Você está na página 1de 17

IMAGINOLOGIA

Miriãn Ferrão Maciel Fiuza


Efeitos biológicos e
mutagênicos da radiação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir a diferença entre agente mutagênico e teratogênico em nível


de ciclo celular.
„„ Classificar agentes mutagênicos físicos e seus mecanismos de ação
direta e indireta no DNA.
„„ Explicar a ação da Lei de Bergonié e Tribondeau.

Introdução
O material genético é, constantemente, exposto a danos em suas molé-
culas, e esses danos podem ser de origem interna ou externa. Os efeitos
causados pelas substâncias que causam danos podem ser de pequena
extensão, podendo ser recuperados pelo sistema de reparo, ou podem
até ser efeitos permanentes.
Neste capítulo, você vai estudar os agentes mutagênicos e teratogê-
nicos capazes de alterar as sequências de DNA, conhecendo a diferença
entre eles. Além disso, vai aprender a classificar os agentes mutagênicos
físicos e seus mecanismos de ação direta e indireta e entender a aplica-
bilidade da Lei de Bergonié e Tribondeau.

Agentes mutagênicos e teratogênicos


O ciclo celular é constituído de divisões celulares, ou seja, cada divisão
celular é um ciclo. Esse processo é dividido em etapas principais, que são as
seguintes: uma fase mitótica, também chamada de fase M, na qual ocorre
a divisão; e uma fase intermediária, a chamada de interfase. A interfase se
divide em três partes: a fase S, na qual ocorre a síntese de DNA; a fase G1,
2 Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação

que é o intervalo entre a fase M e a fase S; e a fase G2, que é o intervalo entre
a fase S e a fase M, como você pode ver na Figura 1.
O objetivo da divisão celular é produzir duas células-filhas, para fornecer
novas células para diferentes funções no organismo ou para transmitir carac-
teres hereditários durante a gametogênese. Sendo assim, o controle adequado
é essencial a todos os organismos, e o conhecimento dos fatores ou agentes
que podem alterar esse processo se faz necessário (LODISH et al., 2014;
STRACHAN; READ, 2016).

Figura 1. Fases do ciclo celular.


Fonte: Alila Medical Media/Shutterstock.com

A replicação do DNA, normalmente, ocorre de maneira correta e ordenada,


mas podem acontecer erros durante esse processo. Para evitar alterações na
sequência de DNA, as células têm complexos mecanismos de reparo; entre-
tanto, quando os mecanismos não conseguem compensar o dano ao material
genético, podem ocorrer mutações.
Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação 3

Mutação é qualquer tipo de alteração na sequência de nucleotídeos ou no arranjo


do DNA.

As mutações podem ser classificadas em três categorias:

„„ Mutações genômicas: afetam o número de cromossomos da célula e


são originadas pela não segregação de um par cromossômico durante
a meiose.
„„ Mutações cromossômicas: modificam a estrutura de cromossomos
específicos. Podem ser divididas em numéricas (que ocorrem pela
perda ou acréscimo de um ou mais cromossomos) ou estruturais (que
ocorrem pela quebra em um ou mais cromossomos).
„„ Mutações gênicas: alteram genes de forma individual e podem decorrer
de dois mecanismos básicos: mutações que surgem de uma falha no
reparo do DNA lesionado, ou erros ocorridos durante o processo normal
de duplicação do material genético. Esse tipo de mutação pode aconte-
cer de forma espontânea ou induzida por agentes físicos ou químicos,
denominados mutagênicos.

As mutações podem ocorrer e afetar qualquer célula, em qualquer etapa do


ciclo celular. Quando não for letal, pode se propagar pelo corpo em crescimento,
sendo caracterizada como mutação somática, ou ainda pode se transmitir às
próximas gerações, definida como mutação germinativa. As mutações em
células somáticas podem originar tumores benignos ou malignos, resultar em
morte celular, envelhecimento precoce e ocorrência de malformações e abortos
no decorrer do desenvolvimento embrionário. Ao contrário disso, as mutações
em células germinativas podem originar alterações genéticas transmissíveis,
resultando em desordens genéticas, fertilidade reduzida e síndromes fetais
(BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; DÜSMAN et al., 2012; MCINNES;
WILLARD; NUSSBAUM, 2016).
4 Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação

