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A Formacao Etnica de Passo Fundo Histori
A Formacao Etnica de Passo Fundo Histori
étnica de
Passo Fundo:
história,
memória
e patrimônio
João Carlos Tedesco
Alessandro Batistella
Rosane Marcia Neumann
(Orgs.)
A formação
étnica de
Passo Fundo:
história,
memória
e patrimônio
João Carlos Tedesco
Alessandro Batistella
Rosane Marcia Neumann
Organizadores
2017
Capa:
Mapa do Município de Passo Fundo elaborado e impresso por Antonino Xavier em 1929.
Fonte: Arquivo Histórico Regional.
Editoração:
Alex Antônio Vanin
Revisão:
Michele Palaoro
ISBN: 978-85-63917-19-5
CDU: 981.65
jctedesco@upf.br
alessandrobatistella@yahoo.com.br
rosaneneumann@upf.br
COLEÇÃO MEMÓRIA E CULTURA
Coordenação:
João Carlos Tedesco, Gizele Zanotto, Gerson Luís Trombeta
LAMOI (Laboratório de Memória Oral e Imagem)
PPGH-UPF
Coordenação:
João Carlos Tedesco, Marlise Regina Meyrer.
Sumário
A
o convivermos socialmente vamos formando lembranças, am-
pliando nosso acervo de comunicação e formando nossa cultu-
ra, identidade, consciência de..., construindo alteridades, defi-
nindo fronteiras (o nós e os outros) e ritualizando tempos, fatos e situações que
nos promovem reconhecimento étnico, pessoal, social, cultural. Esse viven-
ciar de proximidade e de agregação identitária requer, também, ritualidades
expressivas, pertencimentos, identificações, exigências de manifestação cole-
tivas, comemorações, representações objetais e simbólicas, bem como marcas
e rastros no ambiente natural e construído.
Para haver essa expressão social, a memória é necessária; ela é uma
grande mediadora, mas que se alimenta e demanda eventos, situações, nar-
rativas, rituais, ilustrações, etc. Os eventos de memória de cunho étnico, por
exemplo, são símbolos e representações culturais da lembrança que possuem
capacidade de evocação, agregação e coesão.
A memória familiar e de grupos étnicos, por exemplo, criam condições
para o cruzamento de temporalidades e para o testemunho da História; serve
para localizar, no tempo e no espaço, raízes e ações que, no presente, são
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Introdução geral
vários grupos sociais, desde os povos originários, passando por coletividades
que emigraram forçados como escravos, de imigrantes que escolheram o Bra-
sil e se localizaram em Passo Fundo entre o final do século XIX e as primei-
ras décadas do século XX.
É importante ressaltar que Passo Fundo não possui identificação a um
grupo étnico em particular; compõe uma região que se constituiu por múlti-
plos grupos, em particular, na sua formação primeira, os indígenas guarani
e kaingang, os luso-brasileiros e os caboclos, esses dois últimos, envoltos na
economia pastoril e do extrativismo (erva mate, madeira, pedras preciosas,
etc.), os alemães, italianos, poloneses, sírios e libaneses, judeus, dentre outros.
Nessa multiplicidade étnica original, grupos buscaram demarcar território,
identificar espaços e fatos que registram sua presença.
Em razão disso, os espaços foram ganhando alguma territorialidade ét-
nica por múltiplas razões, dentre elas, políticas e econômicas. Isso pode estar
presente em nomenclaturas de ruas, prédios, vilas, bairros, na arquitetura de
casas, em fachadas, nomes de estabelecimentos comerciais, em festejos, mo-
numentos, gastronomia, artesanatos, no campo político, religioso, educacio-
nal e empresarial.
A riqueza da multiplicidade étnica permite esse caleidoscópio simbóli-
co, bem como identificar grupos, configurar pertencimentos e ritualizar pre-
senças e ausências. Territórios e grupos sociais e étnicos vão solidificando-se,
constituindo-se e deixando vestígios. Isso é possível perceber em Passo Fun-
do e/ou em qualquer outro lugar.
Por isso, nesses 160 anos de emancipação política e criação do muni-
cípio de Passo Fundo, nada melhor do que dar ênfase aos grupos humanos,
a algumas de suas características e de suas demarcações de fronteira étnica,
com ênfase, quando possível, às narrativas de pessoas que estão em nosso
meio e que conseguem dizer algo do seu passado e de seu grupo de pertenci-
mento. Buscamos reconstituir, ainda que brevemente, pequenos fragmentos
de vida familiar, social e empresarial de determinados grupos sociais que, em
particular, na cidade de Passo Fundo se estabeleceram.
Multiplicamos as mãos para efetivar esse intuito, tanto os que escreve-
ram, quanto os que nos forneceram narrativas, ilustrações, documentos, in-
formações de “quem poderia nos dizer alguma coisa”. A metodologia foi
mais ou menos essa, ou seja, um interlocutor que conseguíamos contatar e
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Os organizadores
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Presença Guarani no Planalto Médio
Introdução
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Arqueologia
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Presença Guarani no Planalto Médio
são considerados patrimônio cultural da sociedade, portanto, são protegidos
por lei e não podem ser comercializados. Após a pesquisa, todas as peças
recuperadas são encaminhadas a instituições de pesquisa, como museus e
universidades, onde estarão à disposição de estudantes, professores e da co-
munidade em geral.
O principal objetivo da pesquisa arqueológica não é a escavação dos
objetos para a composição de um acervo, mas a produção de conhecimento
a partir da análise desses vestígios. É importante destacar que a construção
do conhecimento é uma tarefa constante e coletiva, todos os povos e culturas
geram as suas contribuições, tanto nas sociedades atuais quanto no passado.
Portanto, ao pesquisarmos os antigos habitantes, podemos recuperar infor-
mações perdidas ou esquecidas ao longo do tempo, nos auxiliando na elabo-
ração de soluções para problemas atuais, além de estimular a manutenção de
uma relação mais equilibrada no tocante à exploração dos recursos naturais
oferecidos pela natureza.
Migração Tupi-Guarani
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Seu ímpeto expansionista aliado à vasta hidrografia fez com que a dis-
persão guarani atingisse todas as regiões do estado, além de territórios dos
atuais países vizinhos, como Uruguai, Paraguai e Argentina (Figura 1). No
Planalto Médio eles disputaram e também compartilharam o espaço com as
populações jê.
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-prima empregada para a confecção dos artefatos líticos figuram o basalto, o
diabásio, o quartzo, o arenito e a calcedônia, compondo instrumentos como
lâminas de machados, cunhas, mãos-de-pilão e enxós (Figura 6).
A elaboração dos artefatos líticos era uma tarefa masculina. Para a pro-
dução dos instrumentos polidos, eram selecionadas pedras sem arestas como
os seixos de rio, em seguida, colocava-se grãos de areia como abrasivos sobre
uma segunda pedra ou lajeado com superfície plana; utilizando-se as mãos,
friccionava-se uma pedra sobre outra, promovendo o seu desgaste até atingir
o formato desejado.
Para a preparação de instrumentos de pedra lascada, outros procedi-
mentos eram aplicados. O lascamento das pedras era efetuado procurando-se
criar gumes cortantes ou arestas pontiagudas. Priorizavam-se seixos natural-
mente anatômicos, permitindo que se encaixassem de forma confortável às
mãos. De acordo com a função a que eram destinadas, poderiam receber o
encabamento de madeira (Figura 7).
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Figura 7 - Artefato de pedra lascada (ponta de lecha) localizado na bacia do rio Ja-
cuí. Acervo: Sírius - Estudos e Projetos Cientíicos Ltda.
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dente ao seu primeiro local de fundação, no atual município de Passo Fundo
(Figura 10).
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território no sistema colonial europeu, alicerçado na concentração particular
da terra, da acumulação privada, e na formação de multidões de excluídos de
suas riquezas milenares”.
Durante o convívio nas reduções, haviam adquirido conhecimentos de
técnicas construtivas, agricultura, metalurgia, olaria, marcenaria, entre outras
habilidades e, em razão do domínio desses ofícios, eram vistos como mão de
obra qualificada, participando ativamente do processo de formação da socie-
dade colonial, contudo, sem possibilidades de manutenção do seu modo de
vida tradicional, nem tampouco do seu antigo território de ocupação.
Possivelmente, a escravização dos indígenas após a tomada da Redução
de Santa Teresa e o contexto histórico subsequente contribuíram diretamente
para o decréscimo da população guarani no Planalto Médio. Quando novas
levas de imigrantes estabeleceram-se na região durante os séculos XIX e XX,
os kaingang constituíam a população indígena predominante. Todavia, a so-
ciedade atual é fortemente marcada pela contribuição da cultura guarani.
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Presença Guarani no Planalto Médio
ck, 2007), perpetuando, assim, as técnicas e as tradições de cultivo emprega-
das pelos horticultores guarani.
Muitos remédios caseiros e medicamentos produzidos pela indústria
farmacêutica são resultantes de séculos de conhecimento empírico acumula-
do pelos indígenas e hoje presentes em nosso cotidiano.
Golin (2014) destaca que a invasão das Missões em 1801 desencadeou
um fenômeno de “guaranização” da população do Rio Grande do Sul. Esse
processo envolveu desde a miscigenação étnica à apropriação cultural dos
modos de vida, do imaginário, além dos hábitos e costumes guarani, percep-
tíveis no cotidiano contemporâneo da sociedade rio-grandense.
Atualmente, além dos costumes e da miscigenação de parte da popu-
lação, as marcas da presença guarani podem ser observadas em vários no-
mes de ruas de Passo Fundo, a exemplo das ruas Gravataí, Nonoai, Niterói,
Piratini, Guararapes, Guaraí, Caí, Paissandú, Uruguai, Tramandaí, Acará
e Caramuru, ou ainda em denominações de rios, como Jacuí, Jacuí-mirim,
Taquari, Guaporé e Capingui, além de nomes de municípios do Planalto Mé-
dio, como Sarandi, Panambi, Tapejara, Marau e Ibirubá, entre outros.
Considerações finais
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Referências:
CAFRUNI, Jorge E. Passo Fundo das Missões: História do Período Jesuítico. Pas-
so Fundo: Prefeitura Municipal de Passo Fundo, 1966.
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reira da. 12000 anos de história: arqueologia e pré-história do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: UFRGS, p. 1-116, 2013.
BATISTELLA, Alessandro; KNACK, Eduardo Roberto Jordão. Antologia do
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In: BATISTELLA, Alessandro (Org.). Passo Fundo, sua história. Volume 1.
Passo Fundo: Méritos, p. 29-63, 2007.
GEHM, Delma Rosendo. Passo Fundo através do tempo. Volume 1. Histórico e
Administrativo. Passo Fundo: Multigraf, 1978.
GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: O levante indígena que desafiou Portugal e
Espanha. São Paulo: Terceiro Nome, 2014.
GOLIN, Tau. A Província Jesuítica do Paraguai, a Guerra Guaranítica e a des-
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KERN, Arno. Pré-História e Ocupação Humana. In: GOLIN, Tau; BOEIRA,
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Alegre: Posenato Arte e Cultura, 1989.
PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai. Publicações do Ser-
viço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 9. Imprensa Nacional,
Rio de Janeiro, 1943.
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RUIZ DE MONTOYA, Antônio. Conquista espiritual feita pelos religiosos da
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de Arnaldo Bruxel e Artur Rabuske. 2.ed. Porto Alegre: Martins Livreiro,
1997.
SCHMITZ, Pedro Ignacio. Pré-História do Rio Grande do Sul. Documentos 05.
São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas - Unisinos, p. 1-178, 1991.
SCHMITZ, Pedro Ignacio; FERRASSO, Suliano. Caça, pesca e coleta de
uma aldeia Guarani. In: CARBONERA, Mirian; SCHMITZ, Pedro Ignacio
(Orgs.). Antes do Oeste Catarinense: Arqueologia dos povos indígenas. Chapecó:
Argos, p.139-166, 2011.
VICROSKI, Fabricio José Nazzari. O Alto Jacuí na Pré-História: Subsídios para
uma Arqueologia das Fronteiras. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo:
UPF, p. 1-136, 2011.
VICROSKI, Fabricio José Nazzari. O Alto Jacuí na Pré-História: Subsídios para
uma Arqueologia das Fronteiras. No prelo.
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Redes de atuação e movimentações
de grupos étnicos Kaingang frente
ao projeto colonizador em espaços
territoriais da Bacia Hidrográfica
do rio Passo Fundo
Introdução
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Doutor em História. Professor e Pesquisado do PPG Ambiente e Desenvolvimento e do Curso
de Graduação em História do Centro Universitário UNIVATES. Lajeado/RS. E-mail: lflaroque@
univates.br
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
grupo constrói-se e reconstrói-se num processo constante de mudanças, situ-
ação também válida para o povo Kaingang. Este processo não acontece de
forma linear, uniforme, com estágios sequenciais ou, ainda, de forma hierár-
quica. A cultura é construída na relação entre sujeitos de um mesmo grupo
e/ou de diferentes grupos étnicos, conforme argumenta Sahlins (1990, p. 7)
a “[...] história é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas
sociedades, de acordo com os esquemas de significação das coisas. O contrá-
rio também é verdadeiro: esquemas culturais são ordenados historicamente
porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados quando
realizados na prática” (Sahlins, 1990, p. 7).
A partir destas considerações preliminares, tomando como delimitação
espacial territórios da Bacia Hidrográfica do Rio Passo Fundo e como recorte
espacial, o período que se estende de meados do século XIX até as primeiras
décadas do século XX, os problemas que orientam o trabalho são: Quais as
redes de ligação entre as diversas parcialidades Kaingang que atuaram em
territórios da bacia hidrográfica do Rio Passo Fundo e adjacências? Quais as
continuidades e ressignificações culturais que identificam a identidade Kain-
gang no decorrer do processo histórico? Frente a estas questões, o objetivo do
estudo consiste em compreender as relações que se estabeleceram entre indí-
genas e colonizadores, sobretudo, no que se refere ao microcosmo Kaingang
e as suas historicidades, que foram postas em ação de meados do século XIX
até as primeiras décadas do século XX, em territórios da bacia hidrográfica
do Rio Passo Fundo e adjacências.
Vale ainda salientar que o enfoque analítico deste estudo procura trazer
para o primeiro plano da narrativa, as parcialidades Kaingang e suas lideran-
ças como sujeitos e protagonistas de suas ações, ao invés de vítimas passivas,
viés adotado pela historiografia que analisou as relações dos indígenas com
as sociedades coloniais e pós-coloniais no Brasil, grosso modo, até as últimas
décadas do século XX. Do ponto de vista teórico-metodológico, trata-se de
um estudo qualitativo de cunho exploratório. As fontes bibliográficas e, so-
bretudo, as documentais encontradas em arquivos do Rio Grande do Sul, que
nada tem de inédito ou novo, foram investigadas e interpretadas a partir de
uma perspectiva interdisciplinar, contando com métodos e aportes históricos
e antropológicos, entre os quais apontam-se os estudo Barth ([1969] 2000);
Sahlins (1970, 1990, 2004); Eliade (1973); Seeguer e Castro (1979); Clastres
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
O projeto joanino, no intento de explorar e de povoar os Campos de
Guarapuava e Palmas, aprovou também os planos para “civilizar os índios
barbaros, que infestam aquelle territorio, e de por em cultura todo o paiz
que de uma parte vai confinar com o Paraná, e da outra forma as cabeceiras
do Uruguay que, depois rega o paiz de Missões, e communica assim com a
capitania do Rio Grande” (Carta Régia de 1º/04/1809. In: Cunha, 1992, p.
69). Ora, as partes regadas desde as cabeceiras do Rio Uruguai, que comu-
nicam com as Missões e que deveriam ser “postas em civilização”, uma vez
que também estavam ocupadas pelos ditos “índios bárbaros”, equivalem a
espaços territoriais de ambas as margens do Rio Passo Fundo e territórios
adjacentes.
Outro acontecimento que ilustra a presença destes indígenas em territó-
rios da margem esquerda do Rio Passo Fundo e as relações interétnicas por
meio de conflitos com os colonizadores são fornecidos por José Pinto Ban-
deira (1851, p.386), ao relatar que, em 23 de julho de 1832, nas Missões em
São Pedro do Sul, o tropeiro José de Sá Sottomaior teve toda a sua comitiva
morta por guerreiros Kaingang, sendo os cadáveres encontrados, “menos o
do dito capitão, pelo que se vulgarizou a notícia de que os mesmos selvagens
o conservaram prisioneiro em suas moradas no sertão”.
Nesse sentido, temos, ainda, entre o final de 1845 e início de 1846, a
arriscada empreitada de um morador Guarapuavense, alferes Francisco Fer-
reira da Rocha Loures e, logo depois, também do seu irmão, João Cypriano
da Rocha Loures, de penetrar em territórios no extremo oeste do Rio Passo
Fundo, mais precisamente entre os Rios Turvo e Inhacorá, conhecidos como
Campo Novo. O viajante alemão, Maximiliano Beschoren, ao tratar desse
episódio, apresenta o seguinte relato:
Era preciso muita coragem para se instalar com apenas alguns compa-
nheiros e ficar sujeitos ao ataque dos índios, que consideravam toda
a região, matos e campos, como suas propriedades incontestáveis. Ao
primeiro colono, sucederam-se outros, vindos do Paraná, que se fixa-
ram à pequena distância, uns dos outros (Beschoren, 1989, p.42-43).
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
possivelmente, não iriam. Essa situação fica bastante evidente na Sessão da
Câmara Municipal de Cruz Alta, conforme segue:
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adquire para o grupo, “a Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, detentora
da concessão que lhe permitia interligar todo o sul do Brasil, além de terras
no Paraná e em Santa Catarina, numa extensão de seis milhões de acres, para
fins de colonização” (Rückert, 1997, p.117-118).
O trecho da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande do Sul, que pene-
trava em territórios Kaingang, precisamente entre Cruz Alta e o rio Uruguai,
desde 1894, havia ficado sob a posse de acionistas belgas da Compagnie des
Chemins de Fer Sud-Oest Brésilien, a qual, mesmo explorando a madeira, a
erva-mate e a pecuária, atividades predominantes na região, tornou-se, a par-
tir de 1904, deficitária, o que acarretou o encampamento desta estrada pelo
Governo Borges de Medeiros.
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
Insisto no meu pedido sobre aumento de pessoal nas turmas que vão
trabalhar no Sertão do Uruguay, não so porque no caso de doenças
de algum trabalhador ficarão os chefes de turmas com pessoal insu-
fficiente para o serviço, como também porque estou informado por
pessôas que trabalham na ultima exploração da E. F. de Passo-Fundo
ao Uruguay, que precisa-se exercer grande vigilancia sobre os indios
mansos que em grande numero existem nos Mattos, e que no geral
vivem rodeando os acampamentos procurado o menor descuido para
saqueal-os [...] (Correspondência de 09/09/1903, AHRS).
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
Com a edição da Lei estadual nº 29, de 05 de outubro de 1899, assinada
pelo presidente do estado Antônio Augusto Borges de Medeiros, segundo
Rückert (1997, p.100), houve um considerável aumento de pedidos de legi-
timações de posses de terras públicas. A partir do estudo do referido autor,
constata-se que os pedidos de legitimação de posse atingiram, inclusive, tra-
dicionais territórios Kaingang, localizados, principalmente, entre os Rios da
Várzea e Forquilha.
É importante frisar que a colonização deste espaço, pela ótica da Socie-
dade Nacional, significava um processo de destruição do território indígena e
a construção do território capitalista na sua dimensão agrária. Em contrapar-
tida, para os Kaingang, a interpretação atribuída a este território era outra,
isto é, relacionava-se “ao espaço dentro de sua própria lógica cultural, ou
seja, como um local para a sua permanência, bem como, deslocando-se para
as suas redondezas em busca de recursos para autosustentação, os Kaingang
não reconhecem as fronteiras estabelecidas pelos colonizadores” (Schwingel,
2001, p.94).
Nesse contexto, em nosso entender, os Kaingang e suas lideranças, se-
guindo as pautas culturais do grupo, adotaram alianças e arrendaram algu-
mas áreas de seus territórios aos não índios, até onde estava de acordo com os
seus interesses. Acreditamos nisso, porque, quando alguma coisa não ocorria
conforme o previsto no desenrolar das negociações, recorriam à guerra para
resolver as questões. Corrobora com a questão, o desentendimento entre al-
gumas parcialidades Kaingang e o arrendatário Antonio Pobre, em Nonoai,
segundo demonstra a narrativa do pastor luterano Bruno Stysinski, que este-
ve na região, em dezembro de 1900.
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
jeto colonizador, conforme expresso no relatório enviado da intendência de
Palmeira das Missões ao Presidente do Estado do Rio Grande do Sul.
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
Frente a esta situação, percebe-se que, embora a Secretaria de Obras
Públicas tenha criado o Serviço de Proteção aos Nacionais2, onde Torres
Gonçalves, na Diretoria de Terras e Colonização, desempenhava uma forte
militância, ao menos nos primeiros anos da República, afastando os peque-
nos posseiros, agregados, etc de muitos territórios, não consegue oferecer a
segurança esperada aos colonizadores e também não resolve a “questão in-
dígena”.
O engenheiro Carlos Torres Gonçalves, personalidade que desempe-
nhou um papel fundamental na Diretoria de Terras e Colonização no Rio
Grande do Sul por um período de vinte anos, começou suas atividades junto
ao PRR, em 09 de junho de 1899, quando foi nomeado por Antônio Augusto
Borges de Medeiros, ao cargo de 2º condutor da até então Secretaria de Obras
Públicas. Naquele período, de acordo com Breno Antônio Sponchiado (2000,
p. 32), “a Diretoria de Obras Públicas constituía um reduto de positivistas
religiosos, consequentemente, o local em que se fazia sentir mais claramente
a influência da ortodoxia positivista dentro do projeto político implementado
pelo PRR”.
Posteriormente, através do decreto nº 1.018, de 05 de janeiro de 1907, a
Secretaria dos Negócios de Obras Públicas sofreu uma reorganização. Suas
atribuições ficaram distribuídas entre quatro diretorias, denominadas de Di-
retoria Central; Diretoria de Obras Públicas; Diretoria de Terras; Coloniza-
ção e Diretoria de Viação.
A Diretoria de Terras e Colonização ficou com todos os serviços que
pertenciam à extinta Diretoria de Terras Públicas. Como o engenheiro Ves-
passiano Rodrigues Corrêa, designado inicialmente para o cargo, saiu em
licença e depois faleceu, Torres Gonçalves, confrade de Rondon na Igreja
Positivista Brasileira, que vinha desempenhando a função interinamente na
diretoria desde 1908, foi o nome cogitado. Gonçalves, após consultar os su-
periores no Rio de Janeiro, aceitou assumir como titular, a Diretoria de Ter-
ras e Colonização do Estado. No desempenho dessa função, antecipou-se ao
Governo Federal no encaminhamento de uma política indigenista para o Rio
2
Os nacionais devem ser entendidos como colonos não imigrantes ou então os filhos destes. Isto é,
os caboclos os quais foram os verdadeiros desbravadores das novas fronteiras do planalto gaúcho
e “pioneiros de diversos povoados, germes de futuras cidades: Palmeira das Missões, Santa Rosa,
Campo Novo, Erechim, Seberi” e não o branco-europeu, conforme é demonstrado muitas vezes
pela prática historiográfica” (Sponchiado, 2000, p.151, 155).
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Mapa 3: Toldos Indígenas no Rio Grande do Sul. Fonte: Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
Ou seja, se para a Sociedade Rio-grandense “o ano de 1908 tornou-se
um divisor de águas no relacionamento do projeto político do PRR com as
populações indígenas”, conforme afirma Pezat (1997, p.284), para os Kain-
gang foi um momento propício para atuações protagonistas para requerer o
que era do seu interesse, a partir de estratégias que, desde a segunda metade
do século XIX, já haviam sido postas em prática nas relações com a socieda-
de nacional brasileira.
[...] O objetivo real era fixar os índios num lugar e deste modo evitar a
sua livre movimentação pelos campos já cobiçados pelos colonos. Ini-
cialmente os índios eram conquistados com presentes de ferramentas,
roupas e até alimentos, criando-se uma dependência que logo virou
crônica nos índios e insuportável para os brancos (Melià, 1985, p.177).
A catequese dos Kaingáng foi possivelmente uma das tarefas mais di-
fíceis dos padres espanhóis em sua passagem pelo Sul do Brasil. Reve-
lava-se ela, outrossim, tão árdua, que quase ninguém queria abraçá-la.
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
bosques, al outro lado del río Passo-Fundo. Este indio es de alta esta-
tura, delgado, muy venerable por sus canas y por sus años, que pasan
seguramente de un siglo, mas sobre todo por sus maneras afables y
patriarcales que traen la idea de un Isaac ó de un Jacob (Pérez, 1901,
p. 567).
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
ficaram de substituir os Destacamentos Pedestres (expedições armadas) já
estivessem a caminho. Ao longo dessas negociações e de espera do que havia
sido prometido, as parcialidades de Votouro, possivelmente, circulavam entre
seu toldo e o Aldeamento, porque as Correspondências do Pe. Bernardo Pa-
rés, de 08/03/1850, de 08/04/1850 e de 14/01/1851, ora informam que os
indígenas estão chegando, ora que estão saindo de Nonoai.
