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All content following this page was uploaded by Gisela Belluzzo Campos on 20 May 2014.
Introdução
O processo criativo, de um modo geral, é fruto de muitas incógnitas, posto que não há uma
maneira única de conduzi-lo, tampouco fórmulas ou regras prontas ou deterministas.
Desvendar esses processos têm-se revelado uma tarefa cada vez mais necessária para aprimorar
o conhecimento e a análise de trabalhos que, vistos somente em sua forma acabada, correm o
risco de serem pouco assimilados ou compreendidos e perderem parte da extensão de sua
riqueza.
Neste artigo analisaremos dois trabalhos em design gráfico e seus respectivos processos de
criação. O primeiro é um projeto gráfico do designer Marcos Mello feito para uma exposição
comemorativa dos 450 anos da cidade de São Paulo, com o tema “Sob o sol, a garoa e a
fumaça”. Mello realizou dez páginas do catálogo em preto e branco e uma das páginas foi
exposta como poster em mostra com o mesmo nome no Museu da Casa Brasileira.
O segundo projeto a ser enfocado em sua trajetória criativa é a elaboração da fonte tipográfica
Samba e suas variações pelos irmãos Tony de Marco e Caio de Marco.
Muitos designers e artistas são também pesquisadores muito conscientes de seus trabalhos e
dos processos que os envolvem, por essa razão foi proposto aos autores dos projetos
enfocados, a realização de entrevistas em que pudessem discorrer sobre seus processos de
criação e comentar sobre os rafes, rascunhos, anotações e procedimentos. Os resultados foram
muito gratificantes e a maior parte desse texto foi composto pela fala dos três designers.
Design, Arte e Tecnologia: espaço de trocas | SP | Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio & Rosari | 2006.
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Recorremos também a alguns conceitos e considerações sobre a criação levantados por Rudolf
Arnheim e Luigi Pareyson e pela crítica genética tal como vem sendo desenvolvida pela
pesquisadora Cecilia Almeida Salles. Salles aplica a crítica genética em arte mas acentua, em
seus vários textos, que essa investigação pode perfeitamente ser utilizada em qualquer área na
qual ocorra um percurso criativo. A crítica genética, segundo Salles, é uma investigação que vê
a obra de arte a partir de sua construção, acompanhando seu planejamento, sua execução e seu
crescimento (SALLES, 2004, p. 12-13).
As trajetórias criativas apresentadas aqui não têm a pretensão de esgotar todas as possibilidades
de análise que a crítica genética possibilita. Utilizamos apenas alguns conceitos que a
prescrevem, quando parte para uma generalização sobre o processo de criação.
Marcos Mello trabalha com a temática da cidade de São Paulo há muitos anos e tem um
processo de criação e um método que ocorre por encadeamento de um projeto a outro. Essa
atividade acontece diariamente e se processa por acumulação, crescimento, organizacão e
transformação de elementos.
Mello nos conta que a base de sua produção são as texturas e as camadas ou layers. O termo
textura é muito rico e sugere uma série de interpretações que representam muito bem o
trabalho de Mello.
Em primeiro lugar, no sentido mais corrente da palavra, textura significa algo que se diferencia
do liso, do visualmente plano para apresentar tatilidade, real ou sugerida, rugosidade, marcas,
sinais, desenhos que aparecem dependendo do modo como olhamos, permitindo-nos várias
leituras e aguçando nossa imaginação. Em texturas, enxergamos muitos desenhos que se
formam espontaneamente. Em um segundo momento a textura é algo que vai se sobrepondo,
se acumulando e se entrelaçando como os fios de um tecido, em profundidade, formando
camadas. Essas camadas são de várias espécies: de informações, de grafismos e de imagens.
A observação e a coleta de sinais, objetos e imagens das mais diversas procedências coabitando
na cidade, são os procedimentos mais usados para criar essas texturas e layers. Os elementos
observados e coletados vão sendo processados de maneiras diversas para se transformarem em
reservatórios e repertórios que em potência são novos trabalhos.
A colagem e a bricolagem também são elementos usados por Mello. Na bricolagem são
usados materiais diversos colocados organizadamente para formar uma composição. Mello faz
também cologravura que consiste em colocar uma matriz em madeira com pequenos objetos,
como tampinhas, chapas, moedas em uma prensa e, a partir daí, obter uma reprodução
bidimensional.
