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CURSO

GOVERNANÇA CORPORATIVA E
RESPONSABILIDADE SOCIAL
RJ

B813g Braga, Gilberto

Governança Corporativa e Responsabilidade Social / Gilberto


Braga – Rio de Janeiro: Grupo Ibmec Educacional, 2012.

77p.; 20x26 cm

Inclui bibliografia

1. Conceitos e evolução histórica de Governança Corporativa


2. Governança Corporativa no Brasil 3. Mercado de Capitais
4. Índice de ações com Governança Corporativa diferenciada
5. Comissão de Valores Mobiliários 6. Lei Sarbanes-Oxley 7.
Funcionamento dos órgãos sociais I. Braga, Gilberto II. Ibmec
Online III. Título.

CDD: 658.04

Grupo Ibmec Educacional


1ª Edição - 2012
RJ

Sumário
ABERTURA DO CURSO ........................................................................ 05

Carta ao aluno.......................................................................................... 05

Currículo resumido do professor-autor.......................................................... 06

Introdução................................................................................................. 07

Objetivos................................................................................................... 07

Diretrizes Pedagógicas............................................................................. 07

MÓDULO 1: Governança Corporativa: Conceitos e Evolução Histórica

Unidade 1 – Conceito e Definições de Governança Corporativa............. 12

Unidade 2 – Evolução Conceitual............................................................ 17

Unidade 3 – A Governança Corporativa no Brasil.................................... 29

Resumo.................................................................................................... 32

MÓDULO 2: O Mercado de Capitais e as Boas Práticas de Governança


Corporativa no Brasil

Unidade 1 – O Conceito de Mercado de Capitais.................................... 38

Unidade 2 – A Importância do Mercado de Capitais para o Desenvolvi-


mento da Economia e do País............................................ 39

Unidade 3 – Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada


(IGC)..................................................................................... 42

Unidade 4 – CVM – Comissão de Valores Mobiliários............................. 47

Resumo.................................................................................................... 49

MÓDULO 3: A Lei Sarbanes-Oxley

Unidade 1 – Criação e Objetivo da Lei Sarbanes-Oxley.......................... 54

Unidade 2 – A Aplicação da Lei e as Mudanças Introduzidas................. 56

Unidade 3 – Comitê de Auditoria.............................................................. 59

Resumo.................................................................................................... 61

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MÓDULO 4: Funcionamento dos Órgãos Sociais

Unidade 1 – Assembleia Geral................................................................. 67

Unidade 2 – Administração da Companhia – Conselho de Administração


e Diretoria Estatutária............................................................................... 69

Unidade 3 – Conselho Fiscal.................................................................... 73

Resumo.................................................................................................... 76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS�������������������������������������������������������� 77

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Abertura do Curso

Carta ao Aluno
Caro(a) aluno(a),

Você inicia agora uma jornada por um dos mais importantes temas da vida empresarial
contemporânea: a Governança Corporativa. Trata-se de um conjunto de práticas de gestão e
conceitos empresariais que se constituem em uma nova cultura corporativa, que cresce mais a
cada dia. O aprendizado da Governança Corporativa é uma imposição de um cenário globalizado,
sendo a sua prática já adotada em grandes corporações e por empresas que, mesmo não estando
diretamente obrigadas a respeitá-la, mantêm relacionamento comercial com empresas que adotam
a Governança.

O seu bom aproveitamento na disciplina requer que você seja um agente ativo nas discussões,
participando das atividades e trazendo a sua experiência e os temas da sua realidade para o
debate coletivo.

Bons estudos!

Gilberto Braga
(Professor-autor)

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Currículo resumido do professor-autor
Gilberto Braga é Mestre em Administração pelo Ibmec, com concentração em Finanças e Mercado
de Capitais; é pós-graduado em Finanças pela PUC/RJ, através do IAG – Instituto de Administração
e Gerência –, e é Economista pela UCAM. Atua como contador pela UGF, sendo professor titular
de Controladoria Carreira executiva na área de controladoria em grandes empresas. Também é
perito judicial e comentarista de finanças de diversos veículos de comunicação.

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Introdução
A Governança Corporativa é um conjunto de mecanismos que visam minimizar os custos
decorrentes do problema de agência. A Governança Corporativa, mais do que introduzir novas
práticas empresarias, evoluiu para se tornar uma nova cultura organizacional. As boas práticas de
governança se afirmam por dar maior confiança ao mercado de capitais.

Os benefícios alcançados com a melhoria de gestão estimulados pelas boas práticas de


Governança Corporativa são inegáveis e irreversíveis. A Governança Corporativa vem crescendo
e conquistando cada vez mais o interesse de gestores, investidores, autoridades públicas,
estudantes e a sociedade em geral.

Neste curso, apresentamos os conceitos gerais de Governança Corporativa, sua importância


para o mercado de capitais e as boas práticas de Governança Corporativa no Brasil. Também
abordaremos a Lei Sarbanes-Oxley e explicaremos o funcionamento dos órgãos sociais:
assembleia geral, conselho de administração, diretoria estatutária e conselho fiscal.

Objetivos
Ao concluir este curso, você será capaz de:

• Conhecer o conceito, as definições e a evolução da Governança Corporativa.


• Entender o funcionamento do Mercado de Capitais e sua importância econômica.
• Diferenciar os segmentos especiais de listagem de Governança Corporativa da BM&F-Bovespa:
nível 1, nível 2 e novo mercado.
• Saber o que é a legislação norte-americana (Lei Sarbanes-Oxley).
• Conhecer o funcionamento dos órgãos sociais de uma empresa: assembleia geral, conselho de
administração, diretoria estatutária, conselho fiscal e comitê de auditoria.

Diretrizes pedagógicas
Tenha sempre em mente que você é o principal agente de sua aprendizagem!

Para um estudo eficaz, siga estas dicas:

• Organize o seu tempo e escolha os melhores dias e horários para você estudar.
• Consulte a bibliografia, o glossário e o material de apoio.
• Releia o conteúdo sempre que achar necessário.
• Leia as indicações de textos complementares, faça os exercícios de feedback automático e
participe dos fóruns com o seu professor e colegas de turma.
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MÓDULO 1
Governança Corporativa: Conceitos e
Evolução Histórica

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Introdução ao Módulo
A Governança Corporativa é um conjunto de práticas empresariais que se afirmou ao longo da
evolução histórica e da afirmação do modo de produção capitalista, desde os primórdios da Segunda
Guerra Mundial até os dias de hoje.

Favorecer o entendimento sobre essa realidade, estabelecendo as suas definições conceituais, é o


objetivo deste módulo. Também será mostrado como a Governança Corporativa chegou ao Brasil e
começou a ser praticada, destacando-se os principais fatos que contribuíram para isso.

Objetivos
O estudo deste módulo lhe permitirá:

• Conhecer o conceito de Governança Corporativa.


• Conhecer as principais definições de Governança Corporativa.
• Entender a evolução histórica e conceitual do tema.
• Compreender como a Governança Corporativa começou a ser praticada no Brasil.

Estrutura do Módulo
Unidade 1 - Conceito e Definições de Governança Corporativa

Unidade 2 - Evolução Conceitual

Unidade 3 - A Governança Corporativa no Brasil

11
Unidade 1 - Conceito e Definições de Governança Corporativa
Entende-se como governança corporativa o conjunto de mecanismos de incentivo e controle,
internos e externos, que visam minimizar os custos decorrentes do problema de agência e/ou
conflito de interesses. Discute-se muito, ultimamente, se e como as práticas de governança afetam
o desempenho da empresa e de que forma elas podem contribuir para a geração contínua de valor
e lucro, para a sua perenidade e para a sustentabilidade do planeta.

A governança corporativa, mais do que estabelecer padrões empresarias de gestão – visão


inicialmente associada ao termo –, evoluiu para o desenvolvimento de uma nova cultura
organizacional. Em seus primórdios, a sua aplicação esteve mais concentrada nas empresas
privadas e, mais recentemente, já é praticada em instituições estatais, organizações não
governamentais, clubes, condomínios e nas mais diversas formas de associações práticas
da sociedade.

As boas práticas de governança se afirmaram por conferirem mais credibilidade ao mercado


acionário, já que as empresas que as adotam comprometem-se com o aumento da transparência,
com a prestação de contas aos seus diversos stakeholders, com a divulgação de um maior
volume de informações e com a melhoria da qualidade de gestão. Como consequência, espera-se
observar um aumento da confiança dos investidores, fazendo com que fiquem mais propensos a
adquirirem ações de empresas que adotam estas práticas, tornando-os menos sensíveis a preço,
o que reduziria o custo de captação das empresas.

A partir dos benefícios percebidos com a melhoria de gestão, estimulados pelos conceitos de
governança, seu uso vem crescendo e conquistando cada vez mais o interesse de gestores,
investidores, autoridades públicas, estudantes e – na medida em que todos se beneficiam – a
sociedade em geral.

Definições de governança corporativa


O conceito de governança corporativa é bastante amplo,
mas pode ser entendido como uma forma de gerenciamento,
agregando valor aos acionistas e aumentando o retorno dos
seus investimentos. Este sistema permite que os acionistas e
os gestores internos controlem e monitorem os seus negócios.

Segundo o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança


Corporativa), entidade civil brasileira dedicada a estudar e
difundir o tema:

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(...) governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e
monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre Acionistas/Cotistas, Conselho de
Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal. As boas práticas
de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar
seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade. Nas práticas de governança
corporativa o conselho de administração atende não somente as solicitações dos
acionistas, mas de todos os stakeholders.

Pela definição da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), autarquia federal subordinada ao


Ministério da Fazenda que funciona como agente regulador do mercado de capitais:

Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade aperfeiçoar


o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais
como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A
análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais
envolve, principalmente: transparência, equidade de tratamento dos acionistas e
prestação de contas.

A governança corporativa se constitui no conjunto de princípios, regras, valores, hábitos e


procedimentos que regem os sistemas de poder, de interesses, de administração, de controle
e de supervisão de uma organização, sobretudo a de capital aberto (BORGES, 2008. p.8).

A Governança Corporativa, destarte, contempla o conjunto de leis e regulamentos que objetivam:

• assegurar os direitos dos acionistas, controladores ou minoritários;


• estimular a interação entre os acionistas, os conselhos de administração e a direção executiva
das empresas;
• disponibilizar informações que permitam aos acionistas acompanhar decisões empresariais
relevantes, a fim de verificarem a influência e o impacto dessas decisões nos seus direitos;
• possibilitar aos stakeholders da companhia meios e instrumentos que protejam os seus direitos.
(MONKS, 2004)

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Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e
monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho
de administração, diretoria, auditoria independente e o conselho fiscal. As boas
práticas de governança têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar
seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade. (IBGC, 2003)

Responsabilidade social e ambiental


Nos últimos anos, a governança corporativa entrou na moda, sendo
um assunto que afeta as práticas empresariais e motiva muitos
estudos acadêmicos. Os conceitos usados para o tema não podem
ser considerados como definitivos, mas estão em permanente
aperfeiçoamento evolutivo. As definições que inicialmente estavam
restritas ao universo empresarial extrapolaram este campo e avançaram
pelo lado social e ambiental. O compromisso com a responsabilidade
corporativa empresarial, que combina princípios de justiça na forma de
fazer de negócios com o papel social da empresa e o compromisso com
o meio ambiente e a sustentabilidade do planeta, já é uma realidade.

A abordagem conceitual da governança corporativa ganhou impulso na visão centrista dos direitos
dos acionistas (shareholders) e vem sendo cada vez mais combinada e até mesmo suplantada
por um desenvolvimento mais amplo, que toma como referência todas as partes interessadas na
atividade empresarial ou governamental (stakeholder).

Por exemplo, além de respeitar os direitos de um investidor em receber corretamente os seus


dividendos dos lucros, uma empresa também deve se preocupar com um morador de uma cidade
onde mantém uma unidade de produção. O interesse de um acionista (shareholder) é direto, mas
o de um morador não, e nem por isso menos importante. Na medida em que se admite que o
morador seja um ente passivo em relação ao impacto ambiental da atuação empresarial, ele é
parte interessada (stakeholder) nos processos tecnológicos adotados na produção, posto que os
mesmos interferem na qualidade do ar que ele, como cidadão, respira.

Principais valores
“A governança corporativa é expressa por um sistema de valores que rege as organizações, em
sua rede de relações internas e externas. Ela, então, reflete os padrões da companhia, os quais,
por sua vez, refletem os padrões de comportamento da sociedade” (CADBURY COMMITTEE,
1992. Livre tradução do autor.).