Agente mutagênico é qualquer elemento químico, físico ou biológico com


capacidade de elevar a taxa de mutação normal de um organismo, resultando
em mutação induzida. De acordo com a maneira como interagem com o ma-
terial genético, os agentes mutagênicos podem ser classificados em agentes
químicos ou físicos que causam inserções ou deleções de nucleotídeos; físicos
ou químicos que modificam as bases de DNA; e químicos que se incorporam
ao DNA. Portanto, as mutações gênicas podem ocorrer por substituição de
base, perda ou deleção de base e por acréscimo ou inserção de base.
Os principais agentes químicos são os corantes de acridina, os análogos
de base, os compostos com ação direta e os alquilantes. Esses mutagênicos
podem causar quebras cromossômicas, mutações pontuais e não disfunção
meiótica (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; LODISH et al., 2014):

„„ Corantes de acridina: ligam-se ao DNA, inserindo-se entre bases adja-


centes, tendo como resultado, distorções da hélice de DNA e mudanças
da fase de leitura durante a replicação, gerando adição ou deleção de
nucleotídeos.
„„ Análogos de bases: podem ser incorporados ao DNA durante a re-
plicação, pois sua estrutura química é muito semelhante às bases
nitrogenadas.
„„ Compostos com ação direta: não são incorporados ao material gené-
tico, mas atuam modificando a estrutura das bases.
„„ Agentes alquilantes: são considerados os agentes mutagênicos mais
potentes; eles são capazes de doar um grupo alquila para os grupos
amino ou cetona dos nucleotídeos.

Os agentes teratogênicos são definidos como qualquer fator, substância,


organismo, agente físico ou estado de deficiência capaz de interferir sobre o
organismo em formação, ou seja, embriões ou fetos, produzindo uma alteração
na estrutura ou na função, causando assim anomalias. Os teratogênicos mais
comuns são as radiações, os vírus, as drogas e doenças maternas. Fatores como
a dosagem do teratógeno, o genótipo materno, o genótipo e a susceptibilidade
do embrião, a atividade enzimática do feto e a interação entre teratógenos
podem determinar o efeito teratogênico, pois o embrião pode responder de
maneira diferente conforme essas características. Os agentes teratogênicos
podem afetar o organismo em desenvolvimento por intermédio da modulação
de apoptose, alteração de DNA ou taxa de crescimento celular (BORGES-
-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; STRACHAN; READ, 2016).
Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação 5

Os agentes mutagênicos e teratogênicos são comumente confundidos.


A diferença entre eles é que, enquanto os mutagênicos são responsáveis por
causar mutações induzidas em um organismo qualquer, os teratógenos atuam
sobre organismos em desenvolvimento.
A maior parte dos agentes mutagênicos químicos tem capacidade de al-
terar o material genético em todas as etapas do ciclo celular. Entre esses,
os análogos de bases têm a capacidade de atuar sobre o ciclo celular, pois,
durante a replicação, podem ser inseridos no DNA. Os corantes de acridina
também têm a capacidade de se ligar ao material genético durante a replicação,
porém, nesse caso, causam adição ou deleção de nucleotídeos pela distorção
da hélice. Além disso, os teratógenos também têm a capacidade de afetar as
células em nível de ciclo celular, podendo afetar uma variedade de células,
dependendo do agente. Esse efeito pode ser sobre as funções celulares ou
sobre sua fase de desenvolvimento, podendo levar à morte celular, impedir a
sua divisão ou alterar a sua função (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000;
FERNANDES, 2005).
As mutações são uma importante fonte de variabilidade genética, gerando
variabilidade fenotípica e proporcionando a evolução. As mutações gênicas
são a origem da maior parte dos alelos novos e também das variações ge-
néticas intrapopulacionais. Da mesma forma, elas também são a fonte de
modificações genéticas que podem induzir a morte celular, doenças genéticas
e câncer. Portanto, embora as mutações espontâneas façam parte do processo
normal do organismo, as mutações induzidas devem ser evitadas, por meio
da identificação e reconhecimento de agentes mutagênicos, bem como da
não exposição aos mesmos (KLUG et al., 2009; MCINNES; WILLARD;
NUSSBAUM, 2016).

