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A Inteligência e a

Contrainteligência no mundo
corporativo
Um dos temas rotineiramente explorados por Hollywood é a
atividade de inteligência e o seu papel de protagonismo no rumo
da história do mundo. Seja em megaproduções como os filmes
de James Bond, seja em narrativas de fatos verídicos como os
retratados no filme “O Jogo da Imitação”, cujo enredo é centrado
na vida do físico Alan Turing e no esforço da inteligência britânica
para decifrar o código da máquina de criptografia nazista
“enigma”. De posse dos códigos os nazistas foram derrotados,
fator imprescindível para decidir o futuro da Segunda Grande
Guerra.

A atividade de inteligência tem como objetivo a produção de


conhecimento para assessorar a tomada de decisões do gestor.
Essa clássica definição resume a importância crucial da
inteligência, que é fornecer os subsídios necessários para as
decisões de cunho estratégico, seja em instituições públicas ou
em instituições privadas.

Para tanto é utilizado o chamado Ciclo de Produção do


Conhecimento. Este consiste na coleta dos dados necessários,
em fontes abertas ou fechadas, na análise dessas informações
em cotejo com as hipóteses plausíveis, para finalmente se
difundir aquele que detém a força decisória, o chamado
conhecimento. Este ciclo diferencia a mera informação do
conhecimento, produto final da inteligência.

O ramo da inteligência que visa a detecção, prevenção e


neutralização de ameaças é chamado contrainteligência. Seu
objetivo é proteger a própria agência de inteligência, seus
métodos, processos, instalações e ações de inteligência adversa,
consideradas ameaças. Exemplo disto é a contraespionagem
visando neutralizar espião de outra agência, neste caso, a
contrainteligência policial age para evitar que um criminoso entre
nos quadros da polícia e assim por diante. Também no campo
privado a contrainteligência marca seu lugar em questões afetas
a espionagem industrial e econômica.

Inicialmente vinculada à guerra e a diplomacia, passando pela


sua utilização em outras áreas estratégicas do Estado, mais
recentemente em voga na área policial, fato é que os conceitos e
métodos analíticos da atividade de inteligência tem uma gama de
aplicação que não se restringe somente a área pública, mas
também a área privada. E mais, seus procedimentos e doutrina
servem a assessorar a tomada de decisões e neutralizar ameaças
no campo privado.

Recente relatório da consultoria norte-americana Kroll apontou


que 35% das grandes companhias consideram as violações de
fornecedores e empresas parceiras o maior risco para seus
programas anticorrupção[2]. Este relatório aponta ainda que
58% dessas empresas já encontraram violações aos seus
códigos de ética ou infrações legais e descumprimento as suas
regras de compliance em investigações internas realizadas. E
mais, metade dessas empresas não acreditam que seus
programas de compliance sejam capazes de detectar violações
cometidas por seus fornecedores.

Com as mudanças de paradigmas que vem sendo implantadas na


esteira da Lei Anticorrupção e decorrentes da Operação Lava-
Jato, levando inclusive a formação de jurisprudência criminal que
aponta para responsabilização de gestores de empresas
privadas e do responsável pelo compliance office, tal tema
merece toda a atenção do setor empresarial e daqueles que
operam com compliance.

As cláusulas contratuais de direito a auditoria, por exemplo,


permitem um exame mais pormenorizado acerca do fornecedor,
assim como exigência de selo de certificação por instituição
reconhecida que ateste efetividade de programas de compliance
e cultura ética da empresa fornecedora. Prevenir uma
contratação para os próprios quadros da empresa ou ainda de
outra empresa fornecedora que venha a comprometer as regras
de compliance e a ética pode evitar problemas na seara criminal
e administrativa, com todas as decorrências possíveis no campo
econômico e para a imagem da empresa.

Neste sentido, a metodologia e procedimentos típicos da


atividade de inteligência e contrainteligência podem ser de
grande utilidade para o desempenho da função do compliance
office. Longe de se pregar a instituição de escritórios ou
departamentos de inteligência vinculados ou na estrutura do
compliance office. Este tipo de estrutura talvez sirva a grandes
corporações que atuam em ramos mais sensíveis, onde se fala
em inteligência corporativa ou empresarial. O que é plausível é a
utilização de rotinas, métodos e procedimentos típicos da
atividade de inteligência, plenamente aplicáveis no escopo da
atividade de compliance.

Para a atuação cotidiana do compliance office, exercer o ciclo de


produção de conhecimento, com base em pesquisas de fontes
abertas, pode gerar conhecimento relevante para a tomada de
decisão do responsável pelo compliance na empresa. Executar
esta atividade não demanda grande estrutura física ou de
recursos humanos. E vale lembrar que, quando se fala em
inteligência, o conhecimento produzido estabelece
probabilidades acerca de fatos relevantes, não a certeza
absoluta.

À título de exemplo, a contratação de empregados a partir de


certo nível hierárquico pode ser precedida de uma pesquisa mais
apurada sobre o candidato, visando detectar situação ou fato
que demonstre uma incompatibilidade com o que se pretende em
termos de conduta ética e profissional na empresa. Da mesma
forma quando se contrata fornecedor. Tais medidas podem evitar
o comprometimento futuro da empresa em situações de violação
da lei ou código de ética, o que implica responsabilidade e
prejuízos para a empresa. Da mesma forma o acompanhamento,
por exemplo, de surgimento de sinais de aumento patrimonial
desproporcional de empregado de área de compras e contratos,
com exteriorização de sinais de riqueza incompatíveis com a
renda auferida.

Não se pode nem se deve menosprezar atualmente a quantidade


de informações disponíveis em fontes abertas, especialmente no
mundo digital, o que em cotejo com outros dados, se bem
trabalhado e com metodologia correta, pode levar a produção de
conhecimentos confiáveis que abalizem decisões superiores.

Medidas simples e não invasivas, calcadas em metodologia


própria de inteligência, podem auxiliar sobremaneira na
efetivação de um programa de compliance, da implantação de
uma cultura de ética e cumprimento das leis e regulamentos e na
detecção, prevenção neutralização de atos que levem a danos a
imagem e prejuízo econômico da empresa.

*Paulo Sérgio Suzart, sócio-fundador da Hage, Navarro,


Fonseca, Suzart & Prudêncio Consultoria em Compliance.
Palestrante e consultor com experiência de mais de 10 anos
em Compliance com expertises em Anticorrupção; FATCA;
CRS; Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Combate ao
Financiamento do Terrorismo; Contrainteligência
Empresarial; Investigações Internas e Compliance. Instrutor
da Certificação da Associação Internacional de Compliance.
Professor de criminal compliance, compliance financeiro e
corporativo em cursos de pós graduação

*Disney Rosseti, superintendente Regional da Polícia Federal


do Estado de São Paulo desde setembro de 2015. Delegado da
Polícia Federal desde 1999, tendo iniciado sua carreira na
Superintendência Regional no Estado de Mato Grosso, onde
desenvolveu suas funções no Núcleo de combate ao Crime
Organizado

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