
certas células e garantindo que apenas as proteínas necessárias sejam produzidas. Isso é
essencial no processo de diferenciação celular, já que todas as células de um organismo
multicelular possuem o mesmo DNA/genótipo. Por exemplo, em células musculares você
não terá proteínas de promoção ao crescimento ósseo sendo produzidas, mesmo que os
genes necessários para tal estejam ali presentes. Os genes para essa função serão
expressos apenas nas células do tecido ósseo. Padrões de modificações epigenéticas
variam entre indivíduos, diferentes tecidos dentro de um indivíduo, e mesmo entre
células. Por isso os tecidos e órgãos do corpo são tão diferentes entre si mesmo carregando
no núcleo celular, em condições normais, sempre o mesmo genótipo. O epigenoma
controla muitas dessas mudanças regulatórias no genoma.
Outro caso notável de interferência epigenética é o processo de imprinting. No
genoma humano, por exemplo, temos duas cópias para cada gene, uma oriunda da mãe e
outra oriunda do pai. Para um pequeno número de genes, apenas a cópia da mãe é ativada,
e a outra, paterna, é silenciada; já em outros genes, a cópia do pai é ativada e a da mãe
desativada. Sem o epigenoma controlando isso, o corpo não consegue funcionar direito.
Aliás, cerca de 5% do epigenoma humano está sempre regulando a expressão genética
em qualquer dada célula do corpo.
Um tipo comum de modificação epigenética é a já mencionada metilação, a qual
envolve a anexação de pequenas moléculas chamadas de grupos metilas (-CH3) a
segmentos do DNA. Quando grupos metilas são adicionados a um gene particular, o gene
é desligado ou silenciado, e nenhuma proteína consegue mais ser produzida daquele gene
(expressão do gene cessa).
Remodeladores de cromatinas e variantes de histonas também atuam de forma
importante no maquinário epigenético. Na remodelação de cromatinas, a posição dos
nucleossomos - unidade fundamental da cromatina onde a fita do DNA se enrola e
formada por quatro pares de histonas (H2A, H2B, H3 e H4) - é crucial para determinar a
expressão genética. Nesse sentido, mudanças nas posições das histonas dentro dos
nucleossomos - ou remoção ou adição de histonas nessas estruturas - atuam ativando ou
desativando genes. Já no segundo caso, variantes de histonas - estruturas proteicas
diferenciadas - são incorporadas na cromatina, alterando a forma dos nucleossomos ou a
organização da cromatina, com consequente interferência na expressão
genética. Recentemente um estudo publicado na Nature (Ref.22) revelou que a adição da
molécula de serotonina é outro modificador de histonas.
Genes com marcadores epigenéticos podem ser transmitidos verticalmente entre
gerações (transgeracional) da mesma forma que genes não marcados (via meiose e
mitose). Quando um genoma é passado de pai para filho, o epigenoma no novo material
genético formado é geralmente resetado (reprogramado). Nesse processo, um maquinário
celular especializado rastreia o DNA e apaga as modificações epigenéticas, fazendo com
que o material genético volte às "configurações de fábrica" (células-tronco,
embrionárias). Porém, sob certas circunstâncias, alguns desses marcadores podem
persistir (escapam do reboot). Aliás, o imprinting é exatamente um tipo de persistência
do epigenoma, onde, no caso dos mamíferos, ~1% dos genes naturalmente escapam da
reprogramação. No caso de divisões celulares nos tecidos e órgãos de um organismo, que
não visam a formação de células germinativas, as modificações epigenética são, por regra,
preservadas, para manter a especialização das células.
O epigenoma geralmente muda quando as células se tornam especializadas
(reorganização das histonas e marcadores no DNA) e também pode mudar ao longo da
vida de uma pessoa, acompanhando o processo de envelhecimento. Fatores ambientais e
estilo de vida também podem engatilhar mudanças no epigenoma, as quais podem ou não
ser prejudiciais e causar doenças. Mudanças no epigenoma benéficas acionadas por
fatores diversos - como adversidades ambientais - podem ser selecionadas durante o
processo evolutivo.
Erros no processo epigenético, como a modificação do gene errado ou falha ao
adicionar uma molécula a um gene, podem levar a atividades ou inatividades anormais
dos genes, levando a problemas genéticos. Condições incluindo cânceres, desordens
metabólicos, e desordens degenerativas são em muitos casos associadas a falhas
epigenéticas. No caso de cânceres, marcadores epigenéticos desfuncionais podem
silenciar genes essenciais que controlam a proliferação celular. Para exemplificar de
forma mais específica, gêmeos idênticos (monozigóticos) costumam ter riscos
diferenciados para doenças autoimunes que afetam a tireoide, devido a diferenças de
metilação de locais CpG no genoma, levando à expressão de auto-anticorpos anti-
tiroglobulinas (TgAb) (Ref.24).
Por outro lado, a epigenética pode ser usada diretamente a favor da medicina. O
medicamento temozolomida, por exemplo, atua matando células cancerosas ao adicionar
grupos metilas no DNA.

