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COMENTÁRIOS
BÍBLICOS
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SÉRIE COMENTÁRIOS BÍBLICOS
JOÃO CALVINO
Tradução: Valter Graciano Martins
Editora Fiel
Pastorais - Série Comentários Bíblicos
João Calvino
Título do Original: Calvin s’ Commentaries:
The Secon d Epistle o f Paul the Apostle
to the Corinthians and the Epistles to
Timothy, Titus and Philemon
Edição b ase ad a na tr ad uç ão inglesa de T . A. Smail,
pu blicada por Wrn. B. Eerdmans Publishing Com-
pany, Grand Rapids, MI, USA, 1964, e confrontada
com a tradução de John Pringle, Baker Book Hou-
se, Grand Rapids, MI, USA, 1998.
SEMA PERM
ISSÃO ESCR
ITA DOS EDITORE
S,
SALVOEMBREVES CITAÇÕ
ES, COMINDICAÇÃO DA FO
NTE.
a
Presidente: James Richard Denham Jr.
FIEL Coordenação Editorial: Tiago Santos
Editora Fiel Editor d a Série João Calvino: Frankli n F erreira
Tradução: Valter Graciano Martins
Caixa Postal 1601 Revisão: Tiago Santos e Franklin F erreira
CEP 12233-990 Capa: Edvânio Silva
São José dos Campos-SP Diagramação: Wirley Correa e Edvânio Silva
PAB X.: (12) 3936-25 29 Direção de arte : Rick Denham
www.editorafiel.com.br ISBN: 978-85-99145-43-2
Sumário
pastoral. Para o reform ador, a vida da Igreja é orden ad a de cima, visto que
a Cabeça dela é o Senhor Jesus Cristo. Por determinação do Pai, de uma
maneira suprema e soberana, nEle está investido o poder de chamar, ins-
tituir, ordenar e governar a Igreja. E Cristo atua por intermédio do Espírito
Santo, distribuindo os dons. A igreja, organizada de acordo com a mente
de Cristo, consiste de oficiais e membros. Calvino encontrou as tarefas do
pas to r em toda a Bíblia. Especificamente, ele observ ou que “o ensino e o
exemplo do Novo Testamento estabelecem a natureza e a ob ra do p astora-
do no chamado e no ensino dos apóstolos”. Isso, afirmou ele, faz com que
a determinação da obra ministerial na igreja seja um aspecto importante
da teologia.
Para Calvino, onde a Palavra de Deus não é honrada, não há igreja.
E a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada e revelada em linguagem huma-
na e confirmada ao cristão pelo testemunho interior do Espírito Santo.
O Senhor Jesus Cristo , o redentor, - foco central dos es critos e pregação
de João Calvino - é revelado nas Escrituras Sagradas. E , à medida qu e
Deus revelou a si mesmo em Jesus Cristo, torna-se crucial reverenciar e
interpretar, corretamente, o único meio através do qual se pode obter o
pleno e definitivo ace ss o a Deus - as Escrituras. Pelo fato de Jesu s Cristo
ser conhecido somente através dos registros bíblicos, assegura-se, assim,
a centralidade e a indispensabilidade das Escrituras, tanto para o teólogo
quanto para os fiéis.
Calvino dedicou-se laborio same nte a come ntar as Escr ituras Sagradas .
O seu volume de com entários nas Pastorais é o nosso particular interesse
aqui. Lançado anteriormente em português por Edições Parácletos, este
volume é reeditado pela Editora Fiel, valendo-se da esmerada tradução de
Valter Graciano Martins, e acrescido agora das notas publicadas na edição
da Baker Book House, que contém citações que remetem aos srcinais no
idioma francês, para o texto bíblico latino e para alguns desenvolvimentos
presentes nos sermõe s de Calvino. Nos com entários, o maior exegeta do sé-
culo XVI reco rre a seu ex celente con hecim ento do grego e a seu treinam ento
profundo na filosofia hum anista. Ao transm itir-nos este legado, Calvino reve-
la ainda a sua dí vida para com os exegetas clássicos dos tem pos p atrísticos.
A despeito d e tudo isto, todo o traba lho exegétic o é marcado por um lado
Prefácioà Edição em Portugu ês · 9
pela brevidade e, por outro, pela clareza de ste “estudioso po bre e tím ido”,
como descreveu a si mesmo. Além disso, como alguém já tem salientado,
cum pre lemb rar que os c omentários de Cal vino não fo ram “escritos num a
torre de ma rfim, mas contra um contexto tum ultuado ”.
As quatro car tas com entada s p or Calv ino nesse volum e foram d irigi-
das a pessoas, enquanto que as outras cartas paulinas foram destinadas
a igrejas. São quatro cartas, incontestavelmente, bastante pessoais. Além
das Epístolas a Timóteo e a Tito, soma este volume o comentário sobre a
única carta pertencente à correspondência privada de Paulo que se tem
encontrado: Filemom. Apesar de muito breve, é um texto de grande en-
canto e belez a, e que t em atraído a atenção de respeitado s com entadores.
Muito íntima, é uma epístola que nos leva para bem perto do coração de
Paulo . Ela exibe uma tern a ilustraçã o d e como o evangelho o pera nos co-
rações e frutifica em boas obras.
Entretanto, ainda que à primeira vista sejam privadas e pessoais, as
chamadas Epístolas Pastorais têm um significado e uma importância que
vão muito além da me ra referência pessoal. Em sua in troduç ão à Primeira
Epístola a Timóteo, Calvino chega a dizer: “Em minha opinião, esta epís-
tola foi escrita mais por causa de outros do que por causa de Timóteo
mesmo”. Na introdução à Epístola a Tito ele infere que “esta não é tanto
uma carta específica dirigida a Tito, mas uma epístola pública destinada
aos cretenses”. Em harmonia com a erudição bíblica moderna, ele as via
como car tas p úblicas so bre a ordem da igre ja, identific ando, com clareza ,
o sig nifica do eclesiástico d estas epístolas. Tertuliano j á dissera que Paulo
escreveu “duas cartas a Timóteo e uma a Tito, com respeito ao estado da
Igreja {de ecclesiastico statu )”. E um título que estas epístolas receberam
fora o de Cartas Pontifícias, visto que pontifex é sacerdote, o que exerce
diretiva rel igio sa. Nã o ob stan te a sua inadequa ção, tal título já chamava a
atenção para o aspecto do governo eclesiástico. Tomás de Aquino, escre-
vendo acerca da Primeira Epístola a Timóteo, menciona-a como se fosse
“uma regra pastoral que o Apóstolo deu a Timóteo”. Em sua introdução
à Segunda Epístola, ele escreve: “Na primeira Carta a Timóteo, são dadas
instruções acerca da ordem eclesiástica; na segunda refere-se ao cuidado
pasto ra l”. Assim, es ta s três cartas, qu e formam um grup o distinto na co
10 · Com entári o das Pastorai s
nós, não só
de vossa de todas as vossas
extraordinária virtudes heróicas,
benevolência,1produz mas
uma especialmente
afeição tão univer-
sal e entusiasmada a vosso respeito, nos corações de todos os homens
bons, mesmo entre aqueles que nunca tiveram a honra de vos ver pes-
soalmente, que seguramente vos considerarão com extraordinários
sentimentos d e amor e reverênci a, e isso envo lvendo todas as pessoas
de espírito just o da Inglaterr a. Pois a elas é dado não só ates tar as b oas
coisas que outros devem admirar de longe, mas também beneficiar a
si mesmas de todas as vantagens que um governador tão excelente ve-
nha con ferir, tanto a tod a a corporação humana como também a cada
um de seus membros individualmente. Nem poderiam os louvores que
vos celebram constantem ente ser falsos ou ser proc edente s de espí ri-
to bajulatór io, pois os vossos feitos claramente atestam suas sinceras
intenções e motivações.
A obra de um tutor é suficientemente difícil mesmo em se tra
1 “Et singulierement de ce desir Chrestien que vouz avez d’avancer la vraye religion” - “ e
especialmente daquele seu desejo cristão de promover a verdadeira religião”.
14 · Com entári o das Pastor ai s
ter umdehomem
visse guia e mdesua
vossa estirpe no
juventude. seio
Pois de sua
ainda quefamília,
todos ose que
homlhe
ensser-
falem
de sua nobilíssima natureza, contudo fazia-se necessário um instrutor
2 “Opprimee et ensevelie”.
1 Tim óteo-D edicatória · 15
esforços
te a fimtodas
com quase de restaurar
as partesa do
Igreja na Inglaterra,
mundo cristão, foi amiseravelmente
qual, juntamen-
corrompida pela cho cante impiedade do papado, e já que tende s mui-
tos “Timóteos” engajados nessa obra, vós e eles não poderíeis dirigir
melhor os vossos esforços do que seguindo o padrão aqui preestabe-
16 · Com entári o das Pastor ais
lecido por Paulo . Pois tudo nessas cartas é altamente relevante para a
nos sa pró pria époc a, e difici lmente há a lgo tão n ecessá rio à edificação
da Igreja que não po ssa ser e xtraído delas. Minha espe ran ça é que meu
traba lho pro porcio ne pelo menos algum aux ílio; todavia prefiro deixar
isso por conta da experiência, em vez de ufanar-me com excesso de
palavras. Se vós, nobilíssimo Príncipe, concederdes vossa aprovação
a esta obra, terei sobeja razão para sentir-me feliz, e vossa notória
bondade não permitirá que eu duvide de que aceitareis de bom grado
o serviço que o ra pres to ao vosso reino.
Que o Senhor, em cujas mãos estão os confins da terra, sustente
por longo tempo a segurança e a prosperidade da Inglaterra, adorne
seu excelente rei com o espírito real, lhe conceda uma ampla partici-
pação em todas as bênçãos, que vos conceda sólida prosperidade em
voss a nobre carreira e que por vosso intermédio seu Nom e seja ma is e
mais infinitamente glorificado.
Em minha opinião, esta epíst ola foi escr ita mais por ca usa de out ros
do que p or cau sa de Timóteo mes mo; e creio que aqueles que conside-
rarem criteriosamente a matéria concordarão comigo. Naturalmente,
não nego que Paulo tencionava ensinar e aconselhar também a Timó-
teo; minha aleg ação, porém, é que a epístola contém muitos elementos
que não justific ariam sua inclusão caso tive sse exclusivamente Timó teo
como alvo. Timóteo era jovem e não possuía ainda suficiente autorida-
de para refrear os homens cabeçudos que se levantavam contra ele. É
evidente, à luz das palavras de Paulo, que havia naquele tempo alguns
que faziam altiva exibição de si próp rios e não se subme tiam a ninguém,
e viviam tão inchados de ostentosa ambição, que não há dúvidas da
devastação que causariam à Igreja, caso alguém mais poderoso que Ti-
móteo não interviesse. É igualment e evidente que havia muitas coisas
em Éfeso
Paulo, bemque requeriam
como organização
a auto ridade e que Su
de seu nome. demandavam a sanção
a intenção era de
aconselhar
Timóteo acerca de m uitas coisas , mas er a também fazer uso do que lhe
comunicava para ministrar conselhos também a muitas outras pessoas.
No primeiro capítulo, o apóstolo se dirige a certas pessoas am-
18 · Com entári o das Pastor ais
aDevem
igreja aceitar
de aceitarem tod as asque
somente aquelas viúvas semgranjeado
tenham qualquer adiscriminação.
aprovação
atrav és de to da a sua man eira de viver, que tenh am atingido a idade de
sessenta anos e não tenham vínculos domésticos. Dessa questão ele
passa a discorrer sobre os presbíteros e como eles devem se conduzir,
20 · Com entári o das Pastor ai s
1 “En l’estat de prestrise, c’est a dire du ministers" - “para o ofício de presbíteros, isto é, do
ministério.”
Capítulo 1
1. Paulo, apóstolo de Cristo Jesus segundo 1. Paulus apostolus Iesu Christi secundum
0 mandato de Deus, nosso Salvador, e de Cris- ordinationem Dei Salvatoris nostri, et Domini
to Jesus, esperança nossa, Iesu Christi spei nostrae:
2. a Timóteo, meu verdadeiro filho na fé: 2. Timotheo germano filio in fide, gratia, mi-
graça, misericórdia e paz, da parte de Deus
0 sericordia, pax a Deo Patre nostro, et Christo
Pai, e de Cristo Jesus nosso Senhor. lesu Domino Nostro.
3. Como te exortei a permaneceres em Éfe- 3. Qeumadmodum rogavi te ut maneres
so, quando de viagem para Macedonia, que Ephesi, quum proficiscerer in Macedoniam,
ordenasses a certos homens a não ensinarem volo denunties quibusdam, ne aliter doceant;
uma doutrina diferente, 4. Neque attendant fabulis et genealogiis
4. tampouco
nealogias se ocupassem
intermináveis, que de fábulas
mais e ge-
produzem nunquam
bent magisfiniendis, quae quaestiones
quam edificationem Dei, quaeprae-
in
questionamentos do que a edificação de Deus, fide consistit.
que consiste na fé; assim0 faço agora.
Pai
peladeinstrumentalidade
todos no âmbito dadefé,
suaporquanto
Palavra eregenera
pelo po ader
todos os crentes
de seu Espírito, e é
1 Nosso autor, citando de memória, reúne as duas passagens, não com exatidão, mas de
modo a comunicar0 sent ido de ambas.
1 Tim óteo -Capítulo 23 ·
Timóte
trina emosua
a opor-se
purezaaos falsosapelo
. Neste mestres que estavam
para Timóteo a dulterand
cumprir seu devero a dou-
em
3 “II ne recommande pas simplement a Timothee de retener sa doctrine, mais il use d’un mot
qui signifie le vray patron, ou vif portraict d’icelle.”—“Ele não aconselh a meramente a Timóteo que
retenha sua doutrina, mas emprega uma palavraque denota 0 verdadeiro padrão ou perfil vivo dela.”
1 Tim óteo -Capítulo 25 ·
trinas que são totalmente falsas, e que contêm algumas blasfêmias, mas igualmente todas aquelas
especulações inúteis que se prestam para desviar os crentes da simplicidade pura de nosso Se-
nhor Jesus Cristo. Isto é o que Paulo inclui sob0 termo “fábulas”, pois ele tem em mente não só
falsidades deliberadas e manifestas, mas igualmente tudo 0 que é destituído de qualquer utilida-
de, e isto está implícito na palavra que ele emprega. 0 que, pois, Paulo descarta nesta passagem?
Todas as inquirições curiosas, todas as especulações que só servem para incomodar e estressar
a mente,
que ou em É
as ouvem. que nada há
preciso quesenão um claro
se recorde show ou exibição,
prudentemente disto,e pois
que não
maispromove
adiante asesalvação dosa
verá que
razão pela qual Paulo fala delas desta maneira é que a Palavra de Deus deve ser proveitosa [2Tm
3.16], Todos quantos não aplicam a Palavra de Deus ao bom proveito e vantagem são desprezado-
res e falsificadores da sã doutrina.”-Fr. Ser.
6 “Απέραντος significa propriamente interminável. Daí haver também um sent ido implícito
do que é sem proveito. Deveras há quem tome isto como o pon to principal, mas eu creio não ser
judicioso.” — Bloomfield.
I T i m óteo-Ca pítul o I · 27
sua doutrina concorda perfeitamente com a lei, e que são eles que
tentam utilizar-se da lei para algum outro propósito, corrompendo-a
completamente. Também hoje, quando definimos a verdadeira teo-
logia, faz-se plenamente evidente que nós é que desejamos restaurar
algo que f oi miserave lmen te mutilado e desfigurado por es ses hom ens
frívolos que se incham ante o fútil título de teólogos, mas que nada
oferecem senão ninharias degeneradas e inexpressivas. Pelo termo ad-
moestação, aqui, ele tem em mente a lei, tomando a parte pelo todo.
5 . 0 amor que procede de cor ação pur o. Se o objetivo e o fim da
lei é que sejamos instruídos no amor que nasce da fé e de uma cons-
ciência íntegra, conclui-se, pois, que aqueles que desviam seu ensino
para questões motivadas pela cu riosidad e são maus in té rp re te s da lei.
9 “Pour demesler tout ce qu’ils enta sso yent pour esblouir les yeux des simples.” — “A fim de
eliminar tudo aquilo eles amontoam com0 propósito de ceg ar os olhos das pessoas simples.”
1 Timó teo-Capít ulo 29 ·
10 “11donne a chacune vertu son epithet.” — “Ele dá a cada virtude seu título.”
30 · Com entári o das Pastora is
ta r espec ialm ente com o ele fala da fé se m fing imento, significando que é
insincera qualquer profissã o de fé que não se po de com provar po r uma
consciê ncia íntegr a e manifestar-se no amor. Vist o que a salvação do ho-
mem depende da fé, e a perfeita adoração divina consiste de fé, de uma
consciência ínt egra e de a mor, não precisam os sentir-nos surpre sos por
Paul o dizer que estes elementos co nstituem a suma da le i.
6. Desviando-se algumas pessoas dessas coisas. Ele pros seg ue fa-
lando em term os d e um alvo o u de um objetivo a ser alcançado, pois o
verbo άστοχειν, do qual o particípio é aqui usado, significa desviar-se
do alvo ou err ar o alvo .11E sta é uma passag em digna de nota, na qual
ele condena com o falatório vão 12to do ensin o qu e não alm eja este úni-
co propósito, e ao mesmo tempo declara que os talentos e as idéias
de todos quantos almejam algum outro objetivo se desvanecem. É
deveras possível que muitos admirem as questões vazias; todavia, a
afirmação de Paulo perma nece, a saber, que tudo qua nto n ão edif ica os
hom ens na p iedad e é ματα ιολογ ία.13Devemos, po rtanto , n os acau telar
com grand e diligê ncia a fim de bus car na Palavra de Deus t ão-som ente
aquilo que seja edificant e, pois, do con trário, El e haverá d e nos p unir
severam ente por abu sarm os do devido uso de Su a Pal avr a.
7. Desejando passar por mestres da lei. Ele não está aqui repro-
vando diretamente os que publicamente atacavam 0 ensino da lei,
11 “Aqui ele faz uso de uma metáfora extraída do s que atiram com 0 arco; pois têm diante de
si seu alvo para 0 qual aponta, e não atiram displicentemente , ou ao léu. Assim Paulo mostra que
Deus, ao dar-nos a lei, determinou dar-nos uma vi a segura para que não perambulemos com o va-
gabundos. E, de fato, não é sem razão que Moisés exor ta 0 povo: ‘Este é 0 caminho, andai por ele’,
como se quisesse dizer que os homens não sabem aonde vão até que lhes declare sua vontade;
mas então eles têm uma regra infalível. Observemos criteriosamente que Deus tenciona dirigir-
nos de tal maneira que não nos seja possível desviar, contanto que 0 tomemos por nosso Guia,
visto que ele está pronto e disposto a realizar tal ofício, quando não recusarmos tal favor. Isto é
0 que Paulo tem em mente por esta metáfora, quando somos informados que todos quantos não
têm com o se u objetivo confiar na graça de Deus, para que invoquem a Deus como seu Pai, e para
que esperem dele sua salvação, e, aqueles que não vivem com boa consciência e com um coração
puro para com seu sem elhante, sã o pe sso as assim que vaguei am e se extraviam.” - Fr. Ser.
12 “De vanit e et meson ge.” — “Por vaida de e falsidade."
13 “Ματαιολογία tem referência ao interminável e fútil ζητήσεις men cio nad o em 1 Timó teo 1.4,
e denominado χεν οφωνίας em 1 Timóteo 6.2 0; sendo est e diálogo vão e fútil, por implicação, opo sto
ao cumprimento dos deveres substanciais.” -Bloomfield
1 Tim óteo -Cap ít ulo 31 ·
mas, antes, os q ue se orgulhavam de ser m estres dela. Ele diz que tais
pesso as são ca re nte s de entendimen to, visto qu e fatigam se us cére-
bro s inutilmente com questõ es proce den te s da curiosidade.
Ao mesmo tempo, ele repreende sua arrogância, acrescentando
não entendendo, porém, nem mesmo o que dizem, nem do que ousa-
damente asseveram. Pois ninguém é mais radical do que os mestres
desses discursos bombásticos, quando fazem pronunciamentos pre-
cipitados sobre coisas das quais nada sabem. Vemos hoje com que
sobe rba e arrogância os escolásticos da Sorbone tagare lam em torno
de suas decisões. E sobre quais temas? Sobre aqueles que estão com-
pletam ente fora do alca nce da m ente hum ana, e q ue jamais rec eb eram
a confirmação de qualquer palavra ou revelação da Escritura. Nutrem
mais confiança em seu pu rgató rio14 imaginári o do qu e na ressurrei-
ção dos mortos. E quanto às suas invenções acerca da intercessão
dos santos, a menos que as aceitemos como evangelho, vociferam que
tod a a rel igião está sendo subvertida. E o que há para dizer sobre os
imensos labirintos que construíram no tocante às hierarquias ceies-
tiais? A lista é interminável. 0 apóstolo declara que em todos eles se
cumpre o antigo adágio: “A ignorância é atrevida!”, exatamente como
diz em C olossenses 2.1 8: “enfatua dos em sua men te carnal, se introme-
tem naquilo de que nada sabem.”
8. Sabemos, porém, que a lei é boa. 0 apóstolo uma vez mais
antecipa alguma falsa acusação que poderiam lançar-lhe em rosto,
pois se m pre que re sistia as puer is oste nta ções desses hom ens fúteis,
14 “E, no papado, quais são os artigos tidos como indubitáveis?Que anjo, ou que demônio,
lhes revelou que existe um purgatório? Fabricaram-no de seu próprio cérebro, e, depois da tentativa
de produzir algumas passagens das Santas Escrituras, por fim se deixaram desnortear, de modo
que não podem produzirdefesa em prol de seu purgatório, a não ser com base em sua antigüidade.
‘devemos
Ele existe!pôr
Sempr e foi0crido.’
dúvida fato deEsse
que étemos
o fundam ento da
de recorre fé, segundo
r aos os eruditos
santos falecidos papis
como tas.
noss os Eadvogado
então não
s
e intercessores. Ir a Deus sem termos por nossos guias a São Miguel, ou à Virgem Maria, ou a algum
outro santo a quem o papa inseriu em seu calendário para a ocasião,seria de nenhuma valia. Epor
quê? Sobre que base? Porventura acharão em todas as Santas Escrituras uma única palavra, uma
única sílaba que mostre que as criaturas, isto é, pessoas falecidas, intercedem por nós? Pois neste
mundo devemos orar uns pelos outros, que é uma obrigação mútua; mas, quanto às pessoas faleci-
das, nem uma palavra é dita sobre elas.”-Fr. Ser.
32 · Com entári o das Pastor ai s
“transgressores”,
gal, que tem muitoememvez de “injustos”,
comum pois o palavra,
com a segunda grego traz άνομους,
rebeldes. Pelo ile-
termo, pecadores, ele indica as pessoas devassas que vivem uma vida
deprav ada e imoral.
Para os impuros e profanos. Essas palavras são adequadamen
34 · Com entári o das Pastor ais
12. Sou grato para com aquele que me ca- 12. Et gratiam habeo, qui me potentum
pacitou, a Cristo Jesus nosso Senhor, pois que reddidit, Christo Iesu Domino nostro, quod fi-
me considerou fiel, designando-me para 0 seu delem me judicavit, ponendo in ministerium,
serviço; 13. Qui pruis eram blasphemus et perse-
13. ainda que outrora fosse um blasfe- quutor, et violentus, sed et misericordiam
mo e perseguidor e injuriador; mas obtive adeptus sum, quod ignorans feci in incredu-
misericórdia, pois 0 fiz na ignorância e na in- litate.
credulidade.
por nossos vícios, quando há muitas corrupções e desejos perversos, temos de purgar-nos deles;
e a Palavra de Deus nos serve a diversos propósitos: para purificação, para sangria, para beb ida e
para dieta. Em suma, tudo o que os médicos podem aplicar ao corpo humano, para a cura de suas
doenças, não vale a décima par te do q ue a Palavra de Deus realiza para a saúd e de no ssas almas.
Por essa conta, Paulo, aqui, fala da sã doutrina. Pois as pessoas inquisitivas e ambiciosas vivem
sempre num estado de enfermidade; não têm em si saúde; assemelham-se aos desditosos pacien-
tes que perderam seu apetite, que mamam e lambem, mas não podem receber qualquer nutrição.
Mas quando a Palavra de Deus é aplicada d e uma maneira cor reta, há contenda; deflagra-se guerra
cont ra todo e qualque r vício; e a Palavra de Deus os condena de tal maneira que os cor ações dos
homens são tocados e tras passad os - se humilharã o e se encur varào com sincero a rrependimen-
to e gemerão diante de Deu s; e, se nad a mais houver, pelo menos se convence rão de que sentirã o
remorso em seu interior, para que sejam exemplo a todos quantos são totalmente incorrigíveis.
36 Com entári o das Pastor ai s
porquan to Cristo não poderia ter prev isto nele nad a de bom exceto
aquilo que o próprio Pai lhe concedera. E assim permanece sempre
verdadeiro que “não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo con-
trário, eu vos escolhi a vós outro s e vos designe i par a que vades e deis
fruto” [Jo 15.16]. Mas a intenção de Paulo é completamente diferente:
para ele, o fato de Cristo fazer dele um ap óstolo fo rnecia prova de
sua fidelidade. Ele afirma: os que Cristo toma por apóstolos têm de
confessar que foram declarados fiéis pelo decreto de Cristo. Este ve-
redicto não rep ousa sob re a presciê ncia, e, sim, sobre um testem unho
dirigido aos homens, como se ele dissesse: “Dou graças a Cristo que
me chamou para es te ministé rio, e ass im pub licamente declarou que
sanci ona va m inha fide lidade.”18
Paulo agora se volta para outras bênçãos de Cristo, e diz que Ele
o fortaleceu ou o capacitou. Com isso ele quer dizer não só que no
princípio fora form ado pela mão divina, de um a forma tal que ficou
perfeitamen te qualificado par a o se u ofício, mas inclui também a con-
cessão contínua de graças. Porquanto não teria sido suficiente que
uma só o casião h ouve ra sido de clara fie l, caso Cristo não o fortaleces-
se com a constan te com unicação de seu socorro. Po rtanto, ele d iz que
é pela graça de Cristo que fora inicialmente levantado p ara o apostola-
do e po r que agora continua nel e.
13. Blasfemo e perse guid or e injuriador - um blas femo contra
Deus e perseguidor e injuriador contra a Igreja. Vemos quão ingenu
18 “Eis aí 0 apóstolo Paulo que, sendo caluniado por muitas pessoas, como vemos que sem-
pre há cães que ladram contra os servos de Deus, nada almejam senão mantê-los em desprezo, ou,
melhor, fazem com que sua doutrina seja desprezada ou abominada. Desejando fechar as bocas de
tais pes soas, Paulo diz que ele est ava satisfeito de ter a autoridade e 0 direito de Cristo. Como se
quise sse dizer: Os homens podem rejeitar-me, mas a mim basta ser sid o tido como fiel por aquele
que em neste
me pôs si mesmo temdeclarou
ofício, toda a autoridade, e que, sendo
que me reconhecia 0 Juiz
por seu celestial,
servo, pronunciou.
e que 0tencionava Quando ele
empregar-me
na proclamação de seu evangelho. Isso me basta. Que os homens maquinem e caluniem como
queiram, contanto que eu tenha Cristo de meu lado; que os homens escarneçam; isso me será
de nenhuma valia. Pois a decisão pronunciada pelo Senhor Jesus Cristo nunca pode ser anulada.’
Assim vemos qual era a intenção de Paulo, isto é, que ele aqui não quer dizer que Cristo previu
nele algo como sendo a razão pela qual 0 chamou para um ofício tão honroso, mas apenas que,
pondo-o nele, declarou e fez evidente a os homens que te ncionava fazer uso dele.” -Fr. Ser.
38 Com entári o das Pastor ai s
amente ele confessa o que poderia ter sido atribuído contra ele em
forma de censura, e quão longe estava de atenuar seus pecados. Mas,
ao reconhecer espontaneamente sua indignidade pessoal, ele glorifica
a imensurável gr aça de Deus . Não satisfeito em denominar-se d e perse-
guidor, ele expressa su a fúria e indignação ainda mais profundam ente,
recordando quão injurioso havia sido contra a Igreja.
Pois o fiz na ignorância e na incredulidade. “Obtive perdão
pa ra minha incredulidade”, diz ele, “a qual procedia de minha igno-
rância”, pois a perseguição e a violência outra coisa não eram senão
frutos da incredulidade.
Mas ele parece pressupor que só pode haver perdão quando há
um contundente pretexto de ignorância, o que nos leva a perguntar:
se uma pessoa peca conscientemente, Deus jamais a perdoará? Mi-
nha resposta é que devemos atentar para a palavra incredulidade ,19
pois que ela restringe a afirmação de Paulo à primeira tábua da lei.
As transgressões da segunda tábua, ainda que deliberadamente, são
perdoadas; mas aquele que, conscientem ente, viola a primeira tábua
peca contra o Espírito Santo, pois se põe diretamente em oposição a
Deus. Tal pessoa não comete erro por fraqueza, mas por erguer-se em
rebelião contra Deus, que revela um seguro sinal de sua reprovação.
Daqui se pode deduzir uma defini ção do pec ado cont ra o Espírit o
Santo. Em primeiro lugar, é uma dire ta rebelião c ontra Deus, em [franca]
tran sgressã o da prime ira tábua; em segund o lugar, é uma maliciosa rejei-
ção da verdade; pois quando a verdade de Deus é rejeitada, sem malícia
deliberada, o Espírito Santo não é propriamente resistido. Finalmente,
incredulidade é aqui empreg ada como um term o geral; e a intençã o mali-
ciosa, que é o opo sto de ignorância, é a co ndiçã o qualificativa.20
Daí estão equivocados os que sustentam que o pecado contra
19 “Par incredulite, ou, n’ayant point lafoy.”— “Pela incredulidade, ou não ter fé.”
20 Έη la definitiondu peche contre le S. Esprit,Increduliteest le terme general;et le Propos m a-
licieux, qui est l e contraire d’ignoranee, est comme ce que les Dialecticiens appellent la differe
nce,
qui restraint ce qui estoit general.” — “Na definição do pecado contra 0 Espírito Santo, incredulida-
de é 0 termo geral, e intenção maliciosa, que é o oposto de ignorância, pode ser considerado como
aquilo que os lógicos chamam a diferença, a qual limita 0 que era geral.”
1 Tim óteo-C apítulo I · 39
21 “Deve merecer nossa consideração se uma grande porção deste hábil argumento não po-
deria ter sido evitado por meio de uma diferente colocação da passagem. ‘Que outrora fui um
blasfemo e um perseguidor e um opressor (pois 0 fiz movido pela ignorância e incredulidade),
porém obtive misericórdia, e a graça de nosso Senhor foi ricamente abundante, com fé e amor
que estão em Cristo Jesus’.”—Ed.
40 · Com entári o das Pastorai s
14. E a graça de nosso Senhor transbordou 14. Exuberavit autem supra modum gratia
exce ssivam ente co m fé e amor que há em C ris- Domini nostri, cum fide et dilectione, quae est
to Jesus. in Christo lesu.
15. Fiel é a palavra, e digna de toda aceitação, 15. Fidelus sermo, et dignus omnino qui
que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os accipiatur, quod Christus lesus venit in mun-
pecadores, dos quais eu sou 0 principal. dum, ut peccatores salvos faceret, quorum
des. Isto, à primeira vista, pareceria duro de digerir. E por quê? Porque vemos como os homens
sempre tentam escapar da mão divina, e recorrem a muitos meios indiretos. E, quando podem,
lançam mão
intenção?’ deste paliativo:
Quando ‘Eu pretendia
se pode alegar fazer
0 que
isso, cremos queera certo, e por
é suficiente, masquetalnão aceitamserá
paliativo minha boa
de nenhum
valor diante deDeus.”- Fr. Ser.
25 “Qu’il estoit le premier ou le principal de tous les pecheurs.”— “Que ele era0 primeiro, ou
0 principal de todos os pecadores.”
26 “Nostre vocation, e’est a dire , la grace que Dieu nous a faiteen nous appellant.”— Nossa
“
vocação, isto é, a graça que Deus tem exibido em chamar-nos.”
44 · Com entári o das Pastor ais
18. Este encargo confio a ti, meu filho Timó- 18. Hoc praeceptum commendo tibi, fili
teo, segundo as profecias que foram dadas a Timothee, secundum praecedent es super te
teu respeito, para que, movido por elas, com- prophetias, ut milites in illis bonam militiam;
batas 0 bom combate,
19. mantendo a fé e uma cons ciência ín- 19. Habens fidem et bonam conscientiam;
tegra, porquanto alguns, tendo-se desviado a qua aversi quidam circa fidem naufragium
delas, vieram a naufragarna fé. fecerunt:
20. Dentre os quais se contam Himeneue 20. Ex quibus sunt Hymenaeus et Alexan-
Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para der, quos tradidi Satanae, ut discant non
que aprendama não mais blasfemar. maledicere.
18. Este encarg o conf io a ti. Tudo o que disse acerca de sua pró-
pria pessoa e posição, realmente é uma digressão do tem a principal.
Visto ser sua intenção revestir Timóteo com autoridade [ instruere
auctoritate ], ele tinha antes de estabelecer sua própria autoridade su-
prema e refutar os conceitos daqueles que se opunham a ela. Havendo
então comprovado que seu apostolado não deve ser ofuscado em sua
reputa ção, p or have r uma vez lutado con tra o reino de Cristo , e haven-
do removido tal objeção, volta novamente ao tema principal de sua
exortação. O encargo, aqui, é aquele que ele mencion a no início.
Meu filho Timóteo. Ao chamar Timóteo de filho, o apósto lo revela
não só sua i ntensa afeiç ão pessoal po r ele, mas também o recomenda a
outros. Com o fim de encorajá-lo ain da mais, ele lembra-lhe a espécie de
testem
imensaunho
fon teque havia recebido
de segurança para do
ele Espírito deseu
sabe r que Deuministério
s. Porquanto foi uma
receber aa
aprov ação divina, que ele fora chama do med iante revela ção divina mes-
mo antes que fosse eleito pelo sufrágio humano. “Se é vergonhoso não
viver de acordo com as especulaçõ es humanas, quanto mais [vergonho-
so é] invalidar, até o nde vai o nosso pod er de fazê-lo, os juízos divinos.”
Devemos antes en tend er a que profecias ele se r efere aqui. Há quem
pense que Paulo fora instruído mediante revelação especial a conferir
ofício a Timóteo [ut Timotheo munus iniungeret\.Concordo com isso, po-
rém acrescento que outros tiveram participação ness as revelações , pois
não foi sem razão que Paulo fez uso do plural. Por conseguinte, pode-
mos deduzir dessas palavras que diversas profecias foram ministradas
em relação a Timóteo com o fim de recomendá-lo à Igreja.28Sendo ainda
muito jovem, é possível que sua idade lhe granjeasse alg um descaso por
parte da Igreja, e talvez Paulo se tenha exposto a críticas por promover
se
comenvolve m em erros
esse gênero monstruo
de cegueira, sos? É porque
justamente como,De emuscontrapartida,
pune os h ipócritas
um
sincero temor de Deus nos injeta vig or para per severarmos.
Desse fato podemos aprender duas lições. Primeiramente, os
mestres e ministros do evangelho, e através deles toda a Igreja, são
48 · Com entári o das Pastora is
29 “O que é a vida humana, e 0 que é todo 0 seu curso? Uma navegação. Somos não só via-
jantes, no dizer da Escritura [lPe 2.11], mas não temos solidez. Os que viajam por terra, ou a pé,
ou no dorso do cavalo, ainda têm sua estrada segura e firme; mas, no mundo, em vez de estarmos
a pé ou no dorso do cavalo, estamos, por assim dizer, no mar, e não temos algo sólido ond e pôr o
pé. Somos como pe ssoas que se acham num barco, e que estão sempre com a metade do pé já na
morte; e 0 barco é uma sorte de sepultura, porque vêem a água que os cerca pronta para engoli-
1 Timó teo-Capít ulo 49 ·
Ios. Assim se dá conosco, enquanto vivemos aqui embaixo. Porque, de um lado, há a fragilidade
que nos gruda, a qual é mais fluída do que água; e então tudo o que nos cerca é como água, a qual
flui de tod os os lados, enquanto a cada minuto surgem ventos, tempestad es, tormentas. Portanto,
aprendamos que nossa vida é apenas um tipo de navegação, a qual fazemos por água, e que nos
expomos, ao mesmo tempo, a muitos ventos e tormentas. E, se é assim, 0 que será de nós quando
não tivermos um bom barco e um bom piloto?" - Fr. Ser.
50 · Com entári o das Pastor ai s
1. Portanto, exorto, antes de tudo, que se 1. Adbortor igitur, ut ante omnia fiant de-
usem súplicas, orações, intercessões, ações precationes, obsecrationes, interpellationes,
de graças em favor de todos os homens, gratiarum actiones pro omnibus hominibus,
2. em favor dos reis e de todos os que se 2. Pro regibus et omnibus in eminentia
encontram em posição de destaque, para que constitutis, ut placidam et quietam vitam de-
vivamos vida tranqü ila e mansa, com tod a pie- gamus cum omni pietate et honestate.
dade e respeito.
3. Isto é bom e aceitável aos olhos de Deus, 3. Hoc enim bonum et acceptum coram Sal-
no sso Salvador, vatore nostro Deo,
4. 0 qual deseja que todos os homens se- 4. Qui omnes homines vult salvos fieri, et
jam salvo s e cheg uem ao ple no c onh ecim ent o ad agnitionem veritatis venire.
da verdade.
1 “Δεήσεις, se atentarmos para sua implicação etimológic a,ò του δείσθαι, se deriva de ‘estar
àn
em falta’, e é uma petição por ού δεόμεθα,
‘0 que temos falta’. É mui corretamente definido por Gre-
gório Nazianzo, em sua décima quinta Ode: Δέησιν
οϊοό την αϊτησιν ενδεών: ‘considerar que, quando
que vivam,
trados, mas devem
também,não
emsósuas
obedecer àsdevem
orações, leis e ao comando
defender seu dos magis-
bem-estar
diante de Deus. Disse Jeremias aos israelitas: “Orai pela paz da Babilô-
nia, porque, em sua paz, tereis paz” [Jr 29.7]. Eis o ensino universal da
Escritura: que aspiremos o estado contínuo e pacíf ico das autoridad es
54 · Com entári o das Pastor ai s
equalquer
aquelesgoverno,
que dizem
são que não sóà oreligião.
contrários poder Oreal,
quemas também
Paulo afirma todo
tem oe
Espírito Santo como Autor; conseqüentemente, o conceito dos fanáti-
cos não tem outro autor sen ão o diab o.
Se porventura suscitar-se a pergunta se devemos ou não orar em
1 Timó teo-Cap ít ulo2 · 55
favor dos reis de cujo governo não recebemos tais benefícios, minha
resposta é que devemos orar por eles, sim, para que, sob as diretrizes
do Espírito Santo, comecem a conceder-nos essas bênçãos, com as
quais até agora não foram capazes de prover-nos. Portanto, devemos
não só orar por aqueles que já são dignos, mas também pedir a Deus
que converta os maus em bons governantes. Devemos manter sempre
este princípi o: qu e os m agistrados são designados por Deus para a pro-
teção da religião, da paz e da decência públicas, p recisamente como a
terra foi ordenada para produzir o alimento.2Por conseguinte, quando
oramos pelo pão de cada dia, pedimos a Deus que faça a terra fértil,
ministrando -lhe sua bênção, assim devemos consider ar os magistrados
como meios ordinários que Deus, em sua providência, ordenou para
conceder-nos as demais bênçãos. A isso deve-se acrescentar que, se
somos privados daquelas bênçãos que Paulo atribui como dever dos
magis trados no-las fornecer, a cu lpa é nossa. É a ira de Deus que faz com
que os magistrados nos sejam inúteis, da mesma forma que faz com que
a terra seja estéril. Portanto, devemos orar pela remoção dos castigos
que nos sobrevêm em virtude de nossos pecados pessoais.
Em contrapartida, os magistrados e todos quantos desempenham
algum ofício na magistratura são aqui lembrados de seu dever. Não bas-
ta que restrinjam a injustiça, dando a cada um o que é devidamente
seu, e mantenham a paz, se não são igualmente zelosos em promover
a religião e em regulamentar os costumes pelo uso de uma disciplina
construtiva. A exortação de Davi, para que [os magistrados] “beijem o
Filho” [SI 2.12], e a profecia de Isaías, para que sejam pais da Igreja, é de
grande relevância. Portanto, não terão motivo para se congratularem,
caso negligenciem sua assistência na ma nutenção do culto divino.
3. Isso é bom e aceitável. Havendo demonstrado que o manda-
mento qu e ele
mais enérgi co, promulg ara éisso
a saber, que excelente, agoraaapela
é agradável para
De us. umquan
Pois argumento
do sa be
2 “Ne plus ne moins que la terre est destinee a produire ce qui est proprepour nostre nour-
riture.”— “Nem mais nem menos do que a terra se destina a produzir o queé próprio para nossa
nutrição.”
56 · Com entári o das Pastor ai s
agelho]
esperança
é umadaprova
vida concreta
eterna. Em
da suma,
eleiçãovisto que então
secreta, a vocação
Deus[do evan-à
admite
posse da salvação aqueles a quem ele concedeu a bênção de participa-
rem de se u evangelho, já que o evangelho nos revela a justiç a de Deus
que garante o ingresso na vida.
1 Timó teo-Cap ít ulo2 · 57
salvaçãoacerca
testifica de todos aqueles
desse amor aatravés
quem Deus estende seu
das orações chamamento e
piedosas.
É ness a mesm a conexão qu e ele chama Deus nosso Salvador , pois
de qual fonte obtemos a salvação senão da imerecida generosidade
divina? O mesmo Deus que já nos conduziu à sua salvação pode, ao
58 · Com entári o das Pastor ais
mesmo tempo, estend er a m esma graça também a ele s. Aqu ele que já
nos atraiu a si pode uni-l os tam bém a nós. O após tolo co nsid era como
um argumento indiscutível o fato de Deus agir assim entre todas as
classes e todas as nações, porque isso foi predito pelos profetas.
que aqueles
excluídos quesem
para se encontram
pre da espsob o governo
eranç do ção.
a de salva mesmo Deus não são
E também um só Mediador entre Deus e os homens. Sua inten ção,
aqui, tem a mesma conotação daquilo que ele prossegue afirmando
que há um só Mediador . Pois como há um só Deus, o Criador e Pai de
1 Tim óteo-C apítulo2 · 59
3 “Lemos que Cristo é 0 único Mediador no mesmo sentido em que lemos que há um só Deus.
Como há um só Criador do homem, assim há um só Mediador de todos os que morrem antes de
sua vinda,
outro; nãobem como
podiam teraqueles
algum que viram
outro, seu só
porque dia.
háEles tinham
um. Tamb émCristo por seu
poderiam ter Mediador
tido outro ou algum
Criador
além de Deus, como outro Mediador além do homem Cristo Jesus. Com respeito à antigüidade de
sua mediação, de sde a fundação do mundo, ele nos representou quando anda como Mediador ‘no
meio dos sete castiçais de ouro’, com ‘cabelos brancos como a lã’, 0 caráter da idade [Ap 1.14];
como Deus é assim descrito com respeito à sua eternidade [Dn 7.9], Não há senão um só Deus des-
de a eternidade; senão um só Mediador, cuja mediação tem a mesma data da fundação do mundo,
e corre paralelo com ela.” - Charnock.
60 · Com entári o das Pastor ais
nós para que não tivéssemos que buscá-lo para além das nuvens. Aqui
ele está dizendo a mesma coisa, como em Hebreus 4.15: “Porque não
temos sumo sacerdote que não se compadeça de nossas fraquezas,
antes fo i ele tentad o em todas as coisas.”
E se ficasse impresso nos corações de todos os homens que o
Filho de Deus nos estende a mão de irmão, e que está unido a nós por
participar de nossa natureza, quem não escolheria andar nessa vereda
plana em vez de vaguear por trilhos irregulares e íngremes? Por conse-
guinte, semp re que orarm os a Deus, se porv entura a lem brança de sua
sublime e inacessível majestade obscurecer de medo nosso espírito,
lembremo-nos também de que o homem Cristo gentilmente nos con-
vida e nos toma em sua mão, de modo que o Pai, de quem tínhamos
medo e tremíam os, s e nos tor nou favorável e amigável. Eis a única cha-
ve capaz de reabrir-nos a porta do reino do céu, de modo que agora
podem os comparecer confiantes na presença de Deus.
Portanto, ao lon go de todos os tempos, Satanás t em ten tado trans-
tor na r ess a confiança com o fi m de extravi ar os homens. Não digo nada
sobre como antes da vinda de Cristo e le distraía os homens de muitas
e variadas formas, inventando outros meios de se alcançar a Deus.
Desde o princípio da Igreja Cristã, porém, até ao tem po q uando Cristo
acab ara de surgir com o um penh or infinitamente valioso da graça di vi-
na, e quando sua deleitosa e amorável palavra, “vinde a mim todos os
que estais cansados” etc. [Mt 11.28], ainda ressoava por toda a terra,
já havia alguns enganadores vis que apresentavam em seu lugar anjos
mediadores, como se pode facilmente deduzir de Colossenses 2.1-18.
E essa corrupção que Satanás, naquele tempo, inventara em secreto
levou a cabo de tal forma, durante o papado, que dificilmente uma
pessoa entre mil reconhecia a Cristo como Mediador, mesmo nominal-
- e se oao nome
menteE agora, eraDeus
levantar desconhecido, ainda mai
mestr es íntegros
realidade.
s o era a cuja
e piedosos, preocu-
pação tem sido restaurar e trazer de volta ao espírito humano aqueles
grandes e mui notórios princípios de nossa fé, os sofistas da Igreja de
Roma recorrem a tod a so rte de inventos com o fi m de obscurecer algo
1 Timó teo-Cap ít ulo2 · 61
que é tão óbvio. Em primeiro lugar, o nome se lhes afigura tão odioso
que, se alguém menciona a mediação de Cristo sem mencionar a dos
santos, cai imediatamente sob suspeita de heresia. E já que eles não
ousam rejeitar sumariamente o que Paulo diz aqui, então se evadem
com um comentário pueril de que ele é chamado “um só mediador”, e
não “o único me diado r”, como se Paulo hou vera feito menção de Deus
como um entre uma grande multidão de deuses , p orquanto ambas as
afirmações de que há um só De us e um só media dor estã o estreitam en-
te entrelaçadas. Dessa forma, aqueles que fazem de Cristo um entre
muitos devem apresentar a mesma interpretação também em relação
a Deus. Acaso se atreveriam a des trui r a glória de Cristo, se não fossem
impelidos po r su a cega fúria e cinis mo?
Há outros que se imaginam mais engenhosos, fazendo de Cristo o
único Mediador da redenção, enquanto que denominam os santos de
mediadores da intercessão. 0 contexto des ta passagem revela a i nsen-
satez de tal interpretação, visto que Paulo, aqui, está implicitamente
tratan do da oração. 0 Espírito Sa nto nos impel e a orarmos em favor de
todos, porquanto nosso único Mediador concita a todos a virem a Ele,
visto q ue Ele, por interméd io de su a morte, reconcilia todos com o Pai.
Não obstante, aqueles que, com sacrilégio tão ultrajante, despojam a
Cristo de sua honra, desejam ainda ser con siderados cristãos!
Ainda se objeta que aqui parece haver contradição, porque nes-
ta passagem Paul o nos concita a intercedermos por outros, enquanto
que em Romanos 8. 34 ele diz que a obra d e inter cessão per tenc e tão-
somente a Cristo. Minha resposta é que as intercessões pelas quais
os san tos auxiliam uns aos outros não se conflita m com o fato de que
todos eles têm um só Intercessor, porquanto ninguém é ouvido, seja
em seu pró prio favor ou e m favor de outrem, a menos que confie em
Cristo tudo quanto atribuem aos santos. Não é tão fácil assim, pois a
razão pela qual transferem o ofício da intercessão para os santos é
porq ue imaginam que de o utra form a ficariam priva do s de um advoga-
do. Comumente se crê entre eles que necessitamo s de um interces sor,
visto que, por nós mesmos, somos indig nos de compare cer peran te a
face de Deu s. Ao fazerem tal afirmação, es tão priv and o a Cristo da hon-
ra que lhe pertence. É uma chocante blasfêmia atribuir aos santos a
dignidade de granjear-nos o favor divi no. Todos os profetas, apó stolos
e mártires, bem como os próprios anjos, muito longe estão de reivin-
dicar par a si tais prerrogativas , uma vez que eles também necessi tam,
como nós, da mesma intercessão.
Não pass a de m era ficção d e suas imaginações q ue os mortos inter-
cedam pelos vi vos, e basea r nossas orações em ta l conjectura é desviar
completam ente de Deus nossa confiança e nossas orações. Paulo est a-
belece a fé baseada na Palavra de Deus [Rm 10.17] como a forma correta
pa ra se invocar a Deus. Estam os, pois, certíssimos em rejeitar as coisas
imagin árias que a men te hum ana engend ra à pa rte d a Palavra de De us.
Não no s dete ndo no assu nto mais do que a ex po sição da passagem
requer, podemos sumariá-lo, dizendo que aqueles que têm aprendido
da obra de Cristo ficarão satisfeitos somente com Ele, enquanto que
aqueles que não conhecem tanto a Deu s quan to a Cristo criarão medi a-
dore s segun do su a imaginação alienada de Deus . Daqu i concluo que o
ensino dos papistas, que obsc urece e quase que se pulta a mediação de
Cristo, e introduz mediadores fictícios sem qualquer autoridade bíbli-
ca, está impregnado de desconfiança e de tem eridade perv ersa.
6. O qual a si mesmo se deu.4A menção que se faz da redenção
4 “Ele deu-se a si mesmo, άντίλυτρον υπέρ, ‘um resgate por’tod os. Se is so não implica a noção
de vicário,
ca um eu questiono
sentido muito
vicário, em se a linguagem
sua acepção pode expressá-lo.
mais comum Λύτρον
e autorizada. Αντί, que é um resgate
eqüivale que comuni-
em lugar de,
certifica e corrobora ainda mais a idéia. (Αντι, M t 2.22.) Por esta palavra, a Septuaginta traduziu a
palavra ,(tãhhãth).
E que denot a a substituição de um, em lugar de outro, nenhum estudan-
te da linguagem sacra se aventura a negar. (Vejam-se Gn 22.13; 2Sm 18.33; 2Rs 10.24.) Υπέρ, que é
traduzido como por,e denota uma substituição de um no lugar de outro; isto, adicionado a todos,
traduz a expressão como determinante e enfático para 0 propósito como as palavras possivel-
mente podem ser. Assim esc reve Clemente Romano: Tò ab a αυτού εδωχεν υπέρ ημών Ίησοΰς Χριστός
1 Tim óteo -Cap ít ulo2 · 63
ò Κύριος ήμώ ν, χαΐ την σάρχα ΰπερ της εάρχος ημώ ν, χαί την ψυχήν υπέρ τών ψυχών ήμών. ‘Jesus Cristo,
no sso Senhor, deu seu sangue por nós, e sua carne por nossa carne, e sua alma por nossa alma.’
(Efésios 1 e Corintios) Exatamente para0 mesmo propósito, Justino 0 Mártir se expressa: ‘Ele deu
seu próprio Filho em resgate (υπέρ) por nós, 0 santo pelos transgressores, 0 inocente pelos peca-
dores, 0 justo pelos injustos, 0 imortal pelos mortais.’”- Hervey’s Theron andAspasio.
