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A partir da página 8

Passando à consideração dos clássicos e sua influência na lírica gonzaguiana. Gonzaga é tido
como um autor que imitou o exemplo dos clássicos -- no que vemos seu diálogo com Horácio,
por exemplo, tem-se o ut pictura poesis, da Epistola ad Pisones. Nesse sentido, a exposição
de Cristóvão, de que se vale Pedro Lopes, sobre os três modos de imitação dos bons autores,
que ocorrem segundo maneiras de enunciar o conteúdo imitado, é relevante à análise. O poeta,
em primeiro modelo, poderia enunciar toda a estrutura do modelo clássico, o assunto, e
tratando quase de parafraseá-lo, com paralelismos. Num segundo caso, o uso de versos ou
temas isolados de um autor constitui uma imitação, utilizar pensamentos da poesia clássica
(ocorre com Gonzaga, com o carpe diem de Horácio); também, por último, um simples
enunciado influencia o poeta a desenvolver todo um tema, com originalidade. (Cf. Fernando
Cristóvão, op. Cit. P. 24, ss.) A imitação dos clássicos não é algo que reduza a originalidade
de Gonzaga: seu aperfeiçoamento lírico às formas clássicas é o que lhe garantiu inserir-se na
fileira dos pré-românticos; pois temos um poeta, conforme Correia Garção, “senhor das
matérias que trata”. (Correia Garção, “Dissertação terceira”, in Obras Completas. Vol.2
Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1958, p. 134-135.) Assim, segundo o autor agora citado, a
imitação dos clássicos é coisa necessária, (na tradição); mas o processo de apropriação dos
autores se dá “de modo que mais pareça que o rejeitamos, isto é, imitando e não o
traduzindo”. O erotismo encontrado na obra lírica de Gonzaga, é tomado no texto como
transfiguração das elevações de Horácio. Assim é o que ocorre com o tema do Carpe Diem,
nas palavras de Jorge Alves Osório: “Podia também recolher nele (Horácio), e nos muitos
imitadores arcádicos, o incentivo para a meditação sobre a morte, como termo natural da vida
e, por conseguinte, como um conselho ou exortação a um carpe diem que, em Gonzaga, se
transplanta para o plano amoroso e se colore de certo erotismo.” (Sentido e forma em Tomás
Antônio Gonza – a propósito de seu horacianismo. Separa da Revista de História, volume II,
Porto, 1979, pp.12.) Na esteira do erotismo clássico de Gonzaga, protegido pela ideia do
carpe diem, Pedro Lopes oferece-nos interessante análise desse lirismo erótico encomendado
a Marília. Esta não tinha somente seus dezassete anos, quando em Vila Rica? Donde lhe viria
tão urgente o carpe diem especialmente o devotado “nos prazeres de sãos amores” (Parte II,
lira XIV)? Esse é o ocorrido no texto: o poeta lhe lembra, ao modo horaciano do memento
mori, o fim breve da vida e que, estando já na meia idade, chegará um dia que não mais
poderá (ele) gozar dos prazeres da vida. Também, se tem outro panorama estilístico em
Gonzaga que contrasta com o anterior, e que faz-lhe antecipar alguns temas como pré-
românticos. Assim é o seu bucolismo, a sua fuga para o campo (fugere urbem), a áurea que
pôs na vida simples, aurea mediocritas: temas de internalização do poeta para temas éticos,
pela defesa do estilo de vida burguês e seu elevado ideal familiar. Conforme uma
caracterização de Arnold Hauser: “Com a concentração do mundo do romance para a modesta
e frequentemente idílica vida privada da burguesia, com a limitação dos motivos aos elevados
e simples fundamentos da vida familiar e a predilecção por destinos e personagens
despretensiosos e discretos, numa palavra, com a redução do romance à cena doméstica este
também se torna mais ético em seu propósito.” (Arnold Hauser, História Social da Arte e da
Literatura, Ed. Martins Fontes, 2000, pp. 563-564.)

O aparato rítimico (rimas, estribilhos, versos curtos) de Marília de Dirceu, sua melodicidade,
em suma, foi acolhido na história como se fora sua obra voltada à música. Com efeito, Teófilo
Braga, vendo-a pragmaticamente, entende a obra como Modinhas, cuja musicalidade emergia
dentro de um contexto onde a música muito influenciava as canções poéticas. O autor Pedro
Lopes explica a dimensão musical em Gonzaga: < Sendo certo que a música, através do
ritmo, é uma componente indispensável (?) da poesia, como já notava Aristóteles ao registar
que “na verdade, todas elas [formas de poesia] imitam com oo ritmo, a linguagem e a
harmonia” *, parece-nos prudente colocar reservas à possibilidade de transposição de um
corpus poeético como o de Gonzaga para o universo musical, mercê da técnica imitativa do
sistema musical: tal raciocínio pode conduzir ao desvirtuar do potencial poético, em favor das
qualidades melódicas da obra.> (pp. 12) * (Aristóteles, Poética, 7.° ed. Lisboa, IN-CM, 2003,
p. 103.) Pedro Lopes também fala que a relação entre música e poesia é dialética, conforme o
filósofo Luís Adriano Carlos: “essa relação [música-linguagem] é menos de uma relação de
assimilação ou homologia do que uma relação dialética” (Fenomenologia do Discurso
Poético, Porto, Campo das Letras, 1999, p. 214).

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