Agentes mutagênicos físicos e seus mecanismos


de ação direta e indireta
Os agentes mutagênicos físicos são qualquer substância de origem física com
capacidade de interferir no material genético de um organismo, provocando
a mutação induzida. Nesse grupo, os principais são as radiações ionizantes
e as radiações ultravioleta.
6 Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação

As radiações ionizantes são radiações de alta energia e pequeno com-


primento de onda, como raios gama, raios X, raios cósmicos e partículas
emitidas por elementos radioativos (partículas alfa, beta e nêutrons). Quando
essas radiações passam pela célula causam a liberação de elétrons, tornando
as moléculas altamente instáveis e suscetíveis a reações químicas. Além disso,
essas substâncias se intercalam com o DNA, gerando erros no pareamento de
bases durante a duplicação e rompendo as ligações açúcar-fosfato, resultando
em quebras cromossômicas.
As radiações ionizantes podem ser divididas em dois tipos: natural e artifi-
cial. As fontes de radiação naturais são os raios cósmicos, a radiação externa
de materiais radioativos em algumas rochas e a radiação interna de materiais
radioativos em tecidos. Por outro lado, as fontes artificiais se encontram nas
radiologias terapêuticas e diagnósticas, na exposição ocupacional e na preci-
pitação radioativa de explosões nucleares (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON,
2000; LODISH et al., 2014).
A dose de radiação se refere à quantidade de radiação recebida pelos teci-
dos que foram irradiados. Essa dose é medida em função da dose absorvida
de radiação ou rad (do inglês, radiation absorbed dose). Vários efeitos da
radiação ionizante têm sua intensidade relacionados à quantidade de tecido
exposto. Por exemplo, no organismo humano a irradiação do corpo inteiro com
uma dose de 300 a 500 rads, normalmente, é letal, porém, no tratamento de
câncer, podem ser administradas doses de 10 mil rads a uma pequena porção
de tecido, com efeitos menos danosos.
Para os seres humanos, utiliza-se a unidade rem (do inglês, roentgen
equivalent man), pois essa medida reflete qualquer radiação em função dos
raios X, condizente com a situação dos humanos, que podem ser expostos a
uma mistura de radiações. Um rem é a dose absorvida que produz o mesmo
efeito biológico que um rad de raios X em um determinado tecido.
Pela preocupação em não transmitir mutações para as próximas gerações,
os efeitos da radiação sobre as células germinativas são os mais importantes.
Sendo assim, a dose de radiação é expressa em relação à quantidade recebida
pelas gônadas. Qualquer aumento na dose de radiação ocasiona aumento
proporcional na taxa de mutação, pois não existe uma dose limiar abaixo da
qual as mutações não sejam induzidas (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON,
2000; OKUNO, 2013).
Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação 7

As radiações ultravioleta, ou raios UV, têm maior comprimento de onda


e são menos energéticas do que as ionizantes. As ondas mais longas, do campo
da luz visível, são benignas quando interagem com a maioria das moléculas
orgânicas. No entanto, as ondas de menor comprimento do que a luz visível
são mais energéticas e têm potencial para desordenar essas moléculas.
Um dos efeitos mutagênicos mais relevantes dos raios UV no DNA é a cria-
ção de dímeros de pirimidina, que resulta em não pareamento com a adenina,
alterando a conformação do DNA e impedindo a sua replicação normal. Por
consequência dos dímeros, podem ser inseridos erros na sequência de bases
de DNA. Se ocorrer uma dimerização extensa, pode haver efeitos letais de
radiação UV sobre as células. Esses efeitos geram mutações pontuais, porém
poucos defeitos estruturais. Não são considerados prejudiciais para as células
germinativas, pois são absorvidos na epiderme, mas podem induzir mutações
somáticas e câncer de pele (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2000; LODISH
et al., 2014).