5 “Quand il l’appelle Rancon, ou, Pris de redemption.” — “Quando el e 0 chama o Resgate
ou Preço de nossa
propriamente redenção.”—
0 resgate pago, a “Cristo veio entregar
fim de libertar alguémsuadavida como
morte, ouλύτρον. Ora, λύτρον
seu equivalente, cativeiro, denota
ou da punição em geral. Tem-se provado satisfatoriamente que entre os judeus e os gentios, res-
pectivamente, vítimas peculiares eram aceitas como resgate pela vida de um ofensor, e expiação
por sua ofensa. Ο άντίλυτρον desta passagem é um termo mais estranho do que ο λύτρον de Ma-
teus 20.28, e é bem explicado por Hesych que diz, άνάδοτον, implicando a substituição, em sofrer
punição, de uma pessoa por outra. Vejam-se 1 Corintios 15.3; 2 Corintios 5.21; Tito 2.14; 1 Pedro
1.18. -Bloomfield.
64 Com entári o das Pastor ai s
ainaudita
muitose em perplexidade
chocante. e confusão
Os que se mental, por sser
sentem insatisfeito comuma
estanovidade
resposta,
de que Deus ordenou a sucessão dos tempos através de sua própria
8. Desejo, pois, que os homens orem em 8. Volo igitur orare viros in omni loco,
todo lugar, erguendo mãos santas, sem ira e sustollentes puras manus, absque ira et dis-
sem animosidade. ceptatione.
9. Semelhantemente, que as mulheres se 9. Consimiliter et mulieres in amictu de-
adornem com vestuário modesto, com pudor coro cum verecundia et temperantia ornare
e sobriedade; não com cabelos trançados, ou semetipsas, non tortis crinibus, aut auro, aut
com ouro, ou pérolas, ou com vestuário dis- margaritis, aut vestitu sumptuoso;
pendioso;
10. mas com boas obras (como convém às 1 0 . Sed, quod decet mulieres porfitentes
mulheres que professam a piedade). pietatem, per bona opera.
8. Desejo , pois, que os hom ens orem. Iss o se deduz do que esteve
ju stam ente afirmand o. Como vim os em Gálatas 4.5, para in vocarm os
a Deus corretamente é mister que nos adornemos com “0 Espírito de
66 · Com entári o das Pastor ais
para um coração
dos judeus, puro. Da
repreende-os pormesma forma
levantarem Isaías,sao
a Deu atacar
mãos a crueldade
m anchadas de
sangue [Is 1.15]. Além do mais, tal costume havia sido praticado no
culto, em todos os tempos, pois é algo inerente a nós, que quando
buscamos a Deus olhamos para cima, e tal hábito tem sido tão arrai
1 Tim óteo -Cap ít ulo2 · 67
7 Έη monstrant une con tenance contraire a ce qui es t en le coeur.”— “Por exibir uma apa-
rência oposta ao que est á em seu coração. ”
68 · Com entári o das Pastor ais
devem estar em paz tanto com Deus quanto com os homens, e conse-
qüentemente esteja livre de toda e qualquer influência perturbadora,
pois nada impede mais a oração sincera do que intrigas e desavenças.
Essa é razão por que Cristo também ordena: se alguém tem alguma
questão com seu irmão, então deve reconciliar-se com ele antes que
traga sua of erta ao al tar [Mt 5.24].
Em minha opinião, ambas essas interpretaç ões são perfeitamente
compat íveis, mas quando con sidero o contexto da presen te passage m,
não tenho dúvida de que Paulo tinha em mente as animosidades que
procediam do ódio que os judeus sentiam em ter os gentios em pé de
igualdade com ele s; e, portanto , suscitara-se uma controvérsia so bre
a realidade de seu chamamento, e chegaram ao extremo de os rejei-
tar e os excluir da participação na graça. Por isso Paulo desejava que
as dissensões desse gênero fossem evitadas, para que todos os filhos
de Deus, de qualquer r aça ou nação, orassem ju ntos como um só co -
ração. Entretanto, não há razão por que não devamos deduzir algum
ensino geral dessa situação específica.
9. Semelhantem ente, as mulheres. Do modo como ordenara aos
homens que erguessem mãos puras, ele agora ministra instruções
sobre a maneira como as mulheres devem preparar-se para orarem
corretamente. Parece haver um contraste implícito entre as virtudes
aqui recomendadas e os ritos externos purificantes do judaísmo. Pois
ele afirma que não existe lugar profano, e que em todos os lugares,
tanto homens qu anto m ulheres, podem ter acesso à presença de Deus,
contanto que seus víci os não lhes obstruam os passos.
Além do mais, aproveitando a oportunidade, era sua intenção
corrigir um vício ao qual as mulheres são quase sempre propensas. É
possível que em Éfeso, cidade de grande riqueza e de famosos merca-
11. A mulher aprenda em quietude com 11. Mulier in quiete discat, cum omni sub-
toda sujeição. jectione.
12. Não permito, porém, que uma mulher 12. Docere autem muliere non permitto,
ensine, nem que exerça autoridade sobre o neque auctoritatem sibi sumere in virum, sed
homem; esteja, porém, quieta. quietam ess e.
porque ela foi criada por último, não aparenta muita força, pois João
9 “II commande done qu’elles demeurenten silence; c’est a di re, qu’elles se contiennent de-
dans leurs limites, et la condition de leur sexe.” — “Ele, pois, lhes ordena a que ficassem em
silêncio; isto é, manter-se dentro de se us limites e da condição de seu sexo.”
10 “Que la femme par son peche amendast son condition.”
72 · Com entári o das Pastor ais
seu
que pecado, de modo
a que tivera antes.que a subm issão se tornou menos voluntária do
Ademais, alguns têm enco ntrad o nes ta passagem justificativa para
o ponto de visto de que Adã o não cai u po r seu próprio erro, senão que
apenas foi vencido pelas fascinações de sua esposa. Acreditam que
somente a mulher fo i enganada pela astúcia da serpente, ao crer que
ela e seu esposo seriam como deuses. Mas Adão não ficou tão persu-
adido, e provou o fruto só para satisfazer o capricho de sua esposa.
Tal ponto de vista, porém, é fácil de se refutar, porque, se Adão não
houvera crido na mentira de Satanás, Deus não o teria repreendido,
dizendo: “Eis que o homem é como um de nós” [Gn 3.22]. Há outros
argumentos que deixo de menc ionar, porqu e não há n ecessidade de se
fazer extensa refutação de um erro, quando o mesmo repo usa sobre a
mera conjectura. Com essas palavras Paulo não quer dizer que Adão
não fora envolvido na mesm a ilusão diabólica,1 2s enão que a ca usa e
fonte de sua transgressão vieram de Eva.
15. Mas ela será salva. A debilidade de sua natureza feminina
torna a mulher mais tímida e arredia, e o que Paulo tem afirmado pre-
sume-se que perturba e confunde até mesmo os espíritos mais viris. E
assim o apóstol o modifica o que dissera , adicionand o uma consolação;
pois o Espírito de Deus não nos acusa nem nos repreende com o fim
de cobrir-nos de humilhação e em seguida triunfar-se sobre nós. Ao
contrário, ao humilharmo-nos em sua presença, uma vez mais nos põe
de pé. Isso, como já disse, poderia reduzir as mulheres ao desespero,
ouvindo elas que to da a ruín a da raç a hum ana lhes é atri buíd a.13Então,
que juízo divino será esse que lhes sobrevirá? - pergunta essa que tor-
na todas ainda mai s debilitadas diante da inin terrupta consciência de
que sua submissão é um emblema sempre presente da ira divina. Daí
Paulo, procurand o confortá-l as e tornar-lhes su a condição suportável,
lembra -lhes que , em bora sofram o castigo temporário, a esper ança da
salvaçã o perm anece diante de seus olhos. 0 efeito posit ivo desta con-
que,
dida ao
pormesmo
Deus. tempo,
A isso se recusasse
podemos a aceitarque
adicionar a vocação
nenhumaa ela conce-
consolação
podia ser mais apropriada ou mais eficaz do que demonstrar que na
punição propriamente dita estão os meios (por assim dizer) de asse-
gurar-se a salvação.
1 Timó teo-Cap ít ulo2 · 75
casa, respeito
todo criando seus filhos em submissão, com beat in subjectione, cum omni reverentia.
5. (se um homem, porém, não sabe gover- 5. Quodsi quis propriae domui praeesse
nar sua própria casa, como irá cuidar ele da non novit, ecclesiam Dei quomodo curabit?
igreja de Deus?);
6. não seja neófito, para não suceder que se 6. Non novicium, ne inflatus in condemna-
ensoberbeça e incorra na condenação do diabo. tionem incidat diaboli.
7. Além do mais, deve desfrutar do bom 7. Oportet autem illum et bonum testi-
testemunho dos de fora, a fim de não cair no monium habere ab extraneis, ne in probum
opróbrio e no laço do diabo. incidat et laqueum diaboli.
pesada. A faz
das coisas ignorância é sempre
u m homem precipitada,
modesto. e um
A razão po discreto
r que homensdiscernimento
destituídos
de habilidade e de sabedoria às vezes aspiram temer ariament e assumir
1 “Ou, Si aucun a affection d’estre evesque.”— “Ou, se alguém sente0 desejo de s er bispo.”
1 Timó teo-Cap ít ulo3 · 79
mas também
próprios e dedevem, fazer ummesmo
seu trabalho, espontâneo
antesoferecimento a Deus,
de serem eles admde si a
itidos
algum ofício eclesiástico; contanto que não forcem seu ingresso, nem
sequer sejam movidos por seu próprio desejo a se iniciarem como bis-
pos; senão sim plesmente que se disponham a aceitar o ofício, caso se
80 · Com entári o das Pastora is
2 “Saibamos que 0 Espírito Santo, falando dos que são ordenados ministros da Palavra de
Deus, e que são eleitos para o governo da Igreja, os chama pastores. E por que? Porque Deus quer
que sejamos um rebanho de ovelhas, para que sejamos guiados por Ele, ouçamos sua voz, siga-
mos sua orientação e vivamos em paz. Visto, pois, que a Igreja é comparada a um rebanho, os que
têm o encargo de guiar a Igreja pela Palavra de Deus são chamados pastores. E, assim, a palavra
pasto r significa ancião, não quanto à idade, mas em relação ao ofício; como, em todos os tempos,
os quetem
Santo governam foram
retido esta chamados
metáfora, dandoanciãos, inclusive
0 título ancião entresãoasescolhidos
aos que nações pagãs. Agora0 Espírito
para proclamar a Pa-
lavra de Deus. De igual modo, ele os chamabispos,por serem pessoas que velam sobre 0 rebanho
para mostrar que ele não é de uma class e des acompanhada de empenho ativo, quando um homem
é chamado a esse ofício, e que não deve fazer dele um ídolo, mas deve saber que é enviado para
granjear a salvação das almas, e deve tudo fazer, e vigiar, e labutar com esse propósito. Vemos,
pois, a razão destas palavras; e vis to que o Espírito Santo as deu a nós, devemos retê-las, contanto
que sejam aplicadas a um bom e san to uso. ” - Fr. Ser.
1 Tim óteo-C apítulo3 · 81
3 “Et non pas lepremier qui se pourroit presenter.”—“Enão0 primeiro que pos sa oferecer-se.”
deixa ΆνεπΙληπτον
4 seu — “Estedele’;
adversário apoderar-se é propria
mas mente
às vezesum(como
termoaqui)
antagônico, significando
é aplicado ‘alguém que
metaforicamente a al-não
guém que não dá a outrem razão para acusá-lo. Assim Tucídides, v. 17, άνεπίληπιον είναι. “Tal (diz
um célebre escritor) é a perfeita purezade nos sa religião, tal a inocência e virtude que ela demanda,
que aquele que se entrega a ela tem de ser um homem muito bom.’E quando consideramos ainda
maior requisito em um mestre de religião (que deva ser um exemplo para outrem), e refletimos
sobre a injúria que se faz à religião da parte dos falsos mestres, quanta razão ali transparecerá que
es se alguém deve ser, no dizerdo apóstolo, imaculado." - Bloomfield.
82 · Com entári o das Pastora is
ria mai s um homem casado. Mas tanto aqu i como no primeiro capítulo
de Tito, as palavras de Paulo eqüivalem “que é marido”, não “que foi
ma rido ”; e, fina lmente, n o capítulo cinco, quan do tra ta ex pressa m ente
das viúvas, ele usa no tempo passado o particípio que aqui está no
tempo presente. Além disso, se essa fosse sua intenção, ter-se-ia con-
trad itad o ao qu e diz em 1 Coríntios 7 .35, que não desejava pôr um laço
desse gênero às suas consciênci as.
A única exegese corr eta é a de Crisóstomo, que o con sider a como
uma ex pressa p roibição d e poligamia 5na vida de um bispo, numa épo-
ca quando ela era quase legal entre os judeus. Tal coisa se srcinou
em pa rte de um a perve rsa imitação dos antigo s pais - pois li am que
Abraão, Jacó, Davi e outros foram casados com mais de uma esposa,
concom itantemente, e ass im criam que lhes era permitido proceder da
mesma forma -, e em parte ela era uma corrupção ap rendid a dos povos
circunvizinhos, porquanto os homens orientais nunca observaram o
matrim ônio co nscien ciosa e fiel mente . Mas ainda que isso fosse assi m,
a pol igamia certame nte era muito prevalecente entre os judeus,6e era
opo rtuno que Paulo i nsistisse e m que um bispo deveria ser um a pessoa
isenta de tal nódoa. E , no entanto, não disc ordo in teiram ente daqueles
que pensam que aqui o Espírito Santo estava impondo-lhes vigilância
contra a diabólica superstição surgida em torno deste assunto pouco
depois; como se dissesse: “Os bispos não devem ser compelidos ao
celi bato, porque o matrimônio é u m estad o sublimem ente apropriado
à vida de todo s os c rentes.” Isso não dem andaria que devessem casar-
se, mas simplesm ente enaltece o matrim ônio como sendo ele de for ma
alguma incompatível com a dignidade de seu ofício.
Minh a interpre tação p essoa l é mais simples e melhor fundamenta-
da, a saber, que Paulo está proibindo aos bisp os a prática d a poligamia
por ser ela o estigm a d e um ho mem im pudico que não obse rv a a fide-
5 “Qu’il condamne en I’Evesque d’avoirdeux femmes ensemble vivantes. ” — “Que ele conde-
na num bispo ter ele duas esposas vivendo ao mesmo tempo.”
6 “La polygamie estoit une chose toute commune entre les Juifs.”— “A poligamia era uma
cois a muitíssimo comum entre os judeus.”
1 Tim óteo -Cap ít ulo3 · 83
7 s;“Νηφάλιον,
cente “vigilante ou
por exemplo, Phavorinus. circunsp
Aforça ecto”. Nesse
da palavra é bem sen
exptido
ressaa pela
palavPeschita
ra ocorre nos a,
, Siríacescritores
“mente re-
sempre vigilante”. Em vez de νηφάλιον (a redação de muitos entre os melhores Manuscritos e
em todas as edições antigas), Beza introduziu νηφάλεον mas sem qualquer razão suficiente; e a
primeira foi corretamente restaurada por Wetstein Griesbach, Matthaei, Tittnhann e Vater. Aqui,
pois, temos uma qualidade sugerida pelo próprio termo έπισχοπος, que implica superintendência
vigilante.” - Bloomfield.
8 “Recueillant volontiers les estrangers;” — “De bom grado, recebendo em cas a estra nhos. ”
84 · Com entári o das Pastor ais
9 “Que cada um saiba que as virtudes que aqui são requeridas em tod os os ministros da
Palavra de Deus visam a dar um exemplo ao rebanho. É altamente próprio que cada um saiba
que, quando lemos que os ministros devem ser sábios, temperantes e de bom comportamento
moral,
três ou para quemas
quatro, outros
parasetodos
conformem aoEste
em geral. seu éexemplo; pois0essas
o modo como coisas
exemplo dossão ditas deve
homens não só para
ser-nos
proveitoso, na medida em que se conduzirem com propriedade, segundo a vontade de Deus. E
se divergirem mesmo que seja por bem pouco, não devemos ceder-lhes tal autoridade para não
segui-los por ess a conta; mas devemos atentar bem para 0 que Paulo diz: que devemos seguir os
homens na medida em que se conformarem inteiramente à pura Palavra de Deus e forem imitado-
res de Jesus Cristo, guiando-nos na vereda reta.”- Fr. Ser.
10 “Ilfaut quetels s’employent aautrechose.”—“Taispessoas devem serempregadasem algomais.”
I Timó teo-Capítul o3 · 85
E o que se exi ge aqui não é pro priam ente um a língua levi ana, porq uan to
nos deparamos com muitos cuja livre fluência nada contém que sirva
para edificar. Paulo es tá, ante s, rec om endando sabedoria no tr aquejo de
aplicar a Palavra de Deus visando à edificação de seu povo.
É digno de nota o fato de que os papistas sustentam que neste
ponto as regras de Pau lo não se aplica m a eles. Não entr arei em to dos
os detalhes; mas, neste ponto, que sorte de preocupação eles mos-
tram no toca nte ao q ue Paulo di z? Para e les, o dom d a docên cia é a lgo
completamente supérfluo, o qual rejeitam como sendo vil e ordinário,
ainda que, para Paulo, fosse uma preocupação especial e o principal
cuidado dos bispos. Todos el es sabem quão longe est ava da intenção
de Paul o de poderem eles assum ir 0 título de b ispo e vangloriar-s e de
ser um manequim que nunca fala, senão que só aparecem em públi-
co vestidos de vestes teatrais. Como se uma mitra chifruda, um anel
ricamente engastado de jóias, uma cruz de prata e outras bagatelas
mai s, acom panh ados de uma exibi ção ociosa constit uíssem o govern o
espiritual de uma igreja, a qual de fato não pode separar-se do ensino
mais que a um homem é possível separar-se de sua alma.
3. Não dado a muito vinho. Com o te rm o πάρο ινον11 os gregos
descreviam não apenas a embriaguez, mas qualquer tipo de descon-
trole ao beber vinho. Beber com excesso não é só indecoroso num
pasto r, m as geralm ente resu lt a em m uit as coisas ain da pio res, ta is
como rixas, atitudes néscias, ausência de castidade e outras que não
carecem de m ençã o.
Não amante do din hei ro.12 A antítese seguinte mostra que Paulo
vai ainda mais longe, porque, assim como ele contrasta um agressor
com algué m qu e é manso, e u ma p essoa q ue deseja lucros desonestos,
11 “Alguns exp osit ores , antigos e moder nos, tomam isto como equiva lente a υβριστήν ou
αυθάδη; 0 que é, de fato, apoiado por três vícios nesta cláusula, opondo-se a três virtudes na se-
guinte. Mas, consid eran do que t em os em 1 Timóteo 3.8 a exp res são μή οϊνφ προσέχοντας usada para
os diáconos, aqui pelo menos 0 sentido físico deve ser excluído; e, segundo 0 mesmo princípio
da exegese correta, deve vir primeiro. Na palavra πάροινος, παρά significa “além de”, denotando
exce sso . Assim, a expressão em Habacuque 2 .5, “ele transgride por vinho” . - Bloomfield.
12 “Ne conv oiteux de gain des hon nes te.” — “Não ávido por ganho desonr oso .”
86 · Com entári o das Pastor ais
com alguém dest ituíd o de cobiça, assim ele co ntrasta um τφ παροίνω be-
bedor de vinho, com alguém que é manso e bondoso. A interpretação de
Crisóstomo é correta, a saber, que os homens inclinados à embriaguez e
à violência devem ser excluídos do ofício episcopal. Mas, quanto à sua
opinião de q ue um agr esso r significa alguém que agrid e com sua língua,
isto é, que se entrega a calúnias ou a acusações injuriosas, não me é
possível concordar. Não me sinto convencido por seu argumento de que
não é de m uita relevânci a se um bispo é ou não um homem que fere c om
as mãos, pois creio que, aqui, Paulo está repreendendo de uma forma
geral a ferocidade militar comum entre os soldados, mas que é com-
pletamente imprópria nos servos de Cristo. É notório quão ridículo é
esta r mais disposto a dar um murro ou puxar a espada do que apaziguar
as rixas de outras pessoas pelo exercício da autoridade responsável.
Portanto, com o termo “violento” Paulo quer dizer aqueles que fazem
muitas ameaças e que são de tempe ramen to belicos o.
Todas as pessoas cobiçosas são amantes do dinheiro. Pois toda
avareza traz sobr e si ess a vileza de que o ap óstolo est á falando. “Aque-
le que qu er ficar rico , tam bém que r ficar rico de pre ssa”, disse Juven al.13
0 resultado é que todos os cobiçosos, ainda que sua cobiça não se
manifeste francamente, devotam-se a adquirir lucros desonestos e ilí-
citos. Co m es se vício ele cont ras ta o desin tere sse pelo dinheiro, já q ue
não existe outro meio de corri gir-se. Repi to que, aquele que nã o supor-
tar a pobreza paciente e volunta riamente, inevitave lmente se tornará
uma vítima da vil e sórdida cobiça.
Com o violento ele contrasta aquele que é gentil; não contendo-
so. Pessoa mansa ou amável é o oposto de pessoa que se entrega ao
vinho, e é uma palavra usada por quem sabia como suportar as injú-
rias pacificamente e co m mode ração, qu e perdo ava muito, que eng olia
dem andas e rixas, como ele mesmo escreve: “Os serv os d o Senhor não
devem ser contenciosos” [2Tm 2.24].
4. Alguém que gove rne bem sua própria casa. Paulo não está
a exigir de um bispo que o mesmo seja inexperiente na vida humana
ordinár ia;14antes, porém , que seja um bom e prova do chefe d e família.
Porquanto, seja qual for a admiração comumente direcionada para o
celibato e para uma vida fil osófica e comple tame nte desligada do viver
comum, contudo os homens sábios e precavidos estão convencidos,
pela própria experiência, de que aqueles que conhecem a vida comum
e são bem práticos nos deveres que as relações humanas impõem,
estão melhor preparados e adaptados para governar a Igreja. No pró-
ximo versículo ele explica i sso, dizendo qu e aquele qu e não sab e como
governar sua própria família não está apto para governar a Igreja de
Deus. Ora, esse é na verdade o caso de mu itos bispo s e de quase todo s
os que vivem por m uito tempo uma vida ociosa e solitá ria15 à seme-
lhança de animais em covis e cavernas; pois são como selvagens e
destituídos de tod a humanidade .
Criando seus filhos em submissão, com todo respeito. Mas o ho-
mem que aqui conquista a aprovação do apóstolo não é aquele que é
engenhoso e profundamente instruído nos assuntos domésticos, mas
aquele que aprendeu a governar sua família com saudável disciplina.
Sua referência é especialmente aos filhos, de quem se espera, saibam
refletir a disposição de seu pai. Por conseguinte, seria uma imensa
desgraça para um bispo que tenha filhos que levam vida dissoluta e
escandalosa. Das viúvas ele trata mais adiante; aqui, porém, como já
disse, ele toc a de leve na principal pa rte da vida familiar.
No primeiro capítulo de Tito [1.6], ele mostra o que pretende ao
usar a palavra respeito. Pois havendo dito que os filhos de um bispo
14 “Que 1’Evesque ne sache que c’est de vivre auMonde.”— “Que0 bispo não saiba0 que é
viver no mundo.”
15 “C’est a dire, dela moinerie.”— “Isto é, domonacato.”
88 · Com entári o das Pastora is
16 “A casa de um crente deve assemelhar-se a uma pequena igreja. Os pagãos quenão sabiam o
que é uma igreja, diziam que uma casa é apenas uma imagem e figura de qualquer governo público.
Um pobre homem, vivendo com sua esposa, filhos e servos, deve ser em sua casa como um gover-
nante público; mas os cristãos devem ir além disso. Cada pai de uma família deve saber que Deus
0 designou para tal lugar, para que saiba como governar sua esposa, filhos e servos; de modo que
Deus seja honrado no meio deles e todos lhe prestem homenagem. Paulo fala de filhos; e por que?
Porque aquele que deseja cumprir seu dever como pastor de uma igreja deve ser c omo um pai para
todos os crentes. Ora, suponhamos que um homem não possa governar dois ou três filhos que tem
na
tudocasa. Sãoeleseus
0 que lhespróprios filhos,
diz. Como, e contudo
pois, ele não
ele será apto consegueosmantê-los
a governar em sujeição;
que se acham são surdos
à distância, e que sea
pode dizer lhe são desconhecidos, que inclusive recusam tornar-se mais sábios e acreditam que
não têm necessidade de ser instruídos? Como será apto a manter os homens em temor quando sua
própria esposa não se lhe sujeita? Portanto, não achemos estranho caso se requeira de todos os
pastores que sejam bons pais de uma família e saibam o que significa governar bem seus próprios
filhos. Não basta condenar os filhos, mas devemos condenar seus pais, quando permitem que seus
filhos sejam piores que os demais.”-Fr. Ser.
1 Tim óteo -Cap ít ulo3 · 89
17
e modernos, “As
entendida εις
palavrasno κρίμα
sentido έμπέση
de cair τού
na mesma Διαβόλου
condenação são, que
e punição pela0maio riacaiu
diabo dos mo-
exposito res antigos
vido p elo orgulho, 0 que é sustentado pela autoridade da Peschita Siríaca. Diversos expositores
eminentes, desde Lutero e Erasmo para cá, tomam τού Διαβόλου no sentido de ‘caluniador’, ou
inimigo a difamar0 evangelho, send o o substantivo, dizem eles, usado genericamente para aque-
les que buscam ocasião para caluniar os cristãos; mas, como observa Calvino, ‘raramente sucede
que ‘juízo’ significa calúnia’. Além do mais, a expressão Διάβολος deveria então ser tomada no
sentido de conde nação justa.”- Bloomfield.
90 · Com entári o das Pastora is
grande ousadia na fé em Cristo Jesus. tam libertatem in fide, quae est in Christo Iesu.
18 “Que le nom d’Evesque estoit commun a tons prestres. et qu’entre prestre et eves que il
n’y a nulle difference." — “Que0 termo bispo era comum a todos os presbíteros, e que não há
diferença entre presbítero e bispo.”
1 Timó teo-Cap ít ulo3 · 91
mente ignorantes
ministram na fé
conselhos cristã, especialmente
e conforto porque
a outros, caso freqüentemente
não queiram negligen-
ciar seus deveres. Ele adiciona ainda: numa consciência íntegra, a qual
se estende por toda a sua vida, mas tem especial referência ao seu
conhecimento de como servir a Deus.
92 · Com entári o das Pastor ai s
10. E que sejam antes provados. Ele quer que aqueles que são
escolhidos para o ofício de diáconos sejam homens experientes, cuja
integridade tenha sido comprovada, justamen te como no caso dos bis-
pos. Daqui se torna óbvio que ser irrepreensível significa ser livre de
qualquer vício notório. E esse processo de comprovação não é algo
que dure apenas uma hora, mas consiste de um lon go período de pro-
va. Numa palavra , a designação d e diáconos n ão deve con sistir de uma
escolha precipitada e fortuita de algué m que se encontr a à mão, senão
que a escolha deve ter por base homens que se recomendem por sua
anterior maneira de viver, de tal forma que, depois de serem submeti-
dos a um interrogatório, seja m investigados profundamente antes que
sejam declarados aptos.
11. Da mesma sorte, que as mulheres. Sua referência aqui é às
esposas tanto dos bispos quanto dos diáconos, pois elas devem ser
auxiliadoras de seus esposos no desempenho de seus ofícios, coisa
que só podem fazer se o seu comportamento for superior ao das de-
mais pessoas.
12. Que os diáconos sejam. Havendo mencionado as mulheres,
uma vez mais Paulo estabelece para os diáconos o que já havia re-
querido dos bispos, a saber, que cada um viva contente com uma só
esposa; seja um exemplo de castidade e vida familiar honrada e que
conser vem seus filhos, bem como to da a su a família, em santa discipli-
na. Esta passagem claramente refuta os pontos de vista daqueles que
tomam esta seção como que tratand o dos se rvos d om ésticos.19
13. Os que servirem bem. Diante da prática de se escolherem
presbíteros dentre os diáconos, a qual foi introduzida no primeiro e
segundo séculos depois da era apostól ica, esta passagem passou a ser
considera da como a referir-s e à transição de um status a out ro mais ele-
19 “Des serviteurs domestiques, etnon pas des diacresde 1’Eglise.”— “Aos servos domésti-
cos, e não aos diáconos da Igreja.”
1 Timó teo-Cap ít ulo3 · 93
ver, sem negar que o diaconato possa às vezes ser o berçário donde os
presbíteros são escolhidos, todavia prefiro uma explicação mais sim-
pies das palavras de Paulo, ou seja, que aqueles que se desincumbiam
bem d esse m inistério eram dignos de não pouca honra, pois não é uma
tarefa servil, e, sim, um ofíc io de mu ita preeminência. Ao expressar-se
assim, ele realça quão proveitoso é para a Igreja que esse ofício seja
desempenhado por homens criteriosamente escolhidos, pois o santo
desempenh o de sses deveres granj eia estima e reverê ncia.
Entretanto, quão absurdo é o fato de os papistas, em sua desig-
nação de diáconos, ignorarem as instruções de Paulo. Primeiramente,
para que designam diáconos senão para que levem o cálice em procis-
são e para impressionar os ignorantes com todas as so rtes de exibições
ridículas? Aliás, nem mesmo obser vam isso, pois sequ er cons tituiu um
diácono nestes últimos quinhentos anos, a não ser com a intenção de
os promo ver ao sacerdócio q uase que imediatamente . Que cínica hipo-
crisia é vangloriar-se de avançar para um posto de mais proeminência
a homens que ministram bem como diáconos, quando, na verdade,
jamais cum priram um único dever do diaconato.
Grande ousadia na fé. 0 apóstolo tem boas razões para acrescen-
tar esse detalhe; pois nada tende mais a produzir ousadia do que uma
boa consciência e uma vida livre de maldade e reprimenda; assim como,
em contrap artida, uma má consciência inevitav elmente traz consigo a
timidez. Pois ainda que tais pessoas às vezes se gloriam de sua liber-
dade, esta não é uma liberdade completa ou durável, e não desfruta de
nenhum fundamento sólido . P ortanto, ele descreve o tipo de liberdade
que tem em mente. Na fé em Cristo Jesus, diz ele, significando aquela
liberda de que lhes p ermi ta servi r a Cristo c om maior ousadia. Da mes-
ma forma, aqueles que têm fracassado em seus deveres têm também
14. Escrevo-te ess as coisas, esperando ir 14. Haec tibi scribo, sperans brevi ad te
ver-te em breve; venire.
15. mas, se eu tardar, que saibas com o os 15. Quodsi tardavero, ut videas quomodo
homens devem portar-se na casa de Deus, oporteat in domo Dei versari, quae est Ec-
que é a igreja do Deus vivo, a coluna e o fun- cles ia Dei viventis, columna et firmamentum
damento
16. E, da
semverdade.
dúvida alguma, grande0misté-
é 16. Et sine controvérsia magnum esveritatis.
t pieta-
rio da piedade: Deus se manifestou nacarne, tis mysterium; Deus manifesfaíus es t in carne,
foi justificado no espírito, contemplado pelos justificatus in Spiritu, visus Angelis, prae-
anjos, proclamado entre os gentios, crido no dicatus, Gentibus, fidem obtinuit in mundo
mundo, recebido na glória. receptus es t in gloria.
20 “Les Evesques, e’est a dire, pasteurs de 1’Eglise.”— “Bispos, isto é, pastores da Igreja.”
1 Timó teo-Cap ít ulo3 · 95
sua casa, pois Ele não só nos tem recebido como seus filhos medi an-
te a graça da adoção, mas também, Ele mesmo, habita pessoalmente
entre nós.
Ao ser denominada coluna e fundamento da verdade, tal dignidade
atribu ída ã Igre ja não é alg o ordinário. Ora, que ter mo s mais sublimes
poderia ele ter usado para descrevê-la? Porquanto não existe nada
mais venerável e santo do que aquela verdade que abrange tanto a
glória de Deus quanto a salvação do homem. Fossem todos os lou-
vores que os admiradores esbanjam em referência à filosofia pagã,
reunidos num montão, o que seria isso comparado com a excelência
des sa sab edo ria celestial, a única que leva o título de a luz e a verdade
e a instru ção par a a vida e o caminho e o reino d e Deus? Esta verdade,
porém, só é preservada no m undo através do ministério da Igreja. Daí,
que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se
tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável! Quão cínicas
são as bagatelas qu e os papista s inferem das palavr as de Paulo, de que
todos os seus absurdos devam ser considerados oráculos de Deus,
visto que são colunas da verdade e, portanto, infalíveis!
Em primeiro lu gar, porém, tem os de examinar por que Paulo hon ra
a Igreja com um título tão proeminente. Evidentemente, ele desejava,
ao realçar aos pastores a grandeza de seu ofício, lembrá-los com que
fidelidade, diligência e reverência devem desempenhá-lo, e ao mesmo
tempo quão terrível é a retribuição que os aguarda, caso, por sua cul-
pa, esta verdade, que é a imagem da glória de Deus, a luz do mundo e
a salvação dos homens, seja prejudicada. Certamente, esse pensamen-
to deve imbuir os pastores da gradiosidade de sua tarefa; não para
desencorajá-los, mas p ara compeli-los a uma vigilâ ncia mais intensa.
Daqui se torna fácil deduzir o sentido que tinham as palavras de
Paulo. A Igreja
rio, a verd ade é épre
a coluna
serv adadae verdade porque,
difundida. De us através
mesmo denãoseu ministé-
desce do céu
para nós, nem diariamente nos envia mensageiros angelicais para que
publiquem sua verdade, senão que usa as atividades dos pastores, a
quem destinou para esse propósito. Ou, expondo-o de maneira mais
96 · Com entári o das Pastor ais
na
nãodasóverdade, segue-se
se encontra que ela
sepultada, masnão está entre
também eles, onde destruída
horrivelmente a verdade
e pisoteada. Paulo não reconhece a existência da Igreja exceto onde a
verdade de Deus é exaltada e esclarecida. No papado não há qualquer
evidência de tal procedimento, senão unicamente desolação e ruína.
1 Timó teo-Cap ít ulo3 · 97
altura, a largura,
ele menciona em oEfésios
comprimento
3.18, e epelo
a profundidade da sabedoria
que nossas faculdades sãoque
inevi-
tavelmente subjugadas.
Examinemos agora as diferentes cláusulas deste versículo em sua
ordem. A descrição mais adequada da pessoa de Cristo está contida
98 · Com entári o das Past orai s
21 “Pela palavra carne, Paulo declara que Cristo era verdadeiro homem, e que se vestiu de nos-
sa natureza; mas, ao mesmo tempo, pela palavra manifestado ele mostra que havia duas natureza s.
Não devemos imaginar um Jesus Cristo que seja Deus e outro Jesus Cristo que seja homem; mas de-
vemos saber que ele mesmo é, respectivamente, Deus e homem. Distingamos suas duas naturezas,
para que saibamos que este é 0 Filho de Deus que é nosso irmão. Ora, eu disse que Deus permite que
as antigas heresias, com as quais a Igreja foi atribulada, revivam em nosso tempo, a fim de excitar-
nos a uma atividade mais intensa. Mas, em contrapartida, observemos que 0 diabo é constrangido
a fazer 0 máximo empenho para subverter este artigo da fé, porque ele percebe claramente que ele
é 0 fundamento de nossa salvação. Pois se não temos aquele mistério de que fala Paulo, 0 que será
de nós? Somos todos filhos de Adão, e por isso somos malditos; estamos no poço da morte; em
suma, somos inimigos mortais de Deus, e assim nada há em nós senão condenação e morte, até que
saibamos que Deus já veio buscar-nos, e que, visto que não poderíamos subir a ele, então desceu a
nós. Até que tenhamos tal conhecimento, não passamos de seres miseráveis. Por esta razão, 0 diabo
quis, 0 quanto pudesse, destruir esse conhecimento, ou, melhor, misturá-lo com suas mentiras, de
modo a que a pervertesse. Em contrapartida, quando vemos que há em Deus tal majestade, como
ousaríamos aproximar-nos dele, visto estarmos tão saturados de miséria? Devemos, pois, recorrer a
esta união da majestade de Deus com a natureza humana. E assim, em cada aspecto, até que tenha-
mos conhecido a majestade divina que se encontra em Jesus Cristo , e nossa fraqueza humana que ele
tomou par a si, é impossível termos qualquer esperança, ou serm os capazes de rec orrer à bondade
de Deus, ou de ter a ousadia de invocá-lo e de nos volvermos para ele. Em suma, [sem Cristo] es-
tamos inteiramente excluídos do reino celestial, cujo portão está fechado para nós e não podemos
1 Timó teo-Cap ít ulo3 · 99
nEle um poder espiritual que testificou que Ele era Deus. Esta passa-
gem tem sido interpretada de diferentes formas, mas fico satisfeito em
explicar a intenção do apóstolo como a entendo sem adicionar nada
mais. Em primeiro lugar, a justificação, aqui, significa um reconheci-
mento do poder divino, como no Salmo 19.9, onde se diz que os juízos
de Deus são justi ficados, ou seja, maravilhos a e completa men te perfei-
tos.22Note-se tam bém o Salmo 51.4, onde s e diz qu e Deus é justificado,
significando que o louvor de sua justiça se exibe claramente. Assim
tam bém em Mateus 11.19 e Lucas 7.35, onde Cristo diz que a sab edo ria
é justificada por seu s filhos, signifi cando que neles o valor da sabedo-
ria se evid encia. Além do mais, em Lucas 7.2 9 se diz qu e os pu blica nos
justificavam a Deus, significando que na devida reverência e gratidão
reconheciam a graça de Deus que discerniam em Cristo. Portanto, o
que lemos aqui tem o mesmo sentido se Paulo disses se que aquele que
se manifestou vestido de carne humana foi declarado ao mesmo tem-
po ser o Filho de Deus, de modo que a fragilidade da carne de forma
alguma denegriu s ua glória.
À palavra “Espírito” ele inclui tudo o que em Cristo era divino e
superior ao homem; e isso ele o faz por duas razões. Primeira, visto
que Cristo fora humilhado na carne, Paulo agora contrasta o Espíri-
to com a carne, ao exibir nitidamente sua glória. Segundo, a glória,
digna do unigênito Filho de Deus, q ue João afirma te r visto em Cristo
[Jo 1.14], não consistia de uma manifestação externa ou de esplendor
terreno, senão que era qu ase totalme nte espiritual. A mesma forma de
expre ssão é u sada n o primeiro capítulo d e Romanos [1.3]: “o qual, se-
gundo a carne, veio da descendência de Abraão e foi designado Filho
de Deus com poder, segundo o Espírito”; mas com esta diferença, ou
seja, que nesta passagem ele menciona uma manifestação especial de
1. Mas 0 Espírito expressamente diz que 1. Spiritus autem clare dicit, quod in pos-
nos últimos tempos alguns apostatarão da fé, terioribus temporibus desciscent quidam a
dando ouvidos a espíritos sedutores e a dou- fide, attendentes spiritibus impostoribus, et
trinas de demônios, doctrinis daemonioru m.
2. pela hipocrisia dos homens que falam 2. In hypocrisi falsiloquorum, cautério no-
mentiras, tendo a consciência marcada com tatam habentium conscientiam;
ferrete;
3. proibindo casamento e ordenando absti- 3. Prohibentium matrimonia contrahere,
nência de alimentos, os quais Deus criou para jubentium ab stiner e a cibis, q uos Deus creavit
serem recebidos com ações de graças por ad percipiendum cum gratiarum actione fideli-
com a meridiana
Mas isso luz do evangelho,
é precisamente o que Pedrofosse possível
diz [2Pe 3.3],que alguém
ou seja, quecaísse.
assim
como falsos mestres uma vez perturbaram o povo de Israel, também
perturbarão sempre a Igreja de Cristo. É como se Paulo dissesse: “Agora
o ensino do evangelh o floresce, mas não pas sará muito tem po sem qu e
1 Timóteo-Ca pítul o 4 · 103
perverte e profana
Alguns o cultoda
apostatarão espiritual de Deus,
fé. Não fica muitosegundo
claro se afirmei
ele estáacima.
falando
dos mestres ou dos ouvintes, mas prefiro tomá-lo como uma aplicação
aos últimos, visto que prossegue tratando dos mestres quando os cha-
ma de espíritos sedutores. É mais enfático dizer que não só hav erá quem
divulgue os ensinos ím pios e corrom pa a pureza da fé , mas també m dizer
que não faltarão alunos que sejam atraídos para suas seitas. E quando
uma m entira au menta su a influência, ela avoluma as dificuldades.
Mas ele não está falando de um erro trivial, e, sim, de um mal ter-
rível, a apostasia da fé, embora à primeira vista não pareceria ser tão
mal assim à luz do ensino que ele menciona. Pois com o é possível se r a
fé com pletamente sub vertida pela proibição de cer tos alimentos ou do
matrimônio? Devemos, porém, levar em cont a uma razão m ais ampla, ou
seja, que aqui os homens e stão inventando um culto divin o pervertido
pa ra a satisfação de se u ego; e ao ousarem proibir o uso de coisas sau-
dáveis que Deus permitiu, estão alegando que são os mestres de suas
próprias consciências. E tão logo a pu reza do culto é perve rtida, não
perm an ece n ad a íntegro e saudável, e a fé é completam en te subvertida.
Por is so, ainda que os papistas debochem de nós, ao crit icarmos
suas leis tirânicas acerca de ob servâncias externas, temos consciência
de que estam os lidando com um assun to seríssimo e importantí ssimo;
porq ue, assim que o culto divino é c on tamin ad o com ta is co rrupçõ es,
a doutrina da fé é também subvertida. A controvérsia não é acerca de
carne e peixe, ou acerca das cores preto ou cinza, acerca de quarta-
feira ou sexta-feira, e, sim, acerca das más superstições dos homens
que d esejam o bte r o favor di vino por m eio de tais futilidades e pela in -
venç ão de um culto carnal, fabricando par a si ídolos no lugar de Deu s.
Quem ou saria negar que fazer isso é apo statar da fé ?
Espíritos sedutores. Ele está se referindo a profetas ou mestres,
aplicando-lhes esse título p orq ue se vangloriava m d e poss uir o Esp íri-
to, e a o procederem assi m estavam ca usando impressão sob re o pov o.
Em geral, é deveras verdade que todas as classes de pessoas falam
da inspiração de um espírito, mas não o mesmo espírito que inspira a
todos. Pois às vezes Sat anás passa por espírito mentiroso na boca dos
falso s profetas, com o fim de iludir os incrédulos que m erecem se r en-
ganado s [lRs 22.21-23]. Mas todos qua nto s atrib uem a Cristo a devida
1 Timóteo-Ca pítul o 4 · 105
ilusórEias observ
assim, ânciasa hipocrisia
a p alavr externas . deve ser entendida em relação ao pre -
sente contexto. E la deve ser con siderad a primeiramente em relação à
doutrina, e significando que gênero de doutrina é esse que substitui o
culto espiritual de Deus por gesticulações corporais, e assim adultera
106 · Com entári o das Pastora is
2 “Apres avoir mis le terme general, a scavoir Doctrines de s diables, et puis une es pec e, a se-
avoir hypoerisie; maintenant ail met deux poinets par. tieuliers de ceste hypocrisies.” — “Depois
de haver empregado 0 termo geral, isto é, doutrinas de demônio s, e em seguida haver mencionado
uma classe, isto é, a hipocrisia, ele menciona dois ex emplos individuais dess a hipocrisia.”
Tim óteo-Ca pít ulo 4 · 107
3 “Tatiano, assír io de nasc iment o, e discíp ulo de Justino Mártir, tev e grande número de
seguidores, que foram, depois dele, chamados tatianistas, mas, não obstante, eram mais freqüen-
temente distinguidos de outras seitas por nomes relativos às suas maneiras austeras. Porque,
como rejeitavam com uma sorte de horror todos os confortos e conveniências de vida, e se absti-
nham do vinho com uma obstin ação tão rigorosa, a ponto de nada usarem além de água, inclusive
na celebração da Ceia do Senhor, como maceravam seus corpos com jejuns contínuos e viviam
uma vida severa de celibato e abstinência, assim foram chamados encratitas (tempe rantes), hidro-
parastates (bebedores de água) e apotaetitas (renunciadores).” — Mo she zn’sHistoria da Igreja.
108 · Com entári o das Pastorai s
não está preocupado com pessoas, e, sim, com os pontos de vista que
ela s defendi am; e mesm o que surgisse um a centena de seitas diferente s,
tod as elas laborand o so b a mesm a hipocrisia e m exig ir a abstinência de
alimentos, todas estariam incorrendo na mesma condenação.
Portanto, é inútil 0 que faze m os pa pistas ao indicarem os antigos
hereges como sendo eles os únicos alvos da condenação paulina. É
m ister que vej amos bem se porv entura não são igual mente culpados.
Ale gam que são d istint os dos enc ratistas e m aniqueus , porq uanto não
proíb em de fo rm a absolu ta o m atrim ônio e alim ento s, se não que obri-
gam a abstinê ncia de carn e som ente em certo s dias, e exi gem um voto
de celibato somente aos monges, sacerdotes e freiras. Mas essa é uma
desculpa co m pletamen te frí vol a, porq uanto fazem a santidade consi s-
tir dessas coisas e estabelecem um culto falso e espúrio a Deus, bem
como escravizam as consciências humanas com uma compulsão da
qual devem estar totalmente livres.
No quin to livro de E usébio 4 há um fragmen to dos escritos de Apolô-
nio no qu al, entre o utras coisas, repree nde M ontan o po r ser o primeiro
a dissolve r o matrimô nio e a estab elec er regras par a o jejum. El e não diz
que M ontan o proibia universalmente o m atrimônio ou certos ali mentos.
É suficiente impor às consciências humanas uma obrigação de se fazer
essas coisas e cultuar a De us através de sua observância. Proibir cois as
que são de liv re uso, seja em term os unive rsais, seja em casos especiais,
é sempre uma tirania diabólica. Mas isso se tornará ainda mais óbvio à
medida que ce rtos tipos d e ali mentos aparecem na próxi ma cláus ula.
Os quais Deus criou. É mister que notemos bem a razão apresen
4 “ApolÔnio se dedico u a refutar, em uma obra que ele mesmo escrev eu, a heres ia do s frígios
(conforme
as a chamamos),
falsas predições no quequeelesainda continua
disseram a prevalecer
e descrevendo na Frigia.
a vida Apolônio
daqueles fez isso
que eram seuscorrigindo
fundado-
res. Ouçam 0 que ele diz, em suas próprias palavras, a respeito de Montano: “Quem é esse novo
mestre? Suas obras e suas doutrinas demonstram com suficiência. Ele ensinou a dissolução do
casamento , impôs leis de jejum , chamou de Jerusalém a Pepuza e T imium, pequ enas localidades
da Frigia, a fim de reunir ali homens de to dos os lugares; esta belece u coleto res d e dinheiro e criou
seu método de receber presentes sob 0 nome de ofertas. Ele pagava salários a todos os que pre-
gavam a sua doutrina, de modo que ela crescesse por meio de excesso e imoderação”.— Cla re ’s
Trans, o f Eusebius, Eccl. Hist., Book V., ch. xviii.
1 Timóteo-Ca pítul o 4 · 109
tada por que devemos viver contentes com a liberdade que Deus nos
concedeu no uso dos alimentos. É porque Deus os criou para esse fim.
Eles proporcionam o maior contenta ment o a todos os piedosos, por sa-
berem que todos os tipos de alimentos que comem lhes são postos nas
mãos pelo Senhor, para que desfrutem deles de modo puro e legítimo.
Como é possível que os homens excluam o que Deus graciosamente
concedeu? Pode m, p orventura, criar alimentos ? Ou podem, p orventura,
invalidar a criação de Deus? Lembremo-nos sempre de que Aquele que
criou é também o m esmo que nos faz desfrutar de sua criação, e é inú til
que os homens tentem p roibir o que Deu s criou para o nos so uso.
Para serem r ecebido s com açõ es de graças. Deus criou o alimento
para ser recebido, ou seja, para o n osso usufruto. El e, porém, acresc enta
com ações de graças, pois o único pagamento com que podemos retri-
buir a Deus por sua liberalidade para conosco é dando testemunho de
nossa gratidão. E assim, ele expõe a uma maior execração os p erverso s
legalistas que, mediante novas e precipitadas sanções, obstruíam o sa-
crifício de louvor que Deus especialmente requer que lhe ofereçamos.
Além do mais, não é possível haver ações de graças sem sobriedade e
moderação, e não é possíve l haver genuíno reconhecimento da benevo-
lência divina por parte de alguém que impiamente a insulta.
Por aqueles que crêem. E daí? Não é verdade que Deus faz o seu
sol nascer diariamente sobre os bons e os maus [Mt 5.45], e não produz
a terra, em obediência à sua ordenação, pão para os santos, e não são os
piores dos homens também alim entados pela beneficência divina? Na
verd ade e xiste aq uela b ênção geral que Davi desc reve n o Salmo 104.14,
mas aqui o tema de Paulo é acerca do uso lícito e de quão assegura-
dos dele vivemos aos olhos de Deus. Isso é algo do qual os perversos
não podem participar, em razão de sua consciência impura que a tudo
contamina,
tamente comoDeus
falando, o pr óprio ap óstol
destinou o exp ress a em
exclusivamente Tito filhos
a seus 1.15. Aliás,
o mundoestri-
inteiro e a tudo o que nele ex iste; por e ssa razão são também chamados
os herdeiros do mundo. Pois no princípio Adão foi nomeado senhor de
toda s as coisas sob a condição de p erman ecer em obediência a De us. E
110 ' Com entári o das Pastor ai s
assim sua rebelião contra Deus privou a ele e à sua posteridade desse
direito que lhes fora concedido. Visto, porém, que todas as coisas se
acham sujeitas a Cristo, nossos direitos, através de sua benevolência,
nos são plenamente restaurados, mas somente através da fé. Portanto,
tudo de que os incrédul os desfrutam pode ser considerado como sendo
propriedade de outrem, a quem enganam e de quem roubam.
E conhecem a verdade. Nesta última cláusula ele define os cren-
tes como sendo aqueles que são detentores do conhecimento da sã
doutrina, porquanto não pode haver fé senão aquela procedente da
Palavra de Deus, para que não concluamos falsamente que a fé é uma
opinião confusa, como fazem os papistas.
4. Pois toda a criação de Deus é boa. Como deve o alimento ser
utilizado é algo que em parte depende da natureza do alimento, e em
pa rte do caráter da p essoa que dele se nutre. O apóstolo faz referência
a ambos os aspectos. Quanto à natureza do alimento, ele declara que
ele é puro, porq uant o Deus o criou e seu uso nos é santificado median-
te a fé e a oração. O caráter bom das coisas criadas que ele menciona
se relaciona com os homens; não com seus corpos ou sua saúde, mas
com suas consciências. Faço esta observação com o fim de desenco-
rajar as especulações curiosas que não têm qualquer referência ao
propósito desta passagem, pois a intenção de Paulo é, numa palavra,
que tud o o que nos vem das mãos de Deus é puro e incorr uptível dian-
te de seus olhos e se destinam ao nosso uso, para que o comamos
livremente, com uma consciên cia em paz .
Se porventura objetar-se que sob o regime da lei muitos animais
foram uma vez declarados imundos, e que o fruto da árvore do co-
nhecimento do bem e do mal trouxe morte aos homens, a resposta é
que as criatur as são quali ficada s como sendo puras, não precisamente
porque
Devemossão obrasatentar
sempre de Deus,
paramas porque divino,
o desígnio ele no-las dá no
tanto comquesua bênção.
ordena
quanto no que proíbe .
