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de Guy de Maupassant
Acordaram-na vozes que falavam com vivacidade, no pequeno salão azul. Ela
reconheceu sua cara amiga, a baronesa de Grangerie, discutindo, para entrar, com a
camareira, que defendia a porta de sua senhora.
Mme. de Grangerie pôs-se a chorar, derramando essas lindas lágrimas claras que tornam
mais encantadoras as mulheres, e balbuciava, sem enxugar os olhos, para não
avermelhá-los:
– Oh! minha querida, é abominável, abominável o que me aconteceu. Eu não dormi toda
a noite, nem um minuto Compreende? Nem um minuto. Olha! apalpe meu coração, veja
como ele bate.
E, tomando a mão de sua amiga, ela pousou-a sobre o próprio seio, sobre esse redondo e
firme invólucro do coração das mulheres, que basta, muitas vezes, aos homens e os
impede de procurar qualquer coisa por baixo. O seu coração batia forte, com efeito.
Ela continuou:
– Aconteceu-me ontem de tarde… pelas quatro horas… ou quatro e meia. Não sei ao
certo. Conhece bem meu apartamento; sabe que meu salão, onde sempre estou, dá para
a rua Saint-Lazare, no primeiro andar; e que eu tenho a mania de pôr-me à janela para
olhar o ovimento. É tão alegre aquele quarteirão da estação, tão movimentado, tão
vivo… Em suma, gosto daquilo! Ontem, pois, estava eu sentada na cadeira baixa que fiz
instalar no vão da janela; estava aberta, a janela, e eu não pensava em nada: eu respirava
o ar azul. Deve se lembrar que dia lindo fez ontem!
– De repente noto que, do outro lado da rua, há também uma mulher à janela, uma
mulher de vermelho; eu estava de malva, você sabe, com meu lindo vestido malva. Eu
não conhecia aquela mulher, uma nova locatária, instalada há um mês; e, como faz um
mês que chove, ainda não a tinha visto. Mas logo percebi que era uma mulher da vida.
A princípio fiquei bastante aborrecida e chocada de que ela estivesse à janela, como eu;
e depois, pouco a pouco, achei divertido examiná-la. Estava debruçada e espiava os
homens, e os homens também a olhavam, todos ou quase todos. Dir-se-ia que eles eram
prevenidos por alguma coisa ao aproximarem-se da casa, que eles a farejavam como os
cães farejam a caça, pois erguiam de súbito a cabeça e trocavam depressa um olhar com
ela, um olhar maçônico. O dela dizia: "Não quer?"
O deles respondia: "Não há tempo", ou: "Para outra vez", ou "Não há dinheiro", ou
"Suma, miserável!"
Eram os olhos dos pais de família que diziam esta última frase.
Não imaginas como era engraçado vê-la no seu manejo, ou antes, no seu ofício.
Às vezes ela fechava subitamente a janela e eu via um senhor entrar na sua porta. Ela o
pescava, como um pescador fisga um peixe. Então eu me punha a olhar meu relógio.
Eu perguntava comigo: "Como faz ela para fazer-se compreender tão bem, tão depressa,
completamente? Acrescentará ao seu olhar um sinal de cabeça ou um movimento de
mão?"
E tomei o meu binóculo de teatro para inteirar-me do seu processo. Oh! era bem
simples: uma olhadela a princípio, depois um sorriso, depois um pequenino gesto de
cabeça, que significava: "Não vai subir?" Mas tão leve, tão vago, tão discreto, que era
preciso mesmo muita habilidade para o fazer como ela.
E eu me perguntava: "Será que eu poderia fazê-lo assim tão bem, esse pequeno gesto
debaixo para cima, ousado e gentil"; pois era muito gentil o seu gesto.
E fui ensaiá-lo diante do espelho. Minha cara, eu o fazia melhor do que ela, muito
melhor! Estava encantada; e voltei para a janela.
Ela não pegava mais ninguém agora, a pobre rapariga, mais ninguém. Na verdade,
estava sem sorte.