É possível que os Pã’í do grupo do Pã’í mbâng Votouro também tivessem
ido a Porto Alegre, nos primeiros meses de 1851, para participarem com as
outras lideranças Kaingang da região, das negociações com o Presidente da
Província. Quanto à época de retorno a Nonoai, certamente, deve ter coin-
cidido com o período do Ritual do Kiki3, porque, passados quatro ou cinco
dias dessa volta, foi organizado um evento, que contou com a participação
de muitas parcialidades de indígenas Kaingang daquele território, conforme
relata Julian de Solanellas ao Padre Superior, Mariano Berdugo:
Para este tan distinguido dia, que para ellos es el más glorioso del
mundo, hicieron cántaros de su aguardiente, que conservaban en un
grande tronco hueco, que sirve de tinaja, y de cuándo en cuándo
mientras están bailando, un cacique ó dos, con un pedazo de calabaza
seca, que sirve de vaso, les va dando de beber á todos. Vi cuando lle-
garon los bugres convidados, que ya lo anunciaba su música, la cual
consiste en flautas de caña, que tocan con la nariz, y cuernos de buey,
que ellos se arreglan, y que todos marchaban formados, con su gran
Capitán al frente. ¡ Qué bellos mozos! ¡ Qué buenos granaderos! Uno
de los Caciques más civilizado les salió á recibir. Ya ve V. R. cómo tam-
bién á los infieles les gustan las etiquetas y cumplimientos, Comenzó
la danza á las tres de la tarde y acabó á las doce de la noche. Cierta-
mente una vez en la vida es cosa digna de ver á estos indios, adornadas
3
O Kiki também é chamado de “Festa dos Mortos” e acontecia geralmente entre os meses de abril
e junho, porque era a época de maior abundância de alimentos como o pinhão, milho verde, mel
e também as caças, os quais possibilitavam uma melhor receptividade aos parentes que vinham de
outras aldeias. Todos os homens, mulheres e crianças participam, pois era o momento em que os
mortos devolviam seus nomes à comunidade e depois os espíritos iam embora deste mundo, per-
mitindo a nominação das crianças. Nesse ritual, também definia-se a metade a que cada Kaingang
deveria pertencer durante sua vida (Cemitille, 1882; Baldus 1937; Nimuendajú, 1993 e Veiga, 2006).
É possível que este rito servisse para os Kaingang marcar um tempo mítico primordial, tempo do
eterno retorno segundo estudos de Eliade (1973) para sociedades tradicionais.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
a nova situação através do mito4. Em vista disso, então, podemos dizer que,
no caso Kaingang, elementos como a comensalidade5, o canto, entre outros,
estiveram presentes no entrelaçamento dessas duas historicidades.
No que tange à religião, temos também a destacar o batizado do Pã’í
mbâng Votouro, realizado pelo Pe. Solanellas, depois de se aventurar em um
arriscado percurso até o outro lado do Rio Passo Fundo, atravessando cam-
pos, matas, desfiladeiros e córregos d’água. No diário do Pe. Solanellas, há
o seguinte relato:
4
No mito de origem Kaingang, narrado por Telemaco Borba (1908), é possível perceber que os
ancestrais fundadores “Cayurucré”, “Camé” e “Caingangue” estabeleceram uma aliança primordial
na qual elementos novos também tiveram que ser reelaborados para darem conta da realidade que
se criou.
5
A prática da comensalidade para os Kaingang fazia parte de uma ritualização, realizada toda vez
que recebiam visitas de outras parcialidades, ou então, quando estabeleciam alianças representando
dessa forma um canal de sociabilidade. Esclarecem isso dois relatos: um é de Borba (1908, p.14)
dizendo que “quando alguém chega a elles, a primeira coisa que fazem é perguntar se tem fome, nos
dias de abundância nem isso fazem sem nada dizer, vão pondo de ante da pessoa a comida dizen-
do – coma – (acó); nunca negam a comida que se lhes pede, do pouco que teem comem juntos”. O
outro relato é de Königswald (1908, p. 46) que ao tratar do assunto informa que os Kaingang “consi-
deram a hospitalidade uma questão de respeito e sempre estão dispostos a entregar o melhor do que
possuem aos desconhecidos e sob qualquer circunstância dividir com eles os últimos alimentos”.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
mos nesta possibilidade, porque, antes desse evento, a referida liderança este-
ve várias vezes no Aldeamento de Nonoai, mas nunca aceitou ser batizado.
Outra liderança, conforme já referimos, que também protagonizou ações
envolvendo conflitos e alianças, é Pã’í mbâng Pedro Nicafim. Vale salientar que
o nome deste Kaingang é o que apresenta o maior número de variações nas
fontes que manuseamos, uma vez que também aparece grafado como Nicafi,
Nicofim, Nicafhim, Neiafé, Nicofé, Nicasi, Nicaphym, entre outros. Essa variação
de nomes evidencia duas possibilidades: a primeira, por falta de uma conven-
ção na grafia do nome dessa liderança da parte dos padres, diretores, etc; a
segunda é a de que a parcialidade indígena que representava ter-lhe-ia atribuí-
do mais de um “jiji há” ou “jiji Korég”, devido aos papéis sociais e cerimoniais
que desenvolvia no grupo.
As primeiras notícias a seu respeito são fornecidas por Mabilde (1983,
p. 162-163), que relata que ele “vivia com suas tribos de coroados à margem
direita do Rio Pelotas, entre esse e o rio Canoas. Os três caciques – Nonoai,
Cundá e Nicofé – viviam sem hostilizar-se” (MAPA 2). Talvez, porque os
contatos mais efetivos com a Frente de Expansão na região ocorreram após
o final da década de 1830.
O Pã’í mbâng Nicafim, que viveu até aproximadamente meados de ja-
neiro de 1856, desempenhou um papel de grande relevância na parcialidade
Kaingang que representava. Após deslocar-se para os campos de Nonoai e de
Erechim, foi muito temido pelos colonizadores e pelas parcialidades Kain-
gang inimigas que viviam no território. O Pe. Julian Solanellas, que conviveu
com ele durante algum tempo no Aldeamento de Nonoai, relata que Nica-
fim aparentava “edad 40 años, robusto, corpulento, alto, valiente guerrero,
de modo que cuando va vestido de uniforme, parece un general francés que
viene de la conquista de Argel” (Correspondência de 26/02/1851. In: Pérez,
1901, p. 552).
Reforça o argumento do protagonismo indígena, a própria vinda de Ni-
cafim, que vivia com a parcialidade que representava em territórios da mar-
gem direita do Rio Uruguai e Pelotas, à Vila de Passo Fundo, no decorrer
do mês de maio de 1846, acompanhado de mais de cinquenta Kaingang.
Entretanto, “todas as vezes que esses selvagens se apresentam são muitos
exigentes, principalmente de roupas, e quando sua exigencia não é satisfeita,
mostram-se assaz descontentes o que inspira aos habitantes proximos aos
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
lugares da apparição dos mesmos bem fundados receios de serem por elles
accommettidos” (Offício de 20/05/1846. In: RIHGRS, 1931, p.118).
É possível que a parcialidade desta liderança, inicialmente, tenha ado-
tado a política de negociações com os não índios e, por isso, teria aceitado
deslocar-se para os Campos Erechim, por volta de 1847. No relatório de Ma-
noel Antonio Galvão, Presidente da Província relativo a este período, consta
que “não havendo senão carne, e essa escaça, voltão aos seus toldos, dous
dos quaes, afora o do Cacique Nicofé, estão na proximidade de Nonoahy,
um a distancia de seis, outro a de quatorze legoas” (Relatório de 05/10/1847.
AHRS).
Contudo, nos parece que Pã’í mbâng Nicafim, desde os primeiros conta-
tos com os colonizadores, não ficou satisfeito com as negociações, motivo
pelo qual passou a reagir de maneira diferenciada. Ou seja, adotando a estra-
tégia de manter-se relativamente afastado dos Campos de Nonoai. Pelo que
se depreende da Correspondência de 10 de maio de 1848, do Diretor Geral
dos Aldeamentos e de Jacques (1912), o líder percorria de tempo em tempo
territórios das Bacias Hidrográficas do rio Taquari, de áreas em Vacaria e no
Mato Castelhano e Português, em visita a parentes. Há indicativos de que as
parcialidades lideradas por Nicafim romperam aliança com as parcialidades
de Pã’í Condá, porque este mantinha as negociações com os colonizadores.
Condá, no entanto, tentando negociar a paz, ofereceu uma de suas filhas em
casamento a Nicafim, o que, num primeiro momento, não resolveu o proble-
ma.
A respeito disso, recorrendo a Tomasino (1995), há a informação de que,
se o rapto de mulheres para os Kaingang em particular significava uma de-
claração de guerra, o contrário representava a construção da paz. Ou, então,
que as negociações envolvendo casamentos, nas sociedades igualitárias em
geral, visavam à criação de alianças e à construção da paz entre os grupos,
conforme pontua Elman Sevice:
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
Outra situação que evidencia as relações de conflitos da parcialidade de
Nicafim, principalmente, contra as parcialidades de indígenas Kaingang que
mantinham aliança com os colonizadores, é também narrada pelo Pe. Villar-
rubia, nos seguintes termos:
Por celos de una mujer, algunos individuos del capitán Canhafé in-
sultaron y convidaron á pelear consigo al capitán Pedro Nicasi: este,
como más veterano y más valiente, dicen que no hacía caso de ellos;
pero instado, y viendo que los adversarios ya le esperaban, ó le que-
rían acometer armados, resuelve responder al desafío, y se encamina
hacia ellos armado de trabuco, con solos dos hermanos suyos igual-
mente valientes: el ataque era indispensable, y estaban ya junto al
lugar de la lucha, cuando outro indio manso de los de mayor influjo
logró suspender la acción, que hubiera sido fatal, é hizo retroceder á
Nicasi y hermanos, lo que puede atribuírse á una gracia del Espíritu
Santo, recurriendo en aquel día la segunda fiesta de Pentecostés. En
esto paraban las cosas, cuando llegó á nuestros oídos la noticia del
suceso, que no sé por cuál insensatez nos querían tener oculto: fui al
intante para examinar el caso, y apaciguar las partes; llegado á la casa
de Nicasi, me pareció aquello una pequeña plaza de armas: arcos,
flechas, lanzas, cuchillos y alguna arma de fuego eran las insignias
de guerra puestas en vista y prontas para recibir cualquier asalto. El
capitán Pedro con parte de su gente, hombres y mujeres armados con
porretes, estaban de guardia. El aspecto era marcial y terrible: ver á
unos hombres con caras amotinadas, todos desnudos menos en la cin-
tura, y en los ademanes de querer pelear, le aseguro que no era la vista
más linda del mundo. Me dirigí luégo á Pedro, y con la confianza que
acostumbro tratarle, le pregunté qué novedad era aquella; le pedí su
trabuco, que estaba muy bien cargado, y lo exhorté con modos blan-
dos á la paz: él, dócil á mis instancias, cedió luégo; mandó recoger las
armas, despidió su gente, y fue á tomar sus vestidos acostumbrados,
rogándome alcanzase outro tanto de sus adversarios. Entretanto el P.
Solanellas pasó al campo de los otros, que encontró alrededor de un
gran fuego, y con las mismas disposiciones de guerra; pero, á las persu-
asiones del Padre, ellos también cedieron, y prometieron conservarse
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
cialidade de Kaingang que liderava para os Campos de Vacaria (Relatório de
02/01/1854).
Em 1855, mesmo depois que o Pe. Antonio de Almeida Leite Penteado
assumiu a direção do Aldeamento de Nonoai, a parcialidade do Pã’í mbâng
Nicafim continuava seu protagonismo por meio de incursões guerreiras con-
tra os colonizadores do território, como, também, negavam-se a aldear-se,
motivo pelo qual eram bastante temidos (Correspondência de 04/07/1855,
AHRS). Frente a essas atitudes que Nicafim adotou como forma de reação
aos colonizadores não índios, transcorreu o evento de 05 de dezembro de
1855, na Fazenda Três Serros, relatado pelo Conselheiro Barão de Muritiba:
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
pautas culturais indígenas, não foi muito diferente do ocorrido em período
anterior, conforme podemos observar:
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
estabelecer-se com a sua numerosa familia em terras dos indios, achando-se
na miséria, recorreu ao então Cacique Florêncio que atendeu-o logo, ceden-
do-lhe uma roça de milho, pronta para ser colhida, em troca de outra igual,
que lhe seria dada no ano vindouro” (Relatório de 19/06/1910, In: Laytano,
1957, p. 73, grifo nosso).
Os Kaingang e as suas lideranças que habitavam territórios localizados
em bacias da margem esquerda do Rio Forquilha, também, freqüentemente,
entravam em conflito com indivíduos da Sociedade Nacional. Nesse sentido
temos o seguinte relato:
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Pelo que se observa, acreditamos que, apesar das alianças e das nego-
ciações, de forma alguma os Kaingang e suas lideranças estavam abrindo
mão de seus próprios interesses ou “ocidentalizando-se”, através dos está-
gios propostos pelo Positivismo, como procuravam demonstrar os discursos
de Carlos Torres Gonçalves nas correspondências. O que realmente estava
acontecendo, pelo que se pode depreender, é que os Kaingang estavam inter-
pretando e reinterpretando cada um destes eventos em seus próprios termos,
conforme é possível constatar quando Torres Gonçalves, por exemplo, reúne
as lideranças Candinho e Faustino Doble, no Toldo do Fachinal, e propõe que
um deles, juntamente com a sua parcialidade, abandonasse um dos territórios
para morar no do outro.
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
padre jesuíta que se converteu ao luteranismo, visitou, inicialmente, aldeias
Kaingang no Toldo do Ligeiro e, provavelmente, também, no Toldo do Fa-
chinal, que se encontravam na jurisdição do município de Lagoa Vermelha,
porque menciona, inclusive, o Pã’í mbâng Faustino Doble, que liderava uma
população de quatrocentos Kaingang, conforme o artigo “Indigenas do Rio
Grande”, que publicou no Diário do Rio Grande do Sul (B.S., 1901).
No mês de janeiro de 1901, ocorreu, também, a viagem da professora
Adele Pleitner, da Fundação Evangélica de Hamburgo Velho, que se pronti-
ficou a auxiliar na obra missionária, junto aos Kaingang de Lagoa Vermelha.
No entanto, como os familiares começaram a pressioná-la, como, também,
enfrentou forte oposição da comunidade católica, algum tempo depois, aca-
bou desistindo da façanha.
Concomitante a esta pequena participação de Adele Pleitner, em Lagoa
Vermelha, o pastor Bruno Stysinski, durante os meses de dezembro de 1900
e janeiro de 1901, realiza uma segunda viagem para a região. Porém, agora,
em direção ao município de Passo Fundo. Visita os Kaingang que ocupavam
territórios localizados nas bacias dos rios da Várzea e Passo Fundo, conforme
descrito a seguir:
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Nesse sentido, podemos dizer que tanto as alianças com os não índios,
como as plantações ou a criação de animais obedecem à lógica Kaingang.
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
Estas alianças não eram aleatoriamente estabelecidas com qualquer pessoa.
As lavouras e criações de animais também tinham a sua razão de ser.
Eram, por exemplo, as mulheres que, na maioria do tempo, dedicavam-
-se ao trabalho, enquanto os homens, frequentemente, saíam para a caça, o
que estava plenamente de acordo com as pautas culturais Kaingang. Por-
tanto, apesar das relações interétnicas estabelecidas, persistia uma fronteira
cultural entre as duas sociedades. Até porque, os Kaingang não visavam à
produção de excedentes para o acúmulo capitalista que assolava a região.
Recorrendo ao trabalho de Sahlins, “La pensée bourgeoise: a sociedade
ocidental como cultura”, publicado, num primeiro momento, em 1976, e que
foi incluído numa das recentes obras deste autor, “Cultura na Prática” (2004),
encontramos pertinentes críticas ao economicismo ocidental, que ignora os
códigos culturais de outras sociedades. Crítica que se aplica, também, à situ-
ação da Sociedade Kaingang.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
do Estado, ao narrar que “os índios desse toldo somam 120 famílias com
uma população média de 500 pessoas. Habitavam em miseráveis palhoças,
não têm camas, nem móveis, andam seminus. Seguidamente deixam suas
palhoças e percorrem as florestas para caçar, pescar, roubar. São muito pre-
guiçosos. [...] Cada família tem sua cabana [...]. Reconhecem e aceitam um
chefe a quem obedecem” (Relatório de 16/06/1909. In: RSFD’A, 1910, p.
54-55). Ora, os dados coletados pelo frei Gillonnay, que não são de estranhar,
estão repletos de referenciais etnocêntricos nos quais o “outro” é visto como
alguém a ser “civilizado”. Essa retórica de alteridade generalizante sobre o
“outro” na história da humanidade não é algo novo para a época.
Nesse sentido, François Hartog, ao fazer a crítica ao tratamento dado
pelos gregos ao “outro”, isto é, considerando-o bárbaro, tais como os citas,
persas, egípcios, lídios e hindus, do século V a. C., mesmo considerando suas
especificidades, ilustra a questão:
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
ao Governo de Carlos Barbosa. Defendemos tal interpretação, porque, ainda
no relatório de 16 de junho de 1909, Bruno de Gillonnay registra que “os
índios mesmo pedem ao Governo reconhecer-lhes como propriedade uma
área de terra que sempre ocuparam, situada entre o rio Carazinho, a leste, o
rio Lajeado, a oeste, a superfície de duas léguas quadradas, mais ou menos”
(Relatório de 16/06/1909. In: RSFD’A, 1910, p. 55).
Devido às dificuldades para dar conta da missão com os Kaingang, uma
vez que para a vasta região de Vacaria e Lagoa Vermelha contavam apenas
com os capuchinhos Fidèle de La Motte-Servolex e Afredo de Saint-Jean
d’Arves. Em vista disto frei Gillonnay, após encontrar, em junho de 1909,
Ricardo Zeni, catequista leigo, interveio junto ao Governo do PRR. De con-
creto consegue que Protásio Alves, Secretário de Estado para os Negócios
do Interior e do Exterior, nomeie Ricardo Zeni como professor de catequese
para os índios de Lagoa Vermelha, recebendo, anualmente, 1800$000 de ven-
cimento (Diário Oficial de 18/10/1909, apud Costa; De Boni, 1996, p.339).
No mês de dezembro de 1910, frei Gillonnay visitou novamente as áreas
Kaingang no Toldo do Fachinal. Neste local, foram distribuídas sementes de
milho, feijão, trigo e batatas, o que certamente contribuiu para a continuidade
da aliança com os capuchinhos na visão Kaingang, uma vez que o velho Pã’í
mbâng Faustino Doble tornou-se amigo do frei Gillonnay e passou a chamá-lo
de “papai branco”.
Posteriormente, em janeiro de 1911, empreendeu viagens também pelos
toldos de Ligeiro e Nonoai. Seu principal objetivo era o de observar em que
situação se encontravam, visando, provavelmente, ampliar o trabalho missio-
nário (Relatório de 31/03/1911. In: D’Apremont; Gillonnay, 1976, p. 254-
257).
Parece-nos que, no Toldo Fachinal, os trabalhos dos capuchinhos com
os Kaingang tiveram significados diferentes entre as duas culturas. Indicati-
vos a este respeito podem ser observados durante uma celebração realizada
em 1º/05/1913, conforme segue:
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Figura 2: Kaingang no Toldo Lagoão. Fonte: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
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as proximidades do rio Peperi-Guaçu e instalaram-se em territórios ocupados
por parcialidades das lideranças Nhancuiá e Nonêcofé.
Porém, as decisões de estabelecerem alianças com os não índios ou de
se mudarem para outros territórios, conforme ocorreu com algumas parcia-
lidades Kaingang, não devem ser generalizadas para todas as demais, que
também viviam neste território. Ilustra a situação, na Câmara de Cruz Alta,
o fato de que “no dia 20 do corrente os referidos sahiram no bairro chamado
Santa Rosa e alli assassinaram dois homens e levaram duas mulheres e 8
crianças” (Offício de 20/05/1846. In: RIHGRS, 1931, p. 120). Corrobora
ainda para questão, o relato de Teschauer (1929, p. 275), ao informar que, até
por volta de 1848, ou seja, pouco antes da chegada dos padres da Companhia
de Jesus, “ninguém sabia mais o alcance desta empreza civilizadora do que
os habitantes da villa da Cruz Alta que tinham tanto que soffrer daquelles
selvagens, a cujas injurias e crueldades estavam continuamente expostos”.
Neste contexto, temos a atuação e o protagonismo do Pã’í mbâng No-
nohay, prestigiada liderança Kaingang de sua parcialidade, que, inclusive,
legou seu nome a um vasto território que “forma um polygono irregular de
446 kilometros lineares, devidindo ao Norte pelo Uruguay, ao Sul pela cor-
dilheira onde há mais de meio seculo foi aberta a picada do Sarandy, a Leste
o grande arroio Passo Fundo, a Oeste o rio da Varzea ou Uruguay Puitã,
tributarios do Uruguay” (Silveira, 1909, p. 430,).
Quanto ao território de onde ele e sua parcialidade teriam se originado
e/ou teriam se estabelecido, não há unanimidade por parte dos autores. João
Cezimbra Jacques, por exemplo, escreve em suas notas que, “quando há mais
de 100 anos, passaram os índios kaingangs ou coroados o rio Uruguai, para a
Terra Sul-Rio-Grandense, era um dos seus grandes capitães o notável cacique
Nonoai” (Jacques, 1912). Seguidores dessa linha interpretativa são Becker
(1976a e 1976b) e Mabilde (1983).
Contrapondo-se a essa linha de pensamento, o Pe. Rafael Pérez, com
base na conversa realizada durante uma negociação entre indígenas e coloni-
zadores, narra que “Nonohay estaba sentado con tanta compostura y nobleza
y hablaba con tanta energía y autoridad, que parecía un rey en medio de su
corte. El primer asunto de la conferencía fueron acaloradas reclamaciones
contra la posesión de cierto señor Rocha en estos campos, que ellos tienen
por suyos porque en ellos nacieron y se criaron, y en ellos descansan las ce-
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Esta prestigiada liderança fazia-se notável entre os seus Pã’í, pois trata-
va-se de “[...] um indio docil, com quando, já decrepito ainda era amavel e
se distinguia por estas caracteristicas, dentre os seus companheiros” (Castro,
1887, p.151). Teria vivido, conforme D’Angelis (1984), até meados de 1853,
o que coincide, aproximadamente, com a Correspondência de 18 de agosto
de 1854, do Diretor do Aldeamento de Nonoai, na qual ele já aparecia como
falecido. Outras informações são fornecidas por Fischer (1954, p.16), ao dizer
que o Cacique Nonohay “veio a falecer em 1895, sendo enterrado nas margens
do Arroio do Mel, quase nas costas do Rio Uruguai”.
Além disso, o entrevistado informou que o referido cacique era um ho-
mem de porte pequeno e que teve cinco mulheres, cinqüenta filhos e muitos
netos e bisnetos.
No que tange à idade dessa liderança, acreditamos que não era tão ve-
lha, conforme as condições de vida certamente o faziam aparentar. Razões
para isso são os próprios relatos dos jesuítas, uma vez que, em 1849, num
primeiro momento de contato, o Pe. Bernardo Parés atribuiu-lhe uma idade
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de 120 anos; porém, depois de algum tempo de convivência, é possível que
tivesse se dado conta do engano, porque o Pe. Solanellas mencionou Nonohay
como um cacique de 80 anos.
Referente à época de sua morte, inclinamo-nos a acreditar que tenha
ocorrido por volta de 1853, segundo os informes de D’Angelis (1984) e da
Correspondência de 18 de agosto de 1854. Defendemos essa possibilidade,
porque, se procurarmos estabelecer uma cronologia a respeito de Nonohay,
verifica-se que, em 1772, era um dos filhos guerreiros do Pã’í mbâng Fonden-
gue, que, provavelmente, não tinha mais do que uns 18 ou 19 anos. Em 1849,
quando os jesuítas chegaram aos territórios da margem esquerda da bacia
hidrográfica do Rio Passo Fundo, ou seja, setenta e sete anos depois, o indi-
cativo é esta liderança devia ter entre 95 e 96 anos de idade, embora pudesse
aparentar mais. Seguindo esse raciocínio, é possível inferir que, na ocasião de
sua morte em 1853, era um ancião de aproximadamente 100 anos.
Quanto à data, 1895, fornecida por Fischer para a morte do Pã’í mbâng
Nonohay, acreditamos que seja pouco provável, porque o referido líder estaria
com 142 anos, uma idade bastante difícil de ser atingida por um homem,
devido às frequentes adversidades advindas com o projeto colonizador e as
frequentes guerras com as parcialidades Kaingang inimigas. Ao tomarmos
como referência a tradição oral do grupo, é preciso considerar que esses indí-
genas, por um lado, tinham por hábito contar a idade pelos nós da taquara6 e,
por outro, podem, atualmente, estar ressignificando os sentidos dos eventos
apoiados em seus mitos para darem conta dos novos elementos e situações
que estão vivenciando.