5. Pela palavra de Deus e pela oração é santificada. Esse é um
reforço da cláusu la anterior - ser “recebido com ações de graças” . É
1 Tim óteo-C apítulo4 · 11 1
que o uso
nhado de todos os dons
do conhecimento divinos
genuíno é impuro,
e da a menos
invocação q ue
do nome deseja
Deuacompa
s; e que-
é uma maneira bestial comermos sem orar, ao nos acercarmo s da mesa,
ou, quand o saciados, nos retira rmos sem qualque r consciência de D eus.
E se tal santificação é req ueri da pa ra o pão comum, o qual, à nossa
112 · Com entári o das Pastorai s
6. Se conscien tizare s os irmãos acerca des- 6. Haec suggerens fratribus, bonus eris Iesu
sas co isa s, ser ás um bom ministro de Cristo Christi minister, innutritus serm onibu s fidei,
Jesus, nutrido com as palavras da fé e da boa et bonae doctrinae quam sequut us es.
doutrina que tens seguido até agora.
7.Masreje itaasfábulasprofa nasdemulhere s 7. Profanas autem et aniles fabulas devita,
idosas. E exercita-te pessoa lmente na piedade; quin potius exerce te ipsum ad pietatem.
8. pois 0exercício físico é pou co provei- 8. Nam corporalis exercitat
toso; mas a piedade par a tudo é proveitosa, bet utilitatis; at pietas ad omnia utilis est, ut
tendo a promessa da vida present e e da que quae promission es habeat vitae praesentis et
há de vir. futurae.
9. Fiel é a palavra e digna de toda aceita - 9. Fidelis sermo , dignu sque qui modis on-
çào. mibus approbetur.
10. Porque para es se fim labutam os e no s 10. Nam in hoc et laboramus, et probris
esforçam os, porquanto temos n ossa esp e- afficimur, quod spem fixam habemus in Deo
rança depositada no Deus vivente, que é 0 vivente, qui servator est omnium hominum,
Salvador de tod os os homens, especialm ente maxime fidelium.
daqueles que crêem.
suma da mais
doutrina cristã; eaanatureza boa doutrina, é adicionada para
cláusula,desta
explicar claramente fé.5Ele quer dizer que, por
5 “C’est pour mieux exposer et declarer lemot precedent.”— “É parao propósito de explanar
mais clara e plenamente a palavra precedente.”
114 · Com entári o das Pastor ai s
mais plausíveis que sejam as outras doutrinas, elas não são absoluta-
mente proveitosas.
A cláusula que tens seguido indica sua perseverança. Muitos, que
desde sua infância simplesmente aprenderam sobre Cristo, com o
passar do tempo apostataram; Paulo, porém, diz que Timóteo não se
incluía em seu número.
7. Exercita-te pessoalmente na piedade.6 Havendo-o instruído na
mesma doutrina que ele devia ensinar, ele agora 0 adverte quanto a
que sorte de exemplo ele teria que dar a outros, e diz-lhe que se dedi-
ca sse à piedade. Pois ao di zer: “ exercita-te” , sua intenção era expr essar
que essa é a ocupação específica de Timóteo, sua principal solicitude
e sua primordial atividade. É como se dissesse: “Não há razão por que
deves cansar-te com outros afazeres sem qualquer objetividade. Farás
algo de maio r valor se com tod o o teu zelo e habilidade se te devotares
6 “Aquele que deseja ser fielmente empregado no serviço de Deus deve não só evitar, no dizer
de Paulo, as mentiras e superstições que tendem a envenenar as almas, mas devem evitar as fábulas
profanas, isto é, sutilezas que não pode edificar, e que não contêm instrução que é saudável para a
salvação das almas. Eis aqui uma passagem que bem merece ser considerada; pois vemos que essa
era uma parte das corrupções que entravam no mundo, e que, mesmo hoje, prevalece no papado.
De fato haverá doutrinas absurdas no mais elevado grau, e erros mui fúteis e aviltantes. Sabemos
que a idolatria é tão grosseira e flagrante entre eles como sempre existiu entre os pagãos, que todo
0 culto divino é corrompido e, em suma, que nada há que não seja espúrio. Tais erros devem ser
tidos por nós em aversão; mas há um mal que é ainda mais sagaz, e que é desconhecido entre 0 povo
comum. Pois embora a doutrina dos papistas não fossem falsas como na realidade é, ainda que não
fosse perversa, contudo é ‘profana’, como Paulo a denomina aqui. E por quê? Eles têm questões
que debatem sobre coisas nas quais não há nenhum proveito. Se um homem viesse a conhecer
todas as questões que são debatida s nas escolas de teologia do papado, nada haveria senão ve nto.
Entretanto, dão-se 0 máximo empenho sobre estas matérias, e nunca conseguem terminar; pois
apresentam questões que não podem ser respondidas senão por meio de adivinhação; e ainda que
um homem desejasse perscrutar os segredos de Deus, sobre os quais nada lemos na Santa Escritu-
ra, porventura ele não mergulharia num abismo? Ora, os papistas têm tido 0 orgulho e audácia de
desejar p enetr ar tais matérias, as quais devem continuar sendo-no s desconhecidas. E assim se deu
1 Tim óteo-C apítulo4 · 115
passam
Masdea rudimentos
piedade parade tudo
uma disciplina pueril.
é proveitosa. Significa que ao homem
que possui piedade nada falta, mesmo que não tenha a pequena as-
sistência que essa s práticas ascéticas podem oferecer. A piedade é o
ponto de partida, o meio e o fim do viver cristão; e onde ela é com-
116 · Com entári o das Pastor ais
pleta, não existe lacuna alguma. Cristo não seguiu um modo ascético
de vida como João Batista, e, no entanto, não lhe era absolutamente
inferior, nem um mínimo sequer. Portanto, a conclusão é que deve-
mos concentrar-nos exclusivamente sobre a piedade, pois quando a
tivermos alcançado, Deus não requererá de nós nada mais; e devemos
prestar atenção nos exercícios corporais só até onde eles não obstru-
am nem retardem a prática d a piedade .
Tendo a promessa. É um conforto muitíssi mo profundo sab er que
Deus não deseja que ao piedoso falte alguma coisa. Havendo decre-
tado que nossa perfeição estaria radicada na piedade, ele agora faz
provisão para que a mesma encontre sua concretização na genuína
felicidade. E já que ela, ne sta vida, é a fon te da felicidade, ele estend e
a esta vida, também, as promessas da graça divina, a qual só pode
trazer-nos felicidade e sem a qual seremos os mais miseráveis dos ho-
mens. Pois Deus declara que mesmo nesta vida ele nos será por Pai.
Devemos, porém, lembrar de fazer distinção entre as bênçãos da
vida presente e as da vida futura. Pois neste mundo Deus nos aben-
çoa de maneira que só desfrutamos de uma mera prelibação de sua
benevolência, e através dessa prelibação som os atraídos a desejar as
bênçãos celestiais para que nelas sejamos plenamente saciados. Eis a
razão por que as b ênçãos da pr esente vida são não só mescladas, mas
também destruíd as po r muitas afl ições, pois não é bom que tenhamos
abundância aqui e a seguir suceda que ela nos conduza à incont inên-
cia. Além do mais, para que não suceda de alguém tentar extrair desta
passagem uma doutrina dos méritos, devemos observar que a piedade
inclui não só uma consciên cia íntegra em relação ao homem e reverên-
cia em relação a Deus, mas também fé e oração.
9. Fiel é a palavra. 0 apóstolo agora apresenta, na conclusão
de seu argumento,
propósito algo
aparente, que já havia
porquanto dito duas vezes,
imediatamente e sem qualquer
prossegue tratando de
argumentos de teor contrário. El e tem boas razões p ara asseve rar este
ponto com tanta energia, pois é um paradoxo fortemente oposto à nos-
sa experiência na carne sustentar que Deus neste mundo supre a seu
1 Timóteo-Ca pítul o 4 · 117
povo de tudo quanto se requer para uma vida abençoada e feliz, uma
vez que tão rec orrenteme nte ele se vê em carência de todas as coisas
e deveras se considera esquecido de Deus. Por conseguinte, não sa-
tisfeito com simplesmente enunciar est a doutrina, ele repele todos os
ataques contra ela e admoesta os crentes a abrirem a porta da graça
de Deus, a qual nossa incredulidade havia fechado. Pois, indubitavel-
mente, se estivéssemos mais dispostos a receb er as bênçãos divinas,7
Deus também nos contemplaria com mais liberalidade.
10. Porque para es se fim labutamos. O apóstolo, aqui, antecipa
uma objeção, considerando a possível pergunta se os crentes, pres-
sionados como são por todo gênero de aflição, porventura não são
os mais miseráveis dos homens. Portanto, a fim de mostrar que a
condição real deles não deve ser julgada pelos aspectos externos, o
apóstolo os distingue de outros, quer em relação à causa, quer em
relação ao resultado de seus sofrimentos. Daqui segue-se que, ao se-
rem atribulados pela adversidade, nada perdem das promessas que
ele mencionou. A conclusão é que os crentes não são miseráveis em
suas aflições, porque uma consciência íntegra os sustenta e um fim
abençoado e alegre os aguarda.
Ora, visto que a felici dade de sua vida presen te consiste de duas
partes principais, a saber, honras e confortos, ele contrasta com es-
tes, labores e reprimendas, significando pelos primeiros todos os tipos
de desconfortos e perturbações, tais como pobreza, frio, nudez, fome,
exílio, espólios, prisões, açoites e outras perseguições.
Temos nossa esperança dep ositada no Deus vivente. Este conforto
apon ta para a razão por que sofremo s. Pois quand o sofremos por causa
da justiça, long e de serm os miseráveis, nossos sofrimentos são, ao con-
trário, bons motivos para ações de graças. Além disso, nossas aflições
são
é o acom panhadas
fundamento, e a pela esperanç
esperança a no confunde
jamais Deus vivente
[Rm- 5.5].
de fato, a esperança
Daqui segue-
7 “Si les benefices de Dieutrouvoyent entree anous, et quenous fussion dispo sez a les rece-
voir.”— “Se os benefícios de Deus acha
r admissão em nós ese estivéssemos dispostos a recebê-los.”
118 · C om entári o da s Pastor ai s
se que tudo quanto sucede aos piedosos deve ser considerado lucro.
Que é o Salvador.8 O segundo conforto depende do primeiro, pois
o livramento de que ele fala é, por assim dizer, o fruto da esperança.
raciocínio aqui parte do menor para 0 maior. Pois aqui, σωτηρ é um
termo geral, significando alguém que guarda e preserva. Seu argumen-
to consiste no fato de que a benevolência divina se estende a todos
os homens. E se não há um sequer sem a experiência de participar da
benevolência divina, quanto mais aquela benevolência que os piedosos
experimentarão e que esperam nela! Deus não cuidará deles de forma
especial? Não derramará so bre ele s sua b onda de muito mai s liberalmen-
te? Em suma, não os guardará a salvo, em tod os os a spe cto s, a té ao fim?
8 “A palavra salvador não é tomada aqui naquele sentido próprio e estrito, com respeito à
salvação eterna que Deus promete a seus eleitos, mas é tomada por alguém que livra e protege.
Assim vemos que mesmo os incrédulos são protegidos por Deus, como lemos [Mt 5.46] que ‘ele
faz seu sol brilhar sobre bons e maus’; e vemos que todos são alimentados por sua bondade, que
todos são livrados de muitos perigos. Neste sentido, ele é chamado ‘0 Salvador dos homens’, não
com respeito à salvação espiritual de suas alma s, mas porque ele susten ta todas as suas criaturas.
Desta maneira, pois, nosso Senhor é 0 Salvador de todos os homens, isto é, sua bond ade se esten-
de aos mais perversos que se lhe são alienados e que não merecem ter qualquer relacionamento
com ele, que deveriam ser extirpados do número das criaturas de Deus e destruídos; e no entanto
vemos como Deus até então lhes estende sua graça; pois a vida que ele lhes dá testifica de sua
bondade. Visto, pois, que Deus exibe tal favor aos que lhe são estranhos, 0 que nos fará, nós que
somos membros de sua família? Não significa que somos melhores ou mais excelentes que aqueles
a quem vemos destituídos dele, mas tudo 0 que procede de sua mercê e livre graça, a saber, que
ele se reconcilia conosco pela mediação de nosso Senhor Jesus Cristo, visto que ele nos tem cha-
mado ao conhecimento do evangelho, e então nos confirma e sela sua liberalidade para conosco,
de modo que devemos convencer-nos de que ele nos reconhece como seus filhos. Visto, pois,
vermos que ele nutre os que lhe são estr anhos , vamos e escondamo-nos sob suas asas; pois, tendo
nos tomado sob su a proteção, ele decl arou que se m ostrará ser nosso Pai. ” - Fr. Ser.
Tim óteo-Ca pít ulo 4 · 119
14. Não negligencies 0 dom que há em ti, 14. Ne donum, quod in te est, negligas,
0 qual te foi dado mediante profecia, com a quod tibi datum est per prophetiam cum im-
imposição das mãos do presbitério. position e manuum presbyteri i.
15. Sê diligente nessas coisas; dedica-te 15. Haec cura, in his esto; ut profectus tuus
totalmente a elas; que 0 teu progresso seja a in omnibus manifestus fiat.
todos manifesto.
16. Tem cuidado d e ti mesmo e do te u ensi- 16. Attende tibi ipsi et doctrinae, permane
no. Persevera nessas coisas; porque, fazendo in his; hoc enim si feceris, et te ipsum serva-
assim, te salvarás tanto a ti mesmo quanto aos bis, et e os qui te audi unt.
que te ouvem.
10 “Sê mui cuidadoso em viver uma vida santa e irrepreensível. Que tua preocupação seja
dar devido
um um bom exemplo
domínio da aos que Que
língua. devemnãoser
se instruídos por ti,oem
diga que pregas quesobriedade, temperança,
não praticas; pois deves justiça
estar e
certo de que os pecadores perversos que não quiserem ouvir bons conselhos se empenharão em
ocultar seu pecado por um mau exemplo. Os exemplos às vezes são bons onde os preceitos são
de pouca força. Sábio e ditoso instrutor é aquele que pode dizer com sinceridade, em algum grau,
segundo 0 apóstolo , quando dirigir-se de maneira solen e a seu s ouvintes: ‘aquelas cois as que tens
aprendido e recebido e ouvido e visto em mim.’ Religião séria é aquela que ministra 0 pão da vida
de maneira prática.”- Abraham Taylor.
1 Tim óteo-Capítulo 4 · 12 1
e noite,11com o fim de ap ren der neles como d esem pen har seu ofí cio.
Até à minha chegada. A referência que ele faz à sua própria che-
gada adici ona peso à sua adm oestação; pois embo ra Paul o esper asse ir
logo, ele não queria que Timóteo perm anece sse ocioso naquele ínterim,
mesmo q ue p or p ouco tempo. Quanto mais dili gência de vemos nós de-
mo nstra r na elaboração de planos que preencham toda a no ssa vida!
À exortação, à pregação. Além disso, para que Tim óteo não pen-
sasse qu e uma leitura di splicente basta va, o apóstolo m ostra que o que
ele lê deve também ensinar, e lhe informa que era seu dever atentar
diligentemente para o ensino e exortação, como se estivesse advertin-
do-o a aprender a fim de comunicar a outrem o que havia aprendido.
É mister que atentemos para a ordem, a saber: ele menciona leitura
antes de ensino e exortação, porq uanto a Escrit ura é a fonte de toda a
sabedoria, e os pastore s terão de extrair dela t udo o que eles expõ em
diante de seu rebanho.
14. Não neg ligen cies o dom que há em ti. Ele exorta Timóteo a
fazer uso da g raça com q ue fora do tado par a a edificação da Ig reja. Deus
não quer q ue os talentos que ele mesmo conc ede a uma pessoa, com o
fim de propo rcionar crescimento, sejam perdidos ou sepultado s na ter-
ra sem qualquer utilidad e. Ser negligente com um dom, pelo prisma da
indolência e indiferença, é deixar de fazer uso dele; de modo que, pela
falta de uso, enferruja-se e degenera-se. Por conseguinte, c ada um d e nós
deve considerar que habilidade possui, a fim de fazer pleno uso dela.
Ele diz que a graça havia sido concedida a Timóteo mediante pro-
fecia. Como seri a isso? F oi porqu e, com o já dissemos, o Espírito Sant o,
mediante revelação, designara Timóteo para qu e fosse admitido à ordem
de pastor. Portanto, ele não fora eleito da maneira usual, pelo critério
humano, senão que, antes de tudo, fora nom eado pelo Espírit o Santo.
Diz ainda que o dom fora conferido com a imposição das mãos,
significando que, juntamente com o seu ministério, ele recebera os
dons ne cessários p ara desempenhá-l o. Era prática usual dos apóstolos
orden ar ministros pela imposiç ão das m ãos. J á apresentei um a breve
explanação d a srcem e sign ifica do des sa cerimônia, e o resta nte pode
ser encontrado em minhas Institutas.
Os que entendem presbitério, nesta passagem, como sendo um
term o coletivo, significando “ colégio de pres bít ero s ou anciã os”,12em
minha opini ão estão certos, ainda que, havendo con siderado o assun -
to, concorde que ou tra expli cação se adequa bem - a sab er, é o nome
de um ofí cio. Pela ceri môn ia da imposição das m ãos o após tolo indica
o ato de orde nação ao p resbiterato, querendo ele di zer que Timót eo,
havendo sido chamado para o ministério, pela voz dos profetas, e a
ele ordenado através de um rito solene, foi ao mesmo tempo investido
pelo Espírito Santo com graça para o des em pen ho de seu ofício. Daqui
deduzimos que a cerimônia não era vazia de sentido, visto que Deus,
através do Espírito Santo, concretizou essa consagração que os ho-
mens simbolizaram pela imposição das mãos.
15. Sê diligen te n essas co isas.13 Quanto maior for a dificulda de em
m inistrar fielmente à Igreja, mais solíc ito deve se r o pas tor em aplicar
todas as suas faculdades nesse ministério; não apenas por um curto
temp o, mas com inesgotável pe rsev eran ça.14Paulo lemb ra a Timóteo
que, nesta obra, não há espaço para indolência ou frouxidão, pois ela
reque r o máxi mo empenho e ass iduidade.
Que o teu progresso seja a todos manifesto. 0 que o apóstolo
tem em m ente é que Timóte o devia t raba lhar d e tal maneira qu e, atra
12 Pour l’ass emb lee des prestres, c’es t a dire, des pasteurs et anciens de I’Eglise.”— “Para a
assembléia de presbíteros, i sto é, dos pas tores e anciãos da Igreja.”
13 “Ταδια μελέτα, significando ‘Exercita-te nes tas co isas , faz delas tua perene preocupação e
estudo’; tanto esta como a frase seguinte (έν τούτοις ϊσθι,) sendo, nos melhores escritores, usada
para a atenção diligente.”- Bloomfield.
14 “Mais perseverant jusqu’au bout.” — “Mas perseverando até o fim.”
1 Timóteo-Ca pítul o 4 · 123
éperm
costumeiro falar
anecendo1 6nodoscurso
crentes
de como que conquistando
sua salvação. sua salvação
Já falei dessa forma de ex-
pressão em meu com entário ao segundo capítulo de Filipenses [2.12].
não pensarmos
respeito; em nosso
e em relação paia eveemência
a eles, em nossaáspera
mãe sem
devesentir
ceder profundo
lugar à
brandura. Todavia, é preciso notar que o apóstolo não tencionava di-
zer que Timóteo poupasse os idosos e fosse indulgente para com eles,
de tal sorte que pudessem pecar impunemente sem receber qualquer
gênero de correção. Ele apenas quis dizer que a idade deles requer
boa dose de respeito, a fim de que, com isso, se submetam mais pa
126 · Com entári o das Pastora is
cientemente à admoestação.
Aos mais jovens, como a irmãos. Além do mais, o apóstolo de-
sejava que se mostrasse moderação até mesmo para com os mais
jovens, aind a que não no mesmo grau. Pois o vinagre deve se r sem pre
misturado com azeite, mas com esta diferença: enquanto se deve de-
monstrar reverência para com as pessoas de mais idade, em relação
aos da mesma idade o trato deve ser fraterno e gentil. E assim ele en-
sina que os p asto res levem em conta não só o que o seu ofício requer,
mas também, com especial prudência, o que a idade dos diferentes
indivíduos requer, porquanto o mesmo tratamento não se adequa a
todas as pessoas. Portanto, mantenhamos bem nitidamente conosco
que, se os atores no palco observam o decoro, o mesmo não deve ser
negligenciado pelos pastores em sua sublime posição.
2. Às mais joven s, como a irmã s, com toda pureza. A frase com
toda pureza se refere às mulheres jovens, pois, em sua idade, deve-se
temer toda e qualquer insinuação suspeita. Todavia, Paulo não proíbe
a Timóteo de agir maliciosa ou desrespeitosamente em relação às mu-
lheres jovens, visto que tal proibição seria de todo supérflua; mas ele
apenas lhe diz que se revestisse de prudência para não dar às pesso-
as ocasião de criticá-lo. Com essa finalidade, o apóstolo exige aquela
casta seriedade em todo o seu trato e conversação com outrem, e
pudesse, assim , co nvers ar com os jovens de forma muito es pontâ nea
sem alguma necessidade d e obse rvação desf avor ável .
3. Honra as viúvas que são de fato vi úvas. 0 te rmo honra, nesta
passagem , não significa deferência, e, sim, aq ue le cu idad o e special que
os b isp os 1deviam te r p ara com as viúvas na Igreja primitiv a. As viúvas
eram tomadas sob a proteção da Igreja para que fossem sustentadas
das verbas destinadas à comunidade. É como se o apóstolo quisesse
dizer: “Ao selecionares as viúvas para que estejam sob os teus cuida-
dos e sob os cuidados dos diáconos, deves atentar bem para as que
2 “Do que os Pais e os comentari stas gregos nos informam, tran spar ece que tais pessoas
eram mantidas dos recursos da Igreja; e do que segue deixa claro que preenchiam um ofício; sen-
do 0 nome χήραι tanto alguém do ofício como διάχονες, ainda que a natureza exata de seus deveres
não fosse determinada. Que as pe ssoas que pos suíssem tal ofício, instruíam as jovens nos princí-
pios da fé cristã, é bem indubitável; mas afirmar que elas eram, como alguns afirmam, ‘0 mesmo
que diaconisas’, é contudo um ponto questionável. Parece que não eram exatamente diaconisas;
mas que, uma vez tendo sido assim, durante a vida de seus esposos, não eram removidas desse
ofício. Do contrário, pareceria que seus deveres eram diferentes d aqueles das diaconisas; e se fôs -
semos chamá-las por tal título que designasse seus deveres primordiais, poderíamos chamá-las
‘catequistas femininas'. Que estas diferem das diaconisas é certo à luz do testemunho oposto de
Epifânio. Contudo, poderiam ocasionalmente assisti-lasem seu dever de visitantes aos enfermos.
Seja como for, a existência de uma ordem como a χήραι não requer um testemunho muito forte
da história eclesiástica; visto que, à luz da vida extremamente retirada das mulheres gregas e de
outras partes do Oriente, e sua quase total separação dos demais sexos, necessitariam muito da
assistência de uma pessoa assim, que pudesse ou convertê-las à fé cristã, ou ainda as instruísse
128 · Com entári o das Pastor ais
5. Ora, aquela que é deveras viúva e deso- 5. Porro quae vere vidua est ac desolata,
lada põe sua esperança somente em Deus e sperat in Deo, et perseverat in orationibus et
persevera em súplicas e orações noite e dia. obsecrationibus noctu et die.
6. Mas aquela que se entreg a aos prazeres, 6. Quae autem in deliciis versatur, vivens
embora viva, está morta. mortua est.
7. Ordena também essas coisas, a fim de 7. Et haec praecipe, ut irreprehensibiles
que sejam irrepreensíveis. sint.
8. Mas se alguém não supre os seus pró- 8. Quod si quis suis et maxime familiaribus
prios, especialmente sua própria casa, tem non providet, fidem abnegavit, et est infideli
negado a fé e é pior que 0 incrédulo. deterior.
4 “Esta palavra se compõe de àvxi (‘em vez de’, ou ‘por sua vez’) e πελαργός, ‘cegonha’. A
cegonha é uma ave migratória, e é mencionada, juntamente com 0 grou e a andorinha, como
conhecedora do tempo designado [Jr 8.7]. Seu nome, no hebraico, significa misericórdia, ou com■
paixão; e seu nome em inglês, tomado (ao menos indiretamente) do grego στοργή, significando
afeição natural. Isto concord a com nosso conheciment o de seu caráter, qu e é notável pela ternura,
especialmente nas aves jovens para com as idosas. Não é incomum ver várias aves idosas que
ficam cansadas e fragilizadas com 0 vôo longo, às vezes sustentadas no dorso das jovens; e os
campon eses (da Jutlândia [na Dinamarca]) fa lam dela, como bem se sabe, que são cuidadosamen-
te po stas em seus antigos ninhos e nutrida s pelas jovens que foram criadas na primaver a anterior.
A cegonha há muito tem sido 0 emblema peculiar do dever filial.”
“A cegonha é 0 emblema da verdadeira piedade,
Porque, quando a idade chega e a torna idosa,
Inapta par a voar, a jovem agradecida toma
Sua mãe em seu dorso, provê-lhe alimento,
Retribuindo-lhe assim 0 terno cuidado daque la
130 · Com entári o das Pastor ais
contam com
dos a orar semmenos
cessar,liberdad
todaviaecabe-nos
e lazer. Aliás, todo sas
considerar nódemandas
s som os convoca-
que
são postas diante de cada pessoa de conformidade com a situação de
sua vida, antes que exijamos dela o afastamento e a independência de
outras preocupaçõ es e se dedique exclus ivamente à o ração.
1 Timó teo-Ca pítulo 5 · 131
O que Paulo enaltece nas viúvas, Lucas aplica a Ana, filha de Fa-
nuel [Lc 2.36]; mas a mesm a coisa não ser ia possí vel aplica r-se a toda s,
visto q ue sua maneira de viver é diferente. Haverá semp re mulher es le-
vianas, caricaturas em vez de imitadoras de Ana, que irão de altar em
altar, sem nada fazer senão gemer e suspirar até ao meio-dia. Fazem
disso uma desculpa p ara se livrar em de todos os deveres domésticos;
e, ao voltarem para casa, se não encontram tudo em perfeita ordem
como gostam, perturbam toda a família com suas tolas reclamações,
e às vezes chegam a esbravejar. Lembremo-nos, pois, de que há boas
razões pelas quais o lazer par a as oraçõ es diári as é um privilégio espe-
ciai das viúvas e daquela s qu e são d estituí das de filhos, pois são livres
das coisas que mui naturalmente impedem de fazer a mesma coisa
aquelas que adm inistram a família.
Esta passagem não fornece aprovação aos monges e monjas a
que, por amor a uma vida fácil, vendam suas murmurações ou seus
gemidos. Tais foram outrora os euquites ou salianos ; e os monges e
sacerdotes de Roma não são diferentes, exceto que os euquites pen-
savam qu e, com suas contínuas orações, podiam tornar-se piedo sos e
santos; enquanto que os monges imaginam que com menos assiduida-
de poderão santifi car a outros também. Paul o não estava pensand o em
nada disso; el e só pr etendia realçar que têm muito mai s liberdade para
a oração as viúvas que não têm nada que as embarace.
6. Mas aquela que se entrega aos prazeres. Havendo descrito as
genuínas viúvas, Paulo agora as contrasta com outras que não devem
ser aceitas. 0 particípio grego que ele usa, σπαταλωσα, significa uma
pessoa que se entrega e se deixa levar a uma vida leviana e devassa.
Portanto, em minha opinião, Paulo está criticando as que usavam mal
sua viuvez da seguinte forma: levando uma vida de prazeres e ociosi-
dade,importunação.
toda se desfaziam dos
Poisempecilhos do matrimônio
nos deparamos e secuja
com muitas viam livres de
preocupa-
ção é exclusivamente com sua própria liberdade e conveniência, e se
deixam levar pela excessiva l eviandade.
Embora viva, está morta. Paulo declara que esse tipo de mulher,
132 · Com entári o das Pastora is
mesmo viva, está morta. Há comentaristas que vêem aqui uma refe-
rência à sua incredulidade, com o que não concordo. A meu ver, o
signif icado mais consistente é este: uma mulher está m orta qu ando o
seu viver é sem pro veito e sem qualq uer objetividade. Pois que propó-
sito há em vivermos, exceto pa ra que os no ssos feitos produzam fruto ?
Ou, alternati vamente, podem os p ôr a ênfase na palavra viva. Aquelas
que procuram uma vid a fácil estão sem pre a citar o provérbio: “A vida
não consiste em apenas viver, mas em viver bem.”5Portanto, o signi-
fica do então seria: “ Se po rve ntu ra pe nsam em se r felizes e em fazer o
que lhes agrade, e que a única vida digna de se viver é inventar lazer e
prazer, então, ao que me toca, estã o m orta s.” Alguns po dem ch eg ar à
conclusão d e que tal i nter pre tação é po r demais ingênua, e por isso el e
apenas quis mencioná-la de passagem e sem muito empenho. Eis um
fato incontestável: ao declarar que tais mulheres estão mortas, Paulo
está conden ando a ocio sidade .
7. Ordena também essas coisas. 0 apóstolo dá a entender que
não está simplesmente ordenando o que Timóteo devia fazer, mas que
as próprias mulheres deviam ser diligentemente admoestadas a não
cederem a erros desse gênero. É dever de um pastor não só pôr-se
contra as práticas perversas e egoístas daqueles que procedem de
maneira inconveniente, mas também, pelo seu ensino e contínuas ad-
moestações, precaver-se contra todos esses perigos, quanto estiver
em seu poder fazê-lo.
A fim de que sejam irrepreensíveis. A prudência e consistência
exigiam que as viúvas não fossem recebidas a menos que se revelas-
sem dignas, mas era justo que se apresentasse alguma razão para a
recusa, e era até m esmo neces sário aler tar de antem ão a Igr eja no caso
de mulheres indignas lhe serem trazidas ou elas mesmas se apresen-
tassem. Paulo ainda recomenda esse tipo de instrução em razão de sua
utilidade, como a dizer que tal instrução não devia ser de forma algu-
ma menosprezada por ser comum, visto que a mesma é diretamente
E
os se sobo as
seus, quediretrizes
diremos da naturezaque
daqueles os incrédulos se inclinam
não se deixam comovera por
amar
tais
sentimentos? Não é verdade que ultrapassam até mesmo os ímpios
9. Não seja inscrita senão viúva que tenha 9. Vidua deligatur non minor annis sexagin-
ao menos sessent a anos, tenha sido esposa de ta, quae fuerit inius viri uxor.
um só homem
10. e tenha 0 testemunho das boas obras; 10. In operibus bonis hab ens testimonium,
se criou filhos, se ofereceu hospitalidade a si liberos educavit, si fuit h ospitalis, si sancto -
estranhos, se lavou os pés aos santos, se so- rum pedes lavit, si afflictis subministravit, si
correu os aflitos, se diligentemente seguiu 0 in omni bono opere fuit assidua.
caminho das boas obras.
11. Rejeita, porém, as viúvas mais jovens; 11. Porro juniores viduas rejice; quum
porque, quando se tornam levianas contra enim lascivire coeperint adversus Christum,
Cristo, querem casar-se, nubere volunt;
12. tendo já sua condenação por haverem 12. Habentes condemnationem, quod pri-
rejeitado sua primeira fé. mam fidem rejecerint.
13. E, além disso, aprendem também a ser 13. Simul autem et otios ae discunt circuire
ociosas, indo de casa em casa; e não apenas domos; nec solum otiosa e, verum etiam gar ru-
ociosas, mas também tagarelas e intrigantes, lae et curiosae, loquentes quae non oportet.
falando 0 que não devem.
1 Tim óteo-Capítulo 5 · 135
9. Não se ja inscrita senão viúva.7 O apó stolo realça uma vez mais
que as viúvas deviam ser recebidas aos cuidados da Igreja; e o faz de
uma forma ainda mais explícita e detalhada que antes.
Que tenha ao menos sessenta anos. Inicialmente, ele diz que de-
veriam ter sessenta anos de idade, pois já que iriam ser sustentadas
pelos bens públicos, er a conven iente que tive ssem atingido a velhice.
E havia outra razão ainda mais forte, a saber, visto que se dedicavam
ao ministério da Igreja, era intolerável a idéia de que ainda poderiam
casar-se. Eram recebidas sob a condição de que a Igreja as socorresse
em sua pobreza, e que elas, por sua vez , se dedicassem à assistência
aos pobres, at é ao pon to em que sua saú de o permitisse. E assim era
mantida uma mútua obrigação entre elas e a Igreja. Não era justo que
aquelas que fossem ainda fortes e estivessem no pleno vigor da vida
sobrecarregassem as outras e ainda houvesse razão plausível para
temer-se de que mudassem seu modo de pensar e se inclinassem a
casar-se novamente . Por essas duas razões, o apóstolo não queria que
as que tivessem menos de se ssenta anos fossem recebi das.
Tenh a sido esposa d e um só homem. 0 risc o de uma mulher com a
idade de ses sent a anos vir ainda a casar-se era suficientemente remoto,
especialmente se em tod a a sua vida houv esse conhecido um só homem.
0 fato de uma mulher haver alcançado tal idade, e sentir-se satisfeita
com uma só união, podia considerar-se uma espécie de garantia de sua
continência e castidade. Não que o apóstolo desaprovasse o segundo
matrimônio ou que lançasse algum tipo de estigma sobre aquelas que
se casavam duas vezes; ao contrári o, ele encora ja as viúvas mais j ovens
a se casarem novamente; o que ele queria era prudentemente evitar a
imposição de uma castidade forçada sobre as mulheres que se sentiam
carentes de esposos. Ele volta a este tem a mais adiant e.
10. Tenha o testemunho das boas obras. As qualificaçõ es qu e se-
guem, em pa rte se relac ionam com a ho nra e em pa rte com o trabal ho.
7 “Quelles vefues on doit recevoir a est re entretenues aux depens de l’Eglise.” — “Que as
viúvas devam ser recebidas, ser sust entadas às custas da Igreja.”
136 · Com entári o das Pastor ais
Pois não há dúvida de que as associa ções de viúvas eram respeitá veis e
altamente confiáveis, de modo que Paulo só admitia aquelas mulheres
que contavam com o atestado de toda a sua vida pregressa. As asso-
ciações não se destinavam ao lazer ou à inatividade indolente, mas ao
socorro dos pobres e enfermos, até que as mulheres se cansassem e
tivessem aposentadoria decente e descanso merecido. Portanto, para
que estivessem mais bem preparadas para o exercício de tal ofício,
ele quer que tenham longa experiênc ia dos deveres que são o riundos
dele, tais como o labo r e diligênci a na educa ção d os filhos, a hospital i-
dade, a assistência aos pobres e outras obras caritat ivas.
Pode-se formular a seguinte pergunta: Se por ven tura to das as mu-
lheres for em estéreis, serão rejeitadas somen te porque jamais poderão
gerar filhos? Eis a respost a: O que Paulo está cond enan do aqui não é a
esterilidade, e, sim, a irresponsabilidade das mães que se recusavam a
perseverar no labor de educar seus filhos, e com isso demonstravam
que eram incapazes de ser humanas em benefício dos estranhos. Ao
mesmo tempo, ele realça esse fato como uma justa retribuição às ma-
tronas piedosas, as quais não se poupavam para que oportunamente
fossem, em sua velhice, receb idas no seio d a Igreja.
Com a expressão lavou os pés, o apóstolo lança mão de uma si-
nédoque para expressar todos os serviços geralmente prestados aos
santos, pois naquele tem po era cos tum e lavar os pés a um irmão.8U ma
tarefa desse gênero poder ia apa rentar humilhação e um quase serv ilis-
mo. No entanto ele a menciona como uma característica das mulheres
que são diligentes, e que tal tarefa longe estava de ser-lhes fastidiosa.
O que vem a seguir tem a ver com a liberalidade; e ele o expõe em ter-
mos mais gerais, dizendo se diligentemente seguiu o caminho das boas
obras, porquanto, aqui, ele está falando de atos de benevolência.
11.
propriamenteReje
queita, porém,
fossem as viúv as mais
excomungadas jovenou
da Igreja Sua intenção
s. fossem não era
expostas
pado,Portanto, quantosdomales
provenientes monstruosos
celibato se cometem
com pulsório para asdentro do Quantas
freiras! pa-
barreiras elas têm de romper deliberadam ente! E assim, ainda que
à primeira vista pareça aceitável, todavia deveriam ter aprendido,
mediante inúmeras e terríveis experiências, a aplicar o conselho de
138 · Com entári o das Pastor ais
za
sobra eseriedade
Cristo e adeIgsua
reja,ofensa, nãoo-se
apa rtand só pelo fato de
da forma trazerem
de vida ignomínia
que um dia abra-
çaram, mas por terem elas quebrado sua primeira fé por mei o de uma
rebeliã o perversa. Geralme nte sucede que, quando uma pessoa trans-
gride uma vez os li mites da modéstia, ela prosseg ue a envolver-se cada
1 Tim óteo-Capítulo 5 · 139
14. Quero, pois, que as viúva s mais jove ns 14. Volo igitur juniores nubere, líbero s
se casem, gerem filhos, governem a casa e não gignere, domum administrare, nullam occa sio-
dêem ao adversário ocas ião de maldizer; nem dare adversario, ut habeat maledicendi
causam.
9 “A Rome on appeloit Vestales les vierges consacr ees a une dees se nommee Ves ta (comme
qui diroit aujour d’huy lês nonnains de sa incte Clai re) et ces te Claude en esto it une qui a est e fort
renomnmee." — “Em Roma davam0 nome de Vestai s às virgens consagra das a uma deusa chama-
da Vesta (como se disséssemos, em nossos dias, as monjas de Santa Clara) e que Cláudia era uma
delas, que era muitíssimo célebre.”
10 “Une tortu e ou limace.” — “Uma tartaruga ou um cara col.”
11 “Percunctato rem fugito; lam garrulus idem es t. ” — Hor.
1 Tim óteo -Cap ít ulo 5 · 141
15. pois algumas já se desviaram, indo após 15. Nonnullae enim jam deflexerunt post
Satanás. Satanam.
16. Se algum homem ou mulher crente tem 16. Quodsi quisfidelis, aut siqua fidelis habet
viúvas [nafamília], socorra-as, e não sobrecar- viduas, suppeditet illis, et non oneretur Ecclesia,
regue a igreja, para que e sta pos sa so correr as ut iis, quae vere viduae sunt, suppetat.
que são deveras viúvas.
14. Quero, pois, que as viúvas mais jov ens se casem. Os escar-
necedores se riem desta instrução de Paulo. Dizem eles: “Como se
houvesse necessidade de estimular ainda mais um desejo que, por si
só, já é demasiadamente forte; pois quem não sabe que quase todas
as viúvas possuem um impulso natural para o matrimônio?” Em con-
trapartida, os fanáticos considerariam este ensino de Paulo sobre o
matrimônio algo completamente inconveniente para um apóstolo de
Cristo. Mas quando tudo é visto pelos diversos prismas, os homens
sensatos concordarão que o que Paulo ensina aqui é plenamente
salutar e necessário. Por um lado, a viuvez propicia mais chance à
licenciosidade; e, por outro, sempre há enganadores hipócritas que
acreditam que a santi ficaç ão cons iste no celiba to, como se o mesmo
fosse a perfeição angelical, e que, ou condenam totalmente o matri-
mônio, ou lançam escárnio sobre ele como se contivesse o sabor da
po luição carnal. Há po ucos, ta nto entre os hom en s quan to entre as
mulheres, que se apega m à sua vocação. Quã o raram ente se enc ontra
um homem que voluntariamente queira assumir a responsabilidade
de governar uma esposa, porqu anto essa é sem pre uma obrigação que
envolve inúmeras vexações! Quão relutantemente uma mulher, em
contrap artida, se subm ete ao jug o do matrimôni o.
E assim, quando Paulo ordena que as jovens se casem, ele não as
convida aos d eleites nupciais; e quan do lhes diz que gerem filh os, não
está encorajando-as a se mergulharem na luxúria; ao contrário, diante
da fragilidade de sua natureza feminina e das tentações de sua idade,
ele as aconselha a contrair um matrimônio casto; e, ao procederem
assim, que se submetam às conseqüências que o matrimônio impõe.
Ele procedeu assim especialmente para evitar alguma insinuação de
142 · Com entári o das Pastora is
12 “Ponderemos bem sobr e est a doutrina de Paulo; porque, embora ele trate aqui de viúvas
em particular,
dever para comcontudo
Deus, nãotodos
bastanós
quesomos
nossaadmoestados a que,
consciênc ia seja puraa efim
clarde
a, ecumprirmos
que andem osbem
semnosso
qual-
quer indisposição; mas é preciso igualmente adicionar tal prudência, que os inimigos tenham suas
bocas fechadas quando quiserem caluniar-nos, para que sua impudência seja notória e para que
estejamos sempre prontos a dar conta do que te mos feito, e para que eles não tenham disposição
de blasfemar o Nome de Deus e de sua Palavra, porque não haverá em nós qualquer aparência
de mal. De fato, não podemos evitar a difamação; mas que sempre atentemos para isto: que não
demos nenhuma ocasião, de no ssa parte, ou de nossa imprudência.” -Fr. Ser.
1 Tim óteo-Capítulo 5 · 143
13 “Visto que o evangelho nos é pregado, é Jesus Cristo que susten ta seu cetro e nos mostra
que quer ser nosso Rei e tomar-nos por seu povo. Quando tivermos assim feito profissão do
evangelho, s e não perseverarmos até o fim, s e suceder de nos depravarmos de alguma forma, não
só recusaremos viver em obediência ao Filho de Deus, mas daremos a Satanás todo 0 domínio
sobre nós, e então ele se assenhoreará desse domínio e estaremos a seu serviço a despeito de
nossa relutância. Se isto é terrível e absolutamente chocante, não devemos ser mais advertidos
do que temos sido para que nos ocultemos sob as asas de nosso Deus e nos deixemos governar
44 · Com entári o das Pastor ai s
17. Os anciãos que governam bem sejam 17. Presbyteri, qui bene praesunt, duplici
considerados dignos de duplicada honra, es- honore digni habeantur; maxime qui laborant
pecialmente os que trabalham na palavra e no in verbo et doctrina.
ensino.
18. Pois diz a Escritura: Não amordaces 0 18. Dicit enim scriptura: Non obligabis os
boi quando debulha 0 grão. E, 0 trabalhador bovi trituranti, (Deut. XXV:4)et, Dignus est
é digno de seu salário. Não aceites acusação operarius mercede sua, (Matt. X:10).
contra um ancião;
19. só aceites pela boca de duas ou três 19. Adversus presbyterum accusationem ne
testemunhas. admittas, nisi sub duobus aut tribus testibus.
20. Aos que pecarem, reprova-os na pre- 20. Peccantes coram omnibus argue, ut et
sença de todos, para que os demais também caeteri timorem habeant.
tenham temor.
21. Ordeno-te na presença de Deus, do Senhor 21. Contestor coram Deo, et Domino Iesu
Jesus Cristo e dos anjos eleitos, que observes essas Christo, et electis angelis, ut haec custodias
coisas sem prevenção, nada fazendo por parciali- absque praecipitatione judicii, nihil faciens,
dade. alteram in partem declinando.
por ele, até que ele nos renove pelo Espírito Santo, de tal maneira, que não sejamos tão levianos
e insensatos como temos sido. Para tal propósito, consideremos que devemos ter nosso Senhor
Jesus Cristo por guia; pois se quisermos ser realmente 0 povo de Deus, 0 dito do profeta deve
cumprir-se em nós: que 0 povo caminharia, e Davi, seu rei, iria adiante dele. Tenhamos sempre
sua doutrina diante de n ossos olhos, e 0 sigamos passo a passo, ouvindo sua voz como a voz de
nosso bom Pastor [Jo 10.4].” -Fr. Ser.
1 Tim óteo-Capítulo 5 · 145
tud e poder ia ser mais i nsensí vel do que não haver preocu pação alguma
com aqueles que toma m so bre si a respon sabilidade de tod a a Igre ja? O
termo πρεσβύτερος, aqui, descreve não uma idade, e, sim, um ofício.
Não faço objeção à in te rpre tação qu e Crisóstom o faz de duplicada
honra, com o que significa ndo apoio e reverência, e qualqu er um que o
dese jar p ode segui -lo. A meu ver , porém, parec e mais razoável q ue haja
aqui uma co mp aração en tre p resbíteros e viúvas . Paulo inici alment e
ordenou que as viúvas fossem mantidas em honra; os presbíteros, po-
rém, são mais dignos de honra do que elas; e, em comparação a elas,
eles são merecedores de duplicada honra. Mas, a fim de esclarecer
que não recomenda a impostura, ele acrescenta que presidem bem,
ou seja , de sem penh am seu ofício fiel e dil igentemente. Pois ainda qu e
uma pessoa obtenha uma posição cem vezes consecutivamente, e se
vanglorie do tí tulo, a menos que tam bém c um pra os dever es do ofí cio,
o tal nã o tem o direit o de solicitar que seja sustenta do às expensas da
Igreja. Em suma, o que o apósto lo tem em me nte é que a h onr a se deve
não ao título, e, sim, à obra realizada por aqueles que são designados
para o ofício.
Mas ele dá prioridade aos que labutam na palavra e no ensino,
ou seja, aqueles que são diligentes no ensino da Palavra. Pois essas
duas e xpr essões têm o mesmo sentido, ou seja, a pregaç ão da Palav ra.
Procurando, porém, evitar um mal-entendido de que, com o termo Pa-
lavra, o apóstolo se referia a um estudo inútil e especulativo dela, ele
acrescenta ensino .15
15 “Ele mostra que podem os fazer muitas outras coisas, e pode mos alegar que não tivemos
lazer; mas, mesmo assim, devemos considerar principalmente para0 que Deus nos chama. Os
que desejarem ser reconhecidos como pastores devem devotar-se especialmente a essa palavra.
E como?
geral Para estudá-la
da Igreja. secretamente
Eis a razão em decidiu
por que Paulo seu gabinete? De 0modo
acrescentar termoalgum! Mas
doutrina. para
Seria a instrução
plenamente
suficiente dizer palavra;mas ele mostra que não devemos especular privativamente 0 que cremos
ser próprio, mas que, quando tivermos estudado, que outros obtenham proveito juntamente co-
nosco, e que a instrução seja comum para toda a Igreja. Esta é a verdadeira marca que distingue
propriamente entre os pastores a quem Deus aprova e deseja que sejam sustentados em sua
Igreja, e aqu eles que reivindicam ess e título e honra, e no ent anto são excluídos e rejeitados por
ele e pelo Espírito Santo.”-Fr. Ser.
146 · Com entári o das Pastora is
16 “Nesta passagem, Paulo não olhava para si mesmo, mas falavapela autoridade de Deus,a
fim de que a Igreja não fos se destituída de pe ssoa s que ensinassem fielmente. Pois 0 diabo, desde
0 princípio, usa a trapaça de tentar causar fome nos bons pastores, para que eles deixassem de
trabalhar,a erecomendação
vejamos para que fossem bem
aqui poucoscomo
contida os que
quese oriunda
engajamdena um
pregação
homem damortal,
Palavramas
de Deus. Não
ouçamos
Deus falando, e saibamos que não há acepçã o de pes soas , mas que, sabendo 0 que era proveitoso
a toda a Igreja, e percebendo que muitos eram frios e indiferentes sobre est e tema, ele estabelec eu
uma regra que, aqueles cujo dever é proclamar0 evangelho, sejam sustentados; como vemos que
Paulo fala disso em outras passagens, e trata do assunto mui plenamente na Primeira Epístola aos
Coríntios, ainda que igualmente0 menciona na Epístola aos Gálatas.”-Fr. Ser.
17 “Equite et humanite.”
1 Timó teo-Ca pítulo 5 · 147
as falsas
Minhaacusações?
resposta consiste em que é indispensável o uso de tal
antíd oto par a salvaguardar os past ore s da malíci a dos hom ens.18Por
tregues à malícia
pelo testem un hodos homens
legal. E demaus
fato até
nãoque todos sejam
devemos ficarpersuadidos
pasm os de que
sejam eles alvo de muitos inimigos, já que seu dever é reprovar os
erros de todos os homens, opor-se a todos os desejos perversos e
a refrear, através de sua severidade, a todos quantos percebem que
1 Tim óteo-Capítulo 5 · 149
scauroit
que dire.”descrever.”
é possível — “Embora a vida de seus monges e sacerdotes seja a mais perversa e dissoluta
21 “Graciano, um beneditino do século XII, era naturalde Chiusi, e foi0 autor de uma obra
famosa, intitulada ‘Decretais’, ou ‘Concordantia Discordantium Canonum’, na qual ele diligenciou
por conciliar aqueles cânones que pareciam auto-contraditórios. Ele, contudo, foi culpado de
alguns erros, os quais Antonio Agustin [arcebispo de Tarragona] tentou corrigir em sua obra in-
titulada ‘De emendatione Gratiani’ [1578]. As ‘Decretais’ de Graciano formam uma das principais
partes da lei canônica." - Gorton’s Biog. Diet.
150 · Com entári o das Pastor ais
bém adiciona Cristo, pois é a ele que o Pai delegou todo o poder para
julgar [Jo . ], e ante cujo tribunal teremos de um dia comparecer.
E dos anjos eleitos. Ele adiciona a Cristo os anjos, não porque es-
tes sejam juizes, mas como testemunhas futuras, quer da displicência,
da imprudência, da ambição, quer das más intenções. Estão presentes
como espectadores, pois a eles foi dado o encargo de cuidar da Igreja.
E de fato o homem que não se deixa abalar à vista de sua displicência e
indolência, com a consciência de que o governo da Igreja é conduzido
sob os olhares de Deus e de seus anjos, deve ser pior que o estúpido
e possui um coração mais duro que a pedra. E quando se acrescenta
um apelo tão solene, deve-se redobrar 0 nosso temor e a nossa expec-
tação. Ele denomina os anjos de eleitos,23 não só para distingui-los dos
anjos réprobos, mas também para realçar sua excelência, a fim de que
o seu testemunho desperte em nós a mais profunda reverência.
Sem prevenção.24Προκρίμα significa literalmente prejuízo [proeju-
dicium] - um juízo premeditado. Seu significado, porém, denota, antes,
a excessiva pressa que temos em demonstrar, em pronunciamento
precipitado, nosso julgamento de uma matéria sobre a qual não pon-
déramos bem, ou nossa imoderada parcialidade em defender pessoas
mais do que devíamos, ou em preferir alguém porque concluímos que
23 “Observemos que ele deseja distingui-losdos que se rebelavam. Pois os demônios nâo of -
ram criados perversos e maliciosos como ora são, inimigos de todo bem, e íalso e maldito em sua
natureza. Foram anjos de Deus, porém não foram eleitos à perseverança, e por isso apostataram.
Assim Deus reservou0 que escolhera dentre os anjos. E por isso já temos um espelho de nossa
eleição divina com vistas ao céu, pela livre graça antes mesmo de virmos a este mundo. Ora, se
vemos a graça de Deus exibida inclusive nos anjos, 0 que será de nós? Pois todo gênero humano
se perdeu e se arruinou em Adão, e somos malditos e, como a Escritura nos informa, nascidos
“filhos da ira” [Ef 2.3]. O que aconteceria se Deus não nos escolhesse por mera bondade, visto que,
desde 0 ventre de nossa mãe [SI 51.5] somos corruptos e alienados dele? Esta graciosa eleição
deve prevalecer, a fim de separar-nos dos réprobos que permanecem em sua perdição. Devemos,
pois, observar detidamente esta passagem, na qual Paulo, ao falar dos anjos, mostra que sua
elevada categoria procede do fato de que foram escolhidos e eleitos por Deus. E, assim, por uma
razão ainda mais estranha, fomos separados de todas as demais criaturas visíveis, simplesmente
porque Deus nos separa por sua mercê.” - Fr. Ser.