PLASTICIDADE FENOTÍPICA
Plasticidade fenotípica pode ser definida, de forma geral, como a habilidade de
um genótipo produzir mais de um fenótipo quando exposto a diferentes ambientes ou
como uma resposta a mudanças nas condições ambientais. Mas o entendimento moderno
de plasticidade fenotípica não engloba somente processos plásticos na morfologia de um
organismo, mas também aspectos comportamentais e de aprendizado. Essas mudanças
ocorrem ao longo da vida de um indivíduo, e podem ser reversíveis ou irreversíveis. Tanto
uma mudança de coloração da pele/pelagem em um novo ambiente (camuflagem ou
proteção contra radiação UV) e o aumento da musculatura após treinos de hipertrofia -
ambos plasticidades adaptativas - quanto o aprendizado de uma nova língua por uma
criança exposta a uma nova cultura (plasticidade neuronal) são considerados exemplos
de plasticidade fenotípica.
Nesse sentido, dois ou mais indivíduos de uma espécie qualquer, mesmo que
possuam o mesmo genótipo (gêmeos monozigóticos ou clones), podem expressar
diferentes fenótipos ao serem expostos a diferentes fatores ambientais. Mudanças
extremas no fenótipo em diferentes condições ambientais são chamadas de polifenismo,
uma forma extrema de plasticidade fenotípica, como o exemplo exposto abaixo.
A plasticidade fenotípica pode emergir a partir de vários mecanismos bioquímicos
e nem todos esses mecanismos envolvem epigenética. Para citar um exemplo, a
plasticidade fenotípica pode surgir devido a limitações cinéticas associadas a funções
enzimáticas. Em uma planta, enzimas envolvidas na fotossíntese possuem faixas ideais
de temperatura, com os processos fotossintéticos podendo ficar lentos ou rápidos
dependendo da temperatura ambiente. O fator 'temperatura ambiente', portanto, acaba
influenciando no crescimento da planta e em outras características fisiológicas,
independentemente do genótipo ou epigenótipo. Temos também a hipoxia (baixa
concentração de oxigênio gasoso no ambiente), a qual leva à inibição de uma classe de
enzimas nos humanos que requerem oxigênio para suas atividades (domínio JmjC-histona
demetilase), culminando em uma rápida resposta plástica na cromatina (Ref.23). Outro
exemplo é via 'interferência de RNA' (RNAi) (Ref.8), onde sequências longas de RNA
de hélice dupla são enzimaticamente quebradas dando origem a siRNAs. O siRNA -
associado a um complexo proteico - age clivando RNA mensageiro (mRNA), interferindo
nos processos de transcrição e, consequentemente, na expressão de genes.
A plasticidade fenotípica adaptativa é comum na natureza e é superior a soluções
não-plásticas para um grande espectro de condições. Muitos organismos estão expostos
a ambientes que podem variar drasticamente ao longo das suas vidas. A seleção de alelos
que expressam fenótipos mais generalistas e constantes nunca vai garantir a máxima
chance de sobrevivência para os espécimes expostos a condições ambientais muito
oscilantes, porque ou o fenótipo será razoável em termos adaptativos ao longo de todo o
espectro de variação ambiental, ou o fenótipo será ótimo para um ambiente, mas
prejudicial/custoso para outro. Com a plasticidade, um fenótipo adaptativo ótimo pode
emergir (ser engatilhado) sempre que as condições ambientais variarem, garantindo, de
forma contínua, excelente custo-benefício para o organismo.
Citando um exemplo de plasticidade reversível bem conhecido, grande parte dos
humanos, ao serem expostos a muita radiação solar (a qual carrega danosos raios UV)
respondem com um bronzeamento na pele, aumentando a produção de melanina por um
tempo. Esse fenótipo (bronzeamento) ajuda a proteger a pele do UV. Quando a exposição
solar excessiva é cessada, a pele gradualmente perde seu bronzeado, porque este diminui
a taxa de síntese de vitamina D (2) em um ambiente de baixa exposição solar. Assim,
com esse processo de plasticidade fenotípica, a pele sempre mantém um ótimo equilíbrio
entre síntese de vitamina D e proteção contra danos do UV.
Mas nem sempre a plasticidade fenotípica traz benefícios adaptativos, onde
mudanças no fenótipo podem ser neutras ou mal-adaptativas a nível populacional ou
individual. Isso pode ser visto quando limitações nutricionais prejudicam as taxas de
reprodução dentro de uma população, mas modificam morfologicamente e/ou
metabolicamente seus membros visando um aumento no potencial de sobrevivência
individual. Ou seja, o crescimento populacional é prejudicado e os indivíduos podem se
encontrar mais vulneráveis frente a ameaças como predadores, já que o corpo mudou de
forma específica a uma resposta imediata à escassez de alimentos. Ou existe o caso
também em que os custos - gastos energéticos - para manter e/ou ativar as respostas
plásticas sejam muito elevados, não compensando os benefícios em muitas situações.
A probabilidade de que uma resposta plástica seja mal-adaptativa aumenta quando
o ambiente no qual um indivíduo é exposto difere drasticamente daquele no qual seus
ancestrais evoluíram. Isso porque genes que foram selecionados no passado para uma
melhor adaptação e que foram desativados ao longo do curso evolutivo são aqueles que
podem ser ligados novamente devido a mecanismos epigenéticos ou outros ligados à
plasticidade. Sem uma carga genética ancestral disponível no genótipo para um
determinado fator ambiental adverso, fica mais difícil respostas plásticas emergirem para
lidar com o novo problema específico. Nesse sentido, expressões plásticas indesejáveis
podem emergir. Por exemplo, quando ervas alpinas Wahlengergia ceracea e Campanula
thyrsoides são expostas a temperaturas mais altas típicas de baixas altitudes (~25°C), isso
ativa mudanças fenotípicas e fenológicas, mas as quais são acompanhadas por uma
substancial redução na capacidade de adaptação.
Nesse sentido, devido à sua base genética, assim como outros complexos
fenótipos, a plasticidade pode evoluir em resposta a seleções, caso seja adaptativa.
EPIGENÉTICA, PLASTICIDADE GENOTÍPICA E EVOLUÇÃO
Apesar do epigenoma e das expressões plásticas não alterarem as sequências de
DNA/alelos por si só, existem evidências e argumentos teóricos para o envolvimento
direto e indireto desses fatores extra-genômicos no curso evolucionário das espécies.