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1.
Fairness

Governança
2. 3.
Disclosure Corporativa Accountability
Valores

4.
Compliance

Figura 1.1

A concepção, as práticas e os processos de gestão da governança corporativa estão calcados nos


seguintes valores: (1) Fairness; (2) Disclosure; (3) Accountability e (4) Compliance.

O primeiro valor refere-se ao senso de justiça e à isonomia de


tratamento dos acionistas. Consubstancia-se na observância
aos direitos dos acionistas minoritários de modo equânime aos
majoritários em relação ao acréscimo patrimonial da companhia,
incluindo a participação nos resultados dos negócios e a presença
ativa nas assembleias gerais.

O segundo valor é sinônimo da transparência das informações,


sobretudo as mais relevantes que influenciam nos negócios da
companhia atrelados às oportunidades, aos lucros e aos riscos
inerentes às atividades empresariais.

O terceiro, por sua vez, está relacionado à prestação responsável de contas com base nas melhores
práticas contábeis e de auditoria.

O quarto valor – Compliance – traduz a conformidade na observância às regras e às normas


estatutárias da companhia, aos regimentos internos e à legislação do país.

Esses valores estão contidos, de forma expressa ou implícita, nos conceitos usuais de governança
corporativa, bem como nos códigos de boas práticas que privilegiam a ética necessária ao exercício
das funções e responsabilidades dos órgãos da companhia.

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Como tentativa de síntese, pode-se definir a governança corporativa como um
conjunto de princípios, propósitos, processos e práticas que rege o sistema de
poder e os mecanismos de gestão das corporações, buscando a maximização da
riqueza dos proprietários e o atendimento dos direitos de outras partes interessadas,
minimizando oportunismos conflitantes com esse fim. (ANDRADE; ROSSETI,
2011. p.149)

Os princípios estão fundamentados nos valores anteriormente discriminados, ao passo que os


propósitos estão fundamentados no máximo retorno de longo prazo dos acionistas (shareholders
oriented). O poder advém da vontade dos proprietários manifestada nas assembleias gerais,
enquanto os processos estão refletidos na forma de condução e de operação dos órgãos sociais
da companhia. Por fim, as práticas são focadas no conflito de agência1 e na minimização dos seus
custos, necessária para a longevidade da companhia.

1 Conflito de agência é aquele proveniente da extrema dispersão do capital, no qual exacerbam-se interesses conflituosos entre os
acionistas e os gestores. Esta é uma forma típica de conflito de agência oriunda do divórcio entre a propriedade e a gestão, que não
são exercidas pelo mesmo agente, em face da pulverização do capital. Outra espécie é o conflito entre os acionistas minoritários e
os majoritários, predominante em diversos países onde a estrutura de capital das companhias é bastante concentrada e o mercado
de capitais, imaturo, de modo que os minoritários se preocupam com as decisões dos majoritários que podem influenciar ou, até
mesmo, prejudicar seus interesses e direitos.

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Unidade 2 - Evolução Conceitual
A exatidão do aparecimento das práticas de governança
corporativa é desconhecida. O uso sistematizado do termo
governança corporativa é encontrado no meio empresarial
e acadêmico a partir dos anos 70 do século XX. Entretanto,
desvios de práticas empresariais e de governo que hoje
poderiam ser classificadas como problemas de governança
corporativa são registradas desde o surgimento do sistema
capitalista no século XVIII.

De forma mais concreta, as questões suscitadas na gestão corporativa começaram a ser


observadas com maior intensidade em vários episódios encontrados após o término da Segunda
Guerra Mundial. Com o fim do conflito, houve uma expansão das corporações dos Estados Unidos,
que se caracterizou pelo crescimento da escala de produção, gigantismo empresarial e por uma
atuação transnacional, com o fortalecimento do poder econômico dos gestores e, por vezes, pelo
enfraquecimento dos proprietários.

Já a partir da Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX, começou-se a notar um expansionismo
vigoroso das corporações, principalmente aquelas do Ocidente. Apesar da interrupção desse
crescimento, dada pela grande crise de 1929, o processo expansionista teve, segundo Andrade e
Rossetti (2011), os seguintes fatores determinantes:

• Avanços tecnológicos: gerando uma onda de inovações, o desenvolvimento das indústrias e


a diversificação de produtos.
• Expansão demográfica: acompanhada de expansão de renda e mudanças nos hábitos
individuais e sociais.
• Grandes escalas e produção em série: com a redução dos custos unitários e, por
consequência, do preço final ao consumidor, aumentando o poder de compra das classes de
renda média e baixa.
• Evolução do mercado de capitais: viabilizando a captação de recursos para projetos
empresariais.
• Aumento de investimentos públicos: ampliando os recursos disponíveis para aplicação em
projetos de infraestrutura e em outras categorias públicas.
• Fusões e aquisições: ampliando as magnitudes e dimensões das empresas.
• Protecionismo do poder público: dando respaldo aos interesses dessas grandes corporações2.

2 Os autores ainda citam outros fatores, como o “aburguesamento” da sociedade, a proliferação de pequenos negócios, emissões
primárias crescentes e a transnacionalização das companhias.
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A contribuição dos fatores supracitados pôde ser vista em números fornecidos pelo Banco de
Dados do Banco Mundial, que mostram que a participação das 500 maiores companhias dos EUA
no Produto Nacional Bruto (PNB) do país vem crescendo consideravelmente nos últimos 50 anos.
Na tabela abaixo, pode-se observar a evolução das receitas operacionais das companhias em
comparação com o PNB dos EUA.

Evolução do PNB e Receitas Operacionais das maiores Companhias norte-americanas:

Valores em US$ Bi 1955 1960 1970 1980 1995 2005 2007

Produto Nacional Bruto - EUA 396 519 1.013 2.725 7.325 12.417 13.811

Receitas Operacionais 500


149 197 469 1.436 4.229 9.088 10.602
maiores Cias - EUA

% (Receitas/PNB) 38% 38% 46% 53% 58% 73% 77%

Tabela 1.1

Evolução da representatividade das receitas das Companhias americanas em relação ao PNB:

Evolução do % (Receitas/PNB)
100%

80%

60%

40%

20%

0%
1955 1960 1970 1980 1995 2005 2007

Figura 1.2

Esses números demonstram que o desenvolvimento das companhias no último século foi evidente
e o poder e influência exercido por elas também cresceu em decorrência dessas transformações.
Com isso, cresceu também o número de companhias listadas em bolsas de valores e a preocupação
com os riscos relacionados a fraudes e à má gestão dessas empresas. As consequências seriam
proporcionais ao gigantismo das corporações, ou seja, impactos em escala global na economia.
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Os conflitos e custos de agência
Aliado ao crescimento das organizações, desenvolveu-se também o
mercado de capitais e a possibilidade de as companhias buscarem
financiamentos sob a forma de equity e se constituírem na forma de
Sociedades Por Ações (atual denominação legal da legislação que
dispunha sobre as Sociedades Anônimas). Assim, o que se viu foi um
movimento de dispersão do Capital Social e o aumento do número de
sócios das companhias. Ao contrário daquele tradicional estereótipo de
uma grande companhia com um único e poderoso dono, com uma esfera
de influência política e econômica nas cidades em que atuava, surgiam
as gigantes listadas em bolsa e com vasto número de investidores.
Para exemplificar esse processo, dos anos 1900 ao final dos anos 1920, o número de acionistas
das companhias nos EUA aumentou de 4,4 para 18 milhões. A dispersão do capital e o
gigantismo das corporações ocasionaram mudanças profundas nas companhias. Entre estas
mudanças, destacamos:

• O desligamento entre propriedade e administração


Na virada do século XIX, os fundadores das empresas estavam presentes no seu cotidiano,
participando ativamente de sua gestão. Ao longo do século XX, com os processos
sucessórios, a dispersão do capital e o desenvolvimento do mercado de capitais, a estrutura
de poder nas companhias foi alterada.

• Os fundadores das companhias foram substituídos por executivos contratados


Com o afastamento dos proprietários da gestão, estes deixam de ter o poder de ditar os rumos
da organização e os executivos passaram a exercer seu trabalho focado exclusivamente na
gestão e na operação da companhia, sem ter que prestar contas diretamente aos donos.

• Mudança de objetivos
Nas companhias modernas, geridas por executivos, outros interesses chocam-se com o de
maximização de lucros, como, por exemplo, a aversão a riscos e a elevação dos próprios
ganhos em detrimentos dos acionistas. Surgem então os conflitos entre agentes principais
(acionistas) e agentes condutores (executivos), os chamados conflitos de agência, e os
custos relacionados a eles (agency costs).

As mudanças abriram espaço para o surgimento dos


chamados conflitos de agência, que acabaram por segregar
os proprietários (acionistas) da gestão (administradores) das
empresas. Os conflitos de agência “verticais” são clássicos
e surgem da divergência de propósitos dos acionistas e
dos executivos. A literatura também aborda a existência de
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custos de agência entre acionistas e credores e acionistas controladores e minoritários. Nos
mercados de capitais mais desenvolvidos, como no dos Estados Unidos, o custo de agência são
chamados de “verticais” por ocorrem casos de contraposição entre proprietários e administradores
profissionais. Em países com mercado de capitais menos pulverizados, como na experiência
brasileira, o conflito de agência é “horizontal”, pelo fato dos acionistas controladores se oporem
aos acionistas minoritários .

Conflitos de agência Conflitos de agência


“verticais” “horizontais”

Quando há divergência de
Quando os acionistas controladores
propósito dos acionistas e
se opõem aos acionistas minoritários
dos executivos

Figura 1.3

Os acionistas buscam o foco em decisões financeiras, de alocação e remuneração de capital,


maior retorno ajustado ao risco, entre outros. Já os agentes condutores (executivos) buscam
decisões empresariais, focadas em objetivos estratégicos e operacionais. Os acionistas são
os fornecedores do capital que financia e remunera o trabalho dos gestores que, por sua vez,
buscam maximizar o retorno do capital investido dos acionistas. No entanto, em muitos dos casos,
ocorrem os chamados conflitos de agência, onde os agentes condutores, buscando maximizar os
seus próprios interesses, entram em conflito com os agentes principais. Os conflitos de agência
levam aos chamados custos de agência, definidos pela soma de custos de monitoramento pelos
acionistas e custos de implantação de mecanismos de controle.

Segundo Donaldson (1984), os principais interesses dos administradores são:

• Sobrevivência: os administradores procuram controlar as finanças da companhia para sempre


evitar que ela deixe de existir.
• Independência e autossuficiência: liberdade de tomar decisões sem dar satisfações a agentes
externos ou depender de mercados financeiros externos.

Donaldson conclui, em seu estudo, após a realização de entrevistas com diversos gestores, que
o objetivo dos administradores, primordialmente, refere-se ao aumento da companhia, tanto no
sentido de tamanho quanto riqueza.

No entanto, a riqueza da companhia não se reflete necessariamente em riqueza para os acionistas.


A riqueza da empresa tende a levar ao maior crescimento da companhia, com os recursos podendo
ser reinvestidos e limitando a utilização de capital próprio.
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Já os chamados conflitos de agência “horizontal” se
caracterizam em países com mercado de capitais
pequenos ou médios e/ou com forte concentração de
ações nas mãos de um acionista ou grupo controlador.
Os administradores são os próprios controladores ou
executivos indicados por estes, a quem têm lealdade.
Os atos de gestão tendem a fortalecer os interesses do
grupo controlador da empresa, opondo-se aos interesses
dos acionistas minoritários.

Surgimento e consolidação do conceito de “governança corporativa”


Estudos acadêmicos revelam que a expressão governança corporativa pode ter tido seu uso
concreto no início na década de 1970 com o ALI (American Law Institute), por meio de discussões
sobre como melhorar a forma de gerir negócios societários nos Estados Unidos. Seu fortalecimento
ocorreu nos anos 80 e 90, primeiramente nos Estados Unidos e na Inglaterra e, depois, foi difundida
em diversos países.

A expressão governança corporativa foi registrada em um trabalho formal, em 1991, de autoria


de Robert Monks, nos Estados Unidos. O primeiro código de boas práticas foi divulgado em
1992, na Inglaterra, tendo ficado conhecido como Relatório Cadbury. O primeiro livro com o título
de governança corporativa foi editado em 1995, por Monks e Ninow. E a primeira iniciativa de
organismo multilateral para difusão de práticas de governança foi em 1999, pela Organização para
a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – grupo multilateral formado pelos países
com as 30 economias mais desenvolvidas industrialmente do mundo – com a edição do estudo
denominado Princípios de Governança Corporativa.