24 “Sans jugement precupite, ou, sans preferer l’un a 1’autre.” — “Sem juízo apressado, ou,
sem preferir um ao outro."
25 Une trop soudaine hastivete.” — “Uma pressa por demais súbita.”
152 · Com entári o das Pastorai s
22. A ninguém imponhas precipitadamente 22. Manus cito ne cui imponas; neque com-
as mãos, nem sejas partícipe dos pecados de munices peccatis alienis; temetipsum purum
outrem. Conserva-te a ti mesmo puro. custodi.
23. Não continues a beber somente água, 23. Ne posthac bibas aquam; sed paululo
mas usa um pouco de vinho por causa do teu vino iitere propter stomachum tuum, et cre-
estômago e de tuas freqüentes enfermidades. bras tuas infirmitates.
24. Os pecados de alguns são notórios e 24. Quorundam hominum peccata ante
levam ao tribunal, ao passo que em outros só manifestata sunt, festinantia ad judicium, in
mais tarde se manifestam. quibusdam vero etiam subsequu ntur.
25. Semelhantemente, também as boas 25. Similiter et bona opera ante manifesta
obras antecipadamente se evidenciam e, sunt; et quae secus habent latere nequeunt.
quando assim não sucede, não podem ocul-
tar-se.
26 “Κατά πρόσκλισιν, ‘atravé s de parcialidad e’ ou indev ido favor. Assim Clemente, em sua
Epístola aos Corintios, traz κατά τφοσχλίσεις (‘através de parcialidades’)· A palavra propriamente
significa um aprendizado para ou sobr e.” - Bloo mfield
1 Tim óteo-Capítulo 5 · 153
está escusado. ‘Entre os lobos devemos uivar”, se dirá. Agora vemos que os pecados de outrem
não nos esc usarão na presença de Deus, e ainda que 0 mundo inteiro peque co nosco , não deixare-
mos de estar envo lvidos na mesma condenação. Pense mos bem nisso!” - Fr. Ser.
1 Tim óteo-Capítulo 5 · 155
29 “No ano de 1084, institui-se a famosa ordem do s cartusianos, assim chamados por causa
de Chartreux, um sinistro e selvagem ponto de rodeio próximo a Grenoble, em Dauphine, cercado
por montanhas estéreis e rochas escarpadas. O fundador dessa sociedade monástica, excedendo
a todos os demais em extravagância austeridade em suas maneiras e disciplina, foi Bruno, natural
de Kõln, e cônego da catedral de Rheims, na França. Este zeloso eclesiástico, que não tinha
0 po-
der de reformar, nem paciência para suportar as maneiras dissolutas de seu arcebispo, Manasse,
156 · Com entári o das Pastorai s
retirou-se de sua igreja, com seis de seus companheiros e, tendo obtido a permissão de Hugo,
bispo de Grenoble, fixou sua residência no miserável deserto supramencionado. Ele adotou a
princípio a regra de São Benedito, à qual adicionou considerável número de preceitos severos e
rigorosos. Seus sucessores, contudo, foram ainda mais longe e impuseram aos cartusianos novas
leis, muito ma is intoleráveis do que as d e seu fundador - leis que inculcavam os mais elevad os
graus de austeridade que a mais lúgubre imaginação poderia inventar -M os h ei m ’s Eccl. Hist.
30 “Par moyens sec rets, et comme par des sou s terre.” — “Mediante artes secreta s e ocultas.”
1 Timó teo-Ca pítulo 5 · 157
Mas ele provê mais de um a ntído to p ara esses males. Às vezes fra-
cassamos na escolha dos ministros, pois os homens indignos penetram
pela astúcia, enquanto que os homens certos nos são desconhecidos;
ou, ainda que o nosso juízo seja correto, não podemos obrigar os ou-
tros a aceitarem o nosso juízo, de modo que os melhores homens são
rejeitados, a despeito de todos os nossos esforços, e os maus se in-
troduzem com astúcia ou vencem pela força. Em tais circunstâncias,
o estado da Igreja, e a nossa própria situação, inevitavelmente geram
em nós uma profu nda ansiedad e. Paulo fa z vigoroso esforço p or remo-
ver, ou pelo menos atenuar, essa causa de ofensa. Sua intenção pode
ser sumariada assim: “As coisas que não podem ser imediatamente
corrigidas, pelo menos devem ser sup ortadas; devemos sofrer e gemer
até que chegue o tempo de aplicar o antídoto; e não devemos usar a
força para extirpar as doenças, mas esperar que estejam maduras ou
se exponham à vist a. Por outro lado, quando a virtude não conquista
a devida recompensa, devemos aguardar o tempo pleno da revelação,
tolerar a estupidez do mundo e quedar-nos tranqüilamente em meio às
trevas, até que raie a aurora.”
E levam ao tribunal. Havendo assim explicado brevemente o seu
significado geral, volto-me para as p alavras prop riam ente ditas. Quan -
do ele diz que os pecados de alguns são notórios, sua intenção é que são
logo descobertos e vêm ao conhecimento dos homens, por assim di-
zer, antecipadamente. Ele diz a mesma coisa, de uma forma diferente,
quando acrescenta que eles correm ou se apressam para o seu juízo.
Vemos muitas pessoas que se lançam precipitadamente [no pecado] e
de sua própria iniciativa trazem condenação sobre si próprias, ainda
que o mundo inteiro queira salvá-las. Sempre que tal coisa acontecer,
lembre mo-nos de que os rép robos são impelido s p ara sua pr ópria ruí-
na pela
Aosecreta instigação
passo que da providência
em outros divina.
só mais tarde se manifestam. Não posso
aceita r a trad uçã o de Erasmo qu e traz: “Alguns deles seguem d epoi s.”
Ainda que ela pareça adequar-se melhor à construção grega, o senti-
do exige que entendamos a preposição ™n, pois a mudança de caso
158 · Com entári o das Pastor ais
1. A todos quantos são servos debaixo de 1. Quicunque sub jugo sunt servi, suos do-
jugo, considerem seus próprios senhores dig- minos omni honore dignos existiment; ut ne
nos de toda honra, para que o nome de Deus e Dei nomen et doctrina blasphemetur.
a doutrina não sejam blasfemados.
2. E os que têm senhores crentes, não os 2. Qui autem fideles habent dominos, ne
desprezem, porque são irmãos; antes os sir- despiciant eò quòd fratres sunt; sed magis
vam melhor, porque eles, que participam do serviant, quod fideles sint et dilecti, et benefi-
benefício, são crentes e amados. Ensina essas centiae participes. Haec doce, et exhortare.
coisas e exorta.
não existe um sequer que de bom grado permita que outros exerçam
domínio sobre ele. O s que não podem ev itar as circunstân cias, relutan-
tement e obedecem aos que se encontram acima dele s; interiormente,
porém, se aborrecem e se enfurecem, porquanto sua conclusão é que
sofrem injúr ia. O apóstolo, com um a única palavra, põ e um term o final
a todas as disputas desse gênero, requerendo submissão voluntária
por parte de todos aqueles que estão debaixo de jugo. O que ele tem
em mente é que não devem perguntar se merecem tal porção ou uma
melhor; deve ser suficiente o fato de que se encontram sujeitos a tal
condição.
Ao ordenar-lhes considerem seus próprios senhores dignos de toda
honra, a quem eles servem, o apóstolo requer deles não apenas fide-
lidade e diligência na execução de seus deveres, mas também que
considerassem com sincero respeito a seus senhores como pessoas
colocadas numa posição mais elevada que eles. Nenhum homem de
bom grado entrega o que é devido a um príncipe ou a um senhor, a
menos que respeite a eminência à qual Deus os tem elevado, e desse
modo os h onre com o alguém sujeito a eles. Po is ainda que geralmen te
sejam indi gnos, a pró pria au torid ade com que Deus os investiu lhes dá
sempre o direito a tal honra. Além disso, nenhum homem voluntaria-
mente p resta serviço e obediência a seu senhor, a menos que creia que
deva procede r assim . Por conseguinte, a submissão começa com esta
honra da qual Paulo deseja que os governantes sejam considerados
dignos.
Para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados.
Somos sempre mais inventivos do que deveríamos ser quando saímos
em busca de nosso próprio proveito. Portanto, os escravos que têm
senhores incrédulos sempre têm na po nta da língu a a objeç ão de que
éDeus.
errôneo queporém,
Paulo, os que usa
servem ao diabo
o mesmo governem
argumento sobre
a fim de os filhos adecon-
alcançar
clusão oposta, a saber: que devem obedecer aos senhores incrédulos
a fim de que o nome de Deus e do evangelho não seja difamado - como
se o Deus a quem adoramos estivesse incitando-nos à rebelião; como
Tim óteo - Capítulo 6 · 161
1 “Que apren damo s a honrar as graças de Deus qu ando forem colocadas diante de nossos
olhos; e quando virmos um homem que exiba algum emblema do temor de Deus e de fé, valorize-
mo-l o ainda
quanto maem
estiver is, enós,
quee busqu emosdes
para que cultivar
ejemo amizade mais
s viver em estreita
bons te rmoscom
comele,
ele.para quecada
E que 0 suportemos
um de nós
considere 0 que s e afirma aqui: que, vist o que Deus nos uniu assim, é para que saibam os que i sso
visa a que sejamos ainda mais seus herdeiros, e que temos um só Espír ito que nos guia, u ma só fé,
um só Redent or, um só batismo, pois tud o iss o e stá incluído na palav ra benefício.Visto, pois, que
temo s isso , aprendamos a estimar as graças de Deus , para que elas no s conduzam a toda bondade
mútua e para que ajamos em concordância com a lição que Paulo nos ensina em outra passagem
[Ef 4.2], isto é, que d evem os uns aos outros amor fratern al, porquanto ele é ‘um vínculo’ que deve
ser co nsiderad o suficiente para unir-nos.” -Fr. Ser.
162 · Com entári o das Pastora is
dizer o tipo
aprender ou de
quequestão q ue
contribui nasce
para de um
aclarar moderado edesóbrio
explanações desejo
pontos úteis;de
mas, ao contrá rio, refere-se ao tipo q uestio nam ento que, p or exemplo,
hoje é discutido nas escolas da Sorbone, que têm o intuito de exibir
habilidade intelectual. Ali, uma questão leva a outra, porque não há
164 · Com entári o das Pastor ais
adedetestar
Deus. os sofismas como algo inconcebivelmente nocivo à Igreja
Supondo que a piedade é fonte de lucro. O significado consiste
em que a piedade é equivalente a lucro ou é uma forma de produzir
lucro, porque, par a esses homens, todo o cristia nismo deve ser aqui-
Iatado pelos lucros que ele gera. É como se os oráculos do Espírito
Santo houvessem sido transmitidos não com outro propósito, senão
de servir à sua avareza; negociam com eles como se fossem mercado-
ria à venda.
Aparta-te também desses. Paulo proíbe aos servos de Cristo
qualquer gênero de transação com tais homens. Ele não só proíbe a
Timóteo de imitá-los, mas lhe diz que os evitasse como se fossem pes-
te maligna. Ainda que não se opusessem abertamente ao evangelho, e
o confessassem , não o bstante a compan hia deles era infecciosa. A lém
disso, se a multidão nos visse com familiaridade com tais pessoas,
haveria o risco de que usassem nossa amizade para insinuar-nos em
seu favor Portanto, devemos empenhar-nos ardentemente por levar
as pessoas a entenderem que somos completamente diferentes deles,
e que nada temos em comum com eles
6. Mas a piedade com contentamento é 6. Est autem quaestus magnus pietas cum
grande lucro; sufficientia.
7. pois nada trouxemos para 0 mundo, e 7. Nihil enim intulimus in mundum; certum
nada po demos levar dele. quòd neque efferre quicquam possumus.
8. Tendo, porém, alimento e com que nos 8. Habentes autem alimenta et tegmina, his
cobrirmos, estejamos contentes com isso. content! erimus.
2 “II y a danger que nostre amitie ne leur serve d’une couvertu re pour avoir entre e a abuse r
les gens.” — “Há0 risco de a nossa amizade servir de subterfúgio para a obtenção de acesso e
assim enganar as pesso as.”
3 “Quando ouvimos que aqueles que assim representam mal a Palavra de Deus fazem de
nossas almas mercadoria, no dizer do apóstolo Pedro [2Pe 2.3], e que fazem tráfico de nós e de
nossa salvação, sem qualqu er consciência, e que não têm escrúpulo de mergulhar-nos no in ferno,
e inclusive descarta r 0 preço que foi pago por nossa redenção, é certo que arruinam as almas e
também zombam do sangue de no sso Senhor Jesus Cristo. Quando ouvimos tudo isso, não deve-
ríamos ter tais mestres em aversão? Além disso, a experiência nos mostra que temos boa razão
em atentar para esta advertência do apóstolo Paulo. Pois a que poço a religião tem chegado!
Porventura ela não tem se assemelhado a uma feira pública? 0 que ela veio a ser no papado? Os
sacramentos são expostos à venda, e tudo mais que pertence à nossa religião tem um preço fixo
apenso a ela. Judas não vendeu 0 Filho de Deus, em sua própria pessoa, mais do que faz 0 papa
e toda a imundícia de seu clero, vendendo as graças do Espírito Santo, e tudo 0 que pertence
ao seu ofício e para nossa salvação. Quando vemos isto, não temos boa razão para pôr-nos em
guarda?” - Fr. Ser.
166 · Com entári o das Pastorai s
9. Mas os que desejam ser ricos caem em 9. Nam qui volunt ditescere incidunt in ten-
tentação e numa armadilha, bem como em tationem et laqueum, et stupiditates multas et
muitas loucas e pernici osas concupiscências, noxias. quae demergunt hom ines in exitium et
as quais submergem os homens na destruição interitum.
e perdição.
10. Porque 0 amor ao dinheiro é raiz de 10. Radix enim omnium malorum est avari-
todas as e spécie s de males; e ne ssa cobiça al - tia; cui addict! quidam aberrarunt a fide, et se
guns se desv iaram da fé e se tr espassaram a si ipsos implicuerunt doloribus multis.
mesmos com muitas dores.
-, será uma promessa como aquela do Salmo 34.10: “Os filhos dos le-
ões passam necessidade e sofrem fome, mas àqueles que buscam ao
Senhor bem nenhum faltará.” O Senhor está sempre presente com seu
povo; e, segundo a demanda de nossas necessidades, ele concede a
cada um de nós uma por ção de sua própria plenitude. Portanto, a ge -
nuína bem-aventurança consiste na piedade, e essa suficiência é tão
boa quanto um razoável aumento de lucro.
7. Pois nada t rouxemos para o mundo. Ele acrescenta esta cláu-
sula a fim de definir o limite do qu e nos é suficiente. Nossa co biça é um
abismo insaciável, a menos que seja ela restringida; e a melhor forma
de mantê-la sob controle é não desejarmos nada além do necessário
imposto pela presente vida; pois a razão pela qual não aceitamos esse
limite está no fato de nossa ansiedade abarcar mil e uma existências,
as quais deb alde imaginamos som ente p ara nós. Nada é mais comum e
nada mais geralmente aceito do que essa afirmação de Paulo; mas tão
pronto tenhamos concordado com ela - vemos isso acontecendo to-
dos os dias -, cada um de nós prevê que suas necessidades ab sorverão
vastas fortunas, como se possuíssemos um estômago basta nte grande
para comportar metade da terra. Eis o que diz o Salmo 49.13: “Ainda
que pareça loucura que os pais esperem habitar aqui para sempre,
todavia sua posteridade aprova o seu caminho.”6Para assegurarmos
que a suficiência [divina] nos satisfaça, aprendamos a controlar nos-
sos desejos de modo a não querermos mais do que é necessário para
a manutenção de n ossa vid a.
8. Tendo, porém, alimento e com que nos cobrirmos. Ao qualifi-
car de alimento e cobertura, ele exclu i o luxo e a supera bund ância. Pois
a natureza vive contente com um pouco,7e tudo quanto extrapola o
uso natu ral é supérfl uo. Não que al gum uso mais l iberal de posse ssõ es
seja conden ado como um mal em si mesmo, mas a ansied ade em torno
delas é sempre pecaminos a.
o adverte sobre q uão perigoso pode torn ar-se um incont rolável a nelo
por elas, especialmente entre os ministros da Igreja, os quais consti-
tuem a principal preocupação do apóstolo aqui. Não são as riquezas
em si a caus a dos males que Paulo menciona aqui, mas o profundo ape-
go a elas, mesmo q uando a pesso a seja pobre. E aqui ele descreve não
só o que geralmente sucede, mas o que qua se semp re inevitav elmente
sucede. Pois todos quantos têm como seu ambicioso alvo a aquisição
de riquez as se entregam ao cativeiro do diabo. É mui veraz o qu e diz o
poeta pagão: “Aquele que quer ser rico, também quer ser rapidamente
rico.”8E assim, segue-se que todos quantos violentamente desejam fi-
car ricos são arrebatados por sua própria impetuosidade.
Essa é a fonte de su a loucura, ou, melhor , de sses loucos impulsos
que por fim os mergulharão na ruína. Esse é um mal universal, mas
ele se revela muito mais conspicuamente nos pastores da Igreja, pois
a avidez os irrita tanto que não se deterão diante de nada, por mais
disparatado que seja, tão logo o brilho da prata ou do ouro ofusque
seus olhos.
10. Porque o amor ao din hei ro.9 Não é preciso ser exagerada-
mente cauteloso em co mpar ar outros vícios com este. É verdade que a
ambição e o orgulho às vezes pr oduzem fruto s piores que os da cobiça;
não obstante, a ambição não provém da cobiça. O mesmo é verdade a
respeito das paixões sexuais. Mas não era a intenção de Paulo incluir
sob o tem a da cobiça tod o gênero de vício que nos se ja possível nome -
ar. O que então ele quis dizer? Simplesmente que inumeráveis males
provêm dela, justamente como normalmente usamos a mesma forma
de expressão quando dizemos que a discórdia, ou a glutonaria, ou a
embriaguez, ou qualquer outro vício dessa espécie produz todo tipo
de males. E é especialm ente verda de no toc an te à vil avidez por lucros,
que nãofraudes,
táveis há males que esteperjúrio,
falsidades, não produza farta e extorsão,
impostura, diariamente: incon-
crueldade,
11. Mas tu, ó homem de Deus, foge dessas 11. Tu vero, 0 homo Dei, haec fuge; sectare
coisas, e segue após a justiça, a piedade, a fé, vero justitiam, pietatem, fidem, caritatem, pa-
0 amor, a paciência, a mansidão. tientiam, mansuetudinem.
12. Combate 0 bom combate da fé, toma 12. Certa bonum certamen fidei; apprehen-
po sse da vida eterna, para a q ual foste chama- de vitam aeternam, ad quam etiam vocatus
do e da qual fizeste a boa confissão diante de es, et confessus bonam confessionem coram
muitas testemunhas. multis testibus.
13. Ordeno-te na presença do Deus que vi- 13. Denuntio (vel, proecipió)tibi coram Deo
vifica todas as coisas, e de Cristo Jesus que qui vivificat omnia, et Christo Iesu, qui testi-
diante de Pôncio Pilatos deu testemunho da ficatus est bonam confesionem coram Pontio
boa confissão, Pilato,
14. que guardes 0 mandamento, sem má- 14. Ut serves mandatum immaculatus et
cuia e sem repreensão, até à manifestação de irreprehensibilis, usque ad revelationem Do-
no sso Senhor Jesus Cris to; mini nostri Iesu Christi;
15. a qual a seu próprio tempo revelará 0 15. Quam suis temporibus manifestabit
bendito e único Soberano, 0 Rei dos reis e Se- beatus et solus princeps, Rex regnantium et
nhor dos senhores, Dominus dominantium,
16. 0 único que possui a imortalidade e ha- 16. Qui solus habet immortalitatem, qui
bita em luz inacessível; a quem homem algum lumen habitat inaccessum, quem vidit nullus
jamais viu, nem pode ver, a quem seja a honra hominum, nec videre potest, cui honor et
e 0 poder eterno. Amém. potentia aeterna (vel, imperium oeternum.)
Amen.
10 Έ assim vemos que Paulo, não sem razão, adiciona esta palavra piedade, que significa
religião e 0 temo r de Deus, e que a conect a com fé, dizendo que, quando depositam os no ssa con-
fiança em Deus, e quando esperamos nele os meios de nosso sustento, devemos também atentar
para isto: não viver neste mundo como se ele fosse nosso fim, e não fixar nosso coração nele, e sim
olhar para 0 reino celestial. Tendo dito isto, em seguida ele nos conduz rumo ao amor de nossos
companheiros e à mansidão, como se fôssemos também obrigados a andar em toda boa amizade
com nossos semelhantes; do contrário não mostraremos que temos a justiça que ele mencionou.
E assim vejamos que, com toda s es tas palavras, ele tem em mente nada mais que confirmar a exor-
tação que ministrou: seguir a justiça e sinceridade. E como a seguiremos? Primeiro, depositando
nossa obediência em Deus; segundo, elevando no ssos pensam entos ao reino celestial; e, terceiro,
vivendo mutuamente em boa amizade.” - Fr. Ser.
Tim óteo - Capítulo 6 · 171
11 “Vemos príncipes cuja ambição os conduz a pôr em risc o tudo 0 que possuem e a pô-los
em perigo de se despirem de seu poder. Vemos soldados que, em vez de ganhar salários traba-
lhando nas vinhas ou nos campos, vão e expõem sua vida numa aventura. E 0 que os leva a isto?
Uma duvidosa e sperança, nada certo. E embora tenham ganhado e o btido uma vitória sobre seu s
inimigos, que vantagem colhem dela? Mas quando Deus nos chama à luta, e deseja que sejamos
solda dos so b sua bandeira, isto será sob nenhuma ou tra condição senão que certifiquemos bem
que a guerra será boa e bem suced ida. E assim Paulo tencionava confortar os crentes enquanto os
exortava, como Deus igualmente se condescende de nós, mostrando-nos qual é nosso dever e, ao
mesmo tempo, declarando que, quando fizermos 0 que Ele nos manda, tudo redundará em noss o
proveit o e salvação.” - Fr. Ser.
12 “Nihil actuam esse .” A expres são nos lembra da incomum beleza pronunciada pelo poeta
Lucano, sobr e a incansável atividade de Júlio C ésar, que ele “não pensa va que tudo est ives se feito,
172 · Com entári o das Pastor ais
vida futura, à qual Deus nos conv ida.” Por consegu inte, em Filipenses
3.12 ele declara que se esfo rçava po r progredir, visto qu e a vida eterna
não estava ainda concretizad a.
Para a qual foste chamado. Visto, porém, que os homens vaga-
riam à toa e lutariam sem qualqu er objetivo de caráter, se Deus não
dirigir sua trajetória e estimulá-los à atividade, o apóstolo menciona
também a vocação deles. Nad a poder á encher-no s de mais coragem do
que o reconhecimento de que fomos chamados por Deus. Pois desse
fato podemos inferir que o nosso labor, que está sob a direção divina
e no qual Deus nos estende sua mão, não ficará infrutífero. Portan-
to, pesaria sobre nós uma acusação muito grave caso rejeitássemos
o chamado divino. Contudo, deve exercer sobre nós uma influência
muito forte ouvir: “Deus te chamou para a vida eterna. Cuidado para
que não te des vies p ara alguma fant asia, ou de alguma forma fracasses
no caminho antes que o tenhas percorrido.”
E fizeste a boa conf issão. Ao mencionar a vida pre gress a de Timó-
teo, Paulo o incita ainda mais a perseverar. Fraca ssar depoi s de ter feito
um bom começo é mais lamentável do que nunca haver começado. A
Timóteo, que até então havia agido bravamente e granjeado louvor,
o apóstolo apresenta este poderoso argumento: que o seu ponto de
chegada corr espond esse ao seu p onto de partida. Entendo con fissão,
aqui, no sentid o não de algo expre sso verbalmen te, mas, antes, d e algo
realizado de forma concreta, e não numa única ocasião, mas ao longo
de todo o seu ministério. Significando, pois: “Tu contas com muitas
testemunhas de tua pública confissão, tanto em Éfeso como em outros
países, a saber: que elas têm assistido a tu a viva fidelidade e seriedade
em teu testemu nho do evan gelho; e tendo transmitido um exemp lo tão
positivo, agora ou tra coisa não podes ser senão um bom soldado de
Cristo,
À caso fato
luz desse não aprendemos
queiras incorrer em maiores
a seguinte lição vexames e infortúnios.”
geral: quanto mais emi
menos magnificente
do um discurso. Poisque
ele se houvera com
a ratificou defendido sua causa
seu próprio pronuncian-
sangue e com o
174 · Com entári o das Pastora is
13 “Mediante se u silêncio, ele confirmoua verdade de Deus, seu Pai, e a morte que enfrentava
tinha 0 propósito de imprimir autoridade ao evangelho; de modo que, quando a doutrina da sal-
vação é proclamada em nosso s dias, a fim de que sej amos confirmados em sua fé, devemos dirigir
nos sa vista para sangue do Cordeiro sem mácula, que foi derramado. Como antigamente, livro
foi aspergido com 0 0 sangue do sacrifício, assim agora, sempre que falarmos no Nome de 0 Deus,
0 sangue de Cristo deve vir à nossa lembrança, e devemos saber que 0 evangelho é aspergido
com ele, e que nossa fé repousa nele de tal maneira que 0 máximo esforço de Satanás não pode
abalá-la." - Fr. Ser.
14 “Sans macule et sans reprehension:”— “Sem mancha e sem censura.”
15 Isto é, podem estar ou no caso acusativo, masculino, concordando com Τιμόθεον, ou no
caso acusativo, feminino, concordando com εντολήν. — Ed.
1 Tim óteo-Capítulo 6 · 175
mais lógica.1 6Pau lo diz a Timóteo que ele deveria to m ar m uito cuidad o
em relação à santificação de sua vida e à pureza de seus hábitos, caso
quisesse d esem penh ar bem o seu ofí cio.
Até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo. É impossível
enfatizar demais quão necessário era que todos os piedosos daquele
tempo direcionassem seu coração inteiramente para o dia de Cristo,
uma vez que inumeráveis escândalos estavam ocorrendo por todo o
mundo. Os cristãos eram atacados de todos os lados; todos os odia-
vam e os amaldiçoavam; estavam e xpos tos ao escárn io geral e tod os os
dias eram oprimidos por novas calamidades; e, entrementes, não lhes
era possível ver algu m fruto de todos os seus num erosos traba lhos e
tribulações. 0 que fazer, então, além de deixar seus pensamentos voa-
rem em direção àquele bendito dia de no ssa redenção?
Não o bstante , a m esma raz ão é igualmente válida a n osso resp eito
hoje. Sataná s nos mo stra tantas coisas que, não foss e essa esperança,
mil vezes seriamos afastados de nossa reta trajetória. Para não dizer
nad a sobr e o fog o e a espada , sob re os exílio s e todos os furiosos assai-
tos de nossos inimigos; para não dizer nada sobre as calúnias e outras
tantas humilhaçõe s. Quantas coisas há por den tro que são muitíss imo
piores! Homens am biciosos pu blicamen te no s atacam ; os ep icureus e
os lucianist as escarnecem de nós; pessoas devassos nos insu ltam; os
hipócritas tramam contra nós; os que são sábios segundo a carne se-
cretam ente nos injuriam, e somos ac ossado s de difere ntes formas e de
tod os o s lados. Em suma, é um m aravilhoso milagre que algu m de nó s
ainda persevere, curvado por uma carga tão excessivamente pesada
e por um ofíc io tão seriamente cheio de riscos. 0 único remédio para
toda s e tantas difi culdad es consiste em olharmos para a manifestaç ão
de Cristo e deposita rm os nela toda a no ssa confiança.1 7
16 “Nonobstant il est beaucoup plus proprede les rapporter asa personne .” — “Não obstan-
te, é muito mais próprio vê-los com o em relação à sua pessoa .”
17 “Os crentes de fato podem ser enfraquecidos em sua fé, quando fitam demais as coisas
presentes. Porque, como ao grande povo d este mundo, o que gostariam senão de subir acima da
Igreja, e pisar Deus sob a planta de seu s pés? Vemos que se divertem com a religião como se ela
fosse uma bola. Vemos ainda que são inimigos letais dela, e que a perseguem com tal fúria, que o
176 · Com entári o das Pastora is
15. A qual a seu próprio tempo revelará. Visto que con tinuamen-
te nos precipitamos em nossos desejos e chegamos a quase indica r um
dia e uma hora p ara Deus , no caso de ele delongar a realização do que
prom etera, Paulo se apre ss a em lançar mão do ensejo para re stringir
nossa excessiva pressa pelo retorno de Cristo. Essa é a razão da vee-
mência expressa nas palavras a qual a seu próprio tempo se revelará.
0 ser humano espera por algo com mais paciência quando não sabe
o exato momento em que aparecerá. A única forma de podermos pa-
cientemente suportar a ordem da natureza é permitindo que sejamos
reprimidos pela idé ia de que est aríamo s agindo inoportunam ente caso
permitísse mos que nossos de se jos lutassem contr a ela. Sabemos qu e
o tempo p ara a manifestação de Cristo f oi pred eterm inad o [por Deus ],
e devemos pacientemente aguardá-lo.
O bendito e único Soberano. Esses títulos de honra são usados
com o fim de exaltar o poder de Deus como Soberano, para que os
nossos olhos não s ejam ofuscados pel o esplendor do s príncipes deste
mundo. Esta instrução era especialmente necessária naquele tempo
em que a gra ndeza e o pod er de todos os reinos tendiam a obscurecer
a majestade e a glória de Deus. Porquanto, todos os homens podero-
sos eram n ão só mor tais ini migos do reino de De us, senão q ue também
viviam arrogantemente atacando a Deus e pisoteando o seu santo
Nome de baixo da planta de se us pés. E quan to mais org ulhosam en te
derramavam seu escárnio sobre a genuína religião, mais bem sucedi-
dos imaginavam ser. Em tal circunstância, quem não ousaria chegar à
conclusão de que Deus era miseravelmente vilipendiado e oprimido?
Vemos em Pro Flacco d e Cícer o os níveis de insolência ele atinge con
mundo inteiro é terrificado neles. Vemos ess as coisa s. Contudo o que s e dirá dos f ilhos de Deus?
São apontados
se cumpre em com
nós ohoje:
dedo,que
imaos
gina -se que sãonos
incrédulos tolos, de modo
reputam porque 0 que é dito
monstros pelo profeta
[Is 8.18]. Ό quê?!Isaías
Estes
pobres coitados?! 0 que pensar deles? 0 que significam? Devemos viver com os vivo s, e uivar com
os lobos. Desejam viver sempre num estado de perplexidade. Nada falam senão em vida eterna, e
não desfrutam de lazer para entretenimento.’ Assim é que so mos considerados pelos incrédulos
como sendo tolos e dementes. E Pedro diz [2Pe 3.2-4] que isto se cumprirá em nós, como 0 pro-
feta Isaías se queixou em seu próprio tempo; os cristãos devem experimentar algo semelhante
hoje.” - Fr. Ser.
1 Timó teo-Ca pítulo 6 · 177
criaturas
possui. Écomo
comolhese apraz; mas édissesse
o apóstolo ainda verdade que não
que Deus unicamente Ele a ser
só é o único
inerentemente e por sua própria natureza imortal, mas também que
Ele tem a imortalidade em seu poder, de modo que ela não pertence
às criaturas, senão até ao ponto em ele lhes comunica energia e poder.
178 · Com entári o das Pastor ais
Pois se o leitor afa star a energia divina que é instilada n a alma humana,
ela imediatamente se desvanecerá; e o mesmo se dá no tocante aos
anjos. Portanto, estritam ente falan do, a imortalidade não tem sua sede
nas alma s, quer dos homens, quer dos anjos, senão que é proce dente
de outr a fonte - a secre ta inspiração de De us, como se acha expressa
em Atos 17.28: “Nele vivemos, nos movemos e existimos.” Se alguém
desejar uma abordagem mais completa e mais detalhada de sse tema,
recomendo que leia o décimo segundo capítulo de A Cidade de Deus,
de Agostinho.
E habita em luz inacessível. Ele tem em mente duas coisas: que
Deus está oculto de nós, e, no entanto, a causa de sua obscuridade
não está nele, como se estivesse envolto em trevas, mas em nós, que
não podemos ter acesso à sua luz em virtude da debilidade de nossa
percepção, ou melhor, do em botam ento de nossas mentes. Devemos
entender que a luz é inacessível àquele que tenta aproximar-se dela
atrav és de su a próp ria força. Poi s se Deus, em sua graç a, não nos hou-
vera aberto um caminho de acesso, o profeta não nos haveria dito:
“Contemplai-o e sereis iluminados, e o vosso rosto jamais sofrerá ve-
xame” [SI 34.5]. Não obstante, é verdade que, enquanto estivermos
circunscritos por esta carne mortal, jamais penetraremos o coração
das profundezas mais secretas de Deus, tão completam ente que nada
nos ficasse oculto. Pois conhecemos em parte, e vemos através de um
espelho embaçado [1C0 13.9-12]. Pela fé, pois, no s intr oduz imos na luz
de Deus, mas somente em parte, de modo que ainda é correto dizer
que ela é uma luz inacessível ao homem.
A quem hom em algum jamais viu. Esta cláusula é adicionada com
o fim explicar o mesmo ponto mais claramente, para que os homens
aprendam a contemplar, pela fé, Àquele cuja face eles não podem ver
comPois
tes. seus entendo
olhos carnais, ou mesmo
isso como com o discernimento
uma referência não só aos de suas olhos
nossos men-
físicos, mas também à faculdade discernidora da mente. Devemos ter
sempre em mente qual era o propósito do apóstolo. É difícil para nós
omitir e desc onsider ar todas aquelas coisas que vi sualizamos de perto,
1 Tim óteo-Capítulo 6 · 179
17. Ordena aos que são ricos do presente 17. lis, qui divites sunt in hoc saeculo, prae-
mundo que não sejam orgulhosos, nem de- cipe (pel, denuntia
) ne efferantur, neve sperent
positem
riquezas,a mas
sua esperança na instabili
no Deus vivo, que nosdade das
propor- in divitiarum
qui incertitudine,
abundè suppedita t omnia sed in Deo vivo,
ad fruendum;
ciona ricamente todas as coisas para 0 nosso
aprazimento;
180 · Com entári o das Pastorai s
18. que pratiquem 0 bem, que sejam ricos 18. Ut benefaciant, ut divites sint in ope-
de boas obras, que sejam generosos em distri- ribus bonis, faciles ad largiendum (vel, ad
buir e prontos a repartir; communicationem,) libenter communicantes.
19. que entesourem para si mesmos um 19. Recondentes sibi ipsis fundamentum
sólido fundamento para 0 futuro, a fim de se bonum in posterum, ut vitam aeternum ap-
apoderarem da vida que é a genuína vid a. prehendant.
20. E tu, ó Timóteo, guarda 0 que te foi con- 20. O Timothee, depositum custodi, devi-
fiado, fugindo dos falatórios profanos e das tans profanas clamorum inanitates, vaniloquia
oposições a que falsamente chamam ciência; et oppositiones falsò nominatae scientiae.
21. pois alguns, professando-o, se desvia- 21. Quam quidam profitentes aberrarunt a
ram da fé. A graça seja contigo. fide. Gratia tecum. Amen.
[A primeira epístola a Timóteo foi enviada Ad Timotheum prima missa fuit ex Laodi-
da Laodicéia, que é a capital da Frigia Paca- cea, quae e st metropolis Phrygiae Pacati anae.
tiana. ]
17. Ordena aos que sáo ricos . Visto que muitos dos cristãos
eram pobres e oprimidos, é provável que, como geralmente sucede,
fossem desprezados pelos ricos; e esse poderia especialmente ser o
caso em Éfeso, que era uma cidade opulenta; pois, em tais regiões, o
orgulho costum a ser ainda pio r. Aprendamos desse fat o quão perigosa
é a abundância das coisas materiais. Paulo tem boas razões para diri-
gir especialmente aos ricos uma advertência tão severa; seu intuito é
remed iar os erros que qu ase sem pre acom panham as riqueza s, pre ci-
samente como nossa sombra acompanha nosso corpo; e tal coisa se
dá pela depravação de nossa me nte que fa z dos dons divi nos ocasião
para o pecado. Ele m encio na esp ecific am ente duas cois as das quais
os ricos deve m p recaver-se, ou sej a: o orgulho e a fa lsa segu rança - a
prim eira oriu nda da se gunda.
Nem depositem a sua esperança na instabilidade das riquezas
foi adicionado para que Paulo atraísse a atenção deles para a fonte de
18 “Será inútil dizer-nos: Quais são as riquezas deste mundo? Vemos que não há certeza
delas. Qua0is mover
Baste-nos são as honras?
da mão, Neão
nospassam de fumaça.em
transformamos 0 que
pó eécinzas.
ainda esta
Serávida?
inútilNão passa de sonho.
argumentar conosco
sobre estes temas. Tudo isso não servirá a nenhum propósito, até que Deus apresente à nossa
mente, até que nos demonstre que devemos dirigir a Ele só todos os nossos afetos e confiança.
E essa é a razão por que todos os mais excelentes protestos instados pelos filósofos são sem
qualquer efeito. Pois têm falado da fragilidade desta vida terrena e da incerteza da condiçã o dos
homens. Têm mostrado que é debalde crer em achar a felicidade em nossas possessões, em nos-
sos senhorios ou em algo desse gênero. Têm mostrado que é mera ilusão imaginar possuir algo
182 · Com entári o das Pastorai s
seu dever , nossa libera lidade não merece ser lançada em nosso créd i
aqui embaixo no qual possamos vangloriar-nos. Esses grandes filósofos nada sabiam sobre Deus,
contudo, se convencendo pela experiência, discutiam e argumentavam habilmente sobre tais te-
mas. Mas, mesmo assim eles não eram bons, porque não buscavam 0 verdadeiro remédio, para
fixar em Deus os corações dos homens, e informá-los de que é tão-somente nele que poderiam
achar contentamento; e ainda chegamos a isto: estaremos sempre envolvidos em muitas perple-
xidades.” - Fr. Ser.
1 Timó teo-Ca pítulo 6 · 183
cação se apropriadamente
apóstolo desvanece. Por essa razão, ao
acrescenta estafalar das coisas
advertência confiadas,
acerca do fa- o
latório fútil. A tradução da Vulgata de κενοφωνίας, Inanitates vocum,
como “vacuidade (vaidade) de vozes” é uma daquelas às quais não
faço objeção, a não ser até onde envolva aquela ambigüidade que tem
184 · Com entári o das Pastor ais
Pergunto,
da vocação o quedaeles
divina, ensinam acerca
incapacidade da fédoe do
humana, arrependimento,
auxílio do Espírito
sofistas,não
tilezas, erguendo-se em aparentemente
só obscurecem elegantes
a simplicidade especulações
da doutrina genuína ecom
su-
suas implicações, mas também a oprimem e a fazem desprezível, já
que o mundo quase sem pre se deixa leva r pela aparência externa.
Paulo não qu er que Timóteo ten te algo do mesmo gênero ao modo
186 · Com entári o das Pastor ai s
exortações. Paulopelo
para enfrentá-la tinhatestem
a morte antedoseus
unho olhos, e ele
evangelho. estava pronto
Portanto, tudo o que
lemos aqui a respeito do reino de Cristo, da esperança da vida eter-
na, da batalha cristã, da confiança em confessar a Cristo e da certeza
da doutrina, a qual deve ser vista não meramente como escrita com
190 · Com entári o das Pastor ai s
tinta, mas com o próprio sangue vital de Paulo; e ele não afirma nada
pelo que não estivesse pronto a oferecer sua morte como fiança. Des-
sa forma a ep ístola pode se r con siderada como uma solene e urgente
ratificação da doutrina de Paulo.
É importante lembrar o que já realçamos em relação à primeira
epístola, a sabe r, que o apóstolo a escreveu não meramente por causa
de um homem - Timóte o -, mas para estabele cer, através de um só
homem, um ensino de aplicação geral, o qual Timóteo pudesse mais
tarde transmitir a outros.
Em primeiro lug ar, havendo enaltecido a Timóteo pela fé em que
havia s ido educado desde a infância, o apóstolo o exorta a perse verar
fielmente, tanto na doutrina que lhe havia sido ensinada quanto no
ofício que lhe fora confiad o; e, ao mesm o tempo, em caso de Timóteo
sentir-se desencorajado pelas notícia s da prisão do apóstolo, ou pela
apostasia de outros, Paulo se gloria em seu apostolado e no galardão
que o aguarda. Também enaltece a Onesíforo, com o intuito de enco-
rajar a outros por meio de seu exemplo. E já que aqueles que desejam
servir a Cristo têm uma árdua tarefa pela frente, ele usa metáforas
extraídas da agricultura e da guerra. Os agricul tores não hesitam an te
o imenso dispêndio de tempo e esforço no cultivo do solo antes que
possa surgir algum fruto; os soldados se desvencilham de todos os
demais afazeres e preocupações para devotarem-se inteiramente às
armas e às ordens de seu general.
Em seguida, ele apresenta um breve sumário de seu evangelho,
e ordena a Timóteo a transmiti-lo a outros e cuidar para que o mes-
mo fosse transmitido à posteridade. Ele faz menção uma vez mais
de sua própria prisão e se deixa levar em santo entusiasmo com o
intuito de animar a outros através de sua coragem. Ele convoca a to-
necessidad e oriundaa da
da seção conclusiv de carta.
su a presen te situação. Esse é o pri ncipal te ma
Capítulo 1
1. Paulo, apóstolo de Jesus Cristo pela von- 1. Paulus apostolus Iesu Christi per volun-
tade de Deus, segundo a promessa da vida tatem Dei, secundum promissionem vitae,
que est á em Cristo Jesus, quae est in Christo Iesu,
2. a Timóteo, meu amado filho: graça, mise- 2. Timotheo dilecto filio gratia, misericor-
ricórdia e paz da parte do Pai e de Cristo Jesus dia, pax a Deo Patre, et Christo Iesu Domino
nosso Senhor. nostro.
1 “Embora, em tudo 0 que Paulo nos deixou escrito, devamos considerar que é Deus quem
nos fala pela boca de um homem mortal, e que tod a sua d outri na deve ser recebida com tal autori-
dade e reverência, como se Deus se manifestasse do céu visivelmente, contudo, mesmo assim, há
nesta epístola um objetivo especial: que Paulo, estando em prisão, e percebendo a proximidade
de sua morte, desejava ratificar sua fé, como se a selasse com seu sangue. Assim, sempre que
lemos esta epístola, notemos a condição em que Paulo se encontrava naquele momento, isto é,
que ele nada mais buscava, senão mo rrer pelo testem unho do evangelho (0 que re almente fez) na
qualidade de seu embaixador, a fim de propiciar-nos uma segu rança mais fort e de sua doutrina, e
para que nos afete de uma maneira mais viva. Aliás, se lermos esta epístola com prudência, desco-
briremos que 0 Espírito de Deus expressou-se nela de tal maneira, com tal majestade e poder, que
nos vemos constrangidos, cativados e esmagados.
194 · Com entári o das Pastor ais
de,
que pois
pode,suaporintenção é queimo,
direito legít Timóteo fosse
ser cham adoreconhecido
seu pró priocomo aquele
filho .3A razão
3. Dou graças a Deus, a quem desde meus 3. Gratias ago Deo, quem colo a proge-
antepassados sirvo com uma consciência ínte - nitoribus in conscientia, ut assiduam tui
gra, de que incessantemente me recordo de ti mentionem facio in pecibus meis die et noc-
em minhas súplicas noite e dia; tu,
4. ansiando por ver-te, recordando-me de 4. Desiderans to videre, memor tuarum la-
tuas lágrimas, para encher-me de deleite; crymarum, ut gáu dio implear,
5. trazendo-me à memória a fé não fingida 5. Memória repetens earn, quae in to est,
que existe em ti; a qual habitou primeiro em sinceram fidem, quae et habitavit primum in
tua avó Lóide e em tua mãe Eunice; e estou avia tua Loide, et in matre tua Eunice; persua-
convencido de que também habita em ti. sum habeo quòd etiam in to.
graças por ti.” Pois a partíc ula ώς às vezes contém ess e sen tido.4Aliás,
é difícil extrair da outra tradução algum significado. De acordo com
minha interpretação, a oraç ão é um sinal de preocupação, e a ação de
graças, sinal de regozijo; porque o apóstolo nunca pensa em Timóteo
sem se lembrar de suas extraordinárias virtudes com que fora dotado.
É desse fato que pro cede a ação de graças do apóstolo; pois recordar
os dons divinos é sempre deleitoso e estimulante às pessoas piedosas.
Ambas as co isas são provas de real afeiç ão. Ele qualifica sua recorda-
ção de Timóteo de άδιάλειπτον [incessantemente], já que ele nunca o
esquecia quando orava.
A quem desde meus antepassados sirvo. Ele diz isso em o posiç ão
às notórias e caluniosas acusações formuladas contra ele, inventa-
das pelos judeus por toda parte, que diziam ter Paulo abandonado a
religião de seu povo e se torn ado um apó sta ta d a lei de Moisés. Ele de-
clara que, ao contrário, adora o Deus sobre quem havia sido instruído
por seus pais, o Deus de Abraão que se revelara aos judeus, que pro-
mulgara sua lei por mãos de Moisés, e não uma divindade moderna,
inventada recentemente pelo próprio apóstolo.
Neste ponto, porém, pode-se perguntar se Paulo porventura se
põe num fundamento suficientemente sólido ao gloriar-se de seguir
a religião comunicada por seus antepassados. Pois daqui se conclui
que este será um bom pretexto para excluir todas as superstições,
e que seria um crime se alguém se apartasse, mesmo que fosse uma
vírgula, das instituições de seus antepassados, quem quer que sejam
eles. A resposta não é difícil. Paulo não está lançando uma regra fixa
por meio da qual todos quantos seguem a religião herdada de seus
pais estejam cultuando a Deus corretamente, e, portanto, qualquer
um que se aparte de seus costumes sejam francamente culpados. De-
vemos sempre
idólatras, e, sim,levar
dos em
filh conta
os de oAbraão,
fato deos
que Paulo
quais não vam
adora descendia de o
o verdadeir
4 “Car le mot Grec se prendplus souvent pour Comme.”— “Pois apalavragrega geralmente
significacomo."
2 Timó teo-Ca pítulo 1 · 197
de si mesmoser
Deveríamos é apenas o que
movidos recomenda
e inspirados a todos
a imitar taisosexemplos,
seus seguidores.
a fim de
fazer disso uma prática essencial mais comum entre nós. Se alguém
entende isso como significando as orações diárias que Paulo tinha por
hábito oferecer em determinad as h oras, não existe absurdo algum em
tal conceito, mas ent endo sua inten ção de uma forma mai s simples, ou
seja, que para ele não havia tempo em que não estivesse mergulhado
em oração.
5. Trazendo-me à memória a fé não fingida. Ele enaltece a fé
tanto de Timóteo quanto de sua avó e sua mãe, mais para encorajá-lo
do que para elogiá-lo. Pois quando alguém sente que fez um bom e
corajoso começo, seu progresso deve injetar-lhe ânimo para avançar
mais, e os exemplos de seu próprio círculo familiar são o mais for-
te incentivo a impulsioná-lo para frente. Essa é a razão por que ele
pôs sua avó, Lóide, e sua mãe, Eunice, por cuja instrumentalidade fora
educado em sua infância, de uma forma tal que ele pôde nutrir-se da
piedade juntamente com o leite de sua mãe. Por meio dessa piedosa
educação, Timót eo é admo estado a não apos tatar de seu pa ssado e de
seus antepassados.
Há certa dúvida se essas mulheres eram convertidas a Cristo, e se
esse era o princípio da fé que Paulo aplau de aqui, ou se a fé atrib uída a
elas é extra cristianismo. A última hipót ese p arec e ser a mais prováve l.
Pois ainda que muitas superstições e corrupções se prol iferavam por
toda parte, naquele tempo, o Senhor sempre teve seu pró prio povo, a
quem não permitia que fosse corrompido juntamente com a maioria,
mas a quem ele santificou para si próprio, de modo a haver sempre
entre o s judeus algum si nal da graça que ele havia prometid o à semen-
te de Abraão. Portanto, não há absurdo algum em dizer-se que viviam
e morriam na fé no Mediador, embora Cristo não lhes houvera sido
ainda revelado. Todavi a, não faço aqui nenh um a afirmação positiva, e
nem deveria
E estoume propor a taldetemeridade.
convencido que também habita em ti. Esta cláusula
confirma minha última conjectura , po is aqui, a meu ve r, ele não se re-
fere à fé atual de Timóteo. Denegriria seu confiante enaltec imen to da fé
de Timót eo se apenas d issesse que reconhecia ser ela parecida co m a
de sua mãe e a de sua avó. Para mim, o significado consiste em que Ti-
móteo, d esd e a infância, ao tempo em que ainda não obtivera qualquer
conhecimento do evangelho, vivia tão imbuído daquela reverência e
fé em Deus, que a primeira dava evidência de que a última era uma
semente viva que germinaria e cresceria.
Uma vezatravés
é conferida estabelecido este
de sinal ponto,Minha
externo. suscita-se a pergunta
resposta é que setodosa graça
os
ministros ordenados eram apresentados a Deus através das orações
de toda a Igreja, e dessa forma a graça era por eles recebida de Deus.
Ela não era transmitida em virtude do sinal externo, ainda que o si-
2 Timóteo-Ca pítul o 1 · 201
nal não íosse empregado em vão e inutilmente, senão que era um fiel
emblema da graça que eles recebiam da própria mão de Deus. Essa
cerimônia inaugural não era um ato profano, engendrado só com o in-
tuito de o bter au toridade aos olhos dos homens, mas era um leg ítimo
ato de consagração diante de Deus, algo que só podia ser efetuado
pelo poder do Espírito Santo. Aqui Paulo usa o sinal em lugar de todo o
assunto, pois ele quer dizer que Timóteo era investido de graça ao ser
oferecido a Deus como ministro. Aq ui se faz pres ent e uma sinéd oque,
na qual uma parte é toma da pelo todo .
Mas ainda surge aqui outra dúvida, se foi somente em sua orde-
nação que Timóteo obteve a graça necessária para o desempenho de
seu ofício como ministro, de que natureza era a eleição de um homem
ainda não idôneo ou qualificado, mas ainda carente do dom divino.
Respondo que não lhe estava sendo concedido, então, o que ele antes
não possuía. É verdade que ele se distinguia tanto em doutrina quan-
to em outros dons antes que Paulo o designasse para o ministério.
Mas não há incongruência alguma em ele sustentar que quando Deus
propôs usar Timóteo em sua obra, e convocá-lo para a sua realização,
ele então o capacitou e o enriqueceu ainda mais com novos dons, ou
conferiu-lhe uma dupla po rção d aquele s que já hav ia recebido. Portan-
to, não significa que Timóteo não possuí sse nenhu m dom an tes de sua
ordenação, senão que e sses dons se m anifest aram mais gloriosament e
quando a função docente lhe foi conferida.