1. Incorporação direta de um fenotípico epigeneticamente herdado no genoma.


Existem muitos estudos analisando a possibilidade de que modificações na
metilação do DNA possam ser conservadas em uma escala de tempo evolucionária, ou
seja, serem fixadas junto ao genoma, alterando permanentemente a expressão de genes
ou mesmo mutando (paramutação) alelos.
O fenômeno de paramutação - onde interações alélicas diretas criam mudanças
passíveis de transmissão vertical no estado de um alelo - podem desse modo influenciar
na especiação. Por exemplo, um mecanismo de como isso poderia acontecer pode ser
citado em relação às ilhas CpG, as quais são consideradas 'hotspots' mutacionais, já que
a citosina metilada pode espontaneamente ser convertida em timina, enquanto guanina
metilada é convertida para uracila nessas ilhas. Essas mutações não são consideradas
erros pelos mecanismos de reparação do DNA e continuam sendo replicadas durante as
divisões celulares e formação de células germinativas. Consequentemente, as mutações
se tornam fixadas no genoma e com o potencial de induzir uma mudança na frequência
de alelos a nível populacional.

2. Efeitos epigenéticos indiretos na evolução: Estabilidade de genes alterada.


Marcadores epigenéticos ambientalmente induzidos podem interferir na
estabilidade genética e nas taxas de mutações. Elevados níveis de metilação de citosina
aumentam a frequência de mutações como resultado dos elevados níveis de transições
citosina-para-timina e outras característica do DNA. Além disso, a metilação do DNA
pode interferir tanto com os genes de reparação de danos no DNA quanto com os
caminhos apoptóticos que ajudam a manter a integridade genética. Esses efeitos podem
contribuir para a mudança de frequência dos alelos a nível populacional, evidenciando
processos evolutivos. E esses efeitos agem indiretamente porque não estão
necessariamente ligados ao fenótipo associado aos marcadores epigenéticos.