Mecanismos de ação direta e indireta


Os átomos do corpo humano estão ligados, compondo moléculas pequenas ou
grandes, como a água ou o DNA, respectivamente. Quando uma partícula da
radiação ionizante arranca um elétron de um dos átomos que compõem uma
molécula do nosso organismo, isso pode resultar em quebra da molécula, pela
desestabilização do seu conteúdo.
A interação entre a radiação ionizante e o material genético pode acontecer
por ação direta ou indireta. Na ação direta, o contato entre o DNA e a radiação
provoca transferência de energia. Nesse mecanismo, a radiação interage de
forma direta com importantes moléculas, como o DNA, podendo provocar
mutação genética ou morte celular.
Ao contrário disso, na ação indireta ocorre a incidência de radicais livres
sobre outras moléculas. Esses radicais são formados, especialmente, pela inte-
ração da radiação sobre a água, gerando quebra de ligações. Esse mecanismo
é importante, tendo em vista que o corpo humano é composto por um nível
superior a 70% de água.
8 Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação

A radiação ultravioleta, também pode afetar as moléculas de DNA por


ação direta e indireta. Durante a absorção imediata, pelo contato com o DNA,
pode ocorrer a formação dos dímeros de pirimidina, que podem resultar em
alterações genéticas nas células, sendo considerados os maiores responsáveis
por impedir a transcrição celular. A ação indireta relaciona-se também, como
nas radiações ionizantes, à produção radicais livres. Estes por sua vez, atuam
sobre o DNA, favorecendo a sua degradação (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON,
2000; OKUNO, 2013).
Os efeitos biológicos das radiações são dependentes de alguns fatores, como
a localização da fonte (que pode estar dentro ou fora do organismo), do tipo
de radiação (ionizante ou ultravioleta), de sua energia e das especificidades
do material exposto, como exemplo, a densidade. Os efeitos podem ser clas-
sificados quanto a sua natureza, em reações teciduais e efeitos estocásticos:

„„ Reações teciduais: são o resultado de uma alta dose e aparecem so-


mente acima de determinada dose, chamada dose limiar, que tem seu
valor relacionado ao tipo de radiação e ao tecido irradiado. Para essas
reações, quanto maior a dose, mais grave é o impacto. Um dos efeitos
mais relevantes é a morte celular, e efeitos tardios podem incluir doenças
vasculares cardíacas e cerebrais, além de catarata.
„„ Efeitos estocásticos: são alterações que acometem células normais,
sendo o câncer e os efeitos hereditários os principais.

Pelo grande potencial de dano ao qual pode estar exposto, o DNA possui
uma proteção natural contra as mutações. A redundância do código genético
é um exemplo dessa proteção, pois garante que várias alterações na base de
terceira posição não alterem a proteína resultante. Mesmo se ocorreram na
segunda posição, as mutações que provocam a substituição de um aminoácido
por outro podem não resultar em alteração da proteína. A posição em que a
substituição de aminoácido ocorre na proteína também pode ser um fator de
proteção contra mutações. Além disso, a mutação pode ter efeito condicional,
interferindo no fenótipo apenas sob certos requisitos. Ainda, as células possuem
sistemas de reparo que reduzem o efeito das radiações (BORGES-OSÓRIO;
ROBINSON, 2000; OKUNO, 2013; SILVA, 2011).
Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação 9

Em abril 1986, ocorreu a catástrofe de Chernobyl, uma explosão em uma usina nuclear
na União Soviética que liberou mais de 50 milhões de curies de material radioativo. Logo
após o acidente, os isótopos mais significativos, biologicamente, liberados na preci-
pitação foram os radioiodados, especialmente o Iodo 131 e outros iodos de vida mais
curta. A absorção desses isótopos pela ingestão de água e alimentos contaminados,
além de inalação, resultou em grave exposição interna da glândula tireoide. Durante 4
anos após o desastre, os exames médicos detectaram alterações substanciais no status
funcional da tireoide em crianças expostas, principalmente em menores de 7 anos de
idade. Além do mais, a partir de 1990, foi identificado um aumento na frequência do
câncer de tireoide em crianças da República da Bielorrússia.
De acordo com dados oficiais, 31 pessoas morreram imediatamente após o acidente
e mais de 100 ficaram feridas. Entretanto, a organização das Nações Unidas (ONU)
estima que 50 mortes possam ser atribuídas ao desastre. Em 2005, previa-se que
mais de 4 mil pessoas poderiam ter morrido como resultado da exposição à radiação
(NIKIFOROV; GNEPP, 1994).