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Coleciona sucatas diversas para formar um acervo que fica disponível para criar novos
trabalhos a qualquer momento, os quais podem se constituir em objetos únicos ou peças
gráficas reprodutíveis. A idéia de continuação está sempre presente, não há fim ou começo,
mas transformação. Os trabalhos conversam um com o outro. O mesmo objeto se transforma
dependendo do material, da cor, da luz e do tamanho. Por exemplo, se o objeto é uma
bricolagem composta em madeira e outros materiais coloridos, quando transportado para o
papel na impressão gráfica pode ressurgir em preto e branco, ou, quando fotografado, se
transforma sob o efeito de uma iluminação. Essas migrações para outros meios e materiais
imprimem definições e significados novos ao objeto.
Tudo o que está no espaço urbano interessa a este designer que coloca a importância dos
trajetos percorridos e a possibilidade de enxergar elementos novos a cada vez que são
explorados.
A tipografia e os tipos móveis formam um outro capítulo da história de Mello, que coleciona
esses tipos há aproximadamente dez anos, com a preocupação em resgatar os processos
gráficos e tipográficos anteriores ao advento do computador.
No projeto para a mostra de 450 anos, o designer utilizou várias bricolagens que já estavam em
seu acervo. A primeira peça foi criada com uma base de madeira, na qual foram colados tipos
de metal e carrinhos em miniatura. Em seguida, a peça foi fotografada a partir de uma vista
superior para simular uma cidade (figura 1).
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compensado formam a textura de uma cidade vista de cima. O conjunto, ao ser fotografado,
ganha uma outra dimensão com a luz projetada. A fotografia da peça, ao ser colocada em uma
página do catálogo ao lado de outros elementos ganha nova estatura e dessa forma a mesma
peça, dependendo de como é usada, cria várias possibilidades de leitura.
Uma segunda imagem forte nesse trabalho é uma bricolagem formada por uma fotografia
retirada de uma revista que serve como base para tipos móveis de metal e moedas pintadas
de branco. Mello fotografou e digitalizou a peça, colocando-a em seguida sobre um
desenho feito com nanquim e pincel sobre acetado, raspado com um prego, criando uma
textura. As sobreposições formam camadas de informações visuais que são apreendidas aos
poucos (figura 2).
Uma terceira imagem é originalmente uma bricolagem composta por uma placa-mãe de
computador e transistores colados sobre um compensado de madeira e pintados.
Nas palavras de Mello, uma simples informação ganha uma dimensão e uma amplitude de
riqueza de interpretação, despertando e aguçando a curiosidade do receptor o qual procura e
indaga sobre as procedências dos elementos e, ao mesmo tempo, projeta e imagina novos
significados e leituras.
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O carimbo de tipos sobre acetato (figura 3) é feito com tinta nanquim sobre o plástico que
pode estar riscado, ligeiramente engordurado, permitindo que as falhas da tinta em contato
com a superfície criem texturas.
O texto escrito, os caracteres tipográficos e os sinais gráficos atuam como mensagens verbais e
visuais. Significam o embaralhamento de letras e de palavras que vivenciamos na cidade. A
mesma matriz com a textura de letras realizada com nanquin sobre acetato aparece, em
pedaços, em várias páginas do trabalho.
Nas últimas páginas duplas do catálogo, os quadros repetidos na parte inferior representam a
mesmice do dia-a-dia (figura 4). Os postes com fios de eletricidade representam a selva
lembrando animais pré-históricos. Na parte superior há uma nuvem de palavras que sugere um
céu pesado gerando tensão.
Mello compara a cidade de São Paulo a uma grande caverna, a uma Lascaux, com seus grafites
e pichações que, num futuro, quem encontrar poderá indagar, o que queriam expressar essas
escritas. Mello sempre pesquisou escrita e grafite com esse enfoque de passado, presente e
futuro: “como um arqueólogo veria isso no ano 3000?”, indaga. “Assim como nas cavernas, na
cidade as pessoas também têm direito de se comunicar do seu jeito, do mesmo modo que um
out-door faz uma comunicação boa ou grotesca.”
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Mello está sempre desenhando, fotografando, rascunhando e rafiando. Possui vasto banco de
imagens com fotografias, tipografias, texturas de chão, de paredes, entre outros elementos. Cita
o designer David Carson que tem um sistema de trabalho semelhante, ao tirar muitas
fotografias, as quais muitas vezes não sabe nem o que é. A imagem se revela e aparece quando
está sendo descarregada no computador. O procedimento do designer aqui se assemelha ao do
artista quando constrói um “[…] processo que envolve seleções, apropriações e combinações,
gerando transformações e traduções” (SALLES, 2004, p. 27).