No campo macroeconômico, as mudanças nas relações comerciais na economia mundial e a


globalização determinaram ajustes nas práticas empresariais e a governança corporativa ocupou
uma função de criar equidade nas práticas das empresas. O fim do comunismo, o avanço
progressivo da China para se tornar uma economia de mercado e a melhoria econômica de várias
nações requereram novas práticas empresariais. Ondas de fusões e aquisições empresariais e
crises mais econômicas localizadas também mostraram a necessidade do desenvolvimento de
práticas globais, justas e transparentes.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Fundo Monetário


Internacional (FMI) e o Banco Mundial veem nos princípios da governança corporativa uma base
sólida para o crescimento econômico e para a integração global dos mercados. A difusão da
governança é considerada por estas entidades como fundamental para o controle e a gestão de
riscos de investimentos em empresas abertas. Já o G8 – formado pelos oito países mais ricos do
mundo – defende que a governança corporativa é um dos mais novos e importantes pilares da
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arquitetura econômica global. A OCDE acrescenta que a governança corporativa é um dos
instrumentos determinantes do desenvolvimento sustentável, em suas três dimensões – a
econômica, a ambiental e a social.

O tema ganhou força após os escândalos que envolveram


corporações como Tyco, WorldCom, Waste Management, Vivendi
Universal, Xerox, Worldcom e Enron, além do fim da empresa de
auditoria Arthur Andersen, que teria se envolvido com as fraudes
de seus clientes, dentre outros. Nesta época, foi aprovada nos
Estados Unidos uma nova regulamentação, tornando o país mais
confiável para as empresas atuantes nas bolsas de investimento.

A Arthur Andersen, até então uma das cinco maiores empresas de auditoria do mundo, faliu
ao ser constatado o seu envolvimento direto com as falências seguidas da Worldcom e Enron.
A atividade de auditoria externa foi colocada sob suspeita, assim como a confiabilidade das
demonstrações contábeis.

Os diversos problemas relacionados à governança, segundo a literatura, estão relacionados ao


abuso de poder (acionista controlador/minoritários, diretoria/acionista e administradores/terceiros),
erros estratégicos (excesso de poder concentrado numa única pessoa, em geral o executivo
principal), e/ou fraudes (informações incorretas para benefício próprio).

Abuso de
poder

Problemas
relacionados à
governança

Erros
Fraudes estratégicos

Figura 1.4

22 Copyright Ibmec
Marcos históricos da governança corporativa
Três marcos históricos devem ser destacados em relação ao desenvolvimento da governança
corporativa: (1) o ativismo de Robert Monks; (2) o Relatório Cadbury e (3) os princípios da OCDE.

Robert Monks Relatório Cadbury OCDE

Fairness Compliance Accountability Disclosure Governança corporativa


nas companhias atrai
mais investidores

Figura 1.5

Estes três marcos, em razão dos seus diferentes focos, são considerados complementares, na
medida em que Robert Monks, um ativista pioneiro que modificou a governança corporativa nos
EUA, centralizou a sua atenção nos direitos dos acionistas, deslocando-os para uma estratégia
mais ativa no exercício de suas funções dentro da corporação. Desse modo, focou a sua atenção
em dois valores relevantes para a governança corporativa: fairness (senso de justiça) e compliance
(conformidade legal, sobretudo em relação aos direitos dos minoritários passivos).

Já o relatório Cadbury, preocupou-se mais detidamente com os valores de accountability (prestação


responsável de contas) e disclosure (transparência), voltados para os temas financeiros e os
papéis dos acionistas, dos administradores, executivos, conselhos e dos auditores. Finalmente,
os princípios da OCDE (Organization for Economic Cooperation and Development) propugnaram
no sentido de que o desenvolvimento da governança corporativa nas companhias atrai mais
investidores, porque as tornam mais confiáveis ao público, reduzindo o custo de captação de
recursos e alavancando a economia da região e até do país onde se situam tais companhias.

O ativismo de Robert A. G. Monks


Robert Monks, ativista norte-americano da concorrência empresarial, defendia que a melhora
da governança corporativa agrega uma sobrevalorização da companhia, com a consequente
geração de riqueza. E isso foi afirmado num contexto de inúmeras e intensas transformações do
século XX, destacando-se:

• o agigantamento das corporações;


• a dispersão do capital de controle com expansão do mercado de capitais, gerando maior liquidez
das ações;

Copyright Ibmec 23
• a despersonalização da propriedade em que os acionistas passaram a ser mais ausentes e
passivos, surgindo uma nova classe de empresários que, na expressão de A. Berle, constituíam-
se em verdadeiros “usufrutuários passivos”;
• o aparecimento da figura do gestor executivo em função da pulverização extrema do capital,
ocasionando o fenômeno dos conflitos de agência.

Monks fomentou o ativismo dos acionistas, estimulando-os a participar


dos conselhos, das assembleias e, assim, das decisões corporativas
que afetam os seus direitos. Num cenário em que a passividade do
proprietário propiciou a hegemonia dos administradores, criando
uma nova classe de “rentistas parasíticos”, sem qualquer conexão
com a administração dos empreendimentos, parecia perfeito concluir
que: “se eu tenho duas opções – uma é não fazer nada e receber ‘x’
e a outra é me envolver no empreendimento e também receber ‘x’ –,
eu opto sempre por fazer nada.” (ANDRADE; ROSSETTI, 2011. p.
159) Justamente esta conclusão é que Monks refutava, propugnando
que “o ‘x’ a receber com maior envolvimento dos acionistas na
corporação poderia ser maior que o ‘x’ resultante de nenhuma forma
de participação.” (ANDRADE; ROSSETTI, 2011. p. 159)

No campo prático, Monks ajuizou ações contra grandes instituições, que no começo não tiveram
êxito. Mas, finalmente, em 1988, o Departamento do Trabalho dos EUA declarou que os
administradores dos fundos de pensão tinham a obrigação de exercer o direito de voto de suas
ações (declaração conhecida como Avon Letter), objetivando maximizar o valor das companhias
em que os investidores institucionais detinham participação.

Em outra iniciativa: Monks fundou, em 1985, juntamente


com Janet Brown e Bárbara Sleasman (ambas foram suas
funcionárias no Departamento do Trabalho), a empresa
Institutional Shareholder Services (ISS), prestadora de
consultoria para investidores institucionais nas questões
relativas aos votos em assembleias de acionistas. No início, a
empresa não possuía muitos clientes, mas, após a declaração
Avon Letter (1988), passou a ter inúmeros clientes, culminando,
em 1990, com a sua saída da sociedade para enfrentar novos
desafios, a partir de então, na condição de acionista.

É interessante transcrever um trecho da carta de R. Monks a


J.Berman, em 03/10/1985, sobre a ISS:

24 Copyright Ibmec
ISS definirá as responsabilidades e prerrogativas inerentes à propriedade das
empresas na América. As grandes empresas americanas deste século não estiveram
sujeitas às manifestações de opinião dos seus proprietários, sob o domínio de
uma burocracia gerencial preocupada apenas com a própria perpetuação. Por
conseguinte, é tempo de mais uma vez expressar os conceitos de propriedade...

Esperamos que nossa manifestação em prol de um papel mais relevante para a


propriedade seja capaz de transmitir de forma positiva o envolvimento de valores cada
vez mais relevantes, não apenas para os acionistas, mas também para a sociedade.
A percepção básica é de que acionistas esclarecidos e ativos são mandatários do
bem comum, reduzindo a necessidade de intervenção muito mais problemática e
dispendiosa do governo, que caracterizou os últimos 50 anos. Evidentemente, esse
mister exigirá grandes habilidades, muita sorte e pessoal da maior competência.

Não achamos que toda missão deva ser amplamente divulgada logo no começo
da nossa existência; ao contrário, entendemos que devemos concentrar-nos, de
início, na execução de um trabalho de primeira classe quanto às procurações;
que é preciso desenvolver a reputação de votante confiável e sensato; permitindo
manifestação gradual dos aspectos mais importantes de nossa missão, à medida
que o público se mostra mais à vontade conosco. Nosso propósito imediato é tratar
das questões referentes a procurações durante 1986. (ROSEMBERG, 200. p.155)

Nessa nova fase de sua vida profissional, em 1991, Monks adquiriu 100 ações da Sears, Roebuck
& Co., enorme corporação de varejo americana, candidatando-se ao conselho, mas não obteve
votos suficientes para tanto, apesar de possuir um invejável currículo como ex-presidente de banco
e ex-diretor de agência federal (Departamento do Trabalho dos EUA). Em seguida (1992), fez parte
de um grupo que iniciou a reestruturação da Sears. É relevante destacar suas palavras referentes
à Sears em seu Memorando sobre estratégia: “Onde começar? O lugar onde começar é com o
conselho. A maneira como se transmite o desejo de algum tipo de mudança é por meio da efetivação
da mudança no conselho.” (ROSEMBERG, 200. p.260)

Nessa mesma época, Monks constituiu, juntamente com Nell Minow,


o fundo Lens Investment Management para investir nas empresas
com dificuldades. Nesse fundo, na condição de acionista, atuou de
forma ativa para modificar a gestão, melhorando os resultados das
companhias e, por consequência, aumentando o valor de mercado
das mesmas. O aludido fundo adquiriu ações de algumas dezenas de
companhias, superando em muito o índice da S&P 500. Todavia, no ano
de 2000, apesar do sucesso do fundo, Monks vendeu sua participação,
saindo da sua administração para comprovar que a participação ativa
do acionista nas assembleias e conselhos agrega valor à empresa.
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Além disso, no campo acadêmico, Monks escreveu, nos anos 90, importantes livros em que
expôs suas teses sobre a governança corporativa: Power and accountability (1992) e Corporate
governance (1995), além de outras publicações em revistas especializadas da época.

O Relatório Cadbury
Esse relatório foi uma iniciativa menos personalista do que o
ativismo de Monks. Foi resultado de um comitê criado em 1992
no Reino Unido com a finalidade de definir responsabilidades dos
conselheiros e executivos das companhias. Incentivou um papel
mais ativo por parte dos investidores institucionais, propugnou
pela melhora de comunicação entre os acionistas, conselheiros e
executivos, bem como pelo maior envolvimento dos governos no
mercado de capitais.

O relatório Cadbury elaborou alguns termos de referência baseados em dois valores da governança
corporativa: accountability (prestação responsável de contas) e disclosure (transparência).

De fato, em consonância com esses termos, os conselheiros e executivos devem comprometer-se


e responsabilizar-se com:

• A análise e a apresentação das informações para os acionistas e demais stakeholders acerca


da performance da companhia.
• A transparência e forma como as demonstrações contábeis devem ser divulgadas ao público.
• A constituição e papel dos conselhos.
• A definição das responsabilidades dos auditores e a abrangência de suas atribuições.
• O relacionamento entre os acionistas, conselheiros e auditores.

Com base nesses termos, o comitê tomou decisões que foram compiladas no relatório Cadbury
e expostas em audiência pública, tendo recebido diversas reações contrárias. O relatório possuía
recomendações que provocavam mudanças na governança corporativa britânica. Com o decorrer
do tempo, recebeu alguns apoios importantes, dentre eles o do governo inglês.

A sua versão final, datada de 1992, influenciou a gestão de companhias no Reino Unido e
posteriormente no Canadá, EUA, França e Austrália.

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Resumidamente, o relatório Cadbury centralizou sua atenção na separação de
responsabilidades dos conselheiros e diretores e na constituição do conselho de
administração independentes, de maneira a garantir que as diretrizes e o controle da
companhia permaneçam separados dos atos de gestão.

Os princípios da OCDE
O órgão multilateral OCDE (Organization for Economic Cooperation
and Development), composto por 30 países-membros desenvolvidos,
com relacionamento permanente com outros 70 países (entre os quais
o Brasil), desde a década de 90, se interessa pelas boas práticas de
governança corporativa, traduzidas como mecanismos eficazes de
interligação entre as finalidades de desenvolvimento das companhias,
dos países e dos mercados.

Em 1999, o grupo de governança corporativa criado pela OCDE chegou


às seguintes principais conclusões:

• Não existe um único modelo de governança corporativa; apesar de semelhanças dos


princípios, regras e objetivos entre os países, cada país deve ajustar os princípios da
governança às suas realidades jurídicas, sociais, econômicas e culturais.
• As corporações devem rever e, se necessário for, renovar as suas práticas de governança
corporativa para acompanhar as constantes mudanças do mercado, a fim de se manterem
competitivas e aproveitarem as oportunidades de negócios.
• As práticas de governança corporativas devem ser estabelecidas pelos órgãos reguladores
do mercado de capitais de cada país, pelas corporações e pelos acionistas.
• As boas práticas de governança nas empresas estimulam a integridade do mercado e o
melhor desenvolvimento dos países, na medida em que atraem mais recursos de investidores.
• Os princípios de governança corporativa devem ser ajustados à medida que ocorram
transformações relevantes nos países, no mundo e nas companhias.