O desastre de Chernobyl rendeu muitos filmes e docu-


mentários, alguns fictícios e outros que buscaram relatar
e entender de fato o que aconteceu durante o maior de-
sastre nuclear da história. Acesse o link a seguir para ver o
documentário (em inglês) Zero Hour: Disaster at Chernobyl,
sobre esse acidente.

https://qrgo.page.link/M4aY7

Lei de Bergonié e Tribondeau


A dose de radiação está estritamente relacionada à quantidade de radiação
recebida pelos tecidos que foram expostos; muitos dos efeitos têm sua conse-
quência associada ao volume de tecido exposto. Além disso, o dano causado
pela radiação depende diretamente da radiossensibilidade das células que
constituem o organismo irradiado.
10 Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação

Em 1906, Jean Alba Bergonié e Louis M. Tribondeau formularam a lei da


radiossensibilidade celular, ou Lei de Bergonié e Louis M. Tribondeau. Eles
observaram que, quanto maior a taxa de proliferação da célula, maior é a sua
sensibilidade à radiação. Além do mais, relataram a existência de uma relação
inversamente proporcional entre a diferenciação celular e a radiossensibilidade.
Desse modo, quanto maior a diferenciação celular e menor a proliferação, mais
radiorresistente é a célula; em contraponto, quanto maior a proliferação celular e
menor a diferenciação, mais sensível à radiação será a célula (ALMEIDA, 2016).
Pesquisas realizadas com análise sistemática de radiossensibilidade cro-
mossômica identificaram a susceptibilidade diferencial dos cromossomos
na indução de alterações cromossômicas. Além disso, identificaram que o
produto das quebras está relacionado ao seu teor de DNA e que, tanto nos
indivíduos expostos acidentalmente quanto em linfócitos irradiados in vitro,
a localização do ponto de ruptura não foi considerada aleatória. Entretanto,
outros estudos sugerem que os cromossomos com maior conteúdo de DNA são
menos suscetíveis a alterações cromossômicas em comparação a cromossomos
menores (MENDES, 2014).

Os efeitos da radiação não se limitam ao DNA e seu ambiente adjacente. Os radicais


livres gerados podem também alterar as proteínas e lipídios das membranas celulares
(MENDES, 2014).

Os linfócitos são descritos como células altamente sensíveis à radiação


ionizante. O tempo entre a irradiação e a manifestação do efeito é significati-
vamente menor nos linfócitos periféricos, em comparação com os localizados
em outras partes do corpo, como gânglios linfáticos, timo, medula óssea e
baço. Por serem as células mais radiossensíveis entre as células sanguíneas,
os linfócitos são o objeto da dosimetria citogenética. Eles representam uma
população celular na fase de pré-síntese de DNA do ciclo celular (fase G0); em
uma pessoa saudável, dificilmente essas células estão em mitose no sangue
periférico. Esse tipo de célula tem uma vida média de três anos; no entanto, o
seu tráfego e a sua substituição podem ser alterados na ocorrência de apoptose
de células linfáticas, após uma exposição à radiação ionizante (ALMEIDA,
2016; MENDES, 2014).
Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação 11