“Se você tem um grande repertório e um grande banco de imagens, na hora que você precisa,
usa. Da quantidade se extrai qualidade”, diz Mello, que também é professor e transmite muitos
elementos do seu método para suas aulas de tipografia. Não há possibilidade de surgir um bom
trabalho sem uma investigação e uma pesquisa intensas, que, no caso, se materializam em
inúmeros rafes, desenhos, fotos, objetos encontrados, coletados, transformados ou criados. O
designer faz várias tentativas até aparecer a melhor.
O que vai aparecendo precisa do olhar do indivíduo, com seu repertório, com sua experiência
para dizer: “agora encontrei algo”. Ao mesmo tempo ele pode ter surpresas, não está tudo
previsto. As relações e configurações que vão surgindo dizem coisas, acrescentam novidades
ao designer, que, por sua vez, espera respostas e novas indagações que partem dessas relações.
Descobertas acontecem durante a manipulação desses elementos, durante o processo. Ocorre
um diálogo do designer com o que está surgindo e com o que ele está criando. São estímulos e
trocas que são estabelecidos. Nessa relação do designer com seu ambiente, durante o processo
de criação o existente é recriado e revivido ao encontrar-se em uma nova situação. Os
elementos do ambiente se tornam meios para esse fazer e no fazer já se está construindo.
Vários autores já colocaram como acontece esse mecanismo de criação que ocorre no próprio
ato de fazer. Rudolf Arnheim fala sobre o “pensamento visual” que organiza elementos visuais
sem precisar passar por outros códigos, verbais ou mais explicitamente racionais.
Arnheim explica como acontece essa relação entre ver o objeto real, perceber e traduzi-lo em
um meio. Segundo o autor, mesmo ao reproduzir um objeto este sofre uma modificação, pois
ver é perceber, e a percepção de um objeto, em si mesma, nunca é um registro mecânico deste
objeto. A percepção pressupõe a criação de um esquema de categorias perceptivas adequadas à
configuração do estímulo, isto é, que responda à configuração dada. Entretanto, perceber uma
forma não é ainda representá-la. A representação do objeto nunca é simplesmente uma cópia
deste percepto porque ao ser traduzida em uma forma tangível em um medium, interage com
este sofrendo modificações. Portanto, entre o estímulo dado e a representação deste em um
medium, ocorrem duas operações, durante as quais, o objeto representado passa
necessariamente, por duas transformações (ARNHEIM, 1986, p. 41 -42).
Salles salienta o papel da percepção do criador quando diz: “[…] O filtro perceptivo vai
processando o mundo em nome da criação da nova realidade que a obra de arte oferece”
(SALLES, 2004, p. 90).
[…] um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer. A arte é uma
atividade na qual execução e invenção procedem pari passu, simultâneas e inseparáveis […]
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Nela concebe-se executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra operando, já que a obra
existe só quando é acabada […] (PAREYSON, 1989:32).
No processo de criação de Mello, um trabalho nunca está concluído. Pode estar finalizado em
certo estágio, porém a questão não se fecha totalmente. Nesse sentido, vários elementos são
importantes: técnicas, materiais, procedimentos – um elemento completa o outro. Da mesma
forma, nenhum trabalho é banal e não há momento ideal para criar. Qualquer momento e
qualquer situação, bem como qualquer estímulo pode fazer parte de um trabalho.
Esse procedimento desmistifica a criação. Não há condição ideal, momento ideal, forma ideal.
A criação aparece sem preconceitos de lugares, de padrões e de estilos.
Segundo Mello, o momento de criar não é apenas aquele em que alguém solicita uma
encomenda. Um designer deve ter um trabalho próprio constante, paralelo que vai alimentar o
trabalho meramente comercial. Um designer deve ter uma iniciativa própria de comunicação,
como o músico, como o artista plástico, como qualquer pessoa que se expressa em qualquer
linguagem. Deve haver uma postura de liberdade, independente do vínculo comercial. O
designer pode ter uma livre atitude de expressão. O engajamento com o consumo, com a
produção específica não deve impedir essa liberdade de ação.
Para Mello, pensar design é pensar de maneira múltipla, é criar frases compositivas tal como
um músico de jazz cria sua própria marca recombinando elementos de diversas procedências.
A fonte Samba (figura 5) foi inspirada em frases e logotipos criados por J.Carlos entre 1900 e
1950 e usados em seus cartazes e capas de revistas nas primeiras décadas do século XX.