Tais princípios serviram de referência para diversos países, abrangendo os 30 países-membros e


outros 40 países, os quais são destinatários de constante consultoria da OCDE quanto a melhores
práticas de governança corporativa.

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No interregno de tempo entre 1999 e 2002, as boas práticas de governança corporativa passaram
a ser cada vez mais valorizadas, em razão do crescimento das megacorporações e do surgimento
de inúmeras fraudes de impacto mundial.

Em 2002, foi iniciado um trabalho de revisão do material publicado em 1999, sendo concluído
em 2004. Disso resultou a nova versão dos princípios da OCDE, mantendo a intenção de não
padronizar a governança corporativa, mas de fornecer referências para objetivos customizáveis,
a saber:

• progressão do modelo de sharehoders oriented para stakeholders oriented;


• redução dos conflitos de agência e os seus respectivos custos;
• estímulo à participação ativa dos acionistas minoritários nas companhias;
• definição das responsabilidades dos conselhos de administração e da diretoria;
• consolidação da estrutura jurídica que propicie a evolução da governança corporativa
nas empresas.

De forma sumária, o quadro a seguir explica os conceitos e valores da governança corporativa:

Governança Corporativa

Sistema de valores:
Fairness - senso de justiça
Disclosure - Transparência
Accountability - Prestação de contas
Compliance - Conformidade legal

Relacionamento entre as partes Propósitos estratégicos: Estrutura do poder: Práticas de Gestão:


interessadas: - expectativas dos acionistas; - papéis definidos; - integridade ética permeando todas as
- Maximização de resultados com - políticas corporativas; - decisões compartilhas; relações internas e externas;
minimização dos “conflitos de agência”; - diretrizes para os negócios; - sucessões planejadas; - trinômio integridade, competência e
- Acionistas versus gestores; - diretrizes para a gestão. envolvimento construtivo no trato dos negócios;
- Interesses internos versus externos. - responsabilidade corporativa, abrangendo
leque ampliado de interesses.

Figura 1.6

(Fonte: MATTEDI, Leonardo. Como a governança corporativa pode ajudar no fortalecimento do mercado de
capitais brasileiro. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Ibmec, 2006. p. 34)

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Unidade 3 - A governança corporativa no Brasil
No Brasil, a governança corporativa teve início em novembro de 1995 com o
IBCA (Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração), que foi o precursor
do atual IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). No ano de
2000, com a evolução do mercado de capitais e da consolidação da economia,
foram criados pela BM&F-Bovespa os segmentos especiais de listagem, com
os chamados níveis diferenciados de governança, conhecidos como Nível 1,
Nível 2 e o Novo Mercado.

Com o intuito de atrair capital e fontes de financiamento para as atividades


empresariais brasileiras, em um mercado que se torna cada vez mais competitivo,
o Brasil entrou na lista dos países que estão adotando as práticas de governança
corporativa. Apesar de existirem algumas diferenças entre as práticas de governança adotadas no
Brasil e aquelas adotadas em outros países, as empresas brasileiras estão se desenvolvendo e
aplicando os conceitos de governança corporativa em suas estratégias de negócios.

Código Brasileiro de Melhores Práticas de Governança Corporativa


Em 1999, foi criado o Código Brasileiro de Melhores Práticas de Governança Corporativa.
A primeira edição era focada somente no papel do Conselho de Administração e foi revisada
em 2001, passando a incluir recomendações para os demais agentes, como sócios, gestores,
auditores e conselheiros fiscais. Com o objetivo de se adequar às mudanças nos campos
empresarial, legislativo e normativo, o IBGC lançou, em março de 2004, a terceira versão do
código. Sua abordagem envolve o conselho de administração e temas relacionados à propriedade/
aos acionistas, gestão, auditoria independente, conselho fiscal e conflitos de interesses.

Os principais conceitos da contabilidade, como transparência (disclosure), equidade (fairness),


prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa (sustentability) são os princípios
básicos que constituem partes importantes deste código.

Outros incentivos públicos surgem para incentivar a adesão às práticas de governança corporativa,
como o apoio do BNDESPAR às novas sociedades anônimas, oferecendo taxas especiais de
financiamento, mas exigindo que a empresa se comprometa a abrir capital no novo mercado da
BM&F-Bovespa.

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Código de Autorregulação da ANBIMA
Um dos marcos mais importantes que impulsionou o desenvolvimento
da governança no Brasil foi a criação do Código de Autorregulação
da ANBIMA – Associação Nacional das Entidades dos Mercados
Financeiros e de Capitais –, que entrou em vigor em janeiro de 2002,
quando ainda se denominava ANBID – Associação Nacional de Bancos
de Investimento e Desenvolvimento. De acordo com o documento,
nenhuma instituição financeira associada poderia participar como
estruturadora ou distribuidora na emissão de um valor mobiliário no
país se a empresa emissora não aderisse, pelo menos, ao Nível 1 do
segmento especial de listagem da BMF-BM&F-Bovespa. Como era
praticamente muito restrita a possibilidade de se fazer uma emissão pública sem o aval de um
banco quanto à elaboração e a aprovação do projeto financeiro e ao uso da sua rede para a
colocação dos títulos junto aos investidores, as empresas emissoras de títulos e valores mobiliários
se viram compelidas a uma adesão compulsória às práticas de governança corporativa.

Com a valorização efetiva da Bolsa de Valores de São Paulo no período de meados de 2004
até a crise do subprime em 2008, houve uma onda de ofertas públicas no Brasil. Justamente
essa quase obrigatoriedade de adoção da governança corporativa pelas empresas emissoras
deixou uma dúvida quanto à efetiva entronização das práticas diferenciadas como uma cultura
empresarial. Especula-se que, para certa quantidade de empresas, a governança corporativa
foi muito mais uma consequência inerente a uma oportunidade de capitalização do que a uma
vontade real de mudança de gestão. Independentemente desta motivação, o fato é que, mesmo
nestas empresas oportunistas, há um ganho de transparência e de prestação de contas para o
mercado e os investidores em geral.

Em 2007, no lançamento da segunda fase do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento


–, o Governo Federal passou a exigir das empresas estatais e de empresas com investimentos
conjunto com a iniciativa privada a adoção de um código, com regras mínimas de
governança corporativa.

Em 2008, com a obtenção pelo Brasil do grau de investimento (investiment grade) as práticas
de governança se tornam um importante mecanismo para diferenciar as empresas brasileiras
perante os olhos dos analistas internacionais e atrair investidores estrangeiros estratégicos e
institucionais.

30 Copyright Ibmec
Em 2009, a CVM e as práticas de contabilidade adotadas pelas
companhias abertas exigiram que as mesmas ficassem obrigadas
a divulgar a remuneração paga aos administradores, ante a
constatação de que muitos executivos recebiam bônus e vantagens
financeiras milionárias e, em vários casos, desatreladas dos
resultados das companhias. Também passou a ser requerido um
detalhamento específico sobre as transações financeiras, como
as denominadas operações com derivativos, com a revelação de
testes matemáticos e estatísticos simulados de perdas possíveis.

Em 2012, a CVM colocou em debate uma legislação para disciplinar o funcionamento e os padrões
metodológicos de agências ratings. Trata-se de empresas que emitem avaliações e classificam
o risco das companhias. Tais agências foram muito criticadas na crise de 2008, porque não
identificaram em seus relatórios as possibilidades de perdas que acabaram ocorrendo em muitas
empresas com a crise econômica.

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Resumo
Nesse módulo, vimos, de forma introdutória, como as práticas de governança corporativa podem
afetar o desempenho das empresas e de que forma as boas práticas podem contribuir para a
geração contínua de valor e lucro das corporações e, ainda, para a sustentabilidade do planeta.

A governança corporativa deve ser entendida como mais do que estabelecer padrões empresarias
de gestão, já tendo evoluído conceitualmente para o desenvolvimento e o estabelecimento de uma
nova cultura organizacional.

Por isso, as boas práticas de governança se afirmaram por conferirem mais credibilidade ao
mercado acionário, com o aumento da transparência, com a divulgação de um maior volume de
informações e com a melhoria da qualidade da gestão.

O módulo mostra a evolução conceitual do tema, fazendo uma narrativa cronológica e associada
a: avanços tecnológicos, expansão demográfica, grandes escalas e produção em série, evolução
do mercado de capitais, aumento de investimentos públicos, onda de fusões e aquisições e ao
protecionismo do poder público.

A dispersão do capital e o gigantismo das corporações ocasionaram mudanças profundas nas


companhias, como:

• O desligamento entre propriedade e administração, quando, ao longo do século XIX, os


fundadores das empresas deixaram de estar presentes no cotidiano delas, participando
ativamente em sua gestão.
• Os fundadores das companhias foram substituídos por executivos contratados.
• Mudança de objetivos nas companhias modernas, geridas por executivos; outros interesses
chocam-se com o de maximização de lucros, como, por exemplo, a aversão a riscos, a
elevação dos próprios ganhos em detrimentos aos acionistas. Surgem, então, os conflitos
entre agentes principais (acionistas) e agentes condutores (executivos), os chamados conflitos
de agência, e os custos relacionados a eles (agency costs).

A expressão governança corporativa foi registrada em um trabalho formal em 1991, de autoria de


Robert Monks, nos Estados Unidos. A primeira iniciativa de organismo multilateral para difusão
de práticas de governança foi realizada, em 1999, pela Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE). No campo macroeconômico, as mudanças nas relações
comerciais, na economia mundial e a globalização determinaram ajustes nas práticas empresariais,
e a governança corporativa ocupou uma função de criar equidade nas práticas das empresas.
O tema ganhou força após os escândalos que envolveram corporações como Tyco, WorldCom,
Waste Management, Vivendi Universal, Xerox e Enron, dentre outras. Nesta época, foi aprovada,
nos Estados Unidos, uma nova regulamentação, tornando o país mais confiável para as empresas
atuantes nas bolsas de investimento.
32 Copyright Ibmec
Os diversos problemas relacionados à governança, segundo a literatura, estão relacionados ao
abuso de poder (acionista controlador/minoritários, diretoria/acionista e administradores/terceiros),
erros estratégicos (excesso de poder concentrado numa única pessoa, em geral o executivo
principal), e/ou fraudes (informações incorretas para benefício próprio).

Copyright Ibmec 33
MÓDULO 2
O Mercado de Capitais e as Boas
Práticas de Governança Corporativa
no Brasil

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Introdução ao Módulo
O desenvolvimento do mercado de capitais sempre foi prejudicado pela falta de transparência
de muitas empresas e por atos de gestão que, vez por outra, impunham perdas econômicas e
financeiras aos investidores minoritários.

Com a implantação das práticas diferenciadas de governança corporativa e os seguimentos


especiais de listagem da BM&F-Bovespa, o mercado de capitais brasileiros passou a ser incluído na
relação daqueles em que há práticas de proteção aos acionistas, com maior grau de transparência
e prestação de contas.

Neste módulo, será abordado o conceito de mercado de capitais e a sua importância para o
desenvolvimento da economia e do país, sobretudo como forma de captação de recursos e
financiamento para as atividades produtivas.

Objetivos
O estudo deste módulo lhe permitirá:

• Entender qual é a função do mercado de capitais e sua importância.


• Conhecer os níveis de governança corporativa da BM&F-Bovespa.
• Entender o funcionamento e a finalidade da CVM – Comissão de Valores Mobiliários.

Estrutura do Módulo
Unidade 1 – O Conceito de Mercado de Capitais

Unidade 2 – A Importância do Mercado de Capitais para o Desenvolvimento da Economia e do País

Unidade 3 – Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada (IGC)

Unidade 4 – CVM – Comissão de Valores Mobiliários

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Unidade 1 - O Conceito de Mercado de Capitais
A introdução das boas práticas de governança corporativa está associada às práticas de gestão
das empresas listadas nos chamados mercados de capitais. As empresas emitem títulos e valores
mobiliários para obterem capitais e, assim, financiarem as suas operações.
O mercado de capitais é um sistema de distribuição de valores
mobiliários que tem como propósito proporcionar liquidez aos títulos
de emissão de empresas e viabilizar seu processo de capitalização
de recursos. É constituído por todas as redes de bolsas de valores,
sociedades corretoras e outras instituições financeiras autorizadas
(bancos, companhias de investimento e de seguro) que operam com
compra e venda de papéis (ações, títulos de dívida em geral) de prazo
médio, longo ou indefinido, efetuadas entre agentes poupadores e
investidores, por meio de intermediários financeiros. No mercado, são
manipulados a oferta, a demanda e o preço de valores mobiliários.
A Lei nº 4.728 de 14/07/1965 disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu
desenvolvimento.