3. Efeitos epigenéticos e plásticos indiretos na evolução: Seleção natural alterada.


Aqui temos a criação de fenótipos que levam a diferentes seleções naturais de
genótipos. Como isso leva a mudanças permanentes na frequência de alelos na população,
temos uma interferência no processo evolucionário. Um clássico exemplo disso é o 'Efeito
Baldwin', onde novas características emergindo em um animal via plasticidade fenotípica
aumenta suas chances de sobrevivência, podendo servir de ponte para a acomodação de
novos genes benéficos. Aliás, o Efeito Baldwin ganhou recentemente uma descrição
molecular de suporte via estudo do lagarto-comum (Uta stansburiana) (2).
Cinco condições para essa interferência indireta na seleção natural precisam ser
atendidas, e todas elas já foram observadas em termos de epigenética:
I. Fenótipos podem ser epigeneticamente e verticalmente transmitidos.
II. Fenótipos epigeneticamente herdados podem ser neutros, adaptativos ou mal-
adaptativos
III. Variação no genótipo existe entre membros de uma população.
IV. Variação em marcadores epigenéticos existem entre membros de uma população.
V. Dentro de uma população, um particular conjunto de marcadores epigenéticos podem
estar distribuídos completamente e independentemente de um genótipo particular.
Entre as condições a nível populacional acima listadas, todas possuem amplo e sólido
suporte científico. Naturalmente, todas as populações de espécies diversas possuem
diferenças genéticas entre seus membros. Entre os humanos, por exemplo, existem cerca
de 2 a 3 milhões de SNP (polimorfismo único de nucleotídeo) diferentes quando duas
pessoas aleatórias dentro de uma população são comparadas, ou seja, milhões de letras
trocadas dentro dos genes e, consequentemente, alelos diferentes.
Da mesma forma, já é bem estabelecido que entre indivíduos de uma mesma
população - ou mesmo em um mesmo indivíduo entre idades distintas, ou entre indivíduos
com mesmo genótipo - existe uma substancial variação dos marcadores epigenéticos que
englobam metilação ou pós-translacional acetilação do DNA, fosforilação de histonas
associadas com os núcleos dos nucleossomos, entre outros. Em outras palavras, o
epigenoma e o genoma de uma população estão associados com uma significativa
heterogeneidade, em maior ou menor extensão.
Sobre a transmissão vertical de fenótipos expressos plasticamente, temos vários
exemplos que podem ser citados. Um estudo recente (Ref.9) mostrou que esse tipo de
transmissão claramente ocorre em ratos, onde filhotes herdam comportamentos
aprendidos (plasticidade neuronal aumentada) dos pais, os quais são provavelmente
adquiridos via modificações epigenéticas. Outro estudo recente, publicado na Current
Biology (Ref.10), mostrou que quando uma população do verme Caenorhabditis era
submetida a temperaturas de 25°C (altas para a espécie), seus indivíduos se tornavam
cada vez mais inférteis ao longo das gerações, mas com esse fenótipo podendo ser
revertido a qualquer momento quando as temperaturas voltavam a ser adequadas (15°C
no caso) - ou seja, uma plasticidade fenotípica que estava emergindo em parte dos
indivíduos e sendo passada de geração para geração. Investigando o fenômeno, os
pesquisadores mostraram que marcadores epigenéticos transgeracionais estavam
afetando o gene set-24.
Assim, a plasticidade fenotípica, especialmente via epigenética, pode alterar as
chances de sobrevivência dos indivíduos dentro de uma população, de forma
independente do genótipo, e levar a uma variação de alelos entre gerações. No esquema
abaixo, isso é melhor exemplificado.
Em particular, quando a plasticidade fenotípica produz traços adaptativos em um
novo ambiente, os indivíduos podem experienciar um aumento na probabilidade de
persistência. E isso pode levar a uma subsequente "lapidação" desse novo fenótipo
adaptativo de forma a otimizar a adaptação local até que aquele fenótipo seja fixado
através de um novo genótipo. Esse processo é conhecido como acomodação genética -
englobando, por exemplo, o Efeito Baldwin - e faz parte da hipótese PFE (Plasticity-First
Evolution), onde a plasticidade fenotípica evolui primeiro para facilitar uma evolução
genotípica, a qual virá para fixar o fenótipo adaptativo. Na PEE, a plasticidade fenotípica
é expressa na linhagem ancestral e subsequentemente é refinada via seleção natural em
um novo fenótipo adaptativo em uma linhagem derivada.
A plasticidade fenotípica, portanto, pode servir como uma ponte para populações
se adaptarem a mudanças ambientais. Nesse cenário, a seleção primeiro age em variações
genéticas para a plasticidade, favorecendo indivíduos que são capazes de alterar seus
fenótipos de formas que melhor 'combinam' com o novo ambiente. Se o antigo ambiente
é completamente perdido, seleção irá subsequentemente favorecer a fixação do novo
fenótipo plasticamente induzido, devido aos custos associados com a manutenção do
maquinário metabólico/estrutural para a resposta plástica ao ambiente. Uma mutação
benéfica que expresse esse fenótipo pode eventualmente surgir, levar à eliminação da
plasticidade, e ser selecionada e fixada (assimilação genética).
Nos últimos anos, vários exemplos teóricos e práticos de acomodação genética
vem emergindo para explicar padrões de especiação e de variação fenotípica entre as
populações de uma espécie. Como já citado, o Efeito Baldwin é o mais conhecido e já
exaustivamente ilustrado em populações de lagartos do gênero Uta.
HUMANOS, ALTITUDE E HIPOXIA
Um exemplo bem notável de provável acomodação genética pode ser vista em
populações humanas que vivem em altas altitudes e sob ambientes de hipoxia. Os
humanos que vivem em baixas altitudes, onde a concentração de oxigênio é alta, exibem
uma tolerância à hipoxia (baixa concentração de oxigênio) quando movidos para altas
altitudes (ar mais rarefeito) na forma de plasticidade fenotípica: aumento da taxa
respiratória (hiperventilação com concomitante alcalose) e da taxa cardíaca (entrega mais
rápida de oxigênio aos diferentes tecidos do corpo), seguido por supressão de outras
funções (digestão, por exemplo, para diminuir o gasto energético) e diminuição do
volume de plasma (para aumentar a concentração de hemoglobina circulante).
Subsequente aclimatização (longo período de adaptação) resulta em um aumento da
produção de eritrócitos, capilares, mitocôndrias e enzimas aeróbicas, e na redução do
volume de batidas cardíacas. Essas respostas à hipoxia são medidas pelo fator HIF, o qual
gera uma sinalização em cascata que afeta a expressão de genes envolvidos na produção
de eritrócitos, glicólise, homeostase do pH, metabolismo lipídico, e a formação de novos
vasos sanguíneos.
Populações humanas adaptadas a altas altitudes possuem características genéticas
que estão relacionadas às respostas plásticas adaptativas de populações nas baixas
altitudes. Os Tibetanos inalam mais ar a cada respiração, respiram mais rápido e possuem
um maior fluxo de sangue no cérebro, mas possuem significativamente menor saturação
de oxigênio. Já os Andinos possuem níveis de saturação de oxigênio e taxas de respiração
similares àquelas de populações em baixas altitudes, mas possuem uma capacidade maior
para carregar oxigênio e células vermelhas no sangue. Etíopes Amhara possuem pequena
redução na saturação de oxigênio ou maiores níveis de hemoglobina, enquanto os Etíopes
Oromo possuem saturação de oxigênio reduzida e um aumento nos níveis de
hemoglobina. Esses diferentes padrões de adaptações fixadas via variações genéticas
sugerem uma evolução convergente para a tolerância à hipoxia.

