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Departamento de Psicologia

O INSIGHT IMPLÍCITO EM PACIENTES COM TRANSTORNO


BIPOLAR

Aluno: Fernanda Alves Fonseca


Orientador: Daniel C. Mograbi e Jesus Landeira-Fernandez

Introdução
O Transtorno Afetivo Bipolar (TB) é uma desordem cerebral, caracterizada por mudanças
não usuais no humor, energia, níveis de atividade e na habilidade de realizar as tarefas do
cotidiano. As alterações de humor compreendem desde um período de mania, caracterizado
por um comportamento mais energizado, até um período depressivo, marcado por um
sentimento de tristeza [1]. Muitos dos pacientes com TB apresentam uma consciência
reduzida do transtorno, de seus sintomas, e do seu funcionamento cognitivo e social; tal
condição é conhecida como perda de insight. Esse prejuízo dificulta a definição de um
diagnóstico, além de influenciar na adesão do paciente no tratamento e impactar no curso da
doença [2].
Contudo, evidências empíricas sugerem que esses indivíduos com pouca consciência
sobre o seu próprio estado tem a capacidade de realizar um processamento implícito das suas
condições [3]. Essa forma de insight é caracterizada pela demonstração indireta de certo
conhecimento, por parte do indivíduo, sobre o transtorno presente e suas manifestações
sintomáticas, apesar da ausência de expressão verbal acerca da sua condição de saúde [3].
Há, na literatura, estudos que apontam para um paralelo entre o insight implícito e o
desempenho dos participantes em testes de memória implícita, quando considerada a questão
da autoavaliação do desempenho real em tais tarefas [4]. Estudos apontam, ainda, para um
efeito do estado de humor na recuperação memória implícita [5].

Objetivo
O principal objetivo do estudo é avaliar a presença do insight implícitos em pacientes com
Transtorno Bipolar, investigando seus correlatos clínicos e neurais, visando um maior
entendimento desse fenômeno e suas possíveis implicações em populações clínicas, como
pacientes neurológicos e psiquiátricos.
Ainda, busca-se analisar a influência do estado de humor na recuperação de memórias
relacionadas com o TB. Além disso, o trabalho investiga a relação de déficits de
metacognição, em relação aos diferentes estados de humor.
O projeto possui um enfoque de inovação tecnológica, na medida em que promove
novos paradigmas computadorizados para a testagem de pacientes com Transtorno Bipolar, o
que, no futuro, permitirá a utilização de ferramentas mais desenvolvidas na área da saúde.

Metodologia
Na primeira etapa do estudo, foi realizada a revisão de literatura sobre o tema, preparação
de estímulos e materiais de pesquisa, além de visitas periódicas ao CIPE (Centro Integrado de
Departamento de Psicologia

Pesquisa), do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, para obter informações a respeito da coleta de