As ações, que representam o capital social das empresas, são os principais títulos negociados
em um mercado de capitais.

Além das ações, têm-se também os empréstimos tomados no mercado pelas empresas
(representado por debêntures), os direitos e recibos de subscrição de valores mobiliários,
certificados de depósitos de ações e outros derivativos autorizados à negociação. Esta constituição
permite a circulação de capital e custeia o desenvolvimento econômico.
O objetivo do mercado de capitais é canalizar os recursos
financeiros da sociedade para o comércio, a indústria,
outras atividades econômicas e para o próprio governo.
Nos países capitalistas mais desenvolvidos, o mercado
de capitais é mais forte e dinâmico, diferentemente dos
países em desenvolvimento, onde este mercado ainda
é incipiente. Este fator dificulta a formação de poupança
e é um sério obstáculo ao crescimento econômico,
motivo pelo qual países em desenvolvimento recorrem
ao mercado de capitais internacional.
38 Copyright Ibmec
Unidade 2 - A Importância do Mercado de Capitais para o
Desenvolvimento da Economia e do País
O desenvolvimento econômico sustentável de uma
nação e o alcance do bem-estar de sua população
dependem da capacidade de produção desta
sociedade. A expansão desta capacidade se dá
por meio de investimentos financeiros, sendo este
um insumo necessário para um processo produtivo
eficiente e capaz de produzir bens em quantidade
acessível à maioria da população.
Se o investimento é pressuposto para o desenvolvimento, se faz necessária, a partir daí, uma
renúncia temporária de consumo para a formação de poupança, uma vez que o recurso para
investimento é obtido através da realocação de poupança. Nestes termos, conclui-se que o papel
da poupança no crescimento econômico é imprescindível. Especialistas no setor evidenciam a
relação entre a formação de poupança com os processos de crescimento autossustentado e
manutenção do desenvolvimento econômico.
Dados disponibilizados pelo Banco Central e pelo IBGE permitem-nos constatar que os anos em
que o Brasil teve maior geração de poupança foram os anos de maior crescimento econômico.
Os indicadores sugerem que, quanto maior a riqueza gerada na economia, maior tende a ser a
propensão da população a poupar.
Nos países desenvolvidos, isso pode ser demonstrado através de uma linha histórica, em que o
crescimento econômico sempre acompanhou os esforços de acumulação de capital no passado.
Acumulação esta que, por sua vez, foi reinvestida na própria produção, criando um vínculo entre
poupança e investimento.

Figura 2.1

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Os investimentos no setor privado podem ser originários da própria poupança do empreendedor,
que reinveste seus recursos poupados na própria empresa, ou ainda via interferência estatal,
quando o Estado retira recursos obtidos através de impostos e aloca em setores cujo investimento
lhe parece mais adequado.
Porém, a opção mais viável é a captação de recursos via mercado financeiro e de capitais, seja por
empréstimos bancários ou na primeira subscrição de ações feita pelos acionistas. Esta segunda
alternativa seria, para alguns teóricos, o mais eficaz meio de transferência do capital economizado
pela população para o investimento produtivo, pois, além de retirar do Estado a obrigação de
fomentar a indústria, nestes casos os riscos de tais empreendimentos podem ser distribuídos entre
investidores e empreendedores.

As ações, que representam o capital social das empresas, são os principais títulos negociados
em um mercado de capitais.

De acordo com estudos divulgados pelo Banco Mundial, foi encontrado um alto grau de correlação
entre os indicadores dos mercados acionários e o crescimento médio verificado no período de 1976
a 96. A conclusão destes estudos foi de que o mercado acionário não apenas seguiu o crescimento
econômico, mas proporcionou os meios para prognosticar as taxas futuras de crescimento do
capital, da produtividade e da renda per capita. Um mercado acionário desenvolvido, com bom
volume, liquidez e adequada regulamentação, tem contribuído para o aumento da produtividade
econômica em nível global.
O mercado acionário reflete a opinião dos principais agentes sobre a conjuntura econômica
doméstica e internacional e suas perspectivas, podendo ser também considerado um importante
formador de opinião. Assim, os diagnósticos e recomendações originadas desse mercado são
elementos que os condutores da política econômica utilizam como ferramentas para a tomada
de decisões.
Ao carregar recursos dos poupadores e disponibilizá-
los para o uso dos investidores, o mercado de ações
incentiva não apenas a formação da poupança interna,
mas, principalmente, a formação de poupança de longo
prazo, gerando riqueza para o país. A premiação via
maximização dos retornos do uso eficiente dos recursos
e do momento correto da tomada de decisão torna o
próprio mercado cada vez mais eficiente, e esse efeito
é transmitido aos demais setores da economia.
40 Copyright Ibmec
Além disso, um mercado de ações eficiente, aliado a outras ações que proporcionam visibilidade
e segurança aos investidores, atrai e retém a presença do capital externo em um país. No caso
especial dos países em desenvolvimento, o bom funcionamento do mercado acionário traz ao
país recursos para o financiamento das empresas, fato este que proporciona a expansão do setor
privado e o crescimento da economia, aumentando a renda e a oferta de empregos.

Impactos no combate à corrupção e à pobreza


As boas práticas de governança corporativa têm seus princípios baseados na transparência da
estrutura acionária, equidade entre acionistas, proteção aos minoritários e clareza na prestação de
contas (accountability). Estes conceitos se traduzem nos chamados pilares da governança
corporativa, que, se praticados em conjunto, se transformam em uma nova cultura organizacional.

Diversos investidores espalhados pelo mundo inteiro estão optando por práticas que respeitem os
direitos dos acionistas minoritários e usem de transparência nos atos e resultados da administração.
A gestão estratégica da empresa e a constante monitoração da direção executiva são feitos que a
boa governança corporativa fornece aos proprietários da empresa.

Em 2002, o Instituto Coppead de Administração (Centro de estudos


avançados de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ), realizou uma pesquisa entre as empresas brasileiras listadas
na BM&F-Bovespa, na qual constatou que existe relação entre o valor
de mercado e o nível de governança. Uma das conclusões que esta
pesquisa revelou foi que, quanto melhores as práticas das companhias,
mais valorizadas são suas ações. José Guimarães Monforte, então
presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC),
afirmou: “As empresas com melhor governança valem mais.”

Além disso, o Banco Mundial considera as boas práticas de governança corporativa, ao lado
daquela anticorrupção, como temas centrais para a sua missão de erradicar a pobreza no mundo.
Atualmente, o Banco Mundial patrocina milhares de atividades relacionadas a essas práticas tendo
como foco a integridade organizacional interna das empresas, para minimizar a corrupção nos
projetos financiados pela instituição e ajudar os países no controle da corrupção.

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Unidade 3 - Índice de Ações com Governança Corporativa
Diferenciada (IGC)
O IGC foi criado em junho de 2001 pela BM&F-
Bovespa. Seu objetivo é medir o desempenho de uma
carteira teórica com ações de empresas com bons
níveis de governança e que pertencem aos níveis 1 e
2 da BM&F-Bovespa e ao Novo Mercado.

As ações dessas carteiras são ponderadas através


da multiplicação do seu valor de mercado (ações
disponíveis para negociação) por um fator de
governança, sendo este igual a 1 para as empresas
do nível 1, 1,5 para as do nível 2 e 2 para as empresas
do Novo Mercado. O Índice de ações com governança corporativa (IGC), desde julho de 2001
até março de 2008, teve uma valorização acumulada de 505%, enquanto o IBovespa teve um
crescimento acumulado médio de 349%. No último ano, a média do IGC teve um aumento de
31,54% (jan a dez/2007). Já o IBovespa, na mesma época, teve um crescimento médio de 43,65%.

Os níveis de governança corporativa segundo a BM&F-Bovespa


Os níveis diferenciados de governança corporativa foram implantados em dezembro de 2000 pela
Bolsa de Valores de São Paulo – BM&F-Bovespa –, tendo como objetivo proporcionar um ambiente
de negociação que estimulasse, simultaneamente, o interesse dos investidores e a valorização
das companhias.

A companhia que tem interesse em ingressar em um dos níveis de governança corporativa deve
assinar um contrato, em conjunto com a BM&F-Bovespa e com os administradores, conselheiros
fiscais e controladores da companhia.

Nível 1 de governança corporativa


A adesão ao nível 1 de governança corporativa requer, por parte das empresas, a realização de
melhorias na prestação de informações ao mercado e a dispersão acionária. De acordo com
a BM&F-Bovespa, as empresas do nível 1, além de seguirem a legislação, têm as seguintes
obrigações:

• Melhoria nas informações prestadas, adicionando às Informações Trimestrais (ITRs) –


documento este que é enviado pelas companhias listadas à CVM e à BM&F-BOVESPA,
disponibilizado ao público e que contém demonstrações financeiras trimestrais –, entre
outras, demonstrações financeiras consolidadas e a demonstração dos fluxos de caixa.
42 Copyright Ibmec
• Melhoria nas informações relativas a cada exercício
social, adicionando às Demonstrações Financeiras
Padronizadas (DFPs) – documento que é enviado
pelas companhias listadas à CVM e à BM&F-Bovespa,
disponibilizado ao público e que contém demonstrações
financeiras anuais –, entre outras, a demonstração dos
fluxos de caixa.
• Melhoria nas informações prestadas, adicionando às informações anuais (documento que é
enviado pelas companhias listadas à CVM e à BM&F-Bovespa, disponibilizado ao público e
que contém informações corporativas), entre outras, a quantidade e características dos
valores mobiliários de emissão da companhia detidos pelos grupos de acionistas controladores,
membros do conselho de administração, diretores e membros do conselho fiscal, bem como
a evolução dessas posições.
• Realização de reuniões públicas com analistas e investidores, ao menos uma vez por ano.
• Apresentação de um calendário anual com a programação dos eventos corporativos, tais
como assembleias e divulgação de resultados.
• Divulgação dos termos dos contratos firmados entre a companhia e partes relacionadas.
• Divulgação, em bases mensais, das negociações de valores
mobiliários e derivativos de emissão da companhia por parte
dos acionistas controladores.
• Manutenção em circulação de uma parcela mínima de ações,
representando 25% do capital social da companhia.
• Quando da realização de distribuições públicas de ações,
adoção de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital.

Nível 2 de governança corporativa


As companhias do nível 2, além de atenderem a todas as regras do nível 1, têm um conjunto de
práticas de governança mais abrangente no que tange os direitos societários dos acionistas
minoritários. Suas principais obrigações são as seguintes:

• Divulgação de demonstrações financeiras de acordo com


padrões internacionais IFRS ou US GAAP.
• Conselho de Administração com mínimo de cinco membros
e mandato unificado de até dois anos, sendo permitida
a reeleição. No mínimo, 20% dos membros deverão ser
conselheiros independentes.

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• Direito de voto às ações preferenciais em algumas matérias, tais como: transformação,
incorporação, fusão ou cisão da companhia e aprovação de contratos entre a companhia e
empresas do mesmo grupo sempre que, por força de disposição legal ou estatutária, sejam
deliberados em assembleia geral.
• Extensão para todos os acionistas detentores de ações ordinárias das mesmas condições
obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia e de, no mínimo,
80% deste valor para os detentores de ações preferenciais (tag along).
• Realização de uma oferta pública de aquisição de todas as ações em circulação, no mínimo,
pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro
de negociação neste nível.
• Adesão à câmara de arbitragem do mercado para resolução de conflitos societários.

A principal diferença entre os níveis 1 e 2 de governança corporativa está no fato de que os


conflitos societários envolvendo as empresas participantes do nível 2 são encaminhados para
a câmara de arbitragem do mercado. A adesão à câmara é obrigatória para essas companhias.

Novo Mercado
No Novo Mercado, são listadas as ações emitidas por companhias que se comprometam,
voluntariamente, com as práticas de governança corporativa mais elevadas, adicionais às exigidas
pela legislação.

A premissa básica do Novo Mercado, de acordo com a BM&F-Bovespa, é que “a valorização e a


liquidez das ações são influenciadas positivamente pelo grau de segurança oferecido pelos direitos
concedidos aos acionistas e pela qualidade das informações prestadas pelas companhias”.

