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Ciências do Esporte / Educação Física,

Soberania Popular no Brasil e na América Latina: Redirecionando


as forças democráticas
nas águas do Dragão do Mar
17 a 22 de setembro de 2023 / Fortaleza – Ceará

A MERCADORIZAÇÃO DO BELO E DO CORPO NA SOCIEDADE DO


CAPITAL1

THE COMMERCIALIZATION OF BEAUTY AND THE BODY IN


CAPITAL SOCIETY

LA COMERCIALIZACIÓN DE LA BELLEZA Y EL CUERPO EN LA


SOCIEDAD DEL CAPITAL

Augusto César Vilela Gama,


Universidade de Brasília (UnB)
Eldernan dos Santos Dias,
Universidade de Brasília (UnB)
Tadeu João Ribeiro Baptista,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Edson Marcelo Húngaro,
Universidade de Brasília (UnB)

INTRODUÇÃO
No estudo de Gama (2019), por meio de pesquisa com estudantes de bacharelado em
Educação Física, confirmou-se uma percepção biologista, instrumentalizada e acrítica sobre o
corpo e a estética, como resultado de uma formação em educação física proposta pela ordem
vigente que vem tão somente para atender aos anseios capitalistas. Sem que haja um
entendimento ontológico do ser social e da estética como filosofia do belo, de maneira
genérica, a educação imposta pelo capital vem tratando o corpo e a estética como mercadorias
de consumo, a partir da naturalização e propagação de padrões “ideais” de corpo,

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O presente trabalho contou com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) para sua realização.

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principalmente pela cultura mercantil e o seu capital comunicacional2, no qual esses modelos
de corpo são tidos como “belos” e acabam levando a estética a ser desconsiderada pela sua
essência, para encontrar-se tratada na mera aparência como “estética corporal”.
Como no modo de produção vigente tudo se transforma em mercadoria para fins de
consumo, a estética perde seu caráter filosófico e se torna, pelo capital, uma ferramenta de
dominação sociocultural. Da arte bela para o corpo belo, a estética sofre uma polissemia,
passando a ser entendida pela sociedade em geral como estética corporal, em que a beleza do
corpo estabelecida pelo fetiche da mercadoria se torna um produto a ser consumido (GAMA,
2019).
Dessa forma, a estética corporal está diretamente ligada ao tratamento dado pela ordem
burguesa ao corpo, que pelo processo de reificação o transforma também em mercadoria,
tendo em vista este corpo apresentar um valor social médio de produção. Assim, um corpo
mercadoria é capaz de produzir outras mercadorias, mantendo o processo de produção e
reprodução do capital agudamente funcional aos seus interesses. A estética corporal vem para
contribuir com todo esse processo de manutenção do status quo em que pela busca por
padrões de corpo tidos como “belos”, os sujeitos são levados ao consumo de determinadas
mercadorias, tais como exercícios físicos, suplementos alimentares, tratamentos químicos,
cirurgias plásticas, esteroides anabolizantes, entre outros (BAPTISTA, 2013; GAMA, 2019).
Apesar desta aparência que põe o corpo apenas na esfera do consumo, a essência do
processo está no fato de que o valor de toda a mercadoria é definida pelo quantum de trabalho
humano vivo (MARX, 2017). É da força de trabalho, mercadoria única do trabalhador,
impressa em sua própria carne, que está o foco de aquisição de lucros pela burguesia, ou seja,
a grande preocupação está na condição de produzir apresentada pelo corpo.
Neste interim, a estética corporal também tem como propósito a preparação do corpo
para atender às demandas de produção, de forma que ele permaneça reificado e fisicamente
apto a suportar o que lhe é imposto a produzir (BAPTISTA; GAMA, 2022).

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Em conformidade com Viana et al. (2007, p. 14), este estudo irá se referenciar ao conceito de “capital
comunicacional”, pois segundo os autores, “[...] o conceito de capital comunicacional é preciso e nem
um pouco eufemístico: expressa a dominação capitalista no processo de comunicação via meios
tecnológicos”.

