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Teoria da Comunicação

Texto verbal: análise e estrutura

IT0008 -(Enem) Você merece


Você merece
Falso moralista
Tudo vai bem, tudo legal
Você condena o que a moçada anda fazendo Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
e não aceita o teatro de revista Se acabarem com teu carnaval
arte moderna pra você não vale nada
e até vedete você diz não ser artista Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: muito obrigado
Você se julga um tanto bom e até perfeito São palavras que ainda te deixam dizer
Por qualquer coisa deita logo falação Por ser homem bem disciplinado
Mas eu conheço bem o seu defeito
e não vou fazer segredo não Deve pois só fazer pelo bem da nação
Tudo aquilo que for ordenado
Você é visto toda sexta no Joá Pra ganhar um fuscão no juízo final
e não é só no Carnaval que vai pros bailes se acabar E diploma de bem-comportado
Fim de semana você deixa a companheira GONZAGUINHA. Luiz Gonzaga Jr. Rio de Janeiro: Odeon.
e no bar com os amigos bebe bem a noite inteira 1973 (fragmento).

Segunda-feira chega na repartição Pela análise do tema e dos procedimentos


pede dispensa para ir ao oculista argumentativos utilizados na letra da canção composta
e vai curar sua ressaca simplesmente por Gonzaguinha na década de 1970, infere-se o objetivo
Você não passa de um falso moralista de
NELSON SARGENTO. Sonho de um sambista. São Paulo:
a) ironizar a incorporação de ideias e atitudes
Eldorado, 1979.
conformistas.
As letras de samba normalmente se caracterizam por b) convencer o público sobre a importância dos deveres
apresentarem marcas informais do uso da língua. Nessa cívicos.
letra de Nelson Sargento, são exemplos dessas marcas c) relacionar o discurso religioso à resolução de
problemas sociais.
a) “falação” e “pros bailes”.
d) questionar o valor atribuído pela população às festas
b) “você” e “teatro de revista”. populares.
c) “perfeito” e “Carnaval”. e) defender uma postura coletiva indiferente aos valores
d) “bebe bem” e “oculista”. dominantes.
e) “curar” e “falso moralista”.

IT0005 -
IT0009 -
(Enem)
(Enem) Reaprender a ler notícias
Comportamento geral
Não dá mais para ler um jornal, revista ou assistir a um
Você deve estampar sempre um ar de alegria telejornal da mesma forma que fazíamos até o
E dizer: tudo tem melhorado surgimento da rede mundial de computadores. O
Você deve rezar pelo bem do patrão Observatório da Imprensa antecipou isso lá nos idos de
E esquecer que está desempregado 1996 quando cunhou o slogan “Você nunca mais vai ler
jornal do mesmo jeito”. De fato, hoje já não basta mais

@professorferretto @prof_ferretto 1
ler o que está escrito ou falado para estar bem diversos pelas regiões do Brasil. Esse processo revela
informado. É preciso conhecer as entrelinhas e saber que que
não há objetividade e nem isenção absolutas, porque
a) a escolha de “você” ou de “tu” está condicionada à
cada ser humano vê o mundo de uma forma diferente.
idade da pessoa que usa o pronome.
Ter um pé atrás passou a ser a regra básica número um
de quem passa os olhos por uma primeira página, capa b) a possibilidade de se usar tanto “tu” quanto “você”
de revista ou chamadas de um noticiário na TV. caracteriza a diversidade da língua.
Há uma diferença importante entre desconfiar de tudo e c) o pronome “tu” tem sido empregado em situações
procurar ver o maior número possível de lados de um informais por todo o país.
mesmo fato, dado ou evento. Apenas desconfiar não d) a ocorrência simultânea de “tu” e de “você” evidencia
resolve porque se trata de uma atitude passiva. É claro, a inexistência da distinção entre níveis de
tudo começa com a dúvida, mas a partir dela é formalidade.
necessário ser proativo, ou seja, investigar, estudar, e) o emprego de “você” em documentos escritos
procurar os elementos ocultos que sempre existem numa demonstra que a língua tende a se manter
notícia. No começo é um esforço solitário que pode se inalterada.
tornar coletivo à medida que mais pessoas descobrem
sua vulnerabilidade informativa.
Disponível em: www.observatoriodaimprensa.com.br.
Acesso em 30 set. 2015 (adaptado).
IT0001 - (Enem)
A volta do marido pródigo
No texto, os argumentos apresentados permitem inferir
– Bom dia, seu Marrinha! Como passou de ontem?
que o objetivo do autor é convencer os leitores a
– Bem. Já sabe, não é? Só ganha meio dia. [...]
a) buscarem fontes de informação comprometidas com a Lá além, Generoso cotuca Tercino:
verdade. – [...] Vai em festa, dorme que-horas, e, quando chega,
b) privilegiarem notícias veiculadas em jornais de grande ainda é todo enfeitado e salamistrão!...
circulação. – Que é que hei de fazer, seu Marrinha... Amanheci com
uma nevralgia... Fiquei com cisma de apanhar friagem...
c) adotarem uma postura crítica em relação às
– Hum...
informações recebidas.
– Mas o senhor vai ver como eu toco o meu serviço e
d) questionarem a prática jornalística anterior ao ainda faço este povo trabalhar...
surgimento da internet. [...]
e) valorizarem reportagens redigidas com imparcialidade Pintão suou para desprender um pedrouço, e teve de
diante dos fatos. pular para trás, para que a laje lhe não esmagasse um pé.
Pragueja:

IT0006 -
– Quem não tem brio engorda!
(Enem) – É... Esse sujeito só é isso, e mais isso... – opina Sidu.
Os linguistas têm notado a expansão do tratamento – Também, tudo p’ra ele sai bom, e no fim dá certo...
informal. “Tenho 78 anos e devia ser tratado por senhor, – diz Correia, suspirando e retomando o enxadão. – “P’ra
mas meus alunos mais jovens me tratam por você”, diz o uns, as vacas morrem ... p’ra outros até boi pega a
professor Ataliba Castilho, aparentemente sem se parir...”.
incomodar com a informalidade, inconcebível em seus Seu Marra já concordou:
tempos de estudante. O você, porém, não reinará – Está bem, seu Laio, por hoje, como foi por doença, eu
sozinho. O tu predomina em Porto Alegre e convive com aponto o dia todo. Que é a última vez!... E agora, deixa
o você no Rio de Janeiro e em Recife, enquanto você é o de conversa fiada e vai pegando a ferramenta!
tratamento predominante em São Paulo, Curitiba, Belo ROSA, J. G. Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.
Horizonte e Salvador. O tu já era mais próximo e menos
formal que você nas quase 500 cartas do acervo on-line Esse texto tem importância singular como patrimônio
de uma instituição universitária, quase todas de poetas, linguístico para a preservação da cultura nacional devido
políticos e outras personalidades do final do século XIX e
início do XX.
Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br. Acesso
em: 21 abr. 2015 (adaptado).

No texto, constata-se que os usos de pronomes variaram


ao longo do tempo e que atualmente têm empregos

@professorferretto @prof_ferretto 2
a) à menção a enfermidades que indicam falta de Sinhá
cuidado pessoal.
b) à referência a profissões já extintas que caracterizam a Se a dona se banhou
vida no campo. Eu não estava lá
Por Deus Nosso Senhor
c) aos nomes de personagens que acentuam aspectos de
Eu não olhei Sinhá
sua personalidade.
Estava lá na roça
d) ao emprego de ditados populares que resgatam Sou de olhar ninguém
memórias e saberes coletivos. Não tenho mais cobiça
e) às descrições de costumes regionais que Nem enxergo bem
desmistificam crenças e superstições.
Para que me pôr no tronco

IT0017 -
Para que me aleijar
(Enem) Eu juro a vosmecê
TEXTO I Que nunca vi Sinhá
Terezinha de Jesus […]
De uma queda foi ao chão Por que talhar meu corpo
Acudiu três cavalheiros Eu não olhei Sinhá
Todos os três de chapéu na mão Para que que vosmincê
O primeiro foi seu pai Meus olhos vai furar
O segundo, seu irmão Eu choro em iorubá
O terceiro foi aquele Mas oro por Jesus
A quem Tereza deu a mão Para que que vassuncê
BATISTA, M. F. B. M.; SANTOS, I. M. F. (Org.). Cancioneiro Me tira a luz.
da Paraíba. João Pessoa: Grafset, 1993 (adaptado). CHICO BUAROUE; JOÃO BOSCO. Chico. Rio de Janeiro:
Biscoito Fino, 2011 (fragmento).
TEXTO II
No fragmento da letra da canção, o vocabulário
Outra interpretação é feita e partir das condições sociais empregado e a situação retratada são relevantes para o
daquele tempo. Para a ama e para a criança para quem patrimônio linguístico e identitário do país, na medida
cantava a cantiga, e música falava do casamento como em que
um destino natural na vida da mulher, na sociedade
a) remetem à violência física e simbólica contra os povos
brasileira do século XIX, marcada pelo patriarcalismo. A
escravizados.
música prepara a moça para o seu destino não apenas
inexorável, mas desejável; o casamento, estabelecendo b) valorizam as influências da cultura africana sobre a
uma hierarquia de obediência (pai, irmão mais velho, música nacional.
marido), de acordo com a época e circunstâncias de sua c) relativizam o sincretismo constitutivo das práticas
vida. religiosas brasileiras.
Disponível em: http://provsjose.blogspot.com.br. Acesso d) narram os infortúnios da relação amorosa entre
em: 5 dez. 2012. membros de classes sociais diferentes.
e) problematizam as diferentes visões de mundo na
O comentário do Texto II sobre o Texto I evoca a sociedade durante o período colonial.
mobilização da língua oral que, em determinados
contextos,

a) assegura existência de pensamentos contrários à IT0015 - (Enem)


ordem vigente. O Instituto de Arte de Chicago disponibilizou para
b) mantém a heterogeneidade das formas de relações visualização on-line, compartilhamento ou download
sociais. (sob licença Creative Commons), 44 mil imagens de obras
de arte em altíssima resolução, além de livros, estudos e
c) conserva a influência sobre certas culturas.
pesquisas sobre a história da arte.
d) preserva a diversidade cultural e comportamental. Para o historiador da arte, Bendor Grosvenor, o sucesso
e) reforça comportamentos e padrões culturais. das coleções on-line de acesso aberto, além de
democratizar a arte, vem ajudando a formar um novo

IT0007 -
público museológico. Grosvenor acredita que quanto
(Enem)

@professorferretto @prof_ferretto 3
mais pessoas forem expostas à arte on-line, mais visitas VERISSIMO, L. F. Comédias da vida privada.
pessoais acontecerão aos museus. Porto Alegre: L&PM, 1996 (fragmento).
A coleção está disponível em seis categorias: paisagens
urbanas, impressionismo, essenciais, arte africana, moda No texto, há uma discussão sobre o uso de algumas
e animais. Também é possível pesquisar pelo nome da palavras da língua portuguesa. Esse uso promove o(a)
obra, estilo, autor ou período. Para navegar pela imagem
em alta definição, basta clicar sobre ela e utilizar a a) marcação temporal, evidenciada pela presença de
ferramenta de zoom. Para fazer o download, disponível palavras indicativas dos dias da semana.
para obras de domínio público, é preciso utilizar a seta b) tom humorístico, ocasionado pela ocorrência de
localizada do lado inferior direito da imagem. palavras empregadas em contextos formais.
Disponível em: www.revistabula.com. c) caracterização da identidade linguística dos
Acesso em: 5 dez. 2018 (adaptado). interlocutores, percebida pela recorrência de palavras
regionais.
A função da linguagem que predomina nesse texto se d) distanciamento entre os interlocutores, provocado
caracteriza por pelo emprego de palavras com significados pouco
conhecidos.
a) evidenciar a subjetividade da reportagem com base na
fala do historiador de arte. e) inadequação vocabular, demonstrada pela seleção de
palavras desconhecidas por parte de um dos
b) convencer o leitor a fazer o acesso on-line, levando-o
interlocutores do diálogo.
a conhecer as obras de arte.
c) informar sobre o acesso às imagens por meio da
descrição do modo como acessá-las.
d) estabelecer interlocução com o leitor, orientando-o a
IT0003 - (Enem)
A draga
fazer o download das obras de arte.
e) enaltecer a arte, buscando popularizá-la por meio da A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali, no
possibilidade de visualização on-line. Porto, como um pé de árvore ou uma duna.
– E que fosse uma casa de peixes?

