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REFERÊNCIA

PAVEAU, Marie-Anne. Análise do Discurso Digital: dicionário das formas e das


práticas. Campinas: Pontes Editores, 2021.
TECNOGÊNERO DE DISCURSO

,-/

!(
TECNOGÊNERO DE DISCURSO

1. DESCRIÇÃO E DEFINIÇÃO. UM GENERO


,. DE DISCURSO COMPÓSITO

" Para definir o tecnogênero de discurso é . , .


genero de discurso, que é uma da - ' p~c1so voltar a defimçao do
N

s noçoes centrais em análise do discurso.

1. A noção de gênero de discurso

. , ~artire~os da definição de Sophie Moirand, que repousa em dois


cntenos, social e cognitivo:

De onde [dec~rre] uma definição sempre provisória, mas


um pouco mais precisa do gênero, considerado como uma
representação sociocognitiva interiorizada que temos da
composição e do desenvolvimento de uma classe de unidades
discursivas, às quais temos sido expostos na vida cotidiana,
na vida profissional e nos diferentes mundos que atravessa-
mos, uma espécie de padrão que permite a cada um construir,
planejar e interpretar as atividades verbais ou não verbais
no interior de uma situação de comunicação, de um lugar, de
uma comunidade linguageira, de um mundo social, de uma
sociedade... (Moirand 2003: 19-20; itálicos da autora).

A partir desta definição, diremos que Ulll gênero de discurso é


uma forma textual derivada de um conjunto de normas coletivas pré- e
extra-discursivas, que pennitem uma mediação que fornece aos sujeitos
produtor e receptor instruções para a elaboração e a interpretação dos
discursos: designação (o gênero de discurso tem Ulll nome: a carta, o
debate, o comunicado), composição (o gênero de discurso segue certo

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ANÁLISE DO DISCURSO DIGITAL:
DICIONÁRIO DAS FORMAS E DAS PRÁTICAS

número de regras de composição que mobilizam elementos obrigatórios,


como local e data, expressões de tratamento ou a assinatura, no caso da
carta), desenvolvimento sintagmático (um gênero de discurso corresponde
a um programa de encadeamento de sequências) e seleções paradigmá-
ticas (um gênero de discurso propõe variantes unidas pelos mesmos
quadros: cartas de amor, de ameaça, de demissão, etc.). Resumindo, se
nos referirmos a um trabalho de Jean-Michel Adam (201 !), os gêneros
são definíveis como categorias:
- práticas-empíricas indispensáveis tanto para a produção
quanto para a recepção- interpretação;
- reguladoras dos enunciados em discurso e·das práticas so-
ciodiscursivas dos sujeitos (desde os lugares que eles ocupam
até os textos que eles produzem);
- prototípicas-estereotípicas, isto é, definíveis por tendências
ou gradiências de tipicidade, por feixes de regularidades e de
dominantes mais do que por critérios muito estritos (Adam
2011: 93-94).

2. O gênero de discurso nos universos digitais

~~minique Maingueneau fez propostas relativas à noção de gênero


.
e o digital em "Genres de d'tscours et web: existe-t-il des genres web?"
(Mamgueneau
de , . . · Sua abordagem permanece tnbutária
, d'2013) . dos quadros
foraana da1ise
· tepre- igital · Ele avalia' especia
· 1mente, que, como nas produções
que ao gênerom met,ccertas formasbl esCao mais
· relacionadas
• ao hipergênero do
restrições pobres , orno o . og d' por exemp10 , que apresenta um conjunto de
borar- a noção de no h' se10,. as quais cenografias variadas podem se ela-
'
os digitais. Ele distiipergenero
. é trans en'da dos corpus pré-digitais para
e digitar', sendo q ngue igualmente "dois · n1ve1s
, • de cenografia: verbal
ue a cenografia " b " .
propriamente linguística" ver ai nnplica uma "enunciação
so"" es: "'1conotextual ar 'te que a cenografi1ª d'1g1ta . 1unplica
. .
três dunen-
. •
tstmção parece pouc ' qmd etural e proced'nnental" (2013: 80-81). Essa
d 0 ª aptada aos uni
roduçoes ,., sao
,., compós't . . . . nativos onde as
versos d1gita1s
P
é mais . uma ilusão do tas e mult1m"d"'.
1 iattcas, e onde o "próprio" , verbal
1•
e1tor do que uma realidade
. semiótica (o autor,
TECNOG:ÊNERO DE DISCURSO

