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CINEMA EM TERESINA:

A ATUAL FRAGMENTAÇÃO DA VIDA COLETIVA E


MERCANTILIZAÇÃO DO LAZER EM DETRIMENTO DA
AGLUTINAÇÃO CULTURAL DOS ANTIGOS CINEMAS DE
RUA
Hermana Monte (Centro Universitário Uninovafapi)
Raquel Carvalho (Centro Universitário Uninovafapi)

RESUMO
O presente artigo traça um panorama sobre o cinema em Teresina-PI, que tem enfrentado os
efeitos da mercantilização acelerada dos equipamentos culturais e dos instrumentos de lazer.
Para tanto, busca fazer uma análise da história do cinema na cidade e de sua relevância na
formação sociocultural e urbana da capital piauiense, bem como apurar o processo de
desvalorização do mesmo e o impacto negativo atual gerado pela ausência de cinemas de rua
na cidade, a obsolescência dos espaços públicos que circundam os cinemas que já fecharam e,
também, avaliar a repercussão da hipervalorização dos cinemas multiplex em shopping centers
locais.

Palavras-chave: cinema, Teresina, mercantilização, lazer, cidade

INTRODUÇÃO
O cinema é uma das formas de lazer mais consumidas no mundo, especialmente
por sua capacidade de transmitir linguagens verbais e não verbais de forma que
entretenha o espectador, seja na comédia, drama ou ficção, através da comunicação de
emoções, sendo descrito como arte de produção de afetos por Amount e Marie (2001,
apud Garcia, 2011, p.2). À vista disso, é possível afirmar que o ser humano tende a ser
seduzido por filmes, por sua capacidade de desconectar temporariamente o espectador
da realidade ao prender sua atenção para a narrativa de uma história.

No começo, a produção de arte cinematográfica era exibida nos teatros já


existentes, e posteriormente levou à criação de um espaço específico de contemplação
da produção de arte audiovisual, o qual permaneceu ao longo do século XX nas áreas
urbanas de cidades pelo mundo, como praças e ruas, assim como na cidade de Teresina:

CINEMA URBANA . imaginar mundos possíveis 1


Quanto ao cinema, estava presente na cidade desde as primeiras décadas do
século XX, com o cine Royal, o Olímpia e o Cine Rex. Havia também o Theatro
4 de Setembro, que também exibia filmes. O Cine Rex, inaugurado em 26 de
novembro de 1939, teve muita importância para o cinema de Teresina, só
perdendo um pouco da importância em 1966, com a chegada do Cine Royal.
O teatro tinha pouca expressão, haja vista a grande valorização do cinema.
(SANTOS; ORTIGOZA, 2016, p.7)

De acordo com dados de 2020 da Agência Nacional de Cinema (ANCINE),


existem 3352 salas de cinema espalhadas pelo Brasil. No entanto, a porção majoritária
desse número pertence à rede privada de distribuição de filmes e poucas são
pertencentes à esfera pública (Figura 1).

Figura 1 - Total de salas de cinema e distribuição por rede exibidora em 2020. Fonte: Agência
Nacional do Cinema – ANCINE (2020)

O mapa da Figura 1 ilustra que a distribuição das salas de cinema pelo país não é
uniforme em todas as regiões do Brasil, sendo menos concentrada nas regiões
Norte(13,62%), Centro-Oeste (8,53% das salas de cinema) e Nordeste (15,12%), e mais
concentrada nas regiões Sul e Sudeste (que abarcam juntas 62,73% das salas de cinema,
sendo mais da metade delas localizadas no Estado de São Paulo, com 1048 salas), isso
porque nessas regiões há mais Shoppings Centers, onde os cinemas normalmente estão
localizados. Conforme é possível observar na Figura 2, as regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste possuem no total 203 Shopping Centers, enquanto as regiões Sul e
Sudeste possuem juntas o dobro: 417.