IT0018 -
Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela,
(Enem) enraizados em suas ferragens.
De domingo Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-pega-
sapo.
–– Outrossim... [...]
–– O quê? Quando Mário morreu, um literato oficial, em necrológio
–– O que o quê? caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapo! Ai que
–– O que você disse. dor!
–– Outrossim? Ao literato cujo fazia-lhe nojo a forma coloquial.
–– É. Queria capturaem vez de pega para não macular (sic) a
–– O que é que tem? língua nacional lá dele...
–– Nada. Só achei engraçado. Da velha draga
–– Não vejo a graça. Abrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as
–– Você vai concordar que não é uma palavra de todos os expressões: estar na draga, viver na draga por estar sem
dias. dinheiro, viver na miséria
–– Ah, não é. Aliás, eu só uso domingo. Que ora ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Hollanda
–– Se bem que parece mais uma palavra de segunda- Para que as registre em seus léxicos
feira. Pois que o povo já as registrou.
–– Não. Palavra de segunda-feira é “óbice”. BARROS, M. Gramática expositiva do chão: poesia quase
–– “Ônus”. toda. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1990
–– “Ônus” também. “Desiderato”. “Resquício”. (fragmento).
–– “Resquício” é de domingo.
–– Não, não. Segunda. No máximo terça. Ao criticar o preciosismo linguístico do literato e ao
–– Mas “outrossim”, francamente... sugerir a dicionarização de expressões locais, o poeta
–– Qual o problema? expressa uma concepção de língua que
–– Retira o “outrossim”.
–– Não retiro. É uma ótima palavra. Aliás é uma palavra
difícil de usar. Não é qualquer um que usa “outrossim”.

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a) contrapõe características da escrita e da fala. expressavam mal. Domingos Jorge Velho, o paulista que
b) ironiza a comunicação fora da norma-padrão. destruiu o Quilombo dos Palmares em 1694, foi descrito
pelo bispo de Pernambuco como “um bárbaro que nem
c) substitui regionalismos por registros formais.
falar sabe”. Em suas andanças, essa gente batizou lugares
d) valoriza o uso de variedades populares. como Avanhandava (lugar onde o índio corre),
e) defende novas regras gramaticais. Pindamonhangaba (lugar de fazer anzol) e Itu
(cachoeira). E acabou inventando uma nova língua.

IT0013 -(Enem) “Os escravos dos bandeirantes vinham de mais de 100


tribos diferentes”, conta o historiador e antropólogo John
Seu delegado
Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas. “Isso
Eu sou viúvo e tenho um filho homem mudou o tupi paulista, que, além da influência do
Arrumei uma viúva e fui me casar português, ainda recebia palavras de outros idiomas.” O
A minha sogra era muito teimosa resultado da mistura ficou conhecido como língua geral
Com o meu filho foi se matrimoniar do sul, uma espécie de tupi facilitado.
Desse matrimônio nasceu um garoto ANGELO. C. Disponível em: http://super.abril.com.br.
Desde esse dia que eu ando é louco Acesso em: 8 ago. 2012 (adaptado).
Esse garoto é filho do meu filho
E o filho da minha sogra é irmão da minha mulher O texto trata de aspectos sócio-históricos da formação
Ele é meu neto e eu sou cunhado dele linguística nacional. Quanto ao papel do tupi na
A minha nora é minha sogra formação do português brasileiro, depreende-se que
Meu filho meu sogro é essa língua indígena
Nessa confusão já nem sei quem sou
a) contribuiu efetivamente para o léxico, com nomes
Acaba esse garoto sendo meu avô.
relativos aos traços característicos dos lugares
TRIO FORROZÃO. Agitando a rapaziada. Rio de Janeiro:
designados.
Natasha Records, 2009.
b) originou o português falado em São Paulo no século
Nessa letra da canção, a suposição do último verso XVII, em cuja base gramatical também está a fala de
sinaliza a intenção do autor de variadas etnias indígenas.
c) desenvolveu-se sob influência dos trabalhos de
a) ironizar as relações familiares modernas. catequese dos padres portugueses vindos de Lisboa.
b) reforçar o humor da situação representada. d) misturou-se aos falares africanos, em razão das
c) expressar perplexidade em relação ao parente. interações entre portugueses e negros nas investidas
d) atribuir à criança a causa da dúvida existencial. contra o Quilombo dos Palmares.
e) questionar os lugares predeterminados da família. e) expandiu-se paralelamente ao português falado pelo
colonizador, e juntos originaram a língua dos

IT0016 -
bandeirantes paulistas.
(Enem)

IT0004 -
A língua tupi no Brasil
(Enem)
Há 300 anos, morar na vila de São Paulo de Piratininga Estojo escolar
(peixe seco, em tupi) era quase sinônimo de falar língua
de índio. Em cada cinco habitantes da cidade, só dois Rio de Janeiro – Noite dessas, ciscando num desses
conheciam o português. Por isso, em 1698, o governador canais a cabo, vi uns caras oferecendo maravilhas
da província, Artur de Sá e Meneses, implorou a Portugal eletrônicas, bastava telefonar e eu receberia um
que só mandasse padres que soubessem “a língua geral notebook capaz de me ajudar a fabricar um navio, uma
dos índios”, pois “aquela gente não se explica em outro estação espacial.
idioma”. [...] Como pretendo viajar esses dias, habilitei-me a
comprar aquilo que os caras anunciavam como o top do
Derivado do dialeto de São Vicente, o tupi de São Paulo top em matéria de computador portátil.
se desenvolveu e se espalhou no século XVII, graças ao No sábado, recebi um embrulho complicado que
isolamento geográfico da cidade e à atividade pouco necessitava de um manual de instruções para ser aberto.
cristã dos mamelucos paulistas: as bandeiras, expedições [...] De repente, como vem acontecendo nos últimos
ao sertão em busca de escravos índios. Muitos tempos, houve um corte na memória e vi diante de mim
bandeirantes nem sequer falavam o português ou se

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o meu primeiro estojo escolar. Tinha 5 anos e ia para o Disponível em: www.migalhas.com.br. Acesso em: 23 set.
jardim de infância. 2020 (adaptado).
Era uma caixinha comprida, envernizada, com uma
tampa que corria nas bordas do corpo principal. Dentro, Essa petição de habeas corpus, ao transgredir o rigor da
arrumados em divisões, havia lápis coloridos, um linguagem jurídica,
apontador, uma lapiseira cromada, uma régua de 20 cm
e uma borracha para apagar meus erros. a) permite que a narrativa seja objetiva e repleta de
sentidos denotativos.
[...] Da caixinha vinha um cheiro gostoso, cheiro que
nunca esqueci e que me tonteava de prazer. [...] b) mostra que o cordel explora termos próprios da esfera
O notebook que agora abro é negro e, em matéria de do direito.
cheiro, é abominável. Cheira vilmente a telefone celular, c) demonstra que o jogo de linguagem proposto atenua a
a cabine de avião, a aparelho de ultrassonografia onde gravidade do delito.
outro dia uma moça veio ver como sou por dentro. Acho d) exemplifica como o texto em forma de cordel
que piorei de estojo e de vida. compromete a solicitação pretendida.
CONY, C. H. Crônicas para ler na escola. São Paulo: e) esclarece que os termos “crime” e “processo de
Objetiva, 2009 (adaptado). contravenção” são sinônimos.

No texto, há marcas da função da linguagem que nele


predomina. Essas marcas são responsáveis por colocar
em foco o(a)
IT0002 - (Enem)
Não que Pelino fosse químico, longe disso; mas era sábio,
a) mensagem, elevando-a à categoria de objeto estético era gramático. Ninguém escrevia em Tubiacanga que não
do mundo das artes. levasse bordoada do Capitão Pelino, e mesmo quando se
b) código, transformando a linguagem utilizada no texto falava em algum homem notável lá no Rio, ele não
na própria temática abordada. deixava de dizer: “Não há dúvida! O homem tem talento,
mas escreve: ‘um outro’, ‘de resto’...” E contraía os lábios
c) contexto, fazendo das informações presentes no texto
como se tivesse engolido alguma cousa amarga.
seu aspecto essencial.
Toda a vila de Tubiacanga acostumou-se a respeitar o
d) enunciador, buscando expressar sua atitude em solene Pelino, que corrigia e emendava as maiores
relação ao conteúdo do enunciado.
glórias nacionais. Um sábio...
e) interlocutor, considerando-o responsável pelo Ao entardecer, depois de ler um pouco o Sotero, o
direcionamento dado à narrativa pelo enunciador. Candido de Figueiredo ou o Castro Lopes, e de ter
passado mais uma vez a tintura nos cabelos, o velho

IT0014 -
mestre-escola saía vagarosamente de casa, muito
(Enem) abotoado no seu paletó de brim mineiro, e encaminhava-
Senhor Juiz se para a botica do Bastos a dar dous dedos de prosa.
Conversar é um modo de dizer, porque era Pelino avaro
O instrumento do “crime” que se arrola de palavras, limitando-se tão-somente a ouvir. Quando,
Nesse processo de contravenção porém, dos lábios de alguém escapava a menor
Não é faca, revólver ou pistola, incorreção de linguagem, intervinha e emendava. “Eu
Simplesmente, doutor, é um violão. asseguro, dizia o agente do Correio, que…” Por aí, o
mestre-escola intervinha com mansuetude evangélica:
Será crime, afinal, será pecado, “Não diga ‘asseguro’, Senhor Bernardes; em português é
Será delito de tão vis horrores, garanto”.
Perambular na rua um desgraçado E a conversa continuava depois da emenda, para ser de
Derramando nas praças suas dores? novo interrompida por uma outra. Por essas e outras,
houve muitos palestradores que se afastaram, mas
Mande, pois, libertá-lo da agonia Pelino, indiferente, seguro dos seus deveres, continuava
(a consciência assim nos insinua) o seu apostolado de vernaculismo.
Não sufoque o cantar que vem da rua, BARRETO, L. A Nova Califórnia. Disponível em:
Que vem da noite para saudar o dia. www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 24 jul. 2019.

É o apelo que aqui lhe dirigimos, Do ponto de vista linguístico, a defesa da norma-padrão
Na certeza do seu acolhimento pelo personagem caracteriza-se por
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento

@professorferretto @prof_ferretto 6
a) contestar o ensino de regras em detrimento do a) emotiva, porque o poeta expõe os sentimentos de
conteúdo das informações. angústia que o levaram à criação poética.
b) resgatar valores patrióticos relacionados às tradições b) referencial, porque o texto informa sobre a origem do
da língua portuguesa. nome empregado em um famoso poema de
c) adotar uma perspectiva complacente em relação aos Bandeira.
desvios gramaticais. c) metalinguística, porque o poeta tece comentários
d) invalidar os usos da língua pautados pelos preceitos sobre a gênese e o processo de escrita de um de seus
da gramática normativa. poemas.
e) desconsiderar diferentes níveis de formalidade nas d) poética, porque o texto aborda os elementos estéticos
situações de comunicação. de um dos poemas mais conhecidos de Bandeira.
e) apelativa, porque o poeta tenta convencer os leitores

IT0010 -
sobre sua dificuldade de compor um poema.
(Enem)

IT0011 -
Vou-me embora p’ra Pasárgada foi o poema de mais
longa gestação em toda a minha obra. Vi pela primeira (Enem)
vez esse nome Pasárgada quando tinha os meus Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário
dezesseis anos e foi num autor grego. [...] Esse nome de público, certo de que a língua portuguesa é emprestada
Pasárgada, que significa “campo dos persas” ou “tesouro ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o
dos persas”, suscitou na minha imaginação uma escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se
paisagem fabulosa, um país de delícias, como o veem na humilhante contingência de sofrer
de L’invitation au Voyage, de Baudelaire. Mais de vinte continuamente censuras ásperas dos proprietários da
anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os
do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais autores e os escritores, com especialidade os gramáticos,
aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito em não se entendem no tocante à correção gramatical,
minha vida por motivo da doença, saltou-me de súbito vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os
do subconsciente este grito estapafúrdio: “Vou-me mais profundos estudiosos do nosso idioma – usando do
embora p’ra Pasárgada!” Senti na redondilha a primeira direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o
célula de um poema, e tentei realizá-lo, mas fracassei. Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua
Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de oficial e nacional do povo brasileiro.
desalento e tédio, me ocorreu o mesmo desabafo de BARRETO, L. Triste fim de Policarpo Quaresma. Disponível
evasão da “vida besta”. Desta vez o poema saiu sem em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 26 jun.
esforço como se já estivesse pronto dentro de mim. 2012
Gosto desse poema porque vejo nele, em escorço, toda a
minha vida; [...] Não sou arquiteto, como meu pai Nessa petição da pitoresca personagem do romance de
desejava, não fiz nenhuma casa, mas reconstruí e “não Lima Barreto, o uso da norma-padrão justifica-se pela
de uma forma imperfeita neste mundo de aparências’,
uma cidade ilustre, que hoje não é mais a Pasárgada de a) situação social de enunciação representada.
Ciro, e sim a “minha” Pasárgada. b) divergência teórica entre gramáticos e literatos.
BANDEIRA, M. Itinerário da Pasárgada. Rio de Janeiro: c) pouca representatividade das línguas indígenas.
Nova Fronteira; Brasília: INL, 1984 d) atitude irônica diante da língua dos colonizadores.
e) tentativa de solicitação do documento demandado.
Os processos de interação comunicativa preveem a
presença ativa de múltiplos elementos da comunicação,
entre os quais se destacam as funções da linguagem.
Nesse fragmento, a função da linguagem predominante
IT0012 - (Enem)
Relatos de viagem: nas curvas da Nacional 222, em
é
Portugal