aliás, restringe s~a análise às páginas que republicam textos da imprensa


e aos blogs). Nao faz apelo aos dispositivos técnicos em suas análises
(algoritmos, CMC) nem à especificidade idiodigital dos corpus digitais
nativos (as capturas de tela propostas no artigo, significativamente,
dispensam as barras das ferramentas de navegação). Enfim, os "gêneros
web" e a "textualidade navegante" são descritos em comparação com as
definições do texto pré-digital, que eles parecem degradar: Dominique
Maingueneau julga, de fato, que on-line "é a própria textualidade que é
subvertida" (2013: 80), que nela se assiste a uma "subversão generalizada
da lógica do texto" (2013: 81); conclui que "com a web, é então todo o
dispositivo tradicional que vacila" (2013: 91 ). Esta perspectiva está muito
próxima, em termos de avaliação, da de Rafaele Simone, que considera
1
que, na intemet, os textos não são "verdadeiros" textos (Simone 2012) •
A tentação é a de concluir mais pela crise do dispositivo de pesquisa em
análise do discurso, já que os discursos digitais nativos demandam aná-
lises ecológicas em seus contextos endógenos mais do que comparações
com formas canônicas não digitais.
Outros trabalhos apoiam igualmente o estudo dos "gêneros digitais"
segundo as abordagens pré-digitais do gênero: em um artigo intitulado
"Similitudes et différences textuelles dans les genres numériques: blog
et site web", Mathilde Gonçalves vê o "gênero digital" a partir do texto
digital que ela caracteriza por sua não-linearidade, sua volatilidade, sua
plurissemiose, sua utilisabilidade e pela interação tisica ou corporal que
implica (2014: 80). Ap~ a, portanto, a no~ de gênero digital na noção
de texto digital; entrctanto, ana~isa o "gênero do blog" a ~ de critérios
pré-digitais do t~ , referindo-se ao corpus da linguí~tica textual (tra-
balhos de Jean-Mfohel Adam' _Franç01s
- --=-=~~...::-e:.~----'-- Rasfief,lõãli-Pierre
__::..______ ------- Bronckart).
---
Marc Bonhomme aborda igualmente os gêneros na intemet ou
na web (os dois parecem equivalentes em seu trabalho);.o conteúdo _e
a data de suas referências indicam que ele encara especialmente dois
serviços de intemet: 0 correio eletrônico e a web 1.0, e o dos sites e
dos fóruns (Bonhomme 20 J5). Após uma revisão da literatura sobre
c. le Simone consultar o verbete Dualismo digital;
Sobre a abordagem deploradora de Ra 1ae •20
º
sobre a textualidade digital, consultar Paveau 2 l Sb, l Sc.

