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LACAN COM JULIANO MOREIRA E AFRÂNIO PEIXOTO:


A 'AUTOFILIA PRIMITIVA', O NARCISISMO E A QUESTÃO DA 'PARANÓIA
LEGÍTIMA' 1

Mário Eduardo Costa Pereira2

Resumo: Ao debater, em sua tese sobre as psicoses paranóicas, a delimitação


psicopatológica da chamada 'paranóia legítima', Lacan evoca um trabalho de Juliano
Moreira e de Afrânio Peixoto dedicado a esse tema, o qual fora apresentado em 1906 no
Congresso Mundial de Medicina em Lisboa. Trata-se, provavelmente, da única referência a
uma contribuição teórica de autores brasileiros em toda obra de Lacan. No presente artigo,
retomam-se os argumentos apresentados por Moreira e Peixoto, de modo a situar a
importância daquele estudo no esforço de Lacan para a delimitação do campo das psicoses
paranóicas. Investiga-se, em particular, o papel central da 'autofilia primitiva' – conceito
proposto pelos dois psiquiatras brasileiros - na estruturação da paranóia, o qual antecipa
em vários aspectos a teorização freudiana sobre o narcisismo e suas relações com a psicose.

Introdução

O presente artigo tem por objetivo situar, desde os pontos de vista histórico,
psicopatológico e psicanalítico, aquela que constitui provavelmente a única referência em
toda obra de Lacan a uma contribuição teórica de autores brasileiros. Trata-se do célebre
estudo de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto dedicado à paranóia e às síndromes
paranóides, mencionado por Lacan no capítulo inicial de sua tese sobre as psicoses
paranóicas. Busca-se, aqui, pela primeira vez, investigar o contexto no qual se inscreve a
referência lacaniana ao trabalho desses nomes maiores da psicopatologia no Brasil.
Naquele estudo, os dois psiquiatras baianos buscavam, a partir de uma metodologia
explicitamente kraepeliniana, estabelecer os critérios clínicos e psicopatológicos para a

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PEREIRA M.E.C., “Lacan com Juliano Moreira e Afrânio Peixoto: a autofilia primitiva e a psicopatologia
da paranóia verdadeira, in Associação Psicanalítica de Porto Alegre _ APPOA (Org.), Psicose:aberturas da
clínica, Porto Alegre, Libretos, 2007, pp. 18-53.

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Psicanalista, psiquiatra. Professor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de
Ciências Médicas da UNICAMP. Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de
Paris 7. Diretor do Laboratório de Psicopatologia Fundamental/(UNICAMP). Professor do Departamento de
Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.
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distinção rigorosa entre a paranóia legítima e as chamadas “síndromes paranóides”. Esse


trabalho fora publicado sob diferentes versões nos primeiros anos do século XX. Aquela
referida por Lacan havia sido apresentada por Juliano Moreira no ano de 1906, em Lisboa,
por ocasião do Congresso Mundial de Medicina. Lacan menciona tal intervenção a partir de
um artigo de Henri Claude e Marcel Montassut, publicado em 1926 na revista L’Encéphale
e intitulado “Délimitation de la paranoïa legitime”. Ele recorre às posições de Claude e
Montassut, bem como as de Moreira e Peixoto, para sustentar a necessidade de demarcação
da “paranóia legítima” em relação aos demais quadros paranóides, o que no contexto de sua
tese constituía um elemento decisivo, uma vez que essa abordava não os estados paranóides
em geral, mas especificamente a psicose paranóica.
Para além da delimitação psicopatológica do campo da paranóia, o trabalho de
Moreira e Peixoto traz um interesse suplementar para o debate propriamente psicanalítico
das psicoses, embora esse aspecto não tenha sido destacado por Lacan. Nele, os autores
apresentam uma teoria original sobre a etiopatogenia da paranóia, elaborada a partir de seu
conceito de “autofilia primitiva”: “modo de ser originário” com o qual nasce cada criança,
caracterizado pela hipertrofia do eu, por uma “egofilia exagerada” e pela tendência de
relacionar-se com o mundo a partir de uma posição de hipersubjetivismo centrado nessa
valorização imoderada de si mesmo. Em condições normais, tal estado inicial da
organização subjetiva deveria ir cedendo lugar a uma posição secundária de “altruísmo”, a
qual se instalaria em função de “uma espécie de contrato a que nos submetemos tacitamente
ao partilhar a vida social” (p. 139). Esse processo ocorre, segundo o termo dos autores,
“inconscientemente”. A paranóia decorreria da persistência desse modo originário de ser
devido a falhas no processo de educação e de inscrição do sujeito na cultura. Quando, na
vida adulta, o sujeito confronta-se a uma forte oposição do meio em reconhecer a grandeza
e excepcionalidade que ele próprio se atribui, a doença eclode com toda sua virulência.
Convém lembrar que esse texto foi apresentado pela primeira vez em 1905, ou seja, seis
anos antes da publicação por Freud de seu estudo sobre o caso Schreber e quase uma
década antes de sua “introdução ao narcisismo”.
Procuraremos inicialmente situar o contexto histórico e teórico no qual Lacan
recorre ao artigo de Moreira e Peixoto com o objetivo de delimitar o campo específico da
psicose paranóica, para, em seguida, passarmos a uma análise mais detalhada da proposta
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de elucidação psicopatológica desse quadro clínico a partir dos diferentes destinos


subjetivos possíveis daquilo que os dois grandes psiquiatras brasileiros designaram como a
condição de “autofilia originária” do ser humano.

A delimitação histórica do grupo das psicoses paranóicas na tese de Lacan

Em 1932, ano em que Jacques Lacan publica sua tese de doutorado em medicina, a
separação entre a paranóia e os demais estados paranóides era muito menos nítida e
consensual do que para os clínicos e pesquisadores contemporâneos. Trata-se de um
momento da história da psiquiatria de declínio dos chamados “clássicos”: autores, em geral
grandes clínicos e alienistas que, baseados em rigorosa observação e sistematização
classificatória de seus achados, construíram as bases da nosologia e da nosografia
psiquiátricas. Historicamente, as duas grandes tradições psicopatológicas – alemã e
francesa – haviam tratado os fenômenos paranóides segundo perspectivas muito diversas.
Enquanto a corrente alemã os estudava no contexto de perturbações psicóticas mais amplas,
associadas a graves perturbações afetivas, condições alucinatórias e deterioração
[Verblödung] do conjunto da personalidade, do lado francês eram os delírios crônicos, de
evolução progressiva, mas sem conduzir à desagregação psíquica, que formavam o centro
de seus interesses. A grande questão permanecia sendo a das relações entre esses diferentes
quadros psiquiátricos, ou seja, o estabelecimento preciso do conteúdo clínico e
psicopatológico delimitado pelo antigo termo “paranóia”.
Assim, especificamente para a tese Lacan, tal elucidação revestia-se de um interesse
maior, uma vez que se tratava de circunscrever o âmbito específico de seu objeto de
investigação – a psicose paranóica – face aos demais estados mórbidos “paranóides”, assim
denominados por sua semelhança com a paranóia, sem, contudo, serem a ela redutíveis.
É justamente nesse contexto que, no capítulo histórico do estudo Sobre a psicose
paranóica em suas relações com a personalidade, Jacques Lacan evocaria o trabalho de
Juliano Moreira e Afrânio Peixoto dedicado à delimitação da “paranóia verdadeira”, o que
o psiquiatra francês faz nos seguintes termos:
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“Nós mesmos, em um artigo de vulgarização, propusemos um agrupamento unitário


das psicoses paranóicas repartidas sob três eixos: a pretensa „constituição
paranóica‟, o delírio de interpretação, os delírios passionais. Claude e Montassut,
em uma revisão geral publicada na revista L’Encéphale, insistem juntamente com
Peixoto e Morera (essa é a grafia empregada no texto de Lacan) para que se reserve
aos casos correspondentes à descrição de Kraepelin o título de „paranóia legítima‟”
(p. 26).

Para melhor compreendermos e situarmos o recurso de Lacan ao estudo de Juliano


Moreira e de Afrânio Peixoto sobre a paranóia legítima, partiremos da contextualização
histórica da construção desse conceito psicopatológico central. Em seguida, examinaremos
mais especificamente as hipóteses defendidas por esses autores brasileiros naquele estudo,
bem como suas conseqüências para a elucidação do problema da paranóia.