Em abril deste ano, fomos a Portugal para uma


viagem de um mês que esperávamos há um ano. Pois no
dia 4 de maio, chegávamos ao Aeroporto Francisco Sá
Carneiro, no Porto. Que linda a “antiga, muy nobre,
sempre leal e invicta” cidade do Porto! “Encantei-me”,
diriam eles... pelas belas paisagens, construções

@professorferretto @prof_ferretto 7
históricas com lindas fachadas, parques e praças muito a) Ainda que a prática cardiovascular seja infinitamente
bem cuidados. mais significativa e determinante para a nossa saúde
Os tripeiros, sinônimo de portuenses, têm orgulho orgânica como um todo, essa ordem deveria ser
de sua cidade, apelidada de Invicta – nunca foi invadida. revista, podendo ser considerada o “coração” de um
E valorizam tudo o que há de bom ali, como “a melhor treinamento consciente e saudável.
estrada para se dirigir do mundo”, a Nacional 222. b) Para evitar que a prática cardiovascular se torne
Pois na manhã do 25 de abril, dia da Revolução infinitamente mais significativa e determinante para a
dos Cravos, resolvemos conhecer a tal maravilha. A cada nossa saúde orgânica como um todo, podendo ser
10 km tínhamos que encostar: corríamos, dançávamos, considerada o “coração” de um treinamento
tomávamos chocolate quente, sopa, tudo que fosse consciente e saudável, essa ordem deveria ser
quentinho. E lá íamos para mais uma etapa. Uma revista.
aventura deliciosa. Depois de três horas – mais ou menos
c) Quando a prática cardiovascular for infinitamente mais
o dobro do tempo necessário, não fossem as paradas
significativa e determinante para a nossa saúde
para aquecimento –, chegamos a casa! Congelados, mas
orgânica como um todo, essa ordem deveria ser
maravilhados e invictos!
revista, podendo ser considerada o “coração” de um
Disponível em: https://oglobo.globo.com. Acesso em: 6
treinamento consciente e saudável.
dez. 2017 (adaptado).
d) Quanto mais a prática cardiovascular é infinitamente
Nesse texto, busca-se seduzir o leitor por meio da mais significativa e determinante para a nossa saúde
exploração de uma voz externa sobre a identidade orgânica como um todo, podendo ser considerada o
histórica do povo português. O trecho que evidencia esse “coração” de um treinamento consciente e saudável,
procedimento argumentativo é essa ordem deveria ser revista.
e) Essa ordem deveria ser revista: a prática
a) “Que linda a ‘antiga, muy nobre, sempre leal e invicta’ cardiovascular é infinitamente mais significativa e
cidade do Porto!”. determinante para a nossa saúde orgânica como um
b) “Encantei-me’, diriam eles... pelas belas paisagens, todo, podendo ser considerada o “coração” de um
construções históricas com lindas fachadas [...]”. treinamento consciente e saudável.
c) “Os tripeiros, sinônimo de portuenses, têm orgulho de

IT0292 -
sua cidade [...]”.
d) “E valorizam tudo o que há de bom ali, como ‘a (Fuvest)
melhor estrada para se dirigir do mundo’ [...]”. No modelo hegemônico, quase todo o treinamento é
e) “Pois na manhã do 25 de abril, dia da Revolução dos reservado para o desenvolvimento muscular, sobrando
Cravos, resolvemos conhecer a tal maravilha”. muito pouco tempo para a mobilidade, a flexibilidade, o
treino restaurativo, o relaxamento e o treinamento
cardiovascular. Na teoria, seria algo em torno de 70%
IT0291 - (Fuvest)
para o fortalecimento, 20% para o cárdio e 10% para a
flexibilidade e outros. Na prática, muitos alunos
No modelo hegemônico, quase todo o treinamento é
direcionam 100% do tempo para o fortalecimento.
reservado para o desenvolvimento muscular, sobrando
Como a prática cardiovascular é infinitamente mais
muito pouco tempo para a mobilidade, a flexibilidade, o
significativa e determinante para a nossa saúde orgânica
treino restaurativo, o relaxamento e o treinamento
como um todo, podendo ser considerada o “coração” de
cardiovascular. Na teoria, seria algo em torno de 70%
um treinamento consciente e saudável, essa ordem
para o fortalecimento, 20% para o cárdio e 10% para a
deveria ser revista.
flexibilidade e outros. Na prática, muitos alunos
Nuno Cobra Jr. “Fitness não é saúde”. Uol. 06/05/2021.
direcionam 100% do tempo para o fortalecimento.
Adaptado.
Como a prática cardiovascular é infinitamente mais
significativa e determinante para a nossa saúde orgânica
Dentre as expressões destacadas, a que exerce a mesma
como um todo, podendo ser considerada o “coração” de
função sintática do termo sublinhado em “o treino
um treinamento consciente e saudável, essa ordem
restaurativo, o relaxamento e o treinamento
deveria ser revista.
cardiovascular” é:
Nuno Cobra Jr. “Fitness não é saúde”. Uol. 06/05/2021.
Adaptado.

Sem alteração de sentido, o segundo parágrafo do texto


poderia ser reescrito da seguinte maneira:

@professorferretto @prof_ferretto 8
a) um atleta de seleção precisa de treinamento intenso. piedade gostosa, um sentimento particular, íntimo,
b) o amor ao esporte é fundamental para o atleta. profundo, – que o faria desejar outros pesadelos, para
que o assassinassem aos olhos dela, e para que ela
c) a população incorpora radicalmente atitudes
gritasse angustiada, convulsa, cheia de dor e de pavor.
saudáveis.
Machado de Assis. Quincas Borba, cap. CLXI.
d) muitas pessoas se beneficiam de alimentos verdes.
e) todo tipo de atividade física faz bem à saúde mental. A visão do eu lírico no texto I

a) volta-se nostálgica para as imagens de uma


IT0293 - (Fuvest)
lembrança.
b) centra-se com desprezo na figura do animal
Leia os seguintes textos de Machado de Assis:
agonizante.
I. c) apreende displicentemente o movimento dos
Suave mari magno* transeuntes.
d) ganha distância da cena para captar todos os seus
Lembra-me que, em certo dia, aspectos.
Na rua, ao sol de verão, e) apresenta o espectador da crueldade como um ser
Envenenado morria incomum.
Um pobre cão.

Arfava, espumava e ria,


De um riso espúrio e bufão,
IT0294 - (Fuvest)
Leia os seguintes textos de Machado de Assis:
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.
I.
Suave mari magno*
Nenhum, nenhum curioso
Passava, sem se deter,
Lembra-me que, em certo dia,
Silencioso,
Na rua, ao sol de verão,
Envenenado morria
Junto ao cão que ia morrer,
Um pobre cão.
Como se lhe desse gozo
Ver padecer.
Arfava, espumava e ria,
Machado de Assis. Ocidentais.
De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
* Expressão latina, retirada de Lucrécio (Da natureza das
Na convulsão.
coisas), a qual aparece no seguinte trecho: Suave, mari
magno, turbantibus aequora ventis/ E terra magnum
Nenhum, nenhum curioso
alterius spectare laborem. (“É agradável, enquanto no
Passava, sem se deter,
mar revoltoso os ventos levantam as águas, observar da
Silencioso,
terra os grandes esforços de um outro.”).
Junto ao cão que ia morrer,
II.
Como se lhe desse gozo
Tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e
Ver padecer.
que o melhor modo de apreciar o chicote é ter-lhe o
Machado de Assis. Ocidentais.
cabo na mão.
Machado de Assis. Quincas Borba, cap. XVIII.
* Expressão latina, retirada de Lucrécio (Da natureza das
coisas), a qual aparece no seguinte trecho: Suave, mari
III.
magno, turbantibus aequora ventis/ E terra magnum
Sofia soltou um grito de horror e acordou. Tinha ao pé do
alterius spectare laborem. (“É agradável, enquanto no
leito o marido:
mar revoltoso os ventos levantam as águas, observar da
– Que foi? perguntou ele.
terra os grandes esforços de um outro.”).
– Ah! respirou Sofia. Gritei, não gritei?
(...)
II.
– Sonhei que estavam matando você.
Tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e
Palha ficou enternecido. Havê-la feito padecer por ele,
que o melhor modo de apreciar o chicote é ter-lhe o
ainda que em sonhos, encheu-o de piedade, mas de uma

@professorferretto @prof_ferretto 9
cabo na mão.
Machado de Assis. Quincas Borba, cap. XVIII. Junto ao cão que ia morrer,
Como se lhe desse gozo
III. Ver padecer.
Sofia soltou um grito de horror e acordou. Tinha ao pé do Machado de Assis. Ocidentais.
leito o marido:
– Que foi? perguntou ele. * Expressão latina, retirada de Lucrécio (Da natureza das
– Ah! respirou Sofia. Gritei, não gritei? coisas), a qual aparece no seguinte trecho: Suave, mari
(...) magno, turbantibus aequora ventis/ E terra magnum
– Sonhei que estavam matando você. alterius spectare laborem. (“É agradável, enquanto no
Palha ficou enternecido. Havê-la feito padecer por ele, mar revoltoso os ventos levantam as águas, observar da
ainda que em sonhos, encheu-o de piedade, mas de uma terra os grandes esforços de um outro.”).
piedade gostosa, um sentimento particular, íntimo,
profundo, – que o faria desejar outros pesadelos, para II.
que o assassinassem aos olhos dela, e para que ela Tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e
gritasse angustiada, convulsa, cheia de dor e de pavor. que o melhor modo de apreciar o chicote é ter-lhe o
Machado de Assis. Quincas Borba, cap. CLXI. cabo na mão.
Machado de Assis. Quincas Borba, cap. XVIII.
A analogia consiste em um recurso de expressão
comumente utilizado para ilustrar um raciocínio por meio III.
da semelhança que se observa entre dois fatos ou ideias. Sofia soltou um grito de horror e acordou. Tinha ao pé do
No texto II, a analogia construída a partir da imagem do leito o marido:
chicote pretende sugerir que – Que foi? perguntou ele.
– Ah! respirou Sofia. Gritei, não gritei?
a) o instrumento do castigo nem sempre cai em mãos
(...)
justas. – Sonhei que estavam matando você.
b) o apreço aos objetos independe do uso que se faz Palha ficou enternecido. Havê-la feito padecer por ele,
deles. ainda que em sonhos, encheu-o de piedade, mas de uma
c) o cabo é metáfora de mérito, e a ponta, metáfora de piedade gostosa, um sentimento particular, íntimo,
culpa. profundo, – que o faria desejar outros pesadelos, para
d) o mais fraco, por ser compassivo, é incapaz de que o assassinassem aos olhos dela, e para que ela
desfrutar do poder. gritasse angustiada, convulsa, cheia de dor e de pavor.
e) o prazer verdadeiro se experimenta no lado dos Machado de Assis. Quincas Borba, cap. CLXI.
dominantes.
No texto III, ao analisar a interioridade de Palha, o
narrador descobre, no pensamento oculto do
IT0295 - (Fuvest)
negociante,
Leia os seguintes textos de Machado de Assis: a) a ternura que lhe inspira a mulher, capaz de toda
abnegação.
I. b) a piedade que lhe causa a mulher, a quem só guarda
Suave mari magno* desprezo.
c) a vaidade que beira o sadismo, ao ver a mulher sofrer
Lembra-me que, em certo dia,
por ele.
Na rua, ao sol de verão,
d) o gozo vingativo, visto que a mulher o trai com Carlos
Envenenado morria
Um pobre cão. Maria.
e) o remorso do infiel, pois ele trai a mulher com Maria
Arfava, espumava e ria, Benedita.
De um riso espúrio e bufão,

