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Farmacologia Aplicada

à Biomedicina
Farmacologia do Sistema Nervoso e Junção Neuromuscular

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Roberta Tancredi Francesco dos Santos

Revisão Textual:
Aline Gonçalves

Revisão Técnica:
Prof.a Luciana Nogueira
Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

• Fisiologia do Sistema Nervoso;


• Patologias do Sistema Nervoso Central;
• Tratamento com o Uso de Hipnóticos e Sedativos;
• Tratamento com Uso de Antidepressivos;
• Tratamento com Uso de Anestésicos;
• Farmacologia do Sistema Nervoso Autônomo e Junção
Neuromuscular: Fármacos Colinérgicos e Adrenérgicos.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Estudar o sistema nervoso e suas alterações fisiológicas para compreensão dos tratamentos
utilizados, relacionando o mecanismo de ação dos fármacos do Sistema Nervoso Central,
tais como sedativos, antidepressivos, entre outros;
• Diferenciar a Farmacologia dos sistemas simpático e parassimpático, bem como estudar a
Farmacologia da Junção Neuromuscular (JNM).
UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

Contextualização
Dando continuidade à disciplina de farmacologia, iremos abordar, nesta unidade,
os fármacos que atuam no sistema nervoso e na junção neuromuscular. Para isso,
faz-se necessário relembrar da fisiologia desses sistemas, uma vez que envolvem
receptores e neurotransmissores específicos, que estão diretamente relacionados
­
com os mecanismos de ação dos fármacos. Vamos nessa!

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Fisiologia do Sistema Nervoso
O sistema nervoso é dividido em Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema Ner-
voso Periférico (SNP). O SNC é formado por estruturas que se localizam dentro
do crânio e das vértebras. É composto pelo encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco
encefálico) e pela medula espinhal. O cérebro ocupa a maior parte do encéfalo.
Possui bilhões de neurônios que recebem, analisam e armazenam informações de
condições interiores e exteriores. É dividido em dois hemisférios (direito e esquerdo)
que controlam os músculos e as glândulas do lado oposto do corpo em que estão
localizados. O SNP inicia na medula espinhal e conecta neurônios eferentes (que par-
tem da medula espinhal para os tecidos periféricos) e os aferentes (que passam dos
tecidos periféricos para a medula espinhal) com o cérebro. Sua função principal é
receber os sinais com informações, processá-las e emitir as respostas determinadas,
controlando assim as atividades do corpo. Já o Sistema Nervoso Periférico (SNP)
é formado pelos nervos e gânglios nervosos. Sua função é ligar o sistema nervoso
central aos outros órgãos do corpo e, com isso, realizar o transporte de informações
por meio dos neurônios.

Os neurônios, por sua vez, são as células responsáveis pela recepção e transmissão
dos estímulos do meio interno e externo, possibilitando ao organismo a execução de
respostas adequadas para a manutenção da homeostase. Para exercerem tais fun-
ções, contam com duas propriedades fundamentais: a excitabilidade e a condutibili-
dade. Excitabilidade é a capacidade que permite a uma célula responder a estímulos,
sejam eles internos ou externos. Portanto, excitabilidade não é uma resposta, mas
a propriedade que torna a célula apta a responder. Essa propriedade é inerente aos
vários tipos celulares do organismo. No entanto, as respostas emitidas pelos tipos
celulares distintos também diferem umas das outras. A resposta emitida pelos neurô-
nios assemelha-se a uma corrente elétrica transmitida ao longo de um fio condutor:
uma vez excitados pelos estímulos, os neurônios transmitem essa onda de excitação –
chamada de impulso nervoso – por toda a sua extensão, em grande velocidade e em
curto espaço de tempo. Esse fenômeno deve-se à propriedade de condutibilidade.

Sistema Nervoso Perifério (SNP) Sistema Nervoso Central (SNC)

Nervos cranianos Encéfalo

Gânglios Medula Espinal


Nervosos

Nervos Espinais

Figura 1 – Representação esquemática evidenciando a


organização geral do sistema nervoso central e do periférico
Fonte: Adaptado de Freepik

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Sistema Nervoso Autônomo


O sistema nervoso autônomo é a parte do sistema nervoso que está relacionada
ao controle da vida vegetativa, ou seja, controla funções como a respiração, circula-
ção do sangue, controle de temperatura e digestão. No entanto, ele não se restringe
a isso. É também o principal responsável pelo controle automático do corpo frente
às modificações do ambiente. Por exemplo, quando o indivíduo entra em uma sala
com um ar-condicionado que lhe dá frio, o sistema nervoso autônomo começa a agir,
tentando impedir uma queda de temperatura corporal. Dessa maneira, seus pelos
se arrepiam (devido à contração do músculo piloeretor) e ele começa a tremer para
­gerar calor. Ao mesmo tempo, ocorre vasoconstrição nas extremidades para impedir
a dissipação do calor para o meio. Essas medidas, aliadas à sensação desagradável
de frio, foram as principais responsáveis pela sobrevivência de espécies em condi-
ções que deveriam impedir o funcionamento de um organismo.

Dessa maneira, pode-se perceber que o organismo possui um mecanismo que


permite ajustes corporais, mantendo assim o equilíbrio do corpo: a homeostasia.
O SNA é dividido em duas partes: sistema nervoso simpático (toracolombar) e siste-
ma nervoso parassimpático (craniossacral).

Figura 2 – Organização do sistema nervoso autônomo


Fonte: Unifal-mg.edu.br

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Trata-se de uma divisão com base nas características anatômicas e nas funções
que cada uma delas desempenha. Normalmente, as fibras nervosas dos sistemas
simpáticos e parassimpáticos secretam dois neurotransmissores principais: noradre-
nalina e acetilcolina. As fibras que secretam noradrenalina ativam receptores adre-
nérgicos, e as que secretam acetilcolina ativam receptores colinérgicos.

Figura 3 – A transmissão de um neurônio para o outro


Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Quando o impulso elétrico chega ao final do axônio, são liberados neuro-


transmissores e eles são detectados pelos dendritos do corpo celular que se
encontra do outro lado da sinapse.

A neurotransmissão (sinalização entre dois neurônios) ocorre por meio do des-


locamento, ao longo da fibra nervosa, do potencial de ação neural (troca de cargas
positivas e negativas na membrana) mediada por esses neurotransmissores men-
cionados, que são substâncias químicas armazenadas nas vesículas dos neurônios
pré-sinápticos que produzem respostas excitatórias ou inibitórias nos neurônios
pós-sinápticos. Alguns dos principais neurotransmissores excitatórios incluem epine-
frina e norepinefrina, enquanto os principais neurotransmissores inibidores incluem
a serotonina e o ácido gama-aminobutírico (GABA). Alguns neurotransmissores,
como a acetilcolina e a dopamina, podem criar efeitos excitatórios e inibitórios,
dependendo do tipo de receptores que estão presentes.

Os neurotransmissores acetilcolina, norepinefrina ou noradrenalina, histamina,


GABA (ácido gama-aminobutírico) e glutamato são liberados na fase de despola-
rização, quando a membrana fica permeável aos íons sódio e cálcio, permitindo a
entrada deles para o interior do axônio, e na fase de repolarização os canais de sódio
voltagem-dependentes começam a se fechar e os de potássio se abrem, permitindo
que os íons potássio passem para o exterior (fenda sináptica). Após a chegada do

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potencial de ação, algumas vesículas liberam o neurotransmissor na fenda sináptica.


Os neurotransmissores uma vez liberados irão se acoplar às proteínas receptoras
presentes na membrana dos neurônios pós-sinápticos.

Essa comunicação ocorre por meio das sinapses. A sinapse é a região localizada
entre neurônios onde agem os neurotransmissores (mediadores químicos), transmi-
tindo o impulso nervoso de um neurônio a outro, ou de um neurônio para uma célula
muscular ou glandular.

Assista ao vídeo “Neurotransmissores”, disponível em: https://youtu.be/FD8Qaw1TS-k

Como vimos no vídeo, as monoaminas estão incluídas na classificação neurofi-


siológica dos neurotransmissores. A principal característica das monoaminas é que
são substâncias bioquímicas derivadas de aminoácidos por meio do processo de
descarboxilação. Elas são produzidas por vários sistemas de neurônios no encéfalo.
Portanto, os neurônios monoaminérgicos servem para modular a função de várias
regiões do encéfalo, aumentando ou diminuindo a atividade de determinadas áreas
cerebrais, envolvem comportamento, libido, motivação, sono, entre outros.

As monoaminas são divididas em duas subclasses: catecolaminas e indolaminas.


Por sua vez, dentro das catecolaminas, há três neurotransmissores: a noradrenalina,
a dopamina e a adrenalina. Na categoria das indolaminas há apenas a serotonina.

Vamos conversar um pouco mais sobre elas, uma vez que a regulação dos neu-
rotransmissores do grupo das monoaminas é interrompida em uma variedade de
transtornos psiquiátricos, e, de fato, muitos medicamentos psicotrópicos (que afetam
o comportamento ou o humor) impactam uma ou mais etapas da sua síntese, arma-
zenamento ou degradação.

As Catecolaminas
Todas as catecolaminas são derivadas do metabolismo da tirosina. A principal
enzima envolvida no catabolismo da catecolamina é a monoamina oxidase (MAO),
presente nas terminações nervosas.
• Dopamina (DA): a dopamina é um neurotransmissor sintetizado por certas
células nervosas a partir da tirosina (aminoácido). Afeta o movimento muscular,
o crescimento dos tecidos e o funcionamento do sistema imunológico. As redes
dopaminérgicas do cérebro estão estreitamente associadas aos comportamentos
de exploração, vigilância e busca pelo prazer. A baixa atividade dopaminérgica
está presente nas depressões melancólicas, caracterizadas por uma diminuição
na atividade motora e na iniciativa. Drogas estimulantes ativam certos sistemas
dopaminérgicos. Portanto, os medicamentos que aumentam a dopamina, como
a L-Dopa e as anfetaminas, também aumentam a agressão;

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Figura 4 – Estrutura química e fórmula molecular da dopamina
Fonte: Getty Images

• Adrenalina: a adrenalina, também conhecida como epinefrina, é uma substân-


cia polivalente em nosso corpo e que regula diferentes processos. É considerada
um hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais e prepara o organismo
para realizar atividades físicas e esforços físicos. A adrenalina, ou epinefrina, é
um hormônio e neurotransmissor, pois atua no sistema nervoso simpático das
situações nas quais precisamos estar alertas e ativos;
• Noradrenalina: os principais neurônios noradrenérgicos ficam localizados no
locus coeruleus e no núcleo do tronco encefálico, que se projeta de forma difu-
sa sobre o mesencéfalo e o telencéfalo. Estes neurônios têm papel importante
na modulação do sono. Em ratos, a destruição do locus coeruleus, abrigo dos
neurônios de noradrenalina, leva a um desaparecimento total do medo. Em hu-
manos, a redução da noradrenalina afeta a aquisição de novos conhecimentos, o
despertar, o aprendizado, a sociabilidade, a sensibilidade a sinais emocionais e o
desejo sexual. Por outro lado, quando a síntese ou liberação de noradrenalina é
interrompida, podem ocorrer abstinência, desprendimento, falta de motivação,
depressão e queda da libido;
• Indolaminas: As indolaminas são neurotransmissores que fazem parte do grupo
indol. Neste grupo, encontram-se a serotonina e a melatonina.
» Serotonina: a serotonina é sintetizada a partir do aminoácido triptofano pela
enzima triptofano hidroxilase (TPH), que converte o triptofano em 5-hidro-
xitriptofano. A seguir, a L-aminoácido aromático descarboxilase converte o
5-hidroxitriptofano em serotonina.

Figura 5 – Estrutura química e fórmula molecular da serotonina


Fonte: Getty Images

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Essas enzimas são encontradas no citoplasma dos neurônios serotoninérgicos, tanto


no corpo celular quanto nos processos celulares. A serotonina é concentrada e arma-
zenada no interior de vesículas localizadas nos axônios, corpos celulares e dendritos.
O ciclo metabólico da serotonina envolve a sua síntese, captação em vesículas sinápticas,
exocitose, recaptação no citoplasma e, a seguir, captação em vesículas ou degradação.

É importante assinalar que pode ocorrer regulação dos níveis de neurotransmis-


são da 5HT e NE em qualquer uma dessas etapas. A serotonina desempenha um
papel importante na regulação e modulação do humor, sono, ansiedade, sexualidade
e apetite. Nos humanos, os níveis anormalmente baixos de serotonina, geralmente,
estão associados a um comportamento impulsivo, agressivo ou até muito violento.
Este é o caso, em formas violentas, de suicídio.

Dada essa revisão, explore mais sobre os neurotransmissores do sistema nervoso central no artigo
“Comportamento agressivo e três neurotransmissores centrais: dopamina, gaba e sero-
tonina: uma revisão sistemática dos últimos 10 anos”, disponível em: https://bit.ly/2EZiYVK

Patologias do Sistema Nervoso Central


Os neurotransmissores atuam, portanto, ao interferir nos sinais químicos subja-
centes à função cerebral. Existe uma rede complexa desses neurônios no cérebro
cujas alterações na comunicação entre as células e o aumento e diminuição desses
neurônios e neurotransmissores, com relação a várias doenças, ainda não estão
total­mente esclarecidos.