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ANÁLISE DO DISCURSO DIGITAL:
DICIONÁRIO DAS FORMAS E DAS PRÁTICAS

gêneros na internet e sua classificação, ele analisa três páginas iniciais


de sites políticos suíços, a partir das ferramentas pré-digitais correntes
em análise do discurso (as noções de cena genérica e cenografia pro-
postas por Dominique Maingueneau). A descrição que faz fica fora
da perspectiva do usuário, e seus exemplos têm o estatuto de dados de
tela analisados por um observador exterior (Androutsopoulos 2014);
os aspectos técnicos da escrita digital e da enunciação editorial não
são de fato abordados (CMC, interfaces de programação, formatos
tecnicamente prescritos, etc.). Assim, o autor arrisca interpretações
de fato inexatas. A página inicial reciclaria, segundo ele, o gênero do
cartaz "com sua dominância iconotextual, sua estrutura condensada,
sua esquematização de informação e sua leitura rápida" (2015: 40) e,
igualmente, o da primeira página do jornal; segundo ele, "a página
inicial parece de fato constituir um gênero reproduzido, adaptado à
mídia de Internet (com a passagem do escrito no papel ao escrito de
tela), que se caracteriza por certo número de transformações" (2015:
40). Ele menciona igualmente a "fragmentação" da informação, que
lhe parece dever ser "compensada" pela coerência genérica. Mas esses
traços, mais que "adaptações" de gêneros pré-digitais, são, de fato,
típicos da enunciação editorial on-line, resultado das necessidades da
estrutura informacional na internet, na qual uma página inicial deve,
por exemplo, fornecer uma espécie de cartografia resumida do conjunto
do site e de seus conteúdos. O autor de fato menciona o que ele chama
de "maquinaria informática" (2015: 42) para se perguntar qual é seu
papel genérico em relação à "temática política", mas não aprofunda
a questão. A questão da restrição tecnológica no funcionamento dos
gêneros on-line, é, no entanto, primordial.
. Ela é plenamente levada em conta por Valérie Beaudoin, que se
mterro~a.sobre a maneira pela qual se constituem os gêneros na era do
4
texto digital ª partir dos ambientes digitais nativos (Beaudoin 2oi ).
Ela
. .escolhe
. de sai'da debruçar-se sobre os "gêneros próprios da web" '
d1stmgumdo dois grandes conjuntos:

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TECNOGÊNERO DE DISCURSO

- Os gêneros da apresentação de si:


No espaço
. digital ' v·llllos aparecer e evolurr
. numerosos for-
matos ligados à apresentação de si: o perfil, onde o indivíduo
segue um_plano pré-form
. a tado em campos para se apresentar,
a expressao de s1 por meio de um formato curto (status no fa-
cebook, frase no Twitter - na primeira versão do aplicativo)
que
, . pode assumir formas mmto • das , que vão do político ao'
· vana
mttmo, e a apresentação mais pessoal por meio de uma escrita
multimídia (homepage, blog, diário ... )-(Beaudoin 2014: 7)2.

- Os gêneros da produção coletiva à distância:


Nesse contexto de cooperação nos grupos e em um ambiente
de democratização da tomada da palavra (tomada da escrita,
para ser mais precisa), assumiram uma grande importância
dois outros gêneros que redefinem as fronteiras entre o mundo
dos especialistas e o dos amadores: os artigos enciclopédicos
redigidos a muitas mãos e os comentários ou avaliações (Be-
audoin 2014: 8)3.

Ela observa muito acertadamente que os gêneros digitais têm uma


dimensão sociológica ou sociodiscursiva não negligenciável, tendo a
.
apropriabilidade da intemet (ou o que Patrice Flichy chama de consa-
gração do amador) efeitos diretos sobre as formas textuais: "Este meio
ocupa um lugar deixado vazio entre as mídias de massa e a comunicação
interpessoal; disso resulta a emergência de gêneros próprios a este posi-
cionamento" (Beaudoin 2014: 7).
""' Ela propõe, enfim, os seis traços seguintes para os gêneros digitais:
restrições de quadros sociotécnicos, existência de socioletos ligados a
ecossistemas particulares, linhagens genéricas reconhecíveis para além
das inovações tecnológicas, explicitação das normas (onipresença dos
guias de uso), proximidade entre a prática e a norma, interação leitura-
escrita e ritmos de escrita. Esses traços poderiam também descrever ade-
quadamente a escrita digital ou a textualidade digital, porém escolhemos
uma entrada mais restrita para definir o tecnogênero do discurso.
2 A paginação dos excertos corresponde ao arquivo da autora. . .
3 Pode-se juntar a isso dois outros grandes conjuntos: os gên~ros d~ ~umor ~~parodia (meme,
dicionários participativos como The Urban Dictionary, enc1clo?~dias parod1~as co~o- D~a-
pedia e Désencyclopédie, vlogs etc.) e os de militância (cartaz d1g1tal, antologias part1c1pativas,
saída do armário, relatos etc.).