7. Porque Deus não nos deu espírito de covardia. Isso confirma
sua afirmação anterior, pela qual ele prossegue insistindo com Timó-
teo a ap resenta r evidênci a do poder dos dons que recebera. El e apela
para o fato de que Deus governa seus ministros pelo Espírito de poder
que é o oposto do espírito de covardia. Daqui se conclui que eles não
devem
gurançacair na indolência,
e ardorosa mas eq que
atividade, ue exibam
devem animar-se comresultados
com visíveis pr ofundaose-
poder do Espírito.
Há uma passagem em Romanos [8.15] que, à primeira vista, se
assem elha muito a esta; o contexto, porém, revela que o sentido é dife
202 · Com entári o das Pastorai s
rente. Ali, ele está trat ando da confianç a na adoção possuída por todo s
os crentes; aqui, porém, sua preocupação é especificamente com os
ministros, e os exorta na pessoa de Timóteo a animar-se para solícitos
feitos de bravura; pois o Senhor não quer que exerçam seu ofício com
indolência e fraqueza, mas que avancem com tod o vigor, confiando na
eficácia do Espírito.
Mas de poder, de amor e de sobriedade. Daqui aprendemos
que nenhum de nós possui em si mesmo a excelência de espírito e
a inabalável confiança necessárias no exercício de nosso ministério;
devemos ser revestidos com o novo poder do alto. Os obstáculos são
tantos e tão imensuráveis , que nenhuma coragem h umana é sufici ente
para transpô-los. Portanto, é Deus quem nos equipa com o Espírito de
poder. Pois aqueles que, por outro lado, revelam grande força, caem
quando não são s usten tados pelo poder do Espírito de D eus.
Em segundo lug ar, inferimos que os que sã o tímidos e servis como
os escravos, de modo que, quando precisam soerguer-se não ousam
tomar qualquer iniciativa em defesa da verdade, esses não são gover-
nados pelo Espírito que age sobre os servos de Cristo. Daí se conclui
que mui poucos daqueles que se denominam ministros de Cristo, hoje,
dão mostras de ser fiéis. Pois dificilmente se encontrará entre eles um
que, confiando no poder do Espírito, destemidamente desdenhe de
tod a altivez que se exalta co ntr a Cristo! Acaso a grande maioria não se
preocupa mais com seu próprio interesse e seu próprio lazer? Não se
ficam acovardados e quietos assim que surge algum problema? Como
resultado, em seu ministério não resplende nada da majestade de
Deus. A palav ra espírito é aqui usada figuradamente, como em muitas
outras passagens.6
Mas, por que depois de poder ele acrescenta amor e sobrieda-
6 “Le mot A'Espritest yci pries pout les dons qui en procedent, suy. vent la figure nommee
Metonymie.”— “A palavraEspírito,aqui, deve ser tomada pelos dons que procedem dele, em
conformidade com a figura denominada metonímia."
2 Timóteo-Ca pítul o 1 · 203
mundo inteiro?” Não obstante, ele deve ter se sentido feliz com essa
admoestação. Paulo lhe diz: “Não precisas sentir-se envergonhado a
meu respeito, pois de nada tenho que me envergonhar, porque sou o
pris io neir o de Cristo; não estou em cadeia s por algum cr im e ou malfei-
to, e , sim, po r seu n om e.”
Suport a as dific uldades p rovenien tes do evan gelho. Ele diz a Ti-
móteo como fazer 0 que lhe pede, ou seja, preparando-se para sofrer
as aflições que estão relacionadas com o evangelho, pois esquivar-se
da cruz ou tentar evitá-la significa sempre envergonhar-se do evange-
lho. E assim Paulo tem duas boas razões para encorajar Timóteo a ser
ousado em sua confissão, e ao falar sobre levar a cruz, que ele não 0
fizesse em vão.7
E acrescenta segu nd o 0 poder de Deus, porque imediatamente
sucumb irí amo s caso ele não nos su stentasse. A frase contém tanto ad-
m oestação quanto consolação. A adm oestação é para tir arm os nosso s
olhos de nossas presentes fraquezas e, confiando no socorro divino,
aventurarmo-nos e esforçarmo-nos em relação às coisas que se en-
contram alé m de n ossas próprias for ças ; o conforto é para que, caso
soframos algo por conta do evangelho, Deus virá e nos livrará e, em
seu po der nos dar á vi tór ia.
9. Que no s salvou. Pela visão da grandeza da bênção, o apóstolo
dem onstra o quan to devem os a De us, porq ue a sal vação que ele nos ou
7 “Ele mostra, em primeira instância, que 0 evangelho não p ode existir sem aflições. Não que
Deus deixa de intimar a todos os homens a que se unam na fé, e que a doutrina do evangelho é a
mensagem de reconciliação; mas, mesmo assim, de um lado, há os que se deixam arrastar pelo
poder de s eu Espírito Santo, enquanto os incrédulos permanecem em sua dureza ; e, do outro, há 0
fogo que se acen de, com o quando trovõ es se generalizam na atmosfera, e as dificuldades su rgem;
assim seJesus
Senhor dá quando evangelho
Crist o 0deseja q ue 0éque
proclamado. E agora,
ele suportou em suasepes
0 evangelho trouxer
soa se cumpra emaflições, e se nosso
seus membr os, e
que a cada dia ele for crucificado , é lícito esquivar-nos d ess a condição? Visto, pois, que tod a noss a
esperança jaz no evangelho, e visto que devemos aprender sobre ele, ponderemos sobre 0 qu e
Paulo diz: que devemos proporcionar apoio a nossos irmãos, quando os virmos assaltados, quan-
do vir mos os homens os pisoteando debaixo de seus pés, cuspindo em seu rosto e os insultand o,
prefiramos ser seus companheiros, suportando os opróbrios e conduta vil do mundo, em vez de
sermos honrados, de desfrutar de boa reputação e crédito, e não nos alienando dos que sofrem
pela causa que com eles temos em comum. ” - Fr. Ser.
2 Timóteo-Ca pítul o 1 · 205
torgou facil mente abso rve todo s os males que supo rtam os ne ste mundo.
O termo, ‘salvou’, ainda que seu significado seja de caráter geral, aqui,
nes te contexto, refere-se som ente à salvaçã o eterna. Seu significado con-
siste em que não haviam recebido através de Cristo nenhum livrament o
passageiro e transitório, e, sim, uma salvação eterna, e desse modo se
revelariam extre mam ente ingratos, ca so valorizassem su a vida fugaz, ou
sua reputação, em vez de reconhecê-lo como seu Redentor.
E nos chamou com santa vocação. Ele faz de nossa vocação o
selo infalível de nossa salvação. Pois como a salvação foi consumada
na mo rte de Cristo, assim Deus nos faz partíc ipes dela atravé s de Cris-
to. Para exaltar essa vocação8ainda mais, ele a qualifica de santa. Tal
fato deve ser cuidadosamente observado, pois assim como temos de
buscar a salvação exclusivamente em Cristo, ele também teria morrido
em vão e a troco de nada caso não nos chamasse para participarmos
desta graça. Portanto, mesmo depois de haver, com sua morte, nos
concedido a salvação, uma segunda bênção resta ser outorgada, a
saber: q ue ele nos uniria em seu C orpo e nos co municari a seus benefí-
cios a fim de os desfrutarmos.
Não segundo nossas obras, mas segundo seu próprio propósito e
graça. Ele agora chama a atenção para a fonte, que r de n ossa vocação,
quer de nossa salvação total. Não possuímos obras que sejam capazes
de tomar a iniciativa em lugar de Deus, de modo que a nossa salvação
depend e abso lutamente de seu gracioso propósito e eleição. Em ambos
os termo s - “propó sito” e “graça” - há uma hipálag e,9 de modo que o
segundo termo é considerado um adjetivo - “segundo o seu gracioso
propósito”. Ainda que Paulo geralmente use o termo ‘propósito’ no senti-
do de “o decreto secreto de Deus”, o qual depende exclusivamente dele,
o apóstolo, aqui, decide adicionar “graça” com o fim de tornar sua tese
ainda mais
ferência às exp lícita
ob ras. e poder nexcluir
A antítese, completamente
este versículo, por sitsóoda e qualqu para
é suficiente er re-
quedeAgos
to tinho
Paulo; suscita
o que ele em
quermuitas
dizer épassagens, é estraisto:nha
simplesmente ao pensamen-
“antes que os
tempos iniciassem sua trajetória, desd e todas as eras passad as.” Além
do mais, é digno de nota o fato de ele colocar Cristo como o único
fundamento da salvação, porque fora dele não há nem adoção nem
2 Tim óteo-Capítulo 1 · 207
10 Τής έπιφανείας. “Teodoreto explica bem isto por ένανθρωπησεως, sendo a expressão
usada especialmente pelos escritores antigos para 0 aparecimento dos deuses sobre a terra.
Assim em Josefo (Ant. 18.3, 4) temos την επιφάνειαν έχδιηγεΐται του Ανούβιδο [ela relata ο
aparecimento de (0 deus) Anúbis], Επιφ άνεια aqui, denota o primeiro aparecimento de Cristo na
carne, ainda que em outro lugar0 termo sempre signifique seu segundo aparecimento para julgar
0 mundo.” - Bloomfield.
208 · Com entári o das Pastor ais
santos mestres,
isso Pa ulo, tendoele despedarta
a visão suspeita
m orte s acerca
ante seus da sua
olhos, vocaçãondo.11bem
e conhece Por
as tramas bem articuladas de Satanás, determinou certificar tanto o
fraseTodavia,
sobre os gentios.
não me envergonho. Paulo então apresenta dois argu-
mentos a fim de impedir que sua prisão de alguma forma trouxesse
prejuízo à sua autoridade. Primeiro, ele mostra que a causa de sua
prisão, longe de ser uma desgraça, era-Ihe, ao contrário, uma honra,
210 · Com entári o das Pastor ais
visto que fora aprisionado não por algum mau procedimento, mas por-
que obedecera ao chamado divino. É-nos um imenso conforto quando
podemos receber os injustos juízos humanos com uma consciência
íntegra. Segundo, ele argumenta que não há nada de vexatório em sua
prisão, já que sua esperança é que haveria um resultado feliz. O homem
que se vê armado com tal defesa pode com certeza vencer as grandes
provações, por mais graves que sejam. E ao dizer não me envergonho,
ele usa seu próprio exemplo para encorajar outros a demonstrarem a
mesma ousadia.
Porque sei em quem tenho crido. Eis aqui o único refúgio para
onde todos os crentes devem f ugir quando o mundo os conden a como
perdidos e infelizes, ou seja, que devem te r po r suficiente o fato de
poderem contar com a aprovação divina; pois o que seria deles caso
depositassem nos homens sua confiança? Desse fato devemos inferir
que há grande diferença entre a fé e a mera opinião humana. A fé não
depende da autoridade humana, tampouco é uma confiança hesitan-
te e dúbia em Deus; ela tem de estar associada ao conhecimento, do
contrário não será ba stant e forte contra os intermin áveis assaltos que
Satanás lhe faz. O homem que, como Paulo, possui tal conhecimento
saberá de experiência própria que nossa fé é corretamente chamada
“a vitória q ue ven ce o m und o” [1J0 5.4], e que C risto tin ha boas razõ es
para dizer que “as p ortas do inferno não prevalecerão contra ela” [Mt
16.18]. Tal homem será capaz de repousar tranqüilamente mesmo em
meio às tormentas e tempestades deste mundo, visto que alimenta
uma confiança inabalável de que Deus, que não pode mentir ou en-
ganar, falou, e o que ele prometeu, certamente o cumprirá. Por outro
lado, o homem que não tem essa verda de indelevelmente gravada em
sua mente será sempre movido de um lado a outro como um caniço
agitado
Estapelo vento. merece nossa detida atenção, pois ela explica de
passagem
uma forma muitíssimo excelente o poder da fé, quando demonstra
que, mesmo em casos extremos, devemos glorificar a Deus por não
duvidarmos que ele se manterá verdadeiro e fiel e por aceitarmos sua
2 Timóteo-Ca pítul o 1 · 211
por
dandincredulidade, da prom essa de Deus; mas, pela fé, se fortaleceu,
o glória a Deus.”
Guardar o meu dep ósito até àquele dia. É bom ob serv ar a forma
como ele descreve a vida eterna: o depósito que lhe fora confiado.
Daqui aprendemos que a nossa salvação está nas mãos de Deus,
212 · Com entári o das Pastorai s
13. Conserva 0 padrão das sãs palavras 13. Formam habe sanorum sermonum,
que de mim tens ouvido, na fé e no amor que quos a me audisti in fide et caritate, in Christo
há em Cristo Jesus. Iesu.
14. Guarda0 bom depósito que te foi con- 14. Eregium depositum custodi per Spiri-
fiado pelo Espírito Santo que habita em nós. turn Sanctum, qui inhabitat in nobis.
15. Deves saber que todos os que estão na 15. Nosti hoc, quod aversati me fuerint om-
Ásia me viraram as costas, entre os quais es- nes, qui sunt in Asia, quorum sunt Phygelus et
tão Figelo e Hermógenes. Hermogenes.
16. O Senhor conceda misericórdia à casa 16. Det misericordiam Dominus Onesiphori
de Onesíforo, porquanto me trouxe refrigério familiae; quoniam saepe me refocillait, et de
e nunca se envergonhou de minhas cadeias; catena mea non erubuit:
17. antes, vindo ele a Roma, diligentemen- 17. Sed quum es se t Romae, studiosus quae-
te me procurou e me achou sivit me, et invenit.
18. (0 Senhor conceda-lhe achar miseri- 18. Det ei Dominus invenire misericordiam
córdia naquele dia); e com quantas coisas ele a Domino in ilia die et quanta Ephesi ministra-
ministrou em Éfeso, tu 0 sabes muito bem. vit melius tu nosti.
12 “Si nostr e salut dep end oit de nous, et qu’il fust en nostr e garde.” — “Se no ss a salva ção
dependesse de nós, e est ivesse sob nossa proteção. ”
2 Tim óteo-Capítulo 1 · 213
e apostasia da sã doutri na; e por essa razão ele prud entem ente exorta
Timóteo a não se apa rtar d a forma de ensino que havia re cebido, e a
ajustar seu método desse ensino à regra estabelecida pelo apóstolo
- não que ele fosse e xcessivamente escrupulo so acerca de palavr as,
mas porque é terri velmente danos o corrom per a doutr ina, mesmo que
em gr au m ínim o.13
À luz desse fato podemos entender o valor da teologia dos pa-
pistas, porq uanto ela se degen erou ta nto do pad rão que Paulo aqui
recomenda, que se assemelha mais a enigmas de adivinhos e profetas
do qu e com o ensino q ue tem por b ase a Palavra de Deus . Que indí cios
dos escritos de Paulo, pergunto, há em todos os livros dos escolásti-
cos? Essa corrupção doutrinai libertina revela quão sábio fora Paulo
em dizer a Timóteo que conservasse sua forma srcinal. Sãs palavras
são contrastadas, aqui, não só com as doutrinas que são manifesta-
men te ímp ias, mas com questionam entos fúteis que não nos levam a
nada de sólido, mas só a enfermidades.
Na fé e amor que há em Cristo Jesus. Estou consciente de que às
vezes a partíc ula έν pode significar “com ”, de ac ordo com o uso hebrai-
co ( ); mas aqui parece hav er um signif icado distinto. Paulo acresce nto u
esse elemento como um distintivo da sã doutrina com o propósito de
deixa r-nos cientes de qual é o seu conteú do e com o ela pode ser suma-
riada, e inclu i tudo isso, segund o seu hábito, sob a fé e o amor . Ele coloca
ambos em Cristo como seu fundamento, visto que o conhecimento de
Cris to consiste primordialmente dessas dua s partes, porque, ainda que
a expressão, que há, es tá no singular e concorda com a palavra amo r, a
mesma deve ser s uben tendida como que aplic ável igua lmente à f é.
13 ou sistema
mário, “Ele nãodas
tinha que declarar
verdades abertde
que ouvira ament
seu epai
asespiritual,
palavras da Escritura,
e, numa formae sim reter firme0 su-
de dependência de
Cristo, mostrar sua fidelidade eamor para com seu Redentor. Ele tinha que manter este sistema de
doutrina como um penhor entregue à sua guarda pelo auxílio doEspírito Santo. Os ministros devem
reter firme a mesma verdade, mas, acima de tudo, aquelas verdades particulares que são a base
peculiar da oposição do diabo, e enfrentar um tratamento rude nos tempos em que vivem; assim
fazendo, agem de acordo com a ordem que seu exaltado Mestre impôs aopastor da Igreja em Filadél-
fia, e então podem esperar pela bênção prometida por ele [Ap 3.8,10,11 ].”-A brah am Taylor.
214 · Com entári o das Pastor ais
guardado? Devemos
se perca nem nostirado
nos seja precaver paraDeus
o que que,nos
por confiou,
nossa indolência,
em razãonão
de
14 “Le mot Grec duquel il use, quenous traduisons bon.”— “0 termo grego, que ele emprega,
0 qual traduzimos porbom.”
nossa ingratidão ou de no sso mau us o. Há muitos que rejei tam a graça
divina, e muitos outros que, depois de recebê-la, se privam dela.
Pelo Espírito Santo. Visto, porém, que o poder de guardá-la não
se encontra em nó s, o apóstolo a crescen ta pelo Espírito Santo, como se
quisesse dizer: “Não te peço mais do que podes dar, porque 0 Espírito
Santo suprirá a lacuna que porve ntura em ti exista .” Daqui se depreen-
de que não devem os julgar a capac idade huma na pelos mandamentos
divinos, pois assim como ele ordena através de formas verbais, tam-
bém escreve suas palavras em nossos corações; e, ao injetar-nos vigor,
ele cuida para que sua ordem não caia no esquecimento.
Que hab ita em n ó s. 15 Quanto à frase pelo Espírito S anto que habita
em nós, significa que ele está presente para prestar aos crentes cons-
tante socorro, contanto que não rejeitem o que lhes é oferecido.
15. Deves saber que todos os que estão na Ásia me viraram as
costas. É possível que as apostasias mencionadas pelo ap óstolo tenha m
15 “Visto que Deus assumiu sua morada em nós, e quer que sejamos seu templo, e habita
nesses templos através de seu Espírito Santo, porventura temeríamos que ele não nos dê 0 poder
de perseverar até 0 fim, que ele não nos mantenha na infalível posse dos benefícios que temos
recebido de sua s mãos? De fato 0 diabo tudo fará para privar-nos desta graça, mas, nossas almas
não lhe serão por presa, pois tendo sido entregues por Deus 0 Pai, 0 nosso Senhor Jesus Cristo as
tomou sob sua proteção, assim nada que Deus designou para nossa salvação será presa de Sata-
nás. E por quê? Porque temos 0 Espírito por nossa defesa contra todos os seus esforços. E onde
está 0 Espírito? Não devemos sair em busca dele acima das nuvens. É verdade que ele permeia
toda a terra, e que sua majestade h abita acima dos céus; mas se sentimos que ele habit a em nós, já
que ele tem-se agradado em exercer seu poder em criaturas tão pobres como 0 somos, saibamos
que esse poder será suficiente para defender-nos contra os assaltos de Satanás; isto é, contanto
que nós, de nossa parte, não sejamos negligentes. Pois não devemos gratificar-nos em nossos
pecados, a ponto de sermos displicentes, mas oremos a Deus, confiando-lhe tudo e esperando que
ele sempre nos fortaleça, mais e mais. E porque ele já começou a fazer-nos ministros de sua graça,
saibamos que ele seguirá avante, e de tal maneira que nossa salvação e a de nosso semelhante
será s empre levada avante, ma is e mais, para su a glória.” - Fr. Ser.
216 · Com entári o das Pastora is
que não titubeassem ao saber que Paulo não ficara destituído da as-
sistência divina.
Entre os quais estão Figelo e Hermógenes. Ele exibe o nome de
dois dos dese rtores - provavelmente os mai s conhecidos - a fim de
pôr um p onto final a e sses ataques caluniosos. Pois geralm ente su ced e
que os deser tores da b atalha cris tã16 buscam justi fica tiva s p ara sua
pró pria co nduta infeliz, in ven tand o to do tipo de ac usa ções que pos-
sam lançar contra os fiéis e honestos ministros do evangelho. Figelo
e Hermógenes, sabendo que sua covardia era com razão considerada
pelos cr ente s um a infâmia, e que aind a eram co ndenad os como cul-
pad os de vil traição , não hes itara m em des ca rreg ar contra Paulo su as
falsas acusaçõ es e cinicam ente ma cular sua inocência. E assim Paulo ,
a fim de desmascarar a falsidade deles, seleciona-os para a menção
que merec em.
Também em nossos dias há muitos que, ou porque não foram
admitidos ao ministério aqui em Genebra, ou porque foram destitu-
idos de seu ofício em virtude de sua p ervers idade ,17 ou porq ue não
nos comprometemos a sustentá-los em sua ociosidade, ou por terem
pra tica do rou bo ou fornicação, se vêem fo rçad os a fugir, percorrendo
imediatamente a França e v agando ao léu na tentativa de estab elecer
sua própria inocência, dirigindo contra todos nós o máximo de acu-
saçõ es18 que podem. E a lguns irmãos são bastan te insensatos para
acusar-nos de crueldade, assim que algum de nós pinta tais homens
em suas verdadeiras cores. Seria preferível que todos esses homens
tivessem suas frontes marcadas para que pudessem ser reconhecidos
à prime ira vista .
16. O Senhor conc eda misericórdia. Desta expressão inferimos
que os bons serviços prestados aos santos não são realizados em vão,
16 “Car c’est la coustume des apostats, et de ceux qui Laissent la vocation de Christ.”— “Pois
é costumeiro com os apóstatas e com aqueles que abandonam a vocação de Cristo.”
17 “Pource qu’on les en depose a cause de leur mesehancet e et vie scandaleuse.” — “Porque
são depostos em decorrência de sua perversidade e vida escandalosa.”
18 “Tous les blasphemes et accu sati ons qu’ils peuvent.” — “Todas as blasfêmias eacus açõe s
que podem.”
2 Tim óteo-Capítulo 1 · 217
ainda quando os santos não tenham como retribuir. Pois ao orar para
que Deus os recompensasse, tal ato eqüivale a uma promessa. Ao mes-
mo tempo, Paulo revela sua própria gratidão, transferindo para Deus
o poder de recompensar, já que ele mesmo não era capaz de saldar o
débito. O que sucede ria caso ele contasse com am plos recursos para re-
compen sar? Nesse caso ele não teria como provar que não era ingrat o.
À casa de Onesíforo, porquanto me trouxe refrigério. É preci-
so que atentemos mais detidamente para o fato de que, embora seja
Onesíforo o elogiado por sua beneficência, não obstante, por sua cau-
sa, Paulo ora pedindo a bênção divina para toda sua família. Disto
inferimos que a bênção divina repousa não só sobre um justo, indivi-
dualmente, mas também sobre toda a sua casa. 0 amor de Deus por
seu povo é tão imensurá vel, que o mesmo se expande p or sobre to dos
os que se relacionam com ele. Ao dizer que Onesíforo nunca se en-
vergonhou de minh as cadeias, isso prova não só sua liberalidade, mas
também seu ze lo, vist o que esp ontaneam ente se expusera aos perigos
e aos escárnios dos hom ens a fi m de socorre r o apóstolo.
1 8 . 0 Senhor conceda-lhe. Alguns o interp retam assim: “0 Senhor
conceda-lhe achar misericórdia diante do tribunal de Cristo”; e isso
é deveras algo mais tolerável do que interpretar esta passagem à luz
de Gênesis 19.24: “0 Senhor fez chover fogo da parte do Senhor”, no
sentid o em que o Pai fe z chover fogo da p arte do Fil ho. É possível que
o impulso das emoções de Paulo, como freqüentemente sucedia, o le-
vasse a fazer uma repetição supérflua.
Achar misericórdia naqu ele dia.19 Esta oração revela quão mais
19 “Nenhum cristão pode ler esta passagem sem se sentir poderosamente afetado por ela;
pois vemos que Paulo foi, por assim dizer, transportado quando falou dessa vinda de nosso Se-
nhor Jesus
em sua vindCristo e da
a, no dia deressurreição final.quando
no ssa redenção, Ele nãomanifestar-se
diz: “Que0 Senhor conceda
novamente que
para ele
julgarache favor
0 mundo!”
Mas ele diz: “naquele dia”; como se apresentasse0 Senhor Jesus visivelmente, com seus anjos.
Paulo não falou essas coisas friamente, ou como homem, mas subiu acima de todos os homens,
para que pudes se exclamar: “Aquele dia, aquele dia!”E onde est á ele? É verdade que nenhum dos
que desejam ser sábios em si mesmos se dará 0 trabalho de descobri-lo; pois aquele dito tem
de cumprir-se: “Porque desde a antigüidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem
com os olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele es pera” [Is 64.4]. Que os
218 · Com entári o das Pastorai s
rico é o galardão que aguarda os que fazem o bem aos santos sem
qualquer esperança de recompensa terrena do que se o recebessem
imediatam ente de mãos hum anas. E é bom ob servar q ue ele ora para
que Onesíforo pudesse achar misericórdia. Pois a pessoa que é mise-
ricordiosa em relação a seu próxi mo, ach ará a m esma m iseri córdia da
p arte de Deus; e seriam os mais que insensatos caso esta prom essa não
nos encorajasse e não nos estimulasse profundamente a demonstrar
benevolê ncia . Segue-se ta m bém d esse fa to que Deus não recom pensa
segundo nossos méritos pessoais, e, sim, que o seu melhor e mais ex-
celente galardão se rev ela quando ele nos p erdoa e se ap resenta a nós ,
não com o um Ju iz severo, mas como um Pai clem ente e perdoador.
homens exercitem suas faculdades ao máximo para 0 conhecerem, ainda lhes será algo escuro e
misterioso, e não serão capazes de acercar-se dele. Mas quando abraçarmos a promessa que ele
nos deu, e depois de havermos conhecido que Cristo, ressuscitando dentre os mortos, exibiu seu
poder, não por nossa própria causa, mas para reunir todos os seus membros e uni-los a si, então
seremos capazes realmente de dizer: Aquele dia." - Fr. Ser.
Capítulo 2
1. Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça 1. Tu ergo, fili mi, fortis esto in gratia, quae
que há em Cristo Jesus. est in Christo lesu.
2. E as coisas que de mim tens ouvido en- 2. Et quae a me audisti per multos testes,
tre muitas testemunhas, confia as mesmas a haec commenda fidelibus hominibus, qui ido-
homens fiéis, que sejam capazes de ensiná-las nei erunt ad alios etiam docendos.
também a outros.
3. Sofre comigo as fadigas, como bom sol- 3. Tu igitur feras afflictions, ut bonus miles
dado d e Cristo Jesus. lesu Christi.
4. Nenhum soldado em serviço se em baraça 4. Nemo, qui militat, implicator vitae nego-
com os negócios desta vida, a fim de agradar tiis, ut imperatori placeat.
àquele que 0 alistou como soldado.
5. E se alguém também se empenha nos jo- 5. Quodsi quis etiam certaverit, non coro-
gos, 0 mesmo não é coroado a não ser que 0 natur, nisi legitime certaverit.
faça com fidelidade.
6. O lavrador deve prosseguir labutando 6. Laborare prius agricolam oportet, quam
antes que venha a participar dos frutos. fructus percipiat.
7. Considera 0 que eu digo, porque 0 Se- 7. Intellege quae dico; det enim tibi Domi-
nhor te d ará entendimento nessas coisas. nus intellectum in omnibus.
seu Espírito, de modo que somos fortalecidos naquela graça que ele
mesmo proporciona. E, no entanto, as exortações não são supérfluas,
porq ue o Espírito de Deus, nos ens inan do interiorm en te, faz com qu e
elas não soem infrutíferas em nossos ouvidos nem caiam no esque-
cimento. Portanto, o homem que reconhece que esta exortação não
po dia se r frutífera se nã o pelo poder se creto do Espírito, jamais usa rá
esta passagem em abono do livre-arbítrio.
Que há em Cristo Jesus . Ele acrescenta que há em Cristo Jesus por
duas razões: para m ostrar que é tão-somente de Cristo, e de nenhum
outro, que a graça emana, e para que nenhum cristão se visse privado
dela. Pois ainda que o único Cristo seja comum a todos, segue-se que
todos participam de sua graça, e é por isso que se diz estar ela “em
Cristo” , já que tod os o s que se e ncon tram em Cristo devem poss uí-la.
Meu filho. O modo carinhoso com que o apóstolo fala, chamando
Timóteo filho meu, tende a granjear suas graças, ou seja, para que o
seu ensino pene trasse m ais profundamente o coração de Timót eo.
2. E as coisas que de mim tens ouvido. O apó stolo revela uma vez
mais quão ansioso estava em com unicar a sã doutrina à posteridade.
Não só exorta Timóteo, como fizera antes, a preserv ar su a form a e ca-
racterísticas, mas tam bém a comun icá-la a m estres piedosos para que,
uma vez amplamente disseminada, viesse a lançar raízes em muitos
corações. Ele percebeu de antemão que ela viria facilmente a perecer
caso não fosse dil igen te e amplamente proclam ada através de muitos
ministros. E, aliás, descobrimos o que Satanás conseguiu logo depois
da morte dos apóstolos; porque, como a pregação deixou de existir
por muitos séculos, ele enge ndrou invenções inum eráveis e loucas
que, em seus monstruosos absurdos, sobrepujaram as superstições
de todo s os gentios. Não é de adm irar que Paul o, queren do protege r-se
contra males tão imensos, zelosamente deseja que sua doutrina fos-
se confiada a todos os ministros piedosos que, por sua vez, fossem
qualificados para comunicá-l a a outro s. É c omo se q uises se dizer: “ Pro-
videnci ai para que, depois de minha morte, permaneçam testem unhas
confiáveis de minha doutrina. E tal só acontecerá caso, além de vós
2 Tim óteo-Capítulo 2 · 221
mesmos ensinard es o que d e minha parte vos tenho ensinado, o pub li-
cardes ainda mais amplamente po r meio de outros. Portanto, sem pre
que encontrardes homens capazes para esta obra, confiai também a
eles este tesou ro.”
Conf ia as mesmas a ho me ns fiéis. Ele os cham a home ns fiéis, não
porq ue tivessem fé, p orquan to a fé todos os cr istã os têm em com um;
mas porque eles possuíam uma medida extraordinariamente grande
de fé. É correto traduzir a palavra [grega] como fiéis} visto que pou-
quíssimos há que realmente se preocupam em perpetrar e conservar
a mem ória da dou trina a eles confiad a. Muitos são motivad os po r dife-
rente s tipos d e ambição, al guns por cobiça, ou tros p or malí cia, e ainda
outros recuam, levados pelo medo, ante o perigo; de modo que aqui
requer-se especial fide lida de.
Entre muitas testemunhas.2 O que ele tem em mente não é pro-
priam en te qu e houves se produzid o te stem unhas de um a maneira
formal e legal3no caso de Timóteo; mas, visto ser possível suscitar-se
controv érsia, caso o ensino d e Timóteo se derivass e de Paul o, ou caso
o mesmo procedesse de seu próprio invento, o apóstolo destrói toda
dúvida, destacando que ele não havia falado secretamente, em algum
canto escuro, senão que muitos ainda viviam e que podiam testificar
que tudo quanto Timóte o estava ensinando, eles mesm os haviam ou -
vido dos lábios de Paulo. 0 ensino de Timóteo estava então acima de
qualquer suspeita, já que ele contava com muitos companheiros de
ministério que podiam testificar em seu favor. Desse fato aprendemos
quão arduamente um servo de Cristo deve labutar para sustentar e
defender a pureza de seu ensino, não só enq uanto viv e, mas duran te
todo o tempo em que d urar seu viver e seu la bor.
3. Sofre comigo as fadigas. Imperiosa necessidade levou Paulo a
4 Por τού βίου πραγματάαις está implícito a atividade da vida em geral, send o o plural usa-
do alusivamente aos vários tipos dela, como a agricultura, comércio, manufatura etc. Ora, pela lei
romana, os soldado s eram excluídos de tudo is so. Veja-se Grotius.”- Bloomfield.
2 Timó teo-Capít ulo2 · 223
5
sacrifices,“Brief,age,
Hoc qu’ic’est
l nousa dire,
souvienn
Fayececi,
du proverbe
ou, Penseancien
a ceci,duquel les que
ascavoir Latins
tu ont use en
as entre faisant
mains, leurs
lequel
signifie, que quand il est question du service de Dieu, il s’y faut tellement employer, que nous ne
soyons ententifs ni affectionnez ailleurs.” — “Em suma, lembremo-nos do antigo provérbio que os
latinos usam ao oferecer seus sacrifícios, Hoc age,eqüivale dizer, ‘Faça isto’, ou ‘Pense nisto’, ou
‘Faça (ou pense em)0 que tem em mãos’, significando que, quando0 culto divino é a matéria em
questão, devemos empregar-nos nele de tal maneira, que não demos atenção, ou nosso coração,
a nada mais.”
224 · Com entári o das Pastorai s
vez de ser premiado. Visto que Cristo quer que nos esforcemos todos
os dias, aquele dentre nós que fracassar em meio à corrida rumo à
vitóri a perde sua honra, ainda qu ando tiver começad o com bravura. A
não ser que 0 faça com fidelidade significa levar a cabo a competição,
cumprindo tudo quanto as normas exigem, para que não se desista
antes do tempo determinado.
6. O lavrador dev e prosseguir labutando. Estou cônscio de que
outros traduzem este versícul o de um a for ma dif erenci ada, e reconhe-
ço que traduzem, palavra por palavra, 0 qu e Paulo escreve u em grego .
Mas se o contexto for detidamente examinado, meu ponto de vista
se rá preferível.6 Além disso, o em preg o de prosseg uir labutando, em vez
de labutar, é um costume bem notório do idioma grego. Os escritores
gregos com freqüência usam 0 gerúndio em vez do infinitivo.7
0 significado, portanto, é que os lavradores não colhem os frutos
enq uanto não ti verem labutado arduam ente no cul tivo da terra, na se -
meadura etc. Ora, se os lavradores não se esquivam do labor que visa
a obtenção dos frutos depois de certo tempo, e se esperam paciente-
mente pela colheita, quão absurdo seria se recusássemos o trabalho
que Cristo nos impõe, quando temos a promessa de um galardão infi-
nitam ente glo rioso!
6 “Je sca y bien que les autres ont tradoit ce pass age autrement: 11 faut que le laboureur tra-
vaillaut (ou, qui travaille) prene premier des fruits.” — “Estou bem ciente de que outros traduzem
esta passagem diferentemente: 0 trabalhador que labuta (ou que labora) deve ser 0 primeiro a
participar dos frutos.”
7 “A metáfora agonística agora passa para a agricultura (tal como a que encontramos em
1C0 9.10; Tg 5.7). O sentido, contudo, dependerá do que πρώτον se refere. É mais naturalmente
conectada com μεταλσ.μβάνειν, e essa é a construção adotada pel a general idade dos expositores,
antigos e modernos. Não obstante, 0 sentido que assim vem a lume ou envolve 0 que é inconsis-
tente comcapacitado
que seja os fatos, ou (mesmo quando
a trabalhar’) corroborado
contém pela
uma verdade elipse
aqui e aϊνα
abrupta de
inadequada; κοπιά, ‘a fim de
aplicação
daí deduzida é forçada. Entretanto, não é necessário, para alguns, recorrer a conjetura. Temos
apenas que presumir 0 que é comum em seus escritos, uma transposição um tanto abrupta, e
(para muitos dentre os melhores expositores) juntar πρώτον com κοπιώντα, como é requerido
pelo curso do argumento; a verdadeira construção sendo esta: — δει τον γεωργόν πρώτον κο-
πιώντα τών καρπών μεταλα μβά νειν, ond e κοπιώντα é ο particípi o imperfeito, e ο sentido liter al
sendo este: é necessário que os trabalhadores antes de tudo trabalhem, e então desfrutem dos
frutos (de seu labor).” -
7. Cons idera o que eu digo .8 Ele não acrescen ta esta ex pressão por
suas comparações serem obscuras, mas para que Timóteo ponderasse,
para si mesmo, quão mais excelente é batalhar sob 0 comando de Cristo
e quão mais glorioso é o seu galardão. Pois mesmo que ponderemos
sem cessar, dificilmente o compreenderemos de forma plena.
Porque o Senhor te dará entendimento. Esta ora ção é acrescenta-
da à guisa de correção. Já que nossas mentes não se elevam facilmente
à contemplação da coroa incorruptível [ C . ] da vida futura Paulo
apela a Deus para que desse a Timóteo entendimento. Daqui podemos
deduzir que, a menos que o Senhor abra nossos olhos, seremos ins-
truídos em vão, assim como seus mandamentos seriam também
transmitidos em vão, a menos que ele mesmo nos comunique poder
para que os mesmos sejam obedecidos. Pois quem haveria ensinado
melhor do que Paulo? E , no entanto, para que seu ensino foss e proveito-
so, ele ora para que Deus fertilizasse a mente de seu discípulo.
ele, também com ele viveremos; mus, etiam simul cum ipso vivemus:
12. se perseveramos, também com ele rei- 12. Si sufferimus, etiam simul regnabimus;
naremos; se 0 negamos, ele por sua vez nos si negamus, ille quoque negabit nos:
negará;
13. se formos infiéis, ele permanecerá fiel; 13. Si increduli sumus, ille fidelis manet; ne-
pois não pode negar-se a si mesmo. gare se ipsum non potest.
8 “Enten ce que je di, of, Considere.”—“Entendam 0 que eu digo; ou, Considerem 0 que eu digo.”
9 “De la vie eternelle.” — “Da vida eterna.”
226 · Com entári o das Pastora is
fora prometido; Paulo, porém, diz que ele é 0 Filho de Davi, cuja ori-
gem se encontra na família da qual o Messias procederia
9. Por isso sofro dificuldades. Aqui, ele antecipa uma possível
objeção, visto que aos olhos dos ignorantes sua prisão denegria a cre-
10 “Que seulement il y avoit en luy une apparence d’homme, et non pas une vraye nature hu-
maine.” — “Que havia nele som ente uma aparênci a de homem, e não uma na tureza humana real.”
11 “Se quiserm os ser vitorio sos sobre todas as tentações de Satanás, temos de ter grande fir-
meza e temos de saber que não é por acaso que cremos em Jesus Cristo. Mas que ele veio a nós da
parte de Deus para ser nosso Redentor. E, por esta razão, Paulo aqui realça que ele é da linhagem
de Davi, e de sua semente, pois conhecemos as promessas que estão contidas nas Santas Escri-
turas, isto é, que 0 mundo inteiro seria abençoado na semente de Abraão. Ora, Deus confirmou
isto a Davi, mostrand o que 0 Redentor p roced eria dele, isto é, da tribo de Judá e da ca sa de Davi.
Assim, a razão por qu e Paulo reivindica para si este título é que, tendo as prom essas que Deus an-
teriormente fez aos pais concernente ao Redentor que nos foi dado, não tenhamos dúvida de que
podemos recebê-lo com plena convicção, e não temos razão de duvidar se ele é ou não 0 Messias.
Por quê? Ele é da descendente da casa de Davi; e, embora naquele tempo, tal descendência não
tivesse dignidade régia, contudo isto não pôde minimizar a glória de nosso Senhor Jesus Cristo,
mas, ao contrário, foi adequada para confirmar mais plenamente nossa crença de que era ele que
seria enviado. E por quê? O profeta Isaías não disse que ele nasceria em um palácio, ou que ele
se apresentaria em grande esplendor; porém disse que ele nasceria como um pequeno broto [Is
11.1] da raiz de Jessé; como se quisesse dizer que, embora Jesus Cristo fosse da linhagem régia,
não obstante, seus pais eram pobres, e era tido em nenhuma conta pelos parâmetros do mundo,
não tendo p osição ou grandeza.” - Fr. Ser.
228 · Com entári o das Pastora is
12 “Poder-se-ia replicar que é supérfluo Paulo ‘sofrer pelo s ele ito s’. ‘Deus não pode salvar
aqueles a quem elegeu e adotou antes da criação do mundo, sem a assistência dos homens? O
decreto imutável de Deus tem alguma necessidade de corroboração humana, ou de criaturas?
Por que, pois, Paulo diz que sofre por causa dos eleitos?’ Ora, é verdade que Deus conduzirá seu
2 Tim óteo-Capítulo 2 · 229
povo à herança que está preparada para eles, mas, mesmo assim, apraz-lhe fazer uso do labor
dos homens. Não que haja necessidade de emprestar algo de nós, porém nos confere esta honra
por sua imerecida bondade, e deseja que sejamos instrumentos de seu poder. Assim Paulo não
se vangloria de que a salvação do s filhos de Deus depen de de sua firmeza ou das aflições que ele
suportava; mas apenas tem em mente que Deus quer conduzir seu povo por meio da Palavra, e
que ele emprega homens a quem escolhe u para tal propósito, c omo por sua própria obra, e os faz
instrumentos do poder de seu Espírito.”-Fr. Ser.
230 · Com entári o das Pastor ais
ele.
do quQuão
e aolamentável
sant o noméequ
do eFilho
dem de
os Deus!
mais valor
E porà qvida fuga zrecon
ue Cristo neste hece
mundoria
como parte de seu povo àqueles que deslealmente o negam? Aqui, a
imutável verdadeseria
na ou apostasia d e capaz
Cristo,dedeabalá-la.
modo q ue nen huma infidelidad e huma-
15 “Quando alguém vem para ouvir 0 sermão, que 0 mesmo não ouça algo que cause cocei-
ra nos ouvidos, ou que lhe cause deleite; mas que ele faça progresso no temor de Deus e, com
humildade, seja estimulado à oração e seja confirmado na paciência. Se ouvirmos uma exortação
hoje e se amanhã nos for repetida, não pensemos que isto seja supérfluo, e que seja motivo de
aborrecimento; pois toda pessoa que examina cuidadosamente este tema descobrirá ser muitís-
simo necessário que ela recorde a lição que já aprendeu para que a pratique bem. Se, pois, Deus
refresca nossa memória com esta lição, é porque Ele nos confere um grande favor. É isso que
temo s de ob serv ar so bre esta passagem, quand o Paulo diz ‘Traz-lhe estas coi sas à memór ia’. Pois,
indubitavelmente, sua intenção era apresentar 0 que freqüen temente enfrentamos, quando lemos :
‘Já ouvimos isto antes. Não é essa uma observação comum demais? Onde está 0 pequenino que
não a conhece?’ Tais coisas são ditas por aqueles que gostariam de ser nutridos com questões
inúteis. Aqui, porém, 0 Espírito deseja que 0 que é útil seja apresentado a cada dia, porque não 0
entendem os suficientemente, e porque deve ser pos to em prática.” - Fr. Ser.
2 Timóteo-Ca pítul o 2 · 233
tões que não só são infrutíferas, mas ainda tendem para a subversão
16 “Mais de defendre aussi aux autres qu’ils nes ’y amusent point.”— “Mas igualmente roi-p
bir outros de se entreterem com elas.”
17 “Est pour donner crainte aceux qui voudroyent fair e autrement.”— “Sua intenção é des-
ferir terror naqueles que gostariam de agir diferentemente."
234 · Com entári o das Pastor ais
dos ouvintes. Gostaria que isso fosse levado em conta por aqueles que
estão sempre com a língua bem afiada, procurando polemizar em cada
questão e sofismar em torno de uma única palavra ou sílaba. Tais ho-
mens são im pulsionados pel a ambição , a qual, como sei de experiência
pessoal com alguns deles, às vezes é uma doença quase fatal. O que o
apóstolo diz acerca da subversão daqueles que ouvem é plenamente
comprovado pela observação diária. É natural que em meio às con-
tendas percamos nossa apreensão da verdade e Satanás faz uso das
controvérsias como pretexto par a subve rter e destruir n ossa fé.
15. Sê dil ige nte em apresenta r-te a Deus. A fonte de toda e qual-
quer d isputa doutrinai con siste em que os homens de mente inven tiva
tudo fazem para exibir suas habilidades aos olhos do mundo. E Paulo
apresentou o melhor e o mais eficaz antídoto contra tal enfermidade,
dizendo a Timóteo que mantivesse seus olhos firmados em Deus. É
como se dissesse: “Certos homens buscam o aplauso do povo; quan-
to a ti, porém, que o teu alvo seja apresentar-te, a ti mesmo e ao teu
ministério, apr ovado s diante de Deus.” Aliás, não há n ada mais eficaz
para testar o insensato amor à ostentação do que recordar que é a
Deus que teremos de pres tar contas.
Que não carece d e envergonhar-se. Erasmo traduz άνεπαίσχυντον
por “que não precisa de ser envergonhado", e não vejo nisso nenhum
erro. Prefiro, porém, tomar a sentença em sentido ativo: “que não se
envergo nha”, porque, t ant o é um uso mais comum em grego c omo pa-
rece adequar-se melhor à prese nte passagem. Exis te aqui um contr aste
implícito. Aqueles que perturbam a Igreja com suas controvérsias se
revelam muito violentos contra seus adversários em virtude d a vergo-
nha de se deixarem venc er; e consideram uma deson ra admitir haver
algo que não conheçam. Paulo, em contrapartida, os traz de volta pe-
rante o tribunal
preguiçosos; divino: que
segundo, primeiro,
sejamlhes diz que não sejam polemistas
obreiros.
Com esta palavra, porém, ele indiretamente repreende a estultícia
daque les que naufragam por nada faze rem. Que nós, por tant o, sejamos
obreiros que edificam a Igreja, e ocupemo-nos da obra de Deus de tal
2 Tim óteo-Capítulo 2 · 235
modo que alguns frutos se manifestem; então não haverá motivo para
nos envergonharmos. Pois ainda que não possam os com petir nas con -
trovérsias com os fanfarr ões fal adores , bas tará que os excedamos em
nosso zelo pela edificaç ão [d a Igreja], em nosso dinamismo e coragem
e na eficácia de nosso ensino. Em suma, ele ordena a Timóteo a agir
com diligê ncia para que não se sen tisse enve rgonh ado dian te de D eus;
visto que o único gêne ro de vergonha qu e os am biciosos t emem é per-
derem sua repu tação de conhecim entos intrincados e sagaci dade.
Divide bem a palavr a da verdade. Esta é uma excelente m etáfora
que expressa habilmente o propósito primordial do ensino. Porque,
visto que devemos viver satisfeitos somente com a Palavra de Deus,
que prop ósito há em ouvirem-s e diariamente sermõe s e ainda desem-
penhar o ofício de pas to r? Não têm to dos a chance de ler pes so alm en te
as Escritu ras?18Paulo, porém, designa aos m estres o d ever de gravar
ou min istrar a Palavra,1 9 como um pai divide um pão em pequen os
ped aç os para alim en tar se us filhos.
Ele aconselha Timóteo a ‘dividir bem’, para não suceder que,
como fazem os homens inexperientes que, cortando a superfície, dei-
xam o miolo e a medula intactos. Tomo, porém, o que está expresso
aqui como uma aplicação geral e como uma referência à judiciosa mi-
nistração da Palavr a, a qual é adap tada para o proveito daqueles que a
ouvem. H á quem a mut ile, há quem a desmem bre, há qu em a distorça,
há quem a quebre em mil pedaços, e há quem, como já observei, se
18 “Acharemos fanáticos que acreditamque é perda de tempo irà igreja para ser ensinado.
Ό quê?! Todas as doutrinas de Deus não estão contidas na Bíblia? Que mais se pode dizer sobre 0
assunto?’ É transformá-los em criancinhas (dirão) irem ali para serem ensinados; mas as pessoas
desenvolvidas podem dispensá-lo. 0 quê?! Tem de haver toda es sa pregação? Há na Escritura ape-
nas dois pontos: que devemos amar a Deus e amar ao semelhante. Não temos ouvido essas coisas
meramente
que dos quetais
têm vomitado chegam a relacionar-se
blasfêmias no-los têmcom eles; mas
declarado. Se os
meestudantes maispoderia
fosse possível, eminentes
0 dentre
dardia em os
que isso foi dito, e as casas, e a hora, e as pesso as que estavam presentes, e como os homens perver-
sos vomitaram seu veneno e sua veemência contra Deus, com 0 intuito de subverter e destruir toda
a religião; isso é sobejamente conhecido. Ao contrário, Paulo, aqui, nos mostra que, se tivéssemos
apenas a Santa Escritura, não seria suficiente que cada um de nós a lesse privativamente, mas a
doutrina extraída dela deve ser-nos proclamada, a fim de sermos bem informados.”- Fr. Ser.
19 “De couper et tailler.”— “De cortar e talhar.”
236 · Com entári o das Pastor ais
da de grandes
a parte afetada inflamações que podem
de calor e energia vital, deatacar
modoqualquer membro,
que a mesma priva
começa
a morrer. Se essa parte fica completamente morta, as autoridades gre-
20 “A l’amede la doctrine.”
2 Timóteo-Ca pítul o 2 · 237
Entre
sas duas os quais
pestes para se
queencontram Himeneu
todos pudessem e Fileto.
pôr-se Ele seleciona
em guarda contra es-
elas; porque, se permitirmos que as pessoas que buscam a ruína de
toda a Igreja permaneçam ocultas, estaremos propiciando-lhes que
prossigam causando dano. Realmente devemos ocultar as faltas de
238 · Com entári o das Pastorai s
19. Todavia, 0 firme fundamento de Deus 19. Firmum tamen fundamentum Dei stat,
permanece, tendo este selo: O Senhor conhe- habens sigillum hoc, Novit Dominus, qui sint
ce os que são seus; e: Qualquer que profere sui; standeth sure, having this seal, The Lord
0 nome do Senhor, então que se aparte da knoweth et, Discedat ab injustitia, quicunque
injustiça. invocat nomen Christi.
20. Ora, numa grande casa há vasos, não 20. In magna quidem domo non solum
só de ouro e de prata, mas também de madei- sunt vasa aurea et argentea, sed etiam lignea
ra e de barro; uns para honra, e outros para et fictilia, et alia quidem in honorem, alia in
desonra. contumeliam.
21. Portanto, se alguém se purificar dessas 21. Si quis ergo expurgaverit se ipsum ab
coisas, 0 mesmo será um vaso para honra, his, erit vas in honorem sanctificatum, et utile
santificado e idôneo para 0 uso do Senhor, Domino ad omn e opu s bonum comparatum.
preparado para toda boa obra.
2 Timóteo-Ca pítul o 2 · 239
le que éisso
tomam lançado
comopelo
umapróprio Deus!
referência Estou consciente
à doutrina: de quejulgue
“Que ninguém algunsa
verdade da doutrina pela infidelidade daqueles que a professam”; mas
é fácil de se inferir do contexto que Paulo está falando da Igreja de
Deus e dos eleitos.
240 · Com entári o das Pastorai s
da
sia,injustiça. Eleo mesmo
dizendo que havia encarado o escândalo
não devia provocado
causar excess pela aposta-
ivo assomb ro entre
os crentes; e agora continua usando tais hipócritas como exemplo
para ensinar-nos a não escarnecermos de Deus através de uma profis-
são sim ulada do cristianism o. É como s e ele dissesse: “Visto que Deus
pune os hipócritas por exporem sua perversidade dessa forma, apren-
damos a temer a Deus com consciência sincera, para que o mesmo não
nos suceda.” E assim, qualquer um que invoque o nome de Deus, ou
seja, que professe pertencer ao povo de Deus e queira ser reconheci-
do como um membro seu, que se mantenha longe de toda e qualquer
impiedade Pois aqui, invocar 0 nome de Cristo significa gloriar-se em
seu título e em pertencer ao seu rebanho, assim como em Isaías in-
vocar 0 nome de um homem sobre uma mulher significa que a mulher
deve ser reconhecida como sua legítima esposa e em Gênesis
invocar 0 nome de Jacó sobre toda a sua posteridade significa que
o nome da família está sendo preservado em sucessão ininterrupta,
visto que ela [a posteridade] descende dele.