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Figura 2 – Shoppings Centers por região em 2020. Fonte: Associação Brasileira de Shoppings Centers –
ABRASCE (2020)

Em Teresina, apesar de ser uma capital de estado, existem apenas 2 cinemas,


sendo estes do tipo multiplex (cinemas com várias salas de projeção que exibem filmes
comerciais em escala contínua) e pertencentes à rede privada, ambas localizadas em
shopping centers (Teresina Shopping e Shopping Rio Poty). Por conseguinte, isso foi
suficiente para a contribuição do esquecimento dos cinemas de rua na cidade.

Os cinemas de rua
Os cinemas de rua são equipamentos culturais inseridos no contexto urbano. São
responsáveis por proporcionar uma conexão com o organismo social ao estabelecer
uma identidade territorial e transformar “a ida ao cinema” em um ato cultural e de
constituição de memória local. Isso se deve ao fato de que os cinemas de rua tendem a
ser espaços mais democráticos, por configurarem um espaço convidativo para um
público comum e, por isso, mais plural (IVAM; FARIAS, 2020).

Figura 3 – Cine Passeio, em Curitiba-PR. O Cine Passeio é resultado de um projeto de revitalização do


centro histórico de Curitiba, sendo um exemplo de cinema de rua. Fonte: Cine Passeio (2022)

Podem ser considerados cinemas de rua os palácios de cinema construídos no


século XX que exerçam a identificação cultural com a vizinhança local ou qualquer
edificação ou espaço utilizado para a exibição de filmes que exerça a mesma função,
como praças, parques, associações, ou na própria rua, sendo que não tenha como
prioridade o lucro em cima de exibições comerciais em escala, ou cause a segregação do
público (IVAM; FARIAS, 2020). Logo, mesmo que as grandes empresas de exibição de
filmes possuam unidades nas ruas, isso não as torna cinemas de rua, visto que não
possuem o intuito de gerar identificação cultural e sim de lucro, como também
segregam o público já que nem todos podem pagar pelo preço dos ingressos
(CASALECCHI; GALISI; SOARES, 2021).

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Figura 4 - Exibição de filmes na Praça Pedro II em Teresina. É considerado um tipo de cinema de
rua.Fonte: Revista Aegea (2021)

Os cinemas de rua são facilitadores do exercício dos direitos culturais, visto que
além de não limitar seu público, também exibem filmes que transmitem uma linguagem
acessível para qualquer espectador e, por consequência, gera uma conexão com os
espectadores, sendo estes membros da vizinhança local, podendo ser estes nacionais
ou estrangeiros. Os filmes estrangeiros de caráter comercial nem sempre se conectam
com o público que reside ou frequenta os arredores, pois não abordam sua realidade.
Além disso, o preço do ingresso dos cinemas multiplex dificulta que uma grande parte
da população mantenha o hábito constante de ir ao cinema (IVAM, FARIAS, 2020).

Ainda assim, as sessões de cinemas de rua por vezes são utilizadas como
estratégias temporárias e eficazes de transformação local de espaços públicos, centros
históricos e de periferias, sendo organizadas pelas gestões municipais, organizações sem
fins lucrativos, associações de bairro ou pela própria população.

Por exemplo, o projeto Parada de Cinema promove capacitação técnica e


mostras audiovisuais com a finalidade de articular discussões em torno da produção
cinematográfica local. Este projeto ocorre em diversos lugares de importância cultural
em Teresina, como o Galpão do Dirceu, cujo espaço é utilizado para a realização de
oficinas de arte em geral, como cinema, dança, teatro e música, e no Clube dos Diários,
que possui a mesma finalidade. Desse modo, projetos como este são fundamentais para
incentivar o uso do espaço público através do cinema e de diversas atividades culturais
além do cinema.