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-
ANÁLISE DO DISCURSO DIGITAL:
DICIONÁRIO DAS FORMAS E DAS PRÁTICAS

3. Definição do tecnogênero de discurso

A perspectiva ecológica privilegiada implica partir dos ecossistemas


nativos para tentar depreender os gêneros de discurso digitais tais como
eles se desenvolvem em seus ambientes discursivos e textuais.
Definiremos o tecnogênero de discurso como um gênero de discurso
dotado de uma dimensão compósita, derivada de uma coconstituição
do linguageiro e do tecnológico4• O tecnogênero pode derivar de um
gênero pertencente ao r~ertório pré-digital, mas que os ambientes di-
gitais nativo_s do~ m de características específicas (como o comentário
on-line), ou constituir um _gênero digital nativo, portanto, novo (como a
"+tÜit;,atura o~ ;;
~ igo de impr~~sa na forma de antologia de links ou de

----- ·--
tuítes). O tecnogênero de discurso é, portanto, marcado por ou derivado
da dimensão tecnológic_a do discurso, ? que imE_l!ca um funcionamento
propriedades particulares.

II. TIPOLOGIA TECNODISCURSIVA

Não se tratará mais aqui de tipologia com pretensão de exaustivida-


de, dada a falta de trabalhos suficientes sobre os discursos digitais nativos,
e porque a categoria do (tecno)-gênero está em constante evolução e
invenção. Apresentam-se apenas alguns exemplos a partir do critério de
composição, integrando, pois, prioritariamente, a restrição tecnológica.
A observação e o conhecimento empírico d~--~ t~ ei e, mais particu-
larmente, da web 2.0, permitem de fato pôr em relevo formas textuais
recorrentes e instaladas na cultura discursiva digital, boas candidatas ao
estatuto de tecnogênero de discurso.

Adotam-se as restrições tecnológicas (algoritmos CMC IPA in-


terface de programação de 1- • ' '
,. . ap icativos) como critério para classificar os
tecnogeneros de discurso em três categorias.

4
Aban~onaremos a distinção entre gênero e bi
defirudora secundária, que poderia servir pergênero, que aparece mais como uma distinção
para estabelecer subcategorias.