Para entrar no Novo Mercado, as empresas devem assinar


um contrato e aderir a um conjunto de regras societárias
chamadas de "boas práticas de governança corporativa",
que são consideradas mais exigentes do que as presentes
na legislação brasileira. As regras ampliam os direitos dos
acionistas, melhoram a qualidade das informações que são
prestadas pelas companhias, além de ampliar a dispersão
acionária. Adicionalmente, a resolução dos conflitos societários
é realizada por meio de uma Câmara de Arbitragem.

44 Copyright Ibmec
A principal diferença do Novo Mercado, no que diz respeito à legislação e aos níveis 1 e 2, é que,
para fazer parte deste, a companhia deve ter o seu capital social composto apenas por ações
ordinárias. Além dessa exigência, existem outras obrigações adicionais como, por exemplo:

• Extensão para todos os acionistas das mesmas condições obtidas pelos controladores
quando da venda do controle da companhia (tag along).
• Realização de uma oferta pública de aquisição de todas as ações em circulação, no mínimo,
pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro
de negociação no Novo Mercado.
• Conselho de Administração com mínimo de cinco membros e mandato unificado de
até dois anos, sendo permitida a reeleição. No mínimo, 20% dos membros deverão ser
conselheiros independentes.
• Melhoria nas informações prestadas, adicionando às Informações Trimestrais (ITRs)
– documento que é enviado pelas companhias listadas à CVM e à BM&F-Bovespa,
disponibilizado ao público e que contém demonstrações financeiras trimestrais –, entre
outras, demonstrações financeiras consolidadas e a demonstração dos fluxos de caixa.
• Melhoria nas informações relativas a cada exercício social, adicionando às Demonstrações
Financeiras Padronizadas (DFPs) – documento que é enviado pelas companhias listadas
à CVM e à BM&F-BOVESPA, disponibilizado ao público e que contém demonstrações
financeiras anuais –, entre outras, a demonstração dos fluxos de caixa.
• Divulgação de demonstrações financeiras de acordo com padrões internacionais IFRS ou
US GAAP.
• Melhoria nas informações prestadas, adicionando às Informações Anuais (IANs) – documento
que é enviado pelas companhias listadas à CVM e à BM&F-BOVESPA, disponibilizado ao
público e que contém informações corporativas –, entre outras, a quantidade e características
dos valores mobiliários de emissão da companhia detidos pelos grupos de acionistas
controladores, membros do Conselho de Administração, diretores e membros do Conselho
Fiscal, bem como a evolução dessas posições.
• Realização de reuniões públicas com analistas e investidores, ao menos uma vez por ano.
• Apresentação de um calendário anual, no qual conste a programação dos eventos
corporativos, tais como assembleias, divulgação de resultados etc.
• Divulgação dos termos dos contratos firmados entre a companhia e partes relacionadas.
• Divulgação, em bases mensais, das negociações de valores mobiliários e derivativos de
emissão da companhia por parte dos acionistas controladores.
• Manutenção em circulação de uma parcela mínima de ações, representando 25% do capital
social da companhia.

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• Quando da realização de distribuições públicas de
ações, adoção de mecanismos que favoreçam a
dispersão do capital.
• Adesão à Câmara de Arbitragem do Mercado para
resolução de conflitos societários.
• Além de presentes no Regulamento de Listagem,
alguns desses compromissos deverão ser
aprovados em Assembleias Gerais e incluídos no
Estatuto Social da companhia.

46 Copyright Ibmec
Unidade 4 - CVM – Comissão de Valores Mobiliários
A CVM é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda do
Governo Federal. Seu papel é conhecido como o de ser o “xerife
do mercado”.

A CVM tem um corpo próprio de funcionários, mas é dirigida por


diretoria indicada, que funciona de forma colegiada e é formada
por um presidente e quatro diretores. Cada diretor colegiado é
indicado pelo Presidente da República e aprovado em votação do
Senado para função.

O mandato da diretoria é de quatro anos, não coincidentes. Se cada diretor cumprir o seu mandato
de forma integral, a cada ano há uma troca ou renovação de mandato; assim, evita-se, como já
ocorreu no passado, que exista a substituição integral de todo o corpo diretor ao mesmo tempo,
o que poderia trazer mudanças nas orientações do órgão e criar um clima de insegurança no
mercado de capitais.

As atribuições da CVM podem ser resumidas em:

• Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados.


• Proteger os investidores.
• Coibir fraudes e manipulações.
• Assegurar acesso público às informações.
• Estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários.

No exercício de suas atribuições, a CVM tem o dever de fiscalizar todos os títulos e valores
mobiliários admitidos no mercado de capitais brasileiro:

• Ações.
• Partes beneficiárias.
• Debêntures.
• Bônus de subscrição de ações.
• Certificados de depósitos de valores mobiliários.
• Opções e contratos futuros derivados de valores mobiliários.
• Notas Promissórias.
• Quotas de fundos de investimentos.
• Cerificados de empreendimentos audiovisuais.

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Dentre os poderes conferidos à CVM para fiscalizar o mercado de capitais, estão:

• Examinar livros e documentos das empresas de capital aberto, quando necessário.


• Exigir informações e esclarecimentos das empresas e de investidores.
• Requisitar e trocar dados com outros órgãos públicos.
• Exigir a republicação de demonstrações financeiras.
• Apurar atos ilegais e práticas não equitativas.
• Aplicar penalidades legais a infratores.
• Suspender a negociação de um título.
• Estabelecer e divulgar normas contábeis.
• Fiscalizar o trabalho dos auditores independentes.

Nos processos instaurados pela CVM para apurar desvios e infrações


às normas do mercado capitais, cabem os seguintes desfechos:

• Absolvição
• Advertência
• Multa
• Inabilitação temporária
• Inabilitação definitiva

A aplicação de multas pode ser concomitante com a inabilitação. Em aproximadamente 80% dos
processos julgados pela CVM, há algum tipo de punição aos investigados. Pela legislação vigente,
no entanto, a advertência é considerada uma forma (a mais branda, registre-se) de punição. Até
bem pouco tempo atrás, os participantes do mercado de capitais criticavam a CVM pela demora
na solução dos casos que investigava. Alguns processos demoravam mais de dez anos para
serem julgados e o tempo médio de tramitação de um processo era de quatro anos. Nos últimos
anos, com a realização de concursos públicos, houve a contratação de muitos funcionários e o
tempo médio de tramitação dos processos foi diminuído, ficando entre doze e dezoito meses.

A CVM é superavitária, obtendo receitas das multas aplicadas e das taxas de fiscalização que as
empresas submetidas ao seu controle são obrigadas a pagar. Entretanto, por ser uma autarquia,
não tem autonomia financeira, e os recursos obtidos com sua atuação vão para o Governo Federal.
Suas despesas de custeio são incluídas no orçamento federal.

48 Copyright Ibmec
Resumo
A introdução das boas práticas de governança corporativa está associada às práticas de gestão
das empresas listadas nos chamados mercados de capitais. As empresas emitem títulos e valores
mobiliários para obterem capitais e assim financiarem as suas operações.

O mercado de capitais é um sistema de distribuição de valores mobiliários que tem como


propósito proporcionar liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabilizar seu processo de
capitalização de recursos.

Neste módulo, é estudada a criação, na BM&F-Bovespa, dos segmentos especiais de listagem


de boas práticas de governança corporativa, bem como o papel da CVM, que é o de ser “xerife
do mercado”.

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MÓDULO 3
A Lei Sarbanes-Oxley

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Introdução ao Módulo
Os problemas de Governança Corporativa nos Estados Unidos, que abalaram a Bolsa de Valores
de Nova Iorque – a maior do mundo –, chegaram ao seu ápice com a falência da Enron, até então
uma das maiores e mais rentáveis corporações empresariais norte-americanas. A aprovação da Lei
Sarbanes-Oxley foi uma resposta às fraudes, às falcatruas e ao uso de informações privilegiadas
no mercado de ações da economia mais desenvolvida no mundo.

Por isso, é necessário entender os conceitos dessa lei e as alterações introduzidas nas práticas
empresariais, dado o alcance mundial das suas disposições.

Objetivos
Ao completar este módulo de estudo, você conhecerá:

• As razões que levaram à edição da Lei Sarbanes-Oxley.


• As disposições da Lei.
• As alterações promovidas na Lei.
• Como se deu a criação do Comitê de Auditoria.

Estrutura do Módulo
Unidade 1 - Criação e Objetivo da Lei Sarbanes-Oxley

Unidade 2 - A Aplicação da Lei e as Mudanças Introduzidas

Unidade 3 - Comitê de Auditoria

53
Unidade 1 - Criação e Objetivo da Lei Sarbanes-Oxley
A Lei Sarbanes-Oxley foi aprovada pelo Congresso dos Estados
Unidos em 25 de julho de 2002, definindo uma série de obrigações para
empresas listadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE – New
York Stock Exchange). Trata-se de uma legislação que tornou obrigatória
a adoção de práticas de governança corporativa pelas empresas cujas
ações são listadas na principal Bolsa de Valores do mundo.

O principal objetivo da Sarbanes-Oxley é a precisão dos demonstrativos


contábeis. Para atingir seu objetivo, a lei criou uma série de novas
obrigações para empresas e seus gestores. Também passou a
estabelecer códigos de conduta empresarial e obrigações para
empregados, auditores, advogados, analistas financeiros, jornalistas,
bem como para qualquer pessoa que, direta ou indiretamente, tenha
participação de forma relevante com o processo de preparação e
divulgação das informações contábeis.

A Lei foi batizada com o nome de seus autores, o senador Paul Sarbanes e o deputado Federal
Michael Oxley. Da junção dos dois sobrenomes nasceu o termo Sarbanes-Oxley. Entretanto,
é usual fazer referência à lei de forma abreviada, com as expressões “SOX” ou “SARBOX”.

A lei, quando de sua aprovação, foi considerada muito rígida e inovadora: ao contrário da
legislação até então existente, não se limitou aos administradores das empresas e estabeleceu
penalidades severas para os seus infratores, tanto no aspecto pecuniário quanto no aspecto
penal. Em boa medida, esse tom mais duro da Sarbanes-Oxley pode ser justificado como
uma resposta dada pelos parlamentares norte-americanos à sociedade após uma escalada
de escândalos e fraudes contábeis e financeiras em grandes corporações empresarias, que
culminaram com a falência da Enron.

Falência da Enron
Quando ocorreu a falência da Enron, em 2001, ela era a oitava maior corporação dos Estados
Unidos, estava em primeiro lugar dentre as empresas em que mais se desejava trabalhar
(segundo pesquisa de Revista Fortune) e era umas das empresas que mais pagava participação
nos lucros e resultados.
54 Copyright Ibmec
A falência da Enron ocorreu por fraudes contábeis, tendo ficado
comprovada a manipulação de receitas bilionárias inexistentes, com base
em um critério de contabilização chamado de “marcação a mercado”.
Também constatou-se a ocultação de despesas e perdas com operações
financeiras no chamado mercado de derivativos.

A quebra da Enron ocasionou uma onda de perdas no mercado acionário


de Nova Iorque, em que muitos investidores viram seus recursos aplicados
“virarem pó”. Causou grande repercussão na mídia a descoberta posterior
de que os principais executivos da Enron venderam as suas ações da
companhia antes da falência e auferiram lucros milionários.

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Unidade 2 - A Aplicação da Lei e as Mudanças Introduzidas
Após a aprovação da Lei Sarbanes-Oxley, em 2002, foi estabelecido um prazo de adaptação
das empresas obrigadas à sua implantação. As empresas com sede nos Estados Unidos estão
praticando as suas disposições desde 2006, e as empresas estrangeiras listadas na Bolsa de
Nova Iorque, desde 2007.

Uma característica interessante da Sarbanes-Oxley foi que ela acabou por propagar as práticas de
governança corporativa no mundo todo, uma vez que muitas empresas não-americanas, pelo fato
de terem emitidos títulos no mercado de lá, ficaram obrigadas a seguir os seus ditames. Isso
ocorre mesmo quando, em seus países de origem, não haja legislação semelhante ou quando
estas empresas desenvolvem suas atividades fora dos Estados Unidos.

A Lei também contribuiu de forma relevante para a expansão


da cultura de governança corporativa e a adoção dos princípios
da Sarbanes-Oxley por empresas de capital estrangeiro ao
redor do mundo. Uma empresa com sede nos Estados Unidos
e listada na Bolsa de Valores de Nova Iorque, por exemplo, que
no Brasil atue através de uma companhia subsidiária, passou a
praticar os rígidos padrões de governança corporativa da nova
legislação nas suas operações brasileiras, mesmo não sendo listada na BM&F-Bovespa, sujeita
à fiscalização da CVM ou publicando aqui os seus demonstrativos contábeis.