Observando os trabalhos de J.Carlos, Tony de Marco e Caio de Marco desenvolveram três
versões da fonte, sendo que uma delas recebeu o terceiro lugar no concurso da Linotype,
passando a ser fonte registrada e catalogada desta empresa. Os designers/tipógrafos tiveram a
colaboração inestimável de Cássio Loredano caricaturista carioca, editor de cinco livros sobre
J.Carlos e estudioso da obra do ilustrador que colocou cópias de materiais inéditos à disposição
dos dois irmãos.
Tony de Marco trabalha com fontes digitais desde 1989. Ilustrador de revistas, jornais,
fanzines, editor das revistas Macmania e Tupigrafia, Tony atribui ao computador um grande
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facilitador do desenho de fontes. Antes dele, diz o tipógrafo, seria necessáriouma equipe para
realizar os estudos e o desenvolvimento das fontes, tarefa para uma empresa ou escritório.
Com o computador uma pessoa apenas pode realizar a empreitada e criar um produto
comercializável. Por exemplo fazer curvas idêntidas era muito difícil manualmente.
Figura 5: Acima: esboço da fonte Samba. Abaixo: a fonte Samba com portões.
Nos últimos quinze anos, além das fontes completas, Tony criou muitas letras, a maioria delas
para acompanhar suas ilustrações ou matérias para as revistas e fanzines que ilustrou e editou,
acumulando bastante experiência. Com a revista Tupigrafia, passou a criar para cada matéria
uma letra. Ao fazer uma matéria sobre J. Carlos para essa revista, Tony descobriu que o
desenhista, além de ilustrar e criar o lay-out desenhava as letras que compunham o título, o ano
e o preço das capas. J. Carlos não era um desenhista de fontes. Assim como Tony, era um
ilustrador que extendia seu traço às letras, e o fazia tão bem quanto ilustrava (figura 6).
Surpresos com a beleza e com a qualidade das letras desenhadas por J.Carlos, os dois irmãos
passaram a pesquisar e a investigar quais letras haviam e pensaram em completar o alfabeto.
Por exemplo, o R e o S, que são letras muito marcantes, já estavam desenhadas por J.Carlos.
Foram, então, criados três alfabetos. O primeiro deles foi feito para a revista Tupigrafia,
quando foi necessário criar os sinais de pontuação e a arroba, além de letras que estavam
faltando. A segunda foi uma versão bold da letra (figura 7). Nessa versão, a letra não foi
simplesmente engrossada em suas hastes, mas ganhou linhas paralelas, traços, que à distância
dão a idéia de espessura mais grossa, proporcionando a sensação de bold.
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Quando tinha somente a primeira versão, Tony foi persuadido a continuar no
desenvolvimento da fonte e foi o que ele fez, participando do concurso e recebendo em
seguida o prêmio. A versão bold foi então criada e durante seu desenvolvimento surgiu a idéia
de usar as espirais, pois ficou claro para os tipógrafos que as letras mais interessantes e mais
particulares eram as que tinham as espirais.
Da vontade de acrescentar espirais surgiu uma terceira versão muito rebuscada que foi
chamada de Expert, (figura 9) que eles consideram a mais original, criada do zero, sem
nenhuma referência direta do trabalho de J.Carlos. Apesar do desenho rebuscado, a fonte não
usa recursos da caligrafia, não é gestual. Para cada letra foram testadas várias soluções. Foram
feitos vários estudos de letras manuais e as espirais feitas a mão apresentaram curvaturas e
tamanhos muito diferentes (figura 8).
s
Figura 8: Estudos de espirais da fonte Expert
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A Expert terminada é uma fonte muito bonita e requintada. É uma fonte display, em seu
conceito mais publicitário e menos jornalístico, para ser usada em títulos ou logotipos e não
para textos longos e corridos. Ela funciona muito melhor em dimensão maior, em uma placa,
em um cardápio e para poucas palavras. O ideal é utilizá-la mist urada às outras versões da
Samba. É necessário ter cuidado para usá-la. Sobretudo no meio de uma composição, o ideal é
usar apenas uma letra com enfeite, pois elas tendem a “trombarem” umas com as outras.
No caso da Expert, além de partirem da fonte que criaram a partir das letras de J. Carlos, houve
também grande influência do psicodelismo e dos portões art-deco de diversas cidades do
mundo, tais como São Paulo, Paris, Amsterdã e Roma. A dupla observou e fotografou muito
portões e grades de ferro que usavam espirais. Freqüentaram inclusive, os famosos lixões, casas
que vendem materiais de demolição em São Paulo, com a pesquisa já dirigida para achar
soluções possíveis.