Na prática, o uso de fármacos na doença psiquiátrica frequentemente não obede-


ce às categorias terapêuticas específicas. Por exemplo, é comum utilizar agentes anti­
psicóticos como “tranquilizantes” para controlar pacientes extremamente ansiosos
ou descontrolados, ou para tratar a depressão grave. Com frequência, são utilizados
agentes antidepressivos para controle da dor refratária e tranquilizantes com uma
ação anticonvulsivante, alguma sedação, relaxamento muscular com ação compro-
vadamente eficaz no tratamento de crianças com deficit de atenção.

Abordaremos algumas patologias que mais acometem a população, assim como


os fármacos utilizados para conhecer seus mecanismos de ação posteriormente.

Ansiedade
A ansiedade, por exemplo, é uma doença do sistema nervoso de difícil compre-
ensão entre os estados patológico e normal. Estão sendo prescritos ansiolíticos com
bastante frequência, pela interferência das atividades normais. Existe uma resposta
normal ao medo para intimidar os estímulos e que compreende vários componentes,
incluindo os comportamentos defensivos, os reflexos autônomos, o despertar e a

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vigilância, a secreção de corticosteroides, como o hormônio cortisol, em situações
de estresse e as emoções negativas. Nos estados ansiosos, essas reações ocorrem de
maneira antecipada, independentemente dos eventos externos. A distinção entre um
estado ansioso “patológico” e um “normal” não tem contornos nítidos, mas repre-
senta o ponto no qual os sintomas interferem com as atividades produtivas normais.

Os distúrbios da ansiedade, quando clinicamente reconhecidos, incluem: distúrbio


da ansiedade generalizada (um estado contínuo de excessiva ansiedade, sem nenhu-
ma razão ou foco claro), distúrbio do pânico (ataques de medo opressivo ocorrendo
associados com sistemas somáticos marcantes, como sudorese, taquicardia, dores no
peito, tremores, asfixia etc.); fobias (medos duradouros de coisas ou situações espe-
cíficas, p. ex., cobras, espaços abertos, voar, interações sociais).

Os principais grupos de fármacos usados para o tratamento da ansiedade são ansio-


líticos e sedativos, cujos sinônimos são hipnóticos, sedativos, tranquilizantes menores.
Os benzodiazepínicos são o grupo mais importante, usados como agentes ansiolíti-
cos e hipnóticos, já a buspirona, agonista do receptor 5-HT1, além de ansiolítico e
usado contra o tabagismo, porém não é apreciavelmente sedativo. Os antagonistas do
receptor beta-adrenérgico, por exemplo, propranolol, é usado para tratar algumas
formas de ansiedade, particularmente onde os sintomas físicos, como sudorese, tremor
e taquicardia, são incômodos. Sua eficácia depende do bloqueio das respostas simpá-
ticas periféricas e não de quaisquer efeitos centrais. Outro grupo são os barbitúricos,
depressores do SNC e agora confinados ao tratamento da epilepsia. Existem outras
substâncias variadas de sedativos anti-histamínicos, como a difenidramina, que são
algumas vezes usadas como hipnóticos, em particular para crianças insones.

Epilepsia
A epilepsia é um distúrbio muito comum, em que há perturbação da atividade das
células nervosas no cérebro, resulta de descargas neuronais, causando convulsões.
As convulsões acontecem quando há a excitação da camada externa do cérebro e
começam focalmente (convulsões parciais), são clinicamente distintas daquelas que
começam de modo geral e envolvem ambos os hemisférios (convulsões generaliza-
das). Entretanto, todas as convulsões compartilham a característica comum de des-
carga sincrônica anormal. Na epilepsia existe uma atividade excessiva anormal das
células devido a um distúrbio genético ou de uma lesão cerebral adquirida, como trau-
matismo ou acidente vascular cerebral. Caracterizados por ataques que tomam várias
formas, são tratados, principalmente, com antiepiléticos; fármacos importantes que
serão analisados posteriormente: fenitoína, carbamazepina, valproato, etossuxi-
mida, fenobarbital, benzodiazepina e os fármacos antiepiléticos mais novos.

Transtornos de Humor
Os transtornos do humor, também conhecidos como distúrbios afetivos carac-
terizam-se por alterações de humor reconhecidamente como doença, tais como a
depressão ou mania, que afetam o pensamento.

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A depressão constitui a manifestação mais comum, podendo variar, de forma


discreta, até depressão grave. Algumas vezes denominada depressão psicótica.
­Os pacientes costumam aludir ao sentimento de que tudo lhes parece fútil ou sem
real importância. Acreditam que perderam, de forma irreversível, a capacidade de
sentir alegria ou prazer na vida. Tudo lhes parece vazio e sem graça, o mundo é
visto “sem cores”, sem matizes de alegria. Em crianças e adolescentes, sobretudo, o
humor pode ser irritável, ou “rabugento”, ao invés de triste. Certos pacientes mos-
tram-se antes “apáticos” do que tristes, referindo-se, muitas vezes, ao “sentimento
da falta de sentimentos”. Constatam, por exemplo, já não se emocionarem com a
chegada dos netos ou com o sofrimento de um ente querido, e assim por diante.

A principal teoria bioquímica da depressão é a hipótese das monoaminas, na qual


a depressão é causada por um deficit funcional das monoaminas transmissoras em
certos locais do cérebro, enquanto a mania resulta de um excesso funcional.

Embora a hipótese das monoaminas, em sua forma simples, seja insuficiente como
uma explicação da depressão, a manipulação farmacológica da transmissão mono-
aminérgica permanece a melhor abordagem terapêutica de sucesso. Abordagens
atuais enfocam outros mediadores (p. ex., o hormônio liberador de corticotropina),
vias de transdução de sinal, fatores de crescimento etc., mas as teorias permanecem
imprecisas. Não há dados convincentes de que a regulação de receptores adrenér-
gicos ou serotonérgicos seja o único fator responsável pelos efeitos terapêuticos das
drogas antidepressivas. A hipótese de dessensibilização tem limitações e não fica
claro se a super ou subsensibilização de receptores é apenas um epifenômeno ou é
um passo fundamental na ação antidepressiva.

O desafio das pesquisas contemporâneas sobre o mecanismo antidepressivo das


medicações é determinar exatamente o que produz a resposta terapêutica. Os prin-
cipais mecanismos (que estão sendo estudados) incluem a regulação de enzimas
(proteínas quinases) e da expressão gênica, que contribuem para mudanças na eficá-
cia sináptica. Estudaremos os mecanismos de ação dos inibidores da captação de
monoaminas, inibidores seletivos da captação de 5-H T1, inibidores da mono-
amina oxidase e fármacos não seletivos, como alguns antidepressivos variados.

Os pacientes que sofreram pelo menos um episódio maníaco, com ou sem histó-
ria adicional de episódios depressivos, apresentam transtorno afetivo bipolar (TABP),
enquanto aqueles com episódios depressivos recorrentes, sem nenhuma história de
mania, sofrem de Transtorno Depressivo Maior (TDM). A prevalência do TDM du-
rante a vida é de cerca de 17%, enquanto a do TABP é de 1% a 2%. Existe um risco
hereditário particularmente forte de TABP, embora os fatores ambientais sejam, com
frequência, deflagradores dos episódios maníacos ou depressivos. Embora a mania
seja uma característica do TABP, os pacientes bipolares passam períodos significati-
vos de sua vida em estado deprimido, e a taxa de mortalidade do transtorno decorre,
primariamente, dos impulsos suicidas.

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Doenças Degenerativas
Na doença de Parkinson ocorre uma perda seletiva de neurônios dopaminérgi-
cos na parte compacta da substância negra. A extensão da perda é profunda, com
destruição de, pelo menos, 70% dos neurônios quando aparecem pela primeira vez
os sintomas; com frequência, observa-se perda de 95% dos neurônios na necropsia.

A destruição desses neurônios resulta nas características fundamentais da doença:


bradicinesia ou lentidão anormal dos movimentos; rigidez, uma resistência ao movi-
mento passivo dos membros; comprometimento do equilíbrio postural, que predis-
põe a queda, e tremor característico quando os membros estão em repouso.

Os mecanismos subjacentes à destruição dos neurônios na substância negra na


doença de Parkinson ainda não estão totalmente elucidados. A etiologia da doença
de Parkinson, na maioria dos pacientes, é provavelmente multifatorial, com contri-
buições de fatores tanto genéticos quanto ambientais.

A Doença de Alzheimer (DA) foi originalmente definida como demência pré-senil.


Consiste em doença neurodegenerativa de desenvolvimento lento, provocando a
perda progressiva da memória e da função cognitiva (a cognição), comprometen-
do também capacidade de autocuidado dos indivíduos, levando à demência. A DA
refere-se à demência que não tem causa antecedente, como o derrame, trauma ce-
rebral ou álcool. Sua prevalência se eleva nitidamente com a idade: de cerca de 5%,
aos 65 anos, para 90% ou mais, aos 95 anos.

Estudos indicam que essas alterações funcionais são resultantes, inicialmente, da


perda da transmissão colinérgica no neocórtex e estão relacionadas com o encolhi-
mento cerebral e perda localizada de neurônios, principalmente no hipocampo e no
prosencéfalo basal. É o processamento alterado da proteína amiloide, reconhecida
como importante para a patogênese da DA. Essa conclusão se baseia em várias
linhas de evidência, particularmente a análise genética de certos tipos relativamente
raros de DA familiar, nos quais foram descobertas as mutações do gene que con-
trolam o processamento amiloide. A perda de neurônios colinérgicos, acredita-se, é
muito responsável pelo deficit do aprendizado e da memória na DA.

Segue um mapa conceitual dos principais distúrbios que acabamos de analisar:

Mapa conceitual dos distúrbios emocionais e neurológicos, que afetam a qualidade de vida e o
sistema nervoso, desenvolvem doenças físicas, psíquicas e mentais, têm origem por causas co-
nhecidas e desconhecidas, por fatores internos e externos. Disponível em: https://bit.ly/3kSofyR

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Agora que discutimos algumas das principais alterações fisiológicas de patologias


do sistema nervoso, iremos verificar a ação de alguns fármacos nos seus tratamen-
tos. Vale ressaltar que as fisiopatologias dessas doenças ainda estão sendo estudadas
e requerem muitos esforços por serem totalmente complexas e envolverem muitos
receptores e neurotransmissores.

Este material serve de consulta e, tendo em vista a abrangência das patologias do


sistema nervoso, não se encerra o assunto.

Leia o artigo da revista de psiquiatria sobre “Transtornos depressivos na doença de Alzheimer:


diagnóstico e tratamento”, disponível em: https://bit.ly/3acfxGQ

Tratamento com o Uso de


Hipnóticos e Sedativos
Desde 1955, quando o primeiro benzodiazepínico, o clordiazepóxido, foi desenvol-
vido e lançado comercialmente, os benzodiazepínicos continuam sendo largamente
prescritos como ansiolíticos, hipnóticos, relaxantes musculares e antiepilépticos. A au-
sência de efeitos tóxicos agudos combinados com a eficiência e segurança terapêutica,
apesar do potencial para tolerância e dependência, tornam essa classe de medicamen-
tos útil e segura no tratamento de diferentes transtornos.

Os benzodiazepínicos (embora, outrora, na ausência de evidência ao contrário,


estarem agindo como “depressores inespecíficos”) atuam de modo seletivo sobre
os receptores A do ácido gama-aminobutírico (GABA A), que mediam a transmissão
sináptica inibitória rápida por meio do Sistema Nervoso Central (SNC).

Os benzodiazepínicos potencializam a resposta ao GABA, por facilitarem a aber-


tura dos canais de cloreto ativados pelo GABA. Os benzodiazepínicos se ligam de
modo específico em um sítio regulador do receptor, distinto do sítio ligante de GABA,
e agem de modo alostérico, aumentando a afinidade do GABA para o receptor. Re-
gistros de canais isolados mostram aumento na frequência da abertura do canal para
dada concentração de GABA, mas não alteram a condutância ou o tempo médio de
abertura, consistindo em um efeito sobre a ligação do GABA, e não um mecanismo
de canal acionado por portão. Os benzodiazepínicos não afetam os receptores de
outros aminoácidos, como a glicina ou o glutamato.

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Figura 6 – O receptor GABA e o sítio alostérico de ligação dos agonistas benzodiazepínicos
Fonte: Adaptado de semanticscholar.org

Nota-se que os locais de ação (sítios de interação) são diferentes para BZP,
etanol, neuroesteroides ou para os barbitúricos nos receptores para GABA.

Os efeitos farmacológicos mais importantes dos benzodiazepínicos consistem em


reduzir a ansiedade e a agressão, sedação e indução do sono, redução do tônus mus-
cular e da coordenação e efeito anticonvulsivante.

As diferenças no perfil farmacológico dos diferentes benzodiazepínicos são peque-


nas. O clonazepam parece exercer a ação anticonvulsivante. Podem ser administra-
dos oralmente, como alprazolam, clonazepam, entre outros, ou por via intravenosa,
como midazolam. A variação entre eles está, principalmente, relacionada com o tem-
po de duração.

