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Estudos no campo da epigenética auxiliam a compreensão da

influência de fatores ambientais sobre a nossa saúde e


comportamento
Texto extraído e adaptado de: Temas atuais em biologia
Link: http://www.temasbio.ufscar.br/?q=artigos/estudos-no-campo-da-epigenética-auxiliam-
compreensão-da-influência-de-fatores-ambientais

As ideias propostas pelo naturalista francês Jean-Baptiste de Lamarck no início do século XIX, em sua
teoria dos caracteres adquiridos, geralmente são apresentadas como desacreditadas, em contraposição
ao conceito de que os organismos mais adaptados ao meio têm maior chance de sobreviver e se
reproduzir, proposto por Charles Darwin em 1859, em seu “A Origem das Espécies”. Lamarck
propunha que as condições ambientais podem influenciar as características físicas e comportamentais
do indivíduo, permitindo que a evolução ocorra em uma ou duas gerações. Hoje, pesquisas no campo
da epigenética têm mostrado que ele não estava totalmente equivocado, ao trazerem à tona perspectivas
que nos auxiliam a entender a relação entre determinadas características e o ambiente no qual o
indivíduo se encontra, concluindo que há forte associação entre eles. Estudos relacionando epigenética
com cuidado materno têm demonstrado, por exemplo, a influência do comportamento da mãe no índice
de estresse na vida pós-natal da prole, revelando que características relacionadas à dedicação materna
em ratos – como amamentar e lamber os filhotes – promovem a diminuição na produção de hormônios
relacionados ao estresse na vida dos ratinhos.

A epigenética é um campo da Biologia


que se propõe a estudar as interações
entre os genes, bem como a expressão
ou supressão dos mesmos, que
permitem a formação do fenótipo – ou
seja, das características apresentadas
por um indivíduo – sem alteração do
genótipo – nesse caso, a constituição
genética desse mesmo indivíduo. Ela
investiga a informação contida no
DNA, transmitida na divisão celular,
mas que não constitui parte da Modelo de fatores epigenéticos. Modificado de
<http://commonfund.nih.gov/epigenomics/figure.aspx>
sequência desse DNA. A epigenética
pode ser definida como “modificações
no genoma que são herdadas durante a divisão celular e que não estão relacionadas com a mudança na
sequência do DNA”. Ou seja, diferentemente da genética simples, baseada na mudança na sequência
do DNA, a epigenética tem foco justamente em modificações nas atividades dos genes que não são
causadas por mudanças na sequência do DNA.

O processo epigenético ocorre através da metilação, que é a ligação de um grupo metil (-CH3) a uma
base nitrogenada do DNA chamada citosina, particularmente aquela que vem antes da guanina.
Também pode ocorrer através da ligação do grupo acetil (CH3CO-) ao aminoácido lisina ao final de
duas histonas (proteínas que auxiliam no enovelamento do DNA e ajudam na sua regulação). Isto,
somado à remodelagem de outras proteínas associadas à cromatina (cromatina = DNA associado a
proteínas, forma de organização do DNA encontrado no núcleo de nossas células) causa mudanças
cruciais na maneira que a informação genética é utilizada, estando acessível ou não, na célula. Mais
uma vez, destacamos que tudo isso acontece sem alterar as sequências nucleotídicas originais do DNA
e com possibilidade de transmissão para as próximas gerações.

Uma sequência de nucleotídeos que compõe o código genético pode ser expressa normalmente ou ser
silenciada. Esses processos dependerão da conformação da cromatina (complexo de DNA e proteínas)
através da acetilação de histonas. Dependendo das modificações ocorridas nas histonas, elas podem
mudar a forma como o DNA é embalado, podem compactar essa embalagem, tornando-o inacessível
para expressão de seus genes. Contudo, são capazes também de afrouxar a embalagem e fornecer
acesso para expressão de determinados genes. Modificações nas histonas são, portanto, de extrema
importância para a atividade dos genes.

