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Introdução ao estudo dos reflexos

Os circuitos reflexos possuem uma ampla distribuição no sistema nervoso e


desempenham um papel fundamental na avaliação neurológica. São ubíquos no sistema nervoso
e formam a base de grande parte das respostas automáticas de um organismo ao seu ambiente.
Uma porção significativa da avaliação clínica do sistema nervoso em medicina veterinária
envolve a indução de respostas reflexas, como o reflexo pupilar à luz, o reflexo patelar de
estiramento muscular e os reflexos flexores.

Quando ocorre algum mau funcionamento em qualquer um dos cinco componentes que
compõem o arco reflexo, a resposta reflexa esperada pode ser alterada ou não ocorrer. Ter um
conhecimento sólido da anatomia geral, fisiologia e das respostas reflexas normais é essencial
para conduzir uma avaliação neurológica precisa. Isso possibilita a localização de lesões
potenciais. Por exemplo, a ausência de constrição pupilar em resposta à luz, quando observada
junto com uma resposta normal a outros estímulos visuais - como evitar um objeto em
movimento rápido - sugere que o problema provavelmente não reside no receptor ou nos
componentes sensoriais do neurônio no arco reflexo.

Os componentes do arco reflexo

Todos os arcos reflexos contêm cinco componentes básicos. Se qualquer um destes apresentar
funcionamento deficiente, a resposta do reflexo é alterada.

Componente 1: Receptor sensorial

Todos os reflexos têm origem em um receptor sensorial, os quais variam amplamente no


corpo. No entanto, compartilham uma função essencial: converter diferentes formas de energia
ou a presença de elementos químicos do ambiente em respostas celulares. Essas respostas, de
forma direta ou indireta, desencadeiam potenciais de ação em neurônios sensoriais. Em outras
palavras, esses receptores percebem os sinais do ambiente e os transformam em um formato
compreensível para o sistema nervoso.

A título de exemplo, os receptores presentes na retina captam a luz, enquanto os da pele


percebem sensações como calor, frio e pressão. Os receptores nos músculos respondem ao
estiramento muscular, enquanto os receptores gustativos reagem aos estímulos químicos das
substâncias ingeridas. Há receptores primários, que são neurônios especializados na transdução
de estímulos, e receptores sensoriais secundários, que são células não neurais especializadas na
transdução e influenciam a atividade neural ao liberar neurotransmissores para os neurônios.
Os estímulos convertidos em potenciais de ação ao longo dos neurônios sensoriais
ocorrem em frequências proporcionais à intensidade dos estímulos transduzidos. Essa relação
entre a intensidade do estímulo e a frequência dos potenciais de ação é chamada de código de
frequência. Esse código é crucial para que o receptor comunique ao sistema nervoso central a
intensidade da luz, calor, estiramento e outros estímulos. Estímulos mais fortes ativam um maior
número de receptores sensoriais, caracterizando o código de população da intensidade do
estímulo.

Componente 2: Neurônio sensorial

O próximo elemento de um arco reflexo, mencionado previamente, consiste no neurônio


sensorial (também chamado de SNC aferente). Esses neurônios conduzem os potenciais de ação
resultantes da ativação do receptor em direção ao sistema nervoso central. Em certos casos, o
receptor é uma área especializada, geralmente na periferia, do próprio neurônio sensorial
(receptores primários). Em outras situações, ele está fisicamente separado do neurônio motor e
transmite o sinal por meio de uma sinapse (receptores secundários). Os neurônios sensoriais
estabelecem conexões com a medula espinhal através das raízes dorsais ou com o cérebro por
meio dos nervos cranianos.

Componente 3: Sinapse no SNC

O terceiro elemento do arco reflexo é uma sinapse no sistema nervoso central (SNC). Em
muitos arcos reflexos, na verdade, ocorrem múltiplas sinapses em sequência, formando um
padrão polissináptico. No entanto, certos arcos reflexos originados nos fusos musculares são
monossinápticos. Nos reflexos polissinápticos, nos quais um ou mais neurônios estão
localizados entre a entrada do neurônio sensorial no SNC e a saída do neurônio motor, esses
neurônios intermediários são conhecidos como interneurônios. Eles também podem ser
considerados uma parte integrante desse terceiro componente do arco reflexo.

Componente 4: Neurônio motor

O quarto elemento consiste em um neurônio motor (parte aferente do sistema nervoso central),
responsável por conduzir os potenciais de ação do sistema nervoso central em direção à sinapse
com o órgão efetor alvo. Esses sinais emergem da medula espinhal via raízes ventrais e também
se originam no cérebro através dos nervos cranianos.

Componente 5: Órgão alvo

O quinto elemento consiste no órgão-alvo (ou órgão efetor), responsável por desencadear o
reflexo. Comumente, esse órgão é um músculo, como as fibras musculoesqueléticas presentes
no quadríceps do membro pélvico. Um exemplo é o reflexo patelar (joelho-joelho),
desencadeado pelo estiramento muscular, ou o músculo liso da íris, que atua no reflexo pupilar
em resposta à luz. Além disso, o alvo do reflexo pode também ser uma glândula, como ocorre
no reflexo salivar.

