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LOPES, G.V; JUDICE, N. Cantigas Medievais Galego-Portuguesas.

In:
cantigas.fcsh.unl.pt [Base de dados online].

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“As cantigas trovadorescas galego-portuguesas são um dos patrimônios mais ricos da
Idade Média peninsular. Produzidas durante o período, de cerca de 150 anos, que vai,
genericamente, de finais do século XII a meados do século XIV, as cantigas medievais
situam-se, historicamente, nas alvores das nacionalidades ibéricas, sendo, em grande
parte contemporâneas da chamada Reconquista cristã”

“a área geográfica e cultural onde se desenvolve a arte trovadoresca galego-portuguesa


(ou seja, em língua galego-portuguesa) corresponde, latamente, aos reinos de Leão e
Galiza, ao reino de Portugal, e ao reino de Castela (a partir de 1230 unificado com Leão)”

“Nas origens da arte trovadoresca galego-portuguesa está, indiscutivelmente, a arte dos


trovadores provençais, movimento artístico nascido no sul de França em inícios do século
XII, e que rapidamente se estende pela Europa cristã“

“No total, e recolhidas em três grandes cancioneiros (o Cancioneiro da Ajuda, o


Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o Cancioneiro da Biblioteca Vaticana), chegaram
até nós cerca de 1680 cantigas profanas ou de corte, pertencentes a três géneros maiores
(cantiga de amor, cantiga de amigo e cantiga de escárnio e maldizer), e da autoria de cerca
de 187 trovadores e jograis. Da mesma época e ainda em língua galego-portuguesa, são
também as Cantigas de Santa Maria, um vasto conjunto de 420 cantigas religiosas, de
louvor à Virgem e de narração dos seus milagres, atribuíveis a Afonso X. Tendo em
comum com as cantigas profanas a língua e eventualmente espaços semelhantes de
produção, as Cantigas de Santa Maria pertencem, no entanto, a um tradição cultural bem
distinta”

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“O período que medeia entre os séculos X e XIV constitui, pois, a época por excelência
do Galego-Português. É, no entanto, a partir de finais do século XII que a língua falada
se afirma e desenvolve como língua literária por excelência, num processo que se estende
até cerca de 1350, e que, muito embora inclua também manifestações em prosa, alcança
a sua mais notável expressão na poesia que um conjunto alargado de trovadores e jograis,
galegos, Portugueses, mas também castelhanos e leoneses, nos legou”

“ Como é sabido, dois reis, Afonso X e o seu neto D. Dinis, contam-se entre os maiores
poetas peninsulares em língua galego-portuguesa, num notável conjunto de autores que
inclui uma parte significativa da nobreza da época, de simples cavaleiros a figuras
principais. Ao lado deste conjunto de senhores, designados especificamente trovadores, e
para quem a arte de trovar era entendida, pelo menos ao nível dos grandes princípios,
como uma atividade desinteressada, encontramos um não menos notável conjunto
de jograis, autores oriundos das classes populares, que não se limitam ao papel de músicos
e instrumentistas que seria socialmente o seu, mas que compõem igualmente cantigas, e
para quem a arte de trovar constituía uma atividade da qual esperavam retirar não apenas
o reconhecimento do seu talento mas igualmente o respetivo proveito.”

“os principais géneros da poesia galego-portuguesa profana são a cantiga de amor (canto
em voz masculina), a cantiga de amigo (canto em voz feminina) e a cantiga de escárnio e
maldizer (cantiga satírica, respetivamente com ou sem equívoco). Paralelamente a estes
três géneros principais, os trovadores e jograis cultivaram ainda, se bem que de forma
esporádica, alguns outros géneros, como a tenção (disputa dialogada), opranto (lamento
pela morte de alguém), o lai (composição de matéria de Bretanha) ou
a pastorela (narrativa de um encontro entre o trovador e uma pastora)”