Essas populações em altas altitudes possuem características genéticas que


apontam seleção natural em alguns loci (locais fixos onde genes ou marcadores genéticos
estão posicionados). Dois caminhos de loci do fator HIF - EGLN1 (caminho HIF-1) E
epas1 (HIF-2-alfa) - estão associados com níveis reduzidos de hemoglobina, apesar dos
alelos diferirem entre populações. Variantes do EGLN1, as quais degradam o fator HIF
sob condições normais, estão sob seleção positiva tanto nos Tibetanos quanto nos
Andinos, onde nos Tibetanos o EPAS1 está sob elevada seleção. Outros prováveis genes
no caminho HIF podem ser citados: PPARA, um fator de transcrição regulando o
metabolismo de lipídios, está sob seleção nos Tibetanos; e os THRB e ARNT2 estão sob
seleção na Etiópia, assim como o BHLHE41, um repressor de transcrição hipoxia-
induzido.
Essas mudanças evolutivas em genes do caminho HIF ancestral (em comum com
as populações de baixa altitude) sugerem fortemente acomodação genética via mutações
genéticas associadas a reguladores de respostas plásticas à hipoxia (como os genes
EGLN1 e HIF1AN). De forma similar, uma perda de função do EPAS1, envolvido no
aumento de produção de eritrócitos relacionados à hipoxia, pode reduzir a resposta
plástica a baixos níveis de oxigênio e produzir as características baixas concentrações de
hemoglobina dos Tibetanos.
CARANGUEJO, SIMETRIA E CONCHAS
Os caranguejos-reis (família Lithodidae) são crustáceos com ausência de concha
e que apresentam simetria bilateral, mas que evoluíram de ancestrais que carregavam
conchas (conchas vazias de gastrópodes encontradas no fundo do mar) e que eram
altamente assimétricos. Em um clado irmão com assimetria inata, uma espécie de
caranguejo ermitão (Clibanarius vittatus) se torna simétrico após sucessivas trocas de
exoesqueleto se conchas de gastrópodes não são fornecidas. Isso sugere que a perda da
concha em um ancestral dos caranguejos-reis envolveu uma plasticidade fenotípica inicial
expressando simetria bilateral que foi subsequentemente e geneticamente assimilada para
um padrão fixo de desenvolvimento.

