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Marinez Murta2
Neste artigo procura-se abordar as mudanças curriculares da escola moderna ocidental segundo as concepções
de homem, sociedade e conhecimento que as configuram em momentos significativos de sua trajetória. Nesse
movimento de mudança, identifica-se a influência dos paradigmas das ciências físicas que evoluem de um saber
unitário para a fragmentação/especialização e hoje lutam por uma abordagem integradora que dê conta da
complexidade do real.
1
Texto base de palestra apresentada no 3º Encontro de participantes do Projeto de Desenvolvimento Profissional de Educadores (PDP), da Secretaria de Estado da Educação de Minas
Gerais (SEE-MG), setembro de 2004.
2
Pedagoga, Mestre em Educação, Consultora do Projeto Escolas Referência (SEE-MG), integrante do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais. marinezfm@terra.com.br
Rua Juiz da Costa Val, 65 - apto 302 - Bairro Santa Efigência/BH - CEP:30.240-350.
mais simples para o mais difícil, do próximo para o era tida como dada (conteúdos científico-culturais), vol-
distante. Lógica formal e de encadeamentos fechados, tando-se as preocupações para o como visto como uma
unidirecionais, baseados exclusivamente nos pré-re- questão técnica.
quisitos das disciplinas, impondo-se sobre o que seri- A partir da segunda metade dos anos 70, as cha-
am os pré-requisitos do aluno para aprender: seus con- madas teorias críticas contestaram radicalmente essas
ceitos anteriores, sua familiaridade com o objeto de perspectivas de abordagem curricular, defendendo uma
estudo, seu universo sociocultural, seus interesses e concepção sociocultural e política de currículo. O currí-
necessidades. Os grandes difusores da pedagogia tra- culo, mais do que um conjunto de matérias a ensinar ou
dicional no Brasil foram os jesuítas que consagraram de experiências/atividades a serem desenvolvidas, passa
o método expositivo (passos formais, logicamente a ser visto como um projeto cultural politicamente
encadeados) nas suas aulas. direcionado para fins de reprodução ou transformação
As tendências conhecidas como escolanovista e social. Suas funções se cumprem por meio de seu con-
tecnicista, do ponto de vista epistemológico, refletem teúdo, de seu formato e das práticas que cria em torno
uma visão empirista de conhecimento. A aprendizagem de si. Assim é que novas perspectivas de análise e desen-
é concebida como produto da experiência exterior. Con- volvimento curricular ganharam força no final do século
trariando o essencialismo (essência inata) da visão ante- XX, apoiadas em bases políticas e epistemológicas: o re-
rior, a pedagogia derivada dessa concepção baseia-se conhecimento de que a natureza do saber distribuído
numa visão existencialista de Homem, segundo a qual, a na escola e as condições de sua distribuição definem
natureza humana é moldada na existência. A mente do funções sociais diferentes para a escola e a influência de
ser humano ao nascer é vista como uma tábula rasa so- um novo paradigma de conhecimento/ciência.
bre a qual se registrarão os conhecimentos provenientes
das experiências exteriores. Essa concepção vai estruturar
um modo de ensinar na escola baseado no provimento,
pelo professor, de experiências e meios (estímulos ex- 3 AS MUDANÇAS CURRICULARES NA VISÃO DE
ternos) que permitirão ao aluno desenvolver-se. DIFERENTES AUTORES
Na perspectiva da escola nova, influenciada pelo
desenvolvimento da psicologia cognitiva e da sociolo-
gia, ganham ênfase os métodos ativos, sobressaindo o
método científico ou da descoberta e introduzindo-se SACRISTÁN (1998), curricularista espanhol, consi-
no ensino a preocupação com as dinâmicas grupais. O dera quatro perspectivas de abordagem das teorias
ideário da Escola Nova difundiu-se entre os educadores curriculares: academicista, psicológica, tecnicista e
brasileiros a partir da década de 20 do século passado, dialética ou integrada. Cada uma dessas abordagens re-
tendo exercido influência mais significativa na educa- sulta em desenvolvimentos curriculares específicos.