A atuação do Pã’í mbâng Nonohay, levando adiante a política das alian-
ças e negociações com os colonizadores, seguindo a nova lógica adotada pela
parcialidade que liderava, vem coincidir justamente com a legislação imperial
do Regimento das Missões. Na tessitura desses acontecimentos é que, em
1845, o Pe. Antônio de Almeida Leite Penteado dava os primeiros passos em
direção à catequese e ao aldeamento dos Kaingang das imediações de Passo
Fundo, distribuindo roupa, fazenda, etc (Relatório de 1º/03/1846).
Nessa mesma época, segundo Silveira (1909, p. 437), teria vindo do Pa-
raná o Sr. João Cypriano da Rocha Loures, que “transpoz o Uruguay no pas-
6
Segundo Maximiliano Beschoren (1989,) e Wanda Hanke (1947), esses nós formam-se depois
do seu reflorescimento, o qual ocorre, dependendo da espécie, somente a cada trinta e cinco anos.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Quanto aos doze indivíduos que foram a Porto Alegre, conforme se de-
preende da Correspondência do Pe. Solanellas, de 26 de fevereiro de 1851,
tratava-se, na maioria, de lideranças Kaingang, que estavam representando
as respectivas parcialidades nas negociações com os não índios. Com este
tipo de aliança, entende-se que, além dos benefícios conseguidos, como vesti-
dos, tirantes, sapatos, ponchos, capas, entre outros, almejavam também que a
força armada em questão atuasse como órgão mediador para evitar a guerra
entre as parcialidades de várias lideranças Kaigang estabelecidas no Aldea-
mento de Nonoai. Contudo o objetivo principal que esperavam dessa força
era tê-la como aliada para lutar contra as parcialidades inimigas do grupo do
Pã’í mbâng Nonohay e assim aumentar seu prestígio. Essa intenção fica bas-
tante evidente nas observações sobre os “bugres” apresentadas à Câmara de
Porto Alegre, conforme segue:
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
[...] los mismos bugres reclaman esta fuerza porque sin ella no se creen
seguros, no solo por las desavencias que naturalmente debe producir
la reunión de tantos jefes independientes unos de otros, mas también
porque saben que los no reducidos son enemigos de los reducidos
(Pérez, 1901, p. 896).
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
[...] rehusan formar una sola aldea con los otros, y la razón es que no
hay recursos bastantes para sostener tanta población reunida: esto es
cierto, pero la principal es la que nos ha significado varias veces el
viejo Nonohay, diciendo que él por sí está dispuesto para residir aquí,
mas que se recelaba de su gente joven y briosa, la cual á la hora menos
pensada podría promover riñas con la gente de otros jefes y compro-
meter la armonia y buena inteligencia que actualmente reina entre
todos (Pérez, 1901, p.566).
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
amento de Nonoai. O padre informa também que, junto com o Pã’í mbâng
Canhafé, trabalhavam os indígenas chamados de Criquincha, Caembé, Ñandi,
Nonnemí e Arimbenk, que faziam roças de meio alqueire cada um (Correspon-
dência de 29/10/1849, AHRS). É possível que as parcialidades do Pã’í mbâng
Canhafé, assim como os demais grupos Kaingang, em função das negociações
com os colonizadores, circulassem entre seu toldo originário e o Aldeamento
Nonoai em formação. Nesse sentido, a Correspondência de 08 de março de
1850, do Pe. Parés ao Presidente da Província, comunica que a parcialidade
de Canhafé, ao receber a notícia de que o referido religioso visitaria o Aldea-
mento, começou a retornar para Nonoai.
Logo em seguida, a Correspondência de 1º de junho de 1850, do Pe. San-
tiago Villarrubia ao Pe. Juan Coris, informa que, por causa de uma mulher,
alguns indivíduos da parcialidade de Canhafé indispuseram-se com Kaingang
da parcialidade do Pã’í mbâng Nicafim e, em pouco tempo, ambas armaram-se
de arcos, flechas, lanças, clava-bastões, porretes, etc, prontas para guerrear.
A situação criada somente não se tornou insustentável, porque o jesuíta in-
tercedeu e persuadiu-os a negociarem a paz em troca de roupas e de outros
objetos, que eram de interesse dos indígenas. Sobre a natureza bélica presente
na vida desses nativos, o Pe. Santiago Villarrubia tece o seguinte comentário:
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
respeito são fornecidas por Pinto Bandeira, ao relatar que o indígena Condá,
ainda criança, esteve no Aldeamento de Guarapuava e estabeleceu relações
amistosas com o então menino Francisco da Rocha Loures, filho de Capitão
Antonio da Rocha Loures, que era o braço direito de Diogo Pinto na con-
quista dos territórios. Passado algum tempo, entretanto, Condá “retrahindo-se
aos bosques se tornou formidavel e temido entre os seus” (Bandeira, 1851,
p. 394).
O Pe. Julian Solanellas, que teria contatado com ele por volta de 1850
no Aldeamento de Nonoai, em Correspondência ao Padre Superior Mariano
Berdugo, relata o seguinte:
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
de selvagens [...] commandada por – Condá – a qual tantos receios causava,
por estar até então estabelecida em uma campina chamada Iranin, a duas
leguas no sertão”.
Em vista dessa aliança estabelecida com os colonizadores, também po-
demos entender tanto a ida de Condá, por volta de 1843, a São Paulo a fim
de negociar com as autoridades provinciais, quanto a colaboração prestada
por ele a Francisco da Rocha Loures, em fins de 1845 e inícios de 1846, em
sua viagem aos Campos de Nonoai, no Rio Grande do Sul. Acerca dos des-
dobramentos resultantes das alianças e negociações que o Pã’í mbâng Condá
realizou quando foi a São Paulo, o Relatório de 1844, do Presidente da Pro-
víncia registra que ele recebeu a quantia de 220$000 para perseguir tribos
ditas “selvagens” da região de Palmas, como também, logo em seguida, “foi
nomeado comandante dos índios que reduzisse o que dá à sua condição de
bugreiro um caráter oficial” (apud Moreira Neto, 1972, p. 390).
Tal atribuição, em nosso entender, não era tão simples como parece e
mascara o próprio discurso da historiografia sobre os indígenas no período,
uma vez que as investidas guerreiras contra as parcialidades inimigas entre os
próprios Kaingang faz parte da cultura do grupo. Nesse sentido, recorrendo
ao estudo de Clastres (1981) como fundamentação teórica, podemos dizer
que as atitudes tomadas pela liderança Condá nesses eventos não significaram
que ele tivesse passado para o lado dos colonizadores, mas, sim, atendendo
aos interesses da parcialidade e do grupo Kaingang a que pertencia. Em vista
disto, temos:
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primeiro ao segundo. Nesse sentido, o narrador discorre sobre a apreensão
da liderança Condá em relação às parcialidades inimigas, que poderiam re-
alizar investidas guerreiras no Aldeamento a qualquer momento, uma vez
que o destacamento da Companhia de Pedestre, composto por apenas nove
homens, não era suficiente para impor respeito, conforme segue:
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Observa-se que o colaboracionismo desempenhado por Condá junto
aos colonizadores somente se concretizava, quando se vinculava aos parâ-
metros da política indígena, pois, como as lideranças perseguidas já tinham
restabelecido a aliança com a parcialidade de Condá, as negociações com as
autoridades rio-grandenses foram preteridas. Em vista dessas perseguições,
ocorreu também uma ruptura do colaboracionismo de Condá com o governo
da Província, conforme relata o Presidente Jeronymo Francisco Coelho, in-
formando que O Cacique Victorino Condá aparentado com Nicofé e Manoel
Grande, em conseqüência da perseguição a estes movida, retirou-se com a
sua tribo para os campos de Palmas, a unir-se aos aldeamentos que alli há
por conta do governo provincial do Paraná (Relatório de 15/12/1856, p. 103-
104).
De volta ao Paraná, o Pã’í mbâng Condá, após negociar com as autori-
dades, retomou sua antiga função de colaboracionista, a fim de resolver pro-
blemas com as parcialidades de grupos Kaingang arredios, segundo discorre
o Diretor Geral dos Índios da Província do Paraná, Francisco Ferreira da
Rocha Loures, em seu relatório:
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
de Paula, objetivavam uma audiência com o Dr. Carlos Barbosa, presidente
do Estado, a fim de “reclamar contra as perseguições de que são victimas
constantemente por parte de intrusos, pretendendo desalojal-os das suas ter-
ras” (Relatório de 27/08/1909, AHRS).
Há indicativos de que este encontro foi considerado bastante satisfatório
pelas referidas lideranças, que tiveram o pedido de demarcação dos territó-
rios atendido e, seguindo sua própria lógica, projetaram, em Carlos Barbosa,
a figura de um Pã’í mbâng, que liderava os não índios, porque começaram a
tratá-lo de “Papai Grande”. Informações sobre este encontro também foram
publicadas no Jornal Correio do Povo, conforme segue:
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Outro dado que merece atenção envolve o pastor Stysinki (1902, p. 170),
que visitou os toldos Nonoai e Serrinha. Acreditamos que o referido missio-
nário, após observado pelos Kaingang, foi também cogitado para contrair
aliança com o grupo, uma vez que o Pã’í mbâng Manoel de Oliveira, liderança
do Toldo da Serrinha, numa roda de chimarrão com o pastor, “ofereceu com
gesto de simpatia e gratidão a mão de sua filha” em casamento e informou
inclusive, “que uma outra filha está casada com um coronel em São Paulo”.
Acerca de situações envolvendo fronteiras étnicas entre os Kaingang, as
quais nos parecem ser bastante fluidas, semelhantes às que ocorreram com
os Kaingang que ocupavam territórios das bacias do Rio Piquiri, temos a
seguinte narrativa:
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exemplo, de um filho do Pã’í João, que até mesmo jantou com os luteranos. É
possível pensar que os Kaingang estavam, certamente, realizando um ritual
de comensalidade que, pela lógica Kaingang, é comum com as pessoas de sua
convivência.
Porém, passado algum tempo, as relações dos Kaingang e de suas lide-
ranças com os referidos missionários começaram a mudar, conforme ilustra
o Relatório de 1904:
O motivo é que muita gente destes campos, tem estado a nos fazer
suspeitos ao Cacique Manoel Oliveira e a frente delle, somos ainda
hoje fez um tal Manoel em presença de 10 indios e do cacique. Não
possuimos pessoalmente a confiança de todos os habitantes do toldo
e não temos receio que corramos riscos; mas, é natural que em conse-
qüência de tais suspeições, nossa autoridade e influencia diminuirão
e os trabalhos para instrucção e educação soffram dannos (Relatório
de 19/08/1904, AHRS).
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Redes de atuação e movimentações de grupos étnicos Kaingang
de Montsapey, da Província de Sabóia, chegam, no início do ano de 1896,
ao Rio Grande do Sul e se instalam em Conde d’Eu (atualmente Garibaldi).
Logo depois, em 1898, novos missionários, como Alfredo de Saint Jean-d’Ar-
ves, Fidèle de La Motte-Servolex, Bernardino d’Apremont e Germano de
Saint-Sist, acompanhados de um grupo de seminaristas franceses que esta-
vam no Líbano, também vieram para ampliar a área de atuação religiosa
(Zagonel, 1975).
Em 1900, ampliando o trabalho, começam a atender a população dos
Campos de Cima da Serra, nas paróquias de Vacaria e Lagoa Vermelha. É
neste momento, então, que se deparam com os Kaingang que viviam em
territórios das Bacias Hidrográficas dos Rios Lageado e Forquilha. Sobre os
primeiros contatos travados com estes nativos, encontramos referências, ini-
cialmente, numa carta, de dezembro de 1903, do frei Fidèle de La Motte-Ser-
volex, a qual, parafraseada por Paulo Ricardo Pezat, informa o seguinte:
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-grandense, constatamos, que tanto com os jesuítas, em meados do século
XIX, como com os capuchinhos e luteranos, nos primeiros anos do século
XX, e com os funcionários da Diretoria de Terras e Colonização, os Kain-
gang e seus líderes aceitaram as negociações propostas, mas orquestraram
a aliança de acordo com a sua cultura. Isto é, enquanto estavam recebendo
alimentos, objetos, sementes e, principalmente, proteção em relação às par-
cialidades inimigas, permaneceram nos toldos; porém, após os seus objetivos
terem sido atingidos e as necessidades supridas, muitos desses nativos deixa-
vam o local.
Considerações finais
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Situação semelhante acontece com o pastor luterano Bruno Stysinski, a pro-
fessora Adele Pleitner e os missionários Curt Haupt e Otto von Jutrzenka,
que, entre 1900 e 1904, no Rio Grande do Sul, procuraram desenvolver uma
missão religiosa com os Kaingang. Ou seja, inicialmente o pastor Bruno e a
professora Adele mantiveram contato com os Kaingang do Toldo Ligeiro e,
provavelmente, também com os do Toldo Faxinal, em Lagoa Vermelha, mas
estes toldos já contavam com a presença dos capuchinhos. Em vista disso, o
pastor Stysinski e os missionários Haupt e Jutrzenka passaram a dedicar-se
a missionar os Kaingang que viviam em territórios da Bacia Hidrográfica
do Rio Passo Fundo, principalmente, os do Toldo Serrinha. Num primeiro
momento, os Kaingang não se opuseram ao contato, mas, com o passar do
tempo, começaram a ser hostis, pelo fato de avaliarem a situação em seus
próprios termos.
Para finalizar, ao tratar da temática indígena, embora não tenha sido o
enfoque da análise, salienta-se a falta de políticas efetivas e adequadas aos
Kaingang, na atualidade, no que se refere à revitalização de sua cultura e à
realidade de marginalização social e econômica a que eram e são expostos,
sobretudo, no que se refere à necessidade de territórios mais amplos e demar-
cados. A terra não demarcada, por exemplo, é argumento constantemente
usado para justificar a ausência de atenção primária por parte dos órgãos
públicos responsáveis. Como se não bastasse, são tratados como sociedade
transitória, o que não tem mais sustentação, como muito bem ilustram os
eventos indígenas analisados em territórios da Bacia Hidrográfica do Rio
Passo Fundo e adjacências, onde, ao contrário de transitoriedade, a história
e a continuidade da cultura Kaingang apresentam-se como uma realidade
constante, atual e que estão aí para ficar.
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Os portugueses e luso-brasileiros
em Passo Fundo
Welci Nascimento1
Introdução
1
Bacharel em Ciências Jurídicas e sociais, licenciado em pedagogia pela Universidade
de Passo Fundo. Exerceu magistério por 35 anos. Membro da academia Passo-fundense
de Letras e do Instituto Historio de Passo Fundo. Autor de várias obras sobre história de
Passo Fundo.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
O descobrimento...
Nossos professores nos ensinaram, nas aulas de história, que foi Pedro
Alves Cabral, navegador português, que descobriu o Brasil, porque ele teria
se afastado, demasiadamente, da costa africana e, em consequência, veio dar
por aqui, no ano de 1500. Em seguida, ele ergueu uma grande cruz para mar-
car posse da terra.
Diz-se que o navegador buscava um ponto de apoio para alcançar as
Índias, lugar de muitas especiarias e condimentos. Na rota, a esquadra por-
tuguesa procurava evitar as calmarias, isto é, as faltas de ventos, no caminho,
rumo ao Oriente, porque essas tais de calmarias deixavam as caravelas à de-
riva, junto à costa.
Dizem que os portugueses, donos dos mares, naquela época, já sabiam
da existência de novas terras. Pedro Álvares Cabral vinha com uma super
esquadra, para marcar a posse e foi, logo, em direção às Índias, seu objetivo.
Trinta anos depois, os portugueses, com mais de 400 tripulantes, em
cinco grandes navios, aqui chegaram, trazendo plantas, sementes, animais.
Era a primeira expedição portuguesa, que vinha para ficar.
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Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
O arquipélago...
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Chegam os açorianos...
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Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
Influência portuguesa
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
do Sul antigo aquele homem alto, espadaúdo, de porte elegante e ágil, de tez
e cabelos claros. ” (Hilaire; Cardim; Pena; Garcia; Abreu; Caetano, 1939).
Trabalhadores, alentados pela presença de mulheres de vontade rija, de-
votados ao meio familiar, os açorianos, em um verdadeiro milagre de adap-
tação ao meio, far-se-ão dentro de pouco tempo, nos nossos campos, os cava-
leiros e soldados destemidos e galhardos.
“Poucos e simples, os divertimentos nos galpões, os gaúchos dançavam
o fandango, que iriam gradualmente invadindo recintos mais elevados. Can-
tavam e bailavam à moda portuguesa, o tatu, a chimarrita, a tirana, ao som
da viola, os poetas populares iam criando uma poesia popular”. “Na base de
uma economia pobre, a sociedade rio-grandense se desenvolvia lentamente,
sem surtos, sem desníveis” (Hilaire; Cardim; Pena; Garcia; Abreu; Caetano,
1939).
A imaginação popular teceria suas lendas: o boitatá, por exemplo, e a
mais bonita de todas, a do Negrinho do Pastoreio.
Os açorianos eram destinados à agricultura. Basta ver que as famílias
açorianas que vieram morar em Passo Fundo sabiam lidar com leitaria. Fo-
ram trabalhar nas chácaras existentes nos arredores da cidade. No bairro Vera
Cruz, no Valinho, na Vila Santa Marta, por exemplo, muitas famílias vindas
das Ilhas Açores, ali se estabeleceram, trabalhando nas áreas agrícolas em
pequenas chácaras, pois sabiam lidar com a terra em pequena escala.
Ao longo do tempo se misturam Ilhéus com paulistas de várias proce-
dências, paranaenses, catarinenses, povoadores primitivos de Viamão, reti-
rantes da Colônia do Sacramento, lusos e espanhóis. As famílias rio-gran-
denses, nesse tempo distante, apresentam uma grande variedade genealógica.
Muitos hábitos contrastaram com a vida pacata dos nossos irmãos açorianos.
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Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
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Os curitibanos portugueses
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Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
Planta da Freguesia de Passo Fundo, em 1853, elaborada por Manoel José das Neves.
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Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
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Está completando 94 anos de idade, conversa muito bem e tem boas lembran-
ças de sua terra natal.
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Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
João Henrique de Matos, com sua esposa Elisabeta de Matos, ilhos e netos, por
ocasião da comemoração de seus 90 anos.
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Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
Outra figura ilustre, português, que leva o nome de uma rua na nossa
cidade é Eduardo de Brito, um dos primeiros professores da cidade. O Pe.
Ramos que antecedeu ao Pe. Guedes de Passo Fundo era português de nas-
cimento. Ele integrou a comissão de abolicionista de Passo Fundo. A ideia
abolicionista surgiu impetuosamente, avassalando o município, inspirada no
espírito liberal. “A escravidão é uma vergonha para o Brasil”, diziam.
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Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
130
Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
ados por João Henrique de Matos e seu irmão José Henrique de Matos, bem
como Manuel Bitencourt e seu primo Adriano Bitencourt; outros dois brasi-
leiros amigos dos portugueses doaram mais dois terrenos (Angelim Bona e
Fidélis Bona).
João Henrique participou junto com outros portugueses na construção
da Catedral Nossa Senhora Aparecida fazendo doação de valores para con-
tribuir quando estava na parte do telhado da mesma.
E também da mesma forma a Comunidade Portuguesa reuniram dinhei-
ro para comprarem e mandarem vir a imagem de Nossa Senhora de Fátima,
que está na Igreja de mesmo nome no Bairro Fátima.
Considerações finais
131
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
132
Os portugueses e luso-brasileiros em Passo Fundo
Referências:
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Os afro-descendentes em
Passo Fundo
Alessandro Batistella1
Odorico José Ribeiro2
Introdução
135
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
3
Na região do Planalto Médio privilegiou-se a formação da grande propriedade a partir da conces-
são de amplas extensões de terras aos soldados a serviço da Coroa, que se tornarem estancieiros,
dedicando-se, sobretudo, à pecuária, sem prescindir do uso de mão-de-obra escrava (Santos, 2009,
p. 132).
136
Os afro-descendentes em Passo Fundo
das Neves, conhecido como Cabo Neves4, após obter a concessão no final
de 1827 ou início de 1828, chegou à região trazendo consigo família, escra-
vos e gado. Inicialmente, Cabo Neves fixou a sua moradia provisória junto à
nascente do arroio que os índios conheciam por Goiexim (onde atualmente
se localizam as esquinas das ruas Uruguai e Dez de Abril). Posteriormente,
Cabo Neves edificou sua moradia definitiva nas proximidades da atual Praça
Tamandaré, dando origem a uma modesta fazenda agropastoril5 (D’Ávila,
1996, p. 49-52).
Na década de 1830, o local escolhido por Cabo Neves deu origem a um
pequeno povoado, que servia de pouso para os tropeiros que percorriam a
rota que ligava os campos de Vacaria a São Borja por meio do Planalto Mé-
dio. Na década de 1830, esse povoado, que passa a ser conhecido como Passo
Fundo6, vai sendo lentamente ocupado, sobretudo por paulistas da Comarca
de Curitiba.
Em 1847, ano em que o povoado de Passo Fundo – que formava o 4º
Distrito de Cruz Alta – foi elevado à condição de freguesia7, passando a de-
nominar-se Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Passo Fundo, a
população local era estimada em 1.159 pessoas (Rückert, 1997, p. 60). No en-
tanto, como esse recenseamento era realizado pela Igreja Católica, devemos
salientar que esses números desprezavam os caboclos – que se encontravam
dispersos pelas zonas florestais e não frequentavam a igreja –, assim como a
população indígena da região.
Ademais, também não se tem informações acerca do número de afro-
-descendentes escravizados ou libertos em Passo Fundo neste período.
Contudo, não há dúvidas de que o trabalho escravo era utilizado em Passo
Fundo, sobretudo nos latifúndios da região, pois, diante da baixa oferta da
4
Nascido em Curitiba por volta do ano de 1790, Manoel José das Neves servia em um regimento
de milícias na fronteira sul e lutou na Guerra Cisplatina (1825-1828), quando solicitou um lote de
terras na região do “caminho das tropas”, no Planalto Médio, junto ao comandante da fronteira em
São Borja.
5
No entanto, não se pode esquecer que, muito antes da chegada do Cabo Neves, a região já era
ocupada pelos povos originários e por caboclos (Rückert, 1997, p. 51-52).
6
Na região do Planalto Médio os tropeiros precisavam atravessar um rio chamado pelos kaingang
de Goio-En (que significa “rio fundo”, “águas profundas” ou “muita água”), rebatizando-o como
rio Passo Fundo – nome que deu origem à cidade.
7
Naquela época, “freguesia” correspondia à população que vivia em torno de um templo católico,
assistido por um padre. A passagem de “capela” a “paróquia”, isto é, a elevação de povoado à
freguesia, em virtude da não-separação entre Igreja e Estado nos tempos do Império, era um ato
conjunto da administração civil e da administração eclesiástica.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
População População Nº de
Município % de escravos
total livre escravos
Porto Alegre 38.140 29.723 8.417 22,06%
Jaguarão 18.055 12.999 5.056 28%
Pelotas 17.681 12.893 4.788 27,07%
Rio Grande 24.251 19.882 4.369 18,01%
Cruz Alta 30.503 26.484 4.019 13,17%
Bagé 16.358 12.342 4.016 24,55%
Fonte: Zarth apud Santos (2009, p. 130).
138
Os afro-descendentes em Passo Fundo
Sherol dos Santos (2009, p. 130) observa que embora as áreas de maior
concentração de mão-de-obra cativa são as que possuem suas atividades
econômicas ligadas a um centro urbano (Porto Alegre) ou às charqueadas
(Jaguarão, Pelotas e Rio Grande), as regiões cuja principal atividade econô-
mica era a pecuária (Cruz Alta e Bagé) também possuíam um contingente
significativo de escravos, o que demonstra a importância do escravismo na
atividade pastoril.
Henrique Kujawa (1998, p. 58-59) lembra que além do argumento de
que o trabalhador escravizado era pouco utilizado no Rio Grande do Sul,
também é comum encontrarmos em algumas obras o discurso do mito da
democracia racial, que afirma que os poucos escravos que viviam no estado
eram bem tratados, considerados iguais aos seus senhores, inclusive toman-
do chimarrão no mesmo galpão e na mesma cuia. Ainda segundo Henrique
Kujawa (Ibidem, p. 59): “Pouco se sabe sobre a especificidade da relação
entre escravos e senhores de escravos em Passo Fundo; as fontes oficiais não
registravam e a historiografia regional, em grande parte, compactuou com o
mito da democracia racial”.
Salvo engano, os primeiros dados sobre o número da população de es-
cravos em Passo Fundo foram obtidos por meio do recenseamento popula-
cional de 1859 – realizado após a emancipação política de Passo Fundo, em
1857 –, no qual se constatou que os escravos representavam quase 20% da
população local.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
População do Nº de escravos no
Distrito
Distrito Distrito
1º: Vila de Passo Fundo 1.826 281
2º: Campo do Meio 665 147
3º: Alto Uruguai 464 79
4º: Jacuizinho 1.310 315
5º: Restinga 1.194 217
6º: Soledade 1.311 315
7º: Lagoão 1.451 345
Total 8.221 1.699
Fonte: Rückert (1997, p. 89).