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A estética corporal começa a ser altamente propagada por uma ideologia de dominação
a partir da massificação da indústria cinematográfica no início do século passado, lançando
padrões de referência através dos personagens – atores e atrizes – de filmes hollywoodianos,
influenciando ideologicamente os sujeitos a consumirem a mesma roupa, o mesmo corte de
cabelo, a mesma forma corporal, entre outros, afetando seu imaginário de que seriam capazes
de abandonar sua realidade e, de agora em diante, poderiam viver na prática como seus ídolos
do cinema (AGRICOLA; BAPTISTA, 2016; GAMA, 2019).
Mesmo um século depois, tais padrões estéticos ainda estão fortemente presentes e
muito mais consumíveis. A reprodução sociometabólica do capital fez ampliar suas relações
de manipulação em paralelo com o mercado e seus nexos de produção (MÉSZÁROS, 2011).
Para se fazer aumentar o consumo dos padrões estéticos, a cultura mercantil constantemente
oferta novos modelos, desse modo, o consumo fica inesgotável, como bem deseja o
capitalismo.
Destarte, este estudo é um breve ensaio embasado na teoria marxiana a partir de quatro
grandes filósofos da modernidade, sendo eles: Karl Marx (1818-1883); Friedrich Engels
(1820-1895); György Lukács (1885-1971); e István Mészáros (1930-2017). Alicerçado
predominantemente por suas obras, propõe-se a apreender dialeticamente como a
mercadorização do belo e do corpo se apresentam para o ser social.

DIALÉTICA SUJEITO/OBJETO
É inegável que vivemos em uma sociedade que sofre com a imposição da ideologia
dominante e, como dizem Marx e Engels, as “[...] ideias da classe dominante são, em cada
época, as ideias dominantes” (MARX; ENGELS, 2007, p. 47). Desse modo, a ideologia da
classe dominante está sendo enormemente difundida por uma hegemonia cultural, nos
deixando numa “sinuca de bico”3, isto é, o modo de produção e reprodução sociometabólico
do capital tem levado a humanidade para o caminho da sua própria auto-aniquilação
(MÉSZÁROS, 2014).

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Expressão popular brasileira que significa uma situação definida como complexa e de difícil solução.

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Assimilar e apresentar as contradições determinadas por essa ideologia dominante, é


permitir apreender os fenômenos reais que envolvem a relação sujeito/objeto no que concerne
à estética corporal dentro do contexto social atual. Nesta lógica, se faz importante destacar o
trabalho como categoria central nas mediações de problematização da capacidade de
transformação da natureza pelo ser humano e a dele através dessa natureza transformada, o
que o torna um ser histórico, mas que atualmente se encontra na condição de não se
reconhecer pelo seu trabalho, pois na sociedade capitalista o trabalho é alienado (LUKÁCS,
2013; MARX, 2004; MÉSZÁROS, 2016).
Com o capital no controle dos processos de produção e reprodução, tanto no âmbito
econômico quanto político-social, sua estrutura foi erigida sob ideias autoritárias, e estas, só se
perpetuaram através de ideologias que mantêm o ser social alienado e produtivo para o
sistema. Essa inconcebível autoalienação do humano é a demonstração clara da destruição de
si-mesmo, bem como, a evidência de que está adormecido, encontrando-se com sua “[...]
atividade [o trabalho] voltada contra ele mesmo” (MARX, 2004, p. 83).
Ao pensarmos o trabalho posto pelo capital, assim como Marx o fez, perceberemos que
a alienação está diretamente relacionada com a determinação do mais-valor. Pois, é a partir do
mais-valor que se tem a acumulação do capital, que proporcionalmente cresce na medida que
se aumenta a divisão do trabalho, para justamente suceder a multiplicação do mais-valor.
Assim, temos que a divisão do trabalho gera mais-valor e esse processo resulta na acumulação
de capital. Isto somente pode ser possível se subsistir trabalho alienado (LUKÁCS, 2013;
MARX, 2017; MÉSZÁROS, 2011).
Com a divisão do trabalho se beneficiando da alienação do ser social, obviamente sua
superação é possível por meio da consciência de classe. Para suplantarmos a conversão do
trabalhador em mercadoria e da reprodução do trabalhador em mais trabalhadores, em
atendimento às demandas da propriedade privada, todo e qualquer tipo de combate aos
processos de reificação são fundamentais na luta de classes (MÉSZÁROS, 2016).
Dentre esses processos de reificação, tem-se a propagação da estética corporal, na qual
o capital promove uma padronização do corpo, definindo modelos estéticos adequados para a
sociedade, de modo ideológico conduzindo os sujeitos a se identificarem com determinados
padrões corporais (BAPTISTA, 2013).