Como mencionado anteriormente, a exposição à radiação ionizante provoca


quebras no DNA. Durante o processo de correção, a reparação incorreta
(misrepair) de dois cromossomos e a replicação do cromossomo alterado
podem resultar na formação de um cromossomo dicêntrico, no qual um
único cromossomo possui dois centrômeros. Apesar de a radiação ser capaz de
induzir vários tipos de modificações cromossômicas além dos cromossomos
dicêntricos, como os cromossomos em anel e os fragmentos acêntricos isolados,
esse biomarcador dicêntrico é considerado o mais sensível e específico para
a avaliação da dose de radiação absorvida, mesmo em doses mais baixas.
A dosimetria citogenética é uma técnica que quantifica a dose em indivíduos
que tenham sido expostos de corpo inteiro ou, pelo menos, em dois terços do
corpo à radiação ionizante. Alguns laboratórios, ao utilizarem a dosimetria,
somam a avaliação de dicêntricos com a dos cromossomos em anel; contudo, o
dicêntrico se mantém como principal biomarcador de dano aos cromossomos.
A análise é realizada em linfócitos circulantes e convertida em dose ab-
sorvida usando curvas de calibração dose-resposta previamente estabelecidas.
Cada ponto da curva de calibração representa uma média da dose absorvida
pelos linfócitos irradiados. A partir disso, o resultado é aproximado para uma
média de dose de corpo inteiro, levando em conta que os linfócitos são móveis e
estão distribuídos pelo corpo. Quando a curva é estabelecida, torna-se possível
fazer uma estimativa da dose absorvida pelo organismo da pessoa exposta à
radiação (FORAY; COLIN; BOURGUIGNON, 2012; MENDES, 2014).
Alguns cientistas contrariaram a teoria de Bergonié, proposta em 1906,
alegando que eram incapazes de acreditar que “uma dose utilizada para induzir
leve eritema em um paciente poderia induzir escaras em outro”. Em suas
últimas declarações, em 2005 e 2007, a Comissão Internacional de Proteção
Contra Radiação (ICRP) considerou que ainda não há indicações suficientes
capazes de concluir que as diferenças de radiossensibilidade entre indivíduos
devem ser consideradas no sistema de proteção contra a radiação.
Entretanto, alguns estudos sugeriram que a radioterapia é perigosa, sendo,
potencialmente, fatal para portadores homozigotos da proteína ATM, além
de poder desencadear câncer em portadores heterozigotos de ATM, P53 e
dos genes BRCA1 e BRCA2 com maior probabilidade do que em indivíduos
radiorresistentes. Além disso, apontaram que todas as mutações genéticas
que conferem radiossensibilidade ou susceptibilidade ao câncer induzido por
radiação podem refletir uma proporção significativa em toda a população,
entre 5 e 15%, estimada pela própria ICRP (BORDIER; GALLIMARD, 1906;
FORAY; COLIN; BOURGUIGNON, 2012).
12 Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação

Com o avanço dos estudos e ensaios de pesquisa, o significado de radios-


sensibilidade mudou, sendo que agora o termo tem dois sentidos diferentes
(BORDIER; GALLIMARD, 1906; FORAY; COLIN; BOURGUIGNON, 2012):

1. A capacidade de determinado organismo ou órgão irradiado de mostrar


uma reação específica de toxidade à radiação, como morte celular
e inflamação dos tecidos, tratando-se da perda de capacidade pro-
liferativa observada in vitro, ou seja, esta é a definição histórica de
radiossensibilidade.
2. O risco de instabilidade genômica induzida por radiação e câncer,
referido como “susceptibilidade ao câncer induzida por radiação”.

A morte celular e a instabilidade genômica, sem reparos ou reparos incor-


retos, não são absolutamente dependentes das mesmas vias moleculares, assim
como os riscos de complicações teciduais induzidos por radiações e câncer
não são obrigatoriamente iguais. De outra forma, pessoas com síndromes que
predispõem ao câncer não são necessariamente radiossensíveis; portanto, as
quebras de DNA induzidas por radiação não reparadas possivelmente estão li-
gadas à radiossensibilidade e podem, casualmente, resultar em susceptibilidade
ao câncer, enquanto mutações ou alterações cromossômicas não ocasionam
necessariamente complicações de radioterapia (BORDIER; GALLIMARD,
1906; FORAY; COLIN; BOURGUIGNON, 2012; MENDES, 2014).