20. Numa grande casa. Ele agora ava nça e introduz uma compara-
ção para demonstrar que, quando vemos alguém que por algum tempo
demo nstrava grande piedade e zelo, e que depois caiu vergonhosamen-
te, que não nos inquietemos por isso; ao contrário, devemos aceitá-lo
como um conveniente e eficaz arranjo da divina providência. Quem
encontrará defeitos em uma grande casa suprida com abundância
de todo tipo de móveis, se ela tem não só vasos próprios para serem
exibidos, mas também outros que são usados com propósitos menos
dignos? Esta diversidade pode ainda ser ornamental, se o guarda-lou-
ça e a mesa resplendem com o brilho do ouro e da prata, enquanto
21 “Portanto, não nos deixemos abater por todo s os escândalos que porventu ra surjam. E,
no entanto, nos esforcemos por andar em temor, não abusando da bondade de nosso Deus, mas
sabendo que, já que Ele nos separou do resto do mundo, devemos viver como estando em sua
casa e como sendo seus, da mesma maneira como Ele nos deu 0 emblema externo do batismo,
para que também tenhamos a assinatura de seu Espírito Santo, pois Ele é ‘0 penhor’, no dizer
de Paulo, de nossa eleição; Ele é a garantia de possuirmos aquela herança celestial para a qual
somos chamados. Portanto, oremos a Deus para que Ele assinale e sele em nossos corações sua
graciosa eleição, po r meio de seu Espírito Sa nto, e, ao mesmo tempo, qu e nos co nserve selados e
protegidos sob a sombra de suas asas; e se os pobres réprobos se extraviam e se perdem, e se 0
diabo os arra sta par a longe, e se não se levantam quando caem, mas são derruba dos e arruinados,
de nossa pa rte oremos a Deus que nos guarde sob sua proteção, para que saibamos 0 q ue significa
obedecer à sua vontade e ser sustentados por Ele. Ainda que 0 mundo faça tudo para abalar-nos,
reclinemo-nos sobre este fundamento: que 0 Senhor conhece os que são seus; e que nunca seja-
mos afastados disto, mas pers everem os e aproveitemos mais e mais, até que Deus nos tome deste
presente estado e nos leve para seu reino, 0 qual é isento de mudança.” - Fr. Ser.
242 · Com entári o das Pastorai s
[Rmaqui
do 9.16].
comMas
baseisso
na éeleição
completamente frívolo.
do homem, como Paulo
faz emnão está discutin-
Romanos 9; ele
apenas q uer dizer que somos diferentes dos ímpio s, os quais percebe-
mos terem n ascidos par a a destruição. Ass im sendo, é estultícia tentar
extrair dessas palavras alguma inferência, se está ou não no poder do
2 Timóteo-Ca pítul o 2 · 243
22 Esta citação é tomada deIsaías 52.11, mas a passagem a quenosso autor, citando de
memória, faz referência é 2 Corintios 6.17, onde as palavras de Isaías têm sofrido considerável
variação.
244 · Com entári o das Pastorai s
ria de Deus como fez Faraó; que diferença faz, se Deus é glorificado?”
Aqui Deus declara publicamente como ele quer ser servido, a saber:
através de uma vida íntegra e santa.
22. Foge, porém, das paixões da mocidade 22. Juvenilis cupiditates fuge; sequere
e vai após a justiça, a fé, 0 amor, a paz com autem justitiam, fidem, dilecgionem, pacem
aqueles que, com um coração puro, invocam cum omnibus invocantibus Dominum ex puro
0 Senhor. corde.
23. Repele, porém, as questões tolas e não 23. Stultas vero et ineruditas quaestiones
instrutivas, sabendo que geram contendas. vita, sciens quod generant pungas.
24. E 0 servo do Senhor não deve conten- 24. Atqui servum Domini non oportet
der, mas deve ser gentil para com todos, apto pugnare; se d placidum e ss e erga omnes, pro-
para ensinar e paciente. pensum ad docen dum, tolerantem malorum,
25. Corrige com mansidão os que se opõem, 25. Cum mansuetudine erudientem
na esperança de que Deus lhes conceda arre- ) eos qui obsistunt, si quando det
pendimento para 0 conh ecimento da verdade illis Deus paenitentiam in agnititonem verita-
tis,
26. e para que se salvem das tramas do 26. Et excitationen
diabo, por quem foram feitos cativos para fa- a Iaque diaboli, a quo capti tenentur
zerem a sua vontade. ad ipsius voluntatem.
22. Foge , porém, das pa ixões da m ocidade. Isso deduze uma infe-
rência do que Paulo acabara de dizer sobre as questões tolas e de sua
repreensão dirigida a Himeneu e Fileto, cuja ambição e vã curiosidade
os haviam desviado da fé genuína. Assim, ele continua a exortar Timó-
teo para que fugis se de uma praga extremam ente perigosa . E, com esse
propósito em vista, ele o aconselh a a evitar as paixões da mocidade,
querendo dizer com isso, não os pecados sexuais, ou outros desejos
infames , ou alg um daq ueles h ábito s licenciosos a que os jovens às vezes
se entregam; mas, ao contrário, fal ava daqueles sentim entos e im pulsos
impetuosos aos quais o excessivo entusiasmo juvenil faz os jovens se
inclinarem. Os jovens, em meio às controvérsias, se irritam muito mais
depressa do que os de mais idade, se iram mais facilmente, cometem
mais equívocos por falta de experiência e se precipitam com mais ousa-
dia e temeridad e. Da í ter Paulo boas razões para a conse lhar a um jov em
a precaver-se contra os erros próp rios de sua idade, os quai s, de outra
2 Timóteo-Capítul o2 · 245
busca.
o favorAhumano
fim de que
pelo um
usodesejo
de taisfútil de agradar
ostentações, não nos levesempre
lembremo-nos a buscar
de sta afirmação de Pa ulo, a saber: qu e as ques tões que o mundo consi-
dera como sendo de grande rel evânci a, nada obsta nte não passam de
coisas fúteis, visto que não trazem em si proveito algum.
Sabendo que geram contendas. A seguir ele explica o mal que
geralmente produzem, e diz que dão ocasião a contendas e conflitos -
fato este que experimentamos todos os dias. E, no entanto, a maioria
dos homens, ainda que tenha diante de si tantos exemplos a adverti-
los, não extrai deles nenhum proveito.
24. E o servo do Senhor não deve contender. Eis 0 efeito do
argumento de Paulo neste trecho: “O servo de Deus deve manter-se
à distância das contendas; e como as questões tolas são contendas,
então qualquer um que aspire ser considerado servo de Deus deve
fugir delas.” E se as questões supérfluas devem ser evitadas pelo
simples fato de que inviabilizam a luta do servo de Deus, quão cinica-
mente agem as pessoas que têm a insolência de buscar aplausos por
promoverem intermináveis controvérsias. É só olhar para a teologia
dos papistas; o que vemos ali senão a arte de contender e disputar?
Portanto, quanto mais proficiente é um homem nessas artes, menos
23 “Ao dizer que devemos ser ‘mansos para com todos’, ele tem em mente que devemos
ser serenos e afáveis em receber todos os que vêem para aprender 0 evangelho, pois se não
lhe dermos acesso, é como fechar a porta contra eles, de modo que jamais terão em seu poder
0 acesso a Deus. Devemos, pois, ter em nós aquela mansidão e humanidade, e assim estejamos
prontos a receber todos quantos aspiram receber instrução. E, assim, ele adiciona que devemos
ser ‘qualificados para 0 ensino’, como se quisesse dizer que estas coisas estão conectadas umas
às outras: brand ura e habilidade em ensinar. A razão é se um homem for impetuos o e inacessível,
nunca nos será possível receber dele qualquer instrução. Aquele que deseja ser um bom mestre
deve conduzir-se com civilidade, e deve ter algum modo de atrair os que vão a ele, de maneira a
conquistar sua afeição; e isso não pode acontecer, a menos que ele tenha aquela ‘docilidade’ de
que fala Paulo. Assim vemos como sua intenção era confirmar 0 que afirmara sucintamente: que
0 homem questionador e aferrado a disputas e contendas de modo algum é servo de Deus. E por
quê? Como servos de Deus, não devemos la butar para ganhar os po bres ignorantes? Mas isso não
pode acontecer, a menos que sejamos dóceis; a menos que ouçamos pacientemente 0 que dizem;
a menos que s uport emos sua s fraquezas; até que, pouco a pouco, sejam edificados . Se não tiver-
mos isso, é como lançá-los fora.” -Fr. Ser.
2 Timóteo-Ca pítul o 2 · 247
te fato oforam
tempo, que odesobedientes
arrependimento significa
a Deus. Poispara aquelesque
ele declara que,talpor algum
coisa co-
meça com o conhecimento da verdade. Com isso ele quer dizer que
1. Sabe, porém, isto: que nos últimos dias 1. Illhud autem scito, quod in exremis die-
virão tempos angustiantes. bus instabunt tempora periculosa (vel. gravid).
2. Porque os homens serão amantes de si 2. Erunt enim homines sui amantes, avari,
mesmos, amantes do dinheiro, presunçosos, fastuosi, superbi, maledici, parentibus immo-
soberbos, blasfemos, desobedientes aos pais, rigeri, ingrati, impii,
ingratos, profanos,
3. sem afeição natural, implacáveis, caiu- 3. Carentes affectu, nescii (aederis, calum-
niadores, sem autodomínio, cruéis, inimigos niatores, intermperantes, inmites, negligentes
do bem, bonorum, false
4. traidores, obstinados, enfatuados, mais 4. Proditores protervi turnidi voluptatium
amantes dos prazeres do que de Deus; amatores magis quam Dei
5. tendo a forma da piedade, mas negando 5. Habentes speciem quidem pietatis virtu-
sua eficácia. Afasta-te também desses. tem autem eius abnegantes et hos devita
6. Porque desse rol fazem parte os que 6. Ex iis enim sunt qui subintrant in fami-
invadem casas e levam cativas mulheres nés- lias, et captivas ducunt mulierculas oneratas
cias carregadas de pecados, transviadas por peccatis, quae ducuntur concupiscentiis va-
diversas paixões, riis,
7. sempre aprendendo sem jamais chegar 7. Semper discentes, quum tamen numquam
ao conhecimento da verdade. ad cognitionem veritatis pervenire valeant.
1 “Porqu e 0 santo apóstolo, aqui e em outro lugar, fala dos ‘últimos dias’, quando previne
os crentes a que se preparem e façam provisão para muitas tribulações e aborrecimentos? É por
causa da
antes; seg uinte
porque, crença infundada
anteriormente, que era
os profetas, tão comum:
quando quereino
falam do os negó cios iri
de nosso am muito
Senhor melhor
Jesus Cristo,que
declaram que tudo seria espantosamente reformado; que 0 mundo obedeceria a Deus; que sua
majestade seria adorada pelos grandes e pequenos; que toda boca cantaria seu louvor; e todo
joelh o se encurvaria diante dele. Em suma, quando ouvim os tais prom essa s, crem os que esta-
ríamos num estado de santidade angelical, agora que Cristo se manifestou. Muitos concluíram,
em sua fantasia equivocada que, desde a vinda do Redentor, nada senão a mui correta virtude e
modéstia seriam vistas, e que tudo seria tão plenamente regulado, que não mais haveria vícios
no mundo.” -
2 Timóteo-Ca pítul o 3 · 251
tros de Cris
tão nítido to. não
que Aquhá
eles que são
como assim descritos
escusar-se. A frase são po stos num realce
os que invadem casas
2 “Mais ce sont tous vices cachez, etqui n’apparoissentpas devant les yeuxdes hommes.”—
'Mas todos estes são vícios ocultos, e não se exibem diante dos olhos humanos.”
2 Timóteo-Ca pítul o 3 · 253
e qualquer conhecimento .
8. E, como Janes e Jambres resistiram a 8. Quemadmodumautem Iannes et Iambres
Moisés, assim também estes resistem à verda- restiteruntMosi, ita et hi resistunt veritati,ho-
de; homens de mente co rrompida, réprobos mines corruptimente, reprobi circa fidem.
quanto à fé.
254 · Com entári o das Pastorai s
9. Mas não irão longe; porque 0 seu desva- 9. Sed non proficient amplius; amentia enim
rio será evidente a todos os homens, como 0 eorum manifesta erit omnibus, sicut et illorum
foi também 0 daqueles. fuit.
10. Tu, porém, tens seguido 0 meu ensino, 10. Tu autem assectatus es meam doc-
conduta, propósito, fé, longanimidade, amor, trinam institutionem, propositum, fidem,
paciência, tolerantiam, dilectionem, patientiam,
11. perseguições e sofrimentos; coisas es- 11. Persequutiones, afflictiones, quae mihi
sas que me sobrevieram em Antioquia, em acciderunt Antiochae, Iconii, Lystris, quas,
Icônio e em Listra; quantas perseguições su- inquam, persequutiones sustinuerim; sed ex
portei! E 0 Senhor de to das me livrou. omnibus me Dominus
12. E todos quantos querem viver piedosa- 12. Et omnes, qui piè volunt in Christo Iesu,
mente em Cristo Jesus sofrerão perseguição. persequution em patientur.
para seu povo dois líderes, M oisés e Arão, Faraó decid iu opo r-se a eles
faze ndo uso do mesmo núm ero de mágic os.
9. Mas não irão long e. 0 apóstolo encoraja Timóteo a enfrentar
o conflito com a confiante certeza da vitória. Pois ainda que os fal-
sos mestres 0 perturbem, Paulo promete que dentro de pouco tempo
serão vergonh osam ente confundidos.3 Mas essa prom essa não é cor-
roborada pelo evento, e um pouco mais adiante o apóstolo parece
con tradizer-se ao dizer que irão d e mal a p ior. Nã o há con sistência na
solução de Crisóstomo de que, embora irão de mal a pior a cada dia,
contu do não far ão dano aos demais, poi s Paulo expressam ente acres -
centa que eles enganam e são enganados. E isso é confirmado pela
experiência. A m elhor explicação c on siste em que P aulo os vis ualizava
de diferentes ângulos. Sua afirmação, dizendo qu e não irão avante, não
é de caráter universal, mas significa apenas que o Senhor exporá sua
loucura diante de muitos que a princípio foram enganados por suas
fascinações.
Portanto, quando ele diz que 0 se u desv ar io será ev id ente a todos
os homens, é uma figura de linguagem na qual 0 todo é tomado por
uma parte. Aqueles que logram êxito em enganar, a princípio fazem
grandes ex ibiç ões e conquistam aplausos entusiasmados, dando a
aparência de não haver nada mais além de seu poder; suas fraudes,
3 “Assim vem os que 0 Espírito Santo, pela boca de Paulo, traz duas razões para sermos fortes.
Quando vemos que Satanás se opõe, e que a verdade de Deus não é recebida por todos, mas que há
homens maus que labutam com 0 fim de perverter tudo, e que difamam e falsificam a verdade, aqui
somos providos de consolação. Em primeiro lugar, que nosso Senhor nos trata da mesma maneira
que tratou a Igreja em todos os tempos; que aqueles que viveram antes de nós não estavam mais
bem situados n este aspecto; pois Deus os provou, enviando falsos pastores, ou melhor, ao enviá-los ,
dava livre espaço a Satanás. Saibamos 0 que aconteceu desde que a lei foi promulgada. Aqui está
Moisés,
havia cesque viveu
sado. antes
Se ago dos demais
ra devemos profetas.
suportar daEntão
mesmaa for
guerra já havia
ma, então quecomeçado, e que
suporte mos mal nunca
com0 paciênc ia;
pois não é razoável esperar que nossa condição seja melhor ou mais cômoda do que a de Moisés e
dos demais que 0 seguiram. Esse é um argumento. O segu ndo é que 0 resultado será próspero e bem
sucedido. Embor a a luta nos seja repugn ante e ainda que seja como se a verdade de Deus e stives se
perecendo totalmente, ainda assim esperemos que Deus se manifeste em sua defesa, pois ele fará
com que os perversos sejam completamente mal sucedidos. Depois de haverem triunfado, Deus,
sem dúvida , exibirá a maldade deles, e assim veremos como Deus vela em sustentar sua caus a,
ainda que, por alg um tempo, i sso não nos seja evidente .” -
256 · Com entári o das Pastor ais
4 “Tendo falado das tribulações queestavam para sobrevir àIgreja, e tendo exortado aTi-
móteo a que fosse firme, de modo que não se deixasse abalar por elas,
0 apóstolo acrescenta que
agora, por um longo tempo, ele tinha de estar preparado para tudo isso, porque fora ensinado
numa boa escola, ‘tu tens conhecido intimamente’, como alguém que 0 havia seguido passo a
passo; pois essa é a implicação da palavra usada por Paulo: ‘Tu tens conhecido 0bem
curso que
tenho seguido.”- Fr Ser.
2 Tim óteo-Capítulo 3 · 257
5 “Et tou s ceu x aussi qui veulent vivre en la crainte de Dieu." — “E tod os o s que também
desejam viver no temor de Deus.”
6 “Que rien ne Iuy est advenu que tous fideles ne doyvent aussi attendre.” — “Que nada lhe
aconteceu que todos os crentes também não experimentam.”
258 · Com entári o das Pastor ais
caluniando,
to, ainda queounão
provocando
sofram osdistúrbio
mesmosdeataques
um ou edenão
outro
se modo. Portan-
envolvam nas
mesmas batalhas, eles têm uma só guerra em comum e jamais viverão
totalmente em paz nem isentos de perseguições.
2 Tim óteo-Ca pít ulo 3 · 259
13. Mas os homens maus e impostores irào 13. Mali autem homines et impostores pro-
de mal a pior, enganando e sendo enganados. ficient in pejus, errantes, et in errorem.
14. Tu, porém, permanece nas coisas que 14. Tu autem mane in iis, quae didicisti, et
aprendeste e de que foste confiado, sabendo quae credita sunt tibi, scie ns a quo didiceri s;
de quem 0 aprendeste;
15. e que desde a infância conheces os sa- 15. Et quòd a pueritia Sacras litteras novis-
grados escr itos que podem fazer-te sábio para ti, quae to eruditum reddere ad salutem per
a salvação pela fé que está em Cristo Jesus. fidem, quae est in Christo Iesu.
16. Toda a Escritura inspirada por Deus é 16. Omnis Scriptura divinitus inspirata est
também proveitosa para 0 ensino, para a re- ac utilis ad doctrinam, ad redargutionem, ad
provação, para a correção, para a instrução correctionem, ad institutionem, qua est in
na justiça; justitia.
17. para que 0 homem de Deus seja perfei- 17. Ut integer sit Dei homo, ad omne opus
to, e perfeitamente equipado para toda boa bonum formatus.
obra.
que Ismael perseguiu Isaque, não pela espada, mas com zombaria [G1
4.29], Portanto, podemos inferir que no último versículo Paulo estava
descrevendo não só um tipo de perseguição, mas estava falando em
termos gerais de todas as angústias que os filhos de Deus têm de su-
p o rtar quando contendem pela glória de se u Pai.
Já falei como as pessoas perversas vão se tornando cada vez
pio re s; o apósto lo está prediz endo que serão o bstinadas em sua re-
sistência e bem sucedidas em causar dano e outras corrupções. Uma
só p essoa indigna será sem pre m ais efi cie nte e m destru ir do que dez
m estres fié is em edif icar, ai nda q uan do laborem com to da s as su as for -
ças. J amais faltará discórd ia para Satanás sem ear junto à boa semente,
e ainda quando pensarmos que os falsos profetas já se foram, outros
tanto s im ediatamente surgirã o de todos os lad os.
Eles têm este poder de fazer o mal,' não porque a falsidade seja
por sua própria natureza m ais forte que a v erdade, ou porque os ar dis
7 “Si on dema nde d’ou vient ces te puiss anc e et facilite de nuire?” — “Caso se indague: Donde
vem e ste poder e facilidade de fazer injúria?”
260 · Com entári o das Pastor ais
do diabo sejam mais resist ente s que o Espírito de D eus, mas porqu e os
homens são naturalmente inclinados à vaidade e aos víci os, e abraçam
mais prontamente as coisas que concordam com sua natural dispo-
sição, e também porque são cegados pelos atos da justa vingança
divina, e assim são levados, como escr avos em cativeiro, ao bel-prazer
de Satanás.8 A principal razão por que a praga das doutrinas ímpias é
tão bem sucedida, é que a ingratidão dos homens merece ser assim
remunerada. É de grande imp ortância que os mestres piedosos sejam
lembrados desse fato, para que estejam preparados em manter uma
guerra constante e não se deixarem desencorajar ante a demora nem
se compactuarem com o orgul ho e insolênci a de seus adv ersários.
14. Tu, porém, perman ece nas coisas que aprendeste. Ainda que
a impiedad e estivesse crescendo e prev alece ndo, não obstante o a póst olo
diz a Timóteo que se m antive sse firme. Certam ente que es te é um teste
real para nossa fé, quando com zelo infatigável resistimos a todos os
intentos do diabo, recusando-nos a alterar o curso frente a todos os
ventos que sopram, e assim permanecemos inamovíveis na verdade
de Deus como uma âncora segura.
Sabendo de quem o aprendeste. A intenção de Paulo aqui é enal-
tecer a certeza de sua doutrina, porquanto não devemos perseverar
em coisas nas quais temos sido erroneamente instruídos. Se deseja-
mos ser discípulos de C risto, então devemos desapr ender tud o quanto
aprendemos à par te dele . Por exemp lo, nossa in strução p essoal na fé
pura com eçou quando rejeitamos e esquecem os tudo o que aprende-
mos sob o jugo do papa do. O apóstolo não e stá dizend o a Timóteo que
retivesse, indiscriminadamente, todo e qualquer ensino a ele trans-
mitido, mas somente o que soubesse ser a verdade; o que ele quer
dizer é que devemos fazer uma seleção.9 Sua alegação de que o que
ele ensina deve ser rec ebido com o revelação divina não é fe ita por sua
8 “Satan les tire, d’uncoste et d’autre,a son plaisir.”— “Satanás os conduz,de um lado para
0 outro, a seu bel-prazer.”
9 “Par lequel mot il signifie qu’il est requis d’user de jugement et discretion en cest endroit.”
— “Por esta palavra, ele quer dizer que é necessário usar critério e discrição nessa matéria.”
2 Tim óteo-C apítulo3 · 261
aqueles
infância que eram destinados
instruídos ao ministério
na sólida doutrina da Palavra
da piedade fossem desde
e houvessem bebidoa
10 “Et qui to vent commises oudesquelles plene assurancet’a este donnee.”— “E a qual te
foi confiada, ou da qual te foi dada plena certeza.”
262 · Com entári o das Pastorai s
hoje condenar
edificação, a todos com
comovem aqueles que,
muita semsim,
arte, nenhuma
porém preocupação
com questõespela
sem
qualquer proveito. Sempre que engenhosas m esquinharias de sse gên e-
ro forem introduzidas, as mesmas devem ser repelidas com esta frase,
usad a como um e scudo: “a Escritura é p rove itosa”. Segue-se daqui qu e
264 · Com entári o das Pastora is
11 “Quem é que por natureza não ansiaria por sua felicidade e salvação? Eonde poderíamos
achá-las senão na Santa Escritura, pela qual nos são comunicadas? Ai de nós se não ouvirmos a
Deus quando Ele nos fala. Ele não busca seu próprio ganho, afinal que necessidade tem Ele de
ganho? Somos
ou extrair delaigualmente
questões semlembrados
proveito.dePor
lerquê?
a Santa Escritura
Porque não para gratificar
lê-la corretamente nossas fantasias,
será proveitoso para a
salvação, diz Paulo. Assim, quando exponho a Santa Escritura, devo deixar-me guiar por esta con-
sideração: que aqueles que me ouvem recebam proveito da doutrina que ensino, para que sejam
edificados para a salvação. Se não nutro este desejo, e não almejo à edificação dos que me ouvem,
so u um sacrílego, profanando a Palavra de Deus. Em contrapartida, quem lê a Santa Escritura, ou
quem busca ouvir 0 sermão, caso esteja em busca de alguma tola especulação, se vem aqui para
seu entretenimento pessoal, é culpado de haver profanado algo tão santo.” -Fr. Ser.
2 Timóteo-Ca pítul o 3 · 265
fica completo, a pessoa em quem não existe nada que seja defeituoso,
porque ele assevera categoricamente que a Escritura é suficiente p ara
efetuar a perfeição. Portanto, qualquer pessoa que não fica satisfeita
com a Escritura, busca saber mais do que convém e mais do que lhe
é bom saber.
Aqui, porém, suscita-se uma pergunta. Ao falar da Escritura, Paulo
tinha em mente o que chamamos Velho Testamento; como é possível
dizer que ele pode fazer uma pessoa perfeita? Se esse é o caso, o que
depois foi acrescentado pelos apóstolos é aparentemente supérfluo.
Minha resposta é que, no que tange à substância da Escritur a, nada se
acrescentou. Os escritos dos apóstolos nada contêm além de simples
e natural explicação da lei e dos profetas juntamente com uma clara
descrição das coisas expressas neles. Paulo, pois, estava certo ao ce-
lebrar os louvores da Escritura nesses termos; e, visto que hoje seu
ensino é mais completo e mais claro pela adição do evangelho, deve-
mos confiadamente esperar que a utilidade da qual Paulo fala se nos
torne muito mais evidente, caso estejamos dispostos a fazer a prova
e a recebê-la.
Capítulo 4
1. Exorto-te, pois, na presença de Deus e 1. Obt est or igitur ego co ram Deo et Domino
de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e Iesu Christo, qui judicaturus est vivos et mor-
os mortos, por sua manifestação e por seu tuos in apparitione sua et in regno suo;
reino,
2. que pregues a palav ra, instes a tempo e a 2. Praedica sermonem, ins ta tempestiv è, in-
fora de tempo, reproves, repreendas, exortes, tempestivè; argue, increpa, hortare cum omni
com t oda longanimidade e doutrina. lenitate et doctrina.
3. Porque virá 0 tempo em que não supor- 3. Nam erit tempus, quum sanam doctrinam
tarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos non sustinebunt; sed juxta concupiscentias
ouvidos, amontoarão para si mestres segundo suas coacervabunt sibi doctores, ut qui pru-
suas próprias concupiscências; rient auribus,
4. e desviarão seus ouvidos da verdade, e 4. Et a veritate quidem aures avertent, ad
se voltarão para as fábulas. fabulas autem convertentur.
que o fato de a lei tura da Escritura ser recom endada a todos não anul a
o minis tério dos pastores; e, portanto, que os crentes aprendam a tirar
proveito tanto da leitura quanto da exposição da Escritura, visto que
não foi em vão que Deus ordeno u amb as as coisas.
Tanto aqui, quanto em outras questões de grande importância,
Paulo acrescenta uma solene exortação, pondo diante de Timóteo
Deus como Vingador e Cristo como Juiz, caso ele deixasse de exer-
cer seu ofício de mestre. Como Deus ofereceu uma prova de quanto
cuidado ele tem pela salvação de sua Igreja, não poupando seu Filho
unigênito, assim ele não perm itirá qu e fique impune a neg ligência dos
pastores através de quem as almas que ele redimiu com um preço tão
alto pereçam ou se tornem presa de Sata nás.
Que há de julgar os vivos e os mortos. A razão por que ele faz
especial menção do juízo de Cristo consiste em que ele requererá de
nós, que somos seus representantes, a mais estrita conta de nossas
falhas no ministério. Por essa expressão, “os vivos e os mortos”, ele
aponta tanto para aqueles a quem ele encontrar vivos em sua vinda
como também aqueles q ue já estiverem morto s. Dessa forma, ninguém
escapará de seu juízo.
Por sua manifestação e por seu reino. Ambas as palavras têm o
mesmo sentido, porque, ainda que agora seu governo se estenda ao
céu e à terra, todavia seu reino não se fez plenamente manifesto; ao
contrário, ele permanece à som bra da cruz e é violentamente resistido
por seus inimigos. Seu reino será verdadeiram ente estabelecido quan-
do ele ti ver vencido seus inimi gos e transformado em nada todo poder
contrário, e, portanto, tiver publicamente exibido sua majestade.
2. Instes a tempo e a fora de tempo. Com essas palavras ele re-
comenda não só perseverança, mas até mesmo intensidade na luta
cont ra todos
tímidos os obstáculos
e acomodados, e dificu cedemos
facilmente ldades; porque,
diante sen do po r natureza
dos mínimos obs-
táculos e às vezes animadamente chegamos a apre sentar justific ativas
por nossa indolência. É preciso que consideremos as múltiplas formas
com que Satanás agilmente se coloca em nosso caminho e com quanta
2 Timóteo-Capítul o4 · 269
estão edificando
aspectos, sem
são boas alicerce.
pessoas, masEstou
que falando daqueles conhecimento
têm insuficiente que, em outros
e exagerado fervor emocional, porque aqueles que empregam toda a
sua energia em fa zer oposição à sã d outrina são ainda mais perigosos
e não merecem s er m encionad os aqui. Em suma, a intenção de Paulo é
270 · Com entári o das Pastor ais
Deus,
retidãoedo
a contrasta
evangelhocom as fábulas, as vãs imaginações pelas quais a
é corrompida.
Em primeiro lugar, deste fato podemos aprender que quanto mais
pelas
o que coisas espirituais
a ela pertence. paraestá
Paulo queaqui
saboreiem a novidade
predizendo de vida
uma grande e tudo
e espe-
ciai eclosão de impiedade numa época específica no futuro, e dizendo
a Timóteo que se preparasse para enfrentá-la.
Amontoarão para si mestres. É preci so que note mos bem o verbo
272 · Com entári o das Pastora is
‘amontoar’, com o qual ele quer dizer que a loucura dessa gente será
tão considerável que não se contentará com uns poucos impostores,
senão que desejarão ter uma grande multidão. Porque, como existe
sempre um a sede insa ciável por coisas vãs e nocivas , o mundo busca
de todos os lados e sem limites todos os métodos que se podem in-
ventar e imaginar para sua própria destruição; e o diabo sempre tem
à disposição tantos mestres d esse gênero quantos dem anda o mundo .
Sempre houve abundante colheita de homens perversos, como hoje
ainda os há ; por conseguint e, Satanás j amais carece de coo perado res
ou de meios para eng anar os homens.
A justa recompensa dessa grande depravação que quase sempre
preva lece en tre os ho mens co nsiste em que Deus e sua sã do utrin a são
ou rejeitados ou ignorados, e a falsidade é de bom grado abraçada. O
fato de que os falsos mestres, com tanta freqüência, campeiam sobe-
jamen te, e às vezes surgem em multidões, deve-se atribuir ao justo
juízo de Deus. Merecem os ser subjug ad os por esse tipo de lixo, já qu e
a verdade divina não encontra espaço algum em nosso ser, ou, se por-
ventu ra o encontra, im ediatamente a lança mos fora de sua possessão;
e somos tão devotado s aos mitos e às fábu las, que ainda uma multidão
de enganadores seria mui pouco para nós. Quão abomináveis são os
monges dentro do papado! Se sustentássemos apenas um pastor pie-
doso em lugar de dez monges e outros tantos sacerdotes, em pouco
tempo já não ou virí amos senão mu rmuraçõ es acerca de seus exce ssi-
vos gastos.2
A disposição do mundo é tal que, amontoando com todo o seu
entusiasmo incontáveis enganadores, deseja aniquilar tudo quanto
perte nce a Deus. A cau sa de ta nto s erro s não é outra se não o espon-
tâneo desejo que tais homens sentem de ser enganados, mais do que
de ser corretamente instruídos. Eis por que Paulo adiciona a expres-
são tendo comichão nos ouvidos ,3quando deseja apontar a causa para
2 “Incontinent on n’orroit autre cho se que plaintes de la trop grande des pens e.”
3 “A maiorianão pode suportar correções ou ameaças ou mesmo adoutrina simples. Quando
denunciamos os vícios, ainda que não empreguemos linguagem agressiva, acreditam que tudo est á
tão grande mal. Esta elegante metáfora significa que o mundo possui
ouvidos tão sensíveis e tão continuamente ávidos por novidades, que
reúne para si uma multidão de diferentes mestres e continuamente se
deixará seduz ir por suas inova ções. único antídoto para tal vício
está em que os crentes sejam instruídos a aderir solidamente à pura
doutrina do evangelho.
5. Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, 5. Tu verò vigila in omnibus, perfer afflictio-
enfrenta as dificuldades, faze a obra de evan- nes, opus fac Evangelistae, ministerium tuum
gelista, cumpre 0 teu ministério. probatum redde.
6. Porque já estou sendo oferecido, e 0 tem- 6. Ego enim jam immolor, et tempus meae
po de minha partida é chegado. resolutionis instat.
7. Combati 0 bom combate, concluí a traje- 7. Bonum certamen certavi, cursum con-
tória e guardei a fé. summavi, fidem servavi.
8. Desde agora, a coroa da justiça me está 8. Quod superest, reposita est mihi justitiae
reservad a, a qual 0 Senhor, 0 reto juiz, me dará corona, quam reddet mihi Dominus in ilia die
naquele Dia; e não só a mim, mas também a to- justus judex, nec solum mihi, sed etiam omni-
dos aqueles que têm amado a sua vinda. bus, qui diligunt adventum ejus.
perdido. O mundo nunca foi tão obstinadamente perverso do que agora, e os que têm feito uma
profissão do evangelho parecem lutar, 0 quanto possam, para destruir a graça de Deus. Pois não
estamos falando apenas dos papistas, que lutam furiosamente contra nós, mas dos que aderem
à Reforma Protestante do evangelho. Vemos que gostariam de ser como novilhos desenfreados.
(Não se preocupam com um jugo, nem governo, ou algo dessa sorte.) Que lhes seja permitido fa-
zer 0 que lhes agrada; que lhes sejam permi tidas blasfêmias e conduta licenciosa; pouco importa,
contanto que não tenham nenhuma forma de cerimônia, e que desprezem 0 papa e os idólatras.
Esta é a maneira como muitos dos que fazem uma profissão do evangelho gostariam de ser gover-
nados, mas a raz ão é que têm ‘coceira nos ouvidos’.” - Fr. Ser.
4 “Quando 0 diabo hasteia sua bandeira, e quando por toda parte se proliferam escândalos
e perturbações, não podemos estar suficientemente atentos e em guarda contra eles, a menos
274 · Com entári o das Pastorai s
Faze a obra de evangelista. Significa realizar aqu ilo que é p róp rio
de um evangelista. Não fica claro se esta palavra tem um sen tido geral
e denota todos os ministros do evangelho, ou se ela descreve algum
ofício especial. Sinto-me mais inclinado a aceitar 0 segundo ponto
de vista, uma vez que, à luz de Efésios 4.11, fica claro que havia uma
ordem intermediária de ministério entre os apóstolos e os pastores
[ordine m inter Apo stolos e t Pastor es m ed ium ], de modo que os evange-
listas ocupavam um lugar de auxiliares depois dos apóstolos. É mais
pro váv el que Tim óteo, a quem Pau lo associa va a si co m o se u mais ín-
timo col ega em todas as sua s ativi dades, estivesse aci ma dos pastore s
ordinários em grau de dignidade de seu ofício [gradu et officii dignita-
te], e que ele não fazi a mera m ente pa rte de seu rol . Ao fazer aqui uma
menção tão honrosa de seu ofício, Timóteo estava sendo encorajado
e sua autoridade, recomendada a outros; e Paulo tinha ambos esses
alvos em vista.
Cumpre o teu ministério. Se com a Vulgata lermos “cumpre”, na
última cláusula, o significado será: “a única forma de desempenhares
ple nam ente 0 ministério que te foi confiado é fazendo 0 que te tenho
ordena do; cuida-te, poi s, par a que n ão fracasse s em m eio à trajetó ria.”
Visto, porém, que 0 verbo πληροφορεϊν normalmente significa “ter cer-
que sejamos fortalecidos pela paciência e não nos deixemos desencorajar pela adversidade que
ora suportamos. Se esta advertência sempre foi vantajosa, quão grandemente necessária será em
nos so s dias! 0 mundo não ch egou no ponto mais profundo da i niqüidade? Vemos que a maioria
rejeita furiosamente 0 evangelho. Quanto aos outros que pretendem dar as boas-vindas ao evan-
gelho, que sorte de obediência lhe prestam? Há tanto menosprezo e tanto orgulho, que, tão logo
os vícios são reprovados, ou se usa mais severidade do que agrada ao paladar dos que gostariam
de ter plena permissão de agir perversamente, e cujo único alvo é destruir tudo, vivem satura-
dos de rancor. Embora os papistas permitam que em sua pregação os frades clamem e trovejem
para ratificardeum
é a mesma pacto. Por
Filipenses conseguinte,
2.17, onde ele sesuaexplica
intenção nesta
mais passagem
plenamente:
5 “Car de moy je m’en vay maintenantestre sacrifie.” — “Porque, de minha parte, agora
caminho para ser sacrificado.”
276 · Com entári o das Pastor ais
o mundosua
também pensava
morte não
seriasóconsiderada
que Paulo ignominiosa.
era em extremo
Pormiserável, mas
conseguinte,
quem não haveria de dizer que seu com bate fora um fracasso? Mas e le,
pessoalmente, não dependia dos juízos humanos distorcidos, senão
que em sua inusitada coragem ele se põe acima das próprias calami da
2 Tim óteo-Capítulo 4 · 277
des, para que nada interferisse em sua felicidade e glória. E assim ele
declara que a luta que havia enfrentado fo i boa e h onro sa e até m esmo
alegre ante a visão da m orte, visto ser ela o alv o pelo qual se esforça ra
por alcançar.
Concluí a trajetória. Só sabemos que os atletas terão efetuado
o que tanto almejaram quando eles chegam ao término da prova. 0
que ele quer dizer é que a morte é o alvo dos atletas de Cristo, já que
ela marca o fim de seus labores, e também para que jamais repousem
conten tes com es ta pre sente vida , já que não h á proveito al gum em se
correr vigorosamente desde o ponto de pa rtida até ao meio do percur-
so, se no fi m não at ingimos o p onto de chegada.
E guardei a fé.6Esta cláusula pode ter um de dois significados:
ou que ele fora um fiel soldado à disposição de seu Capitão, até o
fim, ou que ele se mantivera fiel na sã doutrina. Ambos os sentidos
se adequam bem; aliás, a única maneira pela qual ele poderia provar
sua fidel idad e ao Senhor era po r meio da constan te confissão da pura
doutrina do evangelho. Não tenho dúvida de que aqui sua alusão é ao
solene j uram ento de lealdade do soldado, como se d issesse que sem-
pre fora um bom e fiel so ldad o ao seu Capitão.
8. Desd e agora . Como havia se gloriado em seu bom combate,
concluído su a trajetór ia e conserv ado s ua fé, ass im ele agora ale ga que
seus labores não foram em vão. É possível fazer-se um esforço exten u-
ante sem, contud o, alcan çar o merecido prêmio. Paulo , porém, diz que
seu prêmio e stá garantido. E le obtém esta certez a voltando seus olhos
para a re ssurreiçã o, e deve mos fazer o mesmo. Se porv entu ra olhar-
mos em volta e nada virmos senão morte, lembremo-nos de que não
6
a nosso “De fatoJesus
Senhor est a Cristo
palavrae ‘fé’
quepode serhesitou,
nunca por fidel
tomadaque idade;como se ele disse sse que era leal
sempre realizou o que pertencia ao seu
ofício. Mas podemos também tomar esta palavrafé em seu sentido ordinário: que Paulo nunca se
desviou da simplicidade pura do evangelho e inclusive sempre confiou nas promessas de salvação
que lhe foram dadas e, tendo pregado a outros, mostra que era confiante no que falava. Pois toda
a lealdade que Deus demanda de nós procede de nossa firme adesão à sua Palavra; e, estando
fundado nela de tal maneira, que não se deixará demover por qualquer tormenta ou tempestade
que porventura surgir.” - Fr. Ser.
278 · Com entári o das Pastor ais
em afirmar
dons. que Deusinútil
É igualmente coroae em nós,tentarem
néscio com umeles
galardão, seuspassagem
usar esta próprios
para destruir a justiça da fé, visto que não há inconsistência alguma
entre a bondade de Deus, pela qual ele graciosamente aceita uma pes-
soa, não lhe imputando seus pecados, e sua recompensa procedente
das boas obras, onde com a mesma generosidade ele confere o que
prometera
E não só a mim. A fim de que to dos os demais crentes pudessem
combater com o mesmo valor, ele os convida a participarem consigo
de sua coroa. Pois sua inabalável fidelidade não poderia servir-nos de
exemplo, caso não tivéssemos a mesma esperança de um dia receber
a nossa própria coroa.
Ele menciona uma extraordinária característica dos crentes, ao
chamá-los todos aqueles que têm amado sua vinda.8 Pois onde quer que
a fé seja forte, não admitamos que nossos corações desmaiem neste
mundo, mas ergamo-los cheios de esperança na ressurreição final.
que ele quer dizer é que todos os que se devotam a este mundo e
amam esta vida fugaz a ponto de não mais se preocuparem com a vin-
da de Cristo, e não sentem por ela qualquer anelo, estão se privando
da glória imortal. Ai de todos nós se deixarmos que a estupidez nos
7 “Os própr ios papist as deveriam obse rvar cuidad osamen te 0 que foi dito por algum dos que
eles têm por se us doutores. ‘Como Deus concede ria a coroa como um juiz justo, se antes de tudo
ele não outorgou graça como um Pai misericordioso? E como teria havido justiça em nós, se não
fosse precedida pela graça que nos justifica? E como essa coroa teria sido dada como devida, se
não tivés semos tudo 0 que temos - se fosse dada quando não er a devida? Estas são as palavras de
Agostinho; e embora os papistas tenham decidido não se guardar pela Santa Escritura, pelo me-
nos não deveriam aviltar-se tanto a ponto de renunciar aquilo que pretendiam manter. Mas, nem
isto é tudo. É verdad e que est a é uma doutrina que bem merece ser abraçada: que Deus não pode
ser um Juiz justo para salvar-nos, a menos q ue previament e decl arass e ser, no mais elevado gra u,
um Pai misericordioso; qu e não hav erá em nós justiça senão aquela que ele colocou ali ; e que ele
não pode galardoar-nos senão coroando seus dons. Mas é também verdade que, ainda que Deus
nos desse graça para 0 servirmos, ainda que tivéssemos laboriosamente feito, segundo nossa ha-
bilidade, tudo 0 que no s era possível, ainda qu e tivéssemos feito tão bem aquilo que Deus aceita,
contudo haverá muito que merece censura em todas as melhores obras que temos praticado, e a
maior virtude que se pode perceber em nós se ria viciosa.” - Fr. Ser
8 “Son apparition.” — “Seu aparecimento.”
280 · Com entári o das Pastorai s
9. Procura vir ter comigo depressa. Já que ele sabia que 0 tempo
de sua morte estava próximo, não tenho dúvida de que havia muitas
questões concernentes ao bem-estar da Igreja que ele gostaria de dis-
cutir com Timóteo pessoalm ente. Po rtanto, ele não hesita em pedir -lhe
que viesse de além-mar. Certamente que Timóteo deveria ter boas ra-
mais com sua pró pria conveniência e s egurança do que com a vida de
Paulo. No caso de Demas, por exemplo, ele não podia ficar com Paulo
sem se envolver em muitos problemas e humilhações e até mesmo
com real risco de sua vida; ele ficava exposto a muitas repreensões,
expunha-se a muitos insultos, era forçado a renunciar o cuidado de
seus p róprios interesses, e nessas circunstâncias fo i vencido por seu
desgosto pela cruz e decidi u bu scar seus próprios interesses. Ne m se
pode pôr em dú vida que o m un do lhe tenha pro piciado um a opo rtun i-
dade favorá vel, ajudando-o em sua jornada. Podemo s conjec turar que
este homem era um dos mais extraordinários com panheiros de Paul o
ante o fato de que o apóstolo o inclui com apenas outros poucos em
Colossenses 4.1 4 e tam bém em File mom 24, onde ta mb ém o menciona
entre seus assisten tes. Não é de estranhar, portan to, que ele o censure
tão asp eram ente p or cuidar mais de si próprio do que de Cris to.
Os outros, a quem em segu ida faz menção, haviam se afastad o dele
por bo as razões e com o pró prio cons entimento do apóstolo. À luz des-
te fato , é óbvi o que o apóstolo não busco u seu pró prio interesse a ponto
de privar as igrej as de seus p astores, m as só até o bter deles al gum so-
corro. Indubitavelmente, ele era sempre muito cuidadoso no tocante
aos seus visitantes ou companheiros, indicando aqueles cuja ausência
não fosse prejudicial às demais igrejas. Por essa razão ele enviara Tito
para a Dalm ácia e os outros a outras regiões ao tempo em que convo-
cava Timóteo. E não só isso, mas para evitar q ue a igreja de Éf eso fosse
desamparada ou esquecida durante a ausência de Timóteo, ele enviou
Tíquico para lá e faz menção disso a Timóteo para assegurar-lhe que
haveria al guém para ocup ar seu lugar enquanto estivesse ausente.
13. Quando vieres, traze contigo a capa que deix ei em Trôad es.
Os comentaristas não estão concordes sobre o significado da palavra
φελόνη;9 alguns pensam que se tr ata de um baú ou caixa par a guar -
dar livr os; outros acreditam que se trata de uma espécie de cap ote de
9 “Quant au mot Grec, lequel on traduit manteline.” — “Quanto à palavra grega que é tradu-
zida por manto ou capa.”
282 · Com entári o das Pastorai s
viajante com pro teção especial con tra frio e chuva. Se ja qual for o sig-
nificado preferido, pode-se suscitar a pergunta por que Paulo pediria
que um cap ote ou um b aú lhe fosse trazido de tão longe, como se não
hou vesse ne nhum artesã o, nem tecido, nem mad eira em Ro ma. Se con-
cordarmo s que se tr ata de um baú cheio de li vros ou m anuscritos ou
cartas, a dificuldade ficará resolvida, porque tais coisas não poderiam
ser adquiridas por preço algum. Visto, porém, que muitos não acei-
tarão tal conjectura, espontaneamente traduzi o termo por capote, e
não há abs urdo algum em que Paulo quisesse que ele foss e trazido de
tão longe, visto que, pelo uso pro longado, seria-lhe mais confortável e
poderia ev itar despesas.10
Não obstante , para ser franco, sinto-me mais atraído pela primei-
ra interpretação, uma vez que i mediatam ente prossegue m encionando
livros e pergaminhos. É óbvio que, à l uz deste fato, em bora o apó stolo
já es tivess e se pre para ndo para a morte, ele não renu nc ia à leitura.
Onde estão aqueles que acreditam que já progrediram tanto que não
10 “Et aussi qu’il vouloit eviter la des pen se d’en achev er une autre.”— Έ também porqueele
desejava evitar a despe sa de comprar outro.”
11 “De leurs inspirations Divines.”
12 “Acima de tudo, àqueles cujo ofício é instruiroutros, que olhem bem para si mesmos; porque,
por mais aptos que sejam eles, estã o muito longe de s e aproximarem de Paulo. Assim sendo, que re-
solvam confiar-se a Deus, a fim de receberem graça dElee ass im obterem ainda mais conhecimento
de sua
toda vont
sua adeaoa fim
vida, de pod
chegar no erem comunicá-la
momento da morte,a que
outros.
aindEquando tiverem
a desejem ensinado faielmente
obter proveito, durante
fim de partilhar
com seu semelhante 0 que conhecem; e que grandes e pequenos, dout ores e o pov o comum, filóso-
fos e idiotas, ricos e pobres, velho s e jovens - sejam todo s exortados pelo que aqui lhes é ensinado:
obter proveito, durante toda sua vida, de tal maneira que jamais afrouxem seus empenhos, até que
não mais vejam em parte ou num espelho, mas contemplem face a face a glória de Deus.” -Fr. Ser.
13 “Comme un moyen ordonne de Dieu pour profiter.”— “Como um método designado por
Deus para haurir proveito.”
Neste ponto alguém poderá indagar 0 que Paulo quer dizer ao
solicitar um capote se ele mesmo acreditava que seria conduzido ime-
diatamente à morte. Esta dificuldade se constitui noutra razão por que
creio que ele pensava num baú, mas é possível que houvesse algum ou-
tro uso para um capote naquele tempo, o que nos é desconhecido hoje.
É uma questão sobre a qual não me sinto nem um pouco preocupado.
14. Alexandre, 0 latoeiro, me fez muitos 14. Alexander faber aerarius multis me
males; 0 Senhor lhe retribuirá segundo suas malis affecit: reddat illi Dominus juxta facta
obras; ipsius.
15. de quem deves também te precaveres, 15. Quem et tu cave; vehementer enim res-
porque resistiu muito nossas palavras. titit verbis nostris.
16. Em minha primeira defesa, ninguém 16. In prima defensione nemo mihi affuit,
tomou meu partido, antes todos me abando- sed omnes me deserueru nt: ne illis imputetur.
naram. Que isso não lhes seja levado em conta.
17. Mas 0 Senhor esteve comigo e me 17. Sed dominus mihi affit, et corroboravit
fortaleceu para que, por meu intermédio, a me. ut per me praeconium confirmaretur, et
proclamação pudesse ser confirmada e todos qudire nt omnes Gentes.
os gentios a pudessem ouvir; e fui libertado
da boca do leão.
18 .0 Senhor me livrará de tod a obra malig- 18. Et ereptus fui ex ore leonis, et eripiet me
na, e me conservará para 0 seu reino celestial; Dominus ex omni facto (uel, opere) maio, ser-
a ele seja a glória para to do 0 sempre. Amém. vabitquie in regnum suum caeleste, cui gloria
in saecula saeculorum. Amen.
19. Saúda a Prisca e a Áquila, bem como a 19. Saluta Priscam et Aquilam et familiam
casa de Onesíforo. Onesiphori.
20. Erasto permaneceu em Corinto; Trófi- 20. Erastus mansit Corinthi: Trophimum
mo, porém, deixei doente em Mileto. autem reliqui in Mileti languentem.
21. Procura vir antes do inverno. Saúdam- 21. Da operam, ut ante hyemem venias. Sa-
te Êubulo, Prudente, Lino, Cláudia e todos os lutat to Eubulus et Pudens et Linus et Claudia
irmãos. et fratres omnes.
22 .0 Senhor seja com 0 teu espírito. A gra- 22. Dominus Iesus Christus cum spiritu tuo.
ça seja contigo. Gratia vobiscum. Amen.
Segunda epístola a Timóteo, primeiro bispo Scripta e Roma secunda ad Timotheum, qui
ordenado da Igreja de Éfeso. Escrita de Roma, primus Ephesi ordinatus fuit Episcopus, quum,
quando Paulo foi levado diante de Nero pela Paulus iterum s iste retu r Caesari Neroni.
segunda vez.
mais tarde, porém, declarou guerra franca contra ele. Aqui está o tipo
mais perigoso e venenoso de inimigo. Desde o princípio, porém, o Se-
nhor determinou que sua Igreja não fosse poupada desse gênero de
mal, para que n ossa coragem não se d esvaneça quando formos ten ta-
dos da mesm a forma.
Me fez muitos males. É preciso observar bem quais são esses
muitos males dos quais Paulo se queixa que Alexandre lhe havia feito
- ou seja: ele se opu sera ao seu ensino. Alexand re era um artífice , e não
havia re cebido sólida educação escolar p ara ser um grande polemi sta;
os inimigos domésticos, contudo, estão sempre bem situados e são
hábeis para causar dano. E a impiedade que tais pessoas divulgam é
sempre entusiasticamente saudada pelo mundo, de sorte que a igno-
rância maliciosa e impudente às vezes cria mais dificuldade e males
do que o fazem os grandes talentos e erudição. Além disso, quando
o Senhor introduz seus servos no campo de batalha, para enfrentar
homens vis como esse, propositadamente ele os oculta da vista do
mundo, para que tais homens não ostentem em sua esperteza.