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História do Cinema em Teresina
Teresina, fundada em 1852 e nomeada capital do Piauí desde o mesmo ano, é
uma das primeiras cidades planejadas do Brasil, sendo projetada como um tabuleiro de
xadrez, com quadras pequenas e vias alinhadas (TERESINA, 2000 apud LAURENTINO;
NOGUEIRA, 2013). Além disso, é conhecida como “cidade verde” em razão do título
dado pelo poeta maranhense Coelho Neto devido à abundância de sua vegetação
(BUENO; COSTA, 2016).

Na década de 1980 ocorreu uma dispersão do setor comercial e de serviço, antes


concentrados no Centro, haja vista o desenvolvimento e ocupação de outras zonas da
cidade. Com o processo de expansão de Teresina para além do bairro Centro e com o
desenvolvimento da zona Leste, bem como a ampliação dos setores comercial e de
serviços para outras áreas da cidade, iniciou-se um processo de esvaziamento de
habitações e habitantes no Centro fora dos horários comerciais, o que culminou no
desuso dos equipamentos culturais do bairro. Em seguida, com o surgimento dos
primeiros Shopping Centers, grandes centros de comércio e serviço que também
oferecem opções de lazer, (como o cinema), o Centro – antes ponto focal da vida cultural
de Teresina – foi tornando-se um espaço cada vez mais dispensável. Por consequência,
este equipamento cultural tem se distanciado cada vez mais do contexto urbano, em
detrimento da ideia de conforto, praticidade e segurança posta pelas estratégias de
mercantilização do lazer através dos Shoppings Centers, limitando seu público.
Segundo Foucault (2014, apud RAGO, 2015), um espaço utópico é um não-lugar,
ou seja, um lugar em que o tempo é imaginário, sem perspectivas de significado.
Portanto, os Shoppings se caracterizam como um não-lugar, devido a sua estruturação
proposital que faz o tempo passar despercebido pelos usuários, em uma ideia de
lucratividade em cima do tempo, e por consequência, do lazer. Para Margareth Rago
(2015), o tempo é mercantilizado na atualidade, sendo uma estratégia do controle do
capital exercido sobre a classe trabalhadora, o que acaba transformando também o
tempo livre em mercadoria: o principal equipamento de lazer nos shoppings centers é o
cinema, que se tornou um produto.
Ainda nas primeiras décadas do século XX, com a chegada da energia elétrica, e
água encanada em 1914 (SANTOS; ORTIGOZA,2016), Teresina passou por uma série de
transformações dos espaços urbanos, incluindo os de lazer. Dentre eles é possível
destacar a requalificação de praças e passeios públicos, instalação de redes de
saneamento nas ruas, como também o surgimento de cafés e bares (LIMA, 2002 apud
SANTOS; ORTIGOZA, 2016).

Entre as praças de Teresina, pode-se destacar a Praça Pedro II, núcleo de diversas
atividades culturais da cidade, como apresentações teatrais e musicais. Apesar deste
espaço público representar uma carga cultural relevante, esta praça desde o início é
marcada pela segregação social, sendo subdividida de acordo com as classes sociais.
Durante os eventos culturais ocorridos no local no início do século XX, a praça se dividia
em dois lados: a “praça de baixo”, frequentado por pessoas de baixa renda, e a “praça

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de cima”, frequentado por pessoas mais abastadas ou de famílias tradicionais da cidade
(SANTOS; ORTIGOZA, 2016).

Figura 5 – Vista Aérea da Praça Pedro II. Fonte: Google Imagens, 2022. Editado pela autora,
2022.

O Theatro 4 de Setembro, projetado pelo arquiteto Alfredo Modrak, foi


construído em frente à praça Pedro II e inaugurado em 1894 para sediar os espetáculos
cênicos da cidade (MIRANDA et al., 2015).

No começo do século XX, o lazer em Teresina se tratava de peças teatrais, shows,


bailes e musicais no Theatro 4 de Setembro. Contudo, essa perspectiva de lazer não era
acessível a todas as classes sociais, pois somente a elite poderia pagar pela entrada. Em
1901, o Theatro passou a exibir filmes, todavia continuou inacessível para quem não
fazia parte da alta sociedade (SANTOS; ORTIGOZA, 2016)

Figura 6 - Theatro 4 de Setembro (à esquerda) e Cine Rex (à direita), ambos localizados em frente à
praça Pedro II em Teresina-PI em 1942. Fonte: Biblioteca de imagens do IBGE, disponibilizado em 2022.