Como deve ser terrível ganhar o pão daquela maneira, terrível e divertido às vezes, pois
enfim há alguns que não são nada maus, entre esses homens que a gente encontra na
rua.
Agora eles passavam todos pela minha calçada, e mais nenhum pela sua. O sol tinha
virado. Vinham vindo uns após outros, jovens, velhos, morenos, loiros, grisalhos,
brancos.
Via-os muito gentis, mas muito gentis mesmo, minha cara, muito mais que o meu
marido e o teu, o teu antigo marido, pois estás divorciada. Agora você pode escolher.
Eu pensava: "Se lhes fizesse sinal, será que eles me compreenderiam, a mim, que sou
uma mulher honesta?" E eis que sou tomada de um desejo louco de lhes fazer aquele
sinal, mas de um desejo de mulher grávida… um desejo espantoso, você sabe, um
desses desejos… a que a gente não pode resistir! Eu às vezes tenho dessas coisas!
Coisa tola isto, não? Creio que temos alma de macaco, nós, as mulheres. Afirmaram-me
de resto (foi um médico que me disse) que o cérebro do macaco se assemelhava muito
ao nosso. É preciso sempre que imitemos alguém. Imitamos nossos maridos, quando os
amamos, nos primeiros meses de casamento, e nossos amantes depois, nossas amigas,
nossos confessores, quando estes o merecem. Adquirimos suas maneiras de pensar, suas
maneiras de dizer, suas frases, seus gestos, tudo. É estúpido.
Enfim, eu quando sou tentada a fazer alguma coisa, nunca deixo de fazê-la.
Disse, pois, com os meus botões: "Vejamos, vou experimentar com alguém, com um só,
para ver.
Que é que me pode acontecer? Nada? Trocaremos um sorriso, e eis tudo, nunca mais o
verei; e se o tornar a ver, ele não me reconhecerá; e, se me reconhecer, eu negarei, está
feito!"
Começo, pois, a escolher. Queria um que fosse bonito. De repente avisto um loiro,
grande, um lindo rapaz. Eu gosto dos loiros, bem o sabe.
Olho-o. Ele me olha. Sorrio, ele sorri; faço o gesto, oh! quase imperceptível; ele
responde "sim" com a cabeça e ei-lo que entra, minha querida! Ele entra pela porta
principal da casa.
Não imagina o que se passou em mim naquele momento! Supus que ia enlouquecer.
Oh! que medo! Imagine, ele ia falar aos criados! A Joseph, que é tão devotado a meu
marido! Joseph acreditaria certamente que eu conhecia aquele homem há muito tempo.
Que fazer? Diga. Que fazer? E ele ia tocar a campainha, imediatamente, dali a um
segundo. Que fazer, diga? Pensei que o melhor era correr a seu encontro, dizer que se
enganava, suplicar-lhe que fosse embora. Ele teria piedade de uma mulher, de uma
pobre mulher! Precipitei-me, pois, para a porta, e abro-a exatamente no instante em que
ele pousava a mão na campainha.
E ei-lo que se põe a rir, minha querida, e responde: "Pois sim, minha gatinha! Eu já
conheço essa sua manobra: Você é casada, são dois luíses em vez de um. Você os terá.
Vamos, mostre-me o caminho".
E ele me responde tranqüilamente: "Ora, tetéia, pare com essas manobras. Se o seu
marido chega, eu lhe darei cem sows para ir tomar alguma coisa defronte".
Era sua fotografia, minha cara, você sabe, aquela em toalete de baile. Eu não sabia mais
o que dizia, e balbuciei:
Raul regressa todos os dias às cinco e meia! Oh! imagina se ele voltasse antes de o outro
partir!
Então… então… eu perdi a cabeça… eu pensei… eu pensei… que o melhor era… era…
desembaraçar-me daquele homem… o mais depressa possível… Mais cedo estaria
livre… você compreende… e então… já que era preciso.. e era preciso, minha cara…
sem isso ele não iria embora… eu então… eu então aferrolhei a porta do salão… Aí
está!"
É pouco. A mim, isso teria me humilhado. E daí? Pois o que é que se deve fazer desse
dinheiro? que me deixou.