Figura 7 – Exemplos de benzodiazepínicos


Fonte: SILVA, 2006

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Benzodiazepínicos usados na clínica:


• Midazolam: Pré-anestésico, anestésico geral IV – Ação curta (3-8 horas);
• Clorazepato: Transtornos de ansiedade, convulsões – Ação curta (3-8 horas);
• Alprazolam: Transtornos de ansiedade, fobias – Ação intermediária (11-20 horas);
• Lorazepam: Transtornos de ansiedade, estado de mal epiléptico, anestésico
geral IV – Ação intermediária (11-20 horas);
• Clordiazepóxido: Transtornos de ansiedade, abstinência de álcool – Ação longa
(1-3 dias);
• Clonazepam: Convulsões – Ação longa (1-3 dias);
• Diazepam: Transtornos de ansiedade, estado de mal epiléptico, relaxamento
muscular, anestésico geral IV, abstinência de álcool - Ação longa (1-3 dias).

Os principais riscos com os BZP são interação com o álcool, dependência e risco
de morte por abuso, superdosagem. Ocorre uma sinergia com álcool e com barbi-
túricos, sendo a interação com o álcool a mais perigosa, pois pode levar à falência
respiratória e morte devido a tamanha supressão do SNC.

Veja sobre mecanismo de ação e as diferentes estruturas de benzodiazepínicos, no material


“Fármacos ansiolíticos – Benzodiazepínicos (BZD)”. Disponível em: https://bit.ly/2XFbZHV

A buspirona é um potente agonista parcial ao nível dos receptores 5HT1A. ­A ipsapi-


rona e a gepirona são semelhantes. Considerado ansiolítico de 2ª geração, seu efeito
ansiolítico é semelhante ao do diazepam, porém não tem afinidade pelo receptor
dos benzodiazepínicos (BZP), atuando no sistema serotoninérgico. Sua ação deve-se
à ligação com receptores de serotonina e suas doses terapêuticas não promovem
sedação ou relaxamento muscular, nem apresentam as propriedade hipnótica, anti-
convulsivante e miorrelaxante dos BZD. A ausência de efeitos sedativos explica em
parte a preferência dos pacientes aos BDZ para alívio da ansiedade.

O seu mecanismo de ação é caracterizado por serem necessários vários dias ou


semanas para a manifestação dos efeitos ansiolíticos. Em seres humanos, os deta-
lhes sobre a ação ansiolítica ainda não foram elucidados; em animais, sabe-se que
a buspirona interage com os sistemas da serotonina, norepinefrina, acetilcolina e
dopamina do SNC, intensifica a atividade das vias noradrenérgicas e dopaminérgicas
específicas e reduz a atividade da serotonina e da acetilcolina.

Mecanismo de ação da buspirona nos receptores 5-HT1A. Disponível em: https://bit.ly/3kUfhB2

Os efeitos colaterais da buspirona parecem ser menos incômodos do que os que


ocorrem com os benzodiazepínicos, pois ela não afeta o estado de alerta, a memória
e a habilidade psicomotora, não interferindo no desempenho das atividades cotidia-
nas dos indivíduos que a utilizam terapeuticamente.

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Os seus efeitos adversos mais frequentemente observados são tontura, cefaleia,
sonolência, distúrbios gastrointestinais e insônia.

A Revista de Ciências Farmacêuticas Básicas e Aplicadas traz um artigo muito completo,


intitulado: “Aspectos farmacológicos, efeitos anticonvulsivantes e neuroprotetores da
buspirona”, disponível em: https://bit.ly/2EfzeBp

Os barbitúricos reduzem a excitabilidade neuronal, basicamente, ao aumentar


a inibição mediada pelo GABA por meio dos receptores GABA A. A transmissão
GABAérgica, intensificada pelos barbitúricos no tronco encefálico, suprime o siste-
ma de ativação reticular, causando sedação, amnésia e perda da consciência. O au-
mento da transmissão GABAérgica nos neurônios motores da medula espinal relaxa
os músculos e suprime os reflexos. Não foi demonstrada nenhuma seletividade dos
subtipos de receptores GABA A contendo combinações específicas de subunidades
para os barbitúricos. O número de sítios de ligação dos barbitúricos nos receptores
GABA A permanece incerto.

Os barbitúricos anestésicos tiopental, pentobarbital e metoexital atuam como ago-


nistas nos receptores GABA A e aumentam as respostas dos receptores ao GABA.
Os barbitúricos anticonvulsivantes, como o fenobarbital, produzem agonismo muito
menos direto sobre os receptores GABA A nativos. A ativação direta dos receptores
GABA A não é mediada pelos sítios de ligação do GABA, mas depende de sítios es-
pecíficos nas subunidades.

Figura 8 – Estruturas químicas de alguns fármacos barbitúricos


Fonte: SILVA, 2006

Em concentrações clinicamente relevantes de barbitúricos, o grau de hiperpo-


larização da membrana devido à ativação direta dos receptores GABA A é muito
menor que aquele decorrente do aumento de agonismo do GABA. A principal ação
dos barbitúricos consiste em intensificar a eficácia do GABA ao aumentar o tempo
de abertura dos canais de Cl–, permitindo, assim, um influxo muito maior de íons
Cl– para cada canal ativado. Isso leva a um maior grau de hiperpolarização e a uma
diminuição da excitabilidade da célula-alvo.

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

A ação potencializadora dos barbitúricos para o GABA é maior que a dos ben-
zodiazepínicos. As ações dos barbitúricos de ativação direta e de potencialização
do GABA podem estar associadas a diferentes tipos de sítios de ligação. Quando
­correlacionadas com a sua relativa eficácia de potencialização do GABA, as over-
doses de benzodiazepínicos de baixa eficácia são profundamente sedativas, porém
raramente perigosas, enquanto a overdose de barbitúricos pode provocar hipnose
profunda ou coma, depressão respiratória e morte se não for instituída uma terapia
de suporte.

Os barbitúricos afetam não apenas os receptores GABA A, mas também aqueles


envolvidos na neurotransmissão excitatória. Os barbitúricos diminuem a ativação do
receptor AMPA pelo glutamato, reduzindo, assim, tanto a despolarização da mem-
brana quanto a excitabilidade neuronal. Em concentrações anestésicas, o pentobarbi-
tal também diminui a atividade dos canais de Na+ dependentes de voltagem, inibindo
a descarga neuronal de alta frequência.

No caso do tratamento da epilepsia, os barbitúricos são sedativos e calmantes,


embora a decisão de iniciar um tratamento anticonvulsivante deva ser levada em
consideração. O uso desses anticonvulsivantes baseia-se, fundamentalmente, em três
critérios: risco de recorrência de crises, consequências da continuação de crises para
o paciente e eficácia e efeitos adversos do fármaco escolhido para o tratamento.
­O risco de recorrência de crises varia de acordo com o tipo de crise e com a síndrome
epiléptica do paciente.

Entenda mais sobre a farmacologia dos anticonvulsivantes usados para tratamento de epi-
lépticos lendo o artigo “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Epilepsia”.
Disponível em: https://bit.ly/3gB94Yc

Os sedativos etomidato, o propofol e a alfaxalona são fármacos utilizados para


indução da anestesia geral. O etomidato e o propofol, exemplo dos barbitúricos, são
anestésicos intravenosos que atuam, primariamente, sobre os receptores GABA A.
­O etomidato mostra-se particularmente útil durante a indução da anestesia em
­pacientes hemodinamicamente instáveis. O propofol constitui o agente mais am-
plamente utilizado para indução da anestesia nos Estados Unidos. É utilizado tanto
para indução da anestesia em injeção direta quanto para manutenção por meio de
infusão intravenosa contínua. A alfaxalona é um esteroide neuroativo raramente uti-
lizado na prática clínica. Prestem atenção, pois ainda iremos abordar os anestésicos
com mais detalhes ainda nesta unidade.

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Figura 9 – Sítio de ligação dos fármacos anestésicos nos receptores GABAA
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Tratamento com Uso de Antidepressivos


Os agentes antidepressivos são fármacos utilizados para tratar uma série de de-
pressões, mas também podem ser prescritos para o tratamento de outras doenças,
como ansiedade, distúrbios alimentares e do sono, disfunção sexual, dor crônica e
mal de Parkinson.

Existem vários tipos de antidepressivos com mecanismos de ação distintos. Os paci-


entes devem discutir a farmacoterapia até encontrar o antidepressivo com o qual se
adapte melhor e verificar junto com o médico e outros profissionais de saúde os re-
sultados adquiridos após a adesão ao tratamento, observando se estão surtindo os
efeitos esperados e se existem reações adversas, se estas são suportáveis e se há mais
benefícios para continuar com o tratamento.

Podem ser feitas também associações com outros antidepressivos, e com medica-
mentos para ansiedade podem ser necessários. Os efeitos são melhores quando em
conjunto com as terapias psicológicas.

Vamos, a partir de agora, conhecer um pouco mais sobre os diferentes tipos de


antidepressivos.

Tipos de Agentes Antidepressivos


Antidepressivos Tricíclicos (TCA)
Todos os TCA são aminas terciárias com dois grupos metilas ligados ao átomo
de nitrogênio básico. Tratam-se de inibidores não seletivos ou, em alguns casos,
seletivos para noradrenalina. O principal efeito consiste em bloquear a recaptação

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

de aminas pela terminação nervosa, especialmente noradrenalina (na), serotonina


(5-HT) e, em menor proporção, dopamina (DA). Os TCA foram os primeiros antide-
pressivos inventados, muito eficientes, mas causavam muitos efeitos colaterais, como
sedação, confusão e descoordenação motora. Os fármacos conhecidos são amitrip-
tilina, clomipramina, imipramina, maprotilina, nortriptilina, amoxapina, doxepina,
desipramina e protriptilina.

Figura 10 – Estrutura química da amitriptilina, um antidepressivo tricíclico


Fonte: Wikimedia Commons

Inibidores da Monoaminoxidase (IMAO)


Os fármacos IMAO estão entre os primeiros a serem introduzidos clinicamente
como antidepressivos e suas indicações são transtorno do pânico; transtorno obses-
sivo-compulsivo; depressão atípica e alguns tipos de fobias. Os principais exemplos
eram fenelzina, tranilcipromina e iproniazida. Esses fármacos causavam a inibi-
ção não seletiva e irreversível da enzima monoamina oxidase. Esta é uma enzima
contendo o cofator Flavina-Adenina-Dinucleotídeo (FAD) localizado na membrana
mitocondrial externa, que catalisa a desaminação oxidativa de monoaminas endóge-
nas ou exógenas, ou seja, metabolizam neurotransmissores.

Os primeiros fármacos IMAO não seletivos eram incapazes de distinguir as duas


isoenzimas principais das enzimas monoamina oxidases, que são as isoformas MAO-A e
MAO-B. A isoforma MAO-A parece estar associada a condições psiquiátricas como
depressão e ansiedade, e a MAO-B está relacionada a várias desordens neurológicas,
como doença de Parkinson e doença de Alzheimer.

Atualmente, os IMAOs evoluíram e existem medicamentos mais seletivos para


cada um dos subtipos das enzimas MAO mencionados, exemplos: a clorgilina
(MAO-A/Irreversível/Atividade antidepressiva; aumento dos níveis de noradrenali-
na e serotonina; efeito colateral: hipertensão); Moclobemida (MAO-A/Reversível/
Atividade antidepressiva/não causa hipertensão; Selegilina (MAO-B/Irreversível/
Utilizada na terapia de doença de Parkinson e atividade antidepressiva/inibição de
MAO-A em altas doses/não causa hipertensão); Rasagilina (MAO-B/Irreversível/
Utilizada na terapia de DP/IMAO-B mais potente que selegilina/não apresenta efei-
tos simpatomiméticos).

Assim, diversos IMAO têm sido desenvolvidos visando tanto ao tratamento de dis-
túrbios de depressão (inibição da MAO-A) quanto as terapias sintomáticas da doença
de Parkinson e da doença de Alzheimer.

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Como eventos adversos, os IMAO podem provocar hipotensão postural (pelo
bloqueio da transmissão simpática), estimulação do SNC (tremor, excitação, insônia
e convulsão), ganho de peso (aumento do apetite), ação anticolinérgica e rara hepa-
totoxicidade (associada ao uso de fenelzina).

O tratamento com os IMAO estão sujeitos a interações farmacológicas e alimentares


significativas. A associação de IMAO com antidepressivos tricíclicos causa episódios de
hipertensão, excitação e hiperatividade. A interação entre IMAO e aminas simpatico-
miméticas de ação indireta, como a anfetamina, resulta em hipertensão grave.

A ingestão de alimentos ricos em tiramina (queijo, vinhos, laticínios) por indiví-


duo fazendo uso de IMAO provoca um quadro conhecido como “reação do queijo”.
A tiramina é degradada pela monoamina oxidase no intestino e no fígado; quando a
atividade dessa enzima encontra-se inibida, os níveis de tiramina aumentam, causan-
do efeitos simpaticomiméticos, como elevação acentuada da pressão arterial, cefaleia
pulsátil severa e hemorragia intracraniana. Dessa forma, esses alimentos devem ser
evitados em pacientes hipertensos tratados com um IMAO.