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Em 26 de novembro de 1939 foi inaugurado o Cine Rex, que se tornou um dos
principais cinemas de Teresina, (DOS SANTOS, 2016). Este cinema foi construído ao lado
do Theatro 4 de Setembro e em frente à Praça Pedro II, o que contribuiu ainda mais para
a movimentação cultural naquela região. Por outro lado, a segregação que já era forte
na Praça Pedro II permaneceu no cinema, uma vez que somente a elite poderia pagar
pelas entradas (SANTOS; ORTIGOZA, 2016).

O estilo Art Déco foi bastante marcante nos cinemas de rua e teatros do século
XX no Brasil. Com as legislações urbanísticas vigentes na época, os prédios não poderiam
ser tão altos e os pavimentos superiores deveriam ter recuos, restando a alternativa de
escalonamento da volumetria para dar a impressão de grande altura nas fachadas
(CORREIA, 2008). Estes aspectos estão presentes na fachada do Cine Rex.

Ainda no Centro de Teresina, também existia o Cine Royal, inaugurado em 1967,


estava localizado no cruzamento entre as ruas Coelho Rodrigues e Treze de Maio. Se
tornou um dos cinemas mais frequentados na cidade, juntamente com o Cine Rex,
aberto em 1939. O diferencial do Cine Royal era a infraestrutura que amenizava o calor
de Teresina, dotada de grandes ventiladores, o que concedia aos usuários a
possibilidade de variar as vestimentas: em vez de roupas curtas e chinelos, poderiam
utilizar trajes mais sofisticados (COUTINHO, 2014). Atualmente, este cinema não existe
mais: há um comércio em seu lugar, com a fachada original descaracterizada.

Ainda no Centro de Teresina, também existia o Cine Royal, inaugurado em 1967,


estava localizado no cruzamento entre as ruas Coelho Rodrigues e Treze de Maio. Se
tornou um dos cinemas mais frequentados na cidade, juntamente com o Cine Rex,
aberto em 1939. O diferencial do Cine Royal era a infraestrutura que amenizava o calor
de Teresina, dotada de grandes ventiladores, o que concedia aos usuários a
possibilidade de variar as vestimentas: em vez de roupas curtas e chinelos, poderiam
utilizar trajes mais sofisticados (COUTINHO, 2014). Atualmente, este cinema não existe
mais: há um comércio em seu lugar, com a fachada original descaracterizada.

Figura 7 - À esquerda, Fachada do Cine Royal na década de 1960. A bilheteria(1) e a saída(2) eram
voltadas para a rua. À direita: estado atual do Cine Royal. Fonte:Ricardo Coutinho, 2014.

. A chegada do cinema em Teresina provocou mudanças no comportamento social.


De acordo com Castelo Branco (1995 apud SANTOS; ORTIGOZA, 2016) “o cinema trouxe

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novos comportamentos, vestimentas, novas formas de namorar para a sociedade”.
Nessa época surgiu o ato cultural de “ir ao cinema” em Teresina, visto que a população
passou a frequentar o Cine Rex de forma mais recorrente, atividade que perdurou até o
final dos anos 1970. Entretanto, o Cine Rex e o Cine Royal sofreram com a queda do
público a partir de 1980, fechando em 1990. Isso se deve a vários fatores, dentre eles a
crise econômica vigente e o fato de que as distribuidoras de filmes davam prioridade
aos cinemas multiplex que estavam em ascensão na época, pois possuíam muitas salas
e davam uma maior margem de lucro. A partir dos anos 1980 houve a diminuição da
frequência de usuários nos cinemas de rua de Teresina (DOS SANTOS, 2016).