IT0296 -
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão. (Fuvest)
A taxação de livros tem um efeito cascata que acaba
Nenhum, nenhum curioso custando caro não apenas ao leitor, como também ao
Passava, sem se deter, mercado editorial – que há anos não anda bem das
Silencioso, pernas – e, em última instância, ao desenvolvimento

@professorferretto @prof_ferretto 10
econômico do país. A gente explica. Taxar um produto apelo comercial, mas igualmente importantes para a
significa, quase sempre, um aumento no valor do pluralidade de ideias. Já deu para perceber a confusão,
produto final. Isso porque ao menos uma parte desse não é? Mas, além disso, qual seria o custo de uma
imposto será repassada ao consumidor, especialmente se sociedade com menos leitores e menos livros?
considerarmos que as editoras e livrarias enfrentam há Taís Ilhéu. “Por que taxar os livros pode gerar retrocesso
anos uma crise que agora está intensificada pela social e econômico no país”. Guia do Estudante.
pandemia e não poderiam retirar o valor desse imposto Setembro/2020. Adaptado
de seu já apertado lucro. Livros mais caros também
resultam em queda de vendas, que, por sua vez, No texto, os pronomes em negrito referem-se,
enfraquece ainda mais editoras e as impede de investir respectivamente, a:
em novas publicações – especialmente aquelas de menor
apelo comercial, mas igualmente importantes para a a) taxação de livros, mercado editorial, crise, queda de
vendas.
pluralidade de ideias. Já deu para perceber a confusão,
não é? Mas, além disso, qual seria o custo de uma b) taxação de livros, leitor, crise, queda de vendas.
sociedade com menos leitores e menos livros? c) efeito cascata, mercado editorial, crise, queda de
Taís Ilhéu. “Por que taxar os livros pode gerar retrocesso vendas.
social e econômico no país”. Guia do Estudante. d) efeito cascata, mercado editorial, livrarias, livros.
Setembro/2020. Adaptado e) efeito cascata, leitor, crise, livros.

De acordo com o texto, os eventos sequenciais aos quais


alude a expressão “efeito cascata” são:
IT0298 - (Fuvest)
a) livros mais caros, decréscimo de vendas, estímulo às Chega um momento em que a tensão eu/mundo se
editoras, supressão de investimento em novas exprime mediante uma perspectiva crítica, imanente à
publicações. escrita, o que torna o romance não mais uma variante
b) aumento do valor do produto final, queda de vendas, literária da rotina social, mas o seu avesso; logo, o oposto
encolhimento das editoras, aumento do investimento do discurso ideológico do homem médio. O romancista
em novas obras. “imitaria” a vida, sim, mas qual vida? Aquela cujo sentido
dramático escapa a homens e mulheres entorpecidos ou
c) livros mais caros, instabilidade nas vendas,
automatizados por seus hábitos cotidianos. A vida como
enfraquecimento das editoras, expansão das
objeto de busca e construção, e não a vida como
publicações.
encadeamento de tempos vazios e inertes. Caso essa
d) aumento do valor do produto final, contração nas pobre vida-morte deva ser tematizada, ela aparecerá
vendas, esgotamento das editoras, falta de
como tal, degradada, sem a aura positiva com que as
investimento em novas publicações. palavras “realismo” e “realidade” são usadas nos
e) livros mais caros, equilíbrio nas vendas, diminuição discursos que fazem a apologia conformista da “vida
das editoras, carência de investimento em novas como ela é”...
publicações. A escrita da resistência, a narrativa atravessada pela
tensão crítica, mostra, sem retórica nem alarde

IT0297 -
ideológico, que essa “vida como ela é” é, quase sempre,
(Fuvest) o ramerrão [repetição] de um mecanismo alienante,
A taxação de livros tem um efeito cascata que acaba precisamente o contrário da vida plena e digna de ser
custando caro não apenas ao leitor, como também ao vivida.
mercado editorial – que há anos não anda bem das É nesse sentido que se pode dizer que a narrativa
pernas – e, em última instância, ao desenvolvimento descobre a vida verdadeira, e que esta abraça e
econômico do país. A gente explica. Taxar um produto transcende a vida real. A literatura, com ser ficção,
significa, quase sempre, um aumento no valor do resiste à mentira. É nesse horizonte que o espaço da
produto final. Isso porque ao menos uma parte desse literatura, considerado em geral como lugar da fantasia,
imposto será repassada ao consumidor, especialmente se pode ser o lugar da verdade mais exigente.
considerarmos que as editoras e livrarias enfrentam há Alfredo Bosi. “Narrativa e resistência”. Adaptado.
anos uma crise que agora está intensificada pela
pandemia e não poderiam retirar o valor desse imposto O conceito de resistência, expresso pela tensão do
de seu já apertado lucro. Livros mais caros também indivíduo perante o mundo, adquire perspectiva crítica
resultam em queda de vendas, que, por sua vez, na escrita do romance quando o autor
enfraquece ainda mais editoras e as impede de investir
em novas publicações – especialmente aquelas de menor

@professorferretto @prof_ferretto 11
a) rompe a superfície enganosa da realidade. Uma última gargalhada estrondosa. 1E depois, o silêncio.
b) forja um realismo rente à vida mesquinha. O palhaço jazia 2imóvel no chão. 3Mas seu rosto continua
c) é neutro ao figurar a vacuidade do presente. sorrindo, para sempre. Porque a carreira original do
d) conserva o discurso positivo da ordem. Coringa era para durar apenas 30 páginas. O tempo de
e) consegue sobrepor a fantasia à verdade. envenenar Gotham, sequestrar 4Robin, enfiar um par de
sopapos na Homem-Morcego e disparar o primeiro “vou
te matar” da sua relação. Na briga final do Batman nº. 1,
IT0299 - (Fuvest)
o “horripilante bufão” sofria um final digno de sua
desumana ironia: 5ao tropeçar, cravava sua própria adaga
A escrita faz de tal modo parte de nossa civilização que
poderia servir de definição dela própria. A história da no peito. Assim decidiram e desenharam 6seus pais, os
humanidade se divide em duas imensas eras: antes e a artistas Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson.
partir da escrita. Talvez venha o dia de uma terceira era Entretanto, o criminoso mostrou, já em sua primeira
— depois da escrita. Vivemos os séculos da civilização aventura, um enorme talento para 7se rebelar contra a
escrita. Todas as nossas sociedades baseiam-se no ordem estabelecida. 8Seu carisma seduziu a editora DC
escrito. A lei escrita substitui a lei oral, o contrato escrito
Comics, que impôs o acréscimo de um quadrinho. Já
substitui a convenção verbal, a religião escrita se seguiu à
dentro da ambulância, vinha à tona “um dado
tradição lendária. E sobretudo não existe história que
desconcertante”. E então um médico sentenciava:
não se funde sobre textos.
“Continua 9vivo. E vai sobreviver!”.
Charles Higounet. A história da escrita. Adaptado.
Tommaso Koch. “O Coringa completa 80 anos e na
Espanha ganha duas HQs, que inspiram debates
A escrita poderia servir de definição da nossa civilização,
filosóficos sobre a liberdade”,
uma vez que
EI País. Junho/2020.
a) a terceira era está prestes a acontecer.
b) o escrito respalda as atividades humanas. No fragmento “ao tropeçar, cravava sua própria adaga no
peito.” (ref. 5), a oração em negrito abrange,
c) as convenções verbais substituíram o escrito.
simultaneamente, as noções de
d) a oralidade deixou de ser usada em períodos remotos.
e) os textos pararam de se modificar a partir da escrita. a) proporção e explicação.
b) causa e proporção.

IT0300 - (Fuvest)
c) tempo e consequência.
d) explicação e consequência.
A escrita faz de tal modo parte de nossa civilização que
e) tempo e causa.
poderia servir de definição dela própria. A história da
humanidade se divide em duas imensas eras: antes e a
partir da escrita. Talvez venha o dia de uma terceira era
— depois da escrita. Vivemos os séculos da civilização
IT0302 - (Fuvest)
escrita. Todas as nossas sociedades baseiam-se no Uma última gargalhada estrondosa. 1E depois, o silêncio.
escrito. A lei escrita substitui a lei oral, o contrato escrito O palhaço jazia 2imóvel no chão. 3Mas seu rosto continua
substitui a convenção verbal, a religião escrita se seguiu à sorrindo, para sempre. Porque a carreira original do
tradição lendária. E sobretudo não existe história que Coringa era para durar apenas 30 páginas. O tempo de
não se funde sobre textos. envenenar Gotham, sequestrar 4Robin, enfiar um par de
Charles Higounet. A história da escrita. Adaptado. sopapos na Homem-Morcego e disparar o primeiro “vou
te matar” da sua relação. Na briga final do Batman nº. 1,
A locução conjuntiva “de tal modo…que” e o advérbio o “horripilante bufão” sofria um final digno de sua
“sobretudo”, respectivamente, expressam noção de:
desumana ironia: 5ao tropeçar, cravava sua própria adaga
a) conformidade e dúvida. no peito. Assim decidiram e desenharam 6seus pais, os
b) consequência e realce. artistas Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson.
c) condição e negação. Entretanto, o criminoso mostrou, já em sua primeira
d) consequência e negação. aventura, um enorme talento para 7se rebelar contra a
e) condição e realce. ordem estabelecida. 8Seu carisma seduziu a editora DC
Comics, que impôs o acréscimo de um quadrinho. Já
dentro da ambulância, vinha à tona “um dado
IT0301 - (Fuvest)

@professorferretto @prof_ferretto 12
desconcertante”. E então um médico sentenciava: a) se acomoda nos limites da vulgaridade.
“Continua 9vivo. E vai sobreviver!”. b) tenta imitar a retórica dos dominantes.
Tommaso Koch. “O Coringa completa 80 anos e na c) reproduz a lógica do determinismo social.
Espanha ganha duas HQs, que inspiram debates
d) atinge a neutralidade do espírito maduro.
filosóficos sobre a liberdade”,
e) revira os lados contrários da opinião.
EI País. Junho/2020.

As vírgulas em “E depois, o silêncio.” (ref. 1) e em “Mas


seu rosto continua sorrindo, para sempre.” (ref. 3) são IT0306 -
(Fuvest)
usadas, respectivamente, com a mesma finalidade que as Romance LIII ou Das Palavras Aéreas
vírgulas em
Ai, palavras, ai, palavras,
a) “Após a queda, tomaram mais cuidado.” e “Quanto que estranha potência, a vossa!
mais espaço, mais liberdade.”. Ai, palavras, ai, palavras,
b) “Aos estrangeiros, ofereceram iguarias.” e “Limpavam sois de vento, ides no vento,
a casa, e preparávamos as refeições.”. no vento que não retorna,
c) “Colheram trigo e nós, algodão.” e “Eles se e, em tão rápida existência,
encontraram nas férias, mas não viajaram.”. tudo se forma e transforma!
d) “Para meus amigos, o melhor.” e “Organizava tudo,
cautelosamente.”. Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova! (...)
e) “Viu o espetáculo, considerado o maior fenômeno de
bilheteria.” e “‘Conheço muito bem’, afirmou o rapaz.”.
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!

IT0303 - (Fuvest)
Perdão podíeis ter sido!
– sois madeira que se corta,
– Posso furar os olhos do povo?
– sois vinte degraus de escada,
Esta frase besta foi repetida muitas vezes e, em falta de
– sois um pedaço de corda...
coisa melhor, aceitei-a. Sem dúvida. As mulheres hoje
– sois povo pelas janelas,
não vivem como antigamente, escondidas, evitando os
cortejo, bandeiras, tropa...
homens. Tudo é descoberto, cara a cara. Uma pessoa
topa outra. Se gostou, gostou; se não gostou, até logo. E Ai, palavras, ai, palavras,
eu de fato não tinha visto nada. As aparências mentem. A
que estranha potência, a vossa!
terra não é redonda? Esta prova da inocência de Marina
Éreis um sopro na aragem...
me pareceu considerável. Tantos indivíduos condenados
– sois um homem que se enforca!
injustamente neste mundo ruim! O retirante que fora Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência.
encontrado violando a filha de quatro anos – estava aí
um exemplo. As vizinhas tinham visto o homem
A “estranha potência” que a voz lírica ressalta nas
afastando as pernas da menina, todo o mundo pensava
palavras decorre de uma combinação entre
que ele era um monstro. Engano. Quem pode lá jurar
que isto é assim ou assado? Procurei mesmo capacitar- a) fluidez nos ventos do presente e conteúdo fixo no
me de que Julião Tavares não existia. Julião Tavares era passado.
uma sensação. Uma sensação desagradável, que eu b) forma abstrata no espaço e presença concreta na
pretendia afastar de minha casa quando me juntasse história.
àquela sensação agradável que ali estava a choramingar. c) leveza impalpável na arte e vigor nos documentos
Graciliano Ramos, Angústia. antigos.
d) sonoridade ruidosa nos ares e significado estável no
Em termos críticos, esse fragmento permite observar
papel.
que, no plano maior do romance Angústia, o ponto de
vista e) lirismo irrefletido da poesia e peso justo dos
acontecimentos.