Mecanismo de ação dos fármacos antidepressivos IMAO. Disponível em: https://bit.ly/313NvKA

Veja a estrutura e os avanços dos antidepressivos inibidores da monoamina oxidase, IMAO,


no artigo “Fármacos multifuncionais: monoamina oxidase e a-sinucleína como alvos tera-
pêuticos na Doença de Parkinson”, disponível em: https://bit.ly/31uTMhl

Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS)


Incluem os antidepressivos mais usados atualmente (citalopram, fluoxetina, pa-
roxetina e sertralina). A recaptação de serotonina pelo neurônio que a libera inibe
a liberação de mais serotonina (é um feedback negativo), assim, o medicamento
aumenta a disponibilidade de serotonina para ativar seus receptores.

A seletividade por receptores específicos é a principal diferença entre os membros


desse grupo, receptores distintos ativam efeitos diferentes. São tão eficazes quanto os
antidepressivos tricíclicos, mas com perfil mais tolerável aos efeitos colaterais.

Sua farmacocinética também é diferente, sendo que os ISRS inibem de forma


potente e seletiva a recaptação de serotonina, resultando em potencialização da
neurotransmissão serotonérgica. Embora compartilhem o principal mecanismo de
ação, os ISRS são estruturalmente distintos, com marcadas diferenças no perfil far-
macodinâmico e farmacocinético. A potência da inibição de recaptação da serotoni-
na é variada, assim como a seletividade por noradrenalina e dopamina. Sertralina e
paroxetina são os mais potentes inibidores de recaptação.

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

Figura 11 – Mecanismo de ação dos ISRS


Fonte: Adaptado de blogs.unicamp.br

Inibidor Seletivo da Recaptação de Noradrenalina (IRNA)


Uma nova classe de antidepressivos, cujo principal representante é a reboxetina.
A reboxetina é o primeiro composto comercializado estruturalmente semelhante à
viloxazina. Apresenta atividade seletiva sobre a recaptação de noradrenalina, com
atividade antagonista alfa-2. Não possui efeitos significativos sobre receptores coli-
nérgicos, histamínicos, alfa-1-adrenérgicos, ou na inibição da monoaminoxidase, e
seu efeito antidepressivo foi descrito, inicialmente, na década de 1980. Uma alterna-
tiva aos pacientes que não respondem aos ISRS.

Inibidor Seletivo da Recaptação de Dopamina (ISRD)


Uma alternativa para os que sofrem com efeitos colaterais serotoninérgicos.
­Embora não completamente conhecido, o mecanismo de ação da bupropiona se dá
por meio de sua atividade noradrenérgica e dopaminérgica. A bupropiona aumenta a
liberação de noradrenalina corpórea e é um fraco inibidor in vitro da captação neu-
ronal de noradrenalina e de dopamina. Geralmente bem tolerado, pois não inibe a
monoaminoxidase e tem pouca afinidade pelo sistema serotoninérgico e colinérgico.
Se tomado junto ao álcool ou outras drogas, pode causar convulsão.

Inibidor Seletivo da Recaptação da Serotonina e da Noradrenalina (ISRSN)


Similares aos tricíclicos, mas sem os efeitos colaterais anticolinérgicos. Seu princi-
pal representante é a venlafaxina. A venlafaxina e seu metabólito ativo O-desmetilven-
lafaxina (ODV) são inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina
(ISRSNs), e apresentam fraca atividade como inibidores da recaptação de dopamina.

Antidepressivos Tetracíclicos
Atuam em um grande número de receptores, como antagonistas ou agonistas
inversos dos receptores: 5-HT1A, 5-HT2A ­(serotoninérgicos), α1, α2 (alfa adrenér-
gicos), D2 (dopaminérgico), H1 (histaminérgico) e mACh (muscarínico). Seus repre-
sentantes incluem a maprotilina, a mianserina e a mirtazapina.

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Todos esses antidepressivos podem ser mais aprofundados em relação aos aspectos farma-
cocinéticos, detalhes dos eventos adversos e de possíveis interações em “Psicofarmacologia
dos Antidepressivos”, disponível em: https://bit.ly/2DytS4e

Tratamento com Uso de Anestésicos


Como eram realizadas as cirurgias antes da descoberta dos anestésicos?
Já parou para imaginar?

Anestesia é uma palavra que vem do grego “aisthisis” (que significa: sensibilidade-
-sensação) e do prefixo “anef” (que significa sem). Portanto, anestesia significa: sem
sensibilidade, sem dor.

Os anestésicos gerais são utilizados como auxiliares em procedimentos cirúrgicos


para tornar o paciente inconsciente e insensível à estimulação dolorosa. São admi-
nistrados sistemicamente, por via endovenosa ou inalatória, e exercem seus princi-
pais efeitos sobre SNC, diferentemente dos anestésicos locais. Vamos falar um pouco
sobre cada um deles e seus respectivos fármacos.

Anestésicos Gerais
Anestésicos Venosos
Estes fármacos são amplamente utilizados na indução e na sedação operatória,
além de facilitar a ventilação mecânica em UTIs. A maioria dos anestésicos venosos
possui o rápido início do efeito, devido a sua alta solubilidade somada à alta propor-
ção do débito cardíaco (DC). O sítio primário de ação dos hipnóticos-sedativos está
localizado no SNC, e considera-se que a concentração plasmática reflete a concen-
tração do fármaco no sítio efetor (SNC), porém todo mecanismo de ação não está
esclarecido, até hoje não foram descobertos antagonistas farmacológicos dos anes-
tésicos gerais, sugerindo a ausência de um sítio específico pelo qual um antagonista
poderia competir com um anestésico geral.

Em relação à distribuição do fármaco, após a injeção, sua primeira ação é ir


para o compartimento central, por ser um grupo de órgãos ricamente vascularizado
(recebem volume sanguíneo dos grandes vasos, cérebro, coração, rins, fígado e pul-
mões). Depois, vai para o compartimento de vascularização intermediária, que con-
tém grande volume tecidual que é formado pelos músculos. Por último, segue para
o compartimento pobremente vascularizado, no qual se encontra grande volume
tecidual formado pela gordura. Essas divisões estão hipoteticamente inter-relaciona-
das, funcionando como vasos comunicantes, e compartilham as substâncias que são

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

administradas no compartimento central (endovenoso) por meio de gradientes de


concentração entre os compartimentos.

A taxa de eliminação a partir do compartimento central, a quantidade de fármaco


presente nos compartimentos periféricos e a taxa de redistribuição da substância de
volta para o compartimento central determinam o tempo necessário para a elimina-
ção do fármaco do corpo e influenciam diretamente no tempo de recuperação.

A maioria dos anestésicos venosos (lipossolúveis) é eliminada pelo metabolismo


hepático. Substâncias hidrofílicas são excretadas pelo rim.

Os anestésicos venosos, como vimos, possuem seu mecanismo de ação, em sua


maioria, por meio da modulação do sistema GABA, o principal sistema inibitório
do Sistema Nervoso Central (SNC); mais especificamente, agem sobre o receptor
GABA-A, com inibição da condução da corrente nervosa. Abordaremos os princi-
pais efeitos de cada anestésico intravenoso a seguir, acompanhe.
• Barbitúricos: Tiopental. Apresentam metabolismo hepático (exceto fenobarbi-
tal), com formação de metabólitos inativos excretados pela urina. Após dose úni-
ca, a recuperação é rápida, pela redistribuição aos outros tecidos. Em doses repe-
tidas ou uso contínuo, o despertar fica prolongado, refletindo o lento metabolismo
e sua longa meia-vida de eliminação. Causa depressão do SNC, dose-dependente
da atividade cerebral, desde sedação até anestesia geral. Não produzem proprie-
dade analgésica, pouco efeito amnésico em comparação com os benzodiazepí-
nicos (BZD). Provocam vasoconstricção cerebral, reduzindo o fluxo sanguíneo
cerebral e a pressão intracraniana. Ocorre redução do metabolismo cerebral e
promovem diminuição do Débito Cardíaco por vasodilatação periférica e por de-
pressão ­direta do miocárdio. No Sistema Respiratório, causa depressão respira-
tória dose-dependente, diminuindo a frequência respiratória e volume corrente;
• Benzodiazepínicos (BZD): midazolam, lorazepam e diazepam. São utiliza-
dos no perioperatório, principalmente, por seus efeitos ansiolíticos, amnésicos e
anticonvulsivantes, dose-dependentes. Possuem um antagonista seletivo, o flu-
mazenil, que pode interromper rapidamente seu efeito. Podem ser usados como
medicação pré-anestésica, para sedação e indução intravenosa, prevenção de
náuseas e vômitos e supressão de convulsões. No SNC, diminui o fluxo sanguí-
neo cerebral e o metabolismo cerebral, e causa leve diminuição da resistência
vascular periférica e consequente leve hipotensão. No sistema respiratório, pro-
vocam depressão mínima na ventilação quando administrados isoladamente.
Em doses de indução ou associados aos opioides, podem produzir apneia;
• Cetamina: a ação mais importante da cetamina é a inibição da ativação do
receptor NMDA, que leva à inibição da atividade excitatória no sistema límbico
e no córtex, resultando em inconsciência. Produz analgesia em doses menores
que as necessárias para hipnose, permanecendo após o despertar do paciente.
Produz depressão do SNC dose-dependente, analgesia e amnésia. Apresenta
alta incidência de reações psicomiméticas (alucinações, pesadelos, alteração de
memória de curto prazo e cognição) durante o período de recuperação inicial.

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Essas reações são dose- dependentes e podem ser minimizadas com adminis-
tração concomitante de BDZ. Promove aumento do metabolismo cerebral, do
fluxo sanguíneo cerebral. Não produz depressão respiratória significativa, mas
apneia pode acontecer com o uso de grandes doses ou com a concomitância de
outras drogas anestésicas;
• Propofol: é, atualmente, o agente mais empregado para indução anestésica.
Apresenta rápido início de ação, e despertar igualmente rápido (2 a 8 min.),
após dose única. É rapidamente metabolizado pelo fígado e metabólitos inativos
excretados pela urina. O rápido metabolismo e sua lenta redistribuição dos com-
partimentos pouco perfundidos de volta ao compartimento central o tornam
ótima opção para a manutenção endovenosa contínua. No SNC, é hipnótico
sem propriedades analgésicas. Reduz o fluxo sanguíneo cerebral e, no sistema
circulatório, produz a maior queda de pressão entre os agentes indutores, por
promover intensa vasodilatação, tanto venosa quanto arterial, e depressão direta
sobre o miocárdio. No sistema respiratório, é depressor respiratório potente,
promovendo apneia após dose de indução.

O estado de aprofundamento da anestesia pode ser dividido em quatro estádios,


baseados em observações com o éter dietílico. A analgesia do estádio I é variável e
depende do anestésico específico. Com indução rápida, o paciente passa rapidamen-
te pela indesejável fase de “excitação” (estádio II). A cirurgia geralmente é realizada no
estádio III. O anestesiologista deve ter cuidado para evitar o estádio IV, que começa
com parada respiratória. A parada cardíaca ocorre mais tarde, no estádio IV. Durante
a recuperação da anestesia, o paciente passa por esses estádios na ordem inversa.

Figura 12 – Os estágios da Anestesia


Fonte: GOLAN, 2014

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

Anestésicos Inalatórios
Os anestésicos inalatórios são líquidos e não inflamáveis em temperatura ambiente.
Atualmente, os agentes inalatórios halogenados em uso são o sevofluorano, isoflu-
orano e o desfluorano. O óxido nitroso, N2O, é um gás inorgânico, não volátil e
de baixa potência, utilizado em conjunto com os anestésicos inalatórios halogenados
visando à diminuição da concentração destes.

São administrados e com concentração ajustada pelo vaporizador. A concentra-


ção é monitorizada pela concentração expirada do anestésico. Podem ser utilizados
para indução inalatória, principalmente em pediatria, como para manutenção da
anestesia juntamente com agentes endovenosos, como anestésicos únicos ou nas
anestesias balanceadas com os opioides (iremos abordar a seguir).

A farmacocinética dos agentes inalatórios descreve a sua absorção dos alvéolos


para os capilares pulmonares (chamada aqui, mais comumente, de captação), sua
distribuição entre os diversos tecidos do organismo, metabolismo e, finalmente, sua
eliminação, particularmente pela via pulmonar.

A captação e distribuição dos agentes inalatórios dependem, inicialmente, do gra-


diente de pressão parcial que é criado entre o sistema ventilatório da máquina de
anestesia e alvéolo, sangue e tecidos. Essa série de gradientes de pressões é a ver-
dadeira força motriz que impulsiona a droga por meio de várias barreiras (alvéolos,
capilares, membranas celulares) até o seu local de ação no sistema nervoso central.

PA » Pa » Pbr

Onde: PA = pressão parcial alveolar; Pa = pressão parcial arterial; Pbr = pressão


parcial cerebral.

Em relação à farmacodinâmica, os anestésicos inalatórios atuam no SNC, tendo


seu mecanismo de ação várias teorias ainda não determinadas com precisão. Re-
duzem a taxa de consumo de oxigênio e aumentam o fluxo sanguíneo cerebral por
vasodilatação. Reduzem o consumo de oxigênio pelo miocárdio e causam vasodila-
tação dose-dependente com diminuição da pressão arterial e débito cardíaco.