Ao longo dos anos 1980 houve também um processo de descentralização do


núcleo comercial e residencial de Teresina, conforme pontuado anteriormente, o que
impulsionou o desenvolvimento das demais zonas, principalmente da zona Leste. Esse
processo de espraiamento urbano acarretou o inevitável êxodo de pessoas moradoras
do Centro para os bairros das outras zonas, o que fez está região da cidade começar a
ganhar um caráter mais comercial (FAÇANHA, 2003). Com as pessoas habitando outros
bairros, não havia como esperar que esse público se transportasse de suas residências
para o centro para usufruir desse lazer, pois temiam que a região da praça Pedro II fosse
perigosa nesse horário, haja vista que o comércio fechava à noite (DOS SANTOS, 2016).

Na zona Leste nos anos 1990, já dotada de setores comerciais e de serviço,


surgiram maiores galerias comerciais e os primeiros Shoppings Centers, em especial o
Shopping Baloon Center, uma galeria comercial cujo cinema também foi uma referência
de memórias afetivas para a população do local (LIMA, 2016). Entretanto, este shopping
também foi fechado.

No ano de 1995 foi inaugurado o Riverside Walk, o primeiro shopping da cidade.


Em 1997 veio o Teresina Shopping e em 2015 o Shopping Rio Poty, que abrigam até os
dias atuais os cinemas multiplex de Teresina, atrativos preponderantes para a classe
média alta que reside na zona Leste, mas também atrativos para moradores de outras
zonas, haja vista a ausência de outros cinemas na cidade., já que a população passou a
frequentar os cinemas mais próximos das residências (DOS SANTOS, 2016), além desta
passar a enxergar o centro de Teresina como uma área perigosa, violenta, desordenada
e sórdida, enquanto os Shoppings transmitem sensação de conforto e segurança.

O avanço das tecnologias também foi um fator para a diminuição da frequência


dos cinemas em todo o país. A popularização da televisão e a chegada de aparelhos
como VHS e DVD possibilitaram uma forma de lazer mais confortável para as famílias,
pois dessa forma não precisariam sair de casa: mesmo quem não tinha condição de ter
esses aparelhos conhecia alguém que poderia lhe dar a possibilidade de usufruir deste
(DOS SANTOS, 2016).

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A ausência do cinema como lazer acessível em Teresina
Para Jane Jacobs (1961), alguns dos fatores que tornam o espaço urbano mais
seguro são: a distinção do espaço público e privado, a capacidade do cidadão de “vigiar
a rua” de forma consciente ou inconsciente (olhos da rua) e calçadas largas o suficiente
para que ocorra um trânsito constante de pessoas.

Os Shopping Centers são constituídos pela setorização de várias lojas e praça de


alimentação, em uma disposição que busca se assemelhar a um centro comercial de
uma cidade na forma utópica, simulando os fatores que tornam a cidade segura: olhos
que vigiam o local e corredores que permitem uma intensa circulação de pessoas.
Contudo, isso traz uma percepção errônea de sensação de segurança na cidade, visto
que é ocorrido em um espaço privado, e não público.

Os shoppings centers, de acordo com Bienenstein (2001, apud ALVES, 2011),


podem ser caracterizados como “a reorganização contemporânea do capital, que tem
transformado intensamente as cidades”. Essa transformação na cidade não é de forma
positiva, pois os Shopping Centers contribuem para a segregação socioespacial no tecido
urbano. Isso porque este tipo de empreendimento geralmente se localiza em regiões da
cidade que privilegiam somente uma parcela da população, sendo mais comum em
áreas mais nobres. Além disso, suas instalações comerciais também não oferecem
preços atrativos para todos, como o cinema, por exemplo.

O cinema se torna cada vez menos acessível, visto que o preço dos ingressos tem
crescido exponencialmente no Brasil com o passar dos anos (Figura 3): de 2010 a 2019
o preço médio de um ingresso (PMI) aumentou cerca de 69%, chegando ao valor de R$
15,82 em 2019, enquanto o preço do ingresso em dólar diminuiu entre os anos de 2010
e 2019.