ção infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental. a) na perspectiva academicista (tradicional), o cur-
Na perspectiva tecnicista, sob a influência da psi- rículo concretiza-se como um conjunto de co-
cologia comportamentalista e da racionalidade fabril, nhecimentos ou matérias justapostas a serem
ganham relevo os materiais instrucionais, a objetivida- superadas pelos alunos em determinado tem-
de e a operacionalidade do ensino. É preponderante a po (ciclo, série, ou nível escolar). Foco nas dis-
busca da eficiência instrumental: foco nos livros-texto ciplinas (conteúdos curriculares);
e manuais do professor, atividades didáticas como se- b) na perspectiva psicológica (escola nova), o currí-
qüências fechadas a executar, instrução programada, culo concretiza-se como um programa de ativida-
avaliação como controle dos produtos prescritos, obje- des ordenadas metodologicamente (manuais, guias
tivos operacionais. A partir da década de 50 do século do professor) para orientar o desenvolvimento
XX, a perspectiva tecnicista ganhou terreno entre nós, das experiências a serem vivenciadas pelos alu-
introduzindo alterações na organização da escola e do nos e propiciar o seu desenvolvimento cognitivo
currículo que vão se instalar oficialmente no sistema e social. Foco nos métodos e nas experiências/
educacional brasileiro com a reforma educacional de vivências programadas (conteúdos curriculares);
70 (Lei n. 5.692/71). c) na perspectiva tecnicista, o currículo concreti-
Em síntese, até esse momento da nossa análise, as za-se como um conjunto de atividades rigoro-
mudanças curriculares concentraram-se em aspectos re- samente planejadas por especialistas das disci-
lacionados a alterações de métodos didáticos e conteú- plinas e dispostas em materiais instrucionais a
dos de ensino. Durante longo tempo, essa foi a tônica serem implementados pelos professores. Foco
das reformas educacionais, uma vez que as questões na tecnologia instrucional e nas atividades dis-
curriculares, numa visão eminentemente técnico-peda- ciplinares formais (conteúdos curriculares);
gógica, recaíam basicamente em duas questões: o que d) na perspectiva dialética ou integrada (alternativa crí-
ensinar e como ensinar. A resposta à primeira indagação tica), o currículo se apresenta como um contexto em
Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.9, n.1, p.21-28, jan./jun. 2004
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que jogam as determinações impostas versus as professores e as práticas concretas desenvolvidas no con-
iniciativas dos atores participantes, agentes his- texto escolar modelam o currículo (e não apenas o que
tóricos, protagonistas da prática. Contexto aberto está prescrito ou explícito nos materiais de ensino) e
a soluções criativas, onde a certeza cede lugar à são, por si mesmas, fontes de um currículo paralelo ou
incerteza do espírito indagador e investigativo. oculto, ao qual devemos estar atentos.
Currículo como praxis - prática sustentada pela Outro autor que oferece uma abordagem rica para
reflexão. Foco no processo: nas relações e a compreensão da natureza das mudanças curriculares é
interações, nas transformações. o norte-americano DOLL (1997). Segundo ele, as mu-
SILVA (1999), curricularista brasileiro contempo- danças de visão de mundo e conhecimento que molda-
râneo, refere-se às três primeiras perspectivas citadas por ram o pensamento humano no mundo ocidental gera-
Sacristán como perspectivas tradicionais de abordagem ram desenvolvimentos curriculares específicos. Os três
curricular. Considerando que os conceitos de uma teo- grandes paradigmas estruturadores do desenvolvimento
ria organizam nossa forma de ver a realidade, ele chama das ciências físicas tiveram repercussões significativas nas
a atenção para o deslocamento conceitual provocado pe- ciências sociais e, conseqüentemente, na educação:
las teorias críticas e pós-críticas - que se desenvolveram paradigmas pré-moderno, moderno e pós-moderno.