dados no local. São recrutados, neste Instituto, pacientes diagnosticados com transtorno
bipolar, em fase maníaca ou hipomaníaca, segundo os critérios estabelecidos pelo DSM-5 [6].
A partir disso, iniciou-se a aplicação de versões piloto dos testes na população-alvo do estudo,
envolvendo os instrumentos previamente pensados para o design do projeto, para averiguar a
sua adequabilidade. No total, a amostra contará com 50 pacientes, 25 em eutimia e 25 em
mania.
A amostra controle é formada por indivíduos sem histórico de doença psiquiátrica ou
neurológica, de mesmo tamanho, pareado em variáveis demográficas como sexo, idade e
escolaridade, com a amostra do grupo experimental. Todos os participantes devem ter idade
mínima de 18 e máxima de 65 anos, possuir, no mínimo, 4 anos de escolaridade e conseguir
utilizar o teclado de um computador de forma correta. A avaliação dos participantes do grupo
controle conta, além dos outros procedimentos descritos a seguir que também são aplicados
no grupo experimental, com dois instrumentos de rastreio. A presença de sintomas de
ansiedade será verificada através do GAD-7 [7] e os sintomas depressivos serão medidos
através do PHQ-9 [8]. Participantes recrutados para o grupo controle com escores indicativos
de depressão ou ansiedade durante a avaliação clínica serão excluídos do estudo. O
recrutamento dos participantes do grupo controle está sendo realizado por meio de cartazes
espalhados pela universidade, além do contato com os funcionários da mesma.
Os indivíduos serão testados seguindo um protocolo com ordem fixa: primeiro ocorre
a avaliação clínica, seguida pela bateria neuropsicológica (com tarefas que avaliam a memória
de trabalho verbal, diferentes aspectos das funções executivas, além da atenção e da
velocidade de processamento), avaliação de insight e metacognição e, finalmente, pelo Teste
de Associação Implícita (TAI) - um paradigma de tempo de reação, com viés atencional [9].
A avaliação clínica, a bateria neuropsicológica e a avaliação de insight serão realizadas
através de questionários, enquanto que a tarefa de metacognição e os paradigmas baseados no
TAI serão respondidos em um notebook. No caso dos pacientes, esses são avaliados
afetivamente por meio de escalas de depressão e mania, e nível de insight através da Escala de
Consciência de Morbidade no Transtorno Bipolar (ISAD-BR) [10]. Todos os participantes
assinam um termo de consentimento livre e esclarecido antes da participação na pesquisa.
A avaliação clínica é padronizada do ambulatório do IPUB e inclui instrumentos para:
avaliar o nível de sintomas depressivos -Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton- [11],
avaliar o nível de sintomas maníaco -Escala de Avaliação da Mania de Young- [12], a
gravidade do episódio afetivo -Escala de Gravidade Clínica, versão bipolar (CGI-bp) - [13], e
a Escala de Síndrome Positiva e Negativa [14], focando no formulário de sintomas positivos
da psicose (PANSS-p), como delírios ou alucinações.
A bateria utilizada para avaliar as funções cognitivas é composta por tarefas como o
Span de dígitos, na ordem direta e na ordem inversa, para avaliar a memória de trabalho
verbal [15]; o Teste Stroop [16], medindo a flexibilidade mental e inibição; Fluência de
animais [17], para analisar a fluência verbal fonológica e categórica; Procura de Símbolos
[15], para medir a atenção e velocidade de processamento.
A Escala de Consciência de Morbidade no Transtorno Bipolar foi construída com base
na “Scale to Assess Unawareness of Mental Disorders” [18], e consiste em uma escala
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multidimensional que avalia, por meio de dezessete itens, o insight para o diagnóstico e
sintomas do Transtorno Bipolar.
Na tarefa de metacognição, os participantes têm por objetivo completar uma tarefa
perceptiva: mostrar, em cada rodada, de um conjunto de dois estímulos de cor preta, qual
contém mais pontos brancos. A resposta é seguida de um julgamento de confiança sobre seu
desempenho, que varia da certeza absoluta do acerto, até a certeza absoluta do erro, passando
por diferentes graus de dúvida sobre o desempenho. A tarefa foi traduzida para o português e
pilotada entre alunos universitários da PUC-Rio, em setembro de 2016.
O paradigma do TAI consiste na apresentação de palavras-alvo no monitor, com o
participante tendo que apertar uma de duas teclas (e. g. i ou e) para indicar a associação que
realiza. O fundo da tela é preto, e palavras brancas ou amarelas aparecem em sequência. As
palavras aparecem à esquerda, à direita e ao centro. A palavra do centro é o alvo da avaliação
do participante, que deve associá-lo à palavra da esquerda ou da direita. As palavras fixadas
em ambos os lados do topo da tela são chamadas de conceitos, enquanto as palavras que
aparecerão abaixo destas são os atributos.
O paradigma aplicado neste estudo segue a estrutura do TAI, dividida em sete blocos.
Os blocos 1 e 2, compostos de 24 palavras, serão de associações simples (primeiro das
palavras-alvo com os conceitos, depois com os atributos); já os blocos 3 e 4 serão de
associação dupla (das palavras-alvo tanto com os conceitos quanto com os atributos),
contendo 24 e 48 palavras, respectivamente. O bloco 5 é o bloco 1 invertido e conterá 48
palavras; os blocos 12 6 e 7 serão idênticos (ou seja, com os conceitos invertidos), porém o 6
contará com 24 palavras, enquanto o sétimo tem 48. O TAI terá como conceitos, palavras
relacionadas ao self (eu e outro); como atributos terá palavras ligadas aos polos do Transtorno
Bipolar (eufórico e maníaco); e, como pistas, termos associados com sintomas das fases
maníaca e depressiva do TB, com viés negativo (ex. agitado, inútil). A tarefa foi traduzida
para o português e pilotada entre alunos universitários da PUC-Rio, em setembro de 2016.
Os participantes realizarão uma tarefa adaptada, de memória autobiográfica, conhecida
como “Autobiographical Memory Test” (AMT). Nela, eles terão que recuperar doze
memórias autobiográficas relativas à palavras-alvo. De modo que dentre estas, três palavras-
alvo farão referência à condição, três à sintomas negativos de depressão, três à sintomas
negativos de mania e, por fim, três serão neutras. Essas memórias serão transcritas e enviadas,
na sequência, para colaboradores independentes cegos para o grupo que irão avaliar os seus
conteúdos afetivo e semântico. As palavras-alvo utilizadas no estudo foram selecionadas a
partir de estudo-piloto, conduzido entre alunos universitários da PUC-Rio, em setembro de
2016, que avaliaram os termos em função das categorias: familiaridade, imageabilidade,
concretude e valência.
Todos os participantes são testados em uma sala de pesquisa no ambulatório do
IPUB/UFRJ, que oferece um ambiente isolado de interferências externas. Os participantes do
grupo controle são testados em um laboratório de pesquisa da PUCRio ou do IPUB/UFRJ,
com condições ambientais semelhantes com o ambulatório onde serão testados os pacientes.
Nesta segunda etapa, está sendo realizada a coleta oficial de dados, utilizando-se as
duas versões do TAI, desenvolvidas durante o trabalho, buscando uma medida de memória
implícita que será correlacionada com medidas de insight. Uma delas diz respeito à
consciência da doença e, a outra, à consciência dos sintomas (eufórico/depressivo). Além
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disso, foram pilotadas as ferramentas de metacognição, com um paradigma adaptado do