O halotano é o maior depressor cardíaco entre eles. São potentes broncodilata-


dores, com exceção do desflurano, que pode apresentar atividade broncoconstritiva.
Aumentam a frequência respiratória e reduzem o volume corrente, com diminuição
da resposta compensatória à hipóxia e à hipercarbia.

Os anestésicos inalatórios relaxam a musculatura brônquica e potencializam os


bloqueadores musculares. A hepatite ocorre raramente e, quando descrita, é asso-
ciada ao halotano.

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Opioides
Os opioides têm como principal efeito a analgesia e são utilizados como drogas
suplementares na indução e manutenção anestésica. Têm diferentes potências, com
picos de ação distintos após administração. Os opioides podem ser administrados
por via intravenosa, intramuscular, subcutânea e neuroaxial. Ligam-se a receptores
específicos no SNC, na medula espinhal, nervos periféricos, trato intestinal e biliar.
Os opioides mais utilizados em anestesia, morfina, meperidina, fentanil, sufentanil,
alfentanil e remifentanil, atuam nos receptores µ de maneira agonista.

Sua ação sobre os receptores µ1 produz analgesia e sedação, enquanto sobre


os µ2 causam depressão respiratória, náuseas e dependência química. São meta-
bolizados pelo sistema hepático, com exceção do remifentanil, que é metabolizado
pelas esterases plasmáticas. A morfina e a meperidina possuem metabólitos ativos,
enquanto os derivados do fentanil os metabólitos são excretados pela urina.

No SNC, produzem sedação e analgesia dose-dependentes. A euforia é comum.


Altas doses podem produzir inconsciência, mas não são hipnóticos. Podem provocar
bradicardia por estímulo do núcleo vagal central e, no sistema respiratório, produ-
zem depressão respiratória dose-dependente, com diminuição da frequência respi-
ratória e volume corrente. Esse efeito é acentuado na presença de outros sedativos.
Há diminuição na resposta ventilatória à hipercarbia e à hipóxia. Rigidez muscular:
aumento do tônus muscular pode ocorrer após administração de opioide, tanto torá-
cica, abdominal quanto de vias aéreas superiores. Tratamento pode ser feito pela
administração de relaxantes musculares ou pelo uso de naloxona, sendo antagonista
dos opioides, pois possui alta afinidade aos receptores µ. A seguir, um pouco sobre
cada um deles:
• Morfina: opioide natural com a qual todos os outros opioides são comparados
em termos de potência. Produz liberação de histamina, redução no tônus sim-
pático podendo causar hipotensão;
• Meperidina: opioide sintético, com efeitos similares à morfina, mas com 1/10
de sua potência;
• Fentanil: opioide sintético, com potência de 75 a 100 vezes superior à morfina.
Não libera histamina e mantém estabilidade cardio-hemodinâmica, mesmo em
altas doses;
• Alfentanil: é de 5 a 10 vezes menos potente que o fentanil. Apresenta rápido
início e término de ação.

A seguir, uma figura que mostra a estrutura de alguns anestésicos inalatórios


e intravenosos:

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

Figura 13 – Estrutura química dos anestésicos gerais. A) Estruturas de alguns


anestésicos inalatórios. B) Estruturas de alguns anestésicos intravenosos
Fonte: GOLAN, 2014

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A Sociedade Brasileira de Anestesiologia escreveu o tutorial “Farmacologia dos opioides”,
disponível em: https://bit.ly/3ikYy88

Anestésicos Locais
Os anestésicos locais são bases fracas que agem no axônio, bloqueando de modo
reversível a geração e condução do impulso nervoso. Esses fármacos têm ação sob
qualquer parte do sistema nervoso e em qualquer tipo de fibra. O seu uso têm se
dado em larga escala na clínica médica e odontológica. Além de se prestarem ao uso
nos procedimentos cirúrgicos, estão sendo associados ao tratamento da dor crônica,
com os opioides, o que reduz a tolerância destes, no tratamento da artrite reumatoide
e do câncer.

O primeiro anestésico local foi a cocaína, extraída de folhas de Erythroxylom


coca, isolada, em 1860, por Albert Niemann. Outros anestésicos locais, do tipo
éster, surgiram depois, entre eles, a procaína (1905), tetracaína (1932) e cloropro-
caína (1952). Os anestésicos locais do tipo amida foram introduzidos em 1948, com
a lidocaína, que serviu de padrão para síntese de outros anestésicos locais dentro
desse grupo.

Os anestésicos locais utilizados na dosagem adequada inibem de forma reversível


a condução nervosa no organismo. Concretamente, atuam bloqueando o início da
despolarização e da propagação da mudança do potencial de membrana. A teoria
atualmente mais aceita é a de que os anestésicos atuam em receptores específicos
presentes na própria membrana, no interior dos canais de sódio. Então, quando o
anestésico local entra em contato com o receptor, obstruem a passagem nesse canal
dos íons sódio em direção ao interior da célula. Assim se evita a despolarização, ou
seja, a passagem do impulso nervoso. Os anestésicos acabam competindo também
com os íons cálcio que têm a função de aumentar a permeabilidade da célula e faci-
litar a despolarização.

Fechamento dos canais de sódio para elucidar o mecanismo de ação dos anestésicos locais.
Disponível em: https://bit.ly/3axVxOU

Os agentes farmacêuticos usados para a anestesia em nível celular possuem o efei-


to de inibir a transmissão sináptica. Quando a concentração anestésica é aumentada,
são afetadas todas as funções cerebrais, incluindo o controle motor e as atividades
reflexas, regulação da respiração e autônoma. A inibição da transmissão sináptica
poderia ser o resultado da redução da liberação do transmissor, inibição da ação do
transmissor ou redução da excitabilidade da célula pós-sináptica. Embora todos os
efeitos tenham sido descritos, a maioria dos estudos sugere que a liberação reduzida
do transmissor e a resposta pós-sináptica reduzida sejam os principais fatores.

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

Uma redução da liberação de acetilcolina foi mostrada em estudos sobre sinapses


periféricas, e a sensibilidade reduzida para os transmissores excitatórios por inibição
dos canais iônicos acionados por ligantes ocorre tanto nas sinapses centrais quanto
nas periféricas. Falaremos mais sobre a acetilcolina no nosso próximo tópico.

Os anestésicos, mesmo em baixas concentrações, causam amnésia de curta du-


ração, isto é, experiências que acontecem durante a ocorrência do fármaco não são
lembradas mais tarde. É provável que a interferência com a função do hipocampo
produza esse efeito, para isso se reconhece que o hipocampo está envolvido na me-
mória de curto tempo e que certas sinapses do hipocampo são muito susceptíveis à
inibição pelos anestésicos.

Muitos esforços têm sido feitos para identificar uma região particular do cérebro,
na qual os anestésicos atuam para produzir o seu efeito. A região mais sensível pa-
rece ser o núcleo de relê sensorial do tálamo e a camada profunda do córtex para a
qual esse núcleo se projeta. Isso constitui a via tomada pelos impulsos sensoriais que
alcançam o córtex; portanto, a inibição pode resultar em uma falta de informação
da aferência sensorial.

Leia mais sobre “Anestésicos locais: interação com membranas biológicas e com o
­canal de sódio voltagem-dependente” em: https://bit.ly/31sj3sw

Farmacologia do Sistema Nervoso


Autônomo e Junção Neuromuscular:
Fármacos Colinérgicos e Adrenérgicos
Como vimos, o sistema nervoso autônomo é dividido em sistema nervoso simpá-
tico e sistema nervoso parassimpático.

Para revisão completa dos sistemas simpático e parassimpático:


• Parassimpático, disponível em: https://bit.ly/2DuVVBK
• Simpático, disponível em: https://bit.ly/3fxoifC

Sabemos que o sistema parassimpático corresponde ao sistema colinérgico, sen-


do mediados pelo neurotransmissor acetilcolina (ACh), onde atuam em duas classes
principais de receptores colinérgicos: nicotínicos e muscarínicos.

Os receptores nicotínicos são canais regulados por ligante que necessitam da liga-
ção direta de duas moléculas de acetilcolina para a sua abertura, enquanto os mus-
carínicos são pertencentes à família dos GPCRs (receptores acoplados à proteína G).

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Esses receptores incluem todos os receptores colinérgicos na junção neuromuscular
(JNM) e predominam nos gânglios autônomos espalhados por diferentes órgãos.

Representação dos receptores de acetilcolina (ACh), disponível em: https://bit.ly/316Nky3

Tanto os receptores nicotínicos quanto os receptores muscarínicos são ubíquos no


SNC, no qual os efeitos da acetilcolina consistem em analgesia, despertar e atenção.
Como as funções relativas dos mAChR e nAChR no cérebro e na medula espinal
ainda não estão totalmente elucidadas, os fármacos mais efetivos para o SNC, atual-
mente disponíveis, aumentam a transmissão colinérgica endógena por meio da inibi-
ção da ação da acetilcolinesterase (AChE), a enzima que hidrolisa a ACh em acetato
e colina para sua reabsorção por neurônios pré-sinápticos, geralmente subtipo M2
dos receptores muscarínicos.

Existem, portanto, diferentes subtipos de receptores muscarínicos. Essa é uma


grande dificuldade da farmacologia em obter um fármaco que atue especificamente
em um receptor. Podemos observar, no link a seguir, alguns desses subtipos e onde
estão localizados predominantemente. No caso dos subtipos M3, estão nos intestinos,
bexiga e pulmão, e M4 e M5 estão no Sistema Nervoso Central (SNC). Nota-se a ação
do bloqueio da AChE responsável por hidrolisar a acetilcolina e consequente aumento
de ACh na fenda sináptica.

Subtipos de receptores muscarínicos e ação da AChE. Disponível em: https://bit.ly/2E0ElFZ

Farmacologia do Sistema Parassimpático


Iremos estudar agora os fármacos que atuam no sistema parassimpático, ou seja,
na transmissão colinérgica.

Fármacos Agonistas Colinérgicos


Os fármacos agonistas colinérgicos são os caracterizados pelos efeitos que produ-
zem de modo semelhante aos da acetilcolina, agindo ao nível da sinapse colinérgica.
Podem também ser denominados de parassimpaticomiméticos ou colinomiméticos,
e são classificados de acordo com sua ação.

Os colinomiméticos de ação indireta ou anticolinesterásicos inibem a enzima ace-


tilcolinesterase (AChE), prolongando a ação da acetilcolina. Portanto, provocam a
potencialização da transmissão colinérgica nas sinapses autônomas colinérgicas e
na junção neuromuscular. Esses anticolinesterásicos podem ser reversíveis, se a ação
não for prolongada, e irreversíveis, se essa ação for prolongada.

Os anticolinesterásicos irreversíveis correspondem aos compostos organofosfora-


dos sintéticos que possuem a capacidade de efetuar ligação covalente com a enzima
acetilcolinesterase, com ação bastante prolongada, o que leva ao aumento duradouro

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

da concentração de acetilcolina em todos os locais onde é liberada. Os únicos com-


postos usados, desse grupo, na terapêutica são: o isofluorato ou disopropilfluor-
fosfato e o ecotiofato, utilizados unicamente por via ocular no tratamento do glau-
coma. A maioria dos anticolinesterásicos irreversíveis foi desenvolvida com finalidade
bélica, são também utilizados como inseticidas e pesticidas e, acidentalmente, têm
provocado intoxicações.

Entretanto, para reativar as colinesterases inibidas pelos organofosforados inibi-


dores da colinesterase é utilizada a pralidoxima (Contrathion®), de uso parenteral,
que consiste em um composto piridínico sintético, com a capacidade de deslocar o
organofosforado por meio da fosforilação do inseticida ou composto relacionado,
se a pralidoxima for utilizada dentro de pouco tempo após o uso do organofosfora-
do, revertendo os efeitos dos inseticidas, como os efeitos sistêmicos do isoflurofato,
­exceto os efeitos no SNC. A pralidoxima deve ser usada somente em conjunção com
a atropina, após oxigenação adequada. A atropina é utilizada também no tratamento
de paciente vítima de envenenamento por espécies de cogumelos que contêm altas
concentrações de muscarina e outros alcaloides relacionados. Estudaremos a atropina,
antagonista muscarínico, adiante.

Os fármacos anticolinesterásicos reversíveis utilizados são: fisostigmina, neostig-


mina, piridostigmina, edrofônio. Inibidores dirigidos contra a enzima acetilcolines-
terase no SNC.

A fisostigmina (Antilirium®) (Enterotonus®) consiste em uma amina terciária


que bloqueia de modo reversível a acetilcolinesterase, potencializando a atividade
­colinérgica em todo o organismo, possuindo grande número de atividades, inclusi-
ve atingindo o SNC. A duração de ação da fisostigmina é de 2 a 4 horas. Embora
seja menos eficiente do que a pilocarpina, veremos adiante, também é utilizada
por via ocular no tratamento do glaucoma porque produz miose e contração do
músculo ciliar, permitindo a drenagem dos canais de Schlemm, o que diminui a
pressão ­intraocular. Entretanto, a fisostigmina é mais utilizada no tratamento da
superdosagem­de fármacos com atividade anticolinérgica (por exemplo, a atropina,
fenotiazínicos e antidepressivos tricíclicos, pois esses fármacos penetram no SNC)
e é utilizada na atonia do intestino e da bexiga, aumentando a motilidade desses
­órgãos. Para tratamento sistêmico, a fisostigmina pode ser administrada IM e IV,
sendo muito bem absorvida em todos os locais de aplicação, entretanto, distribuem-
-se para o SNC, podendo provocar efeitos tóxicos, inclusive convulsões.