15. Porque resist iu muito nossa s palavras. Podemos inferir das
palavras de Paulo, que nada era pior para ele do que a oposição à
sã doutrina. Se Alexandre houvera atingido sua pessoa ou lhe fizera
algum assalto frontal, o haveria suportado com grande paciência; mas
quando é a verdade de Deus que é assaltada, seu dedicado coração
se inflama com indignação, porque em todos os membros de Cristo
a seguinte verdade deve ser uma realidade: “O zelo da tua casa me
tem c onsu mid o” [SI 69.9]. Isso explica po r que o apósto lo p rorro mp eu
nesta imprecação tão veemente, o Senhor lhe retribuirá segundo suas
obras. Um pouco depois, ao lamentar que todos o haviam abandona-
do, ele já não evoca a vingança divina sobre eles, mas, ao contrário,
intercede
placentempelo
enteseu
paraperdão. Uma os
com todos vezoutros,
que se por
portou
que,tão gentil
pois, e com- tão
se mostra
severo e inexorável para com a quele homem? Ele deseja que Deus di s-
pense seu perdão aos outros, porque o seu fracasso foi motivado pelo
medo e debilidade, o que nos motiva a usar de compaixão para com
2 Timóteo-Ca pítul o 4 · 285
[Lc havia
ele 9.55]. orado
Pareciam estarnoinvocando
a Deus a autoridade
mesmo tom de Elias,
[2Rs 1.10]; visto, porquanto
porém, que
eram de um espírito bastante distinto do de Elias, era absurda sua
tentativa de imitá-lo. Portanto, é mister que o Senhor apresente seu
juízo de forma bem nítida, antes que nos atrevamos a proferir tais im-
286 · Com entári o das Pastor ais
precações, de modo que nosso zelo seja guiado e restringido por seu
Espírito. E sempre que nos lembrarmos da violenta reação de Paulo
contra este único homem, devemos igualmente ter em mente s ua gran-
diosa mansidão para com aqueles que ignobilmente o abandonaram,
a fim de que, median te seu exemplo, aprend amos a ter com paixão dos
irmãos em suas fraquezas.
Gostaria de perguntar aos que imaginam que Pedro presidiu a
Igreja de Roma, onde n esse te mpo ele se encontra va. Segundo seu pon-
to de vista, ele não havia ainda morrido, pois nos afiançam que sua
morte se deu precisamente um ano após a de Paulo, e prolongam seu
pontificado por sete anos. Aqui, Paulo menciona sua primeira defesa,
e seu segundo comparecimento perante a corte não podia ocorrer tão
depressa. E Pedro, para não perder seu título papal, teria de se pro-
nunciar culpado de covardemente abando nar a Paul o juntamente com
os outros? Certamente que, quando toda a questão for devidamente
examinada, nossa conclusão será que tudo quanto se crê acerca do
pontificado de Pedro não passa de conto de fada.
17. Mas o Senho r est ev e comigo. Ele adiciona esta cláusula para
remover o escândalo que percebeu que poderia suscit ar-se, a saber, o
fato de muitos haver cov ardem ente aban don ado a ele e à sua cau sa.14
Ainda que a igreja de Roma haja fracassado em seu dever, ele diz que
o evangelho não sofrerá perda alguma por culpa dela, porque, descan-
sando no poder celestial, ele era capaz por si só de levar toda a carga,
e longe de sentir-se desestimulado pelo medo que se apoderou dos
demais, ele apenas via mais claram ente qu e a graça de Deus l he era su-
ficiente e não precisa de nenhum tipo de auxílio extra. Ele não está se
vangloriand o em sua pró pria força , mas es tá dando graças ao Senhor
pelo fato de que, quando chegou ao seu extremo, ele não retrocedeu
nem
ce queseaacovardou
mão de Deuaosenfrentar provações
o sustentava, tãoera
e para ele perigosas. Ele que
b astante reconhe-
a graça
15 “Le mot Grec signifie proprementune publication et proclamation qui se fait solennelle-
ment et comme a son de trompe.”— “A palavra grega denota propriamente uma publicação ou
proclamação que é feita solenemente, e, por assim dizer, com
0 som de uma trombeta.”
288 · Com entári o das Pastorai s
aplaudidos.
autoridad e A intenção ]d para
[apostólica e Paulo, ao-lo
ajudá escrever, er ar um
a sup orta armfardo
ar a Tito c omada-
demasi sua
mente pesado. Indubi tavelmente, algun s ousa dadam ente escarneciam
dele como apenas mais um den tre a confraria de pas tores ordinári os.
É ainda provável que circulassem queixas contra ele por assumir mais
294 · Com entári o das Pastor ais
auto rida de a que tinh a direito, dian te o fato de que se rec usava a adm i-
tir pastores até que houvessem conquistado sua aprovação.
Daí podemos inferir que est a não é tanto uma cart a especificamen-
te dirigida a Tito, mas uma epístola pública destinada aos cretenses.
É improvável que Tito fosse realmente culpado de ser tão indulgente
em elevar pessoa s indignas ao ofí cio de bispo [ad episcopatum], ou que
houvesse estabelecido que tipo de doutrina seria ensinada ao povo,
como se fosse um neófito ignorante. Visto, porém, que ele não estava
recebend o a devida honra ao se u ofício, Paulo o reveste d e sua pr ópria
autoridade pessoal, tanto para ordenar ministros quanto em relação a
todo o governo da igreja. Uma vez que muitos insensatos desejavam
uma outra forma de doutrina além daquela que haviam recebido dele,
Paulo repudia todas as demais e impõe seu selo de aprovação unica-
mente ao ensino de Tito , encorajando-o a continuar como começara.
Acima de tudo o apóstolo ensina q ue gênero de homens deveriam
ser escolhidos como ministros.1En tre outras qualificações, ele requeria
que o ministro fosse instruído na sã doutrina, com a qual pudesse re-
sistir os adversários. Aqui ele aproveita a oportunidade para censurar
os costumes dos cretenses, e repreende especialmente os judeus que
faziam a santidade consistir de distinções entre alimentos e outras ce-
rimônias externas. Com o fim de refutar tal estultícia, ele contrasta tais
coisas com as genuínas práticas da piedade e do viver cristão, e, para
imprimir-lhes mais profundamente em suas mentes, ele descreve os
deveres que pertencem às diferentes vocações. Ele diz a Tito que incul-
casse tais deveres criter iosa e incansave lmente, e ao mesmo tempo diz
aos demais que não se cansassem de fazer o bem, e que demon strassem
que este é o propó sito da reden ção e salvação que se alc ançam através
de Cristo. Se porventura algumas pessoas contenciosas se lhe opuses-
sem ou se recusassem a ser-lhe submissas, a ordem de Paulo a Tito foi
que ele as pu sesse de lado. Ag ora percebemos q ue o único objetivo de
Paulo era apo iar a ca usa d e Tito e estender- lhe mão amiga com o fi m de
ajudá-lo a levar avante a obra do Senhor.
1. Paulo, servo de Deus e apóstolo de Je- 1. Paulus servus Dei apostolus autem Iesu
sus Cristo, segundo a fé dos eleitos de Deus Christi secundum fidem electorum Dei et agni-
e 0 conhecimento da verdade que é segundo tionem veritatis quae secundum pietatem est,
a piedade,
2. na esperança da vida eterna, a qual Deus, 2. in spem vitae aeternae quam promisit qui
que não pode mentir, prometeu antes dos non mentitur Deus ante têmpora saecularia,
tempos etern os;
3. mas que a seu próprio tempo manifestou 3. manifestavit autem temporibus suis ver-
sua palavra na pregação que me foi confiada bum suum in praedicatione quae credita est
segundo os mandamentos de Deus nosso Sal- mihi secundum praeceptum salvatoris nostri
vador; Dei.
4. a Tito, meu verdadeiro filho segundo a fé 4. Tito dilecto filio secundum communem
comum: graça e paz, da parte de Deus 0 Pai e fidem gratia et pax a Deo Patre et Christo Iesu
de Cristo Jesus nosso Salvador. salvatore nostro.
1 “Se a fé for 0 fruto da eleição, a presciência da fé não influencia 0 ato divino de eleger. Ela
é chamada ‘a fé dos eleitos de Deus’; ‘Paulo, após tolo de Jesus Cristo, segundo a fé dos eleitos
de Deus’ [Tt 1.1], isto é, posto neste ofício para conduzir os eleitos de Deus à fé. Se os homens
fossem escolhidos por Deus com base na previsão da fé, ou não escolhidos até que tivessem fé,
não seriam propriamente eleitos de Deus, e sim Deus seria eleito deles; escolhem Deus pela fé,
antes de Deus os escolh er pelo amor . Ela não teria sido a fé dos e leitos de Deus, isto é, dos já esco -
lhidos, mas a fé dos que em seguida seriam escolhidos por Deus. A eleição é a causa da fé, e não
a fé ae causa
dia, não 0 da
diaeleição.
a causa 0dofogo é a causado
surgimento dosol.
calo r, homens
Os e não 0 não
calorsão
a cau sa do fogo
escolhidos ; 0 solcrêem,
porque é a causa
masdo
crêem porqu e são esc olhidos. 0 apóstolo achava um tanto di fícil exp or isso aos eleitos, os quais
não tinham mais interesse pela virtude de sua eleição do que os mais réprobos do mundo. Se a
previsão das obras que suas criaturas poderiam fazer fosse 0 motivo de sua escolha, por que ele
não escolheu os demônios para a redenção, que poderiam ter-lhe prestado melhor serviço, pelo
vigor de sua natureza, do que tod a a massa da p osteridade de Adão? Ora, pois, não há via possí-
vel de lançar 0 fundamento srcinal deste ato de eleição e preterição em algo além da soberania
absoluta de Deus.” -
Tito-Cap ítulo 1 · 297
nos será
Em de muito proveito
primeiro lugar, aoexaminá-las
chamar a fé uma a uma.
de ‘conhecimento’, ele não está
meramente distinguindo-a de opinião, mas daquela fé forjada e implí-
cita inventada pelos papistas. Pois por fé implícita eles querem dizer
algo destituído de toda luz da razão. Ao dizer que conhecer a verdade
298 · Com entári o das Pastor ais
pertence à essência da fé, ele claramente dem onstra que sem o conhe-
cimento não há certeza na fé.
Com o termo ‘ver dad e’ ele explica ainda mais c laram ente a ce rteza
que a natureza da fé requer; pois a fé não se satisfaz com probabilida-
des, mas com a plena verdade. Além do mais, ele não está falando
aqui, de qualquer gênero de verdade, mas daquela que é contrastada
com a vaidade do entendimento humano. Pois como Deus se nos tem
revelado atr avés d ess a verdade, ela é a única que mere ce o título de ‘a
verd ade’ - título este a e la dado em muit as outras p assagens bíbli cos.
João 16.13: “O Espírito vos guiará a toda a verdade.” João 17.17: “Tua
palavra é a verdade.” Gálatas 3.1: “Quem vos fascinou para não obe-
decerdes à verdade?” Colossenses 1.5: “Por causa da esperança que
vos está reservad a nos céus, da qual já antes ouvistes pela palavra da
verdade do evangelho.” 1 Timóteo 2.4: “Que quer que todos os homens
se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.” 1 Timóteo 3.15: “a
igreja do Deus vivo, a coluna e baluarte da verdade.” Em suma, a ver-
dade é aquele puro e perfeito conhecimento de Deus, o qual nos livra
de todo e qualquer erro e falsidade. Devemos considerar que não há
nada mais miserável do que vagar ao longo de toda a nossa vida como
ovelhas perdidas.
Que é segundo a piedade. A próxima frase, que é segundo a pie-
dade, qualifica a verdade de uma forma específica, da qual ele esteve
falando, e ao mesmo tempo recomenda sua doutrina a partir de seu
fruto e propósito, visto que seu alvo único é promover o culto divino
correto , e m anter a religião genuína entre os hom ens. E assim ele livr a
sua doutrina d e toda e qu alquer suspe ita de vã curiosida de, como ele
fez diante de Félix [At 24.10] e igualmente diante de Agripa [At 26.1].
Visto que todos os questionamentos supérfluos que não se inclinam
para a edificação
testados devem
pelos cristãos ser com
piedosos, toda recomendação
a única razão suspeitos e mesmo
legítima da de-
doutrina é que ela nos instrui na reverência e no temor de Deus. E
assim aprendemos que o homem que mais progride na piedade é tam-
bém o melhor discípulo de Cristo, e o único homem que deve ser tido
Tito - Cap ít ulo 1 · 299
2 “Assim ele mostra que jamais será possív el que os homens se dediquem inteiramente ao
serv iço de Deus, se nào pensarem mais em Deus do que em todas as demais coisas . Em suma, não
há raiz viva, nenhuma íé e nenhuma religiã o, até qu e tenhamo s sido levados para 0 céu, isto é, até
que sa ibamos qu e Deus não n os criou para ma nter-nos aqui em uma vida terrena com os animais
irracionais, mas que ele nos adotou por sua herança, e nos reputa no número de seus filhos. Se,
pois, não
Deus, olharmos
ou que para a0fécéu,
ha ja algum é impossívelem
ou cristandade quenós
tenhamos
e ess a verdadeira devoção
é a razão por em render-nos
que entre a
todos os que,
na atualidade, são considerados cristãos - e crêem que 0 são - há bem poucos que possuem esta
verdadeira marca, a qual Paulo, aqui, deu a todos os filhos de Deus. É porque todos estão ocu-
pados com a presente vida, e estão tão firmemente presos a ela, que não podem subir mais alto.
Ora, percebendo ser este vício tão comum, tanto mais devemos guardar-nos contra ele e quebrar
a força daquilo que não podemo s destruir totalmente, até que en tremos em íntima comunhã o com
Deus, a qual só será possível quando a esperança da vida eterna for real e sinceramente formada
em nossos corações.” -
300 · Com entári o das Pastorai s
guiar-nos
mente quede voltaépocas
muitas para além
têmda criação
transco do mundo,
rrido desdemas
quediza salv
simples-
ação fo i
prom etida pela primeira vez.
Mas se alguém quiser tomar ‘tempos eternos’ de uma forma con-
cisa para expressar as épocas prop riamente ditas, está em seu dire ito
Tito - Ca pítulo 1 · 301
epara si es se sesse
prudente, nom es, ‘após
homem tolo e esse
erudito, se rvo de Jesus
homem Cristo’
de tão . Mas, porreputação
considerável que Paul oentre
- es se homem
seus sábio
próprios
conterrâneos -, por que ele viria ser inscrito entre os apóstolos e servos de Jesus Cristo? Porque,
diz ele, é na esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu [Tt 1.1,2]. Eu
me confesso um apóstolo e servo de Jesus Cristo sobre este induzimento e por esta razão; e assim
pretendo continuar até 0 fim. É a esperança da vida eterna que Deus, que não pode mentir, me
prometeu. Aquele cuja natureza não lhe permite enganar, a quem é impossível mentir, nele espero
firmemente e com toda certeza; e, portanto, me disponho prontamente a enfrentar todas as difi-
culdades e asperezas que 0 ser viço de Jesus Cristo pode abrir para mim.” -
302 · Com entári o das Pastor ais
então os gentios foram recebidos no pacto, Paulo diz que o que antes
fora revelado parcialmente, agora, neste sentido, se manifestou plena-
mente.
A seu próprio tempo tem o mesmo sentido de ‘a plenitude dos
tempos’, em Gálatas 4.4. Ele nos recorda que o tempo que o Senhor
escolheu para fazer isso deve ter sido o tempo mais oportuno, e ele
menciona is so para a placar a temeridade d aqueles que ousam indagar
por que o mesmo não ocorreu mais depressa, ou por que não ocorre
hoje em vez de amanhã. Para restringir uma curiosidade tão imodera-
da, ele ensina que os tempos estão nas mãos e à disposição de Deus,
de modo que devemos crer que tu do é feito na mai s perfeita ordem e
no tempo predeterminado.
Sua Palavra. Ou por sua palavra; pois não é raro aos escritores
gregos adicionarem a preposição por. Ou, se quisermos acrescentar
alguma coisa para completar a sentença, devemos imaginar Paulo de-
nominando Cristo de a Palavra. Eu mesmo ficaria satisfeito com essa
explicação se a mesma não fosse um tan to forçada. João não se expres-
sa assim no início de sua epístola: “0 que era desde o princípio, o que
ouvimos, o que vimos com nossos próprios olhos, o que temos con-
templado e as nossas mãos tocaram com respeito à Palavra da vida”
[1J0 1.1]. Eu, porém, prefiro o significado mais simples, a saber, que
Deus manifestou a vida através de sua Palavra, ou manifestou a Pala-
vra da vida através da proclamação do evangelho.
A proclamação de que ele fala é o evangelho publicado, e, indu-
bitavelmente, a principal coisa que nele ouvimos é que Cristo nos foi
oferecido, e que a vida está nele.
Que me foi confiada. Além do mais, visto que todos os homens,
sem distinção, não estão preparados para tão grande ofício, e visto
que
sua ningu émcom
vocação deveolançar-se
costum aprecipitadamente a ele,
fazer. Aqui devemos apro end
a póstolo reiterajá
er - como
notamos com muita freqüência - que não se deve atribuir esta honr a a
qualquer p essoa, até que seja comprovado que Deus o tenha ordenado.
Pois até mesmo os ministros de Satanás se vangloriam ostensivamente
Tito-Cap ítulo 1 · 303
de que foram chamados por Deus, ainda que não haja verdade alguma
em suas palavras. Mas quando Paulo menciona sua vocação, ela é algo
bem notório e bem atestado.
Além do mais, aprendemos desta passagem por que os homens
são ordenados apóstolos a fim de publicarem o evangelho; como ele
diz em outra parte: “Ai de mim se não pre gar o evangelho; est a respon-
sabilidade me foi confiada” [1C0 9.16]. Por conseguinte, aqueles que
se portam como fantoches em meio à ociosidade e à luxúria são impu-
dentes demais ao reivindicarem para si a sucessão apostólica.
Deus, nosso Salvador. Ele atribui o mesmo título ao Pai e a Cristo,
já que cada um deles é, na verdade, nosso Salvador, mas de uma forma
diferenciada. O Pai é nosso Salvador porque nos redimiu mediante a
morte de seu Filho, para nos fazer herdeiros da vida eterna. O Filho,
porém, é nosso Salvador porque derram ou seu sangue como penhor e
preço de nossa salvação. E, assim, o Filho nos trouxe salvação da parte
do Pai, e o Pai no-la concedeu através do Filho.
4. A Tito, meu verdad eiro filho segun do a fé comum. Daqui se
evidencia em que sentido um ministro da Palavra é tido como gerador
espiritual daqueles a quem ele conduz à obediência a Cristo, ou seja,
da mesma maneira como ele mesmo também foi gerado. Paulo chama
a si mesmo pai de Tito no tocante à sua fé; imediatamente, porém,
acrescenta que essa fé é comum a ambos, de modo que ambos partici-
pam do mesmo Pai celestial. Portanto, Deus de forma alguma tira algo
de sua própria p rerrogativa ao permitir que aqueles, por cujo mini sté-
rio ele regenera, sejam também chamados pais espirituais juntamente
com ele; porque, por si mesmos nada fazem, senão somente através
da eficácia do Espírito. Pode-se encontrar uma explicação do restante
deste versículo nos com entários às epístolas anteriores, especia lmen-
te em 1 Timóteo.
304 · Com entári o das Pastora is
5. Por essa causa te deixei em Creta, para 5. Huius rei gratia reliqui to Cretae ut ea
que pusesses em ordem as coisas que ainda quae desunt corrigas et constituas per civita-
restam, e em cada cidade designasses presbí- tes presbyteros sicut ego tibi disposui.
teros, como já te ordenei:
6. aquele que for irrepreensível, esposo de 6. Si quis sine crimine est unius uxoris vir
uma só mulher, que tenha filhos crentes, que filios habens fideles non in accusatione luxu-
não sejam acusados de libertinagem e ins ub- riae aut non súbdi tos.
missão.
5 “Mais que les autres estoyen t macons ou charpentiers.”— “Mas que outros erampedreiros
e carpinteiros.”
Tit o - C apítul o 1 · 30 5
6 “Os que são guiadospela ambição gostariamde ser tidos como pessoa s talentosas no
primeiro dia; gostariam de desfrutar de tal reputação para que sejam consideradas como tendo
cumprido seu dever tão fielmente, que nada mais se poderia desejar. Do contrário, quando tiver-
mos trabalhado durante toda nossa vida para edificar a Igreja de Deus, contudo não seremos bem
sucedidos na plena extensão. Portanto, saibamos que não devemos presumir tanto sobre nossa
indústria e nossas virtudes, que aquele que é dotado com mais abundantes graças de repente
pode ter edificado a Igreja de Deus com perfeição; mas devemos assistir uns aos outros. Aquele
que tiver progredido mais deve saber que não pode fazer tudo, e deve curvar seus ombros e ro-
gar assistência daqueles a quem Deus designou, e deve ficar bem satisfeito 0 fato
comde outros
fazerem progresso, contanto que todos almejem servir a Deus e fazer 0avançarreino de nosso
Senhor Jesus Cristo. Se olharmos bem para nós mesmos, haverá sempre razão para tristeza, por-
que estamos muito longe do pleno cumprimento de nosso dever. E os que se fazem crer isto ou
aquilo, e dizem: Aquisteá uma igreja tão bem reform
ada, quejá não carece de nadamais”- estão
equivocados; pois se soubessem 0 que é reforma, se precaveriam de pensar que já não havia lugar
para encontrar falha. Seja qual0 for
trabalho que tivermos em organizar os materiais, e mantê-los
em ordem, deveras há muitas coisas que, quando uma vez começadas, seguirá uma série regular
de coisas; mas, quanto a alcançar a perfeição, estamos ainda muito longe-Fr.
dela.”
Ser.
306 · Com entári o das Pastor ais
não que cada um deva egoisticamente esforçar-se por ter tudo feito
como lhe agrade, e, sim, para que se auxiliem mutuamente; e quando
um deles tiver laborado com grande êxito, que o mesmo seja congra-
tulado pelos demais, e não invejado.
E, todavia, não devemos concluir que Paulo quise sse que Tito cor-
rigisse aquelas coisas que ele havia deixado por terminar, quer por
ignorância, quer por esquecimento ou por descuido, e, sim, as coisas
que não pôde completar por falta de tempo. Em suma, Paulo ordena a
Tito que corrigisse as coisas que ele mesmo teria corrigido caseo hou-
vesse permanecido mais tempo em Creta, não para variar ou mudar
alguma coisa, mas para acresce ntar o que porv entura faltasse, já que
a dificuldade da tarefa não permitia que tudo fosse feito de uma vez e
num só dia.
E designar presbíteros em cada cidade.7 Na edificação espiritual
da Igreja, há algo que exerce quase a prioridade em relação à dou-
trina: que os pastores sejam designados para cuidarem do governo
da Igreja. Daí Paulo mencioná-lo aqui antes de qualquer outra coisa.
Deve-se notar cuidadosa mente que as igrejas não podem p ermanecer
em segurança sem o ministério pastoral; de modo que, onde quer que
haja um considerável grupo de pessoas, deve-se designar um pastor
sobre ele. Ao dizer que cada cidade deve ter um pastor, ele não quer
dizer que uma cidade não pode ter mais de um pastor, mas somente
que nenhuma cidade viv a sem pastores.
Os presbíter os ou anciãos [seniores] não eram, como se sabe, as-
sim chamados por causa de sua idade, pois com freqüência homens
ainda j ovens - como é o caso de Timóteo - eram eleitos para o desem-
penho dessa função. Em todos os idiomas tem sido a prática comum
aplicar-se aos governadores o honroso título de presbíteros ou anci-
7 “Κατά πόλιν, não ‘em cada cidade’, e sim ‘em cada cidade e povoado’ (literalmente,‘cidade
por cidade’), de todas as que tinham congregações cristãs. Destas se podem mencionar centenas;
ainda que0 nome πόλις às vezes fosse dado aos povoados.”Bl- oomfield.
Tito-Cap ítulo 1 · 307
rejeitar certasque
de.8 Declara pessoas, Pauloinstruções
transmitia chama sobreexplícitas
si toda a responsabilida-
para que ningué m
8 “Prend sur soy toute l’envie, voulant qu’on luy impute tout ce que Tite feraen cest endroit.”
— “Toma sobre si toda a culpa, desejando que lhe fosse imputado tudo o que Tito fizesse nesta
questão.”
308 · Com entári o das Pastorai s
9 “É verd ade que 0 servo de Deus nunca viverá sem culpa; como ele ainda diz que não pode
evitar de andar no meio de desgraça e opróbrio. É verdade que Paulo viveu tão virtuosamente,
que nele não se achava nenhuma falha, e que também era assim, mesmo antes de abraçar a fé em
Jesus Cristo; de modo que ele viveu sem censura, e era um espelho e jóia de santidade. Aliás, a
despeito de antes da conversão ele não ser guiado pelo Espírito de Deus; ele vivia uma vida tão
íntegra, que não era passível de qualquer censura. E no entanto ele nos diz que era apontado
com 0 dedo,era
ingratidão eratalridicularizado,
que, em sua era censurado,
ausência, era inclusive
era ultrajado amaldiçoado
e cumulado com entre
muitasos calúnias.
crentes, cuja
Assim
se dá com os servos de Deus. Mas quando Paulo demanda que fossem destituídos de crime, sua
intenção é dizer que devemos inquirir e certificar se a vida de um homem é pura e destituída de
culpa, e se ele continua a conduzir-se dessa maneira. Embora não possamos fechar as bocas de
todos os difamadores, para que não nos ultrajem, contudo devemos viver sem crime; pois lemos
que seremos ultrajados como malfeitores, porém devemos ser puros e inocentes. E de que ma-
neira? Diante de Deus teremos este testemunho: que ele nos aprova, e tudo 0 que falarem contra
nós é mentira.” -
Tito-Cap ítulo 1 · 309
pa
de rte
su ade seus filhos, dificilmente p oderia controlar seu povo pelo freio
disciplina.
310 * Comen tár io das Pastorai s
7. Porque convém que 0 bispo seja irre- 7. oportet enim episcopum sine crimine
preensível como despenseiro de Deus; não esse sicut Dei dispensatorem non superbum
obstinado, nem irascível, nem dado a muito non iracundum non vinolentum non percusso-
vinho, nem violento, nem cobiçoso de torpe rem non turpilucri cupidum
ganância;
8. mas dado à hospitalidade, devotado à be- 8. sed hospitalem benignum sobrium ius-
nevolência, moderado, justo, santo, temperante; turn sanctum continentem
9. retendo com firmeza a palavra fiel que é 9. amplectentem eum qui secundum doc-
segundo a doutrina, para que seja apto tanto trinam est fidelem sermonem ut potens sit et
para exortar na sã doutrina como para con- exhortari in doctrina sana et eos qui contradi-
vencer os que o contradizem. cunt arguere.
não se requer
fidelidade pelade
sã um pastoraapenas
doutrina, cultura,
ponto de jamaismas tambémdela.
apartar-se inabalável
Mas, o que ele quis dizer com que é segundo a doutrinaV2 Sua in-
tençã o é que a palavra fie l deve dest inar-se à edificação da Igre ja. Paulo
geralmente não co stum a dar o nome de ‘ dou trin a’ a qualqu er coisa que
se pode c onhecer ou aprender, a menos que produ za algum progresso
na piedade. Ao contrário, ele condena como vãs todas as especula-
ções improváveis, por mais engenhosas que elas sejam. Haja visto o
que diz em Romanos 12.7: “Se é ensinar, que seja de conformidade
com a dou trin a” - ou seja, qu e se esforce po r edificar a seus ouvintes.
Noutros termos, se o primeiro dever de um pastor é ser instruído no
conhecimento da sã doutrina, e o segundo é reter sua confissão com
firmeza e inusitada coragem, o terceiro é que adapte o método de seu
ensino visando produ zir edificaçã o, e não divagação, movido pela am-
bição, por entre as sutilezas da curiosidade frívola; mas, ao contrário,
que busque tão-somente o sólido avanço da Igreja.
Para que seja apto. 0 pastor necessita de duas vozes: uma para
ajuntar as ovelhas e outra para espantar os lobos e ladrões. A Escri-
tura provê os meios de fazer ambas as coisas, e aquele que tem sido
corretamente instruído nela será capaz tanto de governar os que são
suscetív eis ao aprend izado qu anto a refut ar os inimigos da verdade. Pau-
10 nota esse duplo uso da Escritura quando diz que o presbítero deve
ser capaz tanto para exortar na são doutrina quanto p ara convencer os
contradizentes. Daqui é possível aprender: qual é o conhecimento real
que o bispo deve adquirir e que uso deve fazer de tal conhecimento. 0
bispo é realmente sábio quando retém a fé genuína; e faz um correto uso
de seu conhecimento quando o aplica à edificação do povo.
É um notável tributo à Palavra de Deus, quando o apóstolo diz
que ela é adequada não só para governar os que se deixam instruir,
mas também pa ra qu ebra ntar a oposição ob stinada de seus inimigos.
0 poder da verdade divina é tal que faci lmente prevalece contra tod as
as falsidades.
sucessores dosQu e os bispos
apóstolos, poispapais saiam
a maioria agora
deles se eencontra
se vangloriem de ser
tão desti-
tuída do conhecimento de toda doutrina, que chegam a crer que sua
ignorân cia é uma peq uena parcela de su a dignida de.
314 · Com entári o das Pastora is
10. Porque há muitos insubordinados, pal- 10. sunt enim multi et inoboedientes
radores fúteis e enganadores, especialmente vaniloqui et seductores maxime qui de circu-
os da circuncisão, mcisione sunt
11. cujas bocas precisam ser fechadas; 11. quos oportet redargui qui universas
homens que transtornam casas inteiras, en- domos subvertunt docentes quae non oportet
sinando coisas que não convêm, por torpe turpis lucri gratia
ganância.
12. Um de seu meio, seu próprio profeta, 12. dixit quidam ex illis proprius ipsorum
disse: Os cretenses são sempre mentirosos, propheta Cretenses semper mendaces malae
bestas malignas, glutões preguiçosos. bestiae ven tres pigri.
13 “Car il y en a plusieurs qui nese peuvent ranger." — “Pois há muitos deles que não podem
submeter-se.”
14 “Parlans vanitez.” — “Falando vaidades."
15 “Vanite de paroles.” — “Vaidadede palavras.”
Tito-Cap ítulo 1 · 315
modo qu e ela inclui todas as espec ulaçõ es superficiais e frívol as, total-
mente vazias de conteúdo, porém cheias de sons bombásticos, visto
que não contribuem em nada para a bondade e o temor de Deus. Tal é
tod a a teologia escolástica qu e é enco ntra da hoje no papado. Ele igual-
mente qualifica as mesmas pessoas de enganadores. É possível tomar
este termo como uma referência a diferentes classes de malfeitores;
meu ponto de vista, porém, é que ele tem em mente as mesmas pesso-
as, pois os mestr es de tais futilidades seduzem e fascinam a men te dos
homens de tal forma, que não conseguem mais aceitar a sã doutrina.
Especialmente os da circuncisão. Ele diz que tais pe ssoa s seriam
encontradas mais facilmente entre os judeus, visto que era de gran-
de importância que tais pragas fossem universalmente reconhecidas.
Não devemos dar atenção aos que advogam que a reputação de uns
poucos indivíduos deve se r poupada, não im portando se ela envolve
grande risco para toda a Igreja. E a nação judaica era de todas a mais
perigosa, visto que ela reivindicava superioridade sobre todas as de-
mais em virtude d e sua sac ra descendência. Aq ui está a razão por que
Paulo reprova os judeus de uma forma mais severa - com o intuito de
despojá-los da oportu nidade de fazer maior es danos.
11. Cujas boc as precisam ser fechadas. Um bom pastor deve
estar sempre alerta para que seu silêncio não propicie a invasão de
doutrinas ímpias e danosas, e ainda propicie aos perversos uma ir-
refreável oportunidade de difundi-las. Surge, porém, uma pergunta:
Como é possível que um bispo consiga fazer com que pessoas obsti-
nadas e em pedernidas se calem ? Porque tais pessoas, mesmo quando
são derrotadas com argumentos, não se aquietam; e às vezes sucede
que, quanto mais são refutadas e publicamente vencidas, mais inso-
lentes se tornam. Sua malícia é embrutecida e inflamada e se tornam
totalmente
pela espada obstinados.
da PalavraMinha resposta
de Deus é que, quando
e confundidas sãopoder
pelo fustigadas
da verda-
de, a Igreja pode ordenar-lhes que se calem; e, se persistirem, podem
pelo menos ser excluídas da com unhão dos crentes, para que toda
316 · Com entári o das Pastorai s
16 “Se observar mos tais pes soa s, e lhes apontarmos com 0 dedo, todo mundo as evitará, e
assim serão impedidas de fazer dano. Isto é 0 que Paulo tinha em vista. Seguindo seu exemplo,
quando vemos alguém que nada pode fazer senão inventar medidas para perturbar e arruinar
a Igreja e que é totalmente afeito ao mal, é verdade que, se pudermos trazê-lo de volta à vereda
certa, com modos gentis, isso é 0 que devemos fazer. Mas se tais pessoas persistirem, e se per-
cebermos que são obstinadas em sua malícia, não devemos ser mais sábios que 0 Espírito Santo.
Devem
jam serem
tid os conhecidos,
ave rsão e devem seroexpostos,
para que e sua m
utros se afaste vileza
dele s,deve
comser
o jávista emanterio
vimos público, para que
rmente se-
em outras
passage ns. Quanto aos que murmuram quando fazemos uso de tal liberdade, claramente mostram
que nada almejam senão confusão na Igreja; normalmente eles fazem uma exibição de aparente
humanidade. Έ devemos degradar pessoas e mantê-las em escárnio, como se quiséssemos expô-
las ao opróbrio?’ Eis nos sa resposta: Devemos deixar a pobre Igr eja entregue ao po der de lobos e
ladrões? Deixaremos todo 0 rebanho ser disperso, 0 sangue de nosso Senhor Jesus Cristo pisote-
ado e as almas que ele redimiu a um cust o tão e levado caminhar para a perdição, e toda a ordem
desfeita, e não obs tante manter silênc io e fechar nos sos olhos?” - Fr.
Tito-Ca pítulo 1 · 317
logo se põem a perseg uir seu n efasto lucro, se vêem obrigad os a gran-
je ar pop ularidad e e favor, e isso pro nta m ente re su lta na ad ulteraç ão
da sã doutrina .
12. Seu próprio profeta. Não te nho dú vida de que esta referência
aponta para Epiménides, que era cretense. Pois quando Paulo diz que
ele era “um de seu meio” e “seu próprio profeta”, indubitavelmente
quis dizer que ele era cretense de nascença. Não fica claro por que
ele qualificaria esse homem de ‘profeta’. Há quem pense que é por-
que o livro que Paulo aqui cita é intitulado Περί Χρησμών, “Acerca dos
Oráculos”; outros pensam que Paulo está falando ironicamente e di-
zendo que haviam de fato encontrado um profeta digno de um povo
que se recusava ouvir os servos de Deus. Visto, porém, que em grego
os poetas são às vezes chamados profetas, justamente como são cha-
mados vates [videntes], em latim, penso que simplesmente significam
‘mestres’. Eram assim chamados porque os poetas eram sempre con-
siderados “divinos e movidos por divina inspiração” [γένος θεϊον καί
ενθουσιαστικόν].
Assim Adimatus, no segundo livro da República de
Platão [Περί Πολιτείας]
, havendo chamado os poetas de “filhos dos
deuses”, acrescenta que eles eram também seus profetas. Portanto,
parece qu e Paulo, aqui, está sim plesmen te se conform ando à prátic a
usual. Não tem qualquer importância saber em que ocasião Epiméni-
des cham a seus co ncidadãos de mentirosos, ainda que estej a, de fat o,
em conexão com seu orgul ho que possuam um ventre de Júpiter; vi sto,
porém, qu e o p oeta o extraiu de um a antiga e notó ria fonte, o apóstolo
o cita como um dito proverbial . Se o leitor desejar ter um a tradução do
grego desta qu estão, então ela pode ser assim traduzi da: “ 0 cretense é
men tiroso, glutão preguiçoso; prova rá sem pre ser m au e bruto .”17
17 No grego, 0 verso hexâmetro que Paulo cita foi traduzido para0 hexâmetro latino pelo
próprio Calvino, e para um dístico francês por seu tradutor; e valeria a pena estabelecer a citação
nos três idiomas:
Grego. — Κρήτες άει ψεύσιαι, κακά θηρία, γαστέρες άργαί,
Latim. — Mendax, venter iners, semper male bestia Cres est.
Francês. — Tousjours menteuse, et tou siours male-beste,
Ventre sacs coeur, et fay-neant est Crete. —Ed.
Desta passagem pode mo s infe rir que é supe rsticio so recu sar-se f a-
zer qualquer uso de autores seculares. Porque , visto que tod a verdade
procede de Deus, se algum ímpio disser algo verdadeiro, não devemos
rejeitá-lo, porquanto 0 mesmo procede de Deus. Além disso, visto que
todas as coisas procedem de Deus, que mal haveria em empregar, para
sua glória, tudo quanto pode ser corretamente usado dessa forma?
Sobre este tema, porém, o leitor é remetido ao ensaio de Basílio πρός
τούς νέους, όπως άν έξ έλλ. κ.τ.λ, onde ele instrui os jovens sobre como
poderão aproveitar-se do auxílio oriundo de autores pagãos.
13. Este é um testemunho veraz. Portanto, 13. testimonium hoc verum est quam ob
repreende-os severamente, para que sejam causam increpa illos dure ut sani sint in fide,
sadios na fé,
14. não dando ouvidos às fábulas judaicas 14. non intendentes iudaicis fabulis et man-
e a mandamentos de homens que se desvia- datis hominum aversantium se a veritatem.
ram da verdade.
15. Para os puros, todas as coisas são pu- 15. omnia munda mundis coinquinatis
ras; mas para os contaminados e incrédulos, autem et infidelibus nihil mundum sed inqui-
nada é puro; antes, sua mente e sua consciên- natae sunt eorum et mens et conscientia.
cia estão contaminadas.
16. Professam conhecer a Deus, mas suas 16. confitentur se nosse Deum factis autem
obras negam-no; sendo abomináveis e deso- negant cum sunt abominati et incredibiles et
bedientes, e reprovados para toda boa obra. ad omne opus bonum reprobi.
13. Este é um testem unh o ve ra z.19 Por mais indigno tenha sido
18 “Qu’il lise 1’oraison que Basile en a faite, remonstrant aux jeunes gens comment ils se
doyvent aider des livres des autheurs profanes." — “Que leia 0 discurso de Basílio sobre este
tema, instruindo jovens como devem avaliar-se pela assistência a ser derivada de autores pagãos."
19 “O caráter geral dos cretenses, notado na Epístola de Paulo a Tito, é confirmado pelo tes-
temunho da antigüidade. O apóstolo, escrevendo a Tito, que fora deixado em Creta para regular
as atividades da Igreja Cristã naquela ilha, se queixa de muitos h omens de sordeiro s ali - ‘existem
muitos insubordinados, palradores, frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão. É
preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando 0 que não devem, por
torpe ganância’ [Tt 1.10,11]; e cita 0 seguinte verso de ,dentre eles, um seu profeta’ [1.12], isto é,
Epimenides, que foi um poeta cretense, e cujos escritos foram tidos pelos antigos como χρησμοί
ou ‘oráculos’.
Κρήτες άε'ι ψεΰσται, κακά θηρία, γαστέρες άργαί
Ο teo r geral dessa passagem é que ‘os cret ense s eram um povo falso e em seu cará ter associa-
do à ferocidade das bestas selvagens com a luxúria dos domésticos’. A circunstância da citação
Tito - Cap ít ulo 1 · 319
este testem un ho ,20 Paulo aceita a v erda de po r ele exp ressa,2 1 pois não
há dúvida de que os creten ses, de qu em fala o apóstolo de m aneira tão
rude, eram pessoas em extremo perversas. 0 apóstolo, que costuma-
va tratar com suavidade os que mereciam a máxima severidade, não
teria tratado os cretenses com tanta aspereza sem uma razão piau-
sível. Pois, que pior reprimenda pode haver que lançar deprimentes
acusações contra aqueles que são preguiçosos, feras imprestáveis,
glutões ociosos? Tampouco são tais vícios lançados contra uns pou-
cos indi víduo s, mas con tra toda um a nação condenada.
De fato, maravilhoso é o propósito divino em qualificar um povo
tão perve rso e tão infame po r causa de tai s víci os, para ser um dos pri-
meiros a partici parem de seu evange lho ; e igual mente po rtento sa é sua
benevolê ncia em derram ar sua graça cele stia l sobre os que não era m
dignos nem ainda de viver neste m undo. E assi m, n esse país co rrupto ,
com o se fosse a próp ria sede do infer no, a I gre ja de Cristo man teve sua
posiç ão e foi se expandin do, m esm o quando se via in fe ccio nada co m
os contag iantes m aus háb itos q ue al i preval eciam. Po rque Paulo, aqui ,
não está apena s reprovando os estranho s, mas também expressamen-
te reprovando os que professavam o nome de Cristo. Visto que esses
danosos vícios já haviam lançado raízes e se expandido por todos os
lado s, o apóstolo não p oupa a reputação daquele povo, para qu e vies-
se a curar aqueles de seu seio que ainda esperavam ser curados.
Portanto, repreende-os severamente. Uma das partes mais
importantes do tato e sabedoria, indispensáveis a um bispo, é a habi-
de Paulo extraída de Epimenides, ‘um profeta’, é suficientemente explicada pelo fato das palavras
e , às vezes , serem usadas indiferentemente pelos gregos e romanos - provavelmente
porque seus poetas pretendessem ser inspirados, e por algum tempo criam ser assim. 0 apóstolo
adiciona que 0 testemunho de Epimenides é também verdadeiro, ‘este testemunho é verdadeiro’.
Quão verdadeira é a p rimeira parte dele, pois com respeito ao seu engano e mentira , testificam os
fatos seguintes. Desde 0 temp o de Homero, a ilha de Creta foi considerada palco de ficção. Mui tos
autores afirmam que, como povo, seus habitantes eram infames por sua violação da verdade; e,
por fim, sua falsidade se tornou tão notória, que ou imitar os cretenses veio a ser uma
expressão proverbial entre os antigos, sinônimo de
20 “Combien que 1’autheur soit profane et de nulle auth orite.” — “Embora 0 autor fosse pagão
e de destituído de autoridade.”
21 “De vivre en ce mond e.”
320 · Com entári o das Pastorai s
Iid ade de ada ptar o m étodo de seu ensino ao caráter e hábitos de seu
po vo . Ele não trata 0 obstinado e 0 insubordinado da mesma forma
como trata o manso e tratável. Ao último devemos mostrar amabili-
dade de conformidade com sua docilidade; a obstinação do primeiro,
contudo, deve ser corrigida com severidade, porque, como diz o pro-
vérbio, usa-se uma cu nh a resis tente para rac har u ma m adeira d ura.22A
razão po r que Tito devia ser mais auste ro e inf lexível com os cre tense s
já foi expressa, ou seja: eram besta s maligna s.
Para que sejam sadios na fé. Não fica cl ar o se ele está aqui con-
trastan do essa ‘ sanid ade’ com as enfermidades que havia mencionado,
ou sim plesmente lhes ord ena a perm anecerem na f é ínt egra. E m minha
opinião, pref iro o segun do p onto de vista . Vis to que j á se encontrav am
saturados de erros e facilmente poderiam tornar-se mais e mais de-
pravados, o apósto lo expressa 0 desejo de que se m antivess em 0 mais
est rita e exatam ente possível d entro dos limites de uma fé saudá vel.23
14. Não dand o ouv idos às fábulas judaicas. Em seguida ele
destaca que essa fé saudável eqüivale à fé que não sofreu nenhuma
corrupção proveniente de fábulas. E para proteger-se contra os pe-
rigos, ele prescreve o remédio, ou seja, não dar ouvidos às fábulas,
porque Deus quer que nos deixem os ab sorver por sua Palav ra, de tal
forma que não haja qualquer chance às trivialidades, mesmo que for-
cem passa gem. Uma vez que a verdade de Deus conquista e ntrad a [em
nosso ser], qualquer coisa que se pu ser co ntra ela f icará tão d estituída
arrebatados
suma, por bons
se formos nossasalunos
voláteis
de paixões, e não
nosso Deus, andarmos
e termos comosegundo nossos
suficiente aviltantes
haver recebidoapetites; em
a doutrina
que ele nos ensina ; se ess e for 0 caso, seremos fortalecidos contra todo mal. É verdade que 0 dia-
bo buscará envenenar 0 mundo inteiro com sua peçonha, e espalhará imundícia por toda parte,
de modo que 0 mundo ficará saturado de tantas corrupções, que todo lugar ficará infectado por
elas. Mas, por mais que isso seja assim, não devemos afastar-nos da simplicidade de nossa fé, e
devemos sempre buscar ser instruídos simplesmente por nosso Deus. Quando seguirmos este
curso, ainda que 0 diabo invente tudo 0 que possa, contudo seremos fortalecidos contra todo
mal.” -
Tito-Cap ítulo 1 · 321
distinções entre
prescrevera, alimentos,
visando e as
ao seu purificações
próprio tempo, eestavam
abluçõesainda
que Moisés
sendo for-
çadas como indispensáveis, e quase que toda a santidade passou a
consistir de tais observâncias. Já explicamos noutra parte quão da-
nosa tal coisa poderia se constituir para a Igreja. Primeiro, as redes
322 * Comentári o das Pastor ais
por um a razão bem dis tinta , ou seja, para que as concupis cência s da
carne sejam refreadas. Como se 0 Senhor tivesse, nos tempos anti-
gos, proibido aos homens de comerem a carne dos suínos por julgar
que os mesmos eram imundos. Até mesmo os pais sob o regime da
lei reconheciam que tudo quanto Deus criara era em si mesmo puro
e limp o; mas mantinham certos ali mentos como impuros em razão do
m anda m ento divino que proibira seu uso. Por isso o apó stolo qualif ica
todas as coisas como sen do limpas , som ente no sentido em que o uso
de todas as coisas é livre no que respeita à consciência. E assim, se
alguma lei impõe às consciências alguma necessidade de abstenção,
ela impiamente priva os crentes da liberdade que Deus graciosamente
lhes concedeu.
Mas para os contaminados e incrédulos, nada é puro. Aqui está
a segunda cláusula, onde ele derrama seu escárnio, no tocante às pre-
cauções inúteis e tolas desses mestres. Ele diz que nada conseguiram
precavendo-se contra a im pureza de certo s alim ento s, vis to que sã o
incapazes d e toc ar em algo que seja li mpo. Por quê? Porqu e eles mes -
mos são imundos; e quando tocam em alg o que por si mesm o era puro,
o tornam poluído.
A contaminados ele acrescenta inc réd ulo s,24 não como se consti-
tuíssem outra classe distinta, mas como um adendo explicativo para
realçar sua intenção. Visto que aos olhos de Deus não pode haver
pureza à p arte da fé, se gue-se que os in crédulo s são todos im undos.
Portanto, não obterão a pureza desejada obedecendo a leis e regula-
mentações, porque, sendo inerentemente impuros, nada no mundo é
cap az de torná-los p uro s.25
24 “0 após tolo asso cia ‘impuros’ e ‘des cren tes’ para notificar que, sem uma genuína convic-
ção, nada é puro. 0 entendimento e a consciê ncia sã o poluídos. Seja 0 homem, sejam seus feitos,
tudo é impuro.” -
25 “É uma terrível conde nação pronunciada sobre os homens, quando lemos que nada é puro
para eles que tudo é poluído e corrompido até que Deus os tenha renovado. Tão longe estamos
de ser capazes de levar-lhe tudo 0 que lhe é aceitável, que não podemos comer nem beber, nem
vestir-nos, nem dar sequer um passo, sem corrupção e, 0 que é pior, habitando 0 mundo, infec-
tamos todas as criaturas. E esta é a razão por que no último dia clamarão por vingança contra
todos os incrédulos e réprobos. Te mos, poi s, boa razão de viver insati sfeitos cono sco mesmos e
324 · Com entári o das Pastora is
nos envergonharmos, quando vemos que se tornam odiosos por nossa causa, e que somos tão
poluídos, que poluímos a tudo o que Deus havia designado para nosso uso, e inclusive nada há
em nós além de corrupção - nada além de maldição e desonra divinas. Quando somos assim hu-
milhados, conheça mos, por outro lado, a inestimável bênção que Deus nos outorga, quando nos
traz de volta a si, e, depois de purificar-nos, nos faz usar todas as suas bênçãos e liberalidades:
com pureza de coração e quando somos certificados de que nos é lícito comer e beber, des de que
façamos iss o com sobriedade e d e uma maneira razoável.”-Fr. Ser.
Tito - Capítulo 1 · 325
26 “1. Lemos que são βδε λυκτο ί, ou vergonhosamente habit uados a todas as
formas de mal. A palavra, no srcinal, denota a hediondez daquelas práticas nas quais se entre-
gam; e deriva-se de uma palavra que significa exalar um odor ofensivo. Pois todo s o s sen timent os
de certo e bom não estão tão totalmente perdidos e obliterados no seio da humanidade, mas que
há algumas coisas que até mesmo os pagãos detestariam. 2. Lemos ainda que são άπειθείς,
, expressão que denota perseverança e obstinação em um curso mau. De modo algum
- por nenhuma oportunidade -, por nenhum argume nto -, s e deixarão dissuadir das práticas tão
injustificáveis e de testá veis em sua própria n atureza. Estão resolvido s a correr - não importa 0
quanto lhes custe -, a continuar no pecado e, concomitantemente, na profissão da religião, 0 que
é 0 maior absurdo imaginável. 3. Finalmente lemos que são ττρός παν εργον αγαθόν αδόκιμοι,
significando uma ausência de inclinação para tudo 0 que é bom,
para tudo 0 que é digno e louvável. A palavra pode ser tomada, como se observa, ou ativamente,
ou passivamente,
mesmos; e assim
é nesse último pode sque
sentido ignidevemos
ficar nãoentender
só ser desap ontad
a frase. o por outre m,
Desaprovam mas desaprovar
tudo 0 que exige asua
si
aprovação e estima; e são desafeiçoados a todo aquele bem que a religião os obriga a praticar. A
expressão significa não tanto sua omissão do que é bom, quanto sua indisposição para com ele;
mas denota ainda que, se fizerem algo em matéria de religião, é aquilo no quê ou não se deleitam
ou não podem suportar. ‘Toda boa obra’ é uma expressão de tal latitude, que pode compreender
todas as obras de piedade, misericórdia e justiça comum. E assim é oportuno a entendermos as-
sim neste passo. Estes homens têm uma mente desafeiçoada a todo 0 bem. E tal como é descrito
aqui, tais pes soa s podem ser encontradas, a despe ito de sua profissão.” -
Capítulo 2
1. Tu, porém, fala0 que convém à sã dou- 1. Tu autem loquere qu ae dec et sanam doc-
trina: trinam
2. que os homens idosos sejam temperan- 2. senes ut sobrii sint pudici pruden tes sani
tes, sérios, prudentes, sadios na fé, no amor fide dilectione patientia
e na paciência;
3. que as mulher es idosas, semelhantemen- 3. anus similiter in habitu sancto non cri-
te, sejam reverentes em seu comportamento, minatrices non vino multo servientes bene
não caluniadoras nem escravizadas a muito docentes
vinho, mestras naquilo que é bom;
4. para q ue tenham como en sinar às jovens 4. ut prudentiam doceant adulescentulas
a amarem a seus maridos e a seus filhos, ut viros suos ament filios diligant
5. a serem sóbrias, castas, domésticas ope- 5. prudente s castas domus cura m habentes
rosas e bondosas, vivendo em submissão a benignas súbditas suis viris ut non blasphe-
seus própr ios maridos, a fim de que a palavra metur verbum Dei
de Deus não seja blasfemada.