IT0307 - (Fuvest)
Alferes, Ouro Preto em sombras
Espera pelo batizado,

@professorferretto @prof_ferretto 13
Ainda que tarde sobre a morte do sonhador Bernardo Carvalho, Nove Noites. Adaptado.
Ainda que tarde sobre as bocas do traidor.
Raios de sol brilharão nos sinos: Sem prejuízo de sentido e fazendo as adaptações
Dez vias dar. necessárias, é possível substituir as expressões em
destaque no texto, respectivamente, por
Ai Marília, as liras e o amar
a) incompreensão; armação; inofensivo; irredutível.
Não posso mais sufocar
E a minha voz irá b) altivez; brincadeira; ofendido; mansa.
Pra muito além do desterro e do sal, c) ignorância; mentira; prejudicado; alienada.
Maior que a voz do rei. d) complacência; invenção; bobo; cega.
Aldir Blanc e João Bosco, trecho da canção “Alferes”, de e) arrogância; entretenimento; incapaz; animalesca.
1973.

A imagem de Tiradentes – a quem Cecília Meireles


qualificou “o Alferes imortal, radiosa expressão dos mais
IT0309 - (Fuvest)
Leusipo perguntou o que eu tinha ido fazer na aldeia.
altos sonhos desta cidade, do Brasil e do próprio mundo”,
Preferi achar que o tom era amistoso e, no meu
em palestra feita em Ouro Preto – torna a aparecer como
paternalismo ingênuo, comecei a lhe explicar o que era
símbolo da luta pela liberdade em vários momentos da
um romance. Eu tentava convencê-lo de que não havia
cultura nacional. Os versos do letrista Aldir Blanc
motivo para preocupação. Tudo o que eu queria saber já
evocam, em novo contexto, o mártir sonhador para
era conhecido. E ele me perguntava: “Então, porque você
resistir ao discurso
quer saber, se já sabe?” Tentei lhe explicar que pretendia
a) da doutrina revolucionária de ligas politicamente escrever um livro e mais uma vez o que era um romance,
engajadas. o que era um livro de ficção (e mostrava o que tinha nas
b) da historiografia, que minimizou a importância de mãos), que seria tudo historinha, sem nenhuma
Tiradentes. consequência na realidade. Ele seguia incrédulo. Fazia-se
de desentendido, mas na verdade só queria me intimidar.
c) de autoritarismo e opressão, próprio da ditadura
As minhas explicações sobre o romance eram inúteis. Eu
militar.
tentava dizer que, para os brancos que não acreditam em
d) dos poetas árcades, que se dedicavam às suas liras
deuses, a ficção servia de mitologia, era o equivalente
amorosas.
dos mitos dos índios, e antes mesmo de terminar a frase,
e) da tirania portuguesa sobre os mineradores no ciclo já não sabia se o idiota era ele ou eu. Ele não dizia nada a
do ouro. não ser: “O que você quer com o passado?”. Repetia. E,
diante da sua insistência bovina, tive de me render à

IT0308 -
evidência de que eu não sabia responder à sua pergunta.
(Fuvest) Bernardo Carvalho, Nove Noites. Adaptado.
Leusipo perguntou o que eu tinha ido fazer na aldeia.
Preferi achar que o tom era amistoso e, no meu As respostas do narrador às perguntas de Leusipo são
paternalismo ingênuo, comecei a lhe explicar o que era uma tentativa de disfarçar o caráter
um romance. Eu tentava convencê-lo de que não havia
a) fabular do romance, inspirado nas lendas e tradições
motivo para preocupação. Tudo o que eu queria saber já
dos Krahô.
era conhecido. E ele me perguntava: “Então, porque você
quer saber, se já sabe?” Tentei lhe explicar que pretendia b) investigativo do romance, embasado em testemunhos
escrever um livro e mais uma vez o que era um romance, dos Krahô.
o que era um livro de ficção (e mostrava o que tinha nas c) político do romance, a respeito das condições de vida
mãos), que seria tudo historinha, sem nenhuma dos Krahô.
consequência na realidade. Ele seguia incrédulo. Fazia-se d) etnográfico do romance, através do registro da cultura
de desentendido, mas na verdade só queria me intimidar. dos Krahô.
As minhas explicações sobre o romance eram inúteis. Eu e) biográfico do romance, relatando sua vivência junto
tentava dizer que, para os brancos que não acreditam em aos Krahô.
deuses, a ficção servia de mitologia, era o equivalente
dos mitos dos índios, e antes mesmo de terminar a frase,
já não sabia se o idiota era ele ou eu. Ele não dizia nada a
não ser: “O que você quer com o passado?”. Repetia. E,
IT0310 - (Fuvest)
Leusipo perguntou o que eu tinha ido fazer na aldeia.
diante da sua insistência bovina, tive de me render à
Preferi achar que o tom era amistoso e, no meu
evidência de que eu não sabia responder à sua pergunta.
paternalismo ingênuo, comecei a lhe explicar o que era

@professorferretto @prof_ferretto 14
um romance. Eu tentava convencê-lo de que não havia O primeiro capítulo de Quincas Borba já apresenta ao
motivo para preocupação. Tudo o que eu queria saber já leitor um elemento que será fundamental na construção
era conhecido. E ele me perguntava: “Então, porque você do romance:
quer saber, se já sabe?” Tentei lhe explicar que pretendia
a) a contemplação das paisagens naturais, como se lê em
escrever um livro e mais uma vez o que era um romance,
o que era um livro de ficção (e mostrava o que tinha nas “ele admirava aquele pedaço de água quieta”.
mãos), que seria tudo historinha, sem nenhuma b) a presença de um narrador-personagem, como se lê
consequência na realidade. Ele seguia incrédulo. Fazia-se em “em verdade vos digo que pensava em outra
de desentendido, mas na verdade só queria me intimidar. coisa”.
As minhas explicações sobre o romance eram inúteis. Eu c) a sobriedade do protagonista ao avaliar o seu
tentava dizer que, para os brancos que não acreditam em percurso, como se lê em “Cotejava o passado com o
deuses, a ficção servia de mitologia, era o equivalente presente”.
dos mitos dos índios, e antes mesmo de terminar a frase, d) o sentido místico e fatalista que rege os destinos,
já não sabia se o idiota era ele ou eu. Ele não dizia nada a como se lê em “Deus escreve direito por linhas
não ser: “O que você quer com o passado?”. Repetia. E, tortas”.
diante da sua insistência bovina, tive de me render à e) a reversibilidade entre o cômico e o trágico, como se
evidência de que eu não sabia responder à sua pergunta. lê em “de modo que o que parecia uma desgraça...”.
Bernardo Carvalho, Nove Noites. Adaptado.

Na cena apresentada, que explora o desconforto gerado


pela difícil interlocução com o indígena, o narrador
IT0312 -(Fuvest)
Remissão
a) abandona a ideia de investigar o passado, ao se ver
encurralado por Leusipo. Tua memória, pasto de poesia,
b) explora a sua posição ameaçadora de homem branco, tua poesia, pasto dos vulgares,
ao insistir em permanecer na aldeia. vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.
c) age com ousadia, ao procurar subjugar Leusipo a
contribuir com o seu projeto.
Mas, pesares de quê? perguntaria,
d) identifica-se com a sabedoria de Leusipo, ao preterir
se esse travo de angústia nos cantares,
do papel interrogativo e se deixar questionar.
se o que dorme na base da elegia
e) sente-se frustrado com a reação de Leusipo, que não vai correndo e secando pelos ares,
se deixa levar por sua diplomacia.
e nada resta, mesmo, do que escreves

IT0311 -
e te forçou ao exílio das palavras,
(Fuvest) senão contentamento de escrever,
Rubião fitava a enseada, – eram oito horas da manhã.
Quem o visse, com os polegares metidos no cordão do enquanto o tempo, e suas formas breves
chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo, ou longas, que sutil interpretavas,
cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; se evapora no fundo do teu ser?
mas em verdade vos digo que pensava em outra coisa. Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma.
Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano?
Professor. Que é agora! Capitalista. Olha para si, para as Claro enigma apresenta, por meio do lirismo reflexivo, o
chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente posicionamento do escritor perante a sua condição no
amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a mundo. Considerando-o como representativo desse seu
enseada, para os morros e para o céu; e tudo, desde as aspecto, o poema “Remissão”
chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de
propriedade.
– Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas,
pensa ele. Se mana Piedade tem casado com Quincas
Barba, apenas me dano uma esperança colateral. Não
casou; ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de
modo que o que parecia uma desgraça...
Machado de Assis, Quincas Borba.

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a) traduz a melancolia e o recolhimento do eu lírico em se estabiliza cristal sobre o açúcar,
face da sensação de incomunicabilidade com uma por cima do fundo antigo, de mascavo,
realidade indiferente à sua poesia. do mascavo barrento que se incuba;
b) revela uma perspectiva inconformada, mesclando-a, e sabe que tudo pode romper o mínimo
livre da indulgência dos anos anteriores, a um novo em que o cristal é capaz de censura:
formalismo estético. pois o tal fundo mascavo logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.
c) propõe, como reação do poeta à vulgaridade do
mundo, uma poética capaz de interferir na realidade
Só os banguês que-ainda purgam ainda
pelo viés nostálgico.
o açúcar bruto com barro, de mistura;
d) reflete a visão idealizada do trabalho do poeta e a a usina já não o purga: da infância,
consciência da perenidade da poesia, resistente à não de depois de adulto, ela o educa;
passagem do tempo. em enfermarias, com vácuos e turbinas,
e) realiza a transição do lirismo social para o lirismo em mãos de metal de gente indústria,
metafísico, caracterizado pela adesão ao conforto a usina o leva a sublimar em cristal
espiritual e ao escapismo imaginativo. o pardo do xarope: não o purga, cura.
Mas como a cana se cria ainda hoje,

IT0313 -
em mãos de barro de gente agricultura,
(Fuvest) o barrento da pré-infância logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.
João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra.
* banguê: engenho de açúcar primitivo movido a força
animal.

Os últimos quatro versos do poema rompem com a série


de contrapontos entre a usina e o banguê, pois

a) negam haver diferença química entre o açúcar cristal e


o açúcar mascavo.
b) esclarecem que a aparência do açúcar varia com a
espécie de cana cultivada.
c) revelam que na base de toda empresa açucareira está
o trabalhador rural.
d) denunciam a exploração do trabalho infantil nos
canaviais nordestinos.
e) explicam que a estação do ano define em qualquer
processo o tipo de açúcar.
O efeito de humor presente nas falas das personagens
decorre

a) da quebra de expectativa gerada pela polissemia. IT0316 - (Fuvest)


b) da ambiguidade causada pela antonímia. Cantiga de enganar
c) do contraste provocado pela fonética. (...)
O mundo não tem sentido.
d) do contraste introduzido pela neologia.
O mundo e suas canções
e) do estranhamento devido à morfologia. de timbre mais comovido
estão calados, e a fala

IT0314 - (Fuvest)
que de uma para outra sala
ouvimos em certo instante
Psicanálise do açúcar é silêncio que faz eco
e que volta a ser silêncio
O açúcar cristal, ou açúcar de usina, no negrume circundante.
mostra a mais instável das brancuras: Silêncio: que quer dizer?
quem do Recife sabe direito o quanto, Que diz a boca do mundo?
e o pouco desse quanto, que ela dura. Meu bem, o mundo é fechado,
Sabe o mínimo do pouco que o cristal se não for antes vazio.

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O mundo é talvez: e é só. Graciliano Ramos, Angústia.