GIRINOS CARNÍVOROS
Algumas espécies de sapo da família Scaphiopodidae, como a Scaphioppus
holbrookii, nunca naturalmente desenvolvem girinos carnívoros, assim como a maioria
dos sapos. Já outra espécie, a Spea multiplicata, produz uma mistura de girinos carnívoros
ou onívoros dependendo da disponibilidade de alimentos - ou seja, uma clara plasticidade
fenotípica - o que permite uma maior exploração de nichos ecológicos e uma maior
chance de sobrevivência. Porém, girinos da espécie Spea bombifrons que compartilham
o mesmo habitat com os girinos da S. multiplicata são quase todos carnívoros.
Nesse sentido, um estudo publicado no Nature & Ecology (Ref.13) em 2018
avaliou a capacidade de plasticidade dessas três espécies em relação a diferentes dietas.
Variando a proporção de camarões oferecidos junto com alimentos de origem vegetal -
dieta mais ou menos carnívora - os pesquisadores observaram pouca plasticidade no S.
holbrookii mesmo em uma dieta 100% carnívora, onde notou-se o surgimento de um
intestino ligeiramente mais curto (mais adaptado para uma dieta carnívora) e sutis
alterações em partes bucais. Na espécie S. multiplicata, em contraste, foi observado uma
forte plasticidade fenotípica, tanto no formato da cabeça, no intestino e no
comportamento. Quando uma dieta carnívora era oferecida, genes ligados ao
metabolismo de proteínas se tornaram mais ativos, em detrimento de atividade em genes
ligados ao processamento de gorduras e amido. E se dada uma dieta com pouco ou
nenhum camarão (herbívora), todas essas adaptações eram revertidas.
Já o mais notável foi visto na espécie Sp. bombifrons, a qual, independentemente
da dieta oferecida, continuou carnívora, não demonstrando significativa plasticidade
fenotípica. E mais: alguns girinos saíram dos ovos já carnívoros, significando a fixação
desse fenótipo, provavelmente via mutações genéticas adaptativas. Quando a dieta
oferecida era estritamente herbívora, os girinos dessa espécie mostraram grande
dificuldade para reganhar traços fenotípicos apropriados para uma dieta onívora. Girinos
carnívoros se desenvolvem mais rapidamente em ambientes simpátricos, e isso possibilita
a exploração de outros nichos, como poças de água efêmeras (que secam rápido). Essa é
uma forte evidência de que populações de sapo da família Scaphiopodidae estão
evoluindo via acomodação genética, especificamente via assimilação genética.
Nessa mesma linha, um estudo publicado este ano na Proceedings of the Royal
Society B: Biological Sciences (Ref.14), testando a validade da hipótese da PPF, estudou
dois tipos de populações naturais de girinos da espécie S. bombifrons: aquelas convivendo
no mesmo ambiente que os girinos da espécie Sp. multiplicata (simpátricas) e aquelas
isoladas (alopátricas). As populações simpátricas são justamente aquelas onde o fenótipo
carnívoro é o mais frequente, com os indivíduos se alimentando de pequenas crustáceos
ou de outros girinos. Já nas populações alopátricas é onde o fenótipo onívoro é o mais
frequente. As populações das duas espécies só entraram em contato posteriormente - com
a expansão territorial da S. bombifrons -, e, portanto, as populações simpátricas
representam o estado 'derivado' e as populações alopátricas representam o estado
'ancestral'.
Variando a dieta para essas populações em experimentos laboratoriais, os
pesquisadores mostraram que os indivíduos de origem simpátrica expressavam com mais
frequência o fenótipo carnívoro do que os indivíduos de origem alopátrica quando nas
mesmas condições, e cresciam mais sob uma alimentação carnívora (e as populações
onívoras se davam melhor quando a dieta era pouco carnívora). Ambas as observações
apontam um refinamento adaptativo da plasticidade nas populações simpátricas. Além
disso, os girinos de origem simpátrica desenvolviam uma musculatura maxilar maior,
presumivelmente adaptada para uma dieta carnívora. Isso corrobora o estudo de 2018,
mostrando que de uma população ancestral um novo genótipo parece ter evoluído através
da fixação do fenótipo plástico via assimilação genética, aumentando as chances de
sobrevivência dos girinos S. bombifrons simpátricos.