Breve histórico da introdução do termo “paranóia” em psicopatologia

O termo “paranóia” tem longa tradição na história da psicopatologia e é necessário


remontar às suas origens na Grécia clássica para compormos uma idéia mais clara das
transformações que sofreu até chegar a seu uso técnico contemporâneo. Na Antigüidade
grega, παράνοια referia-se antes de tudo ao desvario extremo provocado pelas paixões, não
designando propriamente uma forma particular de loucura, mas a loucura em si, em suas
dimensões de delírio e de arrebatamento passional insensato. Literalmente, “pensar ao
largo, de maneira enviesada”, a palavra paranóia era empregada pela língua comum,
recebendo um uso técnico apenas incidental na medicina hipocrática (nesse caso, como
sinônimo de loucura ou, por vezes, referindo-se simplesmente à crise epiléptica). Temos
um claro exemplo desse emprego na língua quotidiana na tragédia “Os sete contra Tebas”,
de Ésquilo, quando ao evocar a funesta união conjugal de Édipo e Jocasta, o coro enuncia a
seguinte oração: “παράνοια σσνᾶγε νσμφίοσς φρενώλεις”, ou seja, “A loucura (παράνοια)
uniu esses esposos insensatos”.
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Permanecendo restrita ao longo dos séculos a esse uso meramente popular, situado
na fronteira entre a linguagem quotidiana e o jargão técnico, a palavra “paranóia” precisaria
aguardar a psiquiatria alemã do século XIX para ser recuperada como conceito médico
mais específico. É bem verdade que em 1772, Vogel já havia empregado esse termo, mas
referia-o ainda apenas como sinônimo genérico de “loucura”, conotação que seria retomada
de maneira mais sistemática por Heinroth em 1818 (cf. GARRABÉ, 1992).
Convém aqui lembrar que a própria idéia de que pudessem existir diferentes
entidades nosológicas constituindo o campo clínico da loucura, tida como auto-evidente em
nossa psicopatologia contemporânea, foi objeto de intensas polêmicas na história da
psiquiatria. A construção do conceito atual de paranóia confunde-se, sob inúmeros
aspectos, com a evolução desses debates. Para isso, basta evocar as intensas discussões
ocorridas desde o início do século XIX em torno da chamada “psicose única”
(Einheitpsychose), conceito que teve em Wilhelm Griesinger seu principal defensor e
propagador. Segundo tal perspectiva teórica, todas as psicoses clinicamente identificáveis
constituiriam apenas diferentes etapas de um único e mesmo processo psicopatológico. Para
Griesinger - nome mais importante e influente da psiquiatria alemã daquele período e cuja
obra fora detalhadamente estudada por Freud -, na origem de qualquer processo psicótico
existiria o que designou como “depressão de base”, ou seja, uma condição de natureza
melancólica ligada à perda em idade precoce de um significativo objeto de amor, a qual
funcionaria como espécie de núcleo permanente de fragilidade psíquica. A depressão de
base seria o ponto de partida de uma regressão no funcionamento mental, determinando
diferentes formas de reação, segundo o indivíduo.
Dessa maneira, os diferentes quadros psicopatológicos clinicamente observáveis
representariam tão-somente diferentes modalidades de regressão – e de reação - a esse
mesmo substrato mórbido fundamental. Griesinger chegou mesmo a descrever inúmeras
formas secundárias de loucura, as quais constituiriam expressões das diferentes etapas de
desenvolvimento desse único processo psicótico. Entre elas estaria a Verrücktheit, delírio
sistematizado reativo ao estado depressivo (ou maníaco) primário, resultante da tentativa
desesperada do psiquismo para integrar na personalidade aquele processo depressivo
primário e irredutível, através da estruturação do delírio. Tal maneira de conceber a
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psicopatologia da psicose - e das condições paranóicas em particular - era hegemônica


naquele momento da história da psiquiatria.
O progresso das pesquisas clínicas, contudo, acabaria por demonstrar as limitações
da concepção de Griesinger. Em oposição à doutrina grisingeriana, Kahlbaum descreve,
em 1863, um quadro psicótico no qual a atividade delirante instala-se desde o início, sem
ser precedida por manifestações depressivas. Este corresponderia àquilo que mais tarde os
franceses designariam como delírios d’emblée. Pouco depois, em 1865, Snell propõe a
existência de um estado delirante e alucinatório primário. Nesse quadro, denominado como
primäre Wahnsinn (cf. POSTEL & QUETEL, 1983, p. 336) - ou seja, um estado delirante
não precedido de despersonalização, desrealização, bouffée delirante ou outra alteração
mais extensa da personalidade - o tema da perseguição é mais freqüente que as idéias de
grandeza.
É somente a partir de 1879 que Krafft-Ebing passaria a reservar o termo “paranóia”
para designar os delírios sistematizados, admitindo também que esses poderiam ser
primários. A paranóia constituiria, segundo seu ponto de vista, uma forma específica de
alienação mental manifestada por distorções situadas predominantemente na esfera do
julgamento e do raciocínio, as quais podem ser expressas pelo paciente sob a forma de
narrativas fantásticas, irredutíveis pela argumentação lógica.
Mendel, entre 1881 e 1883, reorganizaria definitivamente o campo das psicoses
propondo a distinção entre a “paranóia alucinatória” e a “paranóia combinatória”, esta
última reunindo os quadros em que predomina uma organização delirante crônica, sem
alucinações e sem prejuízo global do funcionamento psíquico. É somente a partir daí que o
termo paranóia passa a recortar uma condição psicopatológica delirante independente,
passível de ser relatada pelo paciente de forma romanesca e rigorosa, mas baseada em um
desvio fundamental da razão, irredutível pela argumentação lógica, sem a presença de
alucinações e sem evolução demencial (Verblödung).
Apesar dessas precisões terminológicas, no final do século XIX o campo clínico
recortado pela denominação “paranóia” continuava a ser o mais heterogêneo possível,
sendo freqüentemente empregada a expressão “Babel terminológica”, pelos comentaristas
da época, para qualificar o estado reinante da nosografia psiquiátrica. De fato, inúmeros
estados psicóticos - muito diferentes em sua natureza, mas que apresentavam manifestações
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delirantes de perseguição e idéias de grandeza - continuavam a ser genericamente


designados pelo termo de “paranóia”, o que fazia com que este perdesse inteiramente seu
valor discriminante.
Na França, o termo “paranóia” teve uma implantação bem mais tardia, embora os
fatos clínicos aos quais se refere já tivessem sido amplamente estudados pela tradição
psiquiátrica daquele país. Basta evocar, entre outros, o trabalho decisivo de Lasègue sobre o
delírio das perseguições (1852), os estudos de Morel sobre perturbações interpretativas
observadas na loucura hereditária dos degenerados ou, ainda, a distinção estabelecida por
Magnan, a partir de 1881, entre os “delírios dos degenerados” e o “delírio crônico de
evolução sistemática”, para se perceber a grande importância que o estudo dos delírios
crônicos teve na psiquiatria francesa. Dispondo, portanto, de sua própria tradição nesse
campo, foi somente a partir de 1895, com o emprego por Séglas do termo “paranóia” para
designar as loucuras sistemáticas, que essa palavra passaria a fazer parte do vocabulário
habitual da psicopatologia francesa.
Essa mesma sólida tradição psicopatológica francesa estaria na linha de frente da
oposição às inovações nosográficas propostas por Kraepelin em 1899, com a publicação da
6ª. edição de seu célebre Tratado (1899), na qual o mestre alemão propunha a dissolução
praticamente integral da paranóia em sua descrição da forma paranóide da demência
precoce (dementia paranoide), esvaziando, assim, sua especificidade clínica e nosológica.
Tal ponto de vista teria grande importância e repercussão. Na passagem do século
XIX para o século XX, Emil Kraepelin era a maior autoridade científica internacional no
que se referia à nosografia psiquiátrica. Apoiado em um método de rigorosa observação
clínica, a qual não se restringia apenas o momento atual do quadro apresentado pelo
paciente, mas focalizando também as transformações que este ia mostrando ao longo do
tempo, o autor do célebre Lehrbuch propunha-se a construir um sistema de diagnósticos
psiquiátricos fundado apenas nas características e regularidades clínicas diretamente
observáveis3, segundo uma perspectiva diacrônica. Segundo seu ponto de vista, a depuração
descritiva dos elementos regularmente verificados no acompanhamento clínico tenderia a
isolar entidades mórbidas específicas.