140
Os afro-descendentes em Passo Fundo
Tabela 3 – Número de escravos nos inventários post-mortem de
Passo Fundo
8
A atafona era um moinho natural, movido por animais, onde se preparava farinhas de mandioca,
milho e trigo.
141
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Mormaça
Arvinha
Sede do município
9
Heron Lisboa de Oliveira (2014, p. 19) lembra que a comunidade Mormaça foi reconhecida em
2004, enquanto a comunidade de Arvinha foi reconhecida em 2006.
10
O coronel Francisco Barros de Miranda era paulista radicado em Passo Fundo, latifundiário e
importante membro da elite local. Proprietário da quase totalidade do então 3º Distrito de Passo
Fundo (Alto Uruguai). Foi um dos líderes do Partido Liberal em Passo Fundo. Foi casado com
Maria Prudência de Souza, que faleceu em 1876. No inventário de sua esposa, aberto em 1876,
consta que o casal possuía 2.643 animais (entre eles destaca-se 1.284 reses de criar e 850 éguas) e
oito escravos (três homens, quatro mulheres e uma criança). O coronel Miranda faleceu em 1890,
dois anos após a abolição da escravatura, em 1888, o que dificulta precisar o número de cativos que
possuiu. (Cf. Santos, 2009, p. 133-134).
11
Inicialmente integrante do 3º Distrito de Passo Fundo, a emancipação e a criação do município
de Sertão ocorreu em 1963.
142
Os afro-descendentes em Passo Fundo
85%) e Coxilha12. De acordo com o pesquisador, o nome Arvinha deve-se a
existência de uma árvore, um pé de cambará no local.
143
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Os afro-descendentes em Passo Fundo
O nome “quilombo da Mormaça” deve-se à sua líder, Francisca Vieira
(filha de Firmina e Elisbão Vieira), conhecida como “Chica Mormaça” (Oli-
veira, 2014, p. 48-52).
Se por um lado os memorialistas locais não deram à devida atenção à
questão da escravidão em Passo Fundo, por outro lado enfatizam a história
do abolicionismo na cidade22, enaltecendo, assim, a “piedade do povo passo-
-fundense”, sensibilizado com as agruras da condição servil, compactuando,
dessa forma, com o mito da democracia racial.
De qualquer forma, apesar da referida campanha abolicionista no muni-
cípio – que obteve poucos resultados – há que se ressaltar que
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
A lenda da Mãe Preta tem sua origem ligada a uma escrava do Cabo
Neves, supostamente chamada de Mariana:
[...] Diz-se que Mãe Preta era escrava do Cabo Manuel José das Neves,
que primeiro aqui se estabeleceu e era senhor daquelas glebas. Mãe
Preta tinha um filho único, que era a sua alegria. Certa vez, o jovem
fugiu de casa e não voltou, causando a morte de sua mãe. Das lágri-
mas da Mãe Preta teria brotado a fonte. Antes de morrer, Mãe Preta
foi visitada por Jesus-menino, o qual lhe disse que não chorasse mais,
porque seu filho se encontrava na mansão celeste. Jesus ter-lhe-ia dito
ainda: em recompensa de tua dor, pede o que quiseres que de darei.
Mãe Preta então pediu: dá-me a felicidade de ir para junto de meu
filho. Mas, como lembrança, quero deixar esta fonte para que todo
aquele que a beba retorne sempre a este lugar (Cafruni, 1966, p. 76-
77).
146
Os afro-descendentes em Passo Fundo
zado tanto pelos tropeiros quanto pela comunidade local. Em suas nascentes
foi erguido, em 1863, um chafariz (ou uma bica), que serviu para o abaste-
cimento de água da Vila de Passo Fundo, transportado pelos escravos, que
iam ao local buscar a água que abastecia as casas dos seus senhores. Por esse
motivo, em meados do século XIX, o local também ficou conhecido como
“chafariz dos escravos do arroio Lava-pés” (Batistella; Baccin, 2016, p. 113).
Portanto, a lenda kaingang da Mãe Goiexim foi apropriada, reelaborada
e ressignificada pelos escravos afro-brasileiros que constantemente iam ao
arroio Lava Pés buscar água, dando início à lenda da Mãe Preta.
Acerca da construção do chafariz do arroio Lava-pés (que passaria a ser
conhecido como chafariz da Mãe Preta), consta que a primeira construção
data de 1863. Posteriormente, em 1925, durante a administração do inten-
dente Armando Araújo Annes, o chafariz foi reconstruído, com muros de
proteção, bicas, telhado e os tanques para o trabalho das lavadeiras (a maioria
delas afro-brasileiras).
147
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
148
Os afro-descendentes em Passo Fundo
Imagens 5 e 6: chafariz da Mãe Preta
149
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
150
Os afro-descendentes em Passo Fundo
26
Em 1889, o governo imperial idealizou a construção de uma ferrovia que ligasse São Paulo ao Rio
Grande do Sul. Dessa forma, em 1891 foram aprovados estudos para a construção do trecho Santa
Maria – Cruz Alta – Passo Fundo – Marcelino Ramos, que permitiria a ligação com a rede férrea
Paraná-Santa Catarina e Itararé-São Paulo. Em novembro de 1894 foi inaugurado o primeiro trecho,
com 160 km, entre Santa Maria e Cruz Alta. Em fevereiro de 1898, o trecho Santa Maria – Cruz
Alta –Passo Fundo foi concluído (Tedesco, 2015).
151
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
27
Localizado na região do Umbu, próximo ao distrito do Pulador, o Saladeiro São Miguel manteve
as suas atividades entre os anos de 1914 a 1932. Mais detalhes, ver o artigo de Sandra Mara Ben-
vegnú (2010).
152
Os afro-descendentes em Passo Fundo
ciedade Italiana (fundada em 1901)28, o Clube Comercial (fundado em 1912)
e a Sociedade Alemã (fundada em 1913)29. Assim, organizaram uma socieda-
de étnica: o Clube Recreativo Visconde do Rio Branco.
Certo dia chegou um circo na cidade, cujo palhaço era negro de nome
Claro Severo. Na banda que animava o espetáculo havia alguns mú-
sicos que pertenciam à comunidade negra, como meu pai Francisco
Bernardo da Cruz, que se tornou amigo do palhaço.
Num dia de folga, o palhaço saiu para passear, conhecer a cidade, visi-
tando diversos pontos a procura de um clube de negro e não o encon-
trou. À noite, antes do espetáculo começar, em conversa com o pai
(Francisco), perguntou: onde se localizava o clube dos negros? Meu
pai respondeu: aqui não tem. Então o palhaço sugeriu à comunidade
fundar um clube, sugestão esta que foi bem acatada por todos. Foi
marcada, uma reunião para tratarem deste assunto, a qual foi realiza-
da na casa do Sr. João Bernardo da Cruz, no dia 23 de abril de 1912.
Nesta reunião estiveram presentes os seguintes senhores: João Bernar-
do da Cruz, Cândido Bernardo da Cruz, Eduardo de Almeida, Bento
Isaías, Francisco Bernardo da Cruz (meu pai), Domingos Teodoro de
Almeida, João de Almeida, Pedro Dionísio de Navarro e outros. Re-
solvida a fundação do clube, foi marcada uma nova reunião, a ser rea-
28
Em 1938, em virtude da Lei de Nacionalização do Estado Novo (1937-1945), a Sociedade Italiana
passou a se chamar Clube Caixeiral.
29
Em 1938, também em virtude da Lei de Nacionalização do Estado Novo, a Sociedade Alemã
transformou-se no Clube Recreativo Juvenil.
30
Adyl da Cruz é filho de Francisco Bernardo da Cruz.
153
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
154
Os afro-descendentes em Passo Fundo
carnavais em alguns clubes ou sociedades, assim como também bailes à fan-
tasia, matinês infantis, concursos de beleza e, sobretudo, os desfiles dos blo-
cos carnavalescos e dos corsos (carros alegóricos) pelas praças e ruas centrais
da cidade, onde ocorriam guerras de flores, confetes e serpentinas.
Havia uma grande ri- Imagem 12: desile de corsos em Passo Fundo
validade entre os blocos car- (carnaval de 1929)
navalescos em Passo Fundo.
Nesta época destacavam-se
o Bloco 21 (que representa-
va o Sport Club Gaúcho),
o Bloco 25 (que represen-
tava o Clube Comercial e o
Grêmio Esportivo Recrea-
tivo 14 de Julho) e o Bloco
33 da Pontinha (vinculado
ao Clube Visconde do Rio Fonte: acervo de Antônio Augusto Meirelles Duar-
Branco e criado no final da te. Disponível em: projetopassofundo.com.br
década de 1920), entre inúmeros outros. Cada bloco desfilava pelas ruas da
cidade com seu estandarte e entoando as suas marchinhas.
Imagem 13: Bloco 33 da Pontinha (década de 1930) Na década de 1950,
o Clube Visconde do Rio
Branco organizou a pri-
meira escola de samba da
cidade, que desfilava, jun-
tamente com os outros
blocos carnavalescos, pe-
las ruas de Passo Fundo.
Também na década
de 1950, surgiu em Passo
Fundo a Escola de Sam-
ba Garotos da Batucada,
que se originou a partir
de uma dissidência do
Fonte: www.projetopassofundo.com.br Visconde do Rio Branco.
A Escola Garotos da Ba-
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
156
Os afro-descendentes em Passo Fundo
Considerações finais
Referências
157
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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158
A presença dos imigrantes alemães
no espaço urbano em Passo Fundo
Introdução
1
Doutora em História. Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de
Passo Fundo. Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq Núcleo de Estudos de História da Imigração
(NEHI). Membro do Instituto Histórico de São Leopoldo (IHSL) e Asociación de Historiadores
Latinoamericanistas Europeos (AHILA).
2
Doutora em História. Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de
Passo Fundo.
159
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
160
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
toriografia sobre Porto Alegre indica que, no final do século XIX, a cidade
já se transformara no maior centro urbano e comercial do Estado. Abrigava
uma população variada, atraída por maiores possibilidades de trabalho ou de
investimentos. A capital e outros centros urbanos tornaram-se o locus privile-
giado de instalação de uma classe média emergente, dentre a qual se incluía
um significativo número de imigrantes alemães e/ou seus descendentes.
O crescimento econômico e urbano resultou em transformações na es-
trutura social do Estado. Esta, que até então revelara escassas perspectivas
de mobilidade social, tornou-se mais complexa quando o contingente de
imigrantes e seus descendentes passou a participar ativamente da economia.
Criaram-se possibilidades de ascensão social, restritas até então somente aos
grandes fazendeiros, os quais, embora tivessem mantido o controle político
no Estado durante todo o Império e o período da Primeira República, per-
diam terreno, progressivamente, no campo socioeconômico. Os novos setores
emergentes passaram a merecer atenção dos governantes, unindo-se muitas
vezes a estes, na defesa de interesses comuns (Picollo, 1989).
Ao tratar da presença de imigrantes alemães no espaço urbano de Porto
Alegre, Magda Gans (2004) constatou que os imigrantes alemães localiza-
vam-se em determinadas ruas, as “ruas dos alemães”, onde ficava o comér-
cio de grande, médio e pequeno porte, composto por casas de importação,
comércio de secos e molhados, prestação de serviços, profissionais de ofício,
fabricantes e industrialistas, profissionais liberais, técnicos e professores. Na
área central da capital, inseriram-se econômica e socialmente, formando uma
elite bem sucedida, preservando, ao mesmo tempo, a sua identidade étnica
nos seus espaços de sociabilidade. Revela que a maioria dos teutos da capital
eram de nível socioeconômico médio, em segundo lugar os de nível alto, sen-
do inexpressivo o número de alemães nos setores populares. Nas palavras de
Sandra Pesavento (1994, p. 203), é inconcebível “pensar as origens da indús-
tria no Rio Grande do Sul ou a transformação de Porto Alegre de uma pacata
cidadezinha açoriana numa cidade comercial e industrial sem a contribuição
do capital alemão”.
Para a colônia de São Leopoldo, Martin Dreher (1999) analisou os da-
dos relativos à profissão dos imigrantes alemães chegados no século XIX, os
quais evidenciaram a presença maciça de profissionais de ofício e profissio-
nais liberais ao lado dos camponeses. Ou seja, a presença de imigrantes urba-
161
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
162
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
zação mais favorável, um negócio mais rentável ou, ainda, migravam para os
núcleos urbanos, dedicando-se a um ofício, geralmente aquele que já conhe-
ciam na Europa ou, no caso dos seus descendentes, nas colônias velhas.
Assim, no Brasil, o colono foi menos sedentário do que o camponês
europeu. Caracterizavam-no “a ânsia por novas terras e o ‘Wanderlust’ (de-
sejo de peregrinar). Quando encontrava terras melhores para si e seus filhos,
tornava a se mudar novamente” (Fouquet, 1974). Jean Roche (1969) afirma
que, excetuando os que permaneciam no lote paterno, os descendentes de
colonos migravam em média uma vez durante sua vida. Os imigrantes e seus
descendentes alimentavam, então, as migrações internas, o que representa
uma marca distintiva da colonização no Rio Grande do Sul. O pioneirismo
permanente expandiu rapidamente a fronteira agrícola, formando novos nú-
cleos coloniais em áreas cada vez mais afastadas da capital, processo que o
autor denominou de enxamagem.
Essas migrações foram resultado da conjugação de vários fatores: do
crescimento demográfico da antiga zona de colonização alemã e italiana,
aliado à escassez de terras para venda; a rotação de terras, acompanhada do
uso intensivo e das queimadas, provocavam o rápido esgotamento do solo,
com a queda da produção; a disponibilidade de terras por preços mais aces-
síveis nas frentes pioneiras de colonização; o fluxo constante de imigrantes
ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do XX, abastecendo as co-
lônias, pois os elementos estrangeiros deixavam as áreas rurais quando atraí-
dos pelas possibilidades apresentadas pelas cidades, ainda mais com o incre-
mento industrial; o abandono ou a conjugação da atividade agrícola com o
artesanato rural; a falta de sociabilidade foi a responsável pelo abandono dos
lotes ou o desespero de muitos imigrantes, pois a distribuição dos lotes em
linhas coloniais, distantes uns dos outros, diferia do modo de vida em aldeia
conhecido na Europa (Neumann, 2016). Somando-se a esses fatores, Giralda
Seyferth (2004) entende que essa mobilidade espacial tinha outros pretextos,
que também provocaram invasões irregulares de lotes entre colonos e aban-
dono à revelia das autoridades: a má qualidade das terras e a distância em re-
lação à sede colonial foram causas determinantes da migração, mas também
a separação da família aparentada ou emigrada de uma mesma região, que
reflete a impossibilidade de escolha da terra, sobretudo nas colônias oficiais.
Após um século de imigração e colonização no estado, Theodor Ams-
163
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
3
A criação do município de Passo Fundo foi sancionada pelo Presidente da Província, Jerônimo
Francisco Coelho na forma da lei n.º 340, de 28 de janeiro de 1857. A Vila de Passo Fundo foi
elevada à Cidade em dez de abril de 1891, conforme Ato n.º 258 do presidente de Estado do Rio
Grande do Sul, Dr. Fernando Abott. Na época, a população municipal era superior a dezenove mil
habitantes.
164
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
lavradores nacionais cultivavam suas roças de subsistência, outros se dedicavam
ao extrativismo da erva-mate e o comércio de muares (cf. Batistella, 2007).
Passo Fundo caracteriza-se como um município com um perfil diverso:
sua sede urbana, que configura a sede do município atual, apresenta traços
étnicos mistos, não prevalecendo um ou outro grupo. Todavia, ao reduzir a
escala de análise, observando rua por rua, quarteirão por quarteirão, é possí-
vel mapear espaços onde predominavam “os alemães” urbanos, cujos laços
ultrapassavam seus limites locais, criando redes sociais com as colônias ale-
mãs próximas.
A historiografia sobre a imigração e colonização alemã no Rio Grande
do Sul considera a presença de imigrantes alemães na região do Planalto
Rio-grandense apenas no final do século XIX. Contudo, ao analisar as famí-
lias instaladas na nascente sede urbana de Passo Fundo, nota-se a presença
de imigrantes alemães, frutos da imigração espontânea, desde meados da
década de 1830, quando ainda era distrito de Cruz Alta. Na sede do municí-
pio verifica-se no mesmo período entre os proprietários de terras e pequenos
comerciantes vários sobrenomes alemães.
Parte-se do pressuposto de que eram famílias desviadas da região de imi-
gração e atraídas pela possibilidade de acesso a grande propriedade agrária
e a exploração de pedras preciosas, na grande Passo Fundo, vendidas para a
Alemanha, e o comércio estabelecido entre Passo Fundo e Rio Pardo.
Conforme os dados historiográficos e a memória corrente, a primeira
família de imigrantes alemães a se estabelecer na sede de Passo Fundo, em
1836, foi Johan Adamm Schell e sua esposa, Anna Christina Schell, nascidos,
respectivamente, em 24 de junho de 1805 e 21 de agosto de 1815. A trajetória
migratória de Schell indica para um perfil de imigrante diferenciado: Adão
Schell, como ficou conhecido, de profissão carpinteiro, partiu da Alemanha
em 1828, como solteiro, com destino à colônia de São Leopoldo, estabelecen-
do-se na Linha Bom Jardim (Ivoti). Conheceu nessa colônia Anna Christina
Hein, filha de uma família imigrante de uma leva anterior proveniente de
Hildburghausen, reino de Saxe, estabelecidos na Linha Bom Jardim, como
colonos. Casaram-se em 30 de outubro de 1830, permanecendo no local por
um período.
Posteriormente, o casal Schell migrou com seus filhos Maria e Jorge
para Rio Pardo, e em seguida, Três Vendas, em Cachoeira, onde instalou
165
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
166
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
Guarda Nacional (Jorge, Tenente; João e Guilherme Major) e na política
ocuparam o cargo de vereador e outros cargos públicos. Essa rede foi consoli-
dada por intermédio dos casamentos entrelaçados com a elite luso-brasileira
local: a família Araújo (Jorge e Emília) e a família Loureiro (Felipina); e a
elite imigrante alemã, representada pela família Morsch (Anna Christina e
Leopoldina). A partir desse entrelaçamento, constituiu-se a base de quatro
grandes famílias de Passo Fundo: Schell, Araújo, Loureiro e Morsch.
O estudo pautado nas redes sociais, econômicas e políticas tecidas pelas
famílias, parentelas e compadrios, seguindo como fio condutor o nome (Levi,
Ginzburg), permite localizar e compreender as estratégias adotadas pelos imi-
grantes alemães nesses espaços de chegada. Tratando dos imigrantes alemães
ligados a atividade comercial em Santa Maria, entre 1830 e 1891, Fabrício R.
Nicoloso (2013) encontrou um perfil muito semelhante ao de Passo Fundo,
no que diz respeito a sua atividade econômica como comerciantes e suas tra-
jetórias, com a sua inserção na Guarda Nacional, na política e o casamento
interétnico com latifundiários da elite local. Tanto Santa Maria quanto Passo
Fundo não integravam no século XIX o mapa dos núcleos coloniais definidos
pelo Império, o que os torna um caso excepcional para esse estudo.
A família Schell foi o primeiro grupo de protestantes luteranos em Passo
Fundo, e deu início às atividades do cemitério luterano, situado nas proximi-
dades, na atual rua Teixeira Soares, em frente ao complexo do Quartel, onde
Adão Schell, falecido em 28 de agosto de 1878, foi sepultado. O referido
cemitério foi demolido após a inauguração do Cemitério Municipal da Vila
Vera Cruz. Paralelamente, Schell fundou em 1872 a Loja Maçônica Concór-
dia III, situada na esquina das atuais ruas Paissandu e Sete de Agosto.
Com a elevação de Passo Fundo a distrito de Cruz Alta, em 1834, houve
um significativo aumento populacional, com a presença de muitos imigrantes
alemães. Por volta de 1840, o imigrante alemão João Neckel, junto com sua
esposa Ana Bárbara e filhos, seu pai Jacob e o irmão Matias, oriundos de
Lages, Santa Catarina, e que tinham como destino final Santo Ângelo, aca-
baram permanecendo em Passo Fundo. Posteriormente, estabeleceram-se ou-
tras famílias de imigrantes alemães, entre elas, Matias Trein, Pedro Müller e
Antônio Neckel - este último, também de Lages, trazendo esposa e três filhos.
Percebe-se uma estreita relação entre os fluxos migratórios e as guer-
ras, visto que no contexto da Guerra do Paraguai, um considerável número
167
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
4
Muitas famílias fixaram residência no meio rural, como Pedro Walendorf; Júlio Cullmann, Pe-
dro Kruss e Gustavo Reichert. No Capão da Mortandade foi morar João Schwart. No Engenho
Francisco Bier e Nicolau Tein. Na Lagoa de Brito, Manoel João Welsch, Damázio Murwopp. No
Pessegueiro, Miguel Schaeffer.
168
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
Passo Fundo. Considerável número de imigrantes e descendentes de alemães
eram adeptos da causa republicana.
A vida social era organizada em torno do clube Deutscher Verein, cujo
nome na década de 1930 foi alterado para Clube Recreativo Juvenil.
169
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
170
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
regra, e o governo não dispunha de mecanismos eficientes para interferir,
permitindo assim a formação de colônias étnicas.
As colônias privadas ocuparam, geralmente, uma pequena extensão de
terras adquiridas de particulares ou ao Estado, com um número limitado de
lotes. Internamente, cada qual ditava suas regras e seus preços de terras. Sob
esse viés, cada colônia particular é um micro espaço complexo e singular,
resultado de uma negociação entre o(s) seu(s) proprietário(s)/idealizador(es),
os colonos, os lavradores nacionais, os proprietários adjacentes, o poder pú-
blico, e das contingências macro históricas. Esses empreendimentos de co-
lonização ocuparam o espaço deixado pelo Estado, cuja política consistia
em reduzir os investimentos em imigração e colonização. Aproveitaram-se
também da situação favorável do mercado, motivado pelo crescimento da de-
manda por lotes coloniais por parte dos colonos. Soma-se a isso a existência
de extensas áreas de terras devolutas, que poderiam ser adquiridas ao governo
(Neumann, 2016).
A presença de imigrantes isolados em Passo Fundo data das primei-
ras décadas do século XIX. Todavia, as primeiras colônias foram fundadas
somente no final daquele século. Trata-se de colônias predominantemente
colonizadas por imigrantes e descendentes de colonos alemães - Santa Cla-
ra (1896), Alto Jacuí (1897), Não-Me-Toque (1897), General Osório (1898),
Dona Ernestina (1900), Selbach (1906) -, italianos - Guaporé (1892) -, polo-
neses e judeus - Erechim (1908) -, seguindo o perfil de colônias mistas, mar-
cadas pela diversidade étnica. Ao longo do século XX, muitas destas colônias
foram desmembradas, dando origem a novos municípios, mantendo estes sim
uma identidade étnica mais definida. Para Fredrik Barth (1998, p. 195; 214),
a pertença étnica seria, ao mesmo tempo, uma questão de origem bem como
de identidade corrente. Acresce que o grupo étnico seleciona, dentro das suas
características, as que são relevantes para a sua identificação e diferenciação
em relação ao outro. “Se um grupo conserva sua identidade quando os mem-
bros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença
e meios para tornar manifestas a pertença e a exclusão”. Para Candau (2012),
a identidade é uma construção social, que se dá em uma relação dialógica
com o Outro.
171
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
172
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
Grande do Sul, editada em 1950, no desenho sobre ao venda, o texto escrito
pelo padre Edvino Friderichs S.J., afirma:
7
Planta da Freguezia do Passo Fundo em 1853. Fonte: Plano Diretor de 1953. Ver também sobre
a temática o artigo Lugar de passagem: toponímia e patrimônio, de Fernando Miranda e Ironita
Machado (2013).
173
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
174
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
a Frederico Kurtz e João Lewe; a selaria de João Habkost; a lambilharia de
João Graeff; a alfaiataria de Carlos Leopoldo Reicheman; as ferrarias de Pe-
dro Scheleder e Fernando Zimermmann, e Mathias Benck.
175
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Fonte: http://www.pmpf.rs.gov.br/servicos/geral/multimidia/I2013-05-07_06:27:58_
c9292.jpg. Acesso em 4 abr. 2017.
Fonte: http://www.projetopassofundo.com.br/principal.php?modulo=texto&con_
codigo=14750&tipo=texto. Acesso em 4 abr. 2017.
176
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
Figura 7 – Casa Barão, Avenida Brasil
Fonte: http://www.projetopassofundo.com.br/principal.php?modulo=texto&con_
codigo=48868&tipo=texto&cat_codigo=20. Acesso em 4 abr. 2017
8
O comércio de Passo Fundo é representado por duas entidades: o Sindicato do Comércio Varejista
(Sincomércio), criado em 28 de Junho de 1948 para representar e defender os direitos coletivos ou
individuais da categoria do comércio varejista; e a Câmara de Dirigentes Lojistas de Passo Fundo
(CDL), fundada em 06 de agosto de 1964.