nas últimas décadas do século XX - no discurso educaci- O paradigma pré-moderno (dos gregos ao
onal. Da ênfase nos conceitos pedagógicos de ensino e Renascimento) abrigou uma visão fechada e orgânica de
aprendizagem (avaliação, planejamento, métodos didá- mundo e conhecimento/ciência: verdades eternamente
ticos, objetivos instrucionais, eficiência, organização) das existentes, essência humana inata. Nessa perspectiva, a
teorias tradicionais, para a ênfase nos conceitos de ideo- aprendizagem é vista como um movimento de dentro
logia e poder (conscientização, libertação, prática social, para fora, consistindo na realização de potencialidades
hegemonia) das teorias críticas, e daí para a ênfase nos latentes. O método socrático de questionamento é ori-
conceitos relacionados ao discurso (identidade, entado para a lembrança de verdades previamente co-
alteridade, diferença, subjetividade, significado e discur- nhecidas, não para um final aberto e progressivo só pos-
so, saber-poder, representação, cultura, gênero, etnia, sível no diálogo real. A escolha não era uma opção para
multiculturalismo, sexualidade) das teorias pós-críticas. o pré-moderno: tudo era determinado por uma ordem
Outro aspecto destacado pelo autor, especialmente estável, equilibrada, preexistente, inclusive a direção das
em relação à perspectiva das teorias pós-críticas que mudanças. Esse paradigma estruturou o pensamento
enfatizam as conexões entre significação/identidade/po- essencialista da pedagogia tradicional, a qual se baseava
der, é o envolvimento do currículo nos processos de na transmissão de verdades estáveis, cuja lógica era úni-
formação pelos quais nos tornamos o que somos. Par- ca e universal, justificando o mesmo caminho, o mesmo
tindo da etimologia da palavra currículo, ele reforça essa ritmo e a exigência de respostas únicas para todos.
idéia. Currículo vem do latim curriculum pista de cor- O paradigma da ciência moderna - que se consoli-
rida. No curso dessa corrida, acabamos por nos tornar o dou no mundo ocidental nos séculos XIX e XX consa-
que somos. Currículo é trajetória, percurso. É autobio- grou a idéia de um mundo físico estável e predizível,
grafia, nossa vida, curriculum vitae. O currículo é docu- dando origem a um paradigma científico-racional de
mento de identidade. Logo, além de uma questão de compreensão da realidade, constituído de sistemas fe-
conhecimento (nossa preocupação básica ao pensar em chados e lineares. Sistemas estes passíveis de controle
currículo), o currículo é uma questão de identidade. desde que se conheçam as leis reguladoras de seus me-
Currículo é também poder: realiza operações de sele- canismos: leis de relações e conexões estáveis, de causa-
ção de um conhecimento sobre outro, de uma possibili- lidade determinista. Esse modo linear de conceber o
dade ideal de subjetividade, entre outras. mundo e seu processo evolutivo (transformativo) teve
Essas reflexões podem nos ajudar a responder à repercussões significativas no modelo de educação que
questão central que nos colocamos ao organizar o currí- vem predominando entre nós:
culo: o que/qual conhecimento ensinar? O currículo é a) a idéia da construção do significado como um
sempre o resultado de uma seleção: de um universo processo linear, estável, seqüencialmente enca-
amplo de conhecimentos e saberes, selecionamos aque- deado, de fins previsíveis e controláveis;
les que vão constituir o currículo. b) a crença na verdade absoluta, uma verdade que
Concebendo o currículo com um processo de está fora, nas coisas, para ser descoberta por
construção de identidade, faremos escolhas (acerca de meio do estudo e da experimentação (método
conteúdos e formas de abordá-los) comprometidas com científico) e, uma vez descoberta, transmitida;
um ideal de formação humana, ou seja, assumiremos c) a visão fragmentada e especializada das ciências
posturas ético-políticas intencionais nas nossas decisões. e a idéia de que o conhecimento das partes ga-
E mais: percebendo o currículo como o processo rante o conhecimento do todo;
vivenciado (a corrida, a caminhada), reconheceremos que d) a idéia da mente como tábula rasa, caixa pre-
as regras que organizam as experiências dos alunos/dos ta, ou processador de informações (mais recen-
te), com ênfase em processos mecânicos de MORIN (2001) questiona a fragmentação do cur-
aprendizagem (memória, treinamento, aplica- rículo moderno e insiste na necessidade de integrar os
ção de tecnologias instrucionais, práticas conhecimentos, tendo em vista a formação de um pen-
dirigidas de laboratório). samento capaz de considerar a situação humana no âma-
Esse paradigma linear, baseado no modelo de go da vida, na terra, no mundo, e enfrentar os grandes
sistema fechado da física pré século XX (anterior à desafios de nossa época. Segundo ele, nós não conse-
física quântica), está cada vez mais sendo substituído guimos integrar os conhecimentos para a condução de
pelo modelo da biologia que assume o organismo nossas vidas.