“Gênero de registo aristocrático, a cantiga de amor galego-portuguesa segue muito


claramente o universo do fin’amor provençal (sobretudo o da fase mais tardia), num
modelo que não é apenas formal mas que retoma também uma “arte de amar” que define,
em novos moldes culturais e sociais, as relações entre o homem e a mulher, ou, na
terminologia usada pelos trovadores à exaustão, entre o poeta servidor e a sua senhor (o
chamado “amor cortês”, numa terminologia pouco exata, mas que se tornou tradicional).
De forma retoricamente elaborada, a cantiga de amor apresenta-nos assim uma voz
masculina essencialmente sentimental, que canta a beleza e as qualidades de uma senhora
inatingível e imaterial, e a correlativa coita (sofrimento) do poeta face à sua indiferença
ou face à sua própria incapacidade para lhe expressar o seu amor. Se bem que
decididamente influenciada pela canso provençal, como se disse, a cantiga de amor
galego-portuguesa assume, no entanto, algumas características distintas, desde logo o
facto de ser em geral mais curta e de frequentemente (em mais de metade dos casos
conservados) incluir um refrão (quando a norma provençal é a cantiga de mestria, ou seja,
sem refrão)”

“Num registo bem mais popular ou burguês, a cantiga de amigo é um género autóctone,
cujas origens parecem remontar a uma vasta e arcaica tradição da canção em voz
feminina, tradição que os trovadores e jograis galego-portugueses terão seguido, muito
embora adaptando-a ao universo cortês e palaciano que era o seu. Desta forma, a voz
feminina que os trovadores e jograis fazem cantar nestas composições remete para um
universo definido quase sempre pelo corpo erotizado da mulher, que não é agora
a senhor mas a jovem enamorada, que canta, por vezes num espaço aberto e natural, o
momento da iniciação erótica ao amor. Desta forma a velida (bela), a bem-talhada (de
corpo bem feito) exterioriza e materializa de formas várias, formas essas enquadradas
numa vivência quotidiana e popular, os sentimentos amorosos que a animam: de alegria
pela vinda próxima do seu amigo, de tristeza ou de saudade pela sua partida, de ira pelos
seus enganos”

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“As cantigas de amigo põem em cena um universo feminino alargado”

“Formalmente, as cantigas de amigo recorrem frequentemente a uma técnica arcaica de


construção estrófica conhecida como “paralelismo”, a apresentação da mesma ideia em
versos alternados, com pequenas variações verbais nos finais desses mesmos versos, e
são quase sempre (em 88% das cantigas conservadas) de refrão”

“As cantigas de escárnio e maldizer (...) [são] cantigas que os trovadores fazem quando
querem ‘dizer mal’ de alguém. (...) nas cantigas de maldizer a crítica seria direta e
ostensiva, nas cantigas de escárnio a crítica seria feita de modo mais subtil, ‘por palavras
cobertas que hajam dous entendimentos. (...) [as cantigas de escárnio e maldizer podem
ser classificadas] simplesmente como satírico”

“O riso é igualmente um elemento fundamental. Tematicamente, as cantigas de escárnio


e maldizer abarcam um vastíssimo leque de motivos, personagens e acontecimentos, em
áreas que vão dos comportamentos quotidianos (sexuais, morais) aos comportamentos
políticos, devendo muitas delas ser entendidas como armas de combate entre os vários
grupos e interesses em presença. Formalmente, as cantigas satíricas tendem a ser de
mestria, embora quase um terço das conservadas (31%) incluam um refrão”

“A forma como o texto era publicamente apresentado, pressupondo uma emissão


melódica e uma audiência, tinha consequências quer na concepção do poema, quer na sua
recepção”

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“ A redescoberta, no século XIX, da tradição lírica galego-portuguesa beseou-se, como
antes se disse, em cópias italianas do início do século XVI (Cancioneiros da Biblioteca
Nacional e da Biblioteca Apostólica Vaticana)”

“Cantiga de amor – cantiga em voz masculina, na definição mínima, que é a da Arte de


Trovar”
“Cantiga de amigo – cantiga em voz feminina, na definição mínima, que é a da Arte de
Trovar”

“Cantiga de escárnio e maldizer – cantiga de “dizer mal” ou satírica. A Arte de Trovar


distingue duas modalidades: o “dizer mal” de forma coberta ou equívoca (escárnio) e o
“dizer mal” de forma aberta e ostensiva (maldizer). Uma vez que a distinção, no que
respeita aos textos concretos, nem sempre é simples, e uma vez também que os próprios
trovadores utilizam várias vezes a expressão genérica “escárnio e maldizer”

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