Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fabian Filatow*
Abstract: In recent decades policy historians have been concerned of regional history. Thus, I
propose some possibilities for teaching history referencing to the renewed political history,
going from local and regional sites to the national site. This approach enables a paradigmatic
break, in other words, the local and regional not setting as simple reproduction of national
issues, but presenting local and regional singularities and contextualized solutions to various
issues and also inserted in the national context. The Battle of Fao, which occurred in 1932 in
the Rio Grande do Sul´s country is an exemplary case. Local civil-military rebellion event
motivated by political issues, both regional - making opposition to intervenor Flores da
Cunha, and national, lining up the cause of the Constitutionalist Revolution led by São Paulo.
Keywords: Political History. Teaching of History. Fão Combat.
1229
1. Introdução
Página
*
Doutorando em História- PUCRS – Bolsista CAPES
Revista Latino-Americana de História
Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial
© by PPGH-UNISINOS
A história política renovada ofereceu uma grande ampliação dos estudos envolvendo
as disputa pelo poder. Novas fontes, novos objetos, novos questionamentos, novos problemas
para velhas questões proporcionaram um novo fôlego para a história política. Nestas novas
pesquisas percebemos um destaque para questões que tiveram como foco principal o local e o
regional. Trabalhos estes que buscaram compreender como determinados grupos sociais
resolveram questões políticas do seu agir cotidiano, inseridos no seu tempo e no seu contexto,
ou seja, quais foram às formas, os meios, os acordos, os rearranjos que se sucederam em
âmbito local ou regional durante determinados períodos da história.
Diversos trabalhos produzidos pela historiografia que se dedicaram a analisar a
história política gaúcha na Era Vargas. Muitos destes trabalhos tiveram um olhar amplo,
pesquisando questões pertinentes, mas que não se debruçaram sobre o local ou regional. Nos
últimos anos este cenário vem sendo alterado pelos novos trabalhos produzidos, sendo que
muitos destas têm como foco privilegiado de pesquisa a relação entre o local e o regional e
destes com o nacional.
A pesquisa que desenvolvo está inserida neste contexto de mudança, pois visa analisar
a região de Soledade ao longo da década de 1930, buscando compreender acontecimentos
específicos da política local e regional, os quais estavam inseridos num contexto mais amplo,
o nacional daquele período. Estando inseridos no período histórico brasileiro delimitado pela
Revolução de 1930 e pelo Estado Novo, os acontecimentos ocorridos na região de Soledade
da década de 1930 não podem ser interpretados ou analisados como um simples reflexo, em
escala local ou regional, das disputas nacionais que se apresentavam naqueles anos, visão por
demais simplória. Partindo-se do atual estágio da pesquisa, podemos destacar que as diversas
ocorrências de violência e confrontos militares ocorridas em Soledade podem ser identificadas
como disputas políticas, tanto no âmbito local quanto regional.
Numa análise preliminar destes fatos, violência e confrontos militares, nos
possibilitaram realizar uma interpretação da conjuntura política regional vigente naquele
período. Estas atitudes extremas ocorridas em Soledade, porém não restritas ao município
gaúcho, contribuem para uma análise da política local e regional frente aos acontecimentos
1230
A frágil unificação política existente no Rio Grande do Sul, composta para as eleições
de 1930 e vigentes desde então, não tardou a mostrar sua artificialidade. Em 1932 tornou-se
evidente a cisão política existente no estado gaúcho. Tanto o PRL quanto a FUG
apresentavam características oligárquicas. Segundo a historiadora Sandra Pesavento,
líder o coronel Cândido Carneiro Júnior, mais conhecido como Candoca.” (GUERREIRO,
2005, p. 72)
Página
Revista Latino-Americana de História
Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial
© by PPGH-UNISINOS
Cândido Carneiro Júnior1, membro do Partido Libertador, era uma liderança política
local. Em 1930 apoiou a Aliança Liberal, porém, em 1932, liderou a oposição política contra
Flores da Cunha e Getúlio Vargas. Liderou tropas oposicionistas que se rebelaram em
Soledade, enfrentando militarmente o efetivo militar florista no Combate do Fão, ocorrido no
mês de setembro de 1932.