como um sistema aberto. O modelo de mudança (evo- Para MORIN (2001), o pensamento complexo é
lução) orgânica - dos organismos vivos - é um mode- aquele capaz de reintegrar os conhecimentos dispersos
lo de crescimento possibilitado pela interação, tran- numa visão global de realidade. Complexo no sentido
sação, desequilíbrio e equilíbrio. Portanto, cai a cer- original do termo complexus aquilo que foi tecido jun-
teza das leis e relações uniformes. A transformação, to. O retalhamento das disciplinas torna impossível apre-
as múltiplas interpretações e a configuração alterna- ender as questões multidimensionais que enfrentamos
tiva tornaram-se a base do entendimento e da cons- na compreensão do mundo. A inteligência que só sabe
trução de significados. separar fragmenta o complexo (tecido) do mundo,
Assim como os modernos lutaram contra o atrofiando as possibilidades de reflexão e de uma visão
paradigma pré-moderno dos antigos, de uma ordem integrada e interativa das partes que o compõem. A
metafísica do universo (visão harmônica, equilibrada do hiperespecialização produz a cegueira: Uma consciên-
mundo), os pós-modernos lutam hoje contra o paradigma cia incapaz de perceber o contexto e o complexo plane-
da modernidade que enfatiza a fragmentação e a tário fica cega, inconsciente e irresponsável.
hiperespecialização das ciências, desconhecendo o teci- Ainda segundo MORIN (2001), a separação entre
do complexo do mundo (interações múltiplas na cons- ciências e humanidades tem conseqüências sérias para
trução e transformação da realidade). ambas. A cultura humanística é uma cultura genérica
O novo paradigma em desenvolvimento que, pela via da filosofia, do ensaio, do romance, ali-
paradigma pós-moderno tem a complexidade, a menta a inteligência geral, enfrenta as grandes interro-
interação e a continuidade em aberto como característi- gações humanas, estimula a reflexão sobre o saber e
cas essenciais de sua estrutura. A visão linear de conhe- favorece a integração pessoal dos conhecimentos. A
cimento está sendo substituída pela visão de conheci- cultura científica separa as áreas do conhecimento, acar-
mento em rede, com múltiplas possibilidades de cone- reta admiráveis descobertas, teorias geniais, mas não
xões e relações (relações lógicas, analógicas, intuitivas, uma reflexão sobre o destino humano e sobre o futuro
causais, não-causais, afetivas, estéticas etc). da própria ciência. Na falta de uma perspectiva global
No campo educacional, autores de destaque da realidade, cada um tende a tornar-se responsável
como Jerome Bruner, Jean Piaget e John Dewey talvez apenas por sua tarefa especializada e enfraquecem-se
possam ser melhor compreendidos nessa perspectiva
os laços de solidariedade. Perde-se o elo orgânico de
de conhecimento aberto e em rede do que na perspec-
cada um com a coletividade.
tiva linear dominante no momento em que desenvol-
Assumir o currículo numa perspectiva de comple-
veram suas teorias. Talvez isso ajude a esclarecer a difi-
culdade de difusão das propostas desses autores entre xidade implica a busca de formas alternativas de organi-
seus contemporâneos: elas representaram mudanças zação da prática escolar:
paradigmáticas, não apenas alterações de métodos di- a) formas de organizar os tempos e os espaços de
dáticos e conteúdos escolares. aprendizagem na escola mais adequadas aos
Na perspectiva do paradigma pós-moderno, a processos relacionais e investigativos que o pen-
organização e a continuidade do processo de co- samento complexo exige;
nhecimento a ser desenvolvido na escola vão surgir b) estratégias mais abertas, articuladas e criativas
da própria atividade, ao invés de serem estabelecidas de construção do conhecimento;
antes da atividade, como orientavam as perspectivas c) definição de formas mais democráticas e
anteriores. Dewey (com sua proposta de resolução participativas de regulação das relações de con-
de problemas), Bruner (com a idéia de currículo em vivência na escola;
espiral) e Piaget (com sua visão interacionista) já des- d) ampliação dos espaços de integração da vida
tacavam esse aspecto. da escola na vida da cidade e do planeta,
Autores contemporâneos de grande influência no com ênfase no protagonismo social de alu-
campo educacional, como o pensador francês Edgar nos e professores;
Morin e os educadores espanhóis Fernando Hernández e) construção de parâmetros de avaliação mais
e Antoni Zabala discutem o processo educativo nessa processuais e participativos.