Talvez nem seja talvez. Romance desagradável, abafado, ambiente sujo,


O mundo não vale a pena, povoado de ratos, cheio de podridões, de lixo. Nenhuma
mas a pena não existe. concessão ao gosto público. Solilóquio doido, enervante.
Meu bem, façamos de conta. Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, em nota a
De sofrer e de olvidar, respeito de seu livro Angústia.
de lembrar e de fruir,
de escolher nossas lembranças O argumento de Benedito Nunes, em torno da natureza
e revertê‐las, acaso artística da literatura, leva a considerar que a obra só
se lembrem demais em nós. assume função transformadora se
Façamos, meu bem, de conta
a) estabelece um contraponto entre a fantasia e o
– mas a conta não existe –
mundo.
que é tudo como se fosse,
ou que, se fora, não era. b) utiliza a linguagem para informar sobre o mundo.
(...) c) instiga no leitor uma atitude reflexiva diante do
Carlos Drummond de Andrade, Claro Enigma. mundo.
d) oferece ao leitor uma compensação anestesiante do
Em Claro Enigma, a ideia de engano surge sob a mundo.
perspectiva do sujeito maduro, já afastado das ilusões, e) conduz o leitor a ignorar o mundo real.
como se lê no verso‐síntese “Tu não me enganas, mundo,
e não te engano a ti.” (“Legado”). O excerto de “Cantiga
de enganar” apresenta a relação do eu com o mundo
mediada
IT0318 - (Fuvest)
Os textos literários são obras de discurso, a que falta a
a) pela música, que ressoa em canções líricas. imediata referencialidade da linguagem corrente;
b) pela cor, brilhante na claridade solar. poéticos, abolem, “destroem” o mundo circundante,
cotidiano, graças à função irrealizante da imaginação que
c) pela afirmação de valores sólidos.
os constrói. E prendem‐nos na teia de sua linguagem, a
d) pela memória, que corre fluida no tempo.
que devem o poder de apelo estético que nos enleia;
e) pelo despropósito de um faz‐de‐conta. seduz‐nos o mundo outro, irreal, neles configurado (...).
No entanto, da adesão a esse “mundo de papel”, quando

IT0317 -
retornamos ao real, nossa experiência, ampliada e
(Fuvest) renovada pela experiência da obra, à luz do que nos
Os textos literários são obras de discurso, a que falta a revelou, possibilita redescobri‐lo, sentindo‐o e pensando‐
imediata referencialidade da linguagem corrente; o de maneira diferente e nova. A ilusão, a mentira, o
poéticos, abolem, “destroem” o mundo circundante, fingimento da ficção, aclara o real ao desligar‐se dele,
cotidiano, graças à função irrealizante da imaginação que transfigurando‐o; e aclara‐o já pelo insight que em nós
os constrói. E prendem‐nos na teia de sua linguagem, a provocou.
que devem o poder de apelo estético que nos enleia; Benedito Nunes, “Ética e leitura”, de Crivo de Papel.
seduz‐nos o mundo outro, irreal, neles configurado (...).
No entanto, da adesão a esse “mundo de papel”, quando O que eu precisava era ler um romance fantástico, um
retornamos ao real, nossa experiência, ampliada e romance besta, em que os homens e as mulheres fossem
renovada pela experiência da obra, à luz do que nos criações absurdas, não andassem magoando-se, traindo-
revelou, possibilita redescobri‐lo, sentindo‐o e pensando‐ se. Histórias fáceis, sem almas complicadas. Infelizmente
o de maneira diferente e nova. A ilusão, a mentira, o essas leituras já não me comovem.
fingimento da ficção, aclara o real ao desligar‐se dele, Graciliano Ramos, Angústia.
transfigurando‐o; e aclara‐o já pelo insight que em nós
provocou. Romance desagradável, abafado, ambiente sujo,
Benedito Nunes, “Ética e leitura”, de Crivo de Papel. povoado de ratos, cheio de podridões, de lixo. Nenhuma
concessão ao gosto público. Solilóquio doido, enervante.
O que eu precisava era ler um romance fantástico, um Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, em nota a
romance besta, em que os homens e as mulheres fossem respeito de seu livro Angústia.
criações absurdas, não andassem magoando-se, traindo-
se. Histórias fáceis, sem almas complicadas. Infelizmente Se o discurso literário “aclara o real ao desligar-se dele,
essas leituras já não me comovem. transfigurando-o”, pode-se dizer que Luís da Silva, o

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narrador-protagonista de Angústia, já não se comove amora
com a leitura de “histórias fáceis, sem almas a palavra amora
complicadas” porque seria talvez menos doce
e um pouco menos vermelha
a) rejeita, como jornalista, a escrita de ficção.
se não trouxesse em seu corpo
b) prefere alienar-se com narrativas épicas. (como um velado esplendor)
c) é indiferente às histórias de fundo sentimental. a memória da palavra amor
d) está engajado na militância política.
e) se afunda na negatividade própria do fracasso. a palavra amargo
seria talvez mais doce
e um pouco menos acerba
IT0319 - (Fuvest)
se não trouxesse em seu corpo
(como uma sombra a espreitar)
Os textos literários são obras de discurso, a que falta a
a memória da palavra amar
imediata referencialidade da linguagem corrente;
Marco Catalão, Sob a face neutra.
poéticos, abolem, “destroem” o mundo circundante,
cotidiano, graças à função irrealizante da imaginação que
É correto afirmar que o poema
os constrói. E prendem‐nos na teia de sua linguagem, a
que devem o poder de apelo estético que nos enleia; a) aborda o tema da memória, considerada uma
seduz‐nos o mundo outro, irreal, neles configurado (...). faculdade que torna o ser humano menos amargo e
No entanto, da adesão a esse “mundo de papel”, quando sombrio.
retornamos ao real, nossa experiência, ampliada e b) enfoca a hesitação do eu lírico diante das palavras, o
renovada pela experiência da obra, à luz do que nos que vem expresso pela repetição da palavra “talvez”.
revelou, possibilita redescobri‐lo, sentindo‐o e pensando‐
c) apresenta natureza romântica, sendo as palavras
o de maneira diferente e nova. A ilusão, a mentira, o
“amora” e “amargo” metáforas do sentimento
fingimento da ficção, aclara o real ao desligar‐se dele,
amoroso.
transfigurando‐o; e aclara‐o já pelo insight que em nós
d) possui reiterações sonoras que resultam em uma
provocou.
Benedito Nunes, “Ética e leitura”, de Crivo de Papel. tensão inusitada entre os termos “amor” e “amar”.
e) ressalta os significados das palavras tal como se
O que eu precisava era ler um romance fantástico, um verificam no seu uso mais corrente.
romance besta, em que os homens e as mulheres fossem

IT0322 -
criações absurdas, não andassem magoando-se, traindo-
se. Histórias fáceis, sem almas complicadas. Infelizmente (Fuvest)
essas leituras já não me comovem. amora
Graciliano Ramos, Angústia. a palavra amora
seria talvez menos doce
Romance desagradável, abafado, ambiente sujo, e um pouco menos vermelha
povoado de ratos, cheio de podridões, de lixo. Nenhuma se não trouxesse em seu corpo
concessão ao gosto público. Solilóquio doido, enervante. (como um velado esplendor)
Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, em nota a a memória da palavra amor
respeito de seu livro Angústia.
a palavra amargo
Para Graciliano Ramos, Angústia não faz concessão ao seria talvez mais doce
gosto do público na medida em que compõe uma e um pouco menos acerba
atmosfera se não trouxesse em seu corpo
(como uma sombra a espreitar)
a) dramática, ao representar as tensões de seu tempo. a memória da palavra amar
b) grotesca, ao eliminar a expressão individual. Marco Catalão, Sob a face neutra.
c) satírica, ao reduzir os eventos ao plano do riso.
d) ingênua, ao simular o equilíbrio entre sujeito e Tal como se lê no poema,
mundo.
e) alegórica, ao exaltar as imagens de sujeira.

IT0321 - (Fuvest)

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a) a palavra “amora” é substantivo, e “amargo”, adjetivo. manhoso de dono de hotel. E, em suas feições de
b) o verbo “amar” ameniza o amargor da palavra caburé*** insalubre, amigavam‐se as marcas do sangue
“amargo”. aimoré e do gálico herdado: cabelo preto, corrido, que
boi lambeu; dentes de fio em meia‐lua; malares
c) o substantivo “corpo” apresenta sentido denotativo.
pontudos; lobo da orelha aderente; testa curta, fugidia;
d) o substantivo “amor” intensifica o dulçor da palavra olhinhos de viés e nariz peba, mongol.
“amora”. Guimarães Rosa, “Corpo fechado”, de Sagarana.
e) o verbo “amar” e o substantivo “amor” são
intercambiáveis. *sem pelos, sem barba **tolo ***mestiço

IT0323 -
O retrato de Manuel Fulô, tal como aparece no
(Fuvest) fragmento, permite afirmar que
Uma planta é perturbada na sua sesta* pelo exército que
a) há clara antipatia do narrador para com a
a pisa.
personagem, que por isso é caracterizada como “bobo
Mas mais frágil fica a bota.
de fazenda”.
Gonçalo M. Tavares, 1: poemas.
*sesta: repouso após o almoço. b) estão presentes traços de diferentes etnias, de modo
a refletir a mescla de culturas própria ao estilo do
Considerando que se trata de um texto literário, uma livro.
interpretação que seja capaz de captar a sua c) a expressão “caburé insalubre” denota o
complexidade abordará o poema como determinismo biológico que norteia o livro.
d) é irônico o trecho “para mostrar brabeza”, pois ao fim
a) uma defesa da natureza.
da narrativa Manuel Fulô sofre derrota na luta física.
b) um ataque às forças armadas.
e) se apontam em sua fisionomia os “olhinhos de viés”
c) uma defesa dos direitos humanos. para caracterizar a personagem como ingênua.
d) uma defesa da resistência civil.

IT0327 -
e) um ataque à passividade.
(Fuvest)

IT0324 -
O feminismo negro não é uma luta meramente
(Fuvest) identitária, até porque branquitude e masculinidade
Uma planta é perturbada na sua sesta* pelo exército que também são identidades. Pensar feminismos negros é
a pisa. pensar projetos democráticos. Hoje afirmo isso com
Mas mais frágil fica a bota. muita tranquilidade, mas minha experiência de vida foi
Gonçalo M. Tavares, 1: poemas. marcada pelo incômodo de uma 1incompreensão
*sesta: repouso após o almoço. fundamental. 2Não que eu buscasse respostas para tudo.
Na maior parte da minha infância e adolescência, 3não
O ditado popular que se relaciona melhor com o poema
é: tinha consciência de mim. Não sabia por que 4sentia
vergonha de levantar a mão quando a professora fazia
a) Para bom entendedor, meia palavra basta. uma pergunta já supondo que eu não saberia a resposta.
b) Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. 5Por que eu ficava isolada na hora do recreio. Por que os
c) Quem com ferro fere, com ferro será ferido. meninos diziam na minha cara que não queriam formar
d) Um dia é da caça, o outro é do caçador. par com a “neguinha” na festa junina. Eu me sentia
e) Uma andorinha só não faz verão. estranha e inadequada, e, na maioria das vezes, fazia as
coisas no automático, 6me esforçando para não ser
notada.
IT0326 - (Fuvest) Djamila Ribeiro, Quem tem medo do feminismo negro?.
Agora, o Manuel Fulô, este, sim! Um sujeito pingadinho,
quase menino – “pepino que encorujou desde pequeno” O trecho que melhor define a “incompreensão
– cara de bobo de fazenda, do segundo tipo –; porque fundamental” (ref. 1) referida pela autora é:
toda fazenda tem o seu bobo, que é, ou um velhote
baixote, de barba rara no queixo, ou um eterno rapazola,
meio surdo, gago, glabro* e alvar**. Mas gostava de
fechar a cara e roncar voz, todo enfarruscado, para
mostrar brabeza, e só por descuido sorria, um sorriso

@professorferretto @prof_ferretto 19
a) “não que eu buscasse respostas para tudo” (ref. 2). quando quer amar. Se esta última reflexão é o motivo
b) “não tinha consciência de mim” (ref. 3). secreto da vossa pergunta, deixai que vos diga que sois
muito indiscreta, e que eu não me quero senão com
c) “Por que eu ficava isolada na hora do recreio” (ref. 5).
dissimulados.
d) “me esforçando para não ser notada” (ref. 6). Repito, comia bem, dormia largo e fofo. Chegara ao fim
e) “sentia vergonha de levantar a mão” (ref. 4). da comissão das Alagoas, com elogios da imprensa; a
Atalaia chamou‐lhe “o anjo da consolação”. 1E não se

IT0328 - (Fuvest)
pense que este nome a alegrou, posto que a lisonjeasse;
ao contrário, resumindo em Sofia toda a ação da
) E Sofia? interroga impaciente a leitora, tal qual Orgon: caridade, podia mortificar as novas amigas, e fazer‐lhe
Et Tartufe? Ai, amiga minha, a resposta é naturalmente a perder em um dia o trabalho de longos meses. Assim se
mesma, – também ela comia bem, dormia largo e fofo, – explica o artigo que a mesma folha trouxe no número
coisas que, aliás, não impedem que uma pessoa ame, seguinte, nomeando, particularizando e glorificando as
quando quer amar. Se esta última reflexão é o motivo outras comissárias – “estrelas de primeira grandeza”.
secreto da vossa pergunta, deixai que vos diga que sois Machado de Assis, Quincas Borba.
muito indiscreta, e que eu não me quero senão com
dissimulados. Considerando o contexto, o trecho “E não se pense que
Repito, comia bem, dormia largo e fofo. Chegara ao fim este nome a alegrou, posto que a lisonjeasse” (ref. 1)
da comissão das Alagoas, com elogios da imprensa; a pode ser reescrito, sem prejuízo de sentido, da seguinte
Atalaia chamou‐lhe “o anjo da consolação”. 1E não se maneira: E não se pense que este nome a alegrou,
pense que este nome a alegrou, posto que a lisonjeasse;
a) apesar de lisonjeá‐la.
ao contrário, resumindo em Sofia toda a ação da
caridade, podia mortificar as novas amigas, e fazer‐lhe b) antes a lisonjeou.
perder em um dia o trabalho de longos meses. Assim se c) porque a lisonjeava.
explica o artigo que a mesma folha trouxe no número d) a fim de lisonjeá‐la.
seguinte, nomeando, particularizando e glorificando as e) tanto quanto a lisonjeava.
outras comissárias – “estrelas de primeira grandeza”.
Machado de Assis, Quincas Borba.