Em 1932 Cândido Carneiro Júnior, identificado com a FUG soledadense, recebeu
ordens e recursos financeiros de Flores da Cunha a fim de organizar o 33º Corpo Provisório
com o propósito de combater os opositores paulistas, mas guiado por sua orientação política
fez o oposto, organizou um grupo revolucionário com o objetivo de apoiar a causa da
constitucionalização e combater o governo ditatorial de Vargas, opondo-se também o
interventor federal no Rio Grande do Sul.
Soledade contava com a existência de dois corpos provisórios em 1932: o 33º sob
organização de Cândido Carneiro Junior (membro do Partido Libertador) e o 44º comandado
por Pedro Corrêa Garcez (de filiação republicana), sendo que este último se manteve ao lado
do interventor Flores da Cunha.
Foi assim que, em 1932, o Rio Grande do Sul em geral, e Soledade, em particular,
expuseram sua cisão política frente ao posicionamento político centralizador de Getúlio
Vargas.
Opondo-se ao prolongamento da ditadura, a Frente Única de Soledade deu início à
contestação armada ao governo provisório. Rebelando-se igualmente contra a decisão tomada
pelo interventor Flores da Cunha, o qual foi cooptado pelo interesse de obter apoio do
governo federal em prol da manutenção do seu governo no estado gaúcho. Uma parcela da
elite política soledadense enfrentava, através do uso das armas, a interventoria estadual, fato
que evidenciou um desacordo político entre o local e o regional.
Após o combate ocorrido em 13 de setembro, às margens do rio Fão, no qual as forças
rebeldes foram derrotadas, Cândido Carneiro Júnior e o pequeno grupo de homens que lhe
permaneceu fiel se embrenharam na mata, e segundo Franco, “por algum tempo ainda
conservou gente reunida e disposta à resistência, até que o Interventor Gen. Flores da Cunha
1232
lhe mandou um emissário na pessoa do Dr. Félix Engel Filho, para acertar os termos da
1
Cândido Carneiro Júnior era filho de Florisbela Theodora de Almeida e do major Cândido Alves Carneiro.
Destacou-se como pecuarista e político no município de Soledade, sendo secretário do Partido Libertador
Página
naquele município no ano de 1928. Em 1930 foi tenente-coronel da Brigada Militar e em 1932 ocupou o mesmo
posto militar no 33º Corpo Auxiliar da Brigada Militar (Corpo Provisório). Faleceu no ano de 1950.
(GUERREIRO, 2005, p. 72).
Revista Latino-Americana de História
Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial
© by PPGH-UNISINOS
2
Segundo Verdi, o povoado de “Victoria” seria o segundo distrito do município de Soledade. (VERDI, 1987, p.
83)
Revista Latino-Americana de História
Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial
© by PPGH-UNISINOS
O regional, por sua vez, não pode ser concebido simplesmente como espaço onde
ocorrem os reflexos das resoluções estipuladas do âmbito nacional. Acreditamos que a maior
contribuição para o estudo político de Soledade na década de 1930 está justamente numa
percepção de regional que o compreenda como sendo composto pelas relações entre o local, o
regional e o nacional, pois somente percebido neste sentido é que poderemos compreender as
disputas políticas protagonizadas por Flores da Cunha e Getúlio Vargas. Disputas estas que
tiveram seus desdobramentos também no âmbito regional/local, nas disputas de poder local
do município de Soledade, no qual se percebeu uma constante de violência atrelada a questões
políticas ao longo da década de 1930.
A coletânea República em migalhas - história regional e local, publicada em 1990 sob
a coordenação de Marcos A. da Silva, contribuiu como expressão desta busca por respostas
teóricas e metodológicas frente à crise dos paradigmas vivenciada nas últimas décadas do
século XX, possibilitando uma maior reflexão sobre as novas possibilidades de abordagens na
pesquisa histórica.
Segundo Loiva Otero Félix, “A palavra crise em sua origem grega significa decisão.
(...) em seu sentido originário, ela não se associa a juízo de valor maniqueísta de opção entre o
bem e o mal, entre o certo e o errado, ela não tem o significado do que o senso comum passou
a atribuir-lhe de algo nefasto, ruim.” (FÉLIX, 1998. p. 58).
Ainda segundo a autora, “crise implica em ruptura radical que traz como condição
inerente a tomada de decisão que, por sua vez, levará à busca de alternativas, de caminhos
para saída do impasse e à redefinição de novos universos valorativos.” (FÉLIX, 1998. p. 58).