177
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
178
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
fábrica situava-se próxima à via férrea, na Vila Rodrigues. Em anexo, foi ins-
talado em 1928 um Armazém de Secos e Molhados. A família Neuhaus emi-
grou para o Brasil em meados do século XIX, estabelecendo-se em Teutônia,
município de Estrela. O filho Augusto, já nascido no Brasil, remigrou para
Ijuí, fixando-se no distrito de Serra do Cadeado, e por fim, em 1923, optou
por Passo Fundo. O empreendimento atuou até 1950, alterando sua razão
social várias vezes: Neuhaus & Filhos; em 1933 para Neuhaus & Filho, e em
1940, com a entrada de mais um sócio, passou a Neuhaus & Schonhorst.
179
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
180
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
Alemanha, estabeleceu-se em Passo Fundo em 1863. No ano seguinte, casou-
-se com Anna Christina Schell (Aninha), filha de Johann Adam Schell.
Há também registros do Engenho de Carlos Kruel, família de imigran-
tes que chegou ao Brasil no final do século XIX e se instalou na região das
Missões, ocupando cargos políticos-administrativos locais. A Revista Kodak,
que no início do século era a primeira revista a veicular fotografias do Rio
Grande do Sul, publicou, em 1913, uma fotografia do Engenho de Kruel. A
referida revista era um veículo em perfeita sintonia com o então governo de
Borges de Medeiros, divulgando a ideia de desenvolvimento e modernidade
promovida pelo Estado.
181
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
manter a memória de seus avós e bisavós, muitos deles imigrantes e/ou des-
cendentes diretos de imigrantes. Alguns associados são originários da região
das chamadas colônias velhas, outros de localidades do entorno de Passo Fun-
do como: Sarandi, Tapera, Não-Me-Toque e Carazinho. Nos relatos de me-
mória, Passo Fundo aparece como um núcleo mais urbanizado em meio a
uma vasta zona rural, que acabava por atrair esses descendentes de imigran-
tes das áreas rurais para exercerem outras atividades, em especial o comércio,
mais rentáveis e atrativas.
Considerações finais
Portanto, para o século XIX até meados do século XX, havia em Passo
Fundo uma elite comercial alemã, entrelaçada por redes étnicas, de parentela
e casamentos. As famílias imigrantes, como estrangeiros perante a legislação
brasileira, inseriram seus filhos já nacionais nos espaços de poder da época,
ocupando espaços na Guarda Nacional, na política, e em espaços públicos
emergentes, como o serviço público e as casas bancárias. Além das casas de
comércio, assumiram liderança também no surgimento de uma incipiente
indústrias, e nas atividades de serviço.
Essas redes foram ampliadas e solidificadas a partir dos casamentos com
a elite luso-brasileira local, contrariando o padrão das zonas coloniais sitas
próximas a capital, onde predominavam os casamentos entre o próprio grupo
étnico e religioso.
O grupo de comerciantes alemães, tendo a família Schell como centro,
ocupava um espaço delimitado de cerca de três quadras, na nascente sede
urbana de Passo Fundo, delimitada no Caminho das Tropas/ Avenida Bra-
sil, entre a esquina da rua das Flores/ rua Teixeira Soares, e rua 10 de abril,
próximo ao Chafariz da Mãe Preta.
Os trilhos e a estação de trem contribui para redimensionar a direção
da expansão urbana para o leste e sul, acompanhando os trilhos. Esse cresci-
mento urbano e a direção assumida é possível perceber nas Figuras 12 e 13.
Na primeira, um postal com uma vista de Passo Fundo, datado de 1912, em
primeiro plano a Cervejaria Serrana, enquadrada do alto da Vergueiro, esqui-
182
A presença dos imigrantes alemães no espaço urbano em Passo Fundo
na da atual rua Paissandu e General Neto. Observa-se a direção da expansão
urbana, limitada a Avenida Brasil, sentido leste.
183
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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184
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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187
Italianos em Passo Fundo – final do
século XIX e início do século XX
Introdução
1
Prof. do PPGH/UPF.
2
Doutorando em História pelo PPGH/UPF; professor de História.
3
Mestre em História; Presidente da Academia Passo-fundense de Letras; professora de História.
189
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
gava oficialmente o Brasil com a Itália e por ter sido a que estava localizada
mais próxima do território pertencente, originalmente, à Passo Fundo, bem
como por ser a que forneceu um amplo fluxo de migrantes, em particular,
para o meio rural do referido município nas primeiras décadas do século XX.
Porém, sabemos que há um amplo fluxo de direções que permitiu a entrada
de (i)migrantes italianos para Passo Fundo, alguns, inclusive, provenientes
de países da América do Sul, outros vindos diretamente da Itália, de outros
estados e de várias colônias de imigração italiana do Rio Grande do Sul.
Em meio a esses limites todos, fizemos um recorte espacial e temporal
para a análise de algumas famílias, sobrenomes, que deixaram algum legado
econômico e de identificação territorial. O período que selecionamos de uma
forma um pouco mais efetiva se constitui nas duas últimas décadas do século
XIX e nas duas primeiras do século XX.
Há vários espaços de localização de (i)migrantes de etnia italiana em
Passo Fundo. Os espaços de maior expressão são o Boqueirão, o entorno da
gare e das ruas Bento Gonçalves e da Praça Marechal Floriano, bem como a
“faixa” que correspondia a ligação entre Passo Fundo e a Colônia Guaporé,
a qual teve várias denominações e que hoje é a Av. Presidente Vargas.
Esse último território, com intensa identificação é onde hoje estão os
bairros Santa Terezinha e São Cristóvão, bem como a Vila Ricci. Esse foi
o escolhido para nossa singela análise. Nesse espaço, no período que defini-
mos, estava a pouco conhecida Vila Vitório Vêneto. Como nossos interlocu-
tores enfatizavam, era um “território italiano, cheio de casas de comércio”, a
ponto de um dos ilustres pesquisadores do município de Passo Fundo, Pedro
Ari Veríssimo da Fonseca, afirmar que “foi ali também que se estabelece-
ram as primeiras indústrias e pode ser considerado o bairro que concentrou a
maior riqueza do município”. Continua o autor afirmando que
190
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
De acordo com Loraine Giron (1997, p. 102), entre 1840 e 1850, o nú-
mero de núcleos coloniais orbitou a cifra de duas dezenas, sendo dois terços
delas empreendimentos particulares. A marcante presença de empreendi-
mentos coloniais particulares está conexo à Lei n. 514, de 28 de outubro de
1848, pela qual o governo imperial concede terras devolutas aos governos
provinciais para que esses promovessem a ocupação por meio da coloniza-
ção. O artigo 16 da referida lei versava que, para cada Província do Império,
eram concedidas seis léguas quadradas de terras devolutas continuas ou isola-
das, exclusivamente destinadas à colonização e não poderiam ser trabalhadas
por mão de obra escrava. Assim como que, para a concretização de sua posse,
deveriam estar ocupadas e aproveitadas em um período de cinco anos, situ-
ação que, se não cumprida, as terras reverteriam às posses provinciais (Iotti,
2001, p. 22).
Essa circunstância nos parece demonstrar uma tentativa do governo im-
perial em dividir com as províncias o esforço que significava a empreitada da
colonização. Observamos então que, a partir desse momento, a fundação das
colônias oficiais dividiram-se em imperiais e provinciais, assim como de um
período administrativo caracterizado pelo atrito e confusão de fixações de
jurisdições entre os dois âmbitos de poder, ou seja, o imperial e o provincial.
Contudo, devido à falta de recursos, experiência e expedientes admi-
nistrativos, observamos o desenvolvimento de parcerias público-privadas que
estimularam a ação de companhias de colonização. Salientamos que nesse
momento abre-se maior possibilidade para que as importâncias regionais fos-
sem satisfatoriamente consideradas pelo processo colonizatório, em dinâmi-
ca análoga ao que ocorrerá com a Proclamação da República e da imigração
e colonização pelos governos estaduais (Axt, 1998).4
4
Gunter Axt é enfático ao afirmar que é a partir desse momento que se iniciam as intensas correntes
imigratórias para São Paulo, em atenção aos anseios da elite cafeicultora regional. Dessa forma,
a imigração estrangeira para o Brasil afasta-se do âmbito nacional para alinhar-se aos projetos e
anseios relacionados às elites regionais da necessidade de mão de obra à restrição do acesso à terra
(Axt, 1998). O que marcou fundamentalmente os debates foram as questões de os proprietários
rurais ou o estado arcarem com os custos da imigração ou mesmo o direcionamento desta para o
processo de colonização. Não havia real oposição à política de tentar atrair braços livres para o país
(Carvalho, 1996, p. 308-309).
194
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
A província sulina
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Risorgimento foi a ação empreendida pela monarquia piemontesa de unificação dos estados italia-
nos, seguida pelo processo de modernização e desenvolvimento capitalista. Teve início com a ane-
xação da Lombardia em 1859, a Emília-Romana, parte dos Estados Pontifícios e o Reino das Duas
Sicílias em 1860; o Vêneto e o Friuli-Venezia-Giulia em 1866; o restante dos Estados Pontifícios em
1870; o Alto Ádige, o Trentino, o Trieste e a Ístria após o fim da Grande Guerra.
6
No período do Risorgimento, a Itália mostrava-se como um país fundamentalmente agrícola, dota-
do de uma população de em torno de 26 milhões de habitantes e escassas terras agrícolas. A região
norte foi a mais atingida pela crise tributaria e agrícola, pois estruturava a sua produção sobre o
regime de mezzadria - onde o trabalhador arrendava a terra e trabalhava, dividindo sua produção
com o proprietário da terra – e o pequeno produtor minifundiário, ambos dedicados à policultura de
subsistência, empregando baixíssima tecnologia e comercializando, principalmente, o excedente de
trigo nos mercados locais, de onde retirava o capital necessário à sua sobrevivência.
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até três mil quilos; elas tornavam possível o escoamento da produção de inú-
meras pequenas propriedades espalhadas pela região colonial italiana. Desta
forma, presente em todos os âmbitos do transporte da produção, a carreta
esteve sempre junto ao imigrante e aos de segunda geração dos referidos.
Em conexão com o trans-
porte carreteiro, o elo seguinte
da dinâmica econômica da re-
gião colonial de Guaporé en-
contra-se nas figuras do comer-
ciante e da casa de comércio.
Destacamos que a trajetória
do comerciante tem seu iní-
cio com o desenvolvimento da
Carroça de grande porte utilizada no escoa- produção agrícola e artesanal
mento da produção na região colonial italiana. do imigrante e seus descen-
Fonte: Acervo particular da família Astoli e dentes instalados nas pequenas
Dall’Acqua.
propriedades rurais.
O transporte das mercadorias dos colonos fez-se, em grande parte, por
meio do cargueiro e, posteriormente, das carroças e carretas. Autores colo-
cam que, por muitos anos, ouviu-se o passo lento do cargueiro subindo as en-
costas, o assovio, a blasfêmia e o canto do homem encarregado de transportar
alguma mudança, milho e o trigo até os moinhos coloniais, os produtos dos
colonos aos centros urbanos. Os carreteiros, mediados pelos comerciantes,
carregavam a riqueza e faziam a integração sócio-cultural entre as comunida-
des e os espaços de consumo e produção. Não raro os colonos eram prejudi-
cados no escoamento de sua produção por falta de possibilidade de transpor-
tá-la até as casas comerciais ou a algum centro consumidor.
Junto aos carroceiros/carreteiros, formou-se uma rede social e econômica
que vai desde a construção de estradas, surgimento de ferrarias, tecelarias,
curtidores de couro, fábricas de carretas, moinhos, construção de pousadas
(casas de pasto), produção de alfafa e milho para os animais, espaços de lazer
e de divertimentos, bem como uma melhor estruturação da divisão social e
familiar do trabalho. A partir daí, o colono teve condições de atuar em vários
ramos produtivos, diversificando-os ainda mais.
Após o final da década de 1930, disseminou-se a presença do caminhão.
202
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Algumas das atuais comunidades rurais do entorno de Passo Fundo, entre 2010 e 2015, comemo-
raram sua constituição centenária. Grande parte delas elaborou pequenas sínteses dos primeiros
tempos, quem foram os primeiros moradores, de onde migraram, atividades desenvolvidas, etc., e,
constatamos que a grande maioria migrou da colônia de Guaporé. É o caso de Posse da Boa Vista,
São Roque, São Valentin, Vila Rosso, Capingui, dentre outras.
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Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
10
Delma Gehm. Imigração Italiana. Texto disponível no site do Projeto Passo Fundo.
11
Alguns de nossos entrevistados tiveram dificuldade em determinar a data da migração de seus fa-
miliares para Passo Fundo; outros não dispunham de nenhuma ilustração, documentação (escritura
de compra de terra), nem informação de quem e como adquiriram terras na que foi denominada
Vila Vitório Vêneto.
209
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
12
CANFIELD, Tomaz. Instituto Histórico de Passo Fundo. Acervo Antônio Carlos Machado. Ca-
dastro de nomes de família. Pasta C, fichas 67-68.
13
BRASIL. IBGE. Enciclopédia dos Municípios brasileiros. Rio de Janeiro, 1959, vol. XXXIV.
14
Delma Gehm. Imigração Italiana. Texto disponível no site do Projeto Passo Fundo.
15
SAVINHONE MARQUES, José. IHPF. Acervo Antônio Carlos Machado. Cadastro de nomes
de família. Pasta S, ficha 85.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
16
Santo Claudino Verzeletti em entrevista direta para João Carlos Tedesco, realizada no dia 07 de
maio de 2015:
212
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
Eugênio Busato. Fonte: HEXSEL, C. A.; GÁRATE, H. E. Comércio, século XX – Passo Fun-
do. Passo Fundo: Sincomércio, 2002.
17
Pedro Ari Veríssimo da Fonseca. Imigração italiana em Passo Fundo. Texto disponível no Projeto
213
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
nos a chegar à cidade de Passo Fundo, Luigi Ricci, por volta de 1893. Ele
exercia o ofício de oleiro e carpinteiro. O referido se estabeleceu à margem
esquerda do Rio Santo Antônio, onde atualmente está construída a residên-
cia de Ignês Bernardon18. Veremos mais adiante alguns fragmentos de relatos
de entrevistados.
Nesse mesmo período, segundo Veríssimo da Fonseca, chegaram mem-
bros da família do patriarca Francisco Formighieri, vindo de Caxias do Sul,
em meados da última década do século XIX, com seu pai Xisto Formighieri.
Seu filho Francisco, desenvolveu atividades de moageiro (moinho de trigo
e milho) e uma pequena agroindústria de erva mate na parte oposta do rio
Santo Antônio, como veremos mais adiante.
Esses e outros que migraram alguns anos depois constituíram a Vila
Victório Vêneto, um vilarejo de algumas dezenas de casas com identificação
de membros da etnia italiana, nas proximidades onde hoje é a Avenida Presi-
dente Vargas e o bairro São Cristóvão.
Com a chegada da estrada de ferro ligando Passo Fundo ao centro do
estado e a sua parte norte até o rio Uruguai, no final do século XIX, vários
italianos, imigrantes diretos ou migrantes descendentes da velha imigração
da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul e de várias regiões do Pa-
raná e São Paulo, adentraram e fixaram morada no amplo território de Passo
Fundo. A família Formighieri, por exemplo, em 1898, migrou de trem da
ex-colônia Caxias até a estação do Pulador. O trem foi o grande dinamizador
dos fluxos migratórios, bem como a abertura da estrada, no início do século
XX, que ligava Passo Fundo à Guaporé. Essa, através de carretas, permitiu a
migração de famílias para o território do entorno do atual município de Pas-
so Fundo, como são os casos de Tapejara, Sertão, Sarandi e, para a direção
do extremo norte, em particular, para a colônia Erechim, na primeira década
do século XX.
Segundo Veríssimo da Fonseca, havia um grande dinamismo comercial
nessa parte da cidade de Passo Fundo (onde hoje é parte do bairro Santa
Terezinha, São Cristóvão e Vila Ricci), ligando alguns centros, dentre eles
Guaporé e Lagoa Vermelha.
Passo Fundo.http://www.projetopassofundo.com.br/principal.php?modulo=pessoa&detalhe=S&-
descricao=P&pes_codigo=55&pes_nome=Pedro%20Ari%20Ver%C3%ADssimo%20da%20Fonse-
ca
18
Rua Camilo Ribeiro, nº 1523.
214
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
Aspecto da Av. Presidente Vargas, antiga Via Victorio Veneto, em 1963. Na imagem
vê-se uma série de estabelecimentos domiciliares e comerciais de descendentes de
italianos instalados no então Bairro São Cristóvão, que remontam às primeiras déca-
das do século XX. Fonte: foto gentilmente cedida pelo Sr. Ronaldo Czamanski.
“Na época, pelo passo do Rio Santo Antônio fluía todo o tráfego para
o Passo do Cruz, Mato Castelhano e Lagoa Vermelha. O local tornou-
-se pouso dos carroceiros e dos tropeiros de mula. Por ali, os tropei-
ros demandavam ao Passo do Pontão, no Rio Pelotas. As prósperas
colônias da região do Mato Castelhano traziam seus produtos para
comerciar em Passo Fundo, e aqui se abasteciam de suas necessidades.
A estrada para as ricas colônias de Marau, Casca e Guaporé foi por
onde chegavam os produtos dessa região”.19
19
Pedro Ari Veríssimo da Fonseca. Imigração italiana em Passo Fundo. Texto disponível no Projeto
Passo Fundo.
215
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
20
Idem, sem página.
216
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
de cereais que era o Baril e Tasqueto, Baril era judeu. A famosa casa
Campanile, Antônio Campanile, um dos tradicionais que vendiam
vestido em Passo Fundo, Dalmazo, D’arienzo, Ughini, famosos Ughi-
ni, Família Marson, o Magro, mas esse era comércio de alimentos,
Della Mea também, o Grando, família Grando, até hoje tão ali com
comércio. O Salton também tinha comércio. [...]. Tivemos contadores
importantes aqui, o Pedro Avancini, Antônio Rosado e Álvaro Lucca.
[...]. Quase todo esse povo que lembro agora, vieram entre os anos
1920 e 1940. Em geral eles são segunda, alguns até terceira, geração
de imigrantes” (Entrevista direta).
217
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
A família Formighieri
218
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
mais no planalto, onde encontraram água boa para aquilo que se propunham:
a instalação de um moinho. Foi assim que dona Ignes Formighieri Bernardon
iniciou a narrativa em seu livrinho intitulado, Capela de Santo Antônio, uma
tradição centenária.21
Dona Ignes conta fatos relatados a ela por Celeste Formighieri que afir-
ma que ao chegarem em São Miguel, no dia 29 de setembro, dia dedicado a
esse santo, realizava-se, naquele local uma festa. “Ali cestiaram e compraram
doces e alimentos para as crianças, mas o susto foi grande ao verem negros.
Costumava-se, ali, fazer dois bailes: um dos negros, eles julgaram que fossem
macacos” (Bernardon, 1999, p. 14). Continua ela dizendo que “Em Passo
Fundo, o local já havia sido escolhido, pois Xisto Formighieri, o pai de Fran-
cisco, já tinha vindo sondar o ponto. [...]. O local para o moinho foi às mar-
gens do rio, hoje chamado Santo Antônio” [...]. O primeiro nome dado a esse
local, por Francisco foi ‘Passo do Moinho’. E foi assim chamado por muitos
anos” (Bernardon, 1999, p. 14). Nele, funcionava o moinho de trigo, milho,
soque de erva, carpintaria e ferraria.
21
BERNARDON, Ignes Formighieri. Capela de Santo Antônio: uma tradição centenária. Passo Fun-
do: Berthier, 1999.
219
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
22
Ignes Formighieri Bernardon, 89 anos, em entrevista direta, em junho de 2016.
23
Entrevista direta com dona Ignes, já informada.
220
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
era visitada por pessoas vindas de outros locais, como de Marau, onde Ma-
ria, a esposa, tinha seus parentes, a família Posser”. Francisco Formighieri
nasceu no dia 13 de janeiro de 1872, em Mântova, Itália. Faleceu no dia 9 de
agosto de 1925 em Passo Fundo. Sua esposa Maria Posser faleceu no dia 14
de setembro de 1941 em Passo Fundo.
221
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
A família Ricci
222
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
223
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
224
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
225
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Várias obras foram construídas pelo Luigi Ricci, dentre elas, como vi-
mos, a Intendência Municipal (antigo prédio da Prefeitura), em 1910. No ano
seguinte, iniciou a construção do prédio da Câmara de Vereadores (hoje Tea-
tro Múcio de Castro). Em 1916, iniciou a construção do prédio da Academia
Passo-fundense de Letras, interrompida durante a Primeira Guerra Mundial
e finalizada no início dos anos 1920.
Panleto comemorativo da
construção do edifício que
abrigou, até a década de
1970, a Prefeitura Municipal
de Passo Fundo e que
atualmente abriga o Museu
Histórico Regional. Fonte:
Sérgio Ricci.
Em 1914 ou 1915, Luigi Ricci, transferiu-se para o atual Bairro São Cris-
tóvão, mais precisamente onde começa a atual Vila Ricci, onde adquiriu uma
ampla propriedade de terra (100 ha), na qual empreendeu várias atividades
agrícolas, extração de pedras, olaria, criação de gado, etc. Seu neto, Sérgio
Ricci24, em entrevista direta, enfatiza que seu avô era um grande empreen-
dedor; como construtor atuava em sinergia própria, ou seja, possuía olaria
de telhas e tijolos, abriu pedreira, pegava plantas de grandes e importantes
construções de Passo Fundo e, com isso, marcou sua presença.
24
Sérgio Ricci, 73 anos, em entrevista direta, em junho de 2016.
226
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
A família Bilibio
A família Bilibio, antes de emigrar para o Brasil; o patriarca sentado ao lado da espo-
sa e de um ilho sacerdote. Foto cedida por Sérgio Bilibio.
227
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
228
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
Família Scortegagna
229
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
“A empresa começou por volta de 1928; era uma das primeiras, ou tal-
vez, a primeira do ramo em Passo Fundo. Falava em banha na época,
era o Scortegagna. A banha era derretida em tonéis de 200kg, e era
enviada para São Paulo por via férrea. Os outros produtos, salame,
carne, costela, vendiam na praça regional. [...]. Era vilas imensas de
carroças carregadas de porcos que chegavam; no início teve até porcos
em tropa [varas] que chegavam no matadouro. Meu pai fez muito di-
nheiro com esse ramo. [...]. Por volta de 1946, ele vendeu para o Vitó-
rio Rigo e o Dante Bortolussi; na realidade, vendeu porque cansou do
negócio, vendeu a terra também e montou outros negócios e os filhos
foram cada um fazer a sua vida”.27
A Sra. Ignes conta que certa manhã, muito fria, iam ela e o pai pela Via,
e uma carroça com mudança estava parada a beira da Via a desembarcar a
mudança de uma família. Uma menina chorava desconsolada. Seu Celeste,
pai da D. Ignes, impressionado com o choro da menina dirigiu-se ao chefe
da família, inquirindo-o a respeito. É que o cachorrinho da menina Giocon-
da havia se perdido na viagem. Era a família Scortegagna. “Ninguém falava
27
Entrevista direta com o Sr. Alberto Scortegagna, 83 anos, filho de Inocêncio Scortegagna.
230
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
28
Relatório das ações do Prefeito de Carazinho, Albino Hillebrand, em 1937. Prefeitura Municipal
de Carazinho, 1938, p. 34. Relatório anual.
29
IBGE - Censos Econômicos de 1950 – RS e Rio de Janeiro, 1956, p.80.
30
João Armando Maraschim. O entrevistado era um dos sócios do matadouro A. J. Maraschim &
Irmãos e acionista do Frigorífico Planaltina.
232
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
31
João Armando Maraschim. Entrevista já informada.
233
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Família Patussi
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Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
235
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Migrar para o Oeste de Santa Catarina foi uma prática comum de mui-
tas famílias que se estabeleceram em Passo Fundo, principalmente entre as
décadas de 1920 e 1960. Madeireiros e madeireiras, assim como colonos,
aproveitaram as políticas de colonização implementadas naquele estado, a
abundante oferta de madeiras e as terras férteis e migraram para o referido.
As famílias Patussi, Scortegagna, Berthier, Lunardi, Annoni, dentre várias
outras, adentraram com intensidade no setor madeireiro no estado vizinho
nas primeiras décadas do século XX.
33
Vanda Patussi, 90 anos, esposa de Ernesto Scortegagna, em entrevista direta.
34
Vanda Patussi Scortegagna. Já informada.
236
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
Família Bernardon
35
As informações sobre a família Bernardon estão no texto de Ari Veríssimo da Fonseca, Irmãos
Dino e Nelson Rosseto: um pouco da história do Bairro São Cristóvão. In: Revista do Instituto His-
tórico de Passo Fundo. Edição especial (2010). Passo Fundo: Berthier, 2010.