No excerto, o autor recorre à intertextualidade,


IT0339 - (Enem)
Ela era linda. Gostava de dançar, fazia teatro em São
dialogando com a comédia de Molière, Tartufo (1664),
Paulo e sonhava ser atriz em Hollywood. Tinha 13 anos
cuja personagem central é um impostor da fé. Tal é a
quando ganhou uma câmera de vídeo – e uma irmã. As
fama da peça que o nome próprio se incorporou ao
duas se tornaram suas companheiras de
vocabulário, inclusive em português, como substantivo
experimentações. Adolescente, Elena vivia a criar
comum, para designar o “indivíduo hipócrita” ou o “falso
filminhos e se empenhava em dirigir a pequena Petra nas
devoto”. No contexto maior do romance, sugere‐se que a
cenas que inventava. Era exigente com a irmã. E
tartufice
acreditava no potencial da menina para satisfazer seus
a) se cola à imagem da leitora, indiscreta quanto aos arroubos de diretora precoce. Por cinco anos, integrou
amores alheios. algumas das melhores companhias paulistanas de teatro
b) é ação isolada de Sofia, arrivista social e benemérita e participou de preleções para filmes e trabalhos na TV.
fingida. Nunca foi chamada. No início de 1990, Elena tinha 20
anos quando se mudou para Nova York para cursar artes
c) diz respeito ao filósofo Quincas Borba, o que explica o
cênicas e batalhar uma chance no mercado americano.
título do livro.
Deslocada, ansiosa, frustrada após alguns testes de
d) se produz na imprensa, apesar de esta se esquivar da elenco malsucedidos, decepcionada com a ausência de
eloquência vazia. reconheci mento e vitimada por uma depressão que se
e) se estende à sociedade, na qual o cinismo é o trunfo agravava com a falta de perspectivas, Elena pôs fim à vida
dos fortes. no segundo semestre. Petra tinha 7 anos. Vinte anos
depois, é ela, a irmã caçula, que volta a Nova York para

IT0329 -
percorrer os últimos passos da irmã, vasculhar seus
(Fuvest) arquivos e transformar suas memórias em imagem e
E Sofia? interroga impaciente a leitora, tal qual Orgon: Et poesia.
Tartufe? Ai, amiga minha, a resposta é naturalmente a Elena é um filme sobre a irmã que parte e sobre a irmã
mesma, – também ela comia bem, dormia largo e fofo, – que fica. É um filme sobre a busca, a perda, a saudade,
coisas que, aliás, não impedem que uma pessoa ame, mas também sobre o encontro, o legado, a memória. Um

@professorferretto @prof_ferretto 20
IT0341 -
filme sobre a Elena de Petra e sobre a Petra de Elena,
sobre o que ficou de uma na outra e, essencialmente, um (Enem)
filme sobre a delicadeza. Morte lenta ao luso infame que inventou a calçada
VANUCHI, C. Época, 19 out. 2012 (adaptado). portuguesa. Maldito D. Manuel I e sua corja de tenentes
Eusébios. Quadrados de pedregulho irregular socados à
O texto é exemplar de um gênero discursivo que cumpre mão. À mão! É claro que ia soltar, ninguém reparou que
a função social de ia soltar? Branco, preto, branco, preto, as ondas do mar
de Copacabana. De que me servem as ondas do mar de
a) narrar, por meio de imagem e poesia, cenas da vida
Copacabana? Me deem chão liso, sem protuberâncias
das irmãs Petra e Elena.
calcárias. Mosaico estúpido. Mania de mosaico. Joga
b) descrever, por meio das memórias de Petra, a
concreto em cima e aplaina. Buraco, cratera, pedra solta,
separação de duas irmãs.
bueiro-bomba. Depois dos setenta, a vida se transforma
c) sintetizar, por meio das principais cenas do filme, a numa interminável corrida de obstáculos. A queda é a
história de Elena. maior ameaça para o idoso. “Idoso”, palavra odienta.
d) lançar, por meio da história de vida do autor, um filme Pior, só “terceira idade”. A queda separa a velhice da
autobiográfico. senilidade extrema. O tombo destrói a cadeia que liga a
e) avaliar, por meio de análise crítica, o filme em cabeça aos pés. Adeus, corpo. Em casa, vou de corrimão
referência. em corri - mão, tateio móveis e paredes, e tomo banho
sentado. Da poltrona para a janela, da janela para a
cama, da cama para a poltrona, da poltrona para a
IT0340 - (Enem) janela. Olha aí, outra vez, a pedrinha traiçoeira atrás de
me pegar. Um dia eu caio, hoje não.
PALAVRA – As gramáticas classificam as palavras em
substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, prono - TORRES, F. Fim. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.
me, numeral, artigo e preposição. Os poetas classificam
as palavras pela alma porque gostam de brincar com O recurso que caracteriza a organização estrutural desse
elas, e para brincar com elas é preciso ter intimidade texto é o(a)
primeiro. É a alma da palavra que define, explica, ofende a) justaposição de sequências verbais e nominais.
ou elogia, se coloca entre o significante e o significado
b) mudança de eventos resultante do jogo temporal.
para dizer o que quer, dar sentimento às coisas, fazer
c) uso de adjetivos qualificativos na descrição do cenário.
sentido. A palavra nuvem chove. A palavra triste chora. A
palavra sono dorme. A palavra tempo passa. A palavra
fogo queima. A palavra faca corta. A palavra carro corre. d) encadeamento semântico pelo uso de substantivos
A palavra “palavra” diz. O que quer. E nunca desdiz sinônimos.
depois. As palavras têm corpo e alma, mas são diferentes e) inter-relação entre orações por elementos linguísticos
das pessoas em vários pontos. As palavras dizem o que lógicos.
querem, está dito, e pronto.

IT0344 -
FALCÃO, A. Pequeno dicionário de palavras ao vento. São
Paulo: Salamandra, 2013 (adaptado). (Enem)
A escrava
Esse texto, que simula um verbete para a palavra – Admira-me –, disse uma senhora de sentimentos
“palavra”, constitui-se como um poema porque sinceramente abolicionistas —; faz-me até pasmar como
se possa sentir, e expressar sentimentos escravocratas,
a) tematiza o fazer poético, como em “Os poetas
no presente século, no século dezenove! A moral
classificam as palavras pela alma”.
religiosa e a moral cívica aí se erguem, e falam bem alto
b) utiliza o recurso expressivo da metáfora, como em “As esmagando a hidra que envenena a família no mais
palavras têm corpo e alma”.
sagrado santuário seu, e desmoraliza, e avilta a nação
c) valoriza a gramática da língua, como em “substantivo, inteira! Levantai os olhos ao Gólgota, ou percorrei-os em
adjetivo, verbo, advérbio, conjunção”. torno da sociedade, e dizei-me:
d) estabelece comparações, como em “As palavras têm – Para que se deu em sacrifício, o Homem Deus, que ali
corpo e alma, mas são diferentes das pessoas”. exalou seu derradeiro alento? Ah! Então não era verdade
e) apresenta informações pertinentes acerca do conceito que seu sangue era o resgate do homem! É então uma
de “palavras”, como em “As gramáticas classificam as mentira abominável ter esse sangue comprado a
palavras”. liberdade!? E depois, olhai a sociedade... Não vedes o
abutre que a corrói constantemente!... Não sentis a
desmoralização que a enerva, o cancro que a destrói?

@professorferretto @prof_ferretto 21
Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e Fim de feira, periferia afora
sempre será um grande mal. Dela a decadência do A cidade não mora mais em mim
comércio; porque o comércio e a lavoura caminham de Francisco, Serafim
mãos dadas, e o escravo não pode fazer florescer a Vamos embora
lavoura; porque o seu trabalho é forçado.
REIS, M. F. Úrsula outras obras. Brasília: Câmara dos Ver o capim
Deputados, 2018. Ver o baobá
Vamos ver a campina quando flora
Inscrito na estética romântica da literatura brasileira, o A piracema, rios contravim
conto descortina aspectos da realidade nacional no Binho, Bel, Bia, Quim
século XIX ao Vamos embora

a) revelar a imposição de crenças religiosas a pessoas


Quando eu morrer
escravizadas. Cansado de guerra
b) apontar a hipocrisia do discurso conservador na Morro de bem
defesa da escravidão. Com a minha terra:
c) sugerir práticas de violência física e moral em nome do Cana, caqui
progresso material. Inhame, abóbora
d) relacionar o declínio da produção agrícola e comercial Onde só vento se semeava outrora
a questões raciais. Amplidão, nação, sertão sem fim
e) ironizar o comportamento dos proprietários de terra Ó Manuel, Miguilim
na exploração do trabalho. Vamos embora
BUARQUE, C. As cidades. Rio de Janeiro: RCA, 1998
(fragmento).
IT0346 - (Enem)
Nesse texto, predomina a função poética da linguagem.
Mas seu olhar verde, inconfundível, impressionante,
Entretanto, a função emotiva pode ser identificada no
iluminava com sua luz misteriosa as sombrias arcadas
verso:
superciliares, que pareciam queimadas por ela, dizia logo
a sua origem cruzada e decantada através das misérias e a) “Zanza pra acolá”.
dos orgulhos de homens de aventura, contadores de b) “Fim de feira, periferia afora”.
histórias fantásticas, e de mulheres caladas e sofredoras,
c) “A cidade não mora mais em mim”.
que acompanhavam os maridos e amantes através das
d) “Onde só vento se semeava outrora”.
matas intermináveis, expostas às febres, às feras, às
cobras do sertão indecifrável, ameaçador e sem fim, que e) “Ó Manuel, Miguilim”.
elas percorriam com a ambição única de um “pouso”

IT0351 -
onde pudessem viver, por alguns dias, a vida ilusória de
família e de lar, sempre no encalço dos homens, (Enem)
enfebrados pela procura do ouro e do diamante. As línguas silenciadas do Brasil
PENNA, C. Fronteira. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d. Para aprender a língua de seu povo, o professor Txaywa
Pataxó, de 29 anos, precisou estudar os fatores que, por
Ao descrever os olhos de Maria Santa, o narrador diversas vezes, quase provocaram a extinção da língua
estabelece correlações que refletem a patxôhã. Mergulhou na história do Brasil e descobriu
fatos violentos que dispersaram os pataxós, forçados a
a) caracterização da personagem com mestiça.
abandonar a própria língua para escapar da perseguição.
b) construção do enredo de conquistas da família. “Os pataxós se espalharam, principalmente, depois do
c) relação conflituosa das mulheres e seus maridos. Fogo de 1951. Queimaram tudo e expulsaram a gente
d) nostalgia do desejo de viver como os antepassados. das nossas terras. Isso constrange o nosso povo até
e) marca de antigos sofrimentos no fluxo de consciência. hoje”, conta Txaywa, estudante da Universidade Federal
de Minas Gerais e professor na aldeia Barra Velha, região
de Porto Seguro (BA). Mais de quatro décadas depois,
membros da etnia retornaram ao antigo local e iniciaram
IT0349 - (Enem)
um movimento de recuperação da língua patxôhã. Os
filhos de Sameary Pataxó já são fluentes – e ela, que se
Assentamento
mudou quando já era adulta para a aldeia, tenta
Zanza daqui
aprender um pouco com eles. “É a nossa identidade.
Zanza pra acolá

@professorferretto @prof_ferretto 22
Você diz quem você é por meio da sua língua”, afirma a a) modo de vestir dos moradores do morro carioca.
professora de ensino fundamental sobre a importância b) senso prático em relação às oportunidades de renda.
de restaurar a língua dos pataxós. O patxôhã está entre
c) mistério que cerca as clientes de práticas de vidência.
as línguas indígenas faladas no Brasil: o IBGE estimou 274
línguas no último censo. A publicação Povos indígenas no
Brasil 2011/2016, do Instituto Socioambiental, calcula d) misto de singeleza e astúcia dos gestos da
160. Antes da chegada dos portugueses, elas totalizavam personagem.
mais de mil. e) interesse do narrador pelas figuras femininas
Disponível em: https://brasil.elpais.com. Acesso em: 11 ambíguas.
jun. 2019 (adaptado).