Concluindo sua análise referente aos avanços promovidos pela crise imposta à ciência
histórica e sua contribuição para a história política Félix declarou que,
Outra contribuição foi realizada por Cláudia Maria Ribeiro Viscardi, no artigo
Página
Tal perspectiva está em consonância com a contribuição proposta por Pierre Bourdieu
no que diz respeito ao estabelecimento de critérios de delimitação regional. Segundo o autor, o
critério de divisão regional surgiu simbolicamente e foi sendo ao longo do tempo tanto reconhecido
como legitimado (BOURDIEU, 1989, p. 107-132).
Ainda segundo Bourdieu, temos a ideia de fronteira que também poderá ser aplicável
para a ideia de região, pois esta, a região, é concebida entre algumas fronteiras as quais são
estipuladas e construídas pelo pesquisador. A fronteira é uma construtora da diferença cultural
tanto quanto é fruto da mesma, segundo o autor,
Temos assim que a noção de região está para além dos limites político-jurídicos, sendo
que sua utilização pode agregar diferentes regiões geográficas delimitadas pelo crivo do
1236
político-jurídico e, mesmo assim, ser a expressão de uma região, ou seja, para analisar a
existência de uma expressão cultural, religiosa ou política pode ser necessário reunir e
Página
3
Para um aprofundamento na discussão historiográfica sobre região e espacialidade indicamos BARROS, José
D’Assunção. História, região e espacialidade. Revista de História Regional, Ponta Grossa: UEPG, 2005, vol.
10, nº 1, p. 95-129.
Revista Latino-Americana de História
Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial
© by PPGH-UNISINOS
investigar um determinado espaço no qual estas atividades sejam identificáveis e que estão
inseridas em diferentes espaços.
Angelo Priori traz uma contribuição ao debate referente à construção da concepção de
região. Para o autor, “a região enquanto categoria espacial é uma construção dos geógrafos; e
enquanto espaço social, construído historicamente, nada mais é do que uma questão de ponto
de vista do historiador” (PRIORI, 1994, p. 182.). Ou seja, no caso da pesquisa histórica a
região será definida pelas relações sociais, políticas, econômicas, culturais que nelas se
estabeleceram não estando restritas aos limites propostos pelo político-jurídico.
Vera Alice Cardo Silva adverte que não se deve perder de vista que a significação
analítica e a utilidade explicativa do conceito de região dependem de sua referência constante
a um sistema global de relações do qual foi recortada, para a autora o “enfoque regionalista
não pode limitar-se à coleta de dados e à observação da dinâmica dos processos internos à
região (...). A interpretação compreensiva desta dinâmica depende da análise de sua inserção
do movimento global do sistema”. (SILVA, 1990, p. 44).
Argumentando favoravelmente sobre a utilidade da história regional, Silva declarou
que
El espacio local no nos dice nada per se, tampoco lo hará la simple apelación
a la categoría de historia local. Dicho de outro modo la enunciación del
término no remite de forma directa y expressa a las facultades interpretativas
del mismo. En principio lo local alude tentativamente a un ajuste espacial de
1237
nos livros didáticos, como está apresentada, como é abordada a questão da Revolução
Constitucionalista de 1932 nestes materiais que estão ao alcance de um grande número de
estudantes. Na maioria dos livros didáticos de história temos a apresentação da Revolução de
1932 como um acontecimento liderado por São Paulo contra a ditadura de Getúlio Vargas e
que o seu maior resultado se expressou na elaboração da Constituição de 1934.
A abordagem destes materiais didáticos, na sua grande maioria, apresenta uma visão
geral sobre o tema da Revolução Constitucionalista, normalmente descontextualizado,
abordando apenas o fato da revolta paulista. Em contrapartida, estes mesmos materiais
contribuem para um esquecimento ou um silêncio sobre o contexto político do período –
questões como federalismo versus centralismo político e os diferentes desdobramentos
implicados com este ato de rebeldia eclodido em 1932, mas que podem ser identificados ao
longo da história política brasileira, pelo menos desde o período do Segundo Império.
Os estudos que se dedicam a analisar a história a partir do regional ainda é incipiente,
mas já sinalizam com novas interpretações e questionamentos para a história política,
destacadamente a história do Rio Grande do Sul4.
Interessante destacar também as relações existentes com a memória sobre o Combate
do Fão. Ao longo do tempo esta memória também foi sofrendo alterações. Entre a vergonha,
no passado, por ser identificado com a luta armada ou mesmo traidores, com o orgulho, no
presente, de ter participado de um levante contra a ditadura e o autoritarismo5.