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TECNOGÊNERO DE DISCURSO

1. Tecnogêneros prescritos

Falaremos de tecnogênero prescrito para desig!}ar gêneros de dis-


~postos nos sistemas de escrita on-line e fortem~~!-~ gido~ _
pelos dispositivos tecno~ _g~ _os. O tecnogênero prescrito não existe
off:line (mesmo que ele herde um passado genérico pré-digital como o
comentário, por exemplo), depende inteiramente das ferramentas digitais
e circula quase exclusivamente on-line.
---- -
O blog e o vlog, que qualificamos como gênero ou hipergênero, pres-
crevem em todo o caso formatos de produção de tecnodiscurso escrito, oral
ou multimediático fortemente restringidos, notadamente no que concerne à
ordem antecronológica das postagens ou dos vídeos. O tuíte, bem conhecido
pela limitação de caracteres de seu texto interno, mas constituído de fato
por um conjunto de elementos tecnolinguageiros dentre os quais os meta-
dados (ver o verbete Tuíte), ou o comentário on-line1 _dotado também de
metadados (ver o verbete Comentário), constitue~~ cnogêneE,,~~_g~~! critos:
o internauta tem pouca liberdade de uso, mesmo que o hackeamento e o
produso sejam sempre possíveis, mas, sobretudo, trata-se de formas cuja
relacionalidade, específica do ambiente digital nativo, orienta o modo de
leitura e de produção de sentido. A denúncia digital, examinada no verbete
Ciberviolência discursiva, decorre da mesma categoria: as plataformas que
propõem funcionalidades de denúnica balizam precisamente o percurso do
escritor, conduzido segundo um procedimento tecnológico. Pode-se citar
igualmente as diferentes formas de autobiografia propostas pelas platafor-
mas (espaços e normas de biografia no Twitter, no Facebook, no Linkedln,
nas páginas "Sobre" das plataformas de blogs), as listas de links e outras
listas (últimos artigos publicados), restrições que figuram nos sites e nos
blogs segundo os dispositivos postos a funcionar pelos programadores; o
conjunto decorre dessas "pequenas formas" analisadas por Étienne Candel,
Valérie Jeanne-Périr e Emanuel Souchier (Candel et ai., 2012). Pode-se
acrescentar as "imagens conversacionais" (Gunthert 2014a) que constituem
os snaps no Snapchat, eles próprios redefinidos em "stories" segundo os
Parâmetros tecnológicos: uma foto acessível só aos destinatários, visível
uma só vez e eiemera é um snap, mas um snap público que permanece

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ANÁLISE 00 DISCURSO DIGITAL:
DICIONÁRIO DAS FORMAS E DAS PRÁTICAS

on-line por 24 horas torna-se uma "story". É interessante notar que a defi-
nição do gênero passa, neste caso, já de início, unicamente por parâmetros
tecnológicos, 0 que implica configurações de forma e de conteúdo que
tocam em seguida outros critérios de genericidade.

Os tecnogêneros prescritos podem abandonar os ecossistemas digitais


para serem retomados off-line: ~Q_Q_o tuit.e_,_por exemplo~e migrou
da web para a mídia imp~ ou televisiv~onde é utilizado como citação
ou pequena frase, perdendo assim todas as Sl!a5 c~~terísticas digitais.
- - - - - - -------- -- ·- - ---· --
.,.,

2. Tecnogêneros negociados

O tecnogênero negociado é um gênero de discurso preexistente e


estabilizado ou não nas produções pré-digitais, mas que adquire on-line
traços propriamente tecnolinguageiros e tecnodiscursivos. Não é intei-
ramente dependente das ferramentas digitais e circula nos universos
on-line e off-line.
É o caso da produção de trolls, por exemplo, que não esperou, evi-
dentemente, a intemet para se desenvolver nos discursos sociais mas
que possui especificidades digitais, um lugar na economia discur~iva e
genérica
. .da intemet e da web em particular, e um reconhec1men
. to gene-
,
nco mamfestado pelas antologias das quais é objeto (para uma análise
detalhada do troll, ver o verbete Enunciador digital).
É também o caso do "to ,, d .
· P ou ª 11sta ordenada do melhor ou do
pior, que encontraram on-line um b. .
favoráveis a tal pont " am tente e os dispositivos técnicos
, o que esse genero alimenta 't . .
Os tops podem decorr d .., SI es mterros e lucrativos.
er e uma geraçao t , ·
listam os artigos mais 1.d . au omatica: os sites e os blogs
. i os, os mais consultad .
Partir de algoritmos O t " os e os mais comentados a
. . ecnogenero de disc ,.
mtegrante dos procediment d , urso e igualmente um gênero
os e calculo.
Pode-se citar igualmente "a 'd
fonnad sai a do arm, · ,, .
e revelação da ho . ano , micialmente uma
dis .. mossexuahdade d
cursos militantes pelos d' . e uma personagem pública nos
te ire1tos dos ho .
rmo construído a partir da . mossexua1s nos anos 1970-1990,
imagem do armário, do qual se trata então
330
TECNOGÊNERO DE DISCURSO

de "sair", por vontade própria ou forçado . O sentido do termo "sair do


armário" ampliou-se para qualquer revelação de uma característica ou de
uma identidade escondida, e "sair do armário" on-line consiste em utilizar
os dispositivos tecnodiscursivos para produzir essa revelação (para de-
talhes sobre "sair do armário", ver o verbete Ciberviolência discursiva).