Em 1985, um instituto de tratamento de câncer desativou sua unidade na cidade de


Goiânia. Uma máquina de teleterapia, semelhante à radioterapia, foi deixada para trás.
O equipamento utilizava cloreto de césio em pó como fonte de energia.
Em 1987, dois catadores de lixo encontram o equipamento e o levaram para casa,
na intenção de vender suas peças posteriormente. Ao desmontarem o equipamento,
entram em contato com uma cápsula de Césio 137. Em dois dias, os indivíduos apresen-
taram os primeiros sintomas de intoxicação radioativa — náuseas, vômitos, tonturas
e diarreia.
Durante 16 dias, o contato com o césio resultou em quatro mortes e centenas de
pessoas contaminadas. Após 30 anos do acidente, 975 pessoas são monitoradas pela
Superintendência Leide das Neves (SuLeide), instituição que presta assistência às vítimas.
O grupo de pessoas que tiveram contato direto com a substância, bem como seus
filhos, são os que inspiram mais cuidados (COSTA NETO; HELOU, 1995).
Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação 13

ALMEIDA, W. G. Impacto da exposição à radiação de pacientes femininos submetidos


a diferentes procedimentos de tomografia computadorizada de tórax. 81 fls. 2016. Tese
(Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível
em: http://www.con.ufrj.br/wp-content/uploads/2016/07/Wellington-Guimaraes-
-Almeida.pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
BORDIER, H.; GALLIMARD, P. Une nouvelle unit é de quantit é de rayons X: l’unit é
I. Discussions. Comptes-Rendus du, v. 35, 1906.
BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. Porto Alegre: Artmed, 2000.
COSTA NETO, S. B.; HELOU, S. Conseqüências psicossociais do acidente de Goiânia. Goiânia:
Editora da UFG, 1995.
DÜSMAN, E. et al. Principais agentes mutagênicos e carcinogênicos de exposição
humana. SaBios-Revista de Saúde e Biologia, v. 7, n. 2, p. 66−81, 2012. Disponível em:
http://revista2.grupointegrado.br/revista/index.php/sabios2/article/view/943/438.
Acesso em: 5 out. 2019.
FERNANDES, T. C. C. Investigação dos efeitos tóxicos, mutagênicos e genotóxicos do herbi-
cida trifluralina, utilizando allium cepa e oreochromis niloticus como sistemas-testes. 211 fls.
2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) - Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Rio Claro, 2005. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/
bitstream/handle/11449/87698/fernandes_tcc_me_rcla.pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
FORAY, N.; COLIN, C.; BOURGUIGNON, M. 100 years of individual radiosensitivity: how we
have forgotten the evidence. Radiology, v. 264, n. 3, p. 627−631, 2012.
KLUG, W. S. et al. Conceitos de genética. Porto Alegre: Artmed, 2009.
LODISH, H. et al. Biologia celular e molecular. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
MCINNES, R. R.; WILLARD, H. F.; NUSSBAUM, R. Thompson & Thompson genética médica.
Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2016.
MENDES, M. E. Verificação da taxa de alterações cromossômicas em sangue humano
irradiado em faixa gama. 2014. Dissertação (Mestrado em Genética) - Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bits-
tream/123456789/12499/1/DISSERTA%c3%87%c3%83O%20Mariana%20Eposito%20
Mendes.pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
NIKIFOROV, Y.; GNEPP, D. R. Pediatric thyroid cancer after the Chernobyl disaster. Pa-
thomorphologic study of 84 cases (1991–1992) from the Republic of Belarus. Cancer,
v. 74, n. 2, p. 748−766, 1994.
14 Efeitos biológicos e mutagênicos da radiação

OKUNO, E. Efeitos biológicos das radiações ionizantes: acidente radiológico de Goiâ-


nia. Estudos Avançados, v. 27, n. 77, p. 185−200, 2013. Disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/ea/v27n77/v27n77a14.pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
SILVA, H. P. de B. Efeitos das radiações gama e ultravioleta sobre Cladonia verticillaris (Raddi)
Fr. (LÍQUEN) coleta em diferentes ambientes do nordeste do Brasil. 2011. Tese (Doutorado) -
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011. Disponível em: https://repositorio.
ufpe.br/bitstream/123456789/9766/1/arquivo9488_1.pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
STRACHAN, T.; READ, A. Genética molecular humana. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

Você também pode gostar