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É nesse sentido que os atuais sistemas de diagnóstico psiquiátrico, como o DSM-IV, são descritos por
inúmeros autores como “neo-kraepelinianos”.
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É sob tal perspectiva que Kraepelin endereça sua crítica aos procedimentos da
psicanálise freudiana, cujos procedimentos ele caracterizava nos seguintes termos: “...
apresentação de suposições e conjecturas arbitrárias como se fossem fatos seguros, as quais
são usadas sem hesitação para a construção de sempre novos castelos no ar, cada vez mais
altos e a tendência à generalização ultrapassando toda a medida, a partir de observações
únicas” (KRAEPELIN, 1996, vol. 1, p. 93).
Sua obra principal, o Tratado de Psiquiatria (Lehrbuch der Psychiatrie), teve oito
edições revisadas e substancialmente ampliadas durante a vida de seu autor. Em sua quarta
edição, publicada em 1893, Kraepelin introduz o conceito de demencia praecox, expressão
anteriormente utilizada por Morel para designar um quadro clínico de imobilização súbita
das faculdades psíquicas ocorrendo durante a juventude. O autor francês buscava assim
enfatizar o aspecto cronológico de instalação dessa alteração psíquica, sem pretender fazer
do termo a denominação de uma nova entidade psicopatológica. Serão as pesquisas de
Kraepelin que estabelecerão as bases para o recorte nosológico e nosográfico da entidade
clínica atualmente conhecida como “esquizofrenia”.
A clássica edição do Tratado (6ª. Edição), publicada em 1899, estabelece uma
definição bastante ampla da “demência precoce”, nela incluindo os delírios crônicos
sistematizados, de caráter persecutório, dando a esse quadro específico o nome de
“demência paranóide”. A dementia paranoides englobava, portanto, aquilo que viria, após
Bleuler, a ser conhecido como esquizofrenia em sua forma paranóide, bem como a paranóia
em geral e o delírio crônico de evolução sistemática, de Magnan. Além disso, o critério
evolutivo empregado por Kraepelin indicava que o destino desses sujeitos era um estado
terminal de desagregação mental, o que era contraditório com as concepções clássicas da
escola francesa, que sustentavam a perservação da personalidade malgrado o curso crônico
e incurável do transtorno. Compreende-se, assim, que a inclusão por Kraepelin da paranóia,
de maneira quase integral, na descrição da forma paranóide da demência precoce (dementia
paranoide), tenha sido considerada pelos franceses como um esvaziamento da
especificidade clínica e nosológica desses quadros.
Dessa forma, o ponto de vista kraepeliniano foi fortemente criticado na França,
onde se insistia quanto ao caráter autônomo e primário da paranóia em relação aos quadros
delirantes crônicos que conduziam à deterioração do funcionamento psíquico global.
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A monografia de Sérieux e Capgras, de 1909, sobre o delírio de interpretação (“Les


folies raisonnantes”) inscreve-se no cerne desse debate. Publicada entre a 6ª. e a 8ª. edições
do Tratado de Kraepelin, ela constitui de um esforço no sentido de ratificar a posição
francesa no que se refere à autonomia psicopatológica do delírio sistemático baseado em
interpretações delirantes.
Nesse estudo, os autores consideram que o delírio de interpretação constitui uma
entidade psicopatológica autônoma. Trata-se, segundo eles, de uma psicose delirante
crônica, sistematizada, de caráter não alucinatório que se caracteriza por:
“1) multiplicidade e organização de interpretações delirantes;
2) ausência ou penúria de alucinações (contingentes)
3) persistência da lucidez e da atividade psíquica;
4) evolução através da extensão progressiva das interpretações
5) incurabilidade, sem demência terminal.” (SÉRIEUX & CAPGRAS, pp. 4-5)
O elemento fundamental dessa condição psicopatológica era, pois, a multiplicidade
das interpretações delirantes, ou seja, “um raciocínio falso que tem como ponto de partida
uma sensação real, um fato exato, o qual em virtude de associações de idéias ligadas às
tendências e à afetividade e através de induções ou deduções erradas, acaba por adquirir
para o doente uma significação pessoal, pela qual tudo se coloca invencivelmente a ele
relacionado”. Nesse sentido, o delírio se instala como uma espécie de depósito, pouco a
pouco integrado na personalidade, das tentativas de subjetivação das interpretações
delirantes.
Kraepelin, na oitava edição de seu Tratado (1915) termina por aderir às teses de
Sérieux e Capgras, utilizando-as para dar a forma definitiva de sua separação entre os
delírios crônicos primários e sistematizados (paranóia) e as formas paranóides da demência
precoce. Concede, assim, à escola francesa, na sua delimitação da paranóia, a extensão
progressiva das interpretações falsas e a raridade das alucinações. A derradeira formulação
kraepeliniana sobre a paranóia funde-se, no essencial, com a loucura raciocinante de
Sérieux e Capgras, distingue-a da demência precoce e termina por delimitar nossa maneira
atual de conceber o campo dos fenômenos paranóicos e paranóides.
Entre os anos vinte e trinta, contudo, apesar da clarificação do campo propiciada
pelas reformulações propostas por Kraepelin, ainda persistia na Europa em geral e na
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França em particular, uma grande confusão quanto ao sentido exato a atribuir ao termo de
“paranóia” e suas relações com os demais estados paranóides.
É sobre esse pano de fundo que se inscreve a tese de Lacan sobre a psicose
paranóica.

Lacan e a questão da paranóia legítima

Em sua tese de doutorado em medicina, de 1932, Lacan situa o auge do período de


confusões doutrinárias referentes à delimitação da paranóia, na última década do século
XIX, durante o qual reinava, segundo suas próprias palavras, “uma diversidade digna de
Babel” (LACAN, 1932, p. 23). Dessa maneira, suas investigações sobre a psicose paranóica
inscrevem-se em uma continuidade tardia de tais debates, em um momento em que a
independência entre a paranóia e a esquizofrenia paranóide era quase que universalmente
reconhecida (o que, como veremos adiante, ainda não era o caso em 1911, quando Freud
publica sua análise do caso Schreber).
A formação de Lacan em psicopatologia ocorre junto a alguns dos representantes
mais notáveis do classicismo psiquiátrico francês, já em seu ocaso nas primeiras décadas do
século XX. Por um lado, seu trabalho psiquiátrico realizado durante os anos de 1928 e 1929
na enfermaria especial da Delegacia de Polícia de Paris, sob a direção de Clérambault,
permitiu-lhe uma experiência rica e incomum: naquele contexto de atendimento de quadros
agudos, Lacan tinha a ocasião de examinar pacientes que acabavam de mergulhar em uma
descompensação psicótica. O contato com a psicose aguda fornecia-lhe uma visão
aprofundada da loucura em suas fases iniciais a qual, em geral, faltava aos alienistas e aos
psicanalistas de consultório. Além disso, uma grande parte da teoria de seu “único mestre
em psiquiatria” focalizava justamente o desencadeamento dos processos psicóticos. Os
chamados “fenômenos elementares” do automatismo mental, por exemplo, descritos por
Clérambault sob a forma de uma verdadeira fenomenologia dos elementos estruturais da
subjetividade desorganizada pela loucura, serviriam de referências fundamentais na
elaboração da teoria lacaniana da psicose.
Além disso, os estudos de Clérambault sobre as psicoses passionais (em particular,
sobre a erotomania), em oposição às psicoses por automatismo mental (cf. PEREIRA,
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1999a), estariam na base do interesse de Lacan pelos crimes passionais, pela folie-à-deux e
pela paranóia de auto-punição, descrita em sua tese a partir de seu estudo do famoso caso
Aimée.
A outra figura de referência no percurso psiquiátrico de Lacan foi o chefe do serviço
de psiquiatria do Hospital Sainte-Anne, Henri Claude. Esse grande patrono da psiquiatria
francesa dos anos 20 e 30, dedicara uma grande parte de suas investigações
psicopatológicas à elucidação do campo das psicoses paranóicas. O verbete “Claude, H.”,
do Dicionário da Psicanálise, de E. Roudinesco e M. Plon, refere-se a ele como “o clínico
da esquizofrenia”. Na segunda metade dos anos vinte, período em que Lacan realizava
parte de sua formação psiquiátrica no Hospital Sainte-Anne, sob a direção de Claude, este
trabalhava diretamente sobre a paranóia e sobre as psicoses paranóídes, tendo, à época,
publicado uma série de artigos importantes sobre esses temas, os quais tiveram grande
repercussão no debate psiquiátrico de seu tempo. Além disso, Claude havia orientado a tese
de Marcel Montassut, defendida em 1924, a qual tratava da “constituição paranóica” e que
também tivera um importante impacto na compreensão psicopatológica da participação da
personalidade na instalação da paranóia4. Formado em tal ambiente teórico e clínico, não é
de surpreender que Lacan tenha eleito especificamente o campo da psicose paranóica para
desenvolver sua própria tese de doutorado.
Em março de 1925, Henri Claude publica na prestigiosa revista médica
L’Encéphale um estudo particularmente importante sobre a delimitação psicopatológica do
campo da paranóia e os estados paranóides, intitulado “Les psychoses paranoïdes”
(CLAUDE, 1924). Neste texto extremamente denso, o autor discute, a partir da análise
minuciosa das modificações de diagnóstico de que foi objeto uma paciente psicótica
internada há 25 anos em seu serviço, o processo de estabilização mental que nela se
implanta à medida que o quadro delirante paranóico vai-se instalando, a ponto de
modificar-lhe totalmente a personalidade. Contudo, contestando a idéia de que as psicoses
paranóicas só se instalam ao final de um longo processo de elaboração subjetiva do delírio,
Claude demonstra a existência de quadros de paranóia aguda, representados pelas “bouffées