237
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
238
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
239
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Família Reolon
36
Sr. Egydio João Reolon, 85 anos; entrevista direta.
240
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
era muito comerciante, gente que produzia muito das coisas que o
pessoal na cidade precisava, muito carroceiro ligava a vila a toda a re-
gião. [...]. Muitos alunos, filhos dos comerciantes italianos estudavam
no Colégio Conceição, eles iam de carrocinha, quem levava quase
sempre era o Verardi ou o Formighieri.
Família Verardi
241
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
38
Informações contidas no livro de Heitor Verardi, Memórias de um contador de histórias. Passo
Fundo: Berthier, 2008.
39
Entrevista direta com o Sr. Hiran Verardi, já informada.
242
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
Armazém da Família
Verardi na Vila Vitório
Vêneto, em meados da
década de 1930. Fonte:
Hiran Verardi.
243
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Família Rosseto40
244
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
em Vila Maria e adquiriu uma ferraria. Aos 17 anos, em 1918, casou-se com
Elisabeth Detoni. Na época casavam-se muito jovens para terem muitos fi-
lhos que serviam como mão de obra nos empreendimentos da família.
Cesário Rosseto possuía espírito empreendedor para a época em que
viveu. Com pouca escolaridade, apenas o suficiente para aprender a escrever
o seu nome e calcular, algo muito comum entre imigrantes italianos que se
estabeleceram no meio rural. O empreendimento comercial do senhor Rosse-
to, uma ferraria, foi prosperando juntamente com a cidade de Passo Fundo.
Num primeiro momento, serviu a Brigada Militar, depois ao DAER. Mais
tarde, com as construções de colégios, Cesário montou uma loja de material
de construção, que gerou as ferramentas de que precisavam para esses em-
preendimentos. A partir daí, a firma deixava de ser uma ferraria artesanal,
tornando-se um comércio de maior amplitude.
Rosseto, com sua habilidade comercial, sempre aproveitou as oportu-
nidades que o crescimento da cidade proporcionava. Primeiramente serviu
aos interesses da Brigada Militar, fornecendo ferragens para os cavalos dos
soldados. Logo com a instalação do DAER, que veio para construir estradas,
um grande número de funcionários veio a se instalar na redondeza. Esses
operários precisavam de gêneros alimentícios. Aí Rosseto passou a fornecer
esses gêneros que eram vendidos na caderneta e pagavam quando recebiam
seus ordenados do DAER. Com o loteamento Lucas Araújo e a construção
de novas casas e escolas, ele comprou terrenos onde hoje se encontra seu co-
mércio e passou a vender também material de construção.
Em 1956, Rosseto assinou o primeiro contrato social com os filhos, for-
mando assim a firma Cesário Rosseto e Filhos Ltda.
Família Serena
Segundo Ademir Serena, o avô veio da Itália em 1904 com sua esposa
Carolina Durante Serena; estabeleceram-se primeiramente na atual Flores da
Cunha, alguns anós após migraram para Marcelino Ramos para trabalharem
na estrada de ferro. Seu pai, Octávio, auxiliava na confecção da estrada pux-
ando pedras com a carroça. O avô faleceu na referida localidade.
Seu pai, Octávio, migrou para Passo Fundo com 14 anos para trabalhar
245
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
247
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
41
Uma análise detalhada em torno do Caixeiral Campestre encontra-se no livro de Ney D´Avila
citado na bibliografia final.
249
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Atual sede social do Clube Caixeiral Campestre. Fonte: D´Avila, 2001, p. 149.
250
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
Considerações finais
Discutir memória, nas suas várias dimensões, seja ela individual, co-
letiva e social, sua relação com a história, sua manifestação oral e objetal,
seus lugares informais e circunstanciais (casas, ruas, porões, baús, gavetas,
paredes, galpões, etc.), seus silêncios temporais, os não-ditos, suas formas de
enquadramento, etc., é algo mais do que desafiador hoje. Muitas vezes, nessa
tentativa de presentificar passados, busca-se dimensionar os feitos sem de-
feitos. Contar algumas histórias e relembrar o passado, não significa apenas
recordação verbalizada e, muito menos só porque há resíduos dos tempos
passados interessantes para o presente. Entendemos que reconstituir narrati-
vas auxilia na compreensão de processos históricos, culturais e sociais, além
de ser uma questão de cidadania, de reconhecimento do vivido.
Reconhecemos que dimensionamos nos pequenos fragmentos de narra-
251
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
252
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
Referências
AXT, Gunter. Imigração e idéia de Nação no Brasil. São Paulo: USP, 1998.
BERNARDON, Ignes Formighieri. Capela de Santo Antônio: uma tradição
centenária. Passo Fundo: Berthier, 1999.
BIONDI, L. Mãos unidas, corações divididos. As sociedades italianas de so-
corro mútuo em São Paulo na Primeira República: sua formação, suas lutas,
suas festas. In: Tempo – Revista do Departamento de História da UFF, n.1, jul.,
2012. Full-text on line Journals. Online Library.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial;
Teatro das sombras: a política imperial. 2.ed. ver. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, Relume-Dumará, 1996.
CORTEZE, Dilse Piccin. Ulisses vá in América: história, historiografia e mitos
da imigração italiana no Rio Grande do Sul (1875-1914). Passo Fundo: UPF,
2002.
COSTA. Rovílio. Povoadores das Colônias: Alfredo Chaves, Guaporé e Encan-
tado. Porto Alegre: EST Edições, 1997.
D´AVILA, N. E. P. Caixeiral Campestre Tênis Clube. 1901-2001- Cem anos de his-
tória. Passo Fundo: Gráfica Imperial, 2001.
DEMORO, Luiz. As leis de imigração e colonização através da História do
Brasil. IN: Anuário brasileiro de imigração e colonização. Rio de Janeiro: Anuá-
rio, 1960, p.79-81.
FERRI, G. Muçum: princesa das pontes. Caxias do Sul: Prefeitura Municipal
de Muçum, 1988.
253
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
254
Italianos em Passo Fundo – final do século XIX e início do século XX
255
Alguns estabelecimentos comerciais e industriais na Vila Victorio Veneto - de 1890 a meados do século XX1
Família Busatto Família de João Biasus
iro
be
Família Reolon
Ri
Família Zancanaro
ilo
Brigada Militar
am
Família Rossetto
aC
Ru
Família Adami Família de Z. D. Costi Família Verardi
256
tin
zio
Família Gobbi
az
Gr
im
nt
ale
aV
Família Damiani
Ru
Família Nazari
Fonte: adaptado por Alex Antônio Vanin.
1
A localização dos estabelecimentos foi-nos informada pelos interlocutores da pesquisa; alguns não tinham plena certeza da localização, tendo sido,
portanto, indicada nas proximidades. Um mapa mais detalhado e com maiores informações se encontra no final do livro, em anexo.
Sírios e libaneses em Passo Fundo – final
do século XIX e primeiras décadas do
século XX
Introdução
1
Prof. do PPGH/UPF.
2
Graduando em História na UPF, bolsista PIBIC/CAPES
257
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
região central de Passo Fundo entre as quadras da Rua Fagundes dos Reis
com a Rua 15 de Novembro, principalmente do lado da Avenida Brasil onde
se localizam o Clube Comercial e a escadaria da Brahma, com identificação
do comércio de árabes. Muitos sírios, libaneses e alguns palestinos adquiri-
ram e/ou alugaram casas para comércio e moradia nessa região, principal-
mente nas quadras que compunham, na época, os “fundos da Brahma”, entre
as décadas de 1920 e 1950.
Ao lado direito, vê-se duas quadras centrais da Av. Brasil, entre as Avenidas Gen.
Netto e Sete de Setembro; nela encontrava-se a popularmente denominada “qua-
dras dos turcos”, na década de 1970. Fonte: foto gentilmente cedida pela Sra. Ruth
Rezende Goellner.
258
Sírios e libaneses em Passo Fundo
Na primeira leva oficial de imigrantes para o Brasil, em torno de 1880,
os referidos países estavam sob o jugo do Império Turco-Otomano. Essa es-
trutura política foi redefinida em 1918 com a derrota do referido império
na Primeira Guerra Mundial. Nesse período houve uma grande divisão do
Oriente Médio sob a influência da Inglaterra e França; aos franceses coube
o Líbano e a Síria. Beirute, por exemplo, tornou-se a “Paris do Oriente”; em
1920 foi criada a República do Líbano, porém, sob o jugo francês; sua inde-
pendência só veio em 1943, antes do fim da Segunda Guerra. Logo após a
referida guerra, o Líbano, mesmo com um pequeno território, tornou-se um
espaço para refúgio de palestinos que foram expulsos devido à criação do
estado de Israel. Enfim, é um curto período de muitas e intensas transfor-
mações que acabaram influenciando na emigração, nas identidades dos que
emigraram e na saída e retorno de imigrantes.
Como veremos adiante, há elementos que são específicos dessa imigra-
ção para o Brasil, mas, em geral, ela faz parte de um contexto de grandes
discussões sobre as políticas imigratórias da sociedade brasileira e que incluía
vários grupos étnicos; nessas discussões estavam em pauta questões ligadas
ao branqueamento e ao mundo econômico. A imigração, nas últimas déca-
das do século XIX, estava na ordem do dia da sociedade política e econômica
do país. A questão da escravidão e sua abolição, da sua consequente alteração
e demanda de mão de obra para a lavoura cafeeira, para o setor industrial
paulista em expansão, para o setor agrícola do centro-sul, enfim, tudo isso,
somado às questões de ordem racial, regional e quantitativa formavam o ce-
nário das grandes discussões e polêmicas do período.
Os sírios e libaneses estavam localizados na ampla discussão e nas in-
tenções das políticas de imigração do país. Porém, idealizava-se a demanda
de mão de obra para as lavouras de café e na produção de alimentos do sul
do país, bem como para as fileiras do operariado paulista, mineiro e carioca.
No entanto, pouco disso foi desenvolvido. Eles configuraram uma imigração
comercial (comerciantes) e de pequenos industriais e não tanto nos cenários
laborais que se pretendia. Essa é uma das especificidades desse contingente
imigratório, além do mais, os primeiros que emigraram deslocaram-se para a
região da Amazônia, em pleno ciclo da borracha idealizando ganhar dinhei-
ro nesse cenário específico e, não nos espaços previamente pretendidos pelos
gestores das políticas de imigração no país.
259
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Como nos diz Truzzi (1999, p. 322), foram imigrantes que “trabalharam
duro e, gastando o mínimo para sobreviver, tornava-se bastante segura a pos-
sibilidade de amealhar certo capital”. Os relatos obtidos em nossa pesquisa de
campo demonstraram sempre essa centralidade da poupança, de viver com o
mínimo necessário para amealhar recursos, poupar e montar seus pequenos
negócios. Continua Truzzi (1999, p. 221) dizendo que eles, em São Paulo,
em particular, foram os criadores do chamado “comércio popular”. Sírios e
libaneses “partiram do varejo para o comércio atacadista e, posteriormente,
para a indústria, sobretudo a têxtil”.
Possivelmente, os imigrantes sírios e libaneses enfrentaram os amplos
limites de todos os imigrantes do período: a língua, a falta de dinheiro, a
distância da pátria-mãe, a ausência de familiares, as questões culturais e reli-
giosas, a sociabilidade e os pré-conceitos, a falta de integração, etc., porém,
idealizaram, como todos os imigrantes o fazem, melhorar de vida, prosperar
nos negócios, enviar dinheiro para a família, integrar-se na sociedade hospe-
deira e fazer um esforço de manter elementos culturais e valores que demar-
cam o grupo.
A literatura revisada e a realidade empírica demonstraram que, mesmo
em meio às adversidades, sírios e libaneses souberam superá-las e ganham
destaque principalmente no ramo econômico-comercial e industrial. A sua
identificação como mascate ficou na recordação de vários interlocutores e na
representação social de sua identidade, bem como as múltiplas heranças dei-
xadas em várias áreas. Praticamente todos os nossos interlocutores tiveram
alguém da família, em geral, o pioneiro imigrante, que atuou como mascate.
Essa realidade tornou-se redentora, pois revelou superação, sacrifícios (“fa-
zer negócios sem saber falar uma palavra em português”, “andar a pé, ou no
lombo de mulas, pegando carona com carroças e levando mercadorias para
o meio rural”, como nossos interlocutores mencionaram sobre seus avós ou
pais) e legitimou a prosperidade econômica. Porém, é evidente que nem to-
dos conseguiram dar esse salto progressista; muitos imigrantes que estiveram
em Passo Fundo e região migraram para outros locais/estados ou retorna-
ram à sua pátria-mãe por múltiplas razões.
Em razão de sua marcada e reconhecida presença em Passo Fundo, sí-
rios e libaneses são merecedores de algumas linhas, as quais tentam recons-
tituir alguns dos elementos que foram vivenciados por eles. Buscamos en-
260
Sírios e libaneses em Passo Fundo
trevistar algumas pessoas que foram sendo informadas e se dispuseram em
narrar alguns fragmentos da vida de avôs/avós, pais e mães, pioneiros de
suas famílias, dos que vieram “um pouco depois”, dos que “ainda lembram
de algo daquele período”.3
Os entrevistados nos foram sendo informados no decorrer da pesquisa
por membros dos grupos em questão. As perguntas giravam em torno do pe-
ríodo da emigração dos primeiros a chegarem em Passo Fundo, da respectiva
família, das relações de trabalho, da constituição econômico-social no espaço
de destino, casamentos, vínculos religiosos e descendência, ou seja, algo mui-
to simples e sintético.
Estruturamos o texto analisando, primeiramente, alguns tópicos sobre a
emigração de sírios e libaneses para o Brasil, alguns de suas características;
posteriormente, daremos ênfase aos elementos que estruturaram a vida eco-
nômica e social dos referidos imigrantes na região de Passo Fundo tendo as
narrativas de entrevistados como base para o entendimento dessa realidade.
Enfatizamos que não temos condições de entrevistar todos os que ain-
da estão em Passo Fundo e nem seria possível e necessário. Muitos ficaram
de fora, ou por falta de conhecimento nosso, ou porque foram contatados,
mas preferiram não contribuir com a pesquisa, ou, então, porque a realidade
demonstrava-se muito similar entre os entrevistados. Então, o que fizemos,
além de ser apenas um singelo fragmento de uma ampla e rica realidade vi-
vida pelos referidos grupos e que deixaram um amplo e significativo legado
para além da vida econômica (mascates, comerciantes...), é representativo de
somente alguns que nos serviram de fonte e interlocução.
3
Reconhecemos que não tínhamos conhecimento elaborado sobre essa realidade migratória no
Brasil e na região; tudo para nós foi novidade e a pesquisa tornou-se muito prazerosa. A literatura
revisada sobre alguns fragmentos da história dos dois países, principalmente na virada de século
(XIX para o XX), suas especificidades no conjunto da emigração para o Brasil, a sua presença em
Passo Fundo, alguns de seus traços culturais, etc., tudo isso nos foi de grande riqueza. Os contatos,
os diálogos, as recusas em falar algo do passado por alguns que tentamos dialogar, etc., são todos
elementos que fazem parte da pesquisa e se revelam dimensões do passado, intencionalidades de
sujeitos, lembranças selecionadas, esquecimentos deliberados e/ou desejos de falar ou de esquecer;
situações essas muito comuns quando se trata de lembrar passados do mundo imigratório, seus
enfrentamentos, ressentimentos, sacrifícios e superações.
261
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
262
Sírios e libaneses em Passo Fundo
Sírios e libaneses, na segunda metade do século XIX e primeiros 30 anos
do século XX, emigraram para territórios da África, América, Europa, Ásia
Ocidental e Ilhas do Pacífico (Knwolton, 1961). No período entre 1900 e
1914, houve uma grande diáspora da Síria e de onde hoje é o Líbano; acre-
dita-se que em torno de um quarto da população do Líbano tenha emigrado
em direção a vários continentes.
As causas desse processo são múltiplas, variadas e de difícil definição.
O que se pode afirmar é que a falta de terra, posição política e social inferior
dada aos cristãos no Império Otomano, quando não vítimas de opressão,
ofensas e massacres, na hierarquia de causas, essas podem ser consideradas as
centrais. O grupo dos Maronitas (facção religiosa), de maioria cristão, vivia
em aldeias, concentrando-se nas montanhas setentrionais do Líbano e manti-
nha certa autonomia em relação ao controle político do Império e estava sob
a direção leiga e/ou clerical. Na segunda metade do século XIX, os Maroni-
tas se espalharam também para o sul do Líbano e acabaram produzindo um
grande conflito com o grupo dos Drusos (de maioria árabe maometana) que
dominava a região (Campos, 1987).
Em razão dos conflitos religiosos, muitos Drusos migram para a Síria.
Os que ficaram foram discriminados, produzindo uma tensão social e religio-
sa. Com a conivência das autoridades turcas houve uma grande perseguição
e massacre de cristãos, tanto na Síria, quanto no Líbano, principalmente na
década de 1880. A emigração para os Estados Unidos e a Inglaterra se apre-
senta nesse contexto de repressão religiosa. Os Estados Unidos passam a ser
visto como uma terra de esperança de oportunidades, de “inegável riqueza”
(Knwolton, 1961, p. 22). Muitos dos que emigraram eram Maronitas (des-
cendem de um santo eremita denominado de São Maron), portanto, cristãos
da Igreja Oriental, que, além de milenar, não seguem todos os preceitos da
Igreja Católica Romana não obstante reconhecerem a autoridade papal. Des-
se modo, percebem-se causas econômicas, políticas e religiosas, ou as três
juntas se complementavam.
A influência inglesa, francesa e americana na região, após o massacre de
cristãos de 1880, foi, aos poucos, ruindo o sistema de controle político turco
no território dos dois países, atraindo, com isso, a emigração para os três re-
feridos países, em particular para os Estados Unidos.
A influência política e a ocupação francesa após a Primeira Guerra
263
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
264
Sírios e libaneses em Passo Fundo
contrário, havia uma política que demandava imigrantes para suprir lacunas
no âmbito econômico e territorial. Muitos sírios e libaneses desembarcavam
em Santos ou no Rio de Janeiro acreditando estarem nos Estados Unidos
(Truzzi, 1992).
Em território brasileiro
Os dados são imprecisos, muitos entravam como turcos; não havia uma
definição clara na legislação brasileira do que seria imigrante ou estrangei-
ro em viagem com intenção de retorno imediato ou de permanência longa,
como era o caso dos sírios, libaneses, palestinos, dentre outros da referida
região.
Sírios e libaneses que emigraram para o Brasil, principalmente no final
do século XIX, possuíam origem agrícola e de pastoreio, porém, no país de
destino adentraram muito pouco para essa atividade produtiva (Francisco,
2013).
A aquisição monetária da terra, o latifúndio, a monocultura, a carência
de recursos, dentre outros aspectos, inviabilizaram a reprodução das ativida-
des produtivas no novo espaço. Porém, não significa, também, que tenham,
inevitavelmente, engrossado as fileiras do operariado urbano (Truzzi, 1992).
Na realidade, não se enquadraram em nenhum desses dois universos, nem
mesmo na determinação da configuração da política imigratória do país no
período.
É necessário apenas mencionar que entre a segunda metade do século
XIX e os primeiros anos do século XX, a questão migratória no Brasil era
efervescente. Havia muitas discussões e propostas; o cenário pós-abolicionis-
ta, a industrialização de São Paulo, o regime de colonato nas fazendas de
café, a ocupação territorial do Sul do país, dentre outros aspectos davam a
pauta política da imigração.
A vinda para o Brasil não obedeceu a nenhuma política pública ou al-
gum acordo estatal; foi uma emigração não oficial, espontânea, sem auxílio
ou acolhimento público, foi por iniciativa própria (Francisco, 2013). Não ha-
via grandes empecilhos para emigrar para o Brasil como em outros países.
265
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
4
Dados do Boletim do Serviço de Imigração e Colonização, Secretaria da Agricultura, Indústria e
Comércio. São Paulo. n. 2, 1941, p. 34.
5
Idem, p. 40.
266
Sírios e libaneses em Passo Fundo
os sírios e libaneses do sexo masculino eram de 27.689, as mulheres eram de
18.097 (Cortes, 1958, p. 72).
267
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
sentir. O comércio no meio urbano e estendido ao meio rural foi sua marca
registrada.
Mascates (vendedores ambulantes de ruas e de casa em casa), comer-
ciantes estabelecidos e pequenos industriais (esses, últimos com menos ex-
pressão) configuraram esse grupo étnico no país nas primeiras décadas de
sua imigração, primeiramente nos grandes centros urbanos (SP e RJ), pos-
teriormente, migrando para cidades menores (Truzzi, 1992). O meio rural
não ficou despercebido e nem desatendido pelos sírios e libaneses; eram os
famosos mascates que vendiam produtos (vestimentas, calçados, chapéus, ar-
marinhos, ferramentas, bijuterias, tecidos, rendas, bordados, etc.).
No final do século XIX e primeiras décadas do século XX, grande par-
te da população brasileira residia no meio rural. Esse espaço tornava-se de
grande expressão para os vendedores ambulantes. Mercados locais, interliga-
ções regionais, ocupações territoriais, dinamismos de trocas comerciais, es-
tratégias de construções de mercados informais foram sendo dinamizadas em
múltiplos espaços do país por esses grupos nacionais e étnicos (Nunes, 1986).
Eles foram ganhando essa representação no mundo dos negócios informais,
diretos e acordados entre comerciantes e consumidores; deslocavam-se com
cavalos, mulas, carroças e, posteriormente, com automóveis; acompanhavam
o dinamismo dos transportes e as inovações, a quantidade de mercadorias
ofertadas e demandadas (Francisco. 2013).
A indústria e comércio têxtil de São Paulo, nas primeiras décadas do
século XX, a chamada “era dourada” da fabricação de tecidos, possuía a
marca dos sírios e libaneses (Truzzi, 1992). Redes formais e informais foram
se constituindo entre parentes, familiares, vínculos religiosos, locais de proce-
dência e entre ofertadores e consumidores. Isso tudo favoreceu para viabilizar
o processo migratório e dar sustentação aos imigrantes recém-chegados.
A vida econômico-mercantil de mascates foi favorecida pela malha fer-
roviária do Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente para chegar em ci-
dades do interior dos estados. Porém, foi no lombo de mulas que muitos
deles ganharam notoriedade e identificação, no interior das fazendas de café
e cana de açúcar. Segundo Truzzi, esse processo aproximava mais os colonos
e trabalhadores em geral das usinas e fazendas, pois diminuía a dependência
desses em relação aos fazendeiros. “Eram bem recebidos pelos colonos; esses
268
Sírios e libaneses em Passo Fundo
preferiam negociar com eles; além dos preços, as formas de pagamento eram
mais favoráveis” (Truzzi, 1999, p. 320).
269
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
270
Sírios e libaneses em Passo Fundo
Em Passo Fundo, os sírios e
libaneses, na sua grande maioria,
situaram-se na parte central da
cidade, na Avenida Brasil entre
a 7 de Setembro e a rua Fagun-
des dos Reis, bem como nas ruas
Gen. Netto e Osório, assim como
na parte central da Rua Moron.
É interessante enfatizar que
houve muita migração regional
Mula carregando bruacas utilizadas na desses grupos sociais, assim como
região sul por tropeiros e mascates. o município absorveu migrantes
Fonte: https://goo.gl/srsGQ4
que se deslocaram de outras regi-
ões. Pelas entrevistas, há constantemente referência à Lagoa Vermelha, Pal-
meira das Missões, Soledade e Erechim como espaços de grande circulação
regional entre sírios e libaneses.
Entrevistados afirmam ter havido uma grande cooperação entre os imi-
grantes; isso era fundamental para dinamizar o comércio, do atacado ao con-
sumidor. O mascate, por exemplo, batia nas casas, vendia diretamente para a
dona de casa, em prestação. Essa estratégia mercantil lhe garantia a possibi-
lidade de retornar novamente e vender ainda mais, aumentando, com isso, a
rede de clientela e o volume transacionado. As vendas entre o atacado e o co-
merciante, em geral, davam-se com pagamentos em prestações, fato esse que
criava uma rede de confiança, movimentação de dinheiro entre comerciantes
e consumidores (Francisco, 2013; Morales, 2001).
Imigrantes cristãos identificavam-se com mais facilidade ao ocidente;
muitos passaram pelo período de domínio da França logo após a Primeira
Guerra Mundial. Nesse sentido, muitos dos imigrantes sabiam falar francês
e inglês antes de emigrar; isso auxiliou em alguns âmbitos nas comunicações
da viagem e dos primeiros tempos nos cenários de destinos. Tivemos vários
interlocutores que manifestaram isso de seus antepassados imigrantes.