Ainda explorando esses sapos, temos mais um provável caso de acomodação


genética apontado por um estudo também publicado na Ecology & Evolution (Ref.15).
Em vários anfíbios anuros, a aceleração da metamorfose ocorre em resposta ao secamento
de poças de água, com tal processo de plasticidade fenotípica amplamente dependente do
aumento na produção e ação de hormônios da tireoide (TH e CORT). Isso é especialmente
verdade para os sapos da família Scaphiopodidae, os quais ocupam um variado espectro
de habitas, do árido e semi-árido até florestas temperadas.
Nesse sentido, os pesquisadores resolveram estudar três espécies de sapos: a já
explorada S. multiplicata, a Scaphiopus couchii, e a Pelobates cultiripes, essa última
pertencente à família Pelobatidae. A Sc. couchii deposita ovos nos mais efêmeros
reservatórios de água e cujo período larval é o mais curto de todos os anuros conhecidos.
A P. cultripes deposita ovos em reservatórios de longa duração e possui o mais longo
período larval das três espécies estudadas. A S. multiplicata é intermediária em ambos os
aspectos.
Tanto a S. multiplicata quanto a P. cultripes possuem plasticidade fenotípica
ativada quando os ovos são colocados em reservatórios de água efêmeros, onde os níveis
de hormônios da tireoide são aumentados e a metamorfose é acelerada. Porém, os
pesquisadores mostraram que a Sc. couchii não possui uma significativa plasticidade
independentemente do nível de água onde seus ovos eram colocados, já apresentando
diversas características fixadas que conversam com sua acelerada metamorfose quando
comparado com as outras duas espécies: membros traseiros mais curtos, formato alterado
da cabeça, tempo alterado para a diferenciação das gônadas, e menor acúmulo de gordura
na região abdominal. Todas essas características são vistas nas duas outras espécies
quando estas passam pela transformação plástica.
Os pesquisadores então testaram a hipótese de que o Sc. couchii passou por um
processo evolutivo de acomodação genética via alteração mutagênica na regulação
endócrina, aproveitando da plasticidade fenotípica compartilhada entre as
famílias Pelobatidae e Scaphiopodidae. Monitorando populações das três espécies em
ambiente laboratorial, eles mostraram que as sinalizações endócrinas de plasticidade e
aquelas vistas fixadas na Sc. couchii eram similares, dando forte suporte à hipótese.

NEMATELMINTO E SACRIFÍCIO MATERNO


O pesquisador Christian Braendle, do Instituto de Biologia da Universidade de
Nice, França, detalhou a nível molecular como a plasticidade fenotípica do famoso
verme Caenorhabditis elegans intermediou um processo evolutivo através de uma única
mutação. O C. elegans, quando em um ambiente rico em alimentos - geralmente
parasitando microrganismos em frutas em processo de apodrecimento - deposita ovos via
vulva no ambiente, onde os filhotes saem para se alimentarem junto aos adultos. Porém,
quando existe extrema escassez de alimentos no ambiente, os adultos não mais depositam
os ovos gerados internamente, deixando os filhotes eclodirem dos ovos de dentro dos seus
corpos e se alimentarem do progenitor. Ou seja, a mãe se sacrifica para fornecer alimento.
Essa mudança fisiológica é alcançada via efeitos plásticos, os quais são revertidos assim
que os alimentos voltam a ficar abundantes no ambiente. Esse efeito plástico age via
alteração no caminho de sinalização de genes - como o lin-3(rf) - que afetam a indução
vulval (Ref.17).
No entanto, os pesquisadores encontraram que algumas populações de C.
elegans tinham perdido essa plasticidade fenotípica e passaram a gerar os filhotes
internamente a partir dos ovos impedidos de saírem pela vulva, independentemente da
disponibilidade de alimentos no ambiente. E como esse processo não representou um
evento isolado, provavelmente marcou a aquisição de um traço adaptativo, permitindo
que mais filhotes sobrevivessem. Ou seja, esse fenotípico certamente se fixou via
assimilação genética.
Analisando as bases genéticas do fenômeno (Ref.18), os pesquisadores
encontraram que um gene crucial no funcionamento da vulva foi modificado (mutação) -
uma única base -, alterando os canais de íon na membrana plasmática. Como resultado,
os músculos da vulva falham em responder às sinalizações moleculares que normalmente
induziriam a expulsão dos ovos, fazendo com que estes eclodam internamente.