Os memoralistas, os diletantes, os relatos produzidos, as memórias recolhidas, enfim,
as diversas escritas da história local, produziram um diversificado leque de produções que
percebidos e estudados individualmente pouco conteúdo oferecem à pesquisa acadêmica
referente à história política do Rio Grande do Sul, porém, quando reunidas e analisadas a
partir de uma questão problema, podem contribuir tanto como referência quanto livros-fontes,
este é o caso da década de 1930 na região de Soledade e do Planalto Médio gaúcho. O estudo
4
Destacamos duas obras que se dedicaram a estudar a História do Rio Grande do Sul partindo do regional.
ABREU, Luciano Aronne. Um olhar regional sobre o Estado Novo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007. A segunda
é AMARAL, Sandra Maria do. O teatro do poder: as elites políticas no Rio Grande do Sul na vigência do
Estado Novo. Ijuí: Ed. Unijuí, 2013. Trabalhos que demonstram ainda serem necessários novos estudos sobre a
1240
História do Rio Grande do Sul, destacadamente da perspectiva regional, analisando inúmeras questões que a
historiografia de abordagem nacional não respondeu.
5
Para um aprofundamento desta questão indico o artigo publicado na Revista CIPPUS do Unilasalle, no qual
analisamos alguns trabalhos recentes sobre o Combate do Fão. Cf. FILATOW, Fabian. Combate do Fão:
Página
episódio político-militar da revolução constitucionalista no rio grande do sul. Revista CIPPUS, v.2, n. 1, maio,
2013.
Revista Latino-Americana de História
Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial
© by PPGH-UNISINOS
das disputas políticas local/regional oferece uma significativa contribuição para um melhor
conhecimento das lutas e rearranjos políticos ocorridos entre 1930 e 1938 naquela região, bem
como seus efeitos na política estadual sob o governo de Flores da Cunha.
Além das possibilidades expostas, destacamos também a disponibilização ao
conhecimento do público estudantil discussões referentes às abordagens da história, como a
história local e história oral, praticamente desconhecida pelos estudantes do ensino básico.
Explorar as diferentes maneiras de se construir o conhecimento histórico e suas narrativas,
bem como a árdua tarefa de seleção dos documentos e tipos de fontes, os métodos de
pesquisa, tudo associado à subjetividade do pesquisador que fez e faz suas escolhas ao longo
da produção do trabalho de pesquisa, a qual chega ao estudante do ensino básico,
principalmente, através dos livros didáticos, sendo que estes também passaram pelo crivo da
subjetividade no momento da sua produção.
Enfim, podemos ofertar uma quebra de paradigma, ou seja, a grande maioria dos livros
didáticos aborda os eventos históricos de maneira generalizada, cronológica, tendo como
referência o nacional. Destacando o período de quinze anos da História do Brasil nomeado de
Era Vargas, em muitos destes materiais didáticos ainda hoje disponíveis é apresentando em
poucas páginas, ancorado numa explicação geral tendo o nacional como referência, tendo
pouca ou nenhuma referência das políticas regionais e suas especificidades que vigoraram
neste período da história nacional. Inserido neste macro tema, temos a Revolução
Constitucionalista de 1932, também abordada de maneira generalizada, sendo definida como
uma reação de São Paulo ao centralismo do Governo Provisório. Ou seja, toda a
complexidade política vigente naqueles anos fica reduzida a uma visão simplista de disputa
pelo poder entre o governo Vargas e São Paulo, alijado do poder nacional com a eclosão
Revolução de 1930. A longa disputa existente na política brasileira entre federalismo e
centralização política fica em segundo plano. Esta forma de abordar a História Política
Brasileira faz com que os acontecimentos ocorridos na década de 1930 permaneçam
descontextualizados, percebidos como fatos isolados.
Outra contribuição que pode ser explorada com a análise do Combate do Fão está
1241
No estado gaúcho ocorreram discordâncias sobre esta forma política adotada pelo
governo federal. Estas divergências políticas compuseram os motivos que levaram a
resistência armada, como bem demonstra o caso dos rebelados de Soledade.
5. Apontamentos finais
6. Referências bibliográficas
Página
Revista Latino-Americana de História
Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial
© by PPGH-UNISINOS
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar história. São Paulo: Scipione,
2009.
SILVA, Marcos A. da. (coord.). República em migalhas - história regional e local. São
Página
1244
Página