A neostigmina (Prostigmine®), derivada do trimetilbenzenamínio, também ini-


be reversivelmente a enzima acetilcolinesterase, entretanto é mais polar do que a
­fisostigmina e não penetra no SNC, tendo atividade sobre a musculatura esquelética
mais intensa do que a fisostigmina. A duração de ação da neostigmina é de 2 a 4
horas. A neostigmina possui as seguintes indicações: atonia do intestino e bexiga;
miastenia grave (prolongando a duração da acetilcolina na placa motora terminal,
consequentemente, aumentando a força muscular); como antídoto a agentes bloque-
adores neuromusculares (por exemplo, a tubocurarina). A neostigmina é mais útil no
tratamento da miastenia grave do que a fisostigmina, pois a fisostigmina tem menor

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potência na junção neuromuscular do que a neostigmina. Entretanto, a fisostigmina
é mais útil do que a neostigmina em condições de etiologia central, como em caso
de superdosagem de atropina (pois a atropina penetra no SNC, e a neostigmina não
atinge o SNC). Os efeitos adversos da neostigmina consistem em estimulação coli-
nérgica generalizada, salivação, rubor cutâneo, queda da pressão arterial, náusea,
dor abdominal, diarreia e broncoespasmo. A forma parenteral da neostigmina pode
ser administrada por via subcutânea, intramuscular e intravenosa.

A piridostigmina (Mestinon®), derivada do metilpiridínio, consiste em outro inibi-


dor da acetilcolinesterase com duração de ação de 3 a 6 horas, portanto, maior do
que a neostigmina e a fisostigmina, também é utilizada no tratamento da miastenia
grave e como antídoto de agentes bloqueadores neuromusculares. A piridostigmina
e a neostigmina pertencem ao grupo dos carbamatos (ésteres do ácido carbâmico) e
apresentam atividade agonista direta nos receptores nicotínicos existentes no múscu-
lo esquelético. Os efeitos adversos são semelhantes aos da neostigmina, entretanto,
com menor incidência de bradicardia, salivação e estimulação gastrintestinal. A via
de administração é de acordo com a forma farmacêutica.

O edrofônio (Tensilon®), que consiste em uma amina quaternária, tem ações far-
macológicas semelhantes às da neostigmina, entretanto, o edrofônio possui ação
de curta duração, entre 10 e 20 minutos, sendo utilizado em administração venosa,
geralmente para fins de diagnóstico da miastenia grave, provocando rápido aumento
da força muscular, entretanto, o excesso pode levar a uma crise colinérgica. Tem sido
também referido o uso do edrofônio para reverter os efeitos do bloqueador neuro-
muscular após uma cirurgia.

Os inibidores dirigidos contra a enzima AChE no SNC consistem em fármacos


utilizados no tratamento da doença de Alzheimer, pois têm facilidade em penetrar no
SNC, e com ação inibitória (reversível) da AChE, consequentemente, aumentando o
nível de acetilcolina. Os fármacos usados são anticolinesterásicos (tacrina, done-
pezil, rivastigmina), comprovam benefício na DA, embora limitados. A tacrina é
considerada hepatotóxica; todos os fármacos atualmente utilizados no tratamento
da doença, embora proporcionem melhora da função cognitiva, principalmente, em
pacientes com alterações discretas a moderadas, não retardam a sua evolução. Esses
fármacos são contraindicados em pacientes com história de asma, condução atrio-
ventricular diminuída, obstrução urinária ou intestinal.

Leia o artigo “Acetilcolinesterase: Alzheimer e guerra química”.


Disponível em: https://bit.ly/2F1GRMf

Os receptores nicotínicos também poderão constituir alvos para abordagens futu-


ras na epilepsia.

Os fármacos agonistas colinérgicos de ação direta utilizados com maior frequência


são: betanecol e pilocarpina.

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

O betanecol (Liberan®) é um éster da colina que não é hidrolisado pela acetilcolina,


possui intensa atividade muscarínica e pouca ou nenhuma ação nicotínica. Devido à
ação de estimular o músculo detrusor da bexiga e relaxar o trígono e o esfíncter, pro-
vocando a expulsão da urina, o betanecol é utilizado para estimular a bexiga atônica,
principalmente no pós-parto e na retenção urinária não obstrutiva pós-operatória.
Devendo ser lembrados os efeitos adversos da estimulação colinérgica generalizada,
como a queda da pressão arterial, a sudorese, a salivação, o rubor cutâneo, a náusea,
a dor abdominal, a diarreia e o broncoespasmo. A via de administração do betanecol
deve ser a oral ou subcutânea, não devendo ser utilizada por via intramuscular nem
por via venosa, pois pode provocar efeitos adversos potencialmente graves ou mes-
mo fatal, principalmente a hipotensão arterial, e é contraindicado na úlcera péptica,
asma, insuficiência coronária e hipertireoidismo.

A pilocarpina (Isopto carpine®) é um alcaloide capaz de atravessar a membrana


conjuntival e consiste em uma amina terciária estável à hidrólise pela acetilcolines-
terase. É muito menos potente do que a acetilcolina e possui atividade muscarínica.
Com a aplicação ocular, produz contração do músculo ciliar, provocando a miose,
e tem a ação de abrir a malha trabecular em volta do canal de Schlemm, sendo
utilizada em oftalmologia para terapêutica do glaucoma, principalmente em emer-
gência, devido à capacidade de reduzir a pressão intraocular. Como efeito adverso,
a pilocarpina pode atingir o SNC (principalmente em idosos com a idade avançada,
provocando confusão), produzir distúrbios de natureza central e produzir sudorese e
salivação profusas. A via de administração da pilocarpina é unicamente ocular.

Fármacos Antagonistas Colinérgicos


Os antagonistas colinérgicos são fármacos que agem nos receptores colinérgicos,
bloqueando seletivamente a atividade parassimpática (reduzindo ou bloqueando a
ação da acetilcolina), sendo esses antagonistas também chamados parassimpatico-
líticos ou fármacos anticolinérgicos, assim, diminuem, inibem ou bloqueiam a res-
posta colinérgica. Portanto, reduzem ou anulam o efeito de estimulação do sistema
­nervoso ­parassimpático (impede que a acetilcolina estimule os receptores colinér-
gicos) e, em determinadas situações (indiretamente), têm o efeito estimulante do
sistema nervoso simpático.

Os antagonistas colinérgicos são agentes também chamados espasmolíticos ou


antiespasmódicos porque reduzem os espasmos principalmente no trato gastrintes-
tinal. De acordo com o local da ação e efeitos, os antagonistas colinérgicos são clas-
sificados em: bloqueadores ou agentes antimuscarínicos; bloqueadores ganglionares;
bloqueadores neuromusculares; anticolinérgicos centrais.

Bloqueadores ou Agentes Antimuscarínicos


Os receptores muscarínicos são estimulados pelo alcaloide (metabólito de planta)
muscarina e bloqueados pela atropina. Os bloqueadores ou agentes antimuscaríni-
cos são seletivos para o sistema parassimpático, agindo unicamente nos receptores
muscarínicos, bloqueando ou inibindo as ações da acetilcolina nesses receptores.
Existem vários agentes antimuscarínicos, entretanto, são mais utilizados: atropina;

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escopolamina ou hioscina; ipratrópio; propantelina; dicicloverina; diciclomina;
glicopirrolato; ciclopentolato; tropicamida.

A atropina é um alcaloide extraído, principalmente, da planta Atropa belladona,


usado na forma de sulfato, consiste em um bloqueador muscarínico potente, com ação
tanto central quanto periférica, com duração de quatro horas, exceto quando adminis-
trado no epitélio ocular, podendo durar alguns dias os seus efeitos. Todos os receptores
muscarínicos são bloqueados pela atropina. Embora seja um fármaco relativamente
seguro, em doses elevadas bloqueia as funções do sistema nervoso parassimpático.

Os efeitos da atropina consistem em: antiespasmódico (no trato gastrintestinal),


broncodilatador, midriático, antissecretório do trato respiratório superior e inferior,
antiarrítmico. O efeito antiespasmódico é utilizado no tratamento de distúrbios gas-
trintestinais espásticos funcionais ou neurogênicos (hipermotilidade gastrintestinal),
utilizado por via oral ou subcutânea. Na asma, como broncodilatador, é utilizado
em crises asmáticas via inalação, diluído em 3 a 5 ml de solução salina por meio
de nebulizador. Como adjuvante da anestesia, reduz as secreções, e provocando a
broncodilatação, pode ser administrada por via oral ou intramuscular. Utilizada no
exame oftalmológico como midriático, pelo epitélio ocular, para investigar melhor a
retina. Na intoxicação por anticolinesterásicos, a atropina é utilizada também como
antídoto aos efeitos dos inibidores da acetilcolinesterase, praguicidas organofosfora-
dos e muscarina.

As contraindicações da atropina consistem em: glaucoma, doença obstrutiva do


trato gastrintestinal, miastenia grave; hiperplasia da próstata. Entre os efeitos ad-
versos da atropina, destacam-se a secura da boca, dificuldade em urinar e rubor
facial. No SNC, pode provocar confusão, inquietação, alucinações e delírio. Têm
sido relatados casos de rubor, principalmente, na área maxilar devido à vasodilata-
ção. Em doses elevadas, a atropina pode provocar taquicardia e isquemia cardíaca.
Em crianças, tem sido relatados casos de rubor (“vermelhidão intensa”) da face e
do tronco após 15 a 20 minutos da injeção IM de atropina, sendo denominado de
“rubor atropínico”.

A escopolamina ou hioscina também é um alcaloide da beladona e apresenta


efeitos semelhantes aos da atropina, porém, a escopolamina tem ações e efeitos
mais pronunciados no SNC, com a duração mais prolongada do que a atropina.
Apresenta também o efeito de bloquear a memória recente. Também é utilizada na
hipermotilidade gastrointestinal e tem sido indicada para a prevenção da cinetose,
evitando náuseas e vômitos de origem labiríntica e contra vômitos causados por
estímulos locais no estômago, embora seja menos útil depois de instalada a náusea.
Em  Obstetrícia, a escopolamina é utilizada de maneira associada à morfina, para
produzir amnésia e sedação. As vias de administração da hioscina são: oral, paren-
teral e transdérmica (na prevenção da cinetose, sendo o fármaco aplicado numa
unidade adesiva do tipo bandagem atrás da orelha).

O ipratrópio é um derivado quaternário da atropina, porém não tem efeitos sobre


o SNC. O composto é utilizado no tratamento da asma, bronquite e Doença Pulmo-
nar Obstrutiva Crônica (DPOC), por causar a broncodilatação, principalmente sob a

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

forma de brometo de ipratrópio, por meio da via de administração inalatória. As rea-


ções adversas sistêmicas são reduzidas e confinadas, principalmente, à boca e às vias
aéreas. Geralmente, a via de administração do ipratrópio é a inalatória.

A propantelina consiste em um antagonista muscarínico utilizado como anties-


pasmódico, na rinite, na incontinência urinária e no tratamento da úlcera gástrica
e duodenal. Em altas doses, apresenta efeitos nicotínicos que levam ao bloqueio da
transmissão neuromuscular.

Dicicloverina, ou diciclomina, tem ação antiespasmódica e espasmolítica, ou seja,


reduz a contratura da musculatura lisa do tubo digestivo e do trato urinário. Indicado
para cólicas intestinais, cólon irritável ou espasmódico, colopatias funcionais agudas
ou crônicas e incontinência urinária.

Glicopirrolato é um antagonista muscarínico utilizado como antiespasmódico em


alguns distúrbios do trato gastrointestinal e para reduzir a salivação decorrente da
utilização de alguns anestésicos.

Ciclopentolato e tropicamida são fármacos utilizados em Oftalmologia como


midriáticos.

As orientações para o paciente que utiliza fármacos anticolinérgicos são de ingerir


dieta rica em fibras para evitar a constipação intestinal e avisar imediatamente em caso
de aumento da frequência cardíaca (palpitações, batimentos cardíacos rápidos), boca
seca, visão turva, dor ocular, dor à micção, ou dificuldade de urinar, e erupção cutânea.

Bloqueadores Ganglionares
Os bloqueadores ganglionares bloqueiam os receptores nicotínicos, bloqueando
os canais iônicos, não sendo seletivos para o sistema simpático ou parassimpático;
têm sido utilizados mais de modo expe­rimental, e pouco usados na terapêutica, pois
possuem ações complexas e impre­visíveis. Geralmente, não são ativos como bloque-
adores neuromusculares e, devido aos múltiplos efeitos colaterais, segundo alguns
autores, a maioria dos fármacos bloqueadores ganglionares é considerada obsoleta.
Bloqueadores ganglionares: toxina botulínica; nicotina; trimetafano; mecamilamina.

