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A MAGIA DO CAOS

(traduzido de um artigo do mago moderno Peter J. Carrol, por


José Carlos Neves)

É indubitável que o Mago Aleister Crowley contribuiu para a luta


contra o monoteísmo, assim como é patente que ele pegou o bonde
andando. A Ciência, que basicamente nasceu da Magia renascentista,
já havia alijado o monoteísmo como uma prática parasítica nas
culturas mais avançadas.
Crowley era um entusiasta da Ciência, o que era muito apropriado
para sua época, mas é no trabalho de Austin Osman Spare que
detectamos um certo agouro. Contraditoriamente, também é o
trabalho de Spare que se mostra mais austero e "científico “quando
comparado com algumas extravagâncias simbólicas e mais barrocas
de Crowley.
Spare rejeitava a simbologia clássica de priscas eras esquecidas em
prol de uma Magia mais pessoal. Valendo-se de um mínimo de
hipóteses ele desenvolveu uma Magia a partir de sua própria
memória e subconsciente raciais. Independentemente de sistemas
complexos, ele desenvolveu técnicas efetivas de encantamento e
sigilização que requeriam somente a linguagem e figuras ordinárias.
O trabalho de Spare compõe a ponte entre a Magia antiga trazida à
luz por Crowley - cujo apelo, poder e potencial de liberação se
derivava mais de seu estilo religioso anti-religião - e a nova
Magia,
por sua vez, caracterizada justamente por uma espécie de ciência
anticientífica.
E tudo isto chegou a Magia do Caos. E não nos trás nenhum
benefício considerá-la uma pseudociência como também não fazia
considerar as ideias de Crowley uma pseudo-religião. Hoje, é a
Astrologia da forma que é praticada que é uma mera ciência
falsificada, tão quanto o satanismo e a maçonaria livre formam-se
nas fileiras de falsas religiões.
A Magia do Caos pretende demonstrar que a Magia não somente
preenche confortavelmente os interstícios da Ciência como também
que as conclusões atingidas pelas teorias científicas e o
empiricismo
na verdade demandam a existência dela.
Isto é de alguma forma análogo à maneira com que muitas religiões
admitem a possibilidade das magias teúrgica ou demoníacas. A
melhor Magia sempre teve um forte sabor anti status-quo. Os magos
mais destacados sempre combateram a perenização de normas e
obsessões culturais e suas vitórias representam não só sua própria
liberação mas também um avanço para a humanidade.
A história sempre nos negou o registro "oficial"dos feitos dos magos
e xamãs renegados, como fez com o advento do Paganismo, mas pelo
menos sabemos alguma coisa sobre os magos anti-pagãos que
criaram o monoteísmo: Akinaton, Moisés, Gautama, entre outros. E
a medida que o Monoteísmo foi se solidificando numa força
repressiva e obscena, uma nova geração de magos surgiu para a ele
dar combate. Alguns o fizeram tão "cara à vista", que foram
destruídos peremptoriamente; os que souberam ser mais sutis,
conseguiram plantar e fazer germinar as sementes de sua destruição
no nível mais filosófico, e outros ainda apressaram seu extermínio
ao
levarem as ideias teúrgicas e teológicas a conclusões ultrajantes. E
a
fileira de honra aqui foi muito maior, incluindo notáveis como
Giordano Bruno, Cornelius Agrippa, John Dee, Cagliostro, Eliphas
Levi e até Aleister Crowley.
A realização maior de Crowley, além de sua moralidade futurística,
foi desenterrar poderosas técnicas do Tantra, Ioga, Gnosticismo,
Taoismo e Xamanismo. Ele teve a coragem de aplicá-las ao
Ocultismo dessecado, intelectualizado e rebuscado de então para
criar algo novo e de interesse. Na minha opinião a falha cometida
por
Crowley foi ter aceitado suas visões místicas como dogmáticas.
Ele descobriu técnicas para liberar as inconcebíveis forças e
criatividade dos hemisfério direito do cérebro e do subconsciente
mas
ficou tão surpreso com os resultados que assumiu serem eles de
origem não ou extra humana, e tudo isto mesmo apesar de seu ditado
de que ...não existem deuses, só homens.
O que nós, os magos do Caos pretendemos é quebrar os paradigmas
limitadores da ciência e do exercício da racionalidade sobre nossa
imaginação e forçar a ciência a mutar em alguma coisa menos
opressiva.
Para darmos conta desta empreitada, usamos como armas ideias
muito simples. A Magia do Caos se concentra sobre técnica. Debaixo
de todos os sistemas que os magos mais ecléticos podem usar, da
bruxaria à feitiçaria Tibetana, há um consenso de uma técnica
prática, dependente da visualização, da criação de entidades do
pensamento e de estados alterados de consciência que deverão ser
atingidos através da meditação estática ou dinâmica.
O ponto de vista eclético implica que a própria crença em si mesma