trabalho de Fleming e colaboradores [19], com o objetivo de estudar o impacto do humor
sobre o monitoramento de erros. Ainda, no estudo, utiliza-se uma adaptação da tarefa de
memória autobiográfica “Autobiographical Memory Test” [20], buscando descobrir as
relações entre o humor e a recuperação de memórias pessoais de longo prazo.
A análise dos dados foi realizada utilizando-se duas ANOVA’s de medidas repetidas, uma
para cada versão TAI, com os dados referentes aos pacientes em eutimia (n=17) e em mania
(n=12); tal análise tem por objetivo comparar o grupo clínico e o grupo controle em seus
resultados no TAI, considerando o tempo de reação médio e número de erros. Os resultados
preliminares indicam a presença de diferenças significativas no tempo médio de resposta entre

os grupos tanto na versão referente aos sintomas F (1, 25) = .17, p = .686, = .01, quanto na

versão que diz respeito à condição de doente F (1, 27) < .01, p = .984, < .01.
A tarefa de metacognição também será analisada a partir de uma ANOVA de 1 via,
com o intuito de comparar os resultados do grupo experimental e do grupo controle, quanto a
acurácia e o julgamento de desempenho.

Conclusões
A investigação prática e a fase de testes permitiu uma maior compreensão dos métodos
para a avaliação do insight implícito em pacientes com TB. Foi possível coletar informações
para estabelecer quais testes serão utilizados e o procedimento mais adequado para suas
aplicações. Com base nos resultados preliminares, é possível observar uma discrepância
significativa nos padrões de insight implícito entre pacientes bipolares que estão em fase
maníaca e os eutímicos.
O estudo em andamento, prosseguindo na segunda etapa, consiste na realização da
aplicação das duas versões do TAI, da tarefa adaptação de metacognição, recrutamento dos
participantes e coleta de dados comportamentais. Além disso, estão sendo feitas as
transcrições das memórias autobiográficas relativas à palavras-alvo que foram selecionadas
em um momento prévio, a partir de um estudo piloto, relatadas pelos participantes até o
presente momento.

Referências
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