Estresse em recém-nascidos
Michael J. Meaney, um pesquisador da Universidade McGill, do Canadá, junto aos seus parceiros,
realizou estudos epigenéticos com ratas mães e suas crias, a fim de problematizar a influência do
cuidado materno na atividade de hormônios relacionados ao estresse. Os pesquisadores notaram que
estímulos físicos associados a cuidados da mãe diminuem os níveis do hormônio ACTH
(adrenocorticotrofina) na prole. A pesquisa mostrou, também, que o comportamento afetivo materno
promove a eliminação dos grupos metil no gene que sintetiza glicocorticoides, possibilitando que a
expressão do gene e, portanto, a alta taxa de glicocorticoide. Esse glicocorticoide envia sinais ao
cérebro inibindo a produção de CRH (hormônio liberador de corticotrofina, que tem importante
influência na resposta fisiológica ao estresse). Efeitos significativos do CRH estão presentes em
algumas condições psiquiátricas, incluindo depressão e ansiedade. É um importante neurotransmissor
e desempenha um papel fundamental na resposta adaptativa e comportamental que ocorre durante
períodos de estresse. A expressão do seu gene aumenta de forma significativa durante períodos de
estresse. Recém-nascidos são capazes de reagir ao estresse poucos momentos após o parto. Se forem
expostos a estímulos que os ameacem, são capazes de estimular a expressão do gene que sintetiza o
CRH. O CRH, por sua vez, é um grande estimulador da secreção exercida pela hipófise de ACTH em
humanos. Já a ACTH provoca a libertação de glicocorticoides – hormônios esteroides que, quando
unidos ao cortisol, exercem funções metabólicas essenciais ao organismo – da glândula suprarrenal. A
síntese e libertação de CRH são inibidas por meio de um sistema de feedback negativo exercido pelo
glicocorticoide em determinadas regiões do cérebro.

Variações no cuidado materno durante a primeira semana de vida podem, assim, alterar a expressão
dos receptores de glicocorticoides no cérebro em resposta ao estresse. Esse efeito do cuidado materno
sobre a expressão de receptores de glicocorticoides envolve modificação epigenética do DNA.

Outra pesquisa, realizada por Alexandro Ayala, dos National Institutes of Health (NIH), nos Estados
Unidos, mostrou o mesmo comportamento em macacos Rhesus. O estudo mostra que macacos criados
na ausência das mães respondem com elevações de CRH e isolamento social, quando comparados aos
macacos criados em condições normais. É possível relacionar esses eventos à depressão em humanos.
Estudos mostram níveis de ACTH em resposta ao estresse seis vezes maiores em mulheres que
sofreram abusos na infância, quando comparadas ao grupo controle (mulheres que não sofreram
abusos). Ou seja, experiências traumáticas em etapas iniciais da vida predispõem à maior
vulnerabilidade aos efeitos epigenéticos do estresse e à depressão na idade adulta.
Cada vez mais pesquisas como essas nos mostram a influência dos fatores ambientais no nosso
cotidiano, que muitas vezes impactam de forma negativa a nossa saúde e o nosso comportamento. A
Medicina tenta, dia a dia, combater esses efeitos através de terapias e produção de fármacos. Porém,
ainda conhecemos muito pouco sobre esse ramo. Quem sabe, com os avanços tecnológicos atuais,
poderemos chegar ao ponto de conseguirmos prever e solucionar problemas relacionados a fatores
epigenéticos, bem como, através deles, expressarmos ou silenciarmos genes que nos beneficiem de
alguma forma, principalmente nos casos de problemas associados às doenças crônicas.

APÓS LER O TEXTO, RESPONDA:

NOMES:

1) Uma alteração epigenética altera o genótipo (a constituição genética) de um indivíduo? Ou seja,


altera a sequência de DNA? Argumente.

2) Os processos epigenéticos afetam a compactação do DNA e, dessa forma, o quão acessível ele
está para a célula. Faça a relação entre DNA mais ou menos compactado e a expressão dos genes
naquele local.

3) De que forma a ausência de cuidados maternos da mãe rata aumenta os níveis de stress nos seus
filhotes. Inclua na sua resposta informações sobre epigenética.

4) De acordo com a epigenética, fatores ambientais afetam a manifestação das nossas características
genéticas. Essa afirmação está correta? Comente.

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