já é efetiva na consecução de um desejo, enquanto que uma
implicação avançada do princípio da relatividade da crença em si, é
que toda crença é considerada arbitrária e contingente.
Consequentemente toda noção de verdade absoluta somente existe se
nós escolhemos acreditar nela sempre.
O anverso do princípio de que "nada é verdadeiro" é o de que "tudo
será permitido" - lei máxima de Crowley - , e os Magos do Caos
podem muitas vezes criar mapas incomuns da realidade ,
hiper científicos e enfeitiçados, como uma moldura teórica para sua
mágica.
Um aperfeiçoamento do conhecimento neurofisiológico combinado
com o princípio da relatividade da crença guiaria o mago moderno a
considerar a revelação com algum ceticismo. Na verdade os
recônditos quase desconhecidos de nossos cérebros podem ser até
mais criativos do que as partes conscientes, e nenhuma mensagem
dos deuses, não importa o quanto sejam extraordinárias e
envolventes, podem ser tomadas como provas de alguma coisa além
de nossos próprios e inacreditáveis poderes. Mesmo se acompanhado
de milagres.
A rejeição de qualquer realidade externa, verdade ou significado
pode parecer um princípio paradoxal ou até mesmo horrível no qual
embasarmos uma busca espiritual. Pessoalmente não penso assim. A
verdade absoluta seria sempre uma tirania absoluta, como tem
historicamente sido. Prefiro forjar a minha própria visão
espiritual,
pois minhas evidências sensoriais sugerem que o universo é
basicamente casual dentro de limites arbitrários, os quais também se
impõem caprichosamente. A realidade é uma hierarquia de acidentes
regrados unicamente pelo acaso e mesmo as chamadas "leis
científicas" são somente aproximações estatísticas, descrevendo
aqueles acidentes que ocorrem mais persistentemente..
Sou livre, não porque essa liberdade me foi concedida, mas como
uma consequência de eu ser puramente uma criação acidental com
padrões de comportamento casuais.
A Magia do Caos requer mesmo um certo antipolitiquíssimo ou mesmo
um anarquismo pois é obviamente ilusório achar que somos guiados
por política. As pessoas são guiadas por filosofias e modismos, e é
deste nível mais alto que a Magia do caos lança seu ataque à
realidade.
Praticar Magia implica que você esteja disposto a criar seu próprio
ponto de vista espiritual, muitas vezes em confronto com as normas
culturais vigentes. A Magia nasce justamente quando os limites e as
ligações do ser estão se expandindo ou contraindo, como durante
tempos de inovações e descobertas... ou na épocas de dificuldades
cruéis e depressão.
Está ocorrendo agora um profundo e significativo renascimento
mágico porque as nossas ligações e limites estão se expandindo e
contraindo simultaneamente. Ciência, drogas, psicologia, redes de
comunicação e toda a parafernália dos final/início de século
expandiram de tal forma o nosso sentimento de busca como nunca
havia ocorrido. E por outro lado, nunca estivemos tão oprimidos e
invadidos em nosso íntimo, por vários fatores inerentes à sociedade
industrial na qual estamos inseridos.
Nossas alegorias religiosas infantis foram justamente abandonadas,
mas o processo levou de roldão também a nossa consciência do eu
como uma entidade mística. O meio-ambiente, cenário de nossa
existência, tem sido desgraçadamente desmanchado, para alimentar e
dar lugar ao leviatã industrial, em detrimento de nossa interação.
À medida que o ritmo da vida se acelera, o valor da introspecção
por outro lado é engolfado - exceto talvez na arte, a qual é até
encorajada a se tornar mais e mais grotesca. O consumismo e a
perspectiva do armagedon nuclear, oprimiu-nos a todos. Assim, com
toda esta pressão sobre o eu, a Magia floresceu e tomou uma cor
distinta de seus antecedentes históricos. Ocorre ao mesmo tempo
uma considerável necrofilia e ecletismo e um fervor poderoso por
práticas anacrônicas. A Física Quântica esfrega-se nos ombros do
Xamanismo natural e exercícios tântricas são empregadas com fins
parapsicológicos envolvendo experimentos de telepatia entre
microprocessadores linkados via satélite, em meio à fumaça gótica de
incenso elevando-se de braseiros feitos em casa.
Renascimento é mercado pela presença de pessoas renascentistas, e
o mago contemporâneo é o seu suprassumo no sentido em que a
denominação mais se aplica. A par das convenções e paradigmas de
sua época, ele olha para trás e para frente no tempo, buscando
justamente por técnicas eficientes para frustra-los. A Religião e a
Magia neo-religiosa que a enfrentou, já morreram ou estão em seus
estertores.
Nasce o Cientista Feiticeiro!!! "

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