3. Tecnogêneros produsados

Chamaremos de tecnogênero produsado, a partir da expansão do


termo produso para qualquer elaboração a partir das possibilidades técni-
cas do ecossistema, a um gênero de discurso nativo da intemet produzido
pelos intemautas fora das restrições dos tecnogêneros prescritos e das
rotinas dos tecnogêneros negociados.
Pode-se citar, por exemplo, o cartaz digital, tecnografismo que se
inventa e se estabiliza na web, constituindo desde então uma das com-
binações imagem-texto das mais correntes, em particular nos discurso
militantes: um intemauta é fotografado ou se fotografa segurando um
cartaz, geralmente manuscrito, exibindo um slogan e/ou uma hashtag, e/
ou um enunciado reivindicatório. O pruduso do gênero está igualmente
em ação em um artigo de imprensa constituído de uma soma de links ou
de tuítes, novo gênero jornalístico inventado a partir das possibilidades
técnicas e dos tecnogêneros prescritos. Decorre igualmente do tecno-
gênero produsado a tuiteratura, que tem como base o hackeamento da
própria tecnodiscursividade: a tuiteratura, ou literatura no Twittter, de
fato, assume como regra evitar qualquer dimensão relacional por meio
de links hipertextuais ou de tecnopalavras. Ela retoma nos ecossistemas
digitais a linearidade da escrita pré-digital (Paveau 2013c).
A esses tecnogêneros já estabilizados e inscritos no repertório gené-
rico da web se juntam propostas individuais que se estabilizarão ou não
como tecnogêneros. Citamos, no verbete "Memória tecnodiscursiva", o
Madeleine Project de Clara Beaudoux, web-documentário constituído de
quatro temporadas de tuítes redocumentarizados por meio da ferramenta
S!orijy. Várias iniciativas recentes utilizam a mensagem SMS como
ferramenta de comunicação e, portanto, como segmento de informação

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ANÁLISE DO DISCURSO DIGITAL:
DICIONÁRIO DAS FORMAS E DAS PRÁTICAS

nos vídeos. No Arte Creative, a série Ploup, "ficção curta humorística


e paródica, inteiramente constituída de conversações por chat", propõe
reflexões sobre temas variados por meio de diálogos por mensagens
instantâneas. Os vídeos das "détricoteuses/desvendadoras", duas histo-
riadoras militantes, Mathilde Larrere e Laurence de Cock, publicados no
site do jornal Médiapart, também se organizam em forma de chat, pois
se trata de conversações por Whatsapp, fabricadas de maneira a produzir
um minicurso de história dialogado, rotuladas como gênero "crônica".
Às mensagens instantâneas se misturam extratos de vídeos, de fotos e
de tuítes, fazendo desse tipo de crônica um gênero híbrido que explora
ainda outros tecnogêneros 5•
Esse tecnogênero de discurso está em via de desenvolver-se e de
se estabilizar na web, antes de dar lugar a outras invenções, baseadas
em outros produsos.

0:mmaquo1. wtre stigmatisation et l


__________
wtreali1nJ1satiun des quartiers
populans n'est pas l'IOIN8lle...
1
)1

Laurence De Cock historienne j·. • .


Mlmesldlpl.il. WUSWfaitqaaqa•lliallts...
--- - - - - - - - ,/ I
P,JS O[ VIDEOS
· aophobas. rarfstm J ..J •· ·

• . 21. Extrato da "La fabrique de la racaille"


cronica das "D e'tncoteuses
· " • publicado em Mediapart em' OI /03/20 I 7.

Tradução:
Sírio Possenti

5 <https·//www d'
. .me iapart.fr/stud io/videos/em issi ons/les-detricoteuses>.

332

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