Figura 8 - Evolução do preço médio do ingresso (PMI) de 2010 a 2019. Fonte: Anuário Estatístico do
Cinema Brasileiro (2019).

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Segundo o IBGE (2019), as famílias que recebem até 2 salários-mínimos (salário-
mínimo em 2019: R$ 1908) gastam 61% dessa renda mensal em alimentação e custos
de moradia (aluguel, energia, água etc.). Ou seja, uma parte desse salário pode não ser
gasto com lazer, como o cinema, pois a maior parte dele é dedicada aos custos com
alimentação e habitação.
Entretanto, ainda que os ingressos de cinema não sejam acessíveis a todos, boa
parte da população de Teresina frequenta os cinemas dos únicos 2 Shoppings Centers
existentes na cidade, uma vez que estes transmitem uma ilusória sensação de
segurança, além de oferecer estacionamento privado. Ademais, há uma estigmatização
em torno do centro teresinense: um local suscetível a crimes, abandonado, perigoso,
cujo horário seguro para frequentar é diurno e sem intuitos de lazer, e não sendo mais
visto como uma área histórica que é lar de memórias afetivas (DOS SANTOS, 2016). Por
essa razão, o uso dos cinemas se concentra nos Shoppings e não mais nos cinemas de
rua em Teresina.
De acordo com Foucault (1984 apud Rago, 2015), heterotopias “referem-se à
possibilidade de reinventarmos e darmos novos sentidos aos espaços físicos,
geográficos, políticos, afetivos ou subjetivos”. Segundo Margareth Rago (2015), o
cinema é uma heterotopia de parada provisória, sendo um lugar que proporciona
deleite e afetividades para os usuários, ainda que seja de maneira passageira. Contudo,
é um equipamento que perde a sua essência ao se inserir no espaço utópico do Shopping
Center, por ser um espaço privado.

Considerações Finais
Em vista disso, é possível concluir que o cinema, em especial o Cine Rex, teve
grande relevância na constituição dos aspectos culturais de Teresina. Entretanto, o ato
cultural de ir ao cinema na cidade passou a se direcionar apenas aos shoppings centers,
em razão da sensação simulada de segurança que esses locais transmitem e da cultura
do medo em torno do centro da cidade.

O intuito deste trabalho é mostrar como o cinema de rua, no geral, é


desvalorizado em Teresina. Não há muitos projetos e incentivos ao lazer cultural na
cidade, em especial o cinema, apesar de ter sido no passado um elemento que ajudou a
moldar seus aspectos urbanos, culturais e sociais. As sessões de cinema realizadas nas
ruas e praças são de rara ocorrência. O único palácio de cinema que restou, o Cine Rex,
não possui uso ativo para exibição de filmes como no passado, e encontra-se fechado.

Portanto, é necessário que existam iniciativas que contornem a invisibilidade do


cinema de rua em Teresina e sua apropriação dentro dos Shoppings Centers, de forma
que o público-alvo seja plural, e não limitado pela sua condição social. Por exemplo, o
projeto Parada de Cinema, que promove exibições audiovisuais locais em locais de
importância histórica e cultural da cidade, também incentiva discussões em torno das
mostras cinematográficas e oficinas de produção artística, como audiovisual, teatro e
cenografia. Iniciativas como esta estimulam atividades culturais além do cinema e

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auxiliam na desmistificação do perigo em frequentar não só o centro da cidade, como
também as ruas, praças e espaços públicos em geral, pois “a cidade das artes, musical e
colorida ganha espaço, ao enfrentar a cidade cinza” (RAGO, 2015), tendo em vista um
lazer mais inclusivo.

REFERÊNCIAS
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da imagem poética, uma necessidade. REVISTA EQUADOR, v. 5, n. 3, p. 458-478, 2016.
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