A governança corporativa se propaga a partir da influência que a Sarbanes-Oxley passa


a ter no relacionamento com fornecedores, clientes e nos códigos de conduta interna
dos colaboradores.

As principais mudanças introduzidas pela Sarbanes-Oxley


• Fixa de forma inquestionável a responsabilidade do diretor-presidente e do diretor financeiro
pelos controles internos da empresa.
• Cria novas regras e define responsabilidades para a elaboração e divulgação das
informações trimestrais.
• Os auditores externos passam a ter a responsabilidade de validar os controles internos
adotados pela empresa.

56 Copyright Ibmec
• Cria a obrigatoriedade de criação de um comitê de
auditoria para supervisionar as atividades dos auditores
externos e internos.
• Torna obrigatória a criação de um Código de Ética a ser
praticado pelos funcionários.
• Torna obrigatória a criação de regras para lidar com
situações de Conflitos de Interesses.
• Torna obrigatória a criação de canais para o recebimento de denúncias de violação das
regras da lei, com mecanismos de proteção aos denunciantes.
• Restringe as formas de empréstimos para executivos sob a forma de investimentos, juros
subsidiados, reforma de moradias e compra de veículos.
• Determina a perda de bonificações em dinheiro e em ações dos executivos quando se
comprovar fraudes ou omissão material nas demonstrações contábeis que deram base para
as suas apurações.
• Proíbe retaliações aos empregados que auxiliarem investigações ou processos relativos a
fraudes envolvendo correspondências, inclusive eletrônicas.
• Torna crime a destruição ou alteração de arquivos em investigações ou em processos
falimentares (estabelece pena de reclusão de até vinte anos e multa).
• Arquivos de auditoria devem ser mantidos por cinco anos (estabelece pena de reclusão de
até dez anos e multa).
• A emissão fraudulenta de valores mobiliários sujeita os responsáveis à pena de reclusão de
vinte e cinco anos e multa.
• Proíbe os auditores independentes de prestar serviços de consultoria em geral
concomitantemente com a revisão dos registros contábeis e controles internos.
• Obriga os advogados, sejam externos ou internos, a informar ao diretor jurídico e ao presidente
da empresa qualquer violação a Lei Sarbanes-Oxley de que tiverem conhecimento. Caso
nenhum desses administradores tome as medidas cabíveis, os advogados devem levar a
informação ao Comitê de Auditoria.

A Bolsa de Nova Iorque, após a edição da Lei Sarbanes-Oxley, faz


um conjunto de recomendações para aumentar o grau de governança
corporativa das empresas. Não são obrigatórias, mas as empresas que
as adotam são percebidas como as que adotam padrões de governança
corporativa superior. Dentre estas recomendações, destacam-se:

• O Conselho de Administração das empresas deve ser constituído, em


sua maioria, por membros independentes.

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• As companhias listadas na NYSE devem possuir Comitê de Remuneração.
• Os diretores não estatutários e gerentes superiores devem se reunir regularmente sem a
presença dos diretores estatutários.
• Todos os auditores devem cumprir um período de desimpedimento de cinco anos para se
tornar independentes em relação à empresa que auditavam, e somente depois de vencido
este prazo, poderão tornarem-se seus empregados.
• Os familiares em primeiro grau de administradores ou auditores devem cumprir o período de
desimpedimento de cinco anos (“quarentena”) para serem considerados independentes, a
fim de que possam ser contratados como empregados da empresa.
• A organização deve possuir uma auditoria interna atuante.
• A remuneração dos membros do Comitê de Auditoria deve ser a única forma de remuneração
devida a eles pela companhia.
• A companhia deve desenvolver um programa de orientação para novos membros do seu
conselho de administração.

58 Copyright Ibmec
Unidade 3 - Comitê de Auditoria
A implantação e manutenção das diretrizes da Lei Sarbanes-Oxley nas
companhias exige que sejam desenvolvidos processos de gestão de
risco, com o monitoramento e aperfeiçoamento permanente dos controles
internos. Para que se implante o processo de gestão de risco, é necessário
avaliar a filosofia de negócios da empresa e sua cultura organizacional.
Entender como a alta administração toma decisões de gestão em relação
aos riscos do negócio é fundamental para se fazer uma priorização e uma
avaliação dos controles internos. E realizar este controle é responsabilidade
do Comitê de Auditoria.

Atribuições do Comitê de Auditoria


Uma das novidades introduzidas pela Lei Sarbanes-Oxley foi a obrigatoriedade da criação de um
Comitê de Auditoria.
Uma boa parte das atribuições do Comitê de Auditoria é cumprida, no Brasil, pelo Conselho Fiscal,
quando este está instalado e em funcionamento regular. A SEC – Security Exchange Commission
–, a CVM dos Estados Unidos, facultou que as empresas brasileiras listadas na Bolsa de Valores
de Nova Iorque possam delegar aos seus Conselhos Fiscais o desempenho, de forma cumulativa,
das funções previstas na legislação norte-americanas e brasileiras.
Os membros do Comitê de Auditoria são eleitos pelo Conselho de Administração (Board of
Directors) com a finalidade de supervisionar os processos de elaboração, divulgação e auditoria
das demonstrações contábeis, incluindo a supervisão de como é feita a gestão dos processos de
gestão de riscos e de avaliação e certificação da eficácia dos controles internos da empresa.

O Comitê de Auditoria deve ser constituído por, no mínimo, três membros. É obrigatório que
pelo menos um deles seja um especialista em contabilidade (financial expert), em padrões
adotados nos Estados Unidos.

As principais responsabilidades do Comitê de Auditoria, conforme consta da Lei Sarbanes-Oxley,


são:
• Supervisionar os processos de avaliação dos controles internos e de riscos corporativos.
• Supervisionar os processos de elaboração e divulgação das demonstrações contábeis
periódicas.
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• Fiscalizar se os procedimentos administrativos referentes às práticas contábeis e de riscos
estão aderentes à legislação que lhes for aplicável e se os gestores cumpriram de forma
adequada os procedimentos obrigatórios.
• Escolher e contratar os auditores externos.
• Supervisionar com regularidade o cumprimento da programação dos auditores externos e
internos, diligenciando junto aos administradores, para que os pontos de alerta relatados por
estes profissionais sejam regularizados.
• Tomar conhecimento da falta de conformidade dos
controles internos e diligenciar junto aos administradores,
para que sejam corrigidos ou aperfeiçoados.
• Aprovar a contratação de serviços junto aos auditores
externos, avaliando, com base nas normas vigentes,
se tais tarefas não comprometem a independência da
auditoria externa na execução regular da sua verificação
das demonstrações contábeis.

60 Copyright Ibmec
Resumo
No módulo 3, é estudada a lei Sarbanes – Oxley (“SOX” ou “Sarbox”), de 2002, que definiu uma
nova série de obrigações para as empresas listadas na bolsa de valores americanas (mesmo que
de origem estrangeira). O objetivo macro é a precisão dos demonstrativos financeiros (contábeis).
Para atingir esse seu objetivo geral, foi estabelecida uma série de obrigações para as empresas,
seus administradores e funcionários. Estas obrigações atingem também auditores, advogados,
investidores, analistas de mercado, jornalistas e qualquer pessoa que tenha relevância, de forma
direta ou indireta, com a preparação e a divulgação de demonstrativos contábeis.
A legislação inovou por extrapolar o seu alcance além dos dirigentes das empresas e das
instituições financeiras, o que era uma característica da lei anterior. Na SOX, foram estabelecidas
penalidades severas, tanto no aspecto monetário quanto no aspecto penal, para as irregularidades
e crimes cometidos no âmbito do mercado financeiro e de capitais. Foi criada a obrigatoriedade da
instituição de um Comitê de Auditoria – a fim de supervisionar e ser responsável pelas práticas de
auditoria – e das empresas terem códigos de ética.

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MÓDULO 4
Funcionamento dos Órgãos Sociais

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Introdução ao Módulo
O funcionamento dos órgãos sociais é o coração da governança corporativa de uma empresa.
Eles são formados pela assembleia de acionistas, pelo conselho de administração, pela diretoria
estatutária e pelo conselho fiscal.

Eventualmente, na experiência brasileira, pode fazer parte deste conjunto o comitê de auditoria,
que, embora não seja previsto na nossa legislação de mercado de capitais, pode ter sido constituído
para atender à Lei Sarbanes-Oxley, no caso de empresas listadas na Bolsa de Nova Iorque ou
de empresas do setor financeiro. A razão disto é que o Banco Central, por norma baixada e
somente aplicável às instituições financeiras sob a sua fiscalização, exige a criação de um Comitê
de auditoria praticamente nos mesmos moldes dos Estados Unidos.

Para melhor visualização, reproduzimos, abaixo, o organograma funcional proposto pelo Código
das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC.

Figura 4.1

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Objetivos
O estudo deste módulo lhe permitirá conhecer:

• O organograma funcional dos órgãos sociais.


• O funcionamento da Assembleia Geral.
• O funcionamento do Conselho de Administração.
• O funcionamento da Diretoria Estatutária
• O funcionamento do Conselho Fiscal.

Estrutura do Módulo
Unidade 1 - Assembleia Geral

Unidade 2 - Administração da Companhia – Conselho de Administração e Diretoria Estatutária

Unidade 3 - Conselho Fiscal

66 Copyright Ibmec
Unidade 1 – Assembleia Geral
A Assembleia Geral de Acionistas é a instância máxima decisória de uma sociedade, sendo uma
reunião em que os sócios comparecem e votam, expressando a sua vontade e as suas expectativas
para a companhia.

As assembleias podem ser ordinárias ou extraordinárias.

Assembleias ordinárias Assembleias extraordinárias

• Devem ser realizadas uma vez por • São deliberados quaisquer outros
ano, nos primeiros quatro meses. assuntos de interesse da sociedade,
• São tomadas as contas dos normalmente relevantes, cuja
administradores; é deliberada a decisão caiba aos acionistas, na
aprovação das demonstrações condição de proprietários.
contábeis, do orçamento de
capital, da remuneração dos
administradores e a eleição dos
membros do Conselho Fiscal.

Figura 4.2

Os procedimentos para a realização de uma assembleia são complexos e envolvem, dentre outros
procedimentos:

• Definir a ordem do dia, que são os assuntos que


serão objetos de deliberação no conclave, não sendo
permitida a votação e deliberação de matérias contidas
em “assuntos gerais”, que servem apenas para avisos
e explicações.
• Publicar o edital de convocação, que deve conter todas
as informações necessárias para o comparecimento e
participação dos acionistas.
• Colocar os materiais que subsidiarão as decisões dos acionistas à disposição deles com a
devida antecedência, para que possam ter tempo hábil de se informar adequadamente sobre
as matérias que irão deliberar.
• Indicar, entre os acionistas ou seus representantes, um presidente para a assembleia.
• Elaborar a ata com o registro da reunião.

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• Enviar, no mesmo dia de sua realização, a ata da assembleia para a CVM e para a Bolsa
de Valores.
• Registrar a ata na Junta Comercial.
• Publicar a ata registrada.

Caberá ao presidente indicar um secretário que o auxiliará, ficando incumbido de elaborar a


ata com o registro da reunião.

68 Copyright Ibmec
Unidade 2 – Administração da Companhia – Conselho de
Administração e Diretoria Estatutária
A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao Conselho de
Administração e à diretoria, ou somente à diretoria, conforme disposto nos artigos 138 e 139 da
Lei 6.404/76. As companhias abertas terão obrigatoriamente um Conselho de Administração,
órgão de deliberação colegiada, cujas atribuições e poderes não poderão ser outorgados a outro
órgão. A representação da companhia, no entanto, é de competência exclusiva da diretoria.

Conselho de Administração
Trata-se do órgão que faz a ligação entre as decisões dos acionistas e os gestores da sociedade.
Seu papel é mais estratégico e não é requerido de seus membros o comparecimento diário nas
dependências da empresa.

O Conselho de Administração deve ser composto


por, no mínimo, três membros eleitos pela
Assembleia de Acionistas, e deve buscar sempre
o que é o melhor para a empresa, atuando com
independência, sem jamais privilegiar eventuais
interesses de algum acionista. O membro do
Conselho de Administração não deve lealdade a
quem o elegeu, mas à sociedade como um todo.

Nas empresas de capital fechado ou limitadas, o papel do Conselho de Administração pode ser
exercido por um conselho consultivo.

A missão do Conselho de Administração é:

• Fixar e realizar a orientação geral dos negócios da companhia.