A toxina botulínica (Botox®) (Dysport®) é desenvolvida a partir de uma cultura


de Clostridium botulinum purificada e liofilizada em meio contendo amina N-Z e
extrato de levedura, e interfere na liberação da acetilcolina na junção neuromuscular,
provocando a paralisia do músculo esquelético e, simultaneamente, o bloqueio gan-
glionar. A toxina botulínica sem a purificação em laboratório pode provocar a morte
resultante da insuficiência respiratória causada pela incapacidade de contração dos
músculos do diafragma. A toxina botulínica é indicada para o tratamento do espas-
mo facial e hemifacial, blefaroespasmo, alguns tipos de estrabismo, rugas faciais,
hiperidrose axilar e das palmas das mãos, além de tratamento complementar da
espasticidade dinâmica de membros superiores e inferiores em pacientes pediátricos
com paralisia cerebral.

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A nicotina (Nicotinell®) (Niquitin®) estimula os receptores neuronais nicotínicos em
baixas doses e, posteriormente, bloqueia predominantemente esses receptores em
altas doses. Na medula adrenal, provoca estímulo da liberação das catecolaminas que
levam à taquicardia, à vasoconstrição e, consequentemente, ao aumento da pressão
arterial temporária. A única utilidade terapêutica da nicotina tem sido no tratamen-
to da interrupção do uso do fumo sob a forma de goma de mascar ou emplastros
transdérmicos.

Trimetafano (Arfonad®) é um bloqueador ganglionar nicotínico competitivo, com


ação curta, utilizado em terapêutica ocasionalmente para produzir hipotensão con-
trolada na anestesia, embora possa ser utilizado em outras emergências na crise
hipertensiva (tratamento agudo da hipertensão arterial), principalmente, provocada
pelo edema pulmonar ou aneurisma dissecante da aorta. Como bloqueia todos os
gânglios autônomos e entéricos, além da hipotensão, pode causar inibição das secre-
ções, paralisia gastrintestinal e comprometimento da micção.

Bloqueadores Neuromusculares
Consistem em bloqueadores da transmissão colinérgica no sistema somático na
placa motora neuromuscular da musculatura esquelética. Assim, os bloqueadores se
combinam com os receptores nicotínicos, impedindo a ação da acetilcolina.

Figura 14 – Vista detalhada de uma junção neuromuscular: 1. Terminal pré-sináptico;


2. Sarcolema; 3. Vesícula sináptica; 4. Receptor nicotínico de acetilcolina; 5. Mitocôndria
Fonte: Wikimedia Commons

Os bloqueadores neuromusculares têm sido utilizados, principalmente, na anestesia


para produzir relaxamento muscular sem a necessidade de doses anestésicas mais
elevadas. Esses bloqueadores não penetram nas células com facilidade, sendo a maio-
ria excretada pela urina de forma inalterada. São conhecidos os bloqueadores neuro-
musculares: tubocurarina (alcurônio); atracúrio; mivacúrio; rocurônio; vecurônio;
pancurônio; succinilcolina. Estes bloqueadores são considerados de ação local.

Tubocurarina, mas atualmente substituída pelo alcurônio, consiste em um alcaloi-


de vegetal pouco utilizado na atualidade devido ao fato de provocar broncoconstri-
ção e a hipotensão, relacionados à liberação de histamina. Tem sido substituído pelo

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

­ erivado semissintético alcurônio, que provoca menos efeitos colaterais. Anterior-


d
mente, foi utilizada a galamina (Flaxedil®), outro derivado semissintético da tubocura-
rina, entretanto, apresenta taquicardia, sendo também pouco utilizada.

Atracúrio (Tracrium®) (Tracur®) apresenta início de ação rápida, sendo útil durante­
a ventilação mecânica em pacientes que se encontrem comprometidos, principal-
mente, pela degradação espontânea no plasma, podendo ser utilizado em pacientes
com insuficiência renal. O efeito colateral mais importante é a hipotensão transitória.

Mivacúrio (Mivacron®) tem a velocidade do início de ação rápida e tempo de re-


cuperação mais rápida do que o atracúrio. Pancurônio (Pancuron®) é considerado
vagolítico (aumenta a frequência cardíaca). Rocurônio (Esmeron®) consiste no bloque-
ador neuromuscular de início de ação mais rápida (um minuto), útil na intubação da
traqueia com estômago que não esteja vazio. Vecurônio (Norcuron®) é útil em cirurgia
de curta duração e apresenta início de ação rápida, sendo amplamente utilizado.

Succinilcolina (Anectine®) é o único bloqueador neuromuscular despolarizante,


ou seja, provoca a contração muscular, ligando-se ao receptor nicotínico e agindo
como a acetilcolina, provocando contrações transitórias (chamadas fasciculações).
Entretanto, a succinilcolina não é destruída pela enzima acetilcolinesterase, perma-
necendo ligada ao receptor por longo tempo, assim, posteriormente, a membrana
repolariza-se (relaxamento) e impede a ação da acetilcolina no receptor. A succinil-
colina é degradada pelas colinesterases plasmáticas e tem sido utilizada quando é ne-
cessária a intubação endotraqueal rápida, evitando a aspiração do conteúdo gástrico
durante a intubação. Como efeitos colaterais, pode ocorrer a hipertermia maligna,
dores musculares pós-operatórias, hipercalemia e aumento da pressão ocular.

Anticolinérgicos Centrais
Os antipsicóticos (também denominados como neurolépticos) são largamente usa-
dos para tratamento de transtornos mentais crônicos. Entretanto, estão associados
a vários efeitos colaterais, incluindo distúrbios do movimento. Muitos pacientes com
transtorno psicótico agudo que são medicados com neurolépticos também recebem
drogas anticolinérgicas para reduzir alguns dos efeitos colaterais motores, também
conhecidos como impregnação neuroléptica, por exemplo, provocada pelo halope-
ridol (Haldol®), que é um antipsicótico (ou neuroléptico).

Assim, são utilizados os anticolinérgicos centrais que possuem a ação de bloquear


a atividade parassimpática tanto no sistema nervoso periférico quanto no central,
sendo utilizados no tratamento sintomático do parkinsonismo (tremor, rigidez, bradi-
cinesia ou acinesia, podendo apresentar outros sinais psicomotores característicos,
como a diminuição dos reflexos posturais e a salivação excessiva) e no alívio de
reações extrapiramidais provocadas por fármacos antipsicóticos (o termo acinesia
corresponde à redução da quantidade de movimento, enquanto bradicinesia significa
lentidão na execução do movimento).

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Os principais anticolinérgicos centrais comercializados no Brasil são: biperideno
(Akineton®) e o triexifenidil (Artane®). A prometazina (Fenergan®) também tem forte
ação antimuscarínica central, mas é classificada como anti-histamínico.

Os efeitos adversos dos anticolinérgicos centrais são: agitação, confusão mental,


euforia, secura da boca, midríase, retenção urinária e constipação.

Farmacologia do Sistema Simpático


Estudaremos agora os fármacos que atuam no sistema parassimpático, ou seja, na
transmissão adrenérgica.

A farmacologia adrenérgica envolve o estudo dos compostos que atuam sobre


os neurotransmissores que vimos no início desta unidade, pela norepinefrina (NE),
a epinefrina e a dopamina. A noradrenalina é liberada por terminações simpáticas
pós-ganglionares, enquanto a epinefrina é liberada pela glândula suprarrenal. Já a
dopamina é um precursor metabólico da norepinefrina (NE), a epinefrina.

Os fármacos atuam sobre a síntese, o armazenamento, a liberação e a recaptação


dessas catecolaminas endógenas, cujos alvos consistem nos receptores pós-sinápti-
cos desses neurotransmissores.

Os receptores adrenérgicos também são pertencentes à família dos GPCR, ou


seja, receptores acoplados à proteína G, e são denominados receptores α e β.

O Mecanismo dos Receptores Adrenérgicos


A epinefrina (adrenalina) e norepinefrina (noradrenalina) são os ligantes endóge-
nos dos receptores α1, α2 e β. Podemos observar, na figura a seguir, que os recep-
tores α1 associados à proteína GQ, resulta num aumento intracelular de Ca2+, que
resulta na contração do músculo liso. Por outro lado, α2 associados à proteína Gi
provoca uma diminuição da atividade AMPc, por exemplo, resultando no relaxamen-
to do músculo liso. Os β receptores, associados à proteína Gs, leva a um aumento da
atividade de AMPc intracelular, resultando, por exemplo, na contração do músculo
cardíaco, relaxamento do músculo liso e glicogenólise.

A transmissão colinérgica é mediada pelas catecolaminas, em especial a norepi-


nefrina (NE), também chamada de noradrenalina (NA), e exerce um protagonismo na
transmissão adrenérgica do SN simpático, tendo efeito sistêmico e produzindo efei-
tos diferentes nos mais variados tecidos do corpo tanto na forma excitatória quanto
na inibitória. Desta forma, os fármacos utilizados na transmissão adrenérgica serão
aqueles capazes de modular esses receptores (alfas e betas), de forma a estimulá-los
ou inibi-los ou até mesmo interferir de alguma forma na síntese de NE, atuando fre-
quentemente no tratamento da hipertensão, da depressão, do choque, da asma, da
angina e de muitos outros distúrbios.

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43
UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

Figura 15 – Representação dos receptores adrenérgicos α e β e suas ações fisiológicas


Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Diversos estudos mostram que a Farmacologia Adrenérgica age na síntese das


­catecolaminas, inibindo a transformação da tirosina, na degradação de norepine-
frina, ao inibir a MAO, na internalização da NE em vesículas, na recaptação de NE
de volta aos neurônios e nos receptores adrenérgicos, atuando como agonista ou
antagonista. Os fármacos agonistas adrenérgicos que mimetizarão os efeitos adre-
nérgicos da NE também são denominados simpaticomiméticos e serão discutidos a
seguir. Já os fármacos antagonistas adrenérgicos vão impedir a ação da NE.

Em síntese, caso estimulem a transmissão adrenérgica, vão favorecer os efeitos


simpáticos em nosso corpo: midríase, vasodilatação, broncodilatação, aumento da fre-
quência cardíaca etc. Ao contrário, se impedem a transmissão adrenérgica, vão causar
efeitos contrários aos do simpático, mais parecidos com os efeitos parassimpáticos.

Há dificuldade em desenvolver o tratamento por meio de fármacos que modulam


as ações adrenérgicas, pois estes fármacos não são específicos e podem provocar
efeitos adversos.
• Agonistas adrenérgicos: São também chamados de fármacos simpaticomimé-
ticos, por mimetizarem as ações do SN simpático. Podemos classificá-los em
três grupos:
» Agonistas adrenérgicos de ação direta, que são aqueles que atuam diretamente
nos receptores adrenérgicos;
» Agonistas adrenérgicos de ação indireta, que proporcionam o aumento de NE;

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» Agonistas adrenérgicos de ação mista, que agem direta e indiretamente, ou seja,
tanto aumentando a oferta de NE quanto se ligando a receptores diretamente.

Agonistas Adrenérgicos

Ação direta Ação mista Ação indireta


Receptores Libera indiretamente a NA e ativa Aumenta a disponibilidade da NA
(agonistas) diretamente outros receptores para estimular os receptores adrenérgicos

Seletivos Não-seletivos Agentes de Inibidor de Inibidores de


liberação captação degradação

Figura 16 – Esquema representativo dos fármacos agonistas adrenérgicos

Como vimos, são os que atuam diretamente nos receptores adrenérgicos α e β, pro-
duzindo efeitos semelhantes ou liberando a adrenalina pela medula adrenal. Os fár-
macos de ação direta são: adrenalina, noradrenalina, isoproterenol, fenilefrina,
dopamina, dobutamina, fenilefrina, metoxamina, clonidina, metaproterenol ou
orciprenalina, terbutalina, salbutamol ou albuterol. Os efeitos adversos: agitação,
tremor, taquicardia, hipertensão e arritmias cardíacas.

A adrenalina, também conhecida como epinefrina, estimula predominantemente


o receptor adrenérgico β 1 (embora também tenha ação sobre o receptor α 1 e
outros receptores), aumenta a força de contração do miocárdio e a frequência car-
díaca. Como a adrenalina contrai as arteríolas da pele, das membranas mucosas
(sobre receptores α e, ao mesmo tempo, provoca a dilatação dos vasos sanguíneos
do fígado e musculatura esquelética, ocorre aumento da pressão sistólica e pequena
diminuição da pressão diastólica (é um dos vasopressores mais potentes). Provoca a
elevação da glicemia devido ao estímulo à glicogenólise e à inibição da secreção da
insulina. Também provoca a lipólise, transformando triglicerídeos em ácidos graxos.
É utilizada como terapêutica inicial no tratamento da asma aguda (causa broncodila-
tação em potencial) e do choque anafilático.

O isoproterenol é um agonista β-adrenérgico não seletivo, com baixa afinida-


de pelos receptores α-adrenérgicos, ou seja, produz poucos efeitos vasculares, com
efeitos mais proeminentes sobre a musculatura lisa dos brônquios e do trato gastrin-
testinal. O fármaco tem rápida absorção por via parenteral e inalatória, com bio-
transformação no fígado, além de baixa degradação pela MAO, permitindo maiores
concentrações plasmáticas e maior tempo de ação.

A fenilefrina é um agonista α1-adrenérgico seletivo e provoca acentuada vaso-


constrição arterial, podendo ser utilizado como descongestionante nasal e midriático
(solução oftálmica). É pouco utilizada na terapêutica, mas tem papel para regular
processos hipotensivos, incluindo hipotensão ortostática e choque.