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Lacan refere-se amplamente ao trabalho de Montassut em sua própria tese sobre a psicose paranóica.
Considera que a contribuição de Montassut sobre a constituição paranóica marca a maturidade do conceito, na
medida em que delimita claramente os traços essenciais do caráter paranóico: supervalorização de si mesmo,
desconfiança, falsidade de julgamento, inadaptação social.
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delirantes” e pelo “delírio polimorfo d‟emblée”. Estes devem ser distintos dos quadros de
delírios sistematizados crônicos, como o “delírio crônico d‟emblée” e o delírio de evolução
sistemática, descrito por Magnan.
Para explicar a particular susceptibilidade de certos indivíduos para desenvolverem
quadros paranóicos, Henri Claude prefere a noção de “constituição mental mórbida”, ao
invés de recorrer ao já desgastado conceito de degenerescência. Coloca-se, assim, para este
autor, a necessidade de elucidação teórica e clínica da chamada “constituição paranóica”,
ou seja, uma personalidade marcada pelo orgulho, desconfiança, julgamentos falsos,
emotividade e inadaptabilidade ao meio social, tal como descrita por Montassut.
Por fim, Henri Claude propõe certos critérios clínicos para o diagnóstico diferencial
entre as psicoses paranóicas e as psicoses paranóides – distinção que estará subjacente à
tese de Lacan. Para isso, Claude retoma o ponto de vista sustentado por Kraepelin, em
1907, em sua “Introdução à Psiquiatria Clínica”. Nesse trabalho fundamental, o autor
alemão separa o quadro genérico da paranóia propriamente dita da forma paranóide da
demência precoce (dementia paranoides). Segundo ele, a verdadeira noção que deve servir
de pedra fundamental reside na progressiva “deterioração” (Verblödung) mental do sujeito,
idêntica àquela observada nas fases terminais dos dementes precoces”. (CLAUDE, 1925,
pp. 142-43). Para Kraepelin, enquanto na dementia paranoides os sujeitos chegam a um
estado de indiferença generalizada e a um embrutecimento da personalidade, isso jamais
ocorreria na paranóia verdadeira. A questão que permanecia era a de que sua teoria, naquele
momento histórico, deixava pouco espaço para essa “paranóia legítima”.
Contudo, é apenas em 1915 que Emil Kraepelin completaria suas descrições da
demência precoce de tipo paranóide, já sob o impacto da introdução por Bleuler, em 1911,
do conceito de “esquizofrenia”. É, portanto, relevante recordar aqui que o diagnóstico
atribuído por Freud ao presidente Schreber no título de seu famoso estudo, igualmente
publicado em 1911, é o de dementia paranoides, ou seja, ele se refere à nomenclatura
kraepeliana da 6ª. Edição do Lehrbuch (1899). Jean Garrabé sugere, em sua Histoire de la
schizophrénie (GARRABE, 1992, pp. 73-77), que inúmeros comentadores do texto de
Freud cometeram o equívoco de considerar que os termos “paranóia” e “demência precoce”
tinham naquele momento, sob a pluma do pai da psicanálise, o mesmo sentido que nos dias
de hoje. Lacan mostra claramente no capítulo histórico de sua tese que a concepção
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moderna da paranóia só se estabelece a partir da oitava e última edição (1915) do Tratado


de Kraepelin, quando este separa as parafrenias da demência precoce. É apenas a partir daí
que assume todo seu sentido o esforço da psicopatologia francesa dos anos 20 e 30 em
recorrer à proposição kraepeliana de se distinguir a “paranóia legítima” em relação aos
demais quadros “paranóides”.
Pode-se observar os traços de tal confusão terminológica e conceitual reinante no
começo do século XX no próprio texto de Freud, na célebre passagem no final de seu
estudo sobre Schreber, na qual toma partido pela noção de “parafrenia”: “É impossível
evitar perguntar, em vista da estreita vinculação entre os dois distúrbios, até onde esta
concepção de paranóia afetará nossa concepção de demência precoce. Sou de opinião que
Kraepelin estava inteiramente justificado de tomar a medida de separar grande parte do que
até então havia sido chamado de paranóia e fundi-la junto com a catatonia e certas outras
formas de doença, numa nova entidade clínica – embora „demência precoce‟ fosse um
nome particularmente infeliz de escolher para ela” (FREUD, 1911, p. 100). Freud, contudo,
mantém-se “bastante próximo das posições da escola francesa do começo do século que
recusa (...) que a totalidade da paranóia esteja incluída na demência precoce, como o
propusera Kraepelin na 6ª. Edição de seu Tratado” (GARRABÉ, 1992, p. 75). Assim,
indica Freud, “o que me parece essencial é que a paranóia deve ser mantida como um
quadro clínico independente, por mais freqüentemente que o quadro que ofereça possa ser
complicado pela presença de características esquizofrênicas” (FREUD, 1911, p. 100). É
nesse contexto histórico e teórico que se pode compreender a proposição freudiana,
segundo a qual a paranóia “se distinguiria da demência precoce por ter sua fixação
disposicional diferentemente localizada (ou seja no campo do narcisismo) e por possuir um
mecanismo diverso de retorno (isto é, para a formação dos sintomas). Parecer-me-ia plano
mais conveniente dar à demência precoce o nome de parafrenia” (FREUD, 1911, pp. 100-
1).
É sobre tal pano de fundo que Henri Claude, por sua vez, propõe em 1925 que a
paranóia verdadeira deve ser diferenciada das perturbações paranóicas e da demência
precoce. Nesse sentido, considera que o conceito de esquizofrenia é útil para tal distinção,
embora considere que Bleuler ainda inclui muito da paranóia em sua definição de
esquizofrenia paranóide. Claude inclui na rubrica da “psicoses paranóicas” o delírio crônico
14

de Magnan, o delírio ou psicose alucinatória, o delírio de interpretação de Sérieux e


Capgras e as formas as formas mistas, ligadas à “síndrome de ação exterior”. Nessas, “a
evolução crônica não se acompanha de estado demencial, a atividade pragmática
permanece bem conservada e alguns desses doentes podem viver soltos, sem manifestar
excessivamente sua atividade delirante” (CLAUDE, 1925, p. 148).
No grupo das psicoses paranóides, por sua vez, Claude inclui dois sub-grupos: a
demência paranóide hebefrênica (hebefrenia delirante, de tipo alucinatório e interpretativo)
e a psicose paranóide esquizofrênica” (p.148). Aqui, a evolução é mais ou menos rápida, as
reações anti-sociais são freqüentes e a inadaptabilidade ao meio social aparece muito
precocemente, com freqüência sublinhada por manifestações impulsivas” (p. 148).
No ano seguinte, em 1926, um novo artigo publicado por Claude, dessa vez com a
colaboração com seu aluno Marcel Montassut, na mesma revista, L’Encéphale, é
especificamente dedicado à “delimitação da paranóia legítima”. Este é o texto em que é
feita referência explícita ao trabalho de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto, mencionado por
sua vez na tese de Lacan.
Claude e Montassut iniciam por recordar as grandes confusões instaladas no campo
psiquiátrico quando a paranóia era catalogada como sinônimo de Verrücktheit e que foi
preciso aguardar a autoridade de Kraepelin para elevar a paranóia ao estatuto de entidade
clínica específica. Indicam, a seguir, que do lado francês, os trabalhos de Sérieux e Capgras
estabeleceram uma descrição das loucuras raciocinantes “em todos os pontos assimilável
ao quadro clínico da escola de Munique” (p. 63), além de terem propiciado um avanço
considerável nos debates pelo papel central que atribuem a um elemento psicopatológico
relativamente negligenciado por Kraepelin: “a freqüência, a multiplicidade e a extensão
progressiva das interpretações delirantes, (bem como) a raridade ou a fugacidade das
alucinações” (p. 61). De fato, a delimitação psicopatológica das folies raisonnantes
fundamenta-se na observação de que o quadro delirante se estabelece pela sedimentação e
progressiva integração na personalidade de sucessivas interpretações delirantes. Como na
maior parte dos teóricos do campo das psicoses, coloca-se aqui o problema do
estabelecimento dos fenômenos primários e do desencadeamento desse estado mental
particular. Kraepelin termina por reconhecer a pertinência das observações de Sérieux e
Capgras, propondo assim a fusão de duas entidades sob a rubrica unificante de “paranóia”.
15

Claude e Montassut situam como momento decisivo das confusões terminológicas


relativas à paranóia o Congresso da Sociedade Psiquiátrica de Berlim no qual os relatores,
Craemer e Boedecker, estabeleceram a sinonímia entre a paranóia e a Verrücktheit: “Por
essas palavras deve-se compreender um delírio fixo, edificando-se lentamente, sem
perturbação da consciência nem transformação da personalidade, apenas o pensamento é
verrückt, ou seja , desviado de seu sentido real” (CLAUDE & MONTASSUT, 1926, p. 59).
Tal proposta foi amplamente acolhida no contexto da psiquiatria de língua alemã,
conduzindo ao equívoco de se confundir uma síndrome delirante identificável em diferentes
situações clínicas com uma entidade nosológica específica.
Para resolver tal impasse, no final de seu artigo, Claude e Montassut evocam
justamente a proposição de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto, formulada quase duas
décadas antes, segundo a qual:

“... seria, portanto, necessário, assim como o reclamam Peixoto e Moreira5, que
quando se fala da paranóia verdadeira, compreenda-se o termo clínico isolado pelo
mestre de Munique, nomeando-o simplesmente de „paranóia‟, a fim de se evitarem
as deploráveis confusões nas quais se caiu até aqui.” (CLAUDE & MONTASSUT,
1926, p. 63).