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Dessa maneira, possuir um corpo classificado socialmente como “belo”, que atenda aos
padrões estéticos estabelecidos pela ordem vigente, favorece nas consciências reificadas pelos
processos sociometabólicos do capital uma sensação imaginária de aceitação social, contudo,
cabe lembrar que as relações sociais estão mercadorizadas, e tal aceitação nada mais é que o
reflexo da possibilidade do consumo fetichizado (GAMA, 2019; MÉSZÁROS, 2011).
Por isso, conhecer a essência da estética, isto é, a filosofia do belo, se faz de extrema
importância diante do cenário mercantilizado no qual nos encontramos, onde o julgo pelo
prazer tem perdido espaço para o fetiche da mercadoria e o deleite tem surgido através de um
consumismo exacerbado em consequência da imediaticidade que os processos de produção
capitalista estão provocando ao ser social (GAMA, 2019).
No entanto, é necessário refletir que, com o desenvolvimento do capital o julgo estético
fica comprometido em decorrência da mercadorização das relações sociais, fato este, que nos
remete à necessidade de entendermos, pela teoria marxiana, a realidade em sua totalidade,
dado que, pelo seu método, o materialismo histórico-dialético, é possível superar a
imediaticidade posta, se amparando no pensamento do filósofo húngaro Lukács (2013),
quando ele aponta para a importância da síntese das múltiplas determinações do real e
possíveis de serem apreendidas e entendidas.
Com a mercadorização pelo capital das relações sociais, passam-se a produzir, segundo
Lukács, uma pseudoarte, uma arte desprovida de valor estético. Este conjunto de
manifestações “pseudoestéticas” se movem nos “ limites ‘inferiores’ da estética” e interferem
de modo direto na vida em sociedade (LUKÁCS, 1967, p. 209). A esse tipo de produção sem
valor estético, Lukács denomina de ‘ciclo problemático do agradável’ (FREDERICO, 2000).
Em função disso, se torna muito importante o conhecimento da filosofia do belo para
contrapor essa pseudoestética imposta pelo capital. É preciso através de uma apreensão
ontológica, conduzir-se a uma análise sobre o poder da ideologia dominante que, ao se
apropriar da cultura e se encontrar apoiada por pensamentos tidos como “pós-modernos”,
descarta totalmente a visão ontológica de mundo e coaduna a favor da ordem vigente. Por
consequência, possamos entender que todo esse processo de empobrecimento estético se
resume na manutenção do status quo por meio da crescente produção de mercadorias e
reprodução dessa base ideológica (MÉSZÁROS, 2014).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para contrapor essa triste realidade de reificação do ser social, uma alternativa
importante, é a de uma educação crítica e emancipatória. Por meio da educação podemos
ajudar a romper radicalmente com as desigualdades de classes e com as crises as quais essas
diferenças provocam. Para tanto, a educação tem que ser “para além do capital”,
diferentemente do que está posta hoje, como educação mercadoria e preocupada na
manutenção do sistema posto (MÉSZÁROS, 2008).
Se a realidade vem sendo tomada pelo pensamento ideológico a favor do modo de
produção capitalista, faz-se imprescindível conhecer a verdadeira realidade a qual o ser social
está subsumido no sistema capitalista, uma vez que, é a partir destes conhecimentos sobre a
realidade que poderemos romper radicalmente com o capital, para enfim, darmos início a um
“projeto socialista original” (MÉSZÁROS, 2011, p. 777).
Caso contrário, a evolução social pelo capital está caminhando para uma incontrolável
destruição da natureza, de modo (in)consequente, liquidando com o relacionamento dos
corpos orgânicos e inorgânicos, e que virá a provocar o niilismo global da humanidade
(MÉSZÁROS, 2011).

REFERÊNCIAS
AGRICOLA, Nestor Persio Alvim; BAPTISTA, Tadeu João Ribeiro. A estética como tema da
educação física escolar. In: ASSIS, Renata Machado; GONÇALVES, Vivianne Oliveira
(Orgs.). Educação física e educação: práticas, saberes e discursos. Curitiba: CRV, 2016. p.
95–116.

BAPTISTA, Tadeu João Ribeiro. A educação do corpo na sociedade do capital. Curitiba:


Appris, 2013.

BAPTISTA, Tadeu João Ribeiro; GAMA, Augusto Cesar Vilela. Compreensões sobre corpo e
estética: a visão de professores/profissionais de academia de ginástica em um curso de
especialização. In: SILVA, Alan Camargo (Org.). Corpo e práticas corporais em academias
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FREDERICO, Celso. Cotidiano e arte em Lukács. Estudos Avançados, v. 14, n. 40, p. 299–
308, 2000.

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GAMA, Augusto Cesar Vilela. Implicações sociais da formação profissional do


bacharelado em educação física sobre a compreensão de corpo, estética e educação.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Goiânia: Universidade
Federal de Goiás, 2019. Disponível em: <http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/9998>.
Acesso em: 18 abr. 2023.

LUKÁCS, György. Estética: la peculiaridad de lo estético (4. Cuestiones liminares de lo


estético). Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1967.

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MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

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