perspectiva interativa e processual de abertura e com- A concepção de escolaridade de HERNÁNDEZ (1998)
plexidade características do pensamento pós-moderno. atribui grande importância ao papel do aluno como res-
ponsável pela própria aprendizagem: sujeito que age mo- O enfoque globalizador tenta romper com uma
vido por intenções conscientes, que faz intervenções no trajetória que transformou as disciplinas nos únicos ob-
curso de suas ações, reconhece as conseqüências das jetos de estudo. Se cada uma das disciplinas tem sentido
mesmas, os resultados alcançados, podendo replanejar- como marco teórico para a compreensão e o conheci-
se para continuar aprendendo. Sem dúvida, uma pro- mento do mundo real, seja natural, social, tecnológico,
posta educativa de desenvolvimento em aberto, ou artístico, no ensino, ao contrário, perde-se ou es-
direcionada para a autonomia. quece-se essa função e instituem-se todas elas como ob-
Outro aspecto enfatizado por esse autor é o enfoque jeto de estudo escolar independentemente das causas
relacional na abordagem dos conteúdos da aprendiza- para as quais foram criadas e que as justificam. Perde-se
gem: propõe um ensino estruturado de forma a colocar aí o sentido mais profundo da ciência: o permanente
o aluno diante de situações que lhe permitam enfrentar diálogo com a prática.
o planejamento de ações para a solução de problemas O autor enfatiza o enfoque globalizador como um
reais (de natureza investigativa ou de algum empreendi- termo especificamente escolar que descreve uma deter-
mento a realizar) e a possibilidade de mobilizar conhe- minada forma de conceber o ensino, na qual o conheci-
cimentos (conceitos, valores procedimentos) de diferen- mento da realidade se realiza sob uma visão
tes campos do saber nesse processo. Configura-se, nessa metadisciplinar, ou seja, segundo uma perspectiva glo-
bal que tenta reconhecer a essência dos objetos de estu-
proposta, um enfoque de complexidade, explicitamente
do e na qual as disciplinas são meios para conhecer uma
assumido por ele quando se refere ao trabalho por pro-
realidade que é holística.
jetos: os projetos de trabalho colocam o aluno e o do-
Com o termo enfoque globalizador, que também
cente na busca de redes de interações que conectam o
pode ser perspectiva globalizadora ou visão globalizadora,
gênero humano consigo mesmo e com o resto da
define-se a maneira de organizar os conteúdos a partir
biosfera, tarefa que não esquece que todos os aspectos
de uma concepção de ensino na qual o objeto funda-
têm influência mútua em grau extremo. Esse é o saber
mental de estudo para os alunos seja o conhecimento e
relacional ao qual, em última instância, se tenta aproxi-
a intervenção na realidade. O enfoque globalizador pre-
mar os alunos mediante os projetos de trabalhos.
tende oferecer aos alunos os meios para compreender e
(HERNÁNDEZ, 1998, p. 89).
atuar na complexidade. Somente é possível atuar na com-
ZABALA (2002), como MORIN (2001) e HERNÁNDEZ
plexidade quando se é capaz de utilizar os diferentes
(1998), questiona a fragmentação do conhecimento e
instrumentos de conhecimento existentes de maneira
busca soluções para a integração curricular, tendo em vis-
inter-relacionada. O enfoque globalizador pretende de-
ta a formação para a compreensão e a investigação das
senvolver no aluno o pensamento complexo.