O movimento de recuperação da língua patxôhã assume


um caráter identitário peculiar na medida em que
IT0353 - (Enem)
A senhora manifestava-se por atos, por gestos, e
sobretudo por um certo silêncio, que amargava, que
a) denuncia o processo de perseguição histórica sofrida
esfolava. Porém desmoralizar escancaradamente o
pelos povos indígenas.
marido, não era com ela. [...]
b) conjuga o ato de resistência étnica à preservação da As negras receberam ordem para meter no serviço a
memória cultural. gente do tal compadre Silveira: as cunhadas, ao fuso; os
c) associa a preservação linguística ao campo da cunhados, ao campo, tratar do gado com os vaqueiros; a
pesquisa acadêmica. mulher e as irmãs, que se ocupassem da ninhada.
d) estimula o retorno de povos indígenas a suas terras de Margarida não tivera filhos, e como os desejasse com a
origem. força de suas vontades, tratava sempre bem aos
e) aumenta o número de línguas indígenas faladas no pequenitos e às mães que os estavam criando. Não era
Brasil. isso uma sentimentalidade cristã, uma ternura, era o
egoísta e cru instinto da maternidade, obrando por mera
simpatia carnal. Quanto ao pai do lote (referia-se ao
IT0352 - (Enem)
Antônio), esse que fosse ajudar ao vaqueiro das bestas.
Ordens dadas, o Quinquim referendava. Cada um
Esaú e Jacó
moralizava o outro, para moralizar-se.
Bárbara entrou, enquanto o pai pegou da viola e passou
PAIVA, M. O. Dona Guidinha do Poço. Rio de Janeiro:
ao patamar de pedra, à porta da esquerda. Era uma
Tecnoprint, s/d.
criaturinha leve e breve, saia bordada, chinelinha no pé.
Não se lhe podia negar um corpo airoso. Os cabelos,
No trecho do romance naturalista, a forma como o
apanhados no alto da cabeça por um pedaço de fita
narrador julga comportamentos e emoções das
enxovalhada, faziam-lhe um solidéu natural, cuja borla
personagens femininas revela influência do pensamento
era suprida por um raminho de arruda. Já vai nisto um
pouco de sacerdotisa. O mistério estava nos olhos. Estes a) capitalista, marcado pela distribuição funcional do
eram opacos, não sempre nem tanto que não fossem trabalho.
também lúcidos e agudos, e neste último estado eram b) liberal, buscando a igualdade entre pessoas
igualmente compridos; tão compridos e tão agudos que escravizadas e livres.
entravam pela gente abaixo, revolviam o coração e
c) científico, considerando o ser humano como um
tornavam cá fora, prontos para nova entrada e outro
fenômeno biológico.
revolvimento. Não te minto dizendo que as duas
sentiram tal ou qual fascinação. Bárbara interrogou-as; d) religioso, fundamentado na fé e na aceitação dos
Natividade disse ao que vinha e entregou-lhe os retratos dogmas do cristianismo.
dos filhos e os cabelos cortados, por lhe haverem dito e) afetivo, manifesto na determinação de acolher
que bastava. familiares e no respeito mútuo.
– Basta, confirmou Bárbara. Os meninos são seus filhos?

IT0355 -
– São.
ASSIS, M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, (Enem)
1994. Notas
Soluços, lágrimas, casa armada, veludo preto nos portais,
No relato da visita de duas mulheres ricas a uma vidente um homem que veio vestir o cadáver, outro que tomou a
no Morro do Castelo, a ironia — um dos traços mais medida do caixão, caixão, essa, tocheiros, convites,
representativos da narrativa machadiana — consiste no convidados que entravam, lentamente, a passo surdo, e
apertavam a mão à família, alguns tristes, todos sérios e

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calados, padre e sacristão, rezas, aspersões d’água benta, a) relação distanciada entre os interlocutores.
o fechar do caixão, a prego e martelo, seis pessoas que o b) articulação de vários núcleos narrativos.
tomam da essa, e o levantam, e o descem a custo pela
c) brevidade no tratamento da temática.
escada, não obstante os gritos, soluços e novas lágrimas
da família, e vão até o coche fúnebre, e o colocam em d) descrição minuciosa dos personagens.
cima e traspassam e apertam as correias, o rodar do e) público leitor exclusivo.
coche, o rodar dos carros, um a um... Isto que parece um

IT0358 -
simples inventário eram notas que eu havia tomado para
um capítulo triste e vulgar que não escrevo. (Enem)
ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Projeto na Câmara de BH quer a vacinação gratuita de
www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 25 jul. 2022. cães contra a leishmaniose
A doença é grave e vem causando preocupação na região
O recurso linguístico que permite a Machado de Assis metropolitana da capital mineira
considerar um capítulo de Memórias póstumas de Brás Ela é uma doença grave, transmitida pela picada do
Cubas como inventário é a mosquito-palha, e afeta tanto os seres humanos quanto
os cachorros: a leishmaniose. Por ser um problema de
a) enumeração de objetos e fatos.
saúde pública, a doença pode ganhar uma ação
b) predominância de linguagem objetiva. preventiva importante, caso um projeto de lei seja
c) ocorrência de período longo no trecho. aprovado na Câmara Municipal de Belo Horizonte
d) combinação de verbos no presente e no pretérito. (CMBH). Diante do alto número de casos da doença na
e) presença de léxico do campo semântico de funerais. Grande BH, a Comissão de Saúde e Saneamento da
CMBH aprovou a proposta de realização de campanhas
públicas de vacinação gratuita de cães contra a
IT0357 - (Enem)
leishmaniose, tema do PL 404/17, apreciado pelo
colegiado em reunião ordinária, no dia 6 de dezembro.
Ser cronista
Disponível em: https://revistaencontro.com.br. Acesso
Sei que não sou, mas tenho meditado ligeiramente no
em: 11 dez. 2017.
assunto.
Crônica é um relato? É uma conversa? É um resumo de
Essa notícia, além de cumprir sua função informativa,
um estado de espírito? Não sei, pois antes de começar a
assume o papel de
escrever para o Jornal do Brasil, eu só tinha escrito
romances e contos. a) fiscalizar as ações de saúde e saneamento da cidade.
E também sem perceber, à medida que escrevia para b) defender os serviços gratuitos de atendimento à
aqui, ia me tornando pessoal demais, correndo o risco de população.
em breve publicar minha vida passada e presente, o que
c) conscientizar a população sobre grave problema de
não pretendo. Outra coisa notei: basta eu saber que
saúde pública.
estou escrevendo para jornal, isto é, para algo aberto
facilmente por todo o mundo, e não para um livro, que d) propor campanhas para a ampliação de acesso aos
só é aberto por quem realmente quer, para que, sem serviços públicos.
mesmo sentir, o modo de escrever se transforme. Não é e) responsabilizar os agentes públicos pela demora na
que me desagrade mudar, pelo contrário. Mas queria que tomada de decisões.
fossem mudanças mais profundas e interiores que não

IT0360 -
viessem a se refletir no escrever. Mas mudar só porque
isso é uma coluna ou uma crônica? Ser mais leve só (Enem)
porque o leitor assim o quer? Divertir? Fazer passar uns Firmo, o vaqueiro
minutos de leitura? E outra coisa: nos meus livros quero No dia seguinte, à hora em que saía o gado, estava eu
profundamente a comunicação profunda comigo e com o debruçado à varanda quando vi o cafuzo que preparava o
leitor. Aqui no Jornal apenas falo com o leitor e agrada- animal viajeiro:
me que ele fique agradado. Vou dizer a verdade: não – Raimundinho, como vai ele?...
estou contente. De longe apontou a palhoça.
LISPECTOR, C. In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: – Sim.
Rocco, 1999. O braço caiu-lhe, olhou-me algum tempo comovido;
depois, saltando para o animal, levou o polegar à boca
No texto, ao refletir sobre a atividade de cronista, a fazendo estalar a unha nos dentes: “Às quatro da
autora questiona características do gênero crônica, como manhã... Atirei um verso e disse, para bulir com ele:
Pega, velho! Não respondeu. Tio Firmo, mesmo velho e

@professorferretto @prof_ferretto 24
doente, não era homem para deixar um verso no chão... No texto, o personagem vincula ao carnaval atitudes e
Fui ver, coitado!... estava morto. E deu de esporas para reações coletivas diante das quais expressa
que eu não lhe visse as lágrimas.
NETTO, C. In: MARCHEZAN, L. G. (Org.). O conto a) consagração da alegria do povo.
regionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2009. b) atração e asco perante atitudes libertinas.
c) espanto com a quantidade de foliões nas ruas.
A passagem registra um momento em que a d) intenção de confraternizar com desconhecidos.
expressividade lírica é reforçada pela e) reconhecimento da festa como manifestação cultural.
a) plasticidade da imagem do rebanho reunido.
b) sugestão da firmeza do sertanejo ao arrear o cavalo.
c) situação de pobreza encontrada nos sertões
brasileiros.
IT0362 - (Enem)
Vanda vinha do interior de Minas Gerais e de dentro de
d) afetividade demonstrada ao noticiar a morte do um livro de Charles Dickens. Sem dinheiro para criá-la,
cantador. sua mãe a dera, com seus sete anos, a uma conhecida.
e) preocupação do vaqueiro em demostrar sua virilidade. Ao recebê-la, a mulher perguntou o que a garotinha
gostava de comer. Anotou tudo num papel. Mal a mãe
virou as costas, no entanto, a fulana amassou a lista e,

IT0361 -
como uma vilã de folhetim, decretou: “A partir de hoje,
(Enem) você não vai mais nem sentir o cheiro dessas comidas!”.
O bebê de tarlatana rosa Vanda trabalhou lá até os quinze anos, quando recebeu a
– [...] Na terça desliguei-me do grupo e caí no mar alto da carta de uma prima com uma nota de cem cruzeiros, saiu
depravação, só, com uma roupa leve por cima da pele e de casa com a roupa do corpo e fugiu num ônibus para
todos os maus instintos fustigados. De resto a cidade São Paulo.
inteira estava assim. É o momento em que por trás das Todas as vezes que eu e minha irmã a importunávamos
máscaras as meninas confessam paixões aos rapazes, é o com nossas demandas de criança mimada, ela nos
instante em que as ligações mais secretas transparecem, contava histórias da infância de gata-borralheira, fazia-
em que a virgindade é dúbia e todos nós a achamos nos apertar seu nariz quebrado por uma das filhas da
inútil, a honra uma caceteação, o bom senso uma fadiga. “patroa” com um rolo de amassar pão e nos expulsava da
Nesse momento tudo é possível, os maiores absurdos, os cozinha: “Sai pra lá, peste, e me deixa acabar essa janta”
maiores crimes; nesse momento há um riso que PRATA, A. Nu de botas. São Paulo: Cia. das Letras, 2013
galvaniza os sentidos e o beijo se desata naturalmente. (adaptado).
Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me,
quase mórbida. Nada de raparigas do galarim Pela ótica do narrador, a trajetória da empregada de sua
perfumadas e por demais conhecidas, nada do contato casa assume um efeito expressivo decorrente da
familiar, mas o deboche anônimo, o deboche ritual de
chegar, pegar, acabar, continuar. Era ignóbil. Felizmente a) citação a referências literárias tradicionais.
muita gente sofre do mesmo mal no carnaval. b) alusão à inocência das crianças da época.
RIO, J. Dentro da noite. São Paulo: Antíqua, 2002. c) estratégia de questionar a bondade humana.
d) descrição detalhada das pessoas do interior.
e) representação anedótica de atos de violência.

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