1 “Que a doutr ina que proc ede de tua boca seja sã. Po is el e usa expres sament e esta palavra
por ser ela 0 meio de educar na verdadeira integridade; que a Palavra de Deus, que nos é pre-
gada, seja nossa pastagem espiritual. Isto à primeira vista não será percebido. E por que não 0
percebemos? Porque somos por demais sensuais e terrenos. Pois quando estamos em carência de
alimento para nos so c orpo, ficamos imediatamente terrificad os; ficamos alarma dos; não sentimos
sequer um momento de repouso; pois nos sentimos intimamente tocados. Somos sensíveis quan-
to a esta vida desvanescente, porém somos insensíveis quanto a tudo 0 afeta nossas almas; há
2 “En quels devotes et bones oeuvres.” — “Em que deveres e boas obras.”
330 · Com entári o das Pastor ais
vidas
educarsejam pessoalmente
as mulheres jovens,decentes, mas que
instruindo-as tambémvidas
a viverem procurassem
honradas
e modestas. Portanto lhes diz que deviam, por meio de seu exemplo,
ensinar às m ais jovens um viver equilibrado, p ara que, d out ra forma, o
ardor de sua juventude não venha a desencami nhá-la s.
Tito-Ca pítulo 2 · 331
A amar seus maridos e seus filhos. Não co nco rd o com aque les
que pensam que aqui temos uma recapitulação das instruções que
as anciãs deviam transmitir às mais jovens. Uma atenção cuidado-
sa posta no contexto revela claramente que Paulo está continuando
sua lista de deveres pertencentes às mulheres, os quais se aplicam
também às mulheres mais idosas. Além disso, esta construção seria
inapropriada σωφρονίζωσι, σώφρονας είναι.3Entretanto, ao lembrar as
mulheres idosas de seus deveres, o apóstolo, ao mesmo tempo, ofe-
rece às mais jovens um exemplo que deviam seguir, e assim ensina a
ambas concomitantemente. Em suma, el e quer que as m ulheres sej am
refreadas pelo am or conjugal e pelo afeto a seus filhos, para q ue não se
entreguem à libert inag em, e saibam governar sua pr ópria casa de uma
maneira só bria e ordeira; a s proíbe de p eram bular pelos lugares públ i-
cos; deviam ser castas, mo destas e subm issas a seus m aridos . Pois as
mulheres que excedem em outras virtude s costumam fazer disso uma
desculpa pa ra a arrogância e desobediência a seus m arido s.
Ao acrescenta r a fim de que a palavra de Deus não seja blasfema-
da, pensa-se que a referência do apóstolo seja às mulheres que eram
casadas com homens incrédulos, os quais poderiam julgar o evange-
lho pelo mau comportamento de suas esposas; e tal coisa parece ser
confirmada pelas palavras de Pedro, em 1 Pedro 3.1. 0 que fazer, pois,
se ele não se refere só aos e sposo s? É mais provável qu e exij a tal aus -
teridade de vida, para que seus erros não expusessem o evangelho à
infâmia generalizada. Portanto, no que tange ao restante do versículo,
po de-se reporta r ao co m en tário a 1 Timóteo 5.
3 'Ίνα
instruções - istoσωφρονίζωσι
é, que lhes ensine mτά ς νέα ς. agir
a σώφρονε ‘Estas palavr
ς como as apontam
0
monitoras principal
para propósito
e reguladoras das
de seus
costumes.Essas instruções (transparece do que segue) visavam a tornar os deveres domésticos
próprios para as jovens casadas e a cada um na ordem de importância. A primeira é, por assim
dizer, sua virtude cardinal; pois Sócrates disse bem que ‘a piedade feminina0éamor para com
seu marido’ (Ap. Stob. P. 488), ευσέβαα γυναικεία, ό πρός τον ανδρα ερως. De igual modo é a mo-
déstia, segundo Péricles, em seu Funeral Oration (Thucyd. 2:45), que a chamou ‘a virtude do sexo
feminino’.”- Bloomfield.
6. Semelhantemente, exorto os homens 6. Juvenes similiter hort are u t sobrii sint,
mais jovens que sejam m oderados;
7. que em todas as coisas dês 0 exemplo de 7. In omnibus to ipsum praebe exemplum
boas obras; em tua doutrina, mostra incorrup- bonorum operum in doctrina integritatem
tibilidade, seriedade, gravitatem,
8. linguagem sadia, para que não sejas con- 8. Sermonem sanum inreprehensibilem ut
denado; ao contrário, que 0 adversário seja is qui ex adverso es t vere atur nihil habens ma-
envergonhado, não tendo nenhum mal que lum dicere de nobis
dizer de nós.
9. Exorto os servos que sejam submissos a 9. Servos dominis suis súbditos esse in om-
seus pr óprios senhore s, e em tudo sejam agra- nibus placentes non contradicentes
dáveis, não contradizend o,
10. não defraudando; revelando, antes, ín- 10. Non fraudantes, sed in omnibus fidem
tegra fidelidade; para que em tudo adornem a bonam ostendentes ut doctrinam salutaris
doutrina de Deus nosso Salvador. nostri Dei ornent in omnibus.
8 “Aqui vemos quão estritamente P aulo observ ava aqueles a quem ele estava falando. Pois
os
nãoescravos
temessemdaquela época eram
os azorragues comdados à pilhagem,
que eram e, além
castigados. disso,
Mas, eram contraditórios,
Descobrimos que às vezescomo se
eles se
tornavam empedernidos, porque seus senhores não os usavam com brandura, porém os ameaça-
vam como se fossem bestas brutas, os feriam, os provocavam, os submetiam a tortura e amiúde
os açoitavam, quando estavam absolutamente nus, de modo que 0 sangue fluía de todos os lados.
Sendo assim endurecidos para 0 mal, não devemos sentir-nos atônitos se a corrupção neles se
sobressaía de tal modo que se vingavam de seus senhores quando se lhes divisava uma oportuni-
dade. Mas, agora Paulo não deixa de exortá-los a que agradassem seus senhores, isto é, em tudo
0 que fos se bom e direito.” -
Tito-Ca pítulo 2 · 335
11. Porque a graça de Deus tem se manifes- 11. Apparuit enim gratia Dei salutaris om-
tado, trazendo salvação a todos os homens, nibus hominibus
12. nos instruindo, no sentido em que, 12. erudiens nos ut abnegantes impietatem
renunciando a impiedade e as paixões mun- et saecularia desideria sobrie et iuste et pie
danas, vivamos sóbria, justa e piedosamente vivamus in hoc saeculo
neste presente mundo;
13. aguardando a bem-aventurada esperan- 13. expect antes beatam spem et adventum
ça e a manifestação da glória de nos so grande gloriae magni Dei et salvatoris nostri lesu
Deus e Salvador Jesus Cristo; Christi
10 “Já vimos que devemos pregar diariamente aquela graça que f oi declarad a na vinda de
nosso Senhor Jesus Cristo. Este é um maravilhoso mistério: que Deus se manifestou na carne, e
que, ao mesmo tempo, nos exibiu sua glóri a celestial, para qu e nos u nisse a ela. É des ta maneira
que todos os pastores devem empregar-se; pois quando ilustrarem incessantemente aquela sabe-
doria que Deus nos declarou na pesso a de seu Filho, é indubitável que 0 tempo não será perdido.
E isto é 0 que Paulo diz em outra passagem [Ef 3.18]: ‘a fim de poderdes compreender, com todos
os santos, qual é a largura, e 0 comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer 0 amor de
Cristo, que excede todo 0 entendimento.’ Quando tivermos estendido nossa vista a explorar 0
quanto possív el - quando descermos às prof undezas a perscr utar tu do 0 que se acha oculto de
nós - quando formos além comprimento e da largura d o oceano, então terem os sab edoria (diz
ele) quanto à altura e a profundidade, quanto à extensão e amplidão disto; quando conhecermos
0 infinito amor de Deus que nos exibiu na pessoa de seu Filho unigênito.” - Fr. Ser.
11 “Agora vemos por que Paulo fala de todos os homens, e assim podemos julgar a tolice de
alguns que pretendem expor as Santas Escrituras, e não entendem seu estilo, quando dizem: Έ
Tito-Capítul o2 · 337
Deus deseja que toda pessoa seja salva; a graça de Deus se manifestou para a salvação de toda
pessoa; segue-se, pois, que há livre-arbítrio, que não há eleição, que ninguém foi predestinado
para a salvação.’ Se aqueles que dizem tais coisas tivessem um pouco mais de cautela, percebe-
riam que Paulo, nesta passagem, ou em 1 Timóteo 2.6, não está falando na da mais que os grandes
são chamados por Deus, ainda que sejam indignos desse chamado; que os homens de condição
humilde, ainda que sejam menosprezados, não obstante são adotados por Deus, que lhes estende
sua mão para recebê-los. Naquele tempo, porque os reis e magistrados eram inimigos mortais
do evangelho, pode-se concluir que Deus os havia rejeitado, e que eles não poderiam obter a
salvação. Paulo, porém, diz que a porta não deve fechar-se contra eles, e que, eventualmente,
Deus pode escolher alguns desta classe, ainda que seu caso pareça ser sem esperança. Assim,
ànesta passagem,
condição apósele
humana, faldiz
ar que
dos Deus
pobresnão
escravos que essa
falhou, por não conta,
er am reconhecidos
de mostrar-secomo pertencentes
compassivo para
com eles, e que deseja que 0 evangelho seja pregado àqueles aos quais os homens não se dignam
pronunciar sequer uma palavra. Eis um pobre homem, 0 qual será rejeitado por nós, dificilmente
diríamos que Deus 0 abençoa! E Deus se dirige a ele de uma maneira especial, e declara ser seu
Pai, e não diz meramente uma palavra fugaz, mas se detém a dizer: ‘Tu pertences ao meu rebanho,
seja minha palavra tua pastagem, seja 0 alimento espiritual de tua alma.’ Assim vemos que esta
palavra é profundamente significativa, quando lemos que a graça de Deus se manifestou plena-
mente a todos os homens.” -
de seus pensamentos do que seu dever de servir a Deus
Por paix ões m undanas ele quer dizer todas as afeições da carne,
visto que nossa única consideração está voltada para o mundo até que
o Senhor nos atraia para si. A meditação sobre a vida celestial começa
depois de nossa regeneração; antes disso, nossos desejos estão dire-
cionados para o mundo e aderidos a ele.
12 “Isto vem a ser para nós um motivo ainda mais forte para a obediência. ‘A graça de Deus nos
ensina a negar a impiedade.’ Quais correntes prendem mais forte e mais apertado do que 0 amor?
Eis 0 amor para nossa natureza na encarnação de Cristo, amor para conosco, ainda que inimigos,
em sua morte e paixão; encorajamento à obediência pelo oferecimento de perdão para as rebeliões
anteriores. Pela desobediência do homem, Deus introduz sua graça redentora, e engaja sua criatura
no retorno mais magnífico e excelente do que seu estado de inocência poderia realizá-lo. Em seu es-
tado criado, ele tinha bondade a movê-lo; e, como uma criatura restaurada, agora, além da bondade
anterior que 0 obrigava, ele tem um amor e misericórdia maiores a obrigá-lo; e 0 terror da justiça é
retirado, 0 qual poderia envenenar seu coração como criminoso. Em seu estado de revolta ele tinha
a miséria a desencorajá-lo; em seu estado redimido, ele tem 0 amor a atraí-lo. Sem tal caminho, negro
desespero se as senhoreou d a criatur a exposta a uma miséria sem re médio, e Deus não teria tido 0
retorno do amor da melhor de suas obras terrenas; mas se restou algumas fagulhas de ingenuidade,
serão reacendidas pela eficá cia deste argumento.” - Charnock.
13 “Sobre a expressão τά ς κοσμ ικά ς επ ιθυ μία ς, comentário é 1 João 2.16.
0 melhor
Σωφρόνως denota virtude em relação a nós mesmos; δικαίως, em relação às criaturas nossas
semelhantes; e ευσεβώς, com respeito a Deus. Divisões similares são encontradas em passagens
dos escritores clássicos, citadas pelos comentaristas.” - Bloomfield.
Tito-Cap ítulo 2 · 339
advento, porém,
de modo que nadaCristo
mais dispersa
poderá obtodas as vãsr ostentações
scurece o resplendordodemundo,
su a glória
nem nada subtrair à sua grandeza. É realmente verdade que o Senhor
forma mais breve e mais segura, porque Paulo, depois de ter falado da
revelação da glória do grande Deus, imediatamente acrescenta Cristo
para provar que a revelação está em sua pessoa. É como se dissesse
15 “Destas palavras, 0 sentido mais natural, e a requ erida pela ‘prop rietas linguae’, é, além de
toda dúvida, aquela assinala da por quase to dos os antigos, de Clemente de Alexandria para baixo,
e pelos primeiros expositores modernos, como Erasmo, Grotius e Beza, e também por alguns ex-
positores e teólogos eminentes dos tempos mais recentes, como os bispos Pearson e Bull, Wolff,
Matthaei e 0 bispo Middleton, a saber: ‘Buscando (ou, melhor, olhando para; cf. Jó 2.9; e veja-se
Grotius) a bendita esperança, sim, 0 glorioso aparecimento de nosso grande Deus e Salvador
Jesus Cristo.’ A causa d a ambigüidade em nossa versão comum é habilmente realçada, e a versão
supra estabelecida sobre bases mais seguras, pelo bispo Middleton e 0 Professor Scholefield.
Mas, além do argumento encontrado na ‘propriedade de linguagem’, a de Beza, que insiste que
επιφάνεια em parte alguma é usada para Deus, e sim Cristo, é incontestável. Assim, numa hábil
crítica sobre as obras do Dr. Channing, no British Critic, 0 revisor com razão mantém que ‘Cristo
seria 0 Deus aqui mencionado, porque lemos que é seu ‘glorioso aparecimento’ que os cristãos
aqui esperam, mas de Deus 0 Pai somos informados expressamente que ‘nenhum homem jamais
viu nem pode ver’. Outros argumentos convincentes para a construção aqui estabelecida podem
ser vistos em Reliquiae Sacrae do Dr. Routh, vol. 2, p. 26.0 leitor é também particularmente reme-
tido a Clemente de Alexandria, Colhort. Ad Gentes, sub init., onde os versículos 11-14 são citados
por aquele pai, e é adotado 0 ponto de vista Σω τηρος, aqui mantido. A totalid ade do contexto ali é
merecedora de grande atenção, como contendo uma atestação tã o clara e reiterada da divind ade
de Jesus Cristo como raramente se pode achar. A própria passagem pode ser vista em Def Fid.
Nic., p. 87, do bispo Bull.” - Bloomfield.
Tito-Ca pítulo 2 · 341
16 “Cristo expiou 0 pecado, não 0 estimulou; ele morreu para criar nossa paz, porém morreu
para fazer-nos sa ntos; ‘a fim de purificar para si um povo’ [Tt 2.14], Os fins da mortede Cristo não
podem ser separados. Ele não é expiador, onde não é purificador. É tão certo como qualquer pala-
vra que Deus tem falado, que ‘para0 perverso não há paz’ [Is 48.22], Uma consciência culpada, e
uma impura, manterão amizade com Satanás e inimizade com Deus. Aquele que se permite pecar
se priva do benefício da reconciliação. Esta reconciliação deve ser mútua; como Deus acende sua
ira contra nós, assim devemos lançar fora nossas armas contra ele. Como houve uma dupla inimi-
342 · Com entári o das Pastor ais
do
queevangelho; pois
dificilmente sentiamalgum
deixavam uma ansied
espaçoade tão p rofunda
à edificação; ele, po r novidade,
pois, golpeia
zade, uma radicada na natureza e a outra declarada pelas obras ímpias, ou, melhor, uma inimizade
em sua raiz, e a outra emseu exercício [Cl 1.21], assim deve haver uma alteração de estado e uma
alteração de atos.”- Charnack.
Tito-Ca pítulo 2 · 343
1. Inculca na mente deles, que sejam sub- 1. Admone illos principi bus et potestatib us
missos aos governantes e às autoridade s, que súbditos esse dicto oboedire ad omne opus
lhes sejam obedientes e estejam preparados bonum paratos esse,
para toda boa obra,
2. que não falem mal de ninguém, não sejam 2. neminem blasphemare non litigiosos
contenciosos, mas sejam gentis, mostrando ess e modestos mnem ostenden tes mansuet u-
toda mansidão para com todos os homens. dinem ad omnes homines
3. Porque noutro tempo nós também éra- 3. erarnus enim et nos aliquando insipien-
mos insensatos, desobedientes, extraviados, tes increduli errantes servientes desideriis et
servindo a diversas concupiscências e de- voluptatibus variis in malitia et invidia agen-
leites, vivendo em malícia e inveja, sendo tes odibiles odientes invicem.
odioso s e odiand o-nos uns aos outros .
pois há o utras
É evidente, formas
à luz do quedeselutar além
segue, quedoé uso
essadaa espada ou dospois
sua intenção, punhos.
o
antídoto que ele prescreve para esse mal é que sejam gentis, mostran-
do mansidão. A bondade é contrastada com o máximo rigor da lei; e a
gentileza, com a amargura. Se porventura desejarmos evitar os muitos
Tito - Capítulo 3 · 347
2 “Nós mesm os, que tínhamos os oráculos de Deus e maiores privilégio s que outros, fomos
arrastados por um ímpeto naturalmente muito forte, até que a graça deteve esse curso, e, depois
de detê-lo, 0 tornou contra a natureza. Quando a mente foi assim de antemão possuída, e a von-
tade fez, na concupiscência da carne, sua obra e suas trocas, não houve qualquer semelhança
de cooperação em
transformada comseus
Deus, na satisfação
princípios carnais.dosAntes
desejos
da dEle,
graça,até 0que a inclinação
coração do Nenhuma
é pedra. coração fosse
pedra
pode cooperar para que se transforme em carne, visto não ter em si nenhuma semente, causas
ou quaisquer princípios de natureza vivificante. Visto que somos esmagados pelo lixo de nosso
estado corrompido, não podemos cooperar para a remoção dele; tanto quanto um homem sepul-
tado sob as ruínas de uma casa derrubada não pode contribuir para a remoção daquele grande
peso que jaz sobre si. Assim, um homem em tal estado não cooperaria com tal obra, porque suas
concupiscências lhe são prazeres; ele serve às concupiscências, as quais são, ao mesmo tempo,
desejos e c oncupiscências, e, p or isso, ele a s serve com d ele ite .” -
348 · Com entári o das Pastorai s
Além
humana do que
antes mais,a mesma
à luz daseja
descrição que Paulo
transformada pelo faz aqui de
Espírito da Cristo,
natureza
é possível vermos quão miseráveis somos quando separados de Cris-
to. Em primeiro lugar, ele qualifica os incrédulos de insensatos, pois
toda a sabedoria humana é vaidade enquanto o homem não conhece
Tit o-Cap ít ulo 3 · 349
a Deus; e m seg undo lugar, ele os qual ific a de de sobe dien tes, porquan-
to só a fé pode obedecer verdadeiramente a Deus, e a incredulidade
é sempre obstinada e rebelde, ainda que aqui seja possível traduzir
απειθείς por ‘incrédulos’, como a descrever o gênero de insensatez.
Em terceir o lugar, ele diz que os incréd ulos são d esgar rado s, po rquan-
to Cristo é o único Caminho e Luz do mundo [Jo 8.12; 14.6]. De modo
que todos aqueles que estão longe de D eus terão que peram bular sem
rumo em tod a a extensão de sua vida .
Até aqui, o apóstolo esteve descrevendo a natureza da increduli-
dade; agora, porém, ele acresc enta os resulta dos q ue emanam dela, ou
seja, servindo a diversas concupiscências e deleites, vivendo em malícia
e inveja, sendo odiosos e odiando uns aos outros. É verdade que cada
indivíduo não experimenta em igual medida todos esses vícios; visto,
porém, que to dos se en contram escrav izad os ao s de sejos perversos,
emb ora seja m diferentes nas diferentes pessoas, Paulo cobre de uma
forma geral3todos os frutos que a incredulidade pode produzir em di-
ferentes p essoa s. Esta matér ia está explicada no fi nal de Romanos 1.
Visto que Paulo distingue dos incrédulos os filhos de Deus, atra-
vés dessas marcas, s e porven tura quisermos ser considerado s crentes,
temos que ter o cora ção expurgado de tod a e qualquer inveja e is ento
de toda e qualquer malícia, e temos que amar e ser amados. É incon-
cebível que sejamos dominados pelos desejos que ele aqui descreve
como ‘div erso s’, porque, em minha visão , os de sejos que agitam o ho
3 “0 apósto lo fala 0 que todos nós naturalmente éramos. Esta, pois, é a principal influência
misericordiosa que é produzida na obra regeneradora. É como se Deus dissesse: Eu vejo aquelas
pobres criaturas a perecerem, não só caminhando para 0 inferno, mas levando consigo seu pró-
prio inferno rumo ao inferno, ‘0 inferno sendo por fim lançado no inferno’ (em conformidade com
a expressão no Apocalipse). É um precipitar do inferno no inferno, quando um homem perverso
chega no infemiserávei
de criaturas rno; pois s,antes
diz: eEle era seu
u tenh o oupróprio inferno.ou
de renová-las Deus, contemplando
de perdê-las; tenho est
ou edelastimável caso
transformá-las
ou deixá-las perecer; já se encontram no fogo do inferno. Isso é justamente o que éramos, mas, mo-
vido de compaixão, el e nos salvou pela lavagem da regeneração e renovação pelo Espírito Santo.
Oh! compassiva influência que neste caso é derramada sobre a alma! Oh! balsãmico orvalho que
desce do céu sobre uma alma inquieta, que apaga as chamas da luxúria, e que implanta e revigora
(depois de sua implantação) um princípio divino, criando uma nova vida que conduz a Deus e a
Cristo, e por fim o caminho da santidade e do céu.” - Howe.
350 · Com entári o das Pastora is
mem carnal são como ondas impetuosas que se chocam umas contra
as outras, arrem essando o homem de um lado para outro, de modo ta l
que ele muda e vaci la a t odo instante. Todo s qua ntos se entregam aos
desejos carnais experimentam tal desassossego , po rque não existe es -
tabilidade senão no temo r de Deus.
está
mas falando
se dirigei espec
ndiscriminadamente
ificamente aos das
quepesso
haviamas
se de
sepseuarado
próprio tempo,
do restan-
te, como se quisesse dizer que anteriormente se assemelhavam aos
incrédulos que viviam submersos em densas trevas, mas que agora
são diferentes deles, não como resultado de seus próprios méritos,
352 · Com entári o das Pastorai s
4 “Quem sab e 0 leitor me deixará adicionar uma breve preleção expositiva sobre as partes
mais distintivas deste tão importante parágrafo. 1. Temos a causa de nossa redenção; não obras
de justiça que porventura tenhamos feito, mas a bondade, 0 amor, a misericórdia de Deus nosso
Salvador. A est es, e a este s s omente , cada filho de homem de ve atribuir tanto seu u so no present e,
quanto sua expectativa de bem-aventurança futura. 2. Os efeitos, que são (a) , sen-
do justificados, tendo nossos pecados perdoados e nossas pessoas aceitas através da justiça de
Cristo a nós imputada; tudo isso sem a mínima qualidade merecedora em nós, tão-somente por
-sua graçalava
aquela e bondade
gem no totalmente
sangue do imerecida,
Redentor que(b) purific a a almaexpressa pela
da culpa, lavagem
com regeneradora
o a lavagem de água
limpa 0 corpo de sujeira; tal lavagem nos reconcilia com Deus, proporciona paz de consciê ncia, e
assim lança do fundamento de uma mudança espiritual universal - a renovação do Espírito Sa nto,
cujas influências, testificando de Cristo, e aplicando seu mérito, introduz um melhoramento em
todas as faculdades da mente, algo como aquela renovação anual e sorriso geral que 0 regresso
da primavera difunde sobre a face da natu reza. 3. 0 fim e consumação de tudo - de que seriamos
feitos herdeiros do reino celestial, e viveríamos na esperança mais certa, depo is no pleno desfruto
da ditosa eternidade.” -
Tito-Cap ítulo 3 · 353
nós, aplica-se
somente somente
a justiça que antaoecede
passado. Portanto,
ao seu chamado,se oentão
que aé justiça
excluído é a
futur
pode se r levada em conta. Tal argumento, porém, pressupõe um prin-
cípio que Paulo em outro lugar rejeita, a saber, ao dizer que a eleição
com base na graça soberana é o fundamento das boas obras. Se deve
354 · Com entári o das Pastor ais
ção
sela seja obtida no
a salvação símbolo extern
conquistada o da água,
por Cristo. Paulo mas
está porq ue oda
tratando batismo
mani- nos
festação da gr aça de Deus que, já dissemos, con siste d a fé. Visto, pois,
que o batismo é par te d essa revelaçã o, até onde ela se destina a confir-
mar a fé, Paul o es tá c ert o em mencioná-lo aqui. Além disso, visto que
Tito-Ca pítulo 3 · 355
5 “Resta declararmos qual é 0 ofício do Espírito, ou seja, 0 que, como Espírito Santo, ele
representa para nós; pois embora0 Espírito de Deus seja de essência infinita e santidade srcinal,
como Deus, e as sim em si mes mo pode ser chamado Santo; e embora outros espíritos que foram
criados sejam ou realmente agora impuros, ou no princípio de santidade defectiva, e assim tendo
0 nome de espírito comum a eles, ele deve ser intitulado santo, para que seja distinguido deles;
contudo, concebo ser ele antes chamado Espírito Santopelo, Espírito de Santidade [Rm 1.4], por
causa das três Pessoas da bendita Trindade, s eu ofício particular é santificar ou fazer-nos santos.
356 · Com entári o das Pastora is
Assim, da mesma maneira que0 que n osso Salvador fez e sofreu por nós pertencia àquele ofício de
um
ção,Red entor que tomou
consideramos como sobre si, assim,
pe rtencente ao tudo 0 queEEspírito
seu ofício. porque Santo opera visando
sem santidade à mesma
é impossível salva-
agradar
a Deus, porque todos nós somos impuros e imundos, e a pureza e santidade que são requeridas
em nós para comparecermos na presença de Deus, cujos olhos são puros, devem ser operadas em
nós pelo Espírito de Deus, que é chamado Santo, porque é a causa desta santidade em nós; por
isso reconhecemos que o ofício do Espírito de Deus consiste em santificar os servos de Deus, e
a declaração deste ofício, acrescida à descrição de sua natureza, é uma explicação suficiente do
objeto da fé contido neste artigo - ‘Eu creio no Espírito Santo’.”- Bp. Pearson on the Creed.
Tito-Ca pítulo 3 · 357
8. Fiel é a palavra; e concernente a essas 8. fidelis sermo est et de his volo to con-
coisas, quero que afirmes confiadamente, firmare ut curent bonis operibus praeesse qui
para que os que crêem em Deus sejam solí- credunt Deo haec sunt bona et utilia homini-
citos em praticar as boas obras. Essas coisas bus.
são boas e proveitosas aos homens.
9. Mas não te envolvas em questionamen- 9. Stultas autem quaestiones e t genealogias
tos
em insensatos, em genealogias
debates acerca e contendas,
da lei; porque são inúteise et contentiones
enim et pugnas legis devita sunt
inutiles et vanae.
e fúteis.
8 “Significando, ‘e deves insistir constantem ente sobre estas verdades; de modo que os que
têm crido em Deus mantenham as boas obras’. A causa da obscuridade e conseqüente diversi-
dade de interpretação provém do fato de o apóstolo, aqui, não ter mostrado como seria que a
doutrina da asalvação
semelhante, pela graça
saber, Efésios produziria
2.9,10, santidade
onde, depois de vida.
de haver Mascom
tratado ele fez
maisisso em outrasobre
amplitude passagem
o
tema da salvação pela graça (como aqui), adicionando que ela não provém das obras, para que
ninguém se vanglorie, anexa αύτοΰ γάρ έσμε ν, κ,τ .λ, onde ο termo γάρ refere-se à uma cláusula
omitida, (Contudo s e deve fazer obras) et c. Daí, pareceria que aqui καλών έργων de ve 0 mes-
ter
mo sentido que εργοι ς άγαθο νς ali; e, conseqüen temente, ela não deve ser limitada, como fazem
muitos eminentes comentaristas, às obras de benevolência, ainda menos à transação de nossa
salvação, m as se est ende à s boa s obr as de todo g ê n e r o Bloomfield.
360 * Comentári o das Pastorai s
aqui ele chama de “boas e proveitosas aos homens”. Tà καλά pode ser
9 “A palavrasrcinalπροΐστασθαι tem uma beleza e energia que, creioeu, é impossível para
nosso idioma preservar por qualquer tradução literal. Implica que um crente deve ser não só exer-
citado em, mas eminenteparatodas as boas obras; deve mostrar a outros
0 caminho e a superá-los
na corrida honrosa; ser anto
t um padrão quanto umpatrono de piedade universal.” H-ervey.
Tito-Cap ítulo 3 · 361
emcada
to que prontam enteser
um luta para se acendem emIsso
o vencedor. contendas e polêmi cas,
vai acompanhado porqua n-
daquele
atrevimento em afirmar coisas que são duvidosas, e isso inevitável-
mente provoca conflitos.
Debates acerca da lei. Essa é uma desd enhosa d escrição que ele
faz dos debates provocados pelos judeus em prol da lei, à guisa de
pretexto. Não que a lei em si mesma lhes desse srcem, mas porque
tais homens, pretendendo defender a lei, viviam perturbando a paz
da Igreja com suas absurdas controvérsias acerca da observância de
cerimônias, acerca de leis dietéticas e coisas afins.
Porque são inúteis e fúteis. Ao ensinarmos, temos de levar sem-
pre em consideração a utilidade [do que ensinamos], de modo que
tudo o que não contribua para o crescimento na piedade, deve ser
excluído. Não há dúvida de que os sofistas, ao argumentarem em tor-
no de coisas de nenhum valor, orgulhavam-se delas tão ruidosamente
como se realmente fossem de algum valor e valessem a pena saber;
Paulo, porém, nada reconhece como útil senão aquilo que contribua
para a edificação da fé e de uma vida santa.
10. Ao homem herege, depois da primeira e 10. Hereticum hominem post unam et se-
segunda adm oestaçõe s, rejeita-o; cundam correptionem devita and second
admonition reject;
11. sabendo que 0 mesmo está pervertid o e 11. Sciens quia subversus est qui eiusmodi
peca, estando por si mesmo condenado. est et delinquit proprio iudicio condemnatus.
12. Quando te enviar Artemas, ou Tíquico, 12. Cum misero ad to Arteman aut Tychi-
procura com diligência vir ter comigo em Ni- cum festina ad me venire Nicopolim ibi enim
cópolis, porque determinei passar 0 inverno statui hiemare.
ali.
13. Acompanha diligentemente a Zenas, 0 13. Zenan legis peritum et Apollo sollicite
intérpr ete, e a Apoio em sua viagem, para que praemitte ut nihil illis desit.
nada lhes venha faltar.
14. E que0 nosso povo também aprenda a 14. Discant autem et nostri bonis operibus
manter as boas obras, nas coisas necessárias, praeesse ad usus necessários ut non sint in-
para que não sejam infrutíferos. fructuosi.
15. Todos os que estão comigo te saúdam. 15. Salutant to qui mecum sunt omnes
Saúda aqueles que nos amam na fé. A graça saluta qui nos amant in fide gratia Dei cum
seja com todos vós. omnibus vobis amen.
Escrita a Tito, 0 primeiro bispo ordenado Ad Titum, qui primus Cretensium Ecclesiae
da Igreja dos Cretenses, de Nicopolis, Mace- ordinatus fuit Episcopus, scripsit ex Nicopoli
dônia. Macedoniae.
10. Ao homem herege. Ele tinha boas razões para adicionar essa
cláusula, pois não haverá fim para as rixas e altercações, se porven-
Tito-Cap ítulo 3 · 363
É misterHáque
mo herege. vejamos
distinçã agora oe que
o familiar o apóstolo
notória pretendia
e ntre herege com o ter-Em
e cismático.
minha opinião, Paulo, aqui, ignora tal distinção. Pois herege, para ele,
são não apenas aqueles que abraçam e defendem erros notórios ou
alguma doutrina perniciosa, mas, em geral, também aqueles que não
364 * Comentári o das Pastor ais
gênero de ‘admoestação’,
aquela admoestação ou ministrada
ministrada por qualquer
po r um ministro pessoa,
co m a auto maspú-
ridade
blica da Igreja. Suas palavras eqüivalem dizer que os hereges devem
ser repree ndidos com uma cen sura solene e seve ra.
Os que infe rem desta passagem que os o riginadores de doutrinas
perniciosas devem ser refreados só pela excomunhão, e que à parte
desta não se deve toma r nenhuma outr a medida mai s rigorosa contra
eles, os tais não argumentam conclusivamente. Há diferença entre o
dever de um bispo e o de um magistrado. Ao escre ver a Tito , Paulo não
trata daquilo que é inerente ao ofício do magistrado, senão que trata
exclusivamente dos deveres do bi spo.11 Não obst ante, a moderação
é sempre a melhor, e em vez de refreá-los pela força e com violência,
devem ser corrigidos pela disciplina da Igreja, se porventura podem
ainda ser curados.
11. Sabendo que o mesmo está pervertido . Ele diz que tal pess oa
está “perve rtida ” [arruinada] quando não há mais esperança de arre-
pendimento para a mesma; porque, se mediante nosso muito esforço
alguém pode ser restaurado, não devemos, naturalmente, atrapalhá-
10. A metáfora é extra ída de um edifício que e stá não simplesm ente e
parcialm ente destruído, mas com pletamente demolido, de modo que
não existe qualquer chance d e ser reerguido .
A seguir ele realça a c ausa de tal ruína, o u seja: uma má consciên-
cia, quando afirma que, os que não cedem às admoestações, estão por
si mesmos condenados. Já que obstin adamen te rejeit am a verdade, é
indubitável que seu pecado seja voluntário e deliberado, e, portanto,
seria inútil admoestá-los.
Ao mesmo tempo, de duzimos d as palav ras de Paulo que não deve-
mos precipitadamente, e sem qualquer deliberação, declarar alguém
como herege, porquanto ele diz: sabendo que ele está arruinado. Que
o bispo se cuide para não dar vazão a o seu próprio temperamento,
vindo a tratar alguém como herege de forma excessiva e cruel, caso
não tenha
13. consciência
Zenas, o se o que fa zNão
intérprete. está sabemos
certo. com certeza se o apóstolo
está a indicar um jurista da lei civil ou da lei de Moisés; visto, porém,
que das palavras de Paulo podemo s inferi r que Zenas era um homem
po bre, care nte de auxílio extern o, a prob ab ilidad e é qu e ele perten-
cesse à mesma categoria de Apoio, que era um intérprete da lei de
Deus entre os judeus. Tais pessoas eram às vezes mais carentes do
que aquelas que levavam casos judiciais aos tribunais. Eu disse que a
po breza de Zenas pode ser de du zida das palav ras de Paulo, v isto qu e
a expressão acompanha diligentemente, aqui, significa supri-lo com
prov isõe s para su a viagem, como se faz ev iden te à luz do contexto.
14. E que o nosso povo também aprenda a manter as boas obras.12
Para que os cretenses, sob re quem o apóstolo põe esta responsabilidade,
não se queixassem de ser so brecarreg ados d e despesas, ele lembra -lhe s
que não fossem infrutíferos, e que fossem, portanto, exortados a ser
zelosos praticantes de boas obras. Quanto a essa forma de expressão,
já discutim os acima. Se, pois, ele lhes ordena qu e se sobressaíssem na
prá tica de boas obras, ou lhes destina um a po sição mais excelente, de
qualquer forma sua intenção é que lhes seria bom ter a chance de pôr
em prática o espírito de liberalidade, a fim de que não fossem infrutífe-
ros sob o pretexto de que não há oportunidade, nem a necessidade o
reque r. O restante está explic ado nas o utras epíst olas.
12 “Como ele dis se previamente, que apliquem suas mentes ao que é bom. Ele contrasta isto
com a tola presunção, tão comum entre os que pensavam que eram homens inteligentes, depois
de haver especulado sobre este e outros temas. Tu tens especulações excelentes, diz ele, mesmo
assim considera qual é a verdadeira excelência dos filhos de Deus: é mostrar que extraem bom
proveito
diz: em fazer 0como
que aprendam; bem,see quisesse
que este dizer:
é o assunto ao qual
Até aqui eles
tendes têm aplicado
empregado vossoseu estudo.
tempo E então
muito mal,
pois nada havia senão tola ambição, e de dicaste s tanto tempo em vo ssa vã fantasia. Agora deveis
seguir um curso diferente. Doravante, deveis suplantar na prática do bem, e não em conversa des-
conexa. Em vez de v os deixardes guiar por curiosidade e ambição, que cada s e empregue em fazer
0 bem aos seu s semelha ntes. Que cada um considere qual é sua habilidade; e s egundo 0 poder que
Deus nos tem dado, assim sirvamos uns aos outros. Assim mostraremos que não é em vão que já
recebemos 0 evangelho.” -Fr. Ser.
Capítulo 1
1. Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e Ti- 1. Paulus vinctus Christi lesu et Timotheus
móteo, nosso irmão, a Filemom, nosso amado frater Philemoni amico et cooperario nostro,
e cooperador,
2. e à nossa irmã Áfia, e a Arquipo, nosso 2. Et Apphiae dilectae, et Archippo com-
companheiro de luta, e à igreja que está em militoni nostro, et Ecclesiae, quae domi tuae
tua casa: est.
3. graça a vós e paz da par te de Deus nosso 3. Gratia vobis et pax a Deo Patre nostro et
Pai e do Senhor Jesus Cristo. Domino iesu Christo.
4. Dou sempre graças ao meu Deus, fazen- 4. Gratias ago Deo meo, semper memoriam
que os demais;
É provável que eArquipo
Satanás fosse
geralmente
colegalhes oprimee participasse
de Paulo com mais violência.
com ele
de algumas lutas nas quais es tava envolvido , pois ess a é a palavra que
Paulo usa sempre que faz menção de perseguições.
E à igreja que está em tua casa. Ele confere o mais elevado enalte-
Fil em on -Cap ít ulo 1 · 371
cimento à famí lia de Filem om ao dizer à igre ja que está em tua casa, e,
com certeza, não é um enaltecimento d e pouca impo rtância o fa to de
que o cabeça de um a casa que tenh a sua famí lia tão bem ordena da que
seja a mesma vista como uma igreja, e quando ele desempenha seu
ofício de pas tor em su a próp ria casa. E não devemos jamais esquecer
que esse homem tinha uma esposa que se assemelhava a ele, porque
Paul o teve boas razões p ara apresentá-la no mesmo tom.
4. Dou sempre graças ao meu Deus. Deve-se notar que ele ora
pelas mesmas pes so as por qu em re nde graças. Mesmo o mais perfeito
dos homens, que mereça o mais extremado enaltecimento, necessita
de interc essão em seu fav or, enq uan to viver neste m undo, a f im de que
Deus lhe conced a não só a perse ver anç a final, mas também o progres -
so diário.
5. Ouvindo do teu amor e da fé que tens. 0 enal teci mento que
ele tributa a Filemom inclui resumidamente toda a perfeição de um
homem cristão. El e con siste de du as par tes: fé par a com Cristo e amor
para com o próximo; pois to dos os dev eres de noss a vida se relacio-
nam com es ses dois elem entos. Diz -se que a fé é para com Cristo, pois
é a ele que ela especialm ente contem pla. É só atra vés dele que Deus o
Pai pode ser conhecido, e some nte nel e podem ser enc ontrad as todas
as bê nçãos que a fé busca.
E para com todo s o s santos. O apóstolo, porém, n ão limita o amor
aos santos, como se negasse que ele deva ser também demonstrado
a outros. O ensino do amor consiste em que não devemos desprezar
nossa p rópria carne, mas devemos tra tar com honra a image m divi na
gravada em nossa natureza humana, e assim o amor tem de incluir
toda a raça humana. Visto, porém, que aqueles que fazem parte da
família da fé estão necessariamente ligados a nós por um laço muito
mais estreito, e visto que Deus os recomenda especialmente a nós, é
ju sto que ocu pem o prim eiro lugar em nosso co ra ção.
A redação desta passagem é um tanto confusa, porém não falta
clareza em seu signifi cado , salvo po r co nta de algumas dúvidas, como,
por exemplo, se o advérbio sempre [v. 4], pert en ce à prim eira ou à se
372 · Com entári o das Pastora is
2 Algumas vez es me tem ocorrido que a complexidade desta passagem pode ser removida:
primeiro, pela transposição sugerida por Calvino; e, segundo, pela transposição do versículo 5,
colocando-o antes do versículo 4. “Ouvindo de teu amor para com todos os santos, e de tua fé que
tens para com 0 Senhor Jesus, dou graças ao meu Deus, fazendo sempre menção de ti em minhas
orações. Para que a comunicação de tua fé seja eficaz, mediante 0 conhecimento de cada boa
cois a que est á em ti para com Cristo Jesus.” - Ed.
Fil em on -Cap ítulo 1 · 373
cede quando as pessoas entre as quais vive mos conhecem no ssa vida
piedosa e santa. Daí ele falar de todo o bem que há em vós, porque tudo
o que existe de bom em nós revela n ossa fé.
Para com Cristo Jesus. A frase, εις Χριστόν, pod e ser trad uzida por
Cristo,mas, se eu pud esse , pref eriria traduzi-la no sen tido de έν Χριστώ,
em Cristo.Pois os dons de Deus nos são ministrados só quando somos
membros de Cristo; visto, porém, que em vós vem imediatam ente a se-
guir, receio que a forma abrupta da expressão venha a ser inaceitável.
Por isso não me aventurei a fazer qualq uer muda nça nas palavras, mas
quis fazer tal menção aos meus leitores, para que possam ponderar
bem e então decidir sua p rópria preferência.
7. Tive muita alegria e conforto. Ainda que os gregos prefiram a
tradução ‘graça’, entendo que faríamos melhor traduzindo-a por ale-
gria. Pois há pouca diferença entre χάριν e χαράν, e seria muito fácil
mudar uma só letra equivocadamente. Além disso, esta não é a única
passagem nos escritos de Paulo em que χάριν significa alegria, pelo
menos se seguirmos Crisóstomo nesta matéria. Pois, afinal, que cone-
xão haveria entre graça e conforto?
Em teu amor. Seja como for, é bastante claro o que Paulo quer
dizer, ou seja, que ele encontra grande alegria e conforto no fato de
que Filemom ten ha pr ovidenciado alívio par a as neces sidad es dos san-
tos. É um amor acima do comum aquele que leva alguém a encontrar
alegria no bem praticado em favor de outrem. Além disso, o apóstolo
não está e xpressando ap enas s ua alegr ia pessoa l, mas diz que muitos
se têm regozijado diante da bondade e benevolência de Filemom, pro-
vendo socorro para os santos.
Visto que através de ti, ó irmão, os corações dos santos têm sido
refrigerados. Refrigerar o coração é uma expressão usada por Paulo
no
em sentido
miséria,dedeprover
forma alívio nas aflições
que, tendo ou socorrer
as mentes aquele
apaziguadas que jaz
e livres de
toda e qualqu er ansiedade e tristeza, possam encon trar repouso. Por-
que, pelo termo coração, o apóstolo quer dizer os sentimentos; e com
άνάπαυσις, ele quer dizer tranqüilidade. Daí estarem equivocados os
que fazem esta passagem referir-se ao estômago e sua nutrição, com
base no fato de que a palavra grega significa, literalmente, entranhas.
8. Por isso, ainda que eu tenha toda a 8. Quapropter multam in Christo fiduciam
ousadia em Cristo para ordenar-te 0 que te habens imperandi tibi quod decet.
convém,
9. não obstante peço-te antes em nome do 9. Propter caritatem magis rogo, quum ta-
amor, sendo eu tal como sou, Paulo,0 velho, lis sim, nempe Paulus senex; nunc vero etiam
e agora também prisioneiro de Cristo Jesus. vinctus Iesu Christi.
10. Rogo-te por meu filho, Onésimo, a quem 10. Rogo autem to pro filio meo, quem ge-
gerei em minhas cadeias; nui in vinculis meis, Onesimo,
11. 0 qual noutro tempo te foi inútil, mas 11. Qui aliquando tibi inutilis fuit, nunc au-
agora é útil a mim e a ti; tem et mihi et tibi utilis.
12. a quem envio de volta a ti, pessoalmen- 12. Quem remisi; tu vero ilium, hoc est, meã
te, ou seja, meu próprio coração; viscera, suscipe.
13. a quem eu bem quise ra con serv ar comi- 13. Quem ego volebam apud me ipsum re-
go, para que em teu interesse ele pudesse me tinere, ut pro to mihi ministraret in vinculis
servir nas cadeias do evangelho; evangelii.
14. sem 0 teu consentimento, porém, nada 14. Sed absque tua sententia nihil volui
faria; para que a tua bondade não fosse como facere, ut non quasi secundum necessitatem
por necessidade, e, sim, de boa vontade. esset bonum tuum, sed voluntarium.
está
pela tratando.
fé, e vistoVisto,
que aporém,
fé vem que
peloa ouvir
regeneração de uma
[Rm 10.17], almaque
aquele se minis-
dá
tra a doutrina desempenha o papel de pai. Além do mais, visto que a
Palavra de Deus proclamada pela instrumentalidade do homem é a
semente de vida eterna, não é de estran har q ue aquele de cujos láb ios
376 · Com entári o das Pastor ais
seja: primeiramente,
prestar esse serviçoque
[aoOnésimo ocupasse
apóstolo]; o lugarlugar,
em segundo de seu senhor
que, em de
movido
humildade, ele não quis priva r Filemom de seu s direitos; e, em terceiro
lugar, que Filemom mereceria maior elogio se, depois de ter recebido
de volta o seu escravo, voluntariamente e de bom grado o enviasse
Fil em on -Cap ítulo 1 · 377
15. Porque, bem pode ser que ele se tenha 15. Forte’ enim ideo separatus fuit ad tem-
apartado de ti por algum tempo, para que0 pus, ut perpetuo eum retineres;
recobrasses para sempre;
16. não mais como um servo, e, sim, muito 16. Non jam ut servum, sed super servum
mais que um servo, um irmão amado, espe- fratrem dilectum maxime mihi, quanto magis
cialmente para mim, e quanto mais para ti, tibi et in carne et in Domino?
tanto na carne como no Senhor.
378 · Com entári o das Pastor ais
17. Se, pois, me consideras um companhei- 17. Si igitur me habes consortem, suscipe
ro, recebe-o como a mim mesmo. eum tanquamme.
18. Mas se ele te fez algum dano, ou te deve 18. Si vero qua in re to laesit, vel aliquid de-
alguma coisa, lança-0 na minha conta; bet, id mihi imputa
19. eu,
escrevo, Paulo, de meu próprio punho 0
0 pagarei, para não te dizer que me
19.utEgo
vam, Paulustibi,
ne dicam scripsi mea
quod manu,
et to ipsumego sol-
mihi
deves até mesmo a ti próprio. debes.
15. Porque, bem pode ser que ele se tenha apartado de ti por
algum tempo. Caso fiquemos irados ante as ofensas praticadas pelos
homens, nossa ira deve amenizar-se ao vermos que as coisas feitas
maliciosamente foram praticadas para servir a diferentes fins segun-
do os desígnios divinos. Um ditoso resultado pode ser considerado
como o remédio par a muitos males , o qual é mini strado pela a mão
divina, com o fim de d issipar as ofensas. Assim foi com Jos é [Gn 45.5],
ao considerar como a po rtent osa providência d ivina realizou quando,
apesar de ser vendido como escravo, não ob stante foi eleva do a uma
qüidade, aoportanto,
hábitos. É, longo deuma
umarara
lentae emaravilhosa
constante formação deque
excelência costumes e
tenha ele
abandonad o os víci os com os quais tanto corr omper a sua natureza, a
tal ponto que Paulo viesse a declarar com to das as veras de sua alma
que agora ele é um outro homem.
380 * Com entário das Pastorais
dizer 19.
isso,Para
sua não te dizer
intenção que meemdeves
era deixar até mesmo
evidência quão seguro estava Ao
a ti próprio.
de que sua solicitação seria atendida; era como se dissesse: “Tu não
poderias negar-me nada, mesmo que eu pedisse tua própria vida.” O
restante da matéria, acerca da hospitalidade, etc., tem o mesmo pro-
pósito, como veremos logo a seguir.
Paira uma pergunta: como é possível que Paulo prometa pagar
em dinheiro, quando, afora o auxílio que as igrejas lhe davam, ele não
tinha recursos nem mesmo para viver de forma parca e frugal? Diante
das circunstâncias de nece ssidade e pobreza, sua prom essa real mente
pare ce ridíc ula; no entanto, não é di fícil de perc ebe r que, ao exp ressar-
se d essa forma, Paul o está so licitando q ue Fil emom não exigisse de seu
escravo nenhum reembolso. Pois ainda que não haja qualquer sinal de
ironia em suas palavras, mesmo assim, mediante uma expressão indi-
reta, ele solicita a Filemom que apague e cancele essa conta. Eis sua
intenção: “Não quero que suscites esse problema contra teu escravo,
a menos que queiras considerar-me o devedor no lugar de Onésimo.”
Porque imediatamente acrescenta que Filemom lhe pertence inteira-
mente, e aquele que alegue ser uma pessoa, em sua totalidade, sua
propriedade, não precisa ficar preocupado em ressarcir em moeda
corrente.
20. Sim, irmão, eu me regozijo em ti no Se- 20. Certe frater, ego to fruar in Domino: re-
nhor; refrigera meu cor ação em Cristo. focilla mea viscera in Domino.
21. Escrevo-te confiado em tua obediência, 21. Pers uasus de tu a obedienti a scripsi tibi,
sabendo que farás ainda mais do que te peço. sciens etiam, quod supra id, quod scribo, fac-
turus sis.
22. E, ao mesmo tempo, prepara-me tam- 22. Simul vero praepara mihi hospitium;
bém pousada; pois espero que, em resposta spero enim quod etiam per vestras precatio-
às vossas orações, vos hei de ser concedido. nes donabor vobis.
23. Epafras, meu companheiro de prisão 23. Salutant to Epaphras concaptivu s meus
em Cristo Jesus, te saúda; in Christo lesu:
24. bem como Marcos, Aristarco, Demas e 24. Marcus, Aristarchus, Demas, Lucas, co-
Lucas, meus cooperadores. operarii mei.
25. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo 25. Gratia Domini nostri lesu Christi cum
seja com 0 vosso espírito. Amém. spiritu vestro. Amen.
Escrita de Roma a Filemon, sobre Onésimo, Ad Philemonem missa fuit e Roma per One-
um servo. simum servum.
20. Sim, irmão. Ele se expressa dessa forma para fazer seu apelo
ainda mais convincente, como se dissesse: “Ficará claramente prova-
do que entre ti e mim não há divergência alguma; ao contrário, tu estás
382 * Comentári o das Pastorai s