• Fiscalizar a gestão dos diretores.
• Proteger e valorizar o patrimônio.
• Maximizar o retorno dos acionistas.
• Garantir que a empresa cumpra os compromissos éticos e sociais.
• Evitar ou atuar nos conflitos de interesses.
• Conhecer e respeitar os valores da empresa, seus propósitos e a crenças dos sócios.
• Difundir a cultura da empresa, sendo “exemplo” de seus fundamentos.
• Comparecer e participar com proficiência das reuniões.
Copyright Ibmec 69
• Aprovar o código de ética da empresa.
• Exercer papel decisivo na definição da estratégia empresarial, aprovando os planos de ação.
• Eleger e destituir o principal executivo.
• Aprovar limites financeiros para a diretoria e políticas de alçadas (alienação de ativos,
aplicações financeiras, créditos etc.).
• Aprovar as contas dos administradores (diretores).
• Convocar as assembleias gerais.
• Manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria.
• Deliberar sobre matérias de sua competência, conforme o estabelecido no estatuto social.

O Conselho de Administração deve possuir um regimento interno, com regras para:

• Convocação de suas reuniões.


• Estabelecimento do calendário de suas reuniões.
• Acesso e a guarda de documentos que devam examinar.
• Quoruns de deliberação.
• Eleição de seu presidente.

O Conselho de Administração é considerado pela legislação


brasileira um órgão de deliberação colegiada (deliberações
tomadas com base na maioria dos votos de seus membros).
Suas atas devem seguir o mesmo rito da das assembleias.

As atas do Conselho de Administração devem ser arquivadas


no registro de comércio e publicadas. Há um trâmite legal
até que as atas sejam arquivadas nas juntas de comércio: a
CVM e a BM&F-Bovespa requerem que as mesmas sejam disponibilizadas no prazo de 24 horas
ao mercado, sob forma sumária, para qual existe um sistema eletrônico próprio para divulgação
de informações, denominado IPE – Sistema de Envio de Informações Periódicas e Eventuais.

O Conselheiro de Administração – pré-requisitos e mandato


Foi eliminada pela CVM a obrigatoriedade de que o membro do Conselho de Administração seja
acionista da companhia.

Cabe destacar que, se o Conselheiro de Administração for domiciliado no exterior, o mesmo deverá
ter procurador legal residente no país, com poderes para receber citação, com prazo de validade
de até três anos após o encerramento do mandato.

70 Copyright Ibmec
O mandato de membro do Conselho de Administração é de, no máximo, três anos, de acordo
com a lei vigente, mas os códigos das melhores práticas de governança corporativa sugerem
que o mandato seja anual e que o membro seja regularmente submetido à eleição na assembleia
de acionistas.

O ocupante do cargo de conselheiro de administração pode ser reeleito. Os acionistas detentores


de ações preferenciais, uma vez que consigam juntar 10% do capital social, têm o direito de eleger
em separado um membro para o conselho de administração. O mesmo acontece com os acionistas
não controladores detentores de ações ordinárias, desde que angariem 15% do capital social. As
eleições devem ser separadas e ocorrer sem a interferência dos acionistas controladores.

Independência dos membros do Conselho de Administração


A governança corporativa preconiza que os membros do Conselho de Administração devam ser
independentes. Entretanto, no Brasil, esta situação raramente acontece, sendo mais frequente
a formação de grupos poucos ativos, controlados pelos acionistas controladores, que tendem a
alinhar a sua forma de atuação aos interesses do controlador.

Nas sociedades com forte concentração societária, é comum encontrar membros de uma família
controladora ocupando cargos no Conselho de Administração e na diretoria estatutária.

Diretoria estatutária
A diretoria será composta por dois ou mais diretores, eleitos e destituíveis
a qualquer tempo pelo Conselho de Administração ou, se inexistente,
pela assembleia geral. O estatuto de cada sociedade deverá estabelecer
o número máximo e o mínimo permitidos de diretores, o modo de
substituição e o mandato, que não poderá ser superior a três anos. Assim
como no caso dos conselheiros de administração, as boas práticas de
governança corporativa recomendam que os mandatos sejam anuais. O
estatuto também deve dispor sobre as atribuições de cada diretor e que
determinadas matérias sejam decididas em reunião de diretoria.

Somente poderá ser eleita para o cargo de Diretor a pessoa natural e


residente no país.

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Sob o ponto de vista da governança corporativa, é importante a exigência de que os
diretores sejam residentes no país. A razão disto é que, em empresas que têm atuação
internacionalizada, são recorrentes as tentativas frustradas de eleição de estrangeiros com
domicílio no exterior ou de brasileiros que residam em outro país.

É preciso notar que o diretor estatutário é aquele cujo cargo, com poderes e obrigações, é previsto
no estatuto social da companhia; não se deve confundir com o chamado “diretor empregado”,
nomenclatura adotada em várias empresas para designar um empregado que é subordinado ou
adjunto a um diretor estatutário. Por exemplo, o diretor financeiro estatutário pode ter subordinados
nos cargos de diretor de tesouraria, diretor de contabilidade e diretor de orçamento.

A remuneração dos diretores é anualmente fixada pela assembleia geral, incluindo os benefícios
de qualquer natureza e as verbas de representação. Estes honorários podem ser fixos e/ou
variáveis, sendo estas últimas condicionadas ao atendimento de metas individuais e coletivas das
respectivas áreas.

A falta de registro formal das deliberações – um problema


Um dos problemas mais comuns de governança corporativa diz respeito à falta de registro formal
das deliberações de diretoria em ata própria. A internacionalização dos negócios, com uso de
recursos de teleconferência e de comunicação telefônica em conferência, ocasiona que muitas
reuniões sejam feitas com os diretores em diferentes recintos, o que pode atrasar ou deixar cair
no esquecimento a elaboração das atas. Também contribui para a falta de formalização das
decisões o sistema de organização de mesas em escritórios do tipo panorâmico, em que os
diretores ficam todos no mesmo recinto, em mesas próximas uma das outras; isso muitas vezes
facilita e agiliza a tomada de decisões, mas torna as deliberações informais.

Da mesma forma que o Conselho de Administração, é recomendável que a diretoria tenha um


regimento interno, que defina a realização de suas reuniões.

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Unidade 3 – Conselho Fiscal
A companhia terá um Conselho Fiscal e o estatuto social disporá
sobre o seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios
sociais em que for instalado a pedido dos acionistas. Será composto
por, no mínimo, três e, no máximo, cinco membros, eleitos pela
assembleia geral. Quando o Conselho Fiscal for não permanente,
ele será instalado pela assembleia geral, a pedido de quaisquer
acionistas que alcancem 10% das ações com direito a voto e 5%
das ações sem direito a voto. O mandato do Conselheiro Fiscal vai
de uma assembleia geral ordinária à seguinte, podendo o ocupante
ser reeleito. Não podem ser eleitos para o cargo de conselheiro
fiscal os membros dos órgãos da administração e os empregados da
companhia, de sociedade controlada ou do mesmo grupo, e nem o
cônjuge ou parente, até terceiro grau, do administrador da companhia.

A função de conselheiro fiscal é indelegável e seu ocupante deve ser pessoa natural, residente
no país e com diploma universitário, com experiência mínima de três anos como administrador de
empresa ou como conselheiro em outra companhia.

São competências do Conselho Fiscal:

• Fiscalizar os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e
estatutários.
• Opinar sobre as demonstrações financeiras anuais e relatório da administração, emitindo o
seu parecer para a deliberação da assembleia geral.
• Opinar sobre as propostas dos órgãos da administração a serem submetidas à assembleia
geral, relativas;

° à modificação do capital social;

° à emissão de debêntures;

° aos bônus de subscrição;

° aos planos de investimentos;

° aos orçamentos de capital;

° à distribuição de dividendos;

° à transformação, incorporação, fusão ou cisão.

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• Denunciar, por qualquer dos seus membros, aos órgãos de administração – e, se estes
não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à
assembleia geral – os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis
à companhia.
• Convocar a assembleia geral ordinária, se os órgãos da administração retardarem por mais
de um mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou
urgentes, incluindo na agenda das assembleias as matérias que considerarem necessárias.
• Examinar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais
demonstrações financeiras elaboradas periodicamente
pela companhia.
• Examinar as demonstrações financeiras do exercício
social e sobre elas opinar.
• Exercer essas atribuições durante a liquidação, tendo em
vista as disposições especiais que a regulam.
• Assistir às reuniões do Conselho Administrativo, se houver, ou da diretoria, em que se delibera
sobre os assuntos que devam opinar.
• Pedir esclarecimentos ou informações aos auditores independentes.
• Contratar contadores ou auditores (se a empresa não os tiver), desde que os preços sejam
compatíveis com os praticados na praça.
• Fornecer ao acionista ou grupo de acionistas que representam, no mínimo, 5% do capital
social, sempre que solicitadas, informações sobre matérias de sua competência.
• Pedir a contratação de perito (indicando três nomes e a diretoria escolhe um), com justificativa,
para assuntos relacionados ao desempenho de suas funções.
• Comparecer às reuniões da assembleia geral e responder aos pedidos de informações
formulados pelos acionistas.
• Os órgãos de administração são obrigados, por meio de comunicação por escrito, a colocar
à disposição dos membros do Conselho Fiscal, dentro de dez dias, cópias das atas de suas
reuniões e, dentro de quinze dias do seu recebimento, cópias dos balancetes e demais
demonstrações financeiras elaboradas periodicamente e, quando houver, dos relatórios de
execução de orçamentos.
• O Conselho Fiscal, a pedido de qualquer dos seus membros, solicitará aos órgãos da
administração esclarecimentos ou informações, desde que relativas à sua função fiscalizadora,
assim como a elaboração de demonstrações financeiras especiais.
• Os pareceres do Conselho Fiscal ou de qualquer um dos seus membros poderão ser lidos
na assembleia, independentemente de publicação e ainda que a matéria não conste da
ordem do dia.

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Os membros do Conselho Fiscal deverão exercer as suas funções no exclusivo interesse da
companhia. Seus deveres são os mesmos deveres dos administradores: respondem pelos
danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com
culpa ou dolo, ou violação do estatuto.

• O membro do Conselho Fiscal não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros,
salvo se com eles foi conivente, ou se concorrer para a prática do ato.
• A responsabilidade dos membros do Conselho Fiscal por omissão é solidária, mas dela se
exime o membro dissidente que fizer consignar sua divergência em ata da reunião do órgão
e a comunicar aos órgãos de administração e à assembleia geral.

Remuneração do Conselho Fiscal


A remuneração do conselho fiscal, além do reembolso obrigatório,
das despesas de locomoção e estada necessárias ao desempenho
da função, será fixada pela assembleia geral que os eleger, e não
poderá ser inferior, para cada membro em exercício, a 10% da que,
em média, for atribuída a cada diretor, não computados benefícios,
verbas e participação nos lucros.

A redação legal acabou por induzir que muitas companhias


pratiquem o mínimo legal como remuneração de seus conselheiros
fiscais. Como muitas companhias têm remuneração variável nos
honorários de seus diretores, o valor mínimo de remuneração
acaba por ser financeiramente baixo em muitas situações, o
que, na prática, desestimula e dificulta a eleição de conselheiros
experientes e profissionais.

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Resumo
O funcionamento dos órgãos sociais representa o coração da gestão empresarial de uma empresa;
são formados pela Assembleia de Acionistas, pelo Conselho de Administração, pela Diretoria
Estatutária e pelo Conselho Fiscal.

Eventualmente, na experiência brasileira, pode fazer parte desse conjunto o Comitê de Auditoria,
que, embora não seja previsto na nossa legislação de mercado de capitais, pode ter sido constituído
para atender à Lei Sarbanes-Oxley, no caso de empresas listadas na Bolsa de Nova Iorque, ou de
empresas do setor financeiro. Isso decorre do fato de que o Banco Central, por norma baixada e
somente aplicável às instituições financeiras sob a sua fiscalização, exige a criação de um Comitê
de Auditoria praticamente nos mesmos moldes dos Estados Unidos.

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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

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Profissional BNDES. Setembro/outubro de 2008.

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IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança Corporativa. São Paulo:


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ROSENBERG, Hilary. Mudando de Lado - A luta de Robert A.G. Monks pela Governança
Corporativa nos EUA. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 155.

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Sites

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Vários acessos dezembro de 2011 e janeiro de 2012. Disponível em www.bmfbovespa.com.br.

CVM – Comissão de Valores Mobiliários.

Vários acessos dezembro de 2011 e janeiro de 2012. Disponível em http://www.cvm.gov.br.

IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança Corporativa. Vários


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