Os irmãos ressaltam que há várias maneiras de trabalhar com as espirais e suas dimensões. Na
indústria metalúrgica antiga, cada espiral é um segmento de ferro que é curvado sozinho e
depois emendado, soldado. Raramente são fundidos por inteiro. Quando as grades são muito
elaboradas podem ser contínuas e fundidas em uma única peça. Nos casos fundidos os
designers de grades de portões podiam fazer variações da espessura das espirais, porém, para
curvar e soldar uma barra na outra, estas deveriam ter as espessuras iguais.
A partir da observação e do registro dos portões, que apresentaram os mais variados tipo de
desenhos, escolheram os que seguiam mais regras, os mais elegantes e, a partir daí, puderam
decidir algumas regras básicas para desenhar a fonte. Por exemplo, nunca fazer duas espirais
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indo para o mesmo lado, independentemente do tamanho. Também é necessário que a espiral
se bifurque, porém não é possível trifurcar. A partir de uma delas pode-se continuar a bifurcar.
Outra regra é sempre começar por uma espiral maior e ir diminuindo, terminando em algumas
bem pequenas. Durante a elaboração da fonte, perceberam que quanto mais as espirais
estivessem padronizadas em módulos, direção, aplicação, quantidade, mais o conjunto de letras
seria caracterizado como uma família.
Segundo os tipógrafos, uma letra não pode ser muito simples, nem muito rebuscada. Deve
haver um equilíbrio, uma média que tem de ser respeitada. Também deve haver um controle e
um equilíbrio de quantas progridem para frente, quantas progridem para trás, para baixo ou
para cima. Uma pontinha de espiral, uma curvinha delicada que fica pendente não é possível
no portão, mas é possível na letra. Nos portões as espirais se encontram umas com as outras
para poder formar um todo que se sustenta. Já na letra elas nunca se encostam. Foi então que
eles se afastaram dos desenhos dos portões e se aproximaram dos princípios dos desenhos de
vegetais. Nos vegetais as divisões são muito mais numerosas. Estão nas folhas, nas raízes e no
próprio movimento que as plantas fazem ao se desviarem de um obstáculo qualquer. Nesse
caso, não foi necessário fazer uma pesquisa, pois já havia uma memória incorporada de
observações e estudos anteriores, diz Tony. Segundo os designers, a partir desse processo, seria
possível criar muitas outras variações da mesma fonte.
No processo de criação para a fonte Samba, os irmãos Tony e Caio usaram o recurso da
apropriação, passando pelos procedimentos de ver, perceber, selecionar, associar, recombinar
para finalmente criar o produto final. Também evidenciaram que um projeto de design não
está desvinculado de outros projetos, do diálogo não só com o presente e com o futuro mas
também com a tradição e com o passado.
“[…] Esse movimento transformador estabelece elos. […] O ato criador estabelece novas
conexões entre os elementos apreendidos e a realidade em construção, desatando-os, de certa
maneira, de suas origens” (SALLES, 2004, p. 95).
Considerações finais
Acompanhando a trajetória criativa dos dois trabalhos analisados podemos constatar o papel
da percepção e do olhar criador dos designers, os quais se apropriam de elementos tomados de
empréstimo de universos muitas vezes distintos aos deles próprios para, em seguida,
transformá -los em produções inovadoras. Podemos também concluir que os caminhos da
criação são diversos, demandam um longo percurso que nem sempre são lineares, assim como
não ocorrem, necessariamente, a partir de uma tábula rasa ou “tela branca” e sim a partir de
observações, associações, relações que são estabelecidas com as imagens e objetos que habitam
o mundo.
Referências
ARNHEIM, Rudolf. Hacia una psicologia del arte, arte y entropia. Madrid: Alianza Forma, 1986.
SALLES, Cecília Almeida.Crítica Genética:uma (nova) introdução. São Paulo: EDUC, 2000.
Design, Arte e Tecnologia: espaço de trocas | SP | Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio & Rosari | 2006.
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–––––––––––––––––––––– Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: FAPESP:
Annablume, 2004.
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Gisela Belluzzo de Campos, Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Bacharel e Licenciada
em Educação Artística (FAAP). Artista Visual e Designer.
Pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, bem como dos
cursos de graduação e pós-graduação Lato Sensu em Design, da Universidade Anhembi Morumbi.
p_gcampo@anhembi.br
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