Encontramos, aqui, um reconhecimento implícito do papel pioneiro do trabalho de


Moreira e Peixoto, que já na virada do século XX propunham uma delimitação
psicopatológica da paranóia, considerando-a como uma entidade clínica específica, isso
antes mesmo da formulação kraepeliana à qual recorreram, estivesse suficientemente
explicitada por seu próprio autor.
Para além dessa discriminação nosológica e nosográfica, o trabalho de Moreira e
Peixoto aponta para a implicação de determinadas formas de estruturação de personalidade
- baseada na persistência de condições primitivas de supervalorização amorosa do eu, como
ponto psicopatológico central na instalação da paranóia, como veremos mais adiante. Por

5
Aqui, no texto original, está inserida uma nota de rodapé, com a seguinte referência: Peixoto & Moreira. La
paranóia legitime. (Congrès de Lisbonne, 1906)
16

enquanto, basta-nos lembrar que é desse ponto dos debates que Lacan parte para situar suas
próprias proposições concernindo a psicose paranóica.

A delimitação do campo da psicose paranóica na tese de Lacan

O artigo de vulgarização de sua própria autoria a que Lacan faz alusão em sua tese -
justamente na passagem em que se refere ao trabalho de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto
(cf. indicado mais acima) - intitulava-se “Structure des psychoses paranoïaques”, tendo sido
publicado na revista Semaine des Hôpitaux de Paris, em julho de 1931 (LACAN, 1931).
Chama a atenção o fato de que nesse texto, Lacan refere-se às “psicoses paranóicas” - no
plural -, enquanto que em sua tese, defendida um ano depois, utiliza a expressão no singular.
Trata-se de um detalhe relevante uma vez que o artigo de 1931 buscava delimitar, de um ponto
de vista estrutural, três tipos específicos de psicose paranóica: a constituição paranóica, o
delírio de interpretação e os delírios passionais.
Naquele texto, o então jovem psiquiatra pretendia demonstrar de forma rigorosa a
estrutura do grupo das psicoses paranóicas, as quais se definem, segundo seus termos, pela
manutenção de sua “integridade intelectual, com exceção das perturbações estruturais precisas
do delírio” (LACAN, 1931). Nesses casos, a evolução é crônica e sem demência (no sentido
da Verblödung alemã). Manifestando uma preocupação com as implicações médico-legais
desse diagnóstico, Lacan considera que algumas formas das psicoses paranóicas são passíveis
de dissolução, enquanto outras são irredutíveis.
Dessa maneira, o diagnóstico preciso tem conseqüências sobre o prognóstico, sobre a
terapêutica a ser proposta e sobre as atitudes médico-legais a serem tomadas. Divide, assim,
esse grupo nas três formas acima indicadas: constituição paranóica, delírio de interpretação e
delírios passionais. A primeira caracteriza-se, segundo Lacan, por quatro sinais cardinais: 1)
superestima patológica de si mesmo; 2) desconfiança; 3) julgamentos falsos, os quais tendem
a uma organização em um “sistema”, tal como observado nos “loucos raciocinantes”, descritos
por Sérieux e Capgras e 4) inadaptabilidade social (“longe de ser um esquizóide”, diz o texto,
“ele adere à realidade de maneira estreita”; “ele tem sede de ser apreciado” pelos outros à
altura da grandeza que ele próprio se atribui, mas fracassa regularmente na conquista desse
objetivo). Nesses casos, os delírios de interpretação tendem a ser irredutíveis com a evolução
17

da doença e apesar dos esforços terapêuticos. Este já não é o caso dos delírios passionais
(erotomaníacos), nos quais o quadro delirante pode desaparecer, mas de maneira brutal,
através de certos tipos de passagem ao ato, em particular, o ato criminoso. Este pode levar ao
abrandamento ou mesmo ao desaparecimento completo do delírio. Vemos aqui Lacan
antecipar a tese que será desenvolvida mais amplamente em sua análise do caso Aimée e em
sua correlativa descrição daquilo que denominou como “paranóia de auto-punição” (cf.
LACAN, 1932).
Compreende-se, assim, a importância para Lacan do estabelecimento preciso do
âmbito da paranóia face aos demais estados paranóides, e da necessidade de recorrer a autores
que, antes dele já houvessem se debruçado sobre o problema e elaborado concepções
esclarecedoras da especificidade psicopatológica da paranóia. É assim que entram em cena,
sob sua pluma, as figuras de Henri Claude e Marcel Montassut e, sobretudo, de Juliano
Moreira e Afrânio Peixoto que, muito antes da maioria dos pesquisadores psicopatológicos de
seu tempo, já haviam antevisto na nascente noção de paranóia proposta por Kraepelin no
início do século XX – ainda em um estado embrionário e não suficientemente especificado de
um ponto de vista teórico e nosográfico – uma possibilidade de esclarecimento do campo da
antiga Verrücktheit dos alemães.

Juliano Moreira e Afrânio Peixoto

Juliano Moreira (1873-1933) é, provavelmente, o nome mais importante da história


da psiquiatria brasileira e, certamente, aquele cuja obra foi mais conhecida no exterior. Este
baiano, nascido em Salvador no ano de 1873, era negro, tinha origens humildes e formou-se
em Medicina antes de completar 19 anos de idade, menos de cinco anos após a
promulgação da Lei Áurea pela Princesa Isabel. Foi aprovado por concurso como docente
na Faculdade de Medicina da Bahia em 1896, diante de uma banca examinadora em sua
maioria escravocrata (PICCININI, 2002a). Fez inúmeras viagens de estudo à Europa, tendo
acompanhado cursos e os serviços de professores como Flechsig (o famoso médico de
Schreber), Kraft-Ebing, Gilles de la Tourette, Brissaud e Magnan. Em 1903, transferiu-se
para o Rio de Janeiro, onde, por nomeação do governo federal, assumiu a direção do
Hospício Nacional de Alienados, tendo ocupado esse posto até 1930. Ali, e em âmbito
18

nacional, preocupou-se em implantar uma prática psiquiátrica mais humana e


cientificamente consistente. Segundo Oda e Dalgalarrondo (2001, p. 127), “preocupado em
criar um ambiente terapêutico, aboliu o uso de camisas de força e de grades de ferro das
janelas. Articulou a aprovação e defendeu a primeira lei federal de assistência aos
alienados, promulgada em 1903; sua atuação institucional incluiu ainda a organização da
Assistência aos Alienados, depois Serviço Nacional de Assistência aos Psicopatas”.
Em 1917, foi aceito para a Academia Brasileira de Ciências na vaga de Oswaldo
Cruz, tendo ocupado o cargo de presidente dessa entidade de 1926 a 1929, ano em que foi
distinguido com o título de “Presidente honorário”.
Sua reputação internacional consolida-se continuamente. Em 1928 proferiu
inúmeras conferências em diferentes universidades do Japão, tendo sido nomeado membro
honorário das Sociedades Japonesas de Neurologia e Psiquiatria. Nessa ocasião, o
Imperador conferiu-lhe a Ordem do Tesouro Sagrado. Na Alemanha, a Universidade de
Hamburgo conferiu-lhe a Medalha de Ouro, que é a maior honra oferecida a um professor
estrangeiro.
Grande conhecedor da língua alemã, Juliano Moreira foi discípulo e propagador da
idéias de Kraepelin no Brasil, o que teria um efeito renovador na psiquiatria brasileira da
virada do século XX, até então fortemente influenciada apenas pela escola francesa,
sobretudo pelas idéias de Esquirol. Seu conhecimento do alemão permitiu-lhe, também,
entrar em contato em primeira mão com a obra freudiana. Segundo Afrânio Peixoto,
Moreira foi de fato um dos introdutores do pensamento de Freud no contexto brasileiro,
divulgando e discutindo sua obra desde os tempos de professor da Faculdade de Medicina
da Bahia, já nos anos de 1898 e 1899.
Afrânio Peixoto (1876-1947), por sua vez, também baiano, natural da cidade de
Lençóis, tem seu nome ligado, sobretudo, à história da psiquiatria forense brasileira. Como
lembra Piccinini (2002b), “seu livro Elementos de Medicina Legal, de 1911, sistematizou e
aplicou as aquisições da psicopatologia geral e da clínica psiquiátrica ao estudo dos doentes
mentais. Seu livro de Psicopatologia Forense, editado pela Francisco Alves, teve 7 edições
em duas décadas e vendeu cerca de 23 mil exemplares.” Escritor e romancista, foi eleito
membro da Academia Brasileira de Letras, da qual assumiu a presidência em 1923.
19