PLASTICIDADE E ESPECIAÇÃO
A plasticidade fenotípica pode também atuar diretamente na especiação, além da
acomodação genética, ao facilitar o isolamento reprodutivo de indivíduos de uma mesma
população, ou entre populações de diferentes subespécies que estão em contato direto
(especiação simpátrica). Em populações simpátricas de uma mesma espécie - ou de
espécies diferentes, mas geneticamente muito próximas -, o alto fluxo de genes muitas
vezes dificulta o processo de especiação. Mas expressão de um fenótipo comportamental
de acasalamento diferenciado pode dificultar o fluxo genético entre diferentes grupos de
indivíduos muito próximo relacionados, facilitando a emergência de diferentes caminhos
evolucionários.
Para exemplificar, um grupo de peixes geneticamente muito próximos que vivem
na região do Caribe - popularmente chamados de Hamlet e pertencentes ao
gênero Hypoplectrus - basicamente se diferenciam entre si apenas pelo padrão de cores.
Mesmo assim, as diferentes espécies dentro desse grupo são mantidos reprodutivamente
isoladas, porque para o acasalamento entre machos e fêmeas o reconhecimento é baseado
fortemente em pistas visuais. Nesse sentido, uma assimilação genética pode oferecer
novos fenótipos que, mesmo sutis, são suficientes para levar indivíduos de uma população
ao isolamento reprodutivo em relação a outras populações da mesma espécie, facilitando
a especiação.

E todos os SNPs divergentes nas quatro regiões genômicas variantes entre as


espécies de Hamlet identificadas - com exceção de uma - estão presentes em regiões não-
codificantes ou sinônimas, sugerindo que as diferenças entre as espécies são
principalmente orientadas por mecanismos regulatórios, ou seja, os mesmos caminhos
moleculares de uma acomodação genética.

CONCLUSÃO
Por não atuarem alterando as sequências de DNA, os mecanismos epigenéticos e plásticos
foram por muito tempo ignorados como potenciais fatores promovendo os processos
evolutivos.
Aliás, muitos acadêmicos acreditavam que a plasticidade fenotípica era um fator agindo
de forma antagônica aos mecanismos evolutivos, já que os organismos se tornariam mais
flexíveis às mudanças das condições ambientais expressando diferentes fenótipos sem
necessariamente ocorrer mudanças nas frequências de alelo. Porém, as evidências se
acumulando nas últimas décadas mostram que isso passa longe da verdade, e boa parte
da comunidade científica já pede um status teórico ao mecanismo de acomodação
genética.
Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) - um importante cientista no campo biológico
- é amplamente reconhecido por sua proposta de que os organismos se modificavam ao
adquirir traços adaptativos a partir do uso e desuso de características em resposta às
variações das condições ambientais. Seguindo esse raciocínio, girafas possuem longos
pescoços porque estavam tentando alcançar folhas comestíveis em galhos mais altos. Tal
ideia foi eventualmente descartada para dar lugar às mutações aleatórias e subsequente
seleção de variações genéticas adaptativas como o grande pilar de suporte para as
modificações à nível populacional que os organismos experienciavam (3). Agora, com a
emergência da epigenética e plasticidade fenotípica, Lamarck pode voltar a dormir
sossegado em seu túmulo porque sua proposta não parece estar de todo errada.

REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
1. https://www.nature.com/articles/nrm.2017.135
2. http://www.genetics.org/content/211/2/549
3. https://ghr.nlm.nih.gov/primer/howgeneswork/epigenome
4. https://www.nature.com/articles/s41437-018-0114-x
5. https://www.novusbio.com/research-areas/epigenetics/epigenetic-machinery
6. https://www.nature.com/articles/nature14248
7. https://academic.oup.com/icb/article-abstract/58/6/1098/5112966
8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5542916/
9. http://www.eneuro.org/content/6/1/ENEURO.0252-18.2018#sec-16
10. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982218307619
11. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24719220
12. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4929538/
13. https://www.nature.com/articles/s41559-018-0601-8
14. https://doi.org/10.1098/rspb.2018.2754
15. https://www.nature.com/articles/s41467-017-00996-5
16. http://www.g3journal.org/content/8/9/3069.abstract
17. https://www.biorxiv.org/content/10.1101/329573v1.abstract
18. https://www.sciencemag.org/news/2018/11/cannibalistic-tadpoles-and-
matricidal-worms-point-powerful-new-helper-evolution
19. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29786096
20. https://journals.plos.org/ploscompbiol/article?id=10.1371/journal.pcbi.1006
260
21. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24410266
22. https://www.nature.com/articles/d41586-019-00532-z
23. http://science.sciencemag.org/content/363/6432/1222
24. https://www.liebertpub.com/doi/10.1089/thy.2017.0273

Você também pode gostar