A clonidina é um agonista α2-adrenérgico utilizado durante algum tempo para


o tratamento da hipertensão arterial, por atuar em nível do SNC, nos neurônios

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

pré-sinápticos, suprimindo a atividade do sistema simpático e nos vasos periféricos,


apresentando elevado efeito anti-hipertensivo, reduzindo a pressão arterial e a fre-
quência cardíaca, de forma prolongada, quando administrada por via parenteral.
Em estudos clínicos, foi revelado que a atuação da clonidina sobre a congestão nasal
apresentava hipotensão, sedação e bradicardia como efeitos secundários, haja vista
a ampla distribuição dos neurônios simpáticos pelo organismo. O fármaco é bem
absorvido por administração oral, tem biodisponibilidade de quase 100% e meia-vida
média de 12 horas. Além disso, existe uma boa correlação entre a biodisponibilidade
e seu efeito farmacológico. Problemas renais podem retardar a eliminação e alterar
sua meia-vida, sendo monitorados para esses casos.

A anfetamina tem ação simpaticomimética indireta, aumentando a liberação de


NE a partir de seu deslocamento das vesículas em que se encontram, além de terem
ação periférica em receptores α e β-adrenérgicos, com efeitos durando até várias
horas. Sua administração por via oral eleva a pressão arterial, pode promover arrit-
mias, além de variações que incluem depressão e fadiga. Além disso, a ação sobre
o músculo liso pode ser de contração ou relaxamento, dependendo de qual estado
se encontra o órgão. Por exemplo, no trato gastrointestinal com atividade elevada, a
anfetamina pode relaxar a musculatura, provocando redução do trânsito intestinal ou
o oposto, em caso de o órgão estar relaxado. Em nível central, sua ação sobre o SNC
estimula o centro respiratório bulbar e estimula as sinapses do SNC, altera o estado
de vigília e de alerta, reduz a percepção de fadiga, eleva o humor com aumento da
iniciativa, eleva a capacidade de concentração, aumento da atividade motora e da
fala. Está relacionado com a depressão do apetite por aumento na liberação de NE
e DA, permitindo menor ingestão de comida e não um aumento do metabolismo,
sendo um dos motivos para seu uso abusivo, que também inclui a possibilidade do
não estado de sonolência e do aumento de energia. No entanto, esse fármaco só
deve ser utilizado sob orientação médica.

A efedrina é um simpaticomimético misto de ação nos receptores α e β adrenér-


gicos e atua a partir da liberação de NE dos neurônios simpáticos. Isso permite uma
elevação da frequência, débito cardíaco e aumento da pressão arterial, pois age,
principalmente, sobre os receptores α-adrenérgicos, inclusive com aumento na con-
tração de musculatura lisa. Além disso, quando atua nos receptores β adrenérgicos,
promove broncodilatação. Os efeitos do fármaco podem persistir por várias horas
quando administrado por via oral, tendo sua meia-vida por volta de 3 a 6 horas.

Antagonistas Adrenérgicos
São chamados também de fármacos simpatolíticos, por “quebrarem” os efeitos
do SN simpático. Os antagonistas do sistema nervoso simpático serão exemplifica-
dos quanto a sua atuação nos receptores adrenérgicos e podem ser classificados de
diversas formas, desde a ação em cada tipo ou subtipo de recepto até por sua seleti-
vidade em relação a esses receptores.

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Antagonistas de Fármacos que afetam
Antagonistas de a concentração de
receptores α receptores β
monoaminas

Não Seletivos α1 Seletivos α2 Seletivos

Não seletivos Não seletivos


(β1 e β2) (β1)

Figura 17 – Esquema representativo dos fármacos antagonistas adrenérgicos

Vamos agora estudar os principais antagonistas adrenérgicos.

A prazosina é um fármaco usado em urgências clínicas relacionadas à hiper-


tensão, por ser um antagonista seletivo dos receptores α1-adrenérgicos, diferente-
mente de outros antagonistas não seletivos que poderiam causar efeitos colaterais
graves. A sua afinidade para o receptor α1 é mil vezes superior aos receptores α2-
adrenérgicos, o que permite vantagens relevantes. Existem alguns efeitos adversos,
como hipotensão postural e síncope. O seu efeito na hipertensão se dá nas arteríolas
e veias, reduzindo a resistência periférica total, não aumentando a frequência cardía-
ca e o débito cardíaco, além de não produzir liberação de NE a partir do SNC, o que
não permite taquicardia reflexa por liberação de simpaticomiméticos. É um fármaco
bem absorvido por via oral (biodisponibilidade de 50-70%), sendo amplamente distri-
buído pela α1-glicoproteína ácida, com metabolismo hepático em maior proporção
e meia-vida de 3 horas. A prazosina exerce efeito na melhora da micção e das dores
provocadas pela hiperplasia prostática benigna. Esse fármaco foi o protótipo para di-
versos outros medicamentos utilizados atualmente, como a terazosina e doxazosina,
que são derivadas da prazosina, além de outros que têm estrutura química diferente
(alfuzosina, tansulosina e silodosina).

A Ioimbina é um antagonista competitivo dos receptores α2-adrenérgicos e deri-


vado da casca do caule de Pausinystalia yohimbe ou nas raízes de plantas do gênero
Rauwolfia. Tem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica (BHE), produ-
zindo um aumento na pressão arterial e da frequência cardíaca, intensificando os efei-
tos simpaticomiméticos, haja vista sua atuação como bloqueador dos autorreceptores
no SNC. Alguns dados da literatura sugerem uma melhoria no tratamento da disfunção
erétil, porém sua eficácia não é semelhante aos inibidores da fosfodiesterase que têm
dados mais robustos em relação a essa atividade farmacológica.

O propranolol é um fármaco antagonista β-adrenérgico não seletivo e não blo-


queia os receptores α-adrenérgicos, sendo amplamente utilizado no tratamento da
hipertensão arterial e outras patologias relacionadas ao sistema cardiovascular, per-
dendo espaço para os antagonistas seletivos β-adrenérgicos e fármacos que também
atuem sobre os receptores α1-adrenérgicos ou liberação de óxido nítrico. O pro-
pranolol é lipofílico e tem a capacidade de atravessar a BHE e atuar no SNC, tem
completa absorção por via oral, com metabolismo hepático.

O timolol é um antagonista não seletivo dos receptores β-adrenérgicos, utilizado no


tratamento de algumas doenças dos sistemas cardiovasculares, porém sua disseminação

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

de uso está relacionada com o tratamento de glaucoma de ângulo aberto e hipertensão in-
traocular, em formas farmacêuticas oftálmicas. O bloqueio dos receptores β-adrenérgicos
permite uma redução na produção de humor aquoso, o que está relacionado com uma
melhora clínica dos indivíduos.

O atenolol consiste em um fármaco antagonista seletivo para os receptores β1-


adrenérgicos e não tem capacidade de atravessar a BHE, diferentemente do pro-
pranolol, conferindo maior segurança em relação aos efeitos adversos sob o SNC.
Na  prática clínica é utilizado para o tratamento de hipertensão arterial sistêmica,
doença coronariana, isquemia do coração, arritmias e complicações relacionadas a
infarto agudo do miocárdio.

O carvedilol é um fármaco cujo perfil farmacológico é diferente dos demais, é


considerado um antagonista dos receptores β-adrenérgicos, mas, na verdade, seu
efeito é variado. Antagoniza seletivamente os receptores β1 e α1-adrenérgicos e é
agonista parcial dos receptores β2-adrenérgicos, além de ter efeitos sobre os canais
para Ca2+, antioxidante e anti-inflamatório. Seu uso clínico é realizado em pacien-
tes com hipertensão e Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), possuindo um efeito
cardioprotetor proeminente.

A farmacologia adrenérgica está bem relacionada, como vimos, com os sistemas


respiratório e circulatório, pois englobam o sistema simpático. Diante disso, prova-
velmente, alguns fármacos voltarão a ser mencionados quando estudarem a farma-
cologia cardiorrespiratória na próxima unidade.

Fármacos que atuam na JNM


Como vimos, os bloqueadores neuromusculares também são conhecidos como
inibidores da transmissão neuromuscular. Os fármacos podem interromper a trans-
missão neuromuscular por meio de ação pré-sináptica, interferindo com processos
que ocorrem na terminação nervosa, ou por meio de ação pós-sináptica, atuando
sobre os receptores nicotínicos da placa motora.

Figura 18 – Representação da placa motora


Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

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• Fármacos de ação pré-sináptica: este grupo é constituído por fármacos que
atuam sobre a terminação nervosa motora, inibindo a síntese ou a liberação de
ACh. Exemplos de fármacos que inibem a síntese de ACh são os hemicolínios
e trietilcolina. Dos fármacos que inibem a liberação de ACh destacam-se os
antibióticos aminoglicosídicos (estreptomicina e neomicina), que podem ocasio-
nar paralisia muscular como efeito colateral indesejado, e a toxina botulínica,
que apresenta aplicabilidade terapêutica. Esses fármacos já tiveram seus meca-
nismos de ação descritos anteriormente;
• Fármacos de ação pós-sináptica: este grupo agrega a maioria dos fármacos
de importância terapêutica. Esses fármacos são classificados em dois subgrupos
principais, os bloqueadores competitivos (ou não despolarizantes) e os bloquea-
dores despolarizantes;
• Bloqueadores pós-sinápticos competitivos: A d-tubocurarina foi o primeiro
bloqueador neuromuscular utilizado em anestesiologia clínica, em 1942. Trata-
-se de um alcaloide natural obtido dos curares, extratos de vegetais dos gêneros
Chondrodendron e Strychnos, utilizados como venenos pelos índios da Amé-
rica do Sul. A metocurina (dimetil condrocurina) é um composto semissintético,
cerca de 10 vezes mais potente que a d-tubocurarina. Atualmente, esses dois
compostos são raramente utilizados em clínica, por seus efeitos adversos. A ga-
lamina, introduzida por Bovet et al. (1947), tornou-se o primeiro bloqueador
neuromuscular sintético a ser utilizado em larga escala. Em seguida, foram de-
senvolvidos outros bloqueadores competitivos de longa ação, como dexacúrio,
pancurônio e pipercurônio; de ação intermediária, como atracúrio, cisatracúrio,
vecurônio e rocurônio; de curta ação, mivacúrio; e ultracurta, como gentacú-
rio, como vimos anteriormente. Seus mecanismos de ação antagonizam a ação
despolarizante da acetilcolina sobre a placa motora. Entretanto, não afetam a
despolarização da fibra muscular induzida pelo íon K+ nem a contração evocada
pela estimulação elétrica direta da fibra muscular. A amplitude do potencial de
placa terminal é progressivamente reduzida na presença de doses sucessivamente
maiores desses fármacos, até que se tornem subliminares, de maneira que não
mais sejam capazes de levar à deflagração do potencial de ação propagado.

Caros alunos, encerramos aqui nossa unidade de Farmacologia do Sistema Ner-


voso e JNM. Extensa e necessária! Obrigada e até a próxima.

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UNIDADE Farmacologia do Sistema Nervoso
e Junção Neuromuscular

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Vídeos
Curso de Farmacologia: Aula 9 – Introdução a farmacologia do SNC – Aspectos anatômicos e funcionais
https://youtu.be/3tPvpo0Ad-I
Curso de Farmacologia: Aula 9 – Introdução a farmacologia do SNC – Neurotransmissores e receptores
https://youtu.be/s1zP0fS1h6g
Curso de Farmacologia: Aula 7 – Farmacologia adrenérgica – Divisão Farmacológica
https://youtu.be/pCKp0viFGGg
Curso de Farmacologia: Aula 6 – Farmacologia adrenérgica – Agonistas muscarinicos
https://youtu.be/DKIP77HlqcY
Curso de Farmacologia: Aula 5 – Introdução a farmacologia do SNA – Sinapses
https://youtu.be/qyFM31n4waQ
Farmacologia – Como agem os fármacos: Receptores, Agonista e Antangonistas – Básico
https://youtu.be/uj7cTaB2WiI
Farmacologia do Sistema Nervoso Autônomo (SNA)
https://youtu.be/Cp3_kg-vpRE

 Leitura
Farmacologia integrada: uso racional de medicamentos
https://bit.ly/31LwfJ4

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Referências
BRUNTON, L. L.; CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. Goodman & Gilman:
as bases farmacológicas da terapêutica. 12. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2012.

FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L. Farmacologia clínica: fundamentos da tera-


pêutica racional. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. (e-book)

GOLAN, D. E. Princípios de Farmacologia. A Base Fisiopatológica da Farma-


cologia. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.

HILAL-DANDAN, R.; BRUNTON, L. Manual de farmacologia e terapêutica de


Goodman & Gilman. 2. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. (e-book)

KATZUNG, B. G.; MASTERS, S. B.; TREVOR, A. J. Farmacologia básica e clíni-


ca. 12. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2014.

PANUS, P. C. et al. Farmacologia para fisioterapeutas. Porto Alegre: AMGH,


2011. (e-book)

RANG, H. P. et al. Farmacologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

SILVA, P. Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

WHALEN, K.; FINKELL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed.


Porto Alegre: ArtMed, 2016. (e-book)

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Você também pode gostar