questões mais importantes do mundo atual, que exigem O enfoque globalizador incorpora e supera as pers-
cada vez mais o concurso de diferentes disciplinas. pectivas disciplinar e de métodos globalizados na organi-
Considera que o processo de desintegração do zação curricular. Nos métodos globalizados - currículos
ensino em múltiplas disciplinas e sua revisão em dire- organizados por centros de interesse, por temas, por pro-
ção a modelos integradores segue o mesmo processo blemas, por projetos de trabalho programa-se uma for-
percorrido no campo geral do saber, no qual, nas últi- ma global de apresentar o conhecimento ao aluno. No
mas décadas, surge de forma cada vez mais manifesta a enfoque globalizador, a globalização se apresenta como
necessidade de revisar e buscar soluções para a disper- uma forma de abordar o conhecimento sempre inserido
são de conhecimentos. numa perspectiva de totalidade ou complexidade.
Focalizando as tentativas de superação do enfoque SANTOMÉ (1998) aponta os centros de interesse
disciplinar no âmbito educacional, ZABALA (2002) con- criados por Decroly (pedagogo belga, início do século
sidera duas propostas: os métodos globalizados e o XX)) e o método de projetos desenvolvido por KILPATRICK
enfoque globalizador. Esclarece que todo método (EUA, 1918) como formas tradicionais de integração
globalizado (método didático completo, estruturado em curricular. Como experiências significativas mais recen-
fases) tem um enfoque globalizador, mas a recíproca não tes de elaboração de projetos curriculares integrados,
é verdadeira. O enfoque globalizador não se realiza ne- ele cita uma proposta elaborada na Inglaterra, no final
cessariamente por meio de um método globalizado. da década de 60 do século passado - Humanities
No campo geral do conhecimento, o autor aponta con- Curriculum Project - centrada na área de Humanas e en-
ceitos que se referem aos vários tipos de relações que podem volvendo um conjunto de temas ou unidades didáticas
ser estabelecidas entre diferentes áreas de conhe- (a guerra, a pobreza, a vida urbana, a lei e a ordem etc).
cimento: multidisciplinaridade, pluridisciplina- Outra proposta destacada pelo autor diz respeito ao tra-
ridade,interdisciplinaridade, metadisciplinaridade, balho coordenado por Bruner nos EUA, no decorrer da
transdisciplinaridade etc. Esclarece que o uso desses ter- década de 60, envolvendo, como a experiência desen-
mos no campo do ensino, referindo-se à relação entre volvida na Inglaterra, um longo tempo de trabalho em
duas ou mais matérias docentes, não determina uma equipe na produção de materiais didáticos em torno de
metodologia específica. temas organizadores do currículo.
com CH formalmente definida. Selecionar conteúdos e 4 SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identi-
decidir sobre a forma de abordá-los é mais do que uma dade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
questão técnica. Implica em um posicionamento Horizonte: Autêntica, 1999.
sociopolítico e epistemológico complexo.
Incluir filosofia ou sociologia no currículo, ado- 5 SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo. Uma reflexão
tar a organização modular, temática ou disciplinar, são sobre a prática. Porto alegre, ArtMed, 1998.
decisões que passam por uma reflexão filosófica e, não,
legalista e prática. A forma de inserção da arte, da 6 SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e
informática, da literatura passa pela discussão das neces- interdisciplinaridade. O currículo integrado.
sidades de formação humana e social. Desenvolver pro- Porto Alegre, Artes Médicas, 1998.
jetos de protagonismo social, de empreendedorismo,
de teatro, de iniciação musical não se dá por modismos. 7 ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensa-
É preciso um vínculo maior das decisões mento complexo: uma proposta pa ra o currículo
curriculares com a função social da educação. Definir as escolar. Porto alegre: ARTMED, 2002.
competências necessárias à inserção digna na vida con-
temporânea é uma decisão política. Assumir o currículo
como um espaço de construção de identidades e subje-
tividades, as decisões curriculares como um exercício
de poder na distribuição do conhecimento e os conteú-
dos disciplinares como meios a serviço de finalidades
culturais e sociopolíticas, talvez faça a diferença no mo-
mento da organização curricular nas escolas.
5 ABSTRACT
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS