política concreta do dia-a-dia”.
'º No segundo, privilegia-se a munista dos anos 50 acreditar na veracidade dos crimes agora
“ação das massas”, decorrente da principalidade da aliança
operário-camponesa, na avaliação do processo unitário das
forças políticas presentes no movimento antigolpista.””
Não será, portanto, nenhuma revisão doutrinária o
que levará os comunistas a estas novas posturas. A realidade
é que as irá impondo, em meio a grandes resistências. Surpreen-
de até mesmo como, em textos elaborados oficialmente, o PCB
chega a formulações muito interessantes sobre o papel da de-
mocracia política, num momento em que o tema estava longe
de ser encarado pela esquerda com a naturalidade que se tor-
nou típica desde os anos 90, e a mentalidade do partido ainda
era plenamente regida pelo marxismo-leninismo-stalinismo.
Aliás, este descompasso entre clarividência momentânea e essa
mentalidade lembra a observação de Moisés Vinhas sobre as
orientações aprovadas no IV Congresso, em novembro de
1954, em dissonância com a nova situação política, ao dizer
que ainda não seria daquela vez, ou seja, 1954 — acrescenta-
mos: nem no começo de 1956 —, que se romperia a “couraça
ideológica que isolava os comunistas da realidade”."* Esta será
sobretudo a função dos debates dos anos 1956-1957.
O XX Congresso e o silêncio pecebista
Quando, em fevereiro de 1956, chegaram as pri-
meiras notícias sobre o relatório secreto do XX Congresso
do Pcus, os dirigentes do PCB se fecharam diante de uma
discussão que, havia muito, não se conhecia entre as corren- -
tes socialistas. Após anos de assimilação acrítica, não era
nada simples pôr em dúvida o marxismo-leninismo codifi-
cado por Stálin, nem resultava fácil para a mentalidade co-
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denunciados pelo impetuoso secretário-geral do Pcus, Nikita
Kruchov.
Nos dois meses seguintes à realização do XX Con-
gresso, o semanário Voz Operária irá refletir o clima de per-
plexidade e o silêncio da cúpula dirigente. Pouco a pouco,
porém, aquelas notícias otimistas de vésperas, ou laudatórias
das resoluções finais, frequentes nos meios comunistas por
ocasião dos eventos soviéticos, vão dar lugar a informações
esparsas, mas curiosamente significativas, do que se passava
no movimento comunista internacional. Na cena pública pe-
cebista ninguém, muito menos dirigentes, opinará sobre o cen-
tro da controvérsia suscitada pelo XX Congresso.
Chegam notícias sobre a denúncia dos crimes de
Stálin, oriundas de outras fontes, e se publicam matérias so-
bre o debate em outros PCs, compondo-se a moldura oculta
da anunciada problemática do “culto à personalidade”. En-
tre março e julho, os comunistas brasileiros lerão na mesma
Voz Operária três dessas matérias: uma resolução do Comi-
tê Central do Partido Comunista Italiano (PCI), abrindo o
debate, a notícia da dissolução do Kominform assinada pelos
PCs que o compunham; e um arti go do secretário-geral do PC
norte-americano, Eugene Dennis, reconhecendo a veracida-
de do relatório secreto de Kruchov, cuja versão, dada a co-
nhecer por O Estado de S. Paulo, fora considerada artima-
nha da imprensa burguesa. Em lugar do desencanto a ser
abafado pela firmeza diante das “intrigas imperialistas”, o
PCI verá o XX Congresso como um estímulo para sair da
passividade, do burocratismo e do formalismo dos muitos
anos de stalinismo.!” A dissolução do Kominform abria as
mentes para uma nova compreensão da situação internacio-
nal, que caminhava rumo à distensão.” Dennis não apenas
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não reconhecerá nenhuma justificativa histórica ou política
para os crimes de Stálin, que ele chega a detalhar, para arre-
pio dos comunistas brasileiros — torturas, processos-farsa
contra velhos líderes bolcheviques etc. —, mas também pro-
porá até mesmo a popularização das decisões do XX Con-
gresso para melhorar a imagem do socialismo no mundo.?!
A direção partidária passava a idéia de que o “culto
à personalidade” era uma problemática já superada, restrita
ao passado da Urss. Maso debate, vindo de fora, iria ganhar
atualidade com as notícias veiculadas pela Voz Operária so-
bre o Leste Europeu, principalmente a Polônia. Era difícil
negar o inacreditável que sucedia: W. Gomulka, velho líder
comunista, depois de expulso em 1948 do Partido Operário
Unificado Polonês (Pour) e, após cinco anos de prisão, li-
bertado somente em 1955, era chamado, na crise, para assu-
mir a Primeira Secretaria do partido e chefiar o governo da
Polônia! Os grandes partidos comunistas estremeceram e ti-
veram de sair a público, alguns deles até mesmo se viram
obrigados a substituir os quadros dirigentes mais compro-
metidos com as práticas stalinistas, com a notável exceção
do PCI, o qual, certamente, então mais avançou na discus-
são do XX Congresso. Os leitores da Voz Operária percebe-
rão na polêmica travada entre o Pravda e a Tribuna Ludu
toda a atualidade da questão posta: enquanto o jornal sovié-
tico acusava os comunistas poloneses de abandono do socia-
lismo e a Tribuna Ludu de semear a desconfiança entre os
países socialistas, o órgão do Pour levantava a bandeira da
volta a Marx e a Lênin para estigmatizar as deformações
stalinistas na Urss como negação do socialismo.”
Com estas e outras notícias de-igual sentido — o
afastamento de Rákosi da direção do Partido Comunista hún-
garo, após autocrítica pública de fatos similares aos de Stálin;?
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a admissão da democracia política no socialismo por parte de
uma liderança partidária como M. Suslov;? a divulgação dos
últimos escritos de Lênin sobre a burocratização do socialis-
mo; e a visão togliattiana de novo caminho italiano para o
socialismo? —., tudo isso publicado na imprensa partidária
entre julho e setembro, tornava-se muito difícil para os comu-
nistas brasileiros, ao menos para uma parte deles, não inferir
que a questão “XX Congresso” era, de fato, uma problemáti-
ca ainda presente nos países socialistas e tocava muitíssimo
de perto a política e a maneira de ser pecebistas.
À revelia da direção partidária, na edição de 6 de
outubro de 1956, a Voz Operária, finalmente, abriu suas pági-
nas, acolhendo uma carta de Maurício Pinto Ferreira e o arti-
go de João Batista de Lima e Silva: “Não se poderia adiar uma
discussão que já está em todas as cabeças”, Pinto Ferreira su-
blinhava a necessidade de vincular o debate sobre o XX Con-
gresso aos erros do PCB, e João Batista correlacionava o “culto
à personalidade” com o alheamento da orientação política dos
comunistas brasileiros em relação à realidade do país.
Esta abertura do debate terá grande repercussão nos
demais jornais diários do PCB: entre os dias 9 e 14 de outu-
bro, numerosos artigos e cartas foram publicados na Imprensa
Popular, do Rio de Janeiro, e no Notícias de Hoje, editado
em São Paulo, assinados pelos intelectuais comunistas mais
conhecidos,” exigindo a discussão sobre o XX Congresso.
Outros já procuravam enquadrar o debate em limites mais
estreitos, ou simplesmente não o aceitavam.” “Abridistas” e
“fechadistas”, logo se perceberiam as duas posturas que,
depois, iriam evoluir para as correntes “renovadora” e “con-
servadora”. À iniciativa da Voz Operária foi, até mesmo,
respaldada por alguns organismos auxiliares do Comitê Cen-
tral (as seções de Agitação e Propaganda, Sindical, de Mas-
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