Os conflitos políticos, de fronteiras, de religião e etnia, presentes no país
de origem, fizeram com que muitos esquecessem os problemas de lá. Muitos
aportuguesaram o nome e se integraram na sociedade brasileira. A prosperi-
dade nos negócio ajudou muito nesse sentido, bem como fez superar o estig-
271
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
272
Sírios e libaneses em Passo Fundo
específico para os sírios e libaneses. A igreja é um horizonte importante na
vida dos imigrantes, pois permite desenvolver rituais, cerimônias em árabe,
matar a saudade da pátria, fornecer ligação com sua terra natal e fazer os
imigrantes lembrarem de sua cultura e modo de vida, de sua gente, encontrar
amigos para conversar, jogar, etc. (Knowlton, 1961, p. 176).
Entendemos que, grupos de imigrantes, com características étnicas, ten-
dem a recriar seus espaços para a socialização, lazer e expressão cultural,
demarcar território e se fazer sentir publicamente. Sírios e libaneses buscaram
a socialização comunitária através de clubes. Nesse horizonte, os agrupamen-
tos se encontram, trocam informações, ritualizam seus costumes e crenças,
vivem a nostalgia no âmbito coletivo, expressa na gastronomia, nas danças,
nas canções, nos rituais festivos, etc.
Em razão de suas atividades comerciais, esses imigrantes desenvolveram
uma ampla economia em rede, a qual envolvia a oferta das mercadorias, os
comerciantes, os consumidores, as dinâmicas de vendas em prestação, bem
como a busca de novos imigrantes (familiares, primos, conhecidos) para dar
continuidade ao trabalho, ampliar negócios, repor mão de obra, interligar
com mais estreiteza os três países. Um dos entrevistados disse que chegou em
Passo Fundo porque seu tio o mandou chamar para auxiliar no negócio. Ele
disse que emigrou com 25 anos e que já chegou com o trabalho assegurado
na loja do seu tio.
O trabalho como mascate e, posteriormente, em seu estabelecimento
comercial, afastava qualquer possibilidade de sírios e libaneses adentrarem
com intensidade na fileira dos operários industriais e trabalhadores agrícolas.
Eles andavam pelo interior das fazendas pastoris no Rio Grande do Sul, bem
como nos espaços da pequena propriedade familiar rural e viam a precarieda-
de de vida dos trabalhadores das estâncias e da agricultura familiar. Isso eles
não queriam para eles. A necessidade do dinheiro era satisfeita pelas vendas
no comércio (Francisco, 2013). A vida de mascate não requeria tanto capi-
tal inicial, pois compravam a crédito e o escoamento era rápido e lucrativo
(Knowlton, 1961).
Muitos mascates em Passo Fundo, nas primeiras décadas do século XX,
concorriam com italianos (em geral, do Sul da Itália, em particular, calabre-
ses e sicilianos) e portugueses; transacionavam mercadorias por mercadorias,
273
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
6
Armarinhos referem-se a agulhas, alfinetes, linhas, lã, pentes, botões, bordados... Um dos entrevis-
tados disse que eram “miudezas para as casas e as costureiras”.
274
Sírios e libaneses em Passo Fundo
275
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
grupos em questão foram manifestadas, porém, não mais de uma forma as-
sociativa de expressão pública de pertencimento.
Reconhecemos que obtivemos pou-
cas informações sobre a referida entida-
de. Tentamos de várias formas, conver-
sarmos com inúmeras pessoas que entre-
vistamos e as respostas foram sempre no
sentido de que pouco sabiam, não sabem
com quem ficou as atas, documentos,
ilustrações, etc. O que se sabe é que du-
rou pouco. Porém, não conseguimos ir
além de alguns fragmentos de lembran-
ças de entrevistados, inclusive, a própria
localização permanece controversa. Na
narrativa de Linda Dipp Estacia, “[...], o
pessoal foi desistindo, acho que por pres-
são de alguma coisa; só sei que não du-
rou muito”. Segundo ela, “eu era crian-
ça, não lembro bem, mas sei que o ter- Retrato de Syria Seady, partici-
reno foi cedido pelo Sr. José Zacharias”. pante da Sociedade Sírio-libanesa,
ilha de Emilio Seady e mãe do Sr.
Segundo conversa que obtivemos com o Aniello D’Arienzo. Fonte: Album
Sr. Aniello D´Arienzo7, ele disse que foi do Município de Passo Fundo. Pas-
sua mãe Syria Seady que fez e desenhou so Fundo: Tipograia do Jornal “A
a bandeira; “quem fundou a Sociedade Luta”, 1931, p. 48.
foram os tios do Joseph Estacia, eu lembro só do nome do Miguel Estacio;
mas meu avô, Emylio Seady participava da Sociedade e também foi funda-
dor”.
Segundo o entrevistado,
7
Aniello D´Arienzo, 80 anos, filho de Leopoldo D´Arienzo e Syria Seady, neto de Emílio Seady e
Constantina Seady, em entrevista direta em sua residência.
276
Sírios e libaneses em Passo Fundo
porque o Vargas acabou com tudo, obrigou a fechar. Acho que foi por
1938. [...]. O meu avô era participante ativo. [...]. A Sociedade ficava
lá na Rua Júlio de Castilhos, atrás do Colégio Protásio Alves, esquina
com a Rua Fagundes dos Reis; era a casa do Zacharias, outro árabe de
muita expressão em Passo Fundo”.
Segundo entrevista
com Joseph Estacia, seu
tio avô foi quem emigrou
primeiro da família, saiu
do Líbano em mais ou
menos 1898, da cidade
de Ehden. Ele deslo-
cou-se direto para Passo
Fundo e se estabeleceu
nas proximidades onde
depois ficou conhecido o
Joseph Boulos Estacia, 92 anos, e sua esposa, Linda
Bar Oriente, na Rua Mo- Dipp Estacia, 84 anos. Fonte: pesquisa de campo.
ron. Ele emigrou devido
277
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
A esposa de Joseph, Linda Dipp Estacia, narra que seu pai veio bem
jovem, com 18 ou 20 anos; foi primeiramente para Soledade, onde lá havia
alguns primos já emigrados. Ele mascateou no início e, posteriormente, em
1919, migrou para Passo Fundo e comprou terreno amplo entre as esquinas
das ruas Gal. Neto com Gal. Osório (onde residem atualmente). Nesse espa-
ço, abriu uma loja e, segundo a entrevistada, prosperou.
278
Sírios e libaneses em Passo Fundo
Por volta de 1928, Antônio Elias Dipp abriu em Passo Fundo sua “Casa
de Negócios”, porém, em 1939, alugou-a. Em 1957, Joseph Boulos Estacia,
logo após casar com Linda Dipp, seguiu o ramo lojista e fundou sua loja, a
“Casa São José”.
279
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
280
Sírios e libaneses em Passo Fundo
também pegar o rumo para o Brasil e di-
recionar-se para Passo Fundo. Isa emigrou
em 1904 logo após ter casado com Salima
Elias Dipp. Tanto Isa, quanto seu irmão
Moisés e seus amigos do lugar de origem
que haviam emigrado antes atuaram pri-
meiramente como mascates. Suas saídas de
casa para vender produtos poderiam durar
até um mês; iam até o atual distrito de Bela
Vista, carregando bruacas nas mulas, le-
vando tecidos, miudezas, perfumarias, etc.
Segundo Lúcia, Moisés Dipp, logo viu que
precisavam de mais mulas cargueiras, pois
o negócio progredia. Diz ela que eles para-
vam nas fazendas, dormiam em galpões e Salima Elias Dipp, esposa de Isa
Dipp. Fonte: foto gentilmente
eram bem recebidos pela população rural, cedida por Lúcia Dipp Salton.
a qual queria ver as novidades; “a chegada
dos mascates era motivo de festa”.
Em 1914, dez anos depois do casa-
mento, Isa foi buscar a esposa Salima na
Síria. “Era assim o costume por lá”. Em
1915, nascia o filho Daniel. Isa continuou
mascateando até 1924 quando, então, co-
locou uma pequena loja de secos e molha-
dos, uma espécie de bodega que era aten-
dida pela família, onde hoje é a Av. Brasil,
ao lado da Galeria Central; era conhecida
como a “Casa Dipp”.
281
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Localização da “Casa Dipp” na Av. Brasil. Fonte: foto gentilmente cedida por Lúcia
Dipp Salton.
282
Sírios e libaneses em Passo Fundo
“muitas vezes pegando carona para chegar ao destino em razão da carência
financeira”.
283
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
9
Algumas das referências que, sinteticamente, colocamos no texto, estão presentes no livro de Sel-
ma Costamilan, “César Santos: a trajetória de um pioneiro”. Passo Fundo: UPF Editora, 2005.
284
Sírios e libaneses em Passo Fundo
pais valorizavam e incentiva-
vam o estudo e o propiciaram
aos seus filhos, tanto é que seu
filho César estudou em colégios
de Passo Fundo e Porto Alegre;
cursou duas faculdades simulta-
neamente, farmácia e medicina,
na UFRGS, tendo concluído a
José Antônio dos Santos e sua esposa Maria primeira em 1932 e a segunda
dos Santos Vaz, pais de César Santos. Fonte: em 1933, além de especializa-
Costamilan, 2005, p. 65.
ções em sua área.
285
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
“[...]. Ele veio aventurando mesmo, não se sabe porque saiu do país.
O que se sabe é que lá na Síria, a família dele fazia negócios com cava-
los e bebidas; aqui havia muitas fazendas, muita gente que criava cava-
los e era, no período, o grande meio de transporte; então ele otimizou
um saber já existente. [..,]. A sua esposa era costureira. [...]. Com o
tempo, ele montou um comércio de bebidas e de compra e venda de
cavalos, num local fixo, o qual ficava entre as ruas 20 de Setembro e
dos Andradas, no bairro Boqueirão”.
286
Sírios e libaneses em Passo Fundo
Abdul morreu em 1935, sua esposa em
1989. Alguns anos antes de morrer, já não havia
mais o negócio de bebidas e de cavalos. Os filhos
buscaram atividades variadas, dentre eles, Eblen
Kalil; esse, aos 18 anos, estabeleceu uma alfaiata-
ria na Av. Brasil, ao lado do Banco do Brasil e lá
seguiu sua atividade.
287
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
288
Sírios e libaneses em Passo Fundo
Documentos de
imigração do Sr.
Nasri Touic Khoury,
também, em frente
à sua loja e com seus
ilhos. Fonte: foto
gentilmente cedida
por Jamil Khoury.
289
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
baneses. Davi fez questão de enfatizar que esse éthos cultural advém de muito
tempo, “do período dos fenícios, nós somos seus descendentes”.
Em outra entrevista que fizemos com o Sr. Jorge Farah, ele enfatiza a
vida de mascate de seu avô, que veio para o Brasil a convite de um primo que
mascateava na região de Soledade e Lagoa Vermelha. Todos do grupo de
parentes que vieram montaram lojas em cidades da região e em Passo Fun-
do, ainda que essa, como ele diz, foi muito breve, pois “aqui já tinha muita
concorrência.
290
Sírios e libaneses em Passo Fundo
que seu pai queria ir para a região de Bento Gonçalves porque lá produzia-se
muita uva e que isso fazia o libanês feliz porque lá no Líbano sempre lidaram
com uva e outras frutas. O problema, diz ele, que daí “tinha de deixar de ser
comerciante para ser agricultor”.10
A Família Buaes
Segundo a entrevista
com Jorge Buaes, ele diz
que seu avô paterno, Mi-
guel Buaes, emigrou de
Beirute, em fins do século
XIX, tendo 25 ou 26 anos.
Nessa primeira viagem,
migrou sozinho. Após es-
tabelecer-se em Passo Fun-
do e atuar no comércio,
mascateando, retornou
ao Líbano e casou lá. Em Ao centro, o casal Miguel e Aif Buaes com seus
pouco tempo, retornou e ilhos; da esquerda para a direita: Alice, Itala, Esta-
trouxe sua esposa Afife e o nislau, Emilio, Jorge e Aurélia.
filho primogênito, Jorge. Após residir alguns anos em Passo Fundo, foi para
a Argentina (região de Mendoza), onde a família viveu algum tempo e teve
uma filha, Aurélia, e um filho, Estanislau, esse, seu pai. Após alguns anos,
seus avôs retornaram novamente ao Líbano e tiveram mais três filhos: Itala,
Alice e Emílio. Miguel fez nova viagem ao Brasil e, após algum tempo, em
1915, Afife, sua esposa, emigrou com os seis filhos. A família foi se estabele-
cer em Getúlio Vargas onde residiram por alguns anos e onde seu avô Miguel
exerceu atividade comercial. No final da década de 1920, a família mudou-se
para Passo Fundo. Nessa cidade, Miguel e Afife residiram até o fim de suas
vidas. Miguel faleceu em 1949 e sua esposa Afife em 1962. Seus seis filhos
10
A entrevista com o Sr. Farah, 72 anos, aconteceu de uma forma aleatória e por mera casuali-
dade, na fila de espera de atendimento em uma agência bancária de Passo Fundo. Não registramos
imagens, pois não havia aparelhos fotográficos nem celular no momento. O referido interlocutor
comprometeu-se em nos enviar umas fotos, mas não o fez.
291
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
“Assim como outros imigrantes, meu avô veio aventurar a vida aqui
porque a situação estava intolerável sob o Império Turco-Otomano
no final do século XIX. Meu avô e três irmãos vieram para o Brasil à
procura de melhores condições de vida. Meu avô Miguel foi o primei-
ro a vir, pois era o mais velho, tinha uns 25 a 26 anos quando veio.
Outros irmãos vieram depois e aqui ficaram com suas famílias. Cesá-
rio que viveu em Getúlio Vargas, José que viveu em Giruá, Felipe em
Porto Alegre e um quarto irmão, Haiquel chegou a vir para o Brasil,
mas não se adaptou e retornou ao Líbano”.11
Segundo o Sr. Jorge Buaes Sobrinho, seus pais, Estanislau e Linda Abuek
Buaes, viveram quase sempre em Passo Fundo; tiveram quatro filhos (There-
sinha, Jorge, Carmem e Luiz Carlos), atuaram no comércio, abriram uma
loja “que vendia de tudo”, a Casa Tufi, onde hoje é a loja Berlanda, ao lado
do Supermercado Grenal, próximo à casa da família do ex-prefeito Airton
Dipp.
Segundo o entrevistado, junto com a
loja, havia uma sorveteria. Seu tio Jorge ti-
nha uma outra loja, “A Libanesa”, onde hoje
é a Farmácia Raia, na esquina da Av. Brasil
com a rua Fagundes dos Reis. A família Bua-
es atuou em vários ramos em Passo Fundo,
com destaque para a advocacia e a docência
nessa área do conhecimento.
Outro libanês, muito mencionado em
nossas entrevistas, é o Sr. Salim Buaes. Ele
teve grande atuação empresarial, na esfera
do direito e da docência junto à Universida-
de de Passo Fundo, tanto na Faculdade de O Sr. Salim Buaes. Fonte: HE-
Direito, quanto nas de Economia e Adminis- XSEL, C. A.; GÁRATE, H. E. Co-
mércio, século XX – Passo Fun-
tração. Casou com Amália Mafessoni e teve do. Passo Fundo: Sincomércio,
2002, p. 22.
11
Entrevista com Luiz Carlos Buaes.
292
Sírios e libaneses em Passo Fundo
quatro filhos. Faleceu
em Passo Fundo no
ano de 2001, com 94
anos de idade.12
293
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
294
Sírios e libaneses em Passo Fundo
Passo Fundo. Por esse amplo envolvimento empresarial, político, social e as-
sistencial recebeu o título de Cidadão Honorário de Passo Fundo. Faleceu em
Passo Fundo em 1987, aos 67 anos, deixando quatro filhos, Wilson, Zaida,
Salete e Thadeu Nedeff Filho.13
Família Elias
295
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Maria Gessy conta que ela migrou para Passo Fundo em 1959, casada
com Alcides Tarasconi, ele de Nova Prata. A migração para Passo Fundo
deu-se em razão da necessidade dos filhos avançarem nos estudos. Ela enfa-
tiza que sua família destacou-se na área médica e que busca, aos seus 94 anos,
preservar valores gastronômicos, religiosos e de respeito às diferenças, segun-
do ela, próprios da cultura libanesa.
Segundo entrevista com Carlos Alberto Mayer, neto de Jorge Felipe Da-
dia, seu tio-avô, Jorge, emigrou do Libano no início do século XX; saiu de
Beirute, capital do Líbano; emigrou solteiro e foi para Soledade; nesse local,
possivelmente, no período, havia outros patrícios, talvez até parentes. Em
Soledade montou um curtume. A lida com couros era seu ofício no país de
origem e buscou imediatamente, no espaço de destino, otimizar esse saber.
Alguns anos depois, com a morte do bisavô, seu tio Jorge foi buscar o
avô no Libano; lá, venderam as terras e benfeitorias que tinham para a Igreja
Católica e emigraram para o Brasil no início do século XX. Carlos Mayer
informa que emigraram num navio a vapor, italiano e que ficaram seis meses
fazendo escalas. Alguns anos depois, em 1921, a mãe e o irmão do avô tam-
bém emigraram para Passo Fundo.
296
Sírios e libaneses em Passo Fundo
15
Entrevista direta com o Sr. Carlos Alberto Meyer, neto de Jorge Felippe Dadia e Haifa Carubim
Dadia.
16
No Site do “Projeto Passo Fundo” consta que Jorge Felippe Dadia nasceu na cidade de Safad
(Palestina) no dia 15 de março de 1893. Depois de residir na França, Portugal e Espanha, transfe-
riu-se para o Brasil fixando-se inicialmente em Santa Cruz, mas, logo após, transferiu-se para Passo
Fundo, onde foi proprietário de uma sapataria.
297
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
ao fato de que seu avô era muito solidário com seus patrícios que chegavam
na região, auxiliava em suas demandas mais prementes de recém-imigrante.
Jorge Dadia morreu em 1964, com 67 anos.
Documento de Jorge
Felipe Dadia; na pági-
na à direita, o nome
e data de nascimento
de seus nove ilhos,
nascidos em Passo
Fundo. Fonte: docu-
mento gentilmente
cedido por Carlos
Alberto Mayer.
Carlos Alberto Mayer, com a mala de seu avô, Jorge Felipe Dadia. Fonte:
pesquisa de campo.
298
Sírios e libaneses em Passo Fundo
17
O conteúdo sobre a família de Same Chedid nos foi generosamente enviado, via e-mail, pelas
senhoras Sabine e Simone Chedid, netas de Same Chedid.
299
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
18
Por intermédio da entrevistada consultamos também seu irmão, Paulo Volnei Barquete, e também
sua prima, Solange Barquete que, por meio de informações orais, documentação e fotografias da
família, auxiliaram na composição desse fragmento narrativo.
300
Sírios e libaneses em Passo Fundo
região no período como a fome, pobreza e conflitos, de acordo com nossa
interlocutora, foram decisivas para o abandono da terra natal e a esperança
de se alcançar melhores condições de vida.
Ao entrar no Brasil, pelo Porto de Santos, no Rio de Janeiro, Pedro
possivelmente aportuguesara seu nome e sobrenome, não havendo registros
do original, apenas do sobrenome que originalmente, sabe-se, grafava-se “Ba-
rakat”. Em seguida, dirigira-se à São Paulo, onde teria vivido por um curto
período de tempo, encontrando alguns co-nacionais, tendo aprendido a “arte
de mascatear, de vender de porta em porta, enfim, a profissão de mascate”.
Posteriormente, Pedro migrara à Argentina, juntamente com uma irmã, onde
se estabelecera também por pouco tempo, retornando em seguida ao Brasil,
instalando-se no Rio Grande do Sul, no interior de Soledade, na segunda
década do século XX. No referido local, Pedro assumiu matrimônio com
Etelvina Ferreira, com quem viria a ter cinco filhos, Adige, Jamil, Abd-laziz,
Calir e Zaibe.
2
4
3
1
301
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
302
Sírios e libaneses em Passo Fundo
tendo trabalhado inicialmente como radiotelegrafista da Viação Férrea e da
Companhia Varig da Aviação, adentrando, posteriormente, no ramo de secos
e molhados, comércio de carnes, armazenagem de cereais, dentre outros.
Outras famílias
303
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Considerações finais
304
Sírios e libaneses em Passo Fundo
que nem todos os emigrantes, em seu país de origem, exerciam a profissão
de vendedores/comerciantes. Muitos o fizeram no espaço de destino pelas
circunstâncias e por seguir alguns de seus co-nacionais. Eram pastores, extra-
tivistas, agricultores e trabalhadores citadinos de várias profissões no país de
origem. Segundo a literatura revisada, muitos aprenderam o ofício de nego-
ciante/comerciante no longo período que esperavam nos portos de Marselha,
Gênova ou mesmo na Alexandria para compor a carga de passageiros. A
necessidade de dinheiro, o tempo livre, a forte presença de imigrantes nesse
cenário, transformou muitos imigrantes em pequenos negociantes.
Não podemos esquecer também que, Passo Fundo, no final do século
XIX e mesmo nas primeiras décadas do século XX, era um município agríco-
la e extrativista, com pouca produção de excedentes; o latifúndio e a estrutura
pecuarista ainda preponderavam. As novas colônias e colonizações estavam
se processando, a indústria da madeira estava em evidência e o processo de
produção agrícola se diversificando. Desse modo, a dinâmica mercantil do
mascate auxiliou na alteração desse processo, bem como otimizou os fato-
res mercantis precários e centrados na figura do comerciante tradicional es-
tabelecido no meio rural. Assim como os mascates reduziram o poder e a
determinação do grande proprietário e senhor das vendas (casas de comér-
cio) no regime de colonato nas grandes fazendas de café em São Paulo, os
comerciantes tradicionais do meio rural, situados nas sedes das comunidades
da região de Passo Fundo, perderam espaços para os mascates em suas estra-
tégias e condições de vendas de produtos aos agricultores. Alguns mascates
tornaram-se também comerciantes de comunidades rurais, tendo, em grande
parte, migrado para a cidade pós-década de 1970.
Muitos dos imigrantes deslocaram na condição de apátridas; seus refe-
renciais identitários baseavam-se na religião e na aldeia de origem. Porém,
tiveram que fazer concessões identitárias. Sua ocidentalização aconteceu na
ligação com o mundo das trocas informais nos contatos diretos com os clien-
tes e seus espaços familiares e sociais. Eles tiveram de redefinir seus horizon-
tes religiosos, gastronômicos e linguísticos; adotaram estratégias matrimo-
niais mistas; souberam ser parcimoniosos e contidos o suficiente para encarar
crises econômicas, enviar dinheiro para quem ficou no espaço de origem e,
assim mesmo, empreender e “fazer os filhos estudar”, como nos disseram
alguns entrevistados. Ainda que muitos possam ter falido, o certo é que em
305
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Passo Fundo, estruturou-se uma ampla rede comercial e atacadista que levou
a marca dos sírios e libaneses. Em outros estados, como São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais, essa realidade permanece reconhecida e visível na
atualidade com os grandes espaços de comércio popular nos grandes centros
urbanos bem como nas várias áreas das atividades econômicas, científicas e
hospitalares.
Há em Passo Fundo, ainda hoje, alguns estabelecimentos comerciais de
sírios e libaneses; a segunda e/ou terceira geração dos pioneiros adentrou
para várias atividades profissionais. No município, temos médicos/as, pro-
fessores/as, advogados/as, radialistas, jornalistas, políticos, dentre várias
profissões que levam o sobrenome dos pioneiros que iniciaram mascateando
pelo município e região.
306
Sírios e libaneses em Passo Fundo
para os sírios e libaneses a demarcação de território, pertencimento e frontei-
ra étnica (arabizando um pouco Passo Fundo), mas, ao mesmo tempo, houve
a necessidade de incorporação do modus vivendi do espaço de destino, otimi-
zando-o em razão de seus interesses, da intencionalidade do processo migra-
tório e do pragmatismo da vida econômica.
Enfim, hoje é possível e necessário reconhecer em Passo Fundo a pre-
sença árabe, em particular, de sírios, libaneses, jordanianos e palestinos para
além dos referenciais gastronômicos (kibe, doces, esfihra, temperos, hortelã,
etc.) e profissionais; seus horizontes culturais mais amplos, sua imensa capa-
cidade de socialização e integração social, suas crenças e valores demonstram
a importância e o reconhecimento das diferenças, capacidades de convivên-
cia e harmonia social. Muito de tudo isso leva a marca de sírios e libaneses.
Referências
307
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
308
Sírios e libaneses em Passo Fundo
TO, Boris (Org.). Fazer América: imigração em massa para América Latina.
São Paulo: Edusp, 1999, p. 315-351.
_____. De mascates a doutores. São Paulo: Editora Sumaré, 1992.
309
Alguns estabelecimentos domiciliares e comerciais no centro de Passo Fundo - de 1900 a meados do século XX1
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Casa Jordânia
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Sírio-libanesa
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310
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Sapataria de Jorge Dadia Casa Oriental
Casa Palestina o
Casa São José
óri
l Os
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Fonte: adaptado por Alex Antônio Vanin. Rua G
1
A localização dos estabelecimentos foi-nos informada pelos interlocutores da pesquisa; alguns não tinham plena certeza da localização, tendo sido,
portanto, indicada nas proximidades. Um mapa mais detalhado e com maiores informações se encontra no final do livro, em anexo.