Entendendo um pouco mais

Na realidade, a reação reflexa resultante de um estímulo em mamíferos raramente é o


produto exclusivo de um arco reflexo monossináptico atuando de forma isolada. Mesmo quando
um neurônio sensorial participa em um arco reflexo monossináptico, ele tende a estimular
ramificações que se envolvem em circuitos reflexos polissinápticos no sistema nervoso central
(SNC). Além disso, a resposta reflexa mais simples em mamíferos não se limita apenas à
excitação de músculos específicos, mas também envolve a inibição de outros músculos,
frequentemente antagonistas.

O reflexo patelar ilustra bem esses conceitos. Nos neurônios sensoriais que fazem parte
desse reflexo, algumas das suas ramificações terminais estabelecem conexões diretas e
excitatórias com neurônios motores que ativam o músculo quadríceps. Outras ramificações
terminais desse mesmo neurônio sensorial estão envolvidas em circuitos de duas etapas,
inibindo os neurônios motores que controlam o músculo antagônico. É importante compreender
que os reflexos não funcionam de maneira isolada do restante do sistema nervoso.

Estímulos provenientes de outras áreas do corpo até mesmo dentro dos componentes do
arco reflexo podem influenciar a sensibilidade da resposta reflexa. Por exemplo, se a
comunicação entre o cérebro e a medula espinhal estiver comprometida, os reflexos nessa
região da medula podem se tornar exagerados

Arcos reflexos podem ser Segmentares ou intersegmentares

A. Reflexo segmentar
Um reflexo segmentar ocorre quando o arco reflexo se desenrola em uma pequena porção
rostro-caudal do Sistema Nervoso Central (SNC). Nesses casos, a entrada do neurônio sensorial,
o circuito dentro do SNC e a saída do neurônio motor compartilham uma posição rostro-caudal
semelhante.

Exemplos de reflexos segmentares incluem o reflexo de alongamento do quadríceps


(patelar) e a resposta pupilar à luz. Ambos utilizam apenas um pequeno conjunto de segmentos
da medula espinhal (por exemplo, L4-L6) ou uma área limitada no eixo rostro-caudal do tronco
cerebral, respectivamente.

B. Reflexo intersegmantar

Em um fenômeno de reflexo intersegmentar, o arco reflexo percorre diversos segmentos da


medula espinhal ou diversas áreas do cérebro (por exemplo, desde a medula até o cérebro
médio). Em certas categorias de reflexos intersegmentares, a saída dos neurônios motores se
estende consideravelmente a partir do ponto de entrada dos neurônios sensoriais no Sistema
Nervoso Central (SNC), seja em uma direção rostral ou caudal. Isso é exemplificado pelos
reflexos vestibuloespinhais, que provocam ajustes posturais em resposta a acelerações de
movimento ou mudanças de posição da cabeça. A informação captada pelos neurônios
sensoriais, originada no aparato vestibular do ouvido interno, ingressa no SNC próximo à
fronteira pontomedular do tronco cerebral, e os neurônios motores percorrem múltiplos
segmentos da medula espinhal.

Em certos reflexos intersegmentares, embora a entrada do neurônio sensorial e a saída do


neurônio motor estejam fisicamente próximas em termos rostro-caudais, o circuito de sinapses
no SNC entre esses pontos envolve conexões com regiões distantes. Ocasionalmente, esses
reflexos são descritos como reflexos intersegmentares de trajeto longo. Um exemplo é a reação
posicional proprioceptiva, na qual a pata de um animal retorna imediatamente à sua posição
normal (com o coxim para baixo) após ser flexionada pelo clínico, fazendo com que a parte
dorsal da pata toque a superfície de apoio. O circuito sensorimotor desse processo se estende
dos nervos periféricos dos membros e segmentos associados da medula espinhal até o córtex
cerebral e retorna pelo mesmo caminho, abrangendo todos esses elementos novamente.

Correlação clínica: por que conhecer os reflexos?

Os arcos reflexos permeiam amplamente o sistema nervoso e constituem a base de


grande parte do substrato subconsciente de um organismo: as respostas involuntárias
desencadeadas pelo seu entorno. Uma parcela significativa da avaliação clínica do sistema
nervoso realizada por profissionais veterinários engloba a elicitação de respostas reflexas, como
o reflexo pupilar à luz, o reflexo de estiramento muscular (patelar) e os reflexos flexores.

Caso haja algum desarranjo em qualquer um dos cinco componentes do arco reflexo,
isso resultará em uma alteração ou ausência da resposta reflexa antecipada. É de suma
importância adquirir um entendimento abrangente da anatomia geral, fisiologia e padrões de
resposta clínica normais associados aos reflexos usuais, para efetuar uma adequada avaliação
neurológica, a fim de possibilitar a localização precisa de lesões.

Por exemplo, a ausência de contração pupilar diante da luz, quando acompanhada por
uma resposta típica a outros estímulos visuais – como evitar um objeto que se aproxima
rapidamente – sugere que o problema provavelmente não reside no receptor ou nos elementos
do neurônio sensorial que constituem o arco reflexo. Muitos desses reflexos serão abordados
nos próximos segmentos deste estudo

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