Inicialmente foi discípulo de Juliano Moreira, com quem viria a estabelecer uma
estreita parceria científica no campo da psiquiatria. Com este, foi co-fundador da Sociedade
Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, em 1907.
Em sua tese de doutorado intitulada “Epilepsia e crime”, defendida em 1899 na
Faculdade de Medicina da Bahia, Afrânio Peixoto já citava o artigo de Freud “A
hereditariedade na etiologia das neuroses”. A referência às teses freudianas acompanha, de
certa maneira, toda sua obra.
Os dois médicos colaboravam de maneira constante em vários artigos de psiquiatria.
Entre outros trabalhos, no mesmo ano de 1905 eles publicaram um texto sobre a
classificação das doenças mentais, tal como proposta por Kraepelin (MOREIRA &
PEIXOTO, 1905 a).
Mais especificamente sobre o tema da psicose paranóica, pode-se afirmar que o
trabalho de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto sobre a paranóia e as síndromes paranóides
teve significativa repercussão nacional e internacional. Foi re-publicado em diversas
ocasiões, tendo sido também apresentado, com pequenas modificações, em vários eventos
científicos. Sua primeira versão apareceu em 1904, na revista Brasil Médico. Nesse mesmo
ano, foi apresentado em Buenos Aires, por ocasião do IIIo. Congresso Latinoamericano de
Medicina. No ano seguinte, constitui o artigo de abertura do primeiro periódico nacional
especializado em psiquiatria, os Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências
afins (cf. ODA & DALGALARRONDO, 2000), revista criada por iniciativa de Moreira e
Peixoto.
Em 1906, o estudo foi apresentado no XVo. Congresso Internacional de Medicina,
ocorrido em Lisboa. É a essa versão que se refere o artigo de Henri Claude, mencionado
por Lacan. Tratava-se de um evento científico da maior importância, o qual reuniu alguns
dos nomes mais expressivos da medicina e da psiquiatria do começo do século XX.
Durante esse evento ocorreu a memorável homenagem a Fritz Richard Schaudinn,
pesquisador alemão que havia descoberto um ano antes o Treponema pallidum, agente
causal da sífilis (cf. Souza, 2005). Na mesma ocasião, Juliano Moreira encontraria
pessoalmente Emil Kraepelin para discutirem a tão esperada – mas nunca concretizada –
vinda do mestre de Munique para o Brasil, a fim de realizar suas pesquisas psicopatológicas
sobre a demência precoce em indígenas brasileiros.
20

O artigo “A paranóia e as síndromes paranóides” foi reeditado em 1955, em número


comemorativo aos 50 anos dos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências
Afins. Finalmente, em 2001, a seção de “Clássicos da Psicopatologia”, da Revista
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental publica novamente o famoso texto, dessa
vez com apresentação e notas explicativas de Ana Maria Oda e Paulo Dalgalarrondo
(MOREIRA & PEIXOTO, 2001; ODA & DALGALARRONDO, 2001). Não tendo sido
localizada a exposição de Moreira no Congresso de Lisboa, examinaremos a referência de
Lacan ao trabalho de Moreira e Peixoto a partir da versão do estudo publicada em 1905, tal
como reproduzida em 2001.
A questão que se colocava era, pois, a dos limites entre a paranóia propriamente dita
e os demais quadros paranóides. Para resolver esse impasse, Juliano Moreira e Afrânio
Peixoto recorrem – já em 1905 - à delimitação mais precisa que Kraepelin havia proposto
para o termo Verrückheit (paranóia). Segundo o grande psiquiatra alemão, a diferenciação
entre “paranóia pura” e a demência precoce residia no fato de que naquela, embora
houvesse a clara presença de delírios, esses não conduziam o paciente à deterioração
mental. Em seu estudo sobre a paranóia, Moreira e Peixoto não apenas apóiam esse ponto
de vista, mas também propõem uma teoria original sobre suas origens e sobre sua
organização psicopatológica específica, como veremos a seguir.

“A paranóia e as síndromes paranóicas”, segundo Moreira e Peixoto

O artigo “A paranóia e as síndromes paranóicas” constitui uma tomada de posição


teórica face àquilo que seus autores consideram como “um verdadeiro estado de Babel 6 ou
de confusão psiquiátrica” (p. 135) reinante no início do novo século no que diz respeito à
delimitação do conceito de Verrücktheit proposto pelos alemães: a paranóia seria o termo
consagrado por Kraepelin, retomando a antiga referência helênica, já empregada de forma
pouco precisa por outros psiquiatras de seu tempo.

6
Como vimos acima, também Lacan fala de “uma diversidade digna de Babel”, para situar, no contexto de
sua tese de medicina, o estado de confusão reinante na psiquiatria durante o final do século XIX e início do
século XX.
21

Desde a abertura do texto, Moreira e Peixoto afirmam que “tudo tem sido descrito
sob a mesma rubrica”: “de estados agudos e transitórios a idéias fixas ou obsessões, de
conceitos arrazoados em sistemas a demências com idéias residuais de grandeza ou
perseguição, até mesmo estados em que tais delírios faltam por completo” (p. 135). O
motivo principal para tamanha confusão seria o fato de que a simples presença de
síndromes mentais caracterizadas por perseguição, grandeza e suas variantes vinha sendo
considerada como condição suficiente para o diagnóstico de paranóia, independentemente
das condições clínicas em que aparecesse e de outras considerações de natureza etiológica,
patogênica, sintomatológica e mesmo quanto às características do delírio.
A solução para esse impasse estaria, segundo os autores, na delimitação mais
restrita dada por Kraepelin à noção de paranóia. Munidos desse instrumento conceitual lhes
seria possível estabelecer uma fronteira mais nítida entre a paranóia propriamente dita e as
chamadas “síndromes paranóides”.
Antes, contudo, de enfrentarem diretamente essa questão central do artigo, Moreira
e Peixoto realizam uma crítica contundente do conceito de degenerescência e de seu
emprego indiscriminado na psiquiatria de seu tempo para explicar a origem da paranóia.
Dada a extrema amplitude explicativa assumida por aquela noção etiológica tão em voga na
época, a degenerescência passou a constituir “uma estereotipia diagnóstica, quando não seja
uma simples ecolalia da designação” (p.137). A hereditariedade, tal como concebida
naquele contexto teórico de degeneração e atavismo, representava uma espécie de
elucidação científica a priori de todos os fatos da psicopatologia. Referem os autores que a
doutrina da degeneração, desde os tempos de Morel, encontrou uma acolhida acrítica e
generalizada na psiquiatria, o que obscureceu a forte carga imaginária de culpas e de
julgamentos morais a ela ligada, bem como levou a que se negligenciasse a falta de provas
biológicas que consubstanciassem uma posição teórica tão ambiciosa. A certo momento do
texto, declaram de maneira contundente: “Tenhamos, pois, a boa-fé de procurar em nós,
principalmente no meio em que vivemos, as causas de nossos males: não criemos palavras
sonoras que contentam a ignorância ociosa, mas não bastam à curiosidade persistente” (p.
139).
É justamente através uma perspectiva que enfatiza o papel do ambiente e da história,
pessoal e coletiva, na constituição da personalidade humana - e conseqüentemente da
22

psicopatologia - que Moreira e Peixoto propõem nesse artigo uma descrição alternativa das
condições subjetivas que conduzem à paranóia. Para eles, a compreensão de tais
determinantes permite melhor situar a especificidade clínica dessa condição, face a outros
estados ditos, por semelhança a ela, “paranóides”.
A teoria proposta parte, pois, de uma tentativa de elucidação das dimensões
ontológicas e sociais implicadas nos processos de constituição da subjetividade. Segundo
os autores, “a paranóia é originária” (p. 139), na medida em que esta descreve as condições
primitivas do Eu - egofilia extrema, subjetivismo exagerado, pouca consideração pelo
mundo exterior:

“Cada criança que nasce é socialmente comparável ao primeiro homem: o Eu lhe


vem hipertrofiado e, a julgar pela ampliação possível, sem as restrições
modificadoras, cada um seria comparável a um louco ou a um criminoso; é a
educação, a disciplina, a cultura que as submetem, modificam, adaptam, dando-lhes
por fim essa identidade social, de que fala Tarde” (p. 138).

Observa-se nessa afirmação, tal como o indicam Oda & Dalgalarrondo (2001) as
marcas da teoria da recapitulação, de Heckel, tão cara a Freud, segundo a qual “a
ontogênese recapitula a filogênese”. Entretanto, a postura de Moreira e Peixoto quanto ao
recurso de explicação pela filogênese é de profunda moderação: “É, pois, escusado ir
buscar exemplos de egofilia em eras remotas, tão mal conhecidas e, por isso mesmo, tão
mal julgadas, para os fazer ancestrais de cada aberração atual. Temos, todos os dias, no
presente, a apreciação desse subjetivismo exagerado, mas absolutamente normal e que foi o
de todos nós: a afirmação mesma da personalidade” (p. 139).
Sob essa perspectiva teórica que enfatiza o papel central de um investimento
amoroso excessivo voltado para si mesmo, Oda & Dalgalarrondo (in MOREIRA &
PEIXOTO, 2001, p. 136) chamam a atenção para o fato de que, anos mais tarde, tratando
da raridade da paranóia entre as mulheres, Afrânio Peixoto afirmaria: "Seriam as mulheres,
ordinariamente seres mais vaidosos, segundo o nosso conceito, paranóicas rudimentares
ou latentes; não chegarão, porém, ao desequilíbrio, à paranóia declarada, porque sua
vaidade, exclusivamente de méritos físicos e pessoais, passíveis de correspondência sexual,
23

têm aceitação fácil no meio em que vivem, o que lhes evita as recriminações e a
excessividade. Contraprova é o impiedoso e maléfico humor das solteironas. Certamente é
muito mais fácil a um homem iludir-se sobre o seu merecimento do que uma mulher. Além
da fraqueza e do recato do sexo, o espelho, a consciência, o fato evidente do celibato as
desilude facilmente. Os outros, por motivos opostos, chegam à paranóia."(Peixoto, A.-
Medicina Legal, 3a. ed., volume II - Psicopatologia forense, Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1938, p. 282, nota 1).
Segundo Moreira e Peixoto, o estado originário de “autofilia egocêntrica” tenderia a
continuar inalterado e, mesmo, a expandir-se, não fosse a ação civilizatória da cultura e da
educação. Tal influência é imposta ao pequeno humano pela ação do outro-semelhante, na
medida em que este é o agente de sua introdução no pacto civilizatório: “Esse contrato
tácito, que todos temos, não se herda, faz-se pelos primeiros anos com a convivência, a
lição, a experiência; vem sem violência, porque vem desde o começo, invisivelmente e
inconscientemente, pelo próprio fato de viver no meio civil” (p. 139). O advérbio aqui
empregado pelos autores – “inconscientemente” – não deixa de evocar a perspectiva
lacaniana segundo a qual, nesse processo de constituição da subjetividade a partir da
inscrição da criança em no mundo simbolicamente organizado, proposto já em cada contato
efetivo com os parceiros humanos, estes igualmente assujeitados ao pacto simbólico que
instituiu a ordem humana, o “Inconsciente é o discurso do Outro”.
Os autores sustentam, portanto, que a consideração pelo outro não é algo de
primitivo: “O altruísmo não é uma aquisição definida e já somática: é apenas uma espécie
de contrato a que nos submetemos tacitamente ao partilhar a vida social que nos impõem: e
não são raras as infrações do pacto” (p. 139).
Delineia-se, assim, a proposta de Moreira e Peixoto para a determinação
psicopatológica da paranóia: “No paranóico houve apenas a persistência desse originário
modo de ser, por deficiência de educação, de treinamento, de cultura...; o subjetivismo
primitivo cresceu com o indivíduo, vive com ele e é por meio dele que ele julga o mundo
exterior.” (p. 139)
Temos, pois, até aqui, uma teoria que parte da hipótese da existência de um estado
de “autofilia primitiva”, comum a todos os humanos, de natureza fundamentalmente
paranóica, dada o extremo subjetivismo e susceptibilidade que comporta, o qual, em
24

situações normais, termina por ser circunscrito e superado pela ação civilizatória do contato
com os outros humanos, portadores de um pacto simbólico que obriga a tomada em
consideração da alteridade e do mundo.
Os “destinos” dessa autofilia primitiva podem ser os mais diversos. Em condições
ordinárias, espera-se que a ação do meio sócio-cultural, sobretudo através dos pais,
imponha um limite aos exageros relacionados a esse amor-próprio originariamente
desmedido. Nos casos patológicos, contudo, identifica-se freqüentemente a história de pais
que insuflaram e estimularam as idéias infantis de grandeza e de exceção do filho.
Encontravam satisfação nas excelências que atribuíam ao futuro paranóico, contribuindo,
assim, sem se darem conta, à construção de uma forte predisposição à susceptibilidade e
aos sentimentos de injustiça e de perseguição.
O artigo de Moreira e Peixoto traz, em sua parte final, a descrição clínica detalhada
de um caso típico de “paranóia legítima”, apresentado em contraste com outros doze
fragmentos clínicos de quadros paranóides ou assemelhados. Na história desse paciente
observa-se com nitidez a grande participação da família no encorajamento da
sobrevalorização de si mesmo do paciente durante sua infância: o pai de G.P.O. falece
quando este tinha por volta de quatro anos de idade. O menino passa a ser cuidado pela avó
e pela mãe “que o cumulam de vontades (...) cuidavam-no com um desvelo excessivo: avó,
tias, mãe, irmãs serviam-no com solicitude e progressivamente com submissão: a sua
vaidade e o seu egoísmo prodigiosamente cresceram neste ambiente” (p. 150) ... “Ainda
depois de casado, como sempre, as tias lhe forneciam dinheiro” (p. 151).
A descompensação paranóica, por sua vez, ocorreria em tais sujeitos
constitucionalmente predispostos, ou seja, naqueles em que se associaria uma disposição
herdada com uma autofilia egocêntrica jamais desmentida ou moderada pela ação da
cultura ou, mais especificamente, dos pais. O desencadeamento da paranóia franca
decorreria em função dos “atritos inevitáveis com o meio social” (p.140) de pessoas assim
susceptíveis. No caso de G.P.O., acima mencionado, a entrada na doença ocorre após sérios
incidentes em sua existência: a morte de dois filhos por sua negligência em levá-los à
vacinação contra a varíola; a mulher o abandona, fugindo com um oficial da marinha;
fracassos no campo profissional. A partir daí, passa a apresentar episódios delirantes de
perseguição, com medo de ser assassinado.
25

Os dois psiquiatras chamam atenção para o fato de que “o profundo desacordo entre
o meio e o paranóico” termina por desencadear no indivíduo reações de perseguição ativa.
Diante da recusa do ambiente social e da própria realidade em reconhecerem a
grandiosidade e a excelência que o sujeito predisposto secretamente se atribui, começam a
surgir sentimentos extremamente penosos de injustiça, perseguição e de revolta. A extrema
susceptibilidade desses indivíduos a interpretarem como ofensas e desconsideração toda a
falta de reconhecimento por parte do meio de seus valores excepcionais, os conduziria a
uma experiência subjetiva de injustiça, perseguição e humilhação. Moreira e Peixoto
desenvolvem, portanto, bem antes das formulações de Kretschmer, sobre os delírios
sensitivos de relação, e de Génil-Périn, sobre o temperamento ou caráter paranóico, a idéia
de uma predisposição de personalidade ao desenvolvimento da paranóia.
Eles observam que são os próprios paranóicos que, inicialmente, tendem através de
suas “sensibilidades extraordinárias”, a reagir de forma irritada, violenta ou mesmo
positivamente perseguidora, em relação a seus supostos inimigos e detratores. Os
perseguidos foram, a princípio, perseguidores, tal como a situação psicopatológica descrita
por Lasègue: o perseguido-perseguidor. Dessa forma, a “paranóia legítima” constitui a
expressão da descompensação de uma alteração de caráter já presente: autofilia exagerada,
egocentrismo hipertrofiado, amor-próprio insaciável.
“Existe, pois, afirmam os autores, um período prodrômico ou de elaboração da
paranóia propriamente dita: (...)

1º Primitiva e originária autofilia – sentimento inato e fundamental da personalidade


– não corrigida e adaptada ao meio, antes incrementada pela educação defeituosa:
egocentria resultante.
2º Inadaptabilidade correspondente entre o indivíduo e o meio: interpretação como
hostilidade pessoal.
3º Reação contra o meio. Início das perturbações aparentes. Perseguição ativa ou
passiva, ou ativa-passiva, mais comumente.” (p. 142)

Concluem, pois, Moreira e Peixoto afirmando que a autofilia é o fundamento da


paranóia legítima: “e é da inadaptabilidade desse meio externo, em que vive, ao seu Eu
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desproporcionado, que os primeiros conflitos surgem e o desequilíbrio se opera, mais ou


menos rapidamente.” A gênese da idéia paranóica seria a mesma da idéia paranóide: “ a
personalidade refere a si mesma suas sensações internas ou externas e imediatamente as
remoe, sem o corretivo da consciência, num critério pejorativo ou expansivo” (p. 148).
A paranóia constituiria, assim, apenas o destino mórbido extremo de uma egofilia
primitiva insuflada pelos pais, jamais desmentida pelo ambiente, levando o sujeito a uma
imoderada e irrealista sobre-estimação de si mesmo. A eclosão do transtorno decorreria da
insuportável confrontação a uma condição existencial ou inter-subjetiva que coloca
radicalmente em xeque tal convicção. Desmoralizado e ferido em seu amor-próprio
exacerbado, o indivíduo passa a sentir-se injustiçado, perseguido e atacado. Multiplicam-se
as situações em que elementos da realidade passam a ser interpretados de forma delirante
em um sentido persecutório. A progressiva estabilização e sedimentação desse estado de
tentativa de sobrevivência de uma auto-imagem amada, mas gravemente ameaçada,
conduziria à manifestação franca da paranóia no plano clínico. Dessa forma, segundo a
proposição de Moreira e Peixoto, no coração de tal condição psicopatológica extrema
residiria o esforço de preservação da autofilia primitiva exagerada, ainda que ao custo de
um encerramento em um universo delirante fechado, impenetrável e irredutível pela ação
do outro.

Conclusões preliminares quanto às eventuais incidências da teoria da paranóia de


Moreira e Peixoto sobre a concepção psicanalítica das psicoses

O estudo aqui realizado examina pela primeira vez de forma sistemática a evocação
de Lacan, em sua tese de doutorado, do trabalho de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto
sobre a paranóia. Nosso objetivo principal foi o de contextualizar histórica e teoricamente
essa referência lacaniana à contribuição dos dois psiquiatras brasileiros ao problema
psicopatológico da psicose paranóica. Uma discussão mais rigorosa das eventuais
incidências da teoria de Moreira e Peixoto sobre a concepção psicanalítica das psicoses
exigiria novos estudos específicos dedicados a esse fim, além de comportar importantes
limitações que restringem o âmbito desse projeto.
27

Em primeiro lugar, é preciso levar-se em conta o fato óbvio que os autores, apesar
de bem informados sobre a descoberta e as teorias freudianas, não eram eles próprios
psicanalistas, nem pretenderam com seus estudos elaborar uma abordagem psicanalítica da
paranóia. Sob esse prisma, pode-se, no máximo, buscar maiores esclarecimentos sobre os
possíveis efeitos de sua aproximação da psicanálise sobre a elaboração de sua própria teoria
da paranóia. Pode-se, também, especular – de maneira mais ou menos sustentada pelos
documentos disponíveis - sobre aquilo que o ponto de vista proposto pelos brasileiros
anteciparia, em certo sentido, os desdobramentos da teorização de Freud sobre a psicose em
suas relações com o narcisismo.
Em sua dissertação de mestrado sobre a história da psicanálise na Bahia, Maria
Odete Menezes destaca o fato de que Juliano Moreira havia tentado, na passagem do século
uma aproximação efetiva entre a psicanálise e a psiquiatria (MENEZES, 2002, p. 25), bem
como apoiou sua divulgação no meio médico-acadêmico. Como vimos, em seu estudo
sobre a paranóia, Juliano Moreira e Afrânio Peixoto opuseram-se frontalmente ao
mecanicismo desmedido das teorias atávicas de Tanzi e Riva. Para eles, “a gênese da
paranóia estaria em um defeito da educação que não corrigiu a autofilia e o egocentrismo
na criança” (p. 58). Contudo, o que para os dois autores seria o resultado da persistência
mórbida na vida adulta de uma fixação narcisista infantil, no pensamento de Freud
corresponderia a uma regressão associada a um mecanismo mental específico (Verwerfung:
a rejeição, segundo a tradução proposta por Laplanche e Pontalis, ou forclusão, na
terminologia de Lacan).
No que concerne mais especificamente à teoria do narcisismo, ODA &
DALGALARRONDO (2001) propõem, como vimos, que a noção de “autofilia originária”,
enquanto etapa primitiva de hipervalorização do Eu, precederia o conceito freudiano de
narcisismo. Com efeito, sob a óptica de um investimento afetivo grandioso da própria
imagem, modelado a partir dos ideais parentais e, inicialmente, não limitado pela realidade,
“a autofilia” descrita por Moreira e Peixoto recobre sobre vários aspectos as proposições
freudianas referentes ao narcisismo primário e à constituição do Eu Ideal. Deve ser
destacado que, tal como acontece na releitura lacaniana do papel do narcisismo na
constituição do Eu e na estruturação da psicose, a teoria de Moreira e Peixoto sublinha o
caráter fundamentalmente paranóico que articula os ideais parentais, a organização do Eu
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do sujeito e o desencadeamento da psicose. Assim, a participação concreta da instância do


Outro, bem como as idiossincrasias narcísicas aportadas pelos semelhantes que a sustentam
junto à criança, encontram-se articuladas na teoria da paranóia proposta pelos dois
psiquiatras brasileiros. O papel que estes atribuem ao desejo e às fantasias dos pais em
relação ao bebê é central em sua proposição, uma vez que é sua identificação maciça aos
seus próprios ideais narcísicos reativados no filho, que lhes impede de estabelecer um corte
subjetivante que restrinja seus excessos de auto-estima e que imponha a tomada em
consideração dos outros, da lei simbólica e da realidade culturalmente organizada.
Correlativamente, é a falta de freios e limites em relação a essa sobrevalorização
exagerada de si mesmo que consolida no sujeito uma posição paranóica de grandeza
delirante, de susceptibilidade exagerada e de querelas de cunho persecutório.
Juliano Moreira e Afrânio Peixoto realizam, assim, um trabalho original, de grande
amplitude teórica e, sob vários aspectos, em grande avanço em relação aos debates de seu
tempo. Esses autores propõem uma leitura psicopatológica da *paranóia que, sem negar a
eventual participação de elementos de natureza biológica em sua gênese, recusa qualquer
proposição de caráter reducionista. Situam-na no âmbito das vicissitudes da vida amorosa
infantil, durante a qual os investimentos afetivos dos pais sobre o sujeito em vias de
constituição ocupam um papel central.
Sugerem, por outro lado, que – apesar da conivência inconsciente dos pais - a
própria instalação desse processo psicótico depende de uma tomada de posição subjetiva,
pela qual o indivíduo ativamente rejeita a interlocução simbólica com o Outro com o
objetivo de sustentar uma imagem grandiosa de si próprio. A ameaça de ruína de tal ilusão
narcisista é imediatamente vivida como ataque e perseguição, levando a uma interpretação
viciosa da realidade imediata, no sentido de uma sensibilidade exagerada e de uma
disposição querelante – e por vezes violenta – de defesa contra a injúria de que o paranóico
se sente vítima.
Sob a abordagem proposta por Moreira e Peixoto, as vivências de “ruína” e de
“desabamento do mundo” são menos centrais, cedendo esse lugar à terrível ameaça de
desorganização dos fundamentos narcisistas do eu. Aquelas talvez possam ser consideradas,
a partir desse ponto de vista, como mais relevantes na experiência propriamente
esquizofrênica, o que sugeriria diferentes processos de paranoização na paranóia e na
29

esquizofrenia (dementia paranoide, segundo a nomenclatura kraepeliniana no tempo


daqueles autores).
O papel decisivo das interpretações delirantes, posteriormente destacado por
Sérieux e Capgras, encontra-se esclarecido pela proposta dos psiquiatras brasileiros, bem
como esta permite situar aquilo que recentemente Antônio Quinet indicou como
constituindo a especificidade da paranóia: “o mecanismo de Verhaltung (retenção) de um
significante-mestre ao qual o sujeito fortemente adere” (QUINET, 2006, p. 61), segundo
sua leitura inovadora da teoria de Kretschmer sobre o delírio sensitivo de relação, discutida
na tese de Lacan.
Contentamo-nos aqui de apenas indicar algumas linhas de investigação, a nossos
olhos fecundas, para a elucidação das eventuais repercussões das proposições
psicopatológicas de Juliano Moreira e de Afrânio Peixoto, a respeito da paranóia, sobre a
teoria psicanalítica das psicoses. A originalidade e a acuidade da teoria por eles proposta
justificam, e mesmo impõem, que – quase um século depois - esta seja mais profundamente
estudada e debatida.

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