A comunidade judaica em
Passo Fundo
1
Doutora em História; prof. da UFFS – Campus de Erechim.
2
Doutor em Ciências Sociais; Prof. do PPGH/UPF.
3
Graduando em História na UPF, bolsista PIBIC/CAPES
311
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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A comunidade judaica em Passo Fundo
313
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Imigração Judaica
Anos Total Judaica Judaica em %
Mundial em %
1881-1900 1.654.101 1.000 0,6 0,1
1901-1914 1.252.678 8.750 0,7 0,5
1915-1920 189.417 2.000 1,0 2,2
1921-1925 386.631 7.139 1,8 1,7
1926-1930 453.584 22.296 4,9 12,9
1931-1935 180.652 13.075 7,2 5,5
Fonte: LESSER, Jef. Pawns of the Powerful: Jewish Imigration to Brazil, 1904-1945.
New York University, 1989, p. 91.
314
A comunidade judaica em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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A comunidade judaica em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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A comunidade judaica em Passo Fundo
ceiro aos imigrantes para que abandonem Quatro Irmãos, buscando estabe-
lecerem-se em outras áreas agrícolas e, mais especificamente, distribuindo-se
pelas cidades do sul do país. Argumenta: “Em vez de empregar um sistema
defeituoso, seria melhor ajudar os imigrantes a deixar a colônia e a procurar
trabalho nas cidades” (Gritti, 1997, p. 46).
O auxílio da Jewish Colonization Association aos imigrantes, para que
procurassem outras áreas, ou mesmo para que retornassem ao seu país de
origem, foi precedido de uma certa relutância por parte da própria, pois,
apesar dos imigrantes terem sido vítimas de agentes pouco escrupulosos, ela
considerava-se moralmente responsável pelos referidos, devido ao seu caráter
filantrópico. Preocupou-se também com a má impressão que esses retornos
poderiam causar na Europa. Assim é que o retorno de 48 pessoas para a
Europa, via Hamburgo e Bremen, ocorre sob reservas da direção central,
enquanto que a dispersão dos imigrantes internamente era apoiada por ela.
321
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
322
A comunidade judaica em Passo Fundo
A formação deste novo núcleo colonial é descrita por Leon Back num
artigo publicado no jornal Correio do Povo de 27 de julho de 1926, da seguin-
te forma:
323
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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A comunidade judaica em Passo Fundo
5
Três sociedades filantrópicas, HIAS (Hebrew Imigration Aid Society) de Nova York, ICA (Jewish
Colonization Association) de Paris e Londres durante algum tempo, EMIGDIREKT (Emigrations-
-Direktion) de Berlim formaram em conjunto a HICEM para auxiliar os judeus em sua emigração
da Europa para diversos países.
325
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Colonos instalados em
Quatro Irmãos pela Jewish A Jewish Colonization
Colonization Association Association e os intrusos
(1912-1930)
Além das dificuldades com a estabi-
Anos Colonos instalados lidade dos imigrantes israelitas assenta-
1912 73
dos em seus domínios, a ICA vivenciou
1913 120
a constante ocupação de sua propriedade
1914 101
1915 03 por colonos em busca de terras. Essa ocu-
1916 09 pação era definida pela Companhia como
1917 10 intrusão. A intrusão caracterizada como a
1918 03 ocupação de terra da qual não possui título
1919 04 legal foi constante na Fazenda Quatro Ir-
1920 02 mãos. Porém dois períodos foram de maior
1921 - intensidade pela dimensão das discussões
1922 -
em torno da questão.
1923 -
No primeiro período, de 1927 a 1929,
1924 -
1925 02 época em que as intrusões passam a ter um
1926 45 caráter político bem definido. Elas estão li-
1927 63 gadas à contestação da posse da Fazenda;
1928 12 e o período de 1948 a 1950, momento em
1929 06 que as discussões chegam até a Assembleia
1930 01 Legislativa do Estado e a desapropriação
Fonte: ICA, apud Gritti, 1997. da própria é proposta.
As ocupações mostraram-se oscilan-
tes quanto à quantidade de indivíduos pre-
326
A comunidade judaica em Passo Fundo
327
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Que a terra por ele e seu bando ocupada não é ‘bem legal’ ou que o
registro está viciado, portanto, posse duvidosa e, como tal, é terra ‘de
todos’ que deve ser partilhada entre os atuais ocupantes. Mas, admite,
também, que é terra particular que ao Estado cabe desapropriar ou
comprar para distribuir ou vender baratinho, sem prazo e sem quotas
determinadas de pagamento (Anais da Assembleia Legislativa do RS,
1949, p.30).
328
A comunidade judaica em Passo Fundo
Venderá terras aos atuais intrusos de suas terras, desde que o can-
didato tenha condições financeiras ou credenciais para garantir o
pagamento a prazo. Quanto aos que não dispuserem de meios ou
possibilidades de pagamento à vista ou a prazo, serão retirados da
área intrusada, cabendo, ao Estado, promover a sua locomoção, bem
como promover a remoção dos intrusos que não puderem ou não
quiserem adquirir terra por compra na área intrusada (Anais da As-
sembleia Legislativa do RS, 1949, p. 545-546).
329
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
A exploração florestal
330
A comunidade judaica em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
332
A comunidade judaica em Passo Fundo
“De acordo com a necessidade da família e dos filhos. Hoje você tem
uma filha ou um filho que termina uma parte do estudo aqui em
Passo Fundo e precisa sair daqui, manda o filho ou a filha, leva junto,
vai lá, aluga um apartamento para o filho ficar. Naquela época não,
a família ia junto, porque na Europa eles eram muito perseguidos e
aqui eles tinham medo de que pudesse acontecer, então eles iam de
atrás” (Entrevista direta com Daniel Winik).
A família era central para o judeu; por isso, separar filhos dos pais, so-
mente em casos extremos de imigração internacional ou em outras circuns-
tâncias, mas para estudos e/ou trabalho, raramente os pais separavam-se dos
filhos.
Essa questão da educação revelou-se central para os judeus. A escola
Instituto Educacional (IE), de Passo Fundo, em 1920, liderava no número
de matrículas de judeus; havia em torno de 260 judeus (Silva, 2002, p. 104).
O número de alunos revela a intensa preocupação das famílias judias com a
educação dos filhos. Nesse sentido, os pais sentiam-se também pressionados
para residir junto aos filhos; isso auxiliaria na vigilância e na decisão sobre
casamentos, na manutenção do pertencimento religioso e grupal.
O casamento era um ritual muito importante para as famílias de judeus,
principalmente para a manutenção da identidade, princípios, hábitos, tradi-
ções, preceitos religiosos e proteção contra a discriminação. Nesse sentido,
a endogamia era muito incentivada. Portanto, estudo, trabalho e casamento
eram importantes para o núcleo familiar. Segundo Berel,
“Meu avô pegou a minha mãe e foram a Porto Alegre para conhecer
a coletividade de Porto Alegre, no bairro Bonfim e lá ela conheceu
o meu pai. Um tempo depois começaram a namorar e aí casaram.
333
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Quando eles casaram, tiveram três filhos, eu e meu irmão mais ve-
lho nascemos em Porto Alegre, também no bairro Bonfim, esse meu
irmão já é falecido. Meu irmão mais novo nasceu em Passo Fundo.
Quatro anos depois de casados, eles vieram para cá (Passo Fundo),
onde o meu pai ficou até seu falecimento. Ele está também no cemi-
tério israelita de Passo Fundo. O meu pai trabalhou como massagista.
O Arão Baril era meu tio, irmão da minha mãe, filho do Waldemar
com a sua primeira esposa Sofia” (Entrevista direta com Berel Natan
Engelment, líder religioso da comunidade judaica em Passo Fundo).
334
A comunidade judaica em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
336
A comunidade judaica em Passo Fundo
Sede da União
Israelita Passo-
fundense e
antiga Sinagoga
em Passo
Fundo.
337
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Atual Sinagoga
Abrahão Melnick
em Passo Fundo.
Fonte: foto de
Flavio Tissot.
338
A comunidade judaica em Passo Fundo
9
Ver Jornal O Nacional. Passo Fundo, 26 set., 1936, p. 3.
10
Jornal O Nacional. Passo Fundo, 17 abr., 1940, p. 2.
339
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
“Em Passo Fundo houve uma época em que foram pichadas todas as
paredes – ‘Abaixo os Judeus’. Quebraram vitrines de todos os judeus.
[...]. Eles não deixavam idish se reunir [...]. No meio de uma reunião
chegou a polícia e prenderam todo o mundo. Eu saí na hora junto
com o marido. Um se escondeu embaixo da cama, outro dentro do
armário, outro no banheiro, mas eles levaram todos lá presos”.12
11
WAINSTEIN, Boris. Entrevista. Acervo do Departamento de Memória. Museu Judaico de Porto
Alegre. Entrevista n. 46. Porto Alegre, 1987, apud, Silva, 2002.
12
BLOCHTEIN, Adelina. Entrevista. Acervo do Departamento de Memória. Museu Judaico de
Porto Alegre. Entrevista n. 3. Porto Alegre, 1988. Ver, também, dissertação de Silva, 2002.
13
Entrevista com Daniel Winik, 83 anos; realizada no dia 15 de maio de 2015:
340
A comunidade judaica em Passo Fundo
14
Berel Natan Engelman, Líder Espiritual da Comunidade Israelita de Passo Fundo Sinagoga Abrahão
Melnick.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
342
A comunidade judaica em Passo Fundo
[...]. Em 1943, meu pai resolveu sair de Quatro Irmãos [...]; ele veio a
Passo Fundo para dar escola aos seus filhos, éramos em dois. Aqui ele
se estabeleceu juntamente com uma quantidade enorme de famílias
que já tinha em Passo Fundo. Lá [em Quatro Irmãos] chegou a existir
quinhentas famílias,
enquanto em Passo
Fundo, no início da
colonização e da ocu-
pação judaica [...],
nós tínhamos umas
cem famílias. Os que
vieram pra cá, com-
praram um terreno
e fizeram uma sina-
goga, que até hoje
funciona. Ao judeu Sr. Daniel Viunisk. Fonte: pesquisa de campo.
tem um valor muito
grande a morte, e aí então compraram uma gleba grande no cemitério
de Passo Fundo. [...] Aqui em Passo Fundo, os judeus se estabelece-
ram principalmente com o comércio; comércio de tecidos, comércio
de confecções, mas havia outras atividades: havia o açougueiro, havia
o alfaiate, cada um com suas habilidades.
O meu pai se estabeleceu inicialmente, por ser carpinteiro, com um
engenho de madeira; ele cortava madeira na região e trazia para Passo
Fundo. Com o passar do tempo resolveu abrir uma loja [...], uma das
dezenas de lojas de Passo Fundo de propriedade de judeus. Com o
passar do tempo, a sociedade israelita em Passo Fundo foi diminuin-
do, porque os filhos foram saindo pra faculdade, não tinha ainda fa-
culdades em Passo Fundo, aí muitos se transferiram para Porto Alegre
e para São Paulo. Hoje, a sociedade passo-fundense tem apenas 15
famílias judaicas, mas a sinagoga continua funcionando, tem reuniões
todas as sextas-feiras onde nós comemoramos o shabat, o sábado, e
participamos das festas judaicas.
343
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Documento de entra-
da no Brasil do judeu
Moisés Viuniski, pai de
Daniel, em 1927. Fonte:
Daniel Viunisk.
Considerações finais
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A comunidade judaica em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Referências
346
A comunidade judaica em Passo Fundo
Anexos
Sede da Colônia
Quatro Irmãos; hoje
sede da Prefeitura
Municipal de Quatro
Irmãos. Fonte: pes-
quisa de campo.
347
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
348
A comunidade judaica em Passo Fundo
Propaganda do
estabelecimento comercial
de Paulo Parglender. Fonte:
Guia Ilustrado..., 1939.
Propaganda do
estabelecimento comercial
de Abrão Birmann. Fonte:
Guia Ilustrado..., 1939.
349
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Nome do estabelecimento
Proprietário Localização
e/ou tipo de comércio
Abraão Birmann Venda de rádios e eletrônicos Rua Moron
Abraão Birmann
“Drogabir” (farmácia) Rua Moron
Sobrinho
Abraão Birmann
“Farmácia Rosa” Avenida Brasil
Sobrinho
Abrahão Melnick e
Tecidos e armarinhos Rua Moron
Jaime Kwitko
Arão Baril Armazém Av. Presidente Vargas
Arão Litvin Armarinhos Av. Brasil
Daniel Viuniski Escritório de Advocacia Rua Gal. Osório
Daniel Viuniski Farmácia Av. Brasil
Daniel Viuniski Farmácia Rua Bento Gonçalves
Família Maltick Tecidos e armarinhos Rua Bento Gonçalves
Família Wainsten Consultório médico Av. Presidente Vargas
Família Neirus e Litvin Camisaria Rua Bento Gonçalves
Francisco Sirotá Fruteira Rua Bento Gonçalves
Henrique Freitag Armazém Rua Moron
Henrique Freitag “Casa Henrique” (fruteira) Rua XV de Novembro
Henrique Winik “Casa Henrique” (sapataria) Avenida Brasil
Irmãos Ioschp Madeireira Rua Frei Caneca
Isac Raskin Armarinhos Avenida Brasil
José Birmann Venda de automóveis Rua Moron
José Sirotsky “Armazém Econômico” Rua Moron
Luiz “Casa Rayon” (tecidos, arma-
Rua Gal. Netto
Chwartzmann rinhos e venda de calçados)
1
A listagem resulta de entrevistas orais e pesquisa em catálogos e listas comerciais.
350
A comunidade judaica em Passo Fundo
“Casa Americana”
Luiz
(armarinhos e venda de cal- Avenida Brasil
Millman
çados)
Manoel Waistein Tecidos e armarinhos Rua Bento Gonçalves
Miguel Glock Tecidos e armarinhos Av. Presidente Vargas
Moisés Méster “Bazar Novo” Rua Independência
“Loja Confiança”
Moisés Viuniski Avenida Brasil
(Armarinhos)
Nathan Kwitko Armarinhos Av. Presidente Vargas
Paulo Parglender “Livraria Americana” Avenida Brasil
Paulo Parglender “Livraria Progresso” Rua Coronel Chicuta
Pedro Wainer Venda de móveis Avenida Brasil
Salamão Sukster Armarinhos Rua XV de Novembro
“Casa Paraíso”
Salomão Zeltzer Rua Moron
(bar e quitanda)
“Casa Carioca”
Samuel Bacaltchuk Avenida Brasil
(venda de móveis)
Samuel Bacaltchuk Tinturaria “Europea” Avenida Brasil
Samuel Winik Sapataria Avenida Brasil
Saul Winik Sapataria e venda de calçados Avenida Brasil
Sidney Melnick Construtora Rua Bento Gonçalves
“A Preferível”
Simão Brunsten Rua Moron
(tecidos e armarinhos)
Sirotsky e Birmann Madeireira Rua XV de Novembro
Waldemar Baril Tecidos e armarinhos Av. Presidente Vargas
351
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
352
Entre o barco e a enxada: recortes da
imigração polonesa em Passo Fundo
Introdução
1
Doutora em História e Professora da UFFS.
2
Doutor em Ciências Sociais e Professor do PPGH/UPF.
353
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
A historiadora Eva Trzeciak nos diz que, trigo, aveia, centeio, batata
inglesa eram os produtos cultivados nas pequenas propriedades. Nelas o uso
da terra era intensivo, mas sua produtividade era inferior à da grande pro-
priedade. Para Trzeciak, isso se deve ao baixo nível cultural do camponês do
reino que não tinha acesso à escola. A escolaridade estava num nível inferior
ao existente em outras Províncias do Império Russo, pois em 1861, 81% da
população do Reino eram analfabetas.
Os latifundiários e a alta nobreza eram aliados do governo russo, tendo
renunciado por completo ao desejo da independência. Por sua vez, a alta
burguesia urbana polonesa era ligada aos latifundiários, em virtude de serem
os detentores dos capitais usados na expansão das indústrias. O Reino da Po-
lônia no final do século XIX, era a região que mais se industrializou, tendo a
Rússia como grande consumidora desses produtos, principalmente os têxteis
(Trzeciak, 1983, p. 98-99).
Na região da Galícia, que fora conquistada pelo Império Austríaco na
primeira partilha da Polônia em 1772, e, portanto, sob ocupação austríaca,
o governo desejava o apoio dos latifundiários. Esse apoio ficou conhecido
como a Doutrina da Trilealdade, ou seja, como no Reino da Polônia, os lati-
fundiários aceitavam a dominação e colaboravam com as potências ocupan-
tes.
A Galícia era uma região essencialmente agrícola e o grande proble-
ma era a estrutura da propriedade agrícola. Em 1859, as propriedades ca-
dastradas que possuíam menos de 2 hectares representavam 35,6% do total,
em 1902 correspondiam a 42,3%. Se considerarmos o rápido crescimento
da população galiciana, constata-se que a mesma não produzia o suficiente
para seu próprio consumo, pois “o agricultor galiciano, comparado com os
agricultores dos países ocidentais da Europa, trabalhava por ¼ e comia por
meio homem. Na Galícia morriam de fome cerca de 50 mil pessoas por ano”
357
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Os poloneses no Brasil
359
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
363
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Estado Total
Paraná 307.000
Santa Catarina 89.000
Rio Grande do Sul 256.000
Outros Estados 190.000
Total 842.000
Fonte: LUD, fevereiro de 1970.
364
Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Linha Dourado Erechim, 1912, casa de um colono polonês. Fonte: Arquivo Histórico
Municipal de Erechim.
365
A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
370
Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Propriedade de um
colono polonês em
Carlos Gomes, em
1954. Fonte: Arquivo
Histórico Municipal de
Erechim.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Enfim...
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Família Tabaczinski
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Família Czamanski
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Segundo comentários
contidos no site do Proje-
to Passo Fundo, Deoclides
fotografou a cidade “de
cima abaixo”, como atesta
a mais numerosa série de
fotos aéreas e urbanas. De-
oclides recebeu, em 1998,
uma homenagem da As-
sociação dos Laboratórios
Fotográficos do Rio Gran-
de do Sul (ALASUL) por
Deoclides Czamanski. Fonte: foto gentilmente
ser o fotógrafo mais antigo cedida por Ronaldo Czamanski.
em atividade no estado. As
fotografias dele são encontradas em recordações de eventos sociais da época,
fotos áreas da cidade e acontecimentos do cotidiano
Em 2005, Ronaldo
Czamanski assumiu a
direção após o faleci-
mento do pai; o referi-
do fotografa com seu fi-
lho Rafael Czamanski,
dando continuidade à
tradição familiar. O ma-
terial acumulado pela
família Czamanski é
hoje a maior coletânea
Deoclides Czamanski segurando trigo para seu irmão, fotográfica sobre Passo
Armando, fotografar, nas proximidades da faculdade
Fundo. Este material já
de Agronomia da UPF. Fonte: Ronaldo Czamanski.
foi usado num sem-nú-
mero de publicações em jornais e livros que versam acerca da história da
cidade.3
3
http://projetopassofundo.com.br/principal.php?modulo=texto&tipo=texto&con_codigo=14708
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Família Sobiesiak
Em contato com a Sra. Eliane4, ela nos informa que seu bisavô, José
Sobiesiak, nasceu em 26 de setembro de 1866. Era sapateiro. Casou-se com
Josefa Wenzoski. Ambos tinham 25 anos quando decidiram vir para o Brasil
em 1890.
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
Família Ianisky
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Família Revers
Casper Revers, sua esposa e mais cinco filhos, emigraram de uma região
dos arredores de Cracóvia, Polônia, em 1889, para o Brasil. Estabeleceram-se
no Rio Grande do Sul, à época, na Colônia de Conde D´Eu, onde hoje é o
município de Nova Roma. Após alguns anos migraram para a Colônia de
Alfredo Chaves, no atual município de Veranópolis, e, por volta de 1912, para
a Colônia Guaporé, onde hoje é o município de Casca.
Quem nos dá essas infor-
mações é o Sr. Antônio Revers,
77 anos, casado com Elenice
Volpi. Ele é bisneto do imigran-
te Casper Revers; diz que seu
avô Alexandre, casou com Ma-
ria Wronski, essa com 14 ou 15
anos; tiveram 9 filhos, dentre
eles seu pai, João, casado com
Anastácia Klanovicz. Tanto
o bisavô, quanto o avô e o pai Alexandre Revers e sua esposa Maria
foram agricultores, porém, alia- Wronski. Fonte: foto gentilmente cedida
vam a agricultura a outros ofí- pelo neto, Antônio Revers.
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
cios, dentre eles o de carpintaria. Seu pai teve 11 filhos e, segundo ele, “con-
seguiu colocar todos os filhos dando terras para todos”. Seu avô faleceu em
1961, a avô em 1964; seu pai em 1993, sua mãe em 1991.
“Vim para Passo Fundo em 1960 para continuar estudar e para tra-
balhar. Estive por seis anos no seminário e, ao sair, meu pai disse
que deveria continuar nos estudos. Daí, estudei na escola noturna
do Colégio Conceição, fiz três anos de contador e, ao término, cursei
economia na UPF. Mas, o interessante é que comecei a trabalhar na
empresa Grazziotin logo que cheguei em Passo Fundo e, nela fiquei
por 43 anos”
Antônio Revers e
sua esposa Elenice.
No detalhe, há um
amplo acervo de
livros em polonês,
fotograias, o
violino do Sr. João
Revers, dentre
uma série de
outros objetos
que simbolizam o
passado da família
Revers. Fonte:
pesquisa de campo.
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Família Lech
“Em 1952, migrou para Passo Fundo, enviado para ser representan-
te comercial do laboratório que trabalhava em Porto Alegre. Migrou
solteiro; residia primeiramente no Hotel Avenida. [...]. Casou-se com
Almery Canfield, a qual descende de antigos imigrantes e de tradicio-
nal família do antigo território de Passo Fundo e, em particular, do
bairro Boqueirão. [...]. O pai sempre se dedicou ao ramo comercial,
como representante da empresa Merck Sharp & Dohme, onde traba-
lhou por 28 anos até se aposentar. [...]. Dedicou-se também ao campo
social, cultural e político, tendo sido um dos fundadores do Parque
Grêmio dos Viajantes, fiel torcedor do Gaúcho, engrossou as fileiras
do trabalhismo de Getúlio e Brizola, um exímio leitor e amante da
história e da política contemporânea do país. Recebeu inúmeras ho-
menagens da municipalidade”.
O casal João e Almery teve três filhos. João Lech faleceu no dia 9 de ja-
neiro de 1998, aos 71 anos; sua esposa, com seus 89 anos, permanece presen-
te no núcleo familiar. Seu filho, Osvandré, enfatiza o estilo simples do pai, de
valorização das coisas simples, da capacidade de aglutinar amigos, de extre-
ma dedicação à família e ao trabalho. Nesse campo do trabalho, seu pai des-
tacou-se como caixeiro-viajante, em específico como vendedor de produtos
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Entre o barco e a enxada: recortes da imigração polonesa em Passo Fundo
Referências
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Anexos
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A formação étnica de Passo Fundo: história, memória e patrimônio
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Alguns estabelecimentos comerciais e industriais na Vila Victorio Veneto - de 1890 a meados do século XX1
Família Busatto Família Susin Ofícios:
Família Bortolon Família de João Biasus ne
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Família De Toni ran
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4d Família Vendrame Av
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o Família Fasolin Leitaria
Família de Clemente Bernardon
Família de Pedro Bilibio Açougue
Família Formighieri
Família Bonotto Família Patussi
Bodega
Família Consalter
Família Giavarina
Família Reolon Banha
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Família Venturini as Gerais
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Família de Z. D. Costi Casa de Comércio
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Família Zancanaro Brigada Militar
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Família de Miguel Serena
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Família Rossetto Hotel
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Família Verardi
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Família Adami
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Casa de pasto
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Família de Guerino Possan rig
Família Ricci
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Sapataria
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Família Scortegagna
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Chapelaria
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Família Gobbi
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Família Damiani Fábrica de sabão
395
Alguns estabelecimentos domiciliares e comerciais no centro de Passo Fundo - de 1900 a meados do século XX1
Famílias:
C Bodega de Pedro Barquete
A Escritório de Economia e Advocacia de Salim Buaes A Buaes
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Hospital São Tocchetto
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Sociedade Beneicente G Tui-Mouzer
Casa Tui J Sírio-libanesa
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A localização dos estabelecimentos foi-nos informada pelos interlocutores da pesquisa; alguns não tinham plena certeza da localização, tendo sido, portanto, indicada nas proximidades.
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Alguns estabelecimentos domiciliares e comerciais no centro de Passo Fundo - de 1910 a meados do século XX1
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Família Viuniski Ru
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Família Bacaltchuk Família Winik
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Família Freitag
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Família Birmann Família Méster
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ene Sinagoga Abrahão Melnick Família Viuniski Família Glock
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Fonte: adaptado por Alex Antônio Vanin.
399
O livro aborda fragmentos de história de vida
e de grupos sociais que estão na constituição